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UNIVERSIDADE FEDERAL DE ALAGOAS
CURSO DE PSICOLOGIA
ANA CAROLINA DO ROSÁRIO CORREIA
CAMILA SANTOS DE FIGUEREDO LIMA
CARACTERIZAÇÃO DA CLÍNICA-ESCOLA DO SERVIÇO DE PSICOLOGIA APLICADA (SPA/UFAL): DESAFIOS E PARTICULARIDADES
Maceió, 2013
ANA CAROLINA DO ROSÁRIO CORREIA
CAMILA SANTOS DE FIGUEREDO LIMA
CARACTERIZAÇÃO DA CLÍNICA-ESCOLA DO SERVIÇO DE PSICOLOGIA APLICADA (SPA/UFAL): DESAFIOS E PARTICULARIDADES
Trabalho de Conclusão de Curso apresentado ao Instituto de Ciências Humanas, Comunicação e Artes e ao Curso de Psicologia da Universidade Federal de Alagoas como requisito parcial para a obtenção do grau de Psicólogo.
ORIENTADOR: CHARLES ELIAS LANG
Banca examinadora:
__________________________________________________
Charles Elias Lang
Professor-Orientador
__________________________________________________
Jefferson de Souza Bernardes
Professor convidado
Data da Avaliação: ___/___/____
Nota final: ___________________
CARACTERIZAÇÃO DA CLÍNICA-ESCOLA DO SERVIÇO DE PSICOLOGIA APLICADA (SPA/UFAL): DESAFIOS E PARTICULARIDADES
Ana Carolina do Rosário Correia
Camila Santos de Figueredo Lima
RESUMO
A clínica-escola caracteriza-se como uma das possíveis modalidades de serviços a serem prestados à comunidade, fator de caráter obrigatório em instituições formadoras de psicólogos. A clínica-escola do Serviço de Psicologia Aplicada (SPA) da Universidade Federal de Alagoas há dez anos tem sido uma fonte rica de subsídios para o desenvolvimento de práticas de pesquisa, produção e divulgação de conhecimento. Este estudo tem como objetivo caracterizar este serviço, destacando suas particularidades (enquadramento institucional, perfil de clientela) e dificuldades de percurso. O resultado demonstra uma demanda de alunos da própria universidade, bem como desacordos entre as propostas de ação e o funcionamento da clínica. Propostas são levantadas para uma possível otimização, ampliando os interesses e integrando o serviço à saúde coletiva.
Palavras-chave: clínica-escola de psicologia, universidade, caracterização, pesquisa.
__________________________________________________
INTRODUÇÃO
A clínica-escola caracteriza-se como uma das possíveis modalidades de
serviços a serem prestados à comunidade, fator de caráter obrigatório em
instituições formadoras de psicólogos, conforme as exigências descritas no Art.
16 da Lei N° 4.119 (1962) e regulamentada pelo decreto N° 53.464. (1964). Muito
mais que uma exigência, este espaço visa atender à demanda de uma formação
que, para além do campo teórico, carece fundamentalmente de aproximações
com a prática profissional.
Este artigo é pensado por duas graduandas do Curso de Psicologia da
UFAL que, ao optarem pela realização do Estágio Específico, no oitavo semestre,
em Clínica – Adulto, se deparam com um serviço que está, em considerável
proporção, à disposição das propostas acadêmicas relativas apenas ao ensino.
Isto pode relativizar os investimentos em ações de pesquisas, não usufruindo
devidamente dos recursos acarretados pela prática do estágio, aplicando-se os
conhecimentos produzidos nesta área de forma não ideal.
A clínica-escola do SPA-UFAL é um dispositivo que atualmente encontra-
se instalado no Instituto de Ciência Humanas, Comunicação e Artes (ICHCA) no
Campus de Maceió da UFAL. Funciona em um espaço que conta com sete salas:
uma para recepção, uma para supervisão, quatro salas para atendimentos com
adultos e adolescentes, e uma para atendimento infanto-juvenil, ambos de caráter
individual. Neste espaço a equipe que compõe a clínica é, atualmente, formada
por quatro bolsistas, que desempenham funções de recepcionistas e encarregam-
se pela organização do setor; dois professores-supervisores, doze alunos-
estagiários, e um profissional para os serviços gerais. O serviço é gratuito, possui
uma rotina de funcionamento de cinco dias na semana, das segundas às sextas-
feiras, entre as oito e às dezoito horas.
A clínica em questão, ao longo de sua atuação, dispôs de atendimentos
psicoterápicos com trabalhos em diversas abordagens como a psicanalítica,
gestáltica, fenomenológica existencial e cognitiva comportamental; contou com
trabalhos de supervisão de alguns professores que orientavam suas turmas de
estágio clínico ancorados em tais abordagens. Atualmente a clínica conta com
apenas dois professores/supervisores que ministram com orientação
psicanalítica.
Existe um crescente interesse em tratar do tema que concerne às
atividades desempenhadas pelas clínicas-escolas de psicologia no Brasil. Estar
inserido neste lugar oferece a chance de vivenciar as suas particularidades e
favorece a reflexão acerca do que se pratica neste âmbito.
O empenho em abordar o tema surge pela carência de estudos na área no
estado de Alagoas, inclusive na UFAL. Desta necessidade, surgiram trabalhos
anteriores (Correia, 2012; Lima, 2012), ampliados neste artigo, que tiveram como
objetivo principal esboçar o funcionamento da clínica-escola do Serviço de
Psicologia Aplicada da Universidade Federal de Alagoas. Alguns pontos que
concernem à este espaço foram privilegiados, como: a elaboração do perfil sócio-
demográfico e clínico do usuário da clínica, para, através deste, compreender
melhor as reais necessidades deste público, e considerações acerca das
experiências de ser estagiário em uma clínica-escola de um SPA.
As particularidades encontradas no contexto institucional têm servido como
tema de reflexão a alguns autores (Bleger, 1984; Dutra, 2004; Figueiredo, 2002).
Através da literatura e das vivências de estágio, percebe-se que as práticas em
clínica-escola enfrentam desafios que questionam premissas aprendidas durante
a formação teórica. No entanto, tais dificuldades possibilitam que os saberes que
pautam estes fazeres sejam problematizados, de modo que ambas as partes
possam passar por modificações (Salinas e Santos, 2002). Para além, estas
ressignificações são fundamentais: necessária à clínica-escola, para que estas
práticas “não fiquem alienadas e não percam seu significado social” (Peres,
1997); necessária também ao psicólogo em formação, que irá se inserir na
complexidade do funcionamento institucional, debruçando sua escuta e olhar
clínicos sobre este campo (Oliveira, 1999).
A partir disto, espera-se proporcionar um repensar sobre formas de
integração dos estágios curriculares ao SPA e estimular o desenvolvimento de
produção e divulgação de conhecimento científico acerca do SPA-UFAL;
sobretudo, promover o fortalecimento deste Serviço, otimizando suas ações frente
à Academia e à comunidade.
O presente estudo objetiva, primeiramente, caracterizar a clínica-escola do
Serviço de Psicologia Aplicada da Universidade Federal de Alagoas, através do
exame do seu enquadramento institucional e da elaboração de um perfil sócio-
demográfico e clínico do usuário da clínica, para, assim, compreender melhor as
reais necessidades deste público. Também anseia pelo desenvolvimento de uma
análise crítica sobre o funcionamento do serviço clínico prestado pelo SPA, de
modo a proporcionar um repensar sobre as atividades vinculadas ao mesmo.
Espera-se que este artigo contribua para estimular o desenvolvimento de
produção e divulgação de conhecimento científico através do SPA-UFAL. Além
disso, almeja-se que sirva como base para reflexões que venham a atender as
demandas dos alunos estagiários e as propostas que fazem parte do seu projeto
de implantação, visando o fortalecimento deste Serviço e do Curso de Psicologia
da UFAL.
MÉTODO
Inicialmente, foi feito um levantamento da literatura que envolvesse pontos
sobre Clínicas-escola de Psicologia nas Universidades, dividido em duas etapas:
na primeira, foram realizadas buscas por artigos científicos de temática
semelhante nos seguintes sites de busca: Google Acadêmico, Scielo, BVS Psi e
Periódicos Capes, de forma a utilizar as palavras-chave “clínica-escola de
psicologia”, “caracterização”, “serviço de psicologia aplicada”, “psicologia na
universidade”.
Na segunda etapa, foi pesquisado material nas dependências da UFAL,
sobretudo no próprio SPA, como documentos, atas e relatórios de estágio. Na
realização desta procura, o objetivo foi encontrar arquivos quer haviam sido
elaborados com este intuito ou que fossem consistentes como referências para a
construção de um histórico da clínica-escola em questão.
Para a criação de um perfil sócio-demográfico da clientela, utilizamos as
informações coletadas através de consulta direta às fichas de inscrição de cada
paciente e, quando necessário, no livro de registro geral dos pacientes. As fichas
consultadas dizem respeito a clientes cujas inscrições foram feitas entre 2010 e
outubro de 2012, incluindo aqueles que estão sendo atendidos, os que estão na
fila de espera e os desistentes ou que tiveram seus atendimentos concluídos,
respectivamente assim divididos. Para tanto, foi elaborada uma tabela para
facilitar a contagem dos dados, na qual constaram os itens: sexo, faixa etária,
escolaridade, encaminhamento, responsável pela inscrição, renda familiar e
motivo da busca por atendimento.
Análise de dados
O material coletado foi processado conforme o referencial metodológico de
uma análise documental, constituindo esta etapa como pesquisa documental
quantitativo-descritiva e retrospectiva. Os dados para a elaboração do perfil de
usuário foram divididos em 3 grandes listas: clientes em atendimento, clientes na
fila de espera e concluintes/desistentes. A seguir, foram tabulados em planilha
eletrônica e analisados através do programa Microsoft Office Excell 2007, onde
foram feitos os cálculos totais e criados os gráficos deste estudo.
RESULTADOS
Histórico
Em 1998, a Comissão de estágio curricular obrigatório supervisionado
observou a necessidade de criar-se um núcleo de psicologia aplicada que, junto
ao Departamento de Psicologia da Universidade Federal de Alagoas (UFAL), deu
início ao projeto de implantação do atual Serviço de Psicologia Aplicada (SPA) em
2000, visando dar garantias de aprimoramento da qualidade da formação dos
alunos do Curso. Este projeto foi, enfim, contemplado em 2002.
Em tese, estariam presentes no SPA-UFAL atividades diversas: estágios
nas áreas de Psicologia Clínica, Psicologia Organizacional, Psicologia
Comunitária, Orientação Vocacional/Profissional, Psicometria e Psicodiagnóstico.
No entanto, em dez anos de funcionamento, houve apenas oferta de estágios em
sua clínica-escola.
Enquadramento institucional
Segundo seu projeto de implantação, o Serviço de Psicologia Aplicada
fundamenta-se na necessidade de articular:
[...] o conjunto de atividades formadoras do Curso, enfatizando as práticas, estágios supervisionados e realização de projetos extensivos e/ou de pesquisa. A estruturação deste setor, junto às entidades formadoras, proporcionará a formação complementar do graduado em Psicologia, facilitando o seu contato com a realidade da prática do profissional psicólogo (Instituto de Ciências Humanas, Comunicação e Artes [ICHCA], 2000).
No regimento, onde constam as normas e diretrizes para a implantação e
funcionamento do SPA, são traçados três objetivos: (1) oferecer condições para
estágios curriculares supervisionados dos alunos do Curso de Psicologia da
UFAL, visando o treinamento profissional como complemento das atividades
teórico-práticas do currículo do curso de graduação, (2) prestar atendimento e
oferecer serviços psicológicos à comunidade, e (3) produzir e divulgar
conhecimentos em Psicologia Aplicada. O SPA-UFAL deve ter, ainda, um
coordenador, indicado pelo Colegiado do Curso, o qual deve acompanhar e
avaliar o trabalho desenvolvido pelo mesmo. Constam como áreas para oferta de
estágio curricular: Psicologia Clínica, Psicologia Organizacional, Psicologia
Comunitária, Orientação Vocacional/Profissional, Psicometria e Psicodiagnóstico
que, de uma forma geral, prestaria atendimento à toda a comunidade. A área da
Psicologia Clínica se subdividiria da seguinte forma: Psicologia Clínica para
adultos, adolescentes e crianças; Psicossomática; Neuropsicologia Clínica;
Psicologia Clínica de Drogadição/Dependência Química. A respeito da equipe de
trabalho, o regimento argumenta:
A equipe de profissionais trabalhando no SPA será inicialmente composta de três psicólogas clínicas, uma psicóloga organizacional,
uma psicóloga comunitária, um psicólogo especializado em orientação vocacional/profissional e um psicólogo especializado em psicometria, todos devidamente credenciados pelo Colegiado do Curso de Psicologia. As atividades serão desenvolvidas por estes profissionais, assim como por alunos estagiários e monitores supervisionados. Além disso, um funcionário técnico administrativo desempenhará atividades ligadas à secretaria e recepção, tais como inscrição de clientes, cadastramento, marcação de consultas, etc (ICHCA, 2000).
Este espaço, atualmente, é movido pelas práticas de estágios curriculares
na área de psicologia clínica, atrelados à estrutura curricular do Curso. Os alunos,
divididos em dois grupos (clínica do adulto e clínica infantil) desempenham
atividades por um período de dezoito meses. As turmas são compostas, em
média, por seis alunos por supervisor. A supervisão tem como meta auxiliar no
suporte teórico/prático; supervisor tem um “manual” próprio de estágio, com a
distribuição da carga horária correspondente a 480 horas para seus estagiários.
A clínica-escola do SPA-UFAL, atualmente protagonista deste monólogo
institucional, vem a ser o dispositivo de maior importância para o curso de
psicologia e para a comunidade alagoana. Atualmente conta apenas com dois
professores/supervisores que se ancoram no referencial teórico de base
psicanalítica, como já mencionado, os quais orientam duas turmas com seis
alunos cada. Visto que o atendimento é prestado a quem recorre ao serviço, sem
restrição, a demanda acaba se tornando extensa em relação à equipe que
compõe o mesmo. Além disto, compõe uma rede que abarca setores da saúde,
educação e poder judiciário, mas que ainda precisa de suporte adequado que lhe
ofereça recursos operacionais.
De sua criação até o presente momento, a clínica está funcionando ao
longo de 10 anos, durante os quais foram prestados serviços “às populações ao
redor da UFAL, especialmente as mais carentes, no que se refere à busca de um
equilíbrio sócio-psicológico” (ICHCA, 2000). Esta assistência está à disposição da
população maceioense, podendo também contemplar pessoas de todas as partes
do estado. O SPA está inserindo-se na rede de atenção à saúde, fazendo com
que o serviço receba encaminhamentos de hospitais da rede pública, Centros de
Atendimento Psicossocial (CAPSs), instituições psiquiátricas, Centros de
Referência de Assistência Social (CRASs), órgãos judiciários, instâncias
escolares/educacionais e outros. Está vinculado também a outros serviços
prestados pela própria universidade, tais como o Fórum Universitário, a Pró-
Reitoria Estudantil (PROEST) e às clínicas-escola dos cursos de saúde.
Um registro do projeto de gerenciamento da clínica-escola de psicologia
fornece algumas informações sobre como, na época da implantação do serviço, o
modelo clínico no curso estava sendo estruturado: visa contemplar finalidades
acadêmicas tanto quanto finalidades de prevenção e promoção de saúde para
com a comunidade. Este registro, de cunho gerencial, teria por objetivo discutir,
construir e aplicar estratégias amplas no campo da clínica-escola, desde ações
de administração e divulgação do trabalho realizado na clínica até ações
propriamente acadêmicas, de ensino, pesquisa e extensão. Almeja contemplar
questões tais quais sistema administrativo, diagnóstico estrutural e funcional,
articulações interdisciplinares, divulgação e implantação de pesquisas na e sobre
a clínica-escola.
Neste projeto gerencial faz-se menção, enquanto “objetivos”, às ações
interdisciplinares com os cursos existentes na UFAL na condução do
funcionamento da clínica de psicologia, e fomentar a implantação e
desenvolvimento das diferentes linhas teóricas de abordagem do fenômeno
psíquico e psicopatológico. As práticas interdisciplinares teriam como objetivo a
descentralização de ações específicas, a fim de implantar um moderno sistema
de gestão da clínica, bem como ações de encaminhamento de casos específicos
recebidos/atendidos no espaço da clínica-escola. Segundo este projeto, a busca
de parcerias tem por objetivo tanto a melhoria das relações interdisciplinares,
quanto a redução de custos em tarefas específicas que são necessárias à
estruturação e funcionamento de uma atividade, no caso, a clínica e suas
relações.
Caracterização do serviço
A partir do processo de inscrição e triagem de clientes, forma-se um banco
de dados que podem auxiliar em pesquisas sobre a comunidade alagoana. A
princípio, não há critérios de exclusão de clientes, exceto o cuidado ao não
atender alunos do curso de psicologia da UFAL, por questões éticas. Mesmo
nestes casos, é feita a recepção e acolhimento do solicitante, e se necessário, o
encaminhamento para um profissional.
Ao ser “escolhido” pelo estagiário, o cliente é convocado ao atendimento.
Primeiramente pelas entrevistas iniciais, e daí em diante os estagiário e cliente
estabelecem um contrato de trabalho. No cotidiano dessa clínica-escola depara-
se com faltas na primeira sessão, desistências após alguns encontros, como
também continuidade e adesão do paciente ao tratamento. É importante ressaltar
que há alguns anos esta clínica-escola oferece psicoterapias de base analítica,
protagonizando a fala livremente associada do sujeito: a fala deve ser privilegiada
não como manifestação patológica que exige correção ou resposta imediata, mas
como possibilidade de fazer aparecer uma outra dimensão da queixa que
singulariza o pedido de ajuda. Conseqüentemente, o tratamento consiste, nessa
etapa inicial, em acolher e escutar ao invés de ver e conter (Corbisier, 1992). Isso
caracteriza o serviço clínico no que diz respeito ao tipo de conduta que o SPA
adota ao receber e acolher toda demanda que chega, e convida o sujeito à sua
própria fala e enunciação da significação que ele tem e faz sobre si.
A clínica trabalha com política de falta: se o paciente faltar a três
atendimentos consecutivos e sem justificar, será considerado desistente do
atendimento. Este índice sempre foi alto, e parece ser um fator marcante em
diversas clínicas-escolas de psicologia no Brasil, demonstrando que tais
instituições “funcionam de forma bastante contraditória na medida em que a
maioria da clientela que busca por atendimento psicológico é encaminhada ou
permanece em longas listas de espera, sendo pouquíssimos os casos que
recebem atendimento e alcançam os objetivos propostos” (Ancona-Lopez, 1983
como citado em Campezatto & Nunes, 2007, p. 364), sendo passível de
especulações causais.
O caráter de gratuidade dos atendimentos oferecidos pode contribuir ao
reforço dessa característica, visto que, apoiado no referencial psicanalítico,
[...] o pagamento não teria só a função de fazer cair o objeto para apontar o caminho do desejo. Da parte do analista, oferecer sua escuta para receber em troca os inauditos segredos que revelam uma fantasia envergonhada de seu gozo pode bem dar a idéia de que é o analista quem goza disso [...] cabe ao analista saber cobrar o que custe caro ao analisando, mas sem referência fixa ao preço de mercado ou à freqüência padronizada. (Figueiredo, 1997, p. 99)
Outro fator agravante seria a falta de um processo planejado e
sistematizado de acolhimento ao cliente, incluindo nesse planejamento uma
reformulação da equipe que compõe a clínica, considerando que quem presta
serviço clínico neste espaço são estagiários da graduação e que neste mesmo
lugar chegam todos os dias casos das mais variadas complexidades procurando
atendimento imediato. A contratação de profissionais que permanecessem
presentes durante o expediente da clínica, fazendo acolhimento imediato de
determinados casos e funcionando até mesmo como supervisores locais pode
caber como sugestão para mudar quadros de acúmulo em filas de espera,
podendo até modificar positivamente o índice de aderência ao processo
terapêutico.
Pode-se pensar também em um processo criterioso de triagem de clientes
que usufruiriam do serviço, com base em variáveis como, por exemplo, renda
familiar, já que o mesmo, bem como a maioria das clínicas-escolas de psicologia,
destina seus atendimentos à populações de baixa renda. Visto isso, clientes que
detivessem renda financeira acima de um determinado valor poderiam ser
encaminhados à psicoterapeutas que realizem atendimentos com preços mais
acessíveis; inclusive pode-se pensar em encaminhamentos à alunos recém
formados pelo Curso e que estão trabalhando na área. Com isso, a própria
clínica-escola em questão reforçaria o trabalho de dimensão de rede funcional,
fazendo os devidos encaminhamentos de pessoas e casos.
Caracterização da clientela
Os dados a seguir datam de 2012, período em que fizemos esta parte do
estudo; estes são relativos à clientela inscrita entre o ano de 2010 e o mês de
outubro de 2012.
A população atendida na clínica-escola do SPA é constituída
principalmente por indivíduos do sexo feminino (63,9% da população geral, contra
36,1% de indivíduos masculinos), sendo em sua maioria adultos (pessoas entre
19 e 70 anos, representam 66% da população). O usuário adulto padrão do SPA-
UFAL é do sexo feminino, tem entre 19 e 40 anos, reside em Maceió e tem renda
familiar de até 2 salários mínimos; é aluno de ensino superior na UFAL; chegou à
clínica-escola sem encaminhamento, feito o próprio sua inscrição; não preencheu
o item “motivo da busca por atendimento”.
O público infantil apresenta uma parcela significativa, mas
consideravelmente menor (34% da população). Seu usuário padrão é do sexo
masculino, tem entre 5 e 11 anos ( outros estudos encontraram dados
semelhantes , com faixas etárias entre 6 e 9 anos; Perfeito e Melo, 2006; Ramos
e Moretti, 1999); reside em Maceió e tem renda familiar de até um salário mínimo;
está cursando o ensino fundamental; também chegou à clínica-escola sem
encaminhamento e teve a inscrição feita pela mãe; não preencheu o item “motivo
da busca por atendimento”.
Ao analisarmos a natureza dos encaminhamentos que chegam à clínica do
SPA, percebemos que a maior parte dos usuários veio por conta própria, sem
direcionamentos anteriores por parte de algum dispositivo, quer seja da saúde,
educação ou judiciário. Visto que o serviço tem poucas visibilidade e divulgação
em grandes mídias, é dedutível que estes dados se justifiquem por uma forma
menor e mais pessoal de divulgação, que acontece de pessoa a pessoa:
estudantes do próprio curso, ou até mesmo clientes regulares, recomendam a
clínica-escola para parentes e amigos. Ainda sobre encaminhamentos, estes são,
em sua maioria, oriundos da PROEST (adulto) e do Fórum Universitário (infantil).
Tabela 1: caracterização sócio-demográfica da população atendida pela Clínica-Escola do SPA-UFAL – de 2010 a outubro de 2012.
Sexo Faixa etária Escolaridade Renda familiar Cidade Encaminhamentos
Masc.: 336 0-4: 33 Ens. Fund.: 234 Sem renda: 15 Maceió: 846 Não-encaminhados: 635 Fem.: 597 5-11: 148 Ens. Sup.: 335 Até 1 s. m.: 140 Interior: 61 PROEST: 88 12-15: 82 Pós-grad.: 24 Até 2 s. m.: 136 Sem dado: 19 Profissionais: 23 16-18: 47 Não estuda: 58 De 3 a 4 s. m.: 76 HU: 22 19-40: 512 Sem dado: 231 Acima de 4 s.m.: 44 Fórum Universitário: 19 41-70: 105 Sem dado: 287 CRAS: 15 Sem dado: 5 Escola: 14 NDI: 11 Outros: 73 Sem dado: 20
Apesar da ausência significativa de preenchimento (47%), o item
correspondente às queixas da clientela, ilustrado na figura 1, é caracterizado nas
descrições dos próprios usuários, no ato de inscrição, como: problemas familiares
(10%), ansiedade (6%), problemas emocionais (5%), depressão (4%),
autoconhecimento (3%) e problemas de comportamento (3%).
Figura 1: queixas mais frequentes na população atendida pela Clínica-Escola do Serviço de Psicologia Aplicada – SPA-UFAL – de 2010 a outubro de 2012.
A falta de preenchimento de alguns itens da ficha de inscrição foi uma
dificuldade constante: 1) Uma quantidade significante de fichas (233,
representativa de 24,9% da população geral) não possuía registro de data de
inscrição, dificultando saber a que época correspondente; 2) A ausência na
especificação da justificativa para a busca de atendimento aparece
predominantemente em adultos. Segundo os bolsistas que trabalham na
recepção, as pessoas por vezes ficam hesitantes em dar nome a seus problemas,
ou mesmo não sabem como descrevê-los. Em contraponto, por serem
preenchidas por um responsável, as fichas de inscrição para atendimento infantil
tendem a ser mais completas; 3) Os dados sobre desistências e términos de
atendimento também são escassos (tabela 2). Consequentemente, percebeu-se
impossível estabelecer parâmetros a respeito do tempo médio frequentado pelos
pacientes na clínica, bem como também os principais motivos de evasão.
É necessário ressaltar que esta ausência de dados também tem relação
com o modelo de ficha adotado. Durante a pesquisa, foram encontrados 04
modelos diferentes, nos quais alguns itens não constavam.
Tabela 2: desistências da população atendida, de 2010 a outubro e 2012.
Ano Masc.: Fem.: Total:
2010 33 64 96 2011 48 84 132 2012 (jan./out.) 15 14 29 Sem dado 71 162 233
167 324 491
DISCUSSÃO
A clínica-escola do curso de Psicologia constitui-se como fonte rica para
fornecimento de subsídios para o desenvolvimento de práticas de pesquisa,
produção e divulgação de conhecimento para além da Universidade enquanto
espaço institucional, voltado para comunidade como um todo. Por receber
usuários com diversos problemas psicológicos, a clínica-escola pode dispor de
um extenso banco de dados para realização de pesquisas, contribuindo tanto
para fomentar estudos nos vários campos psi, como para fornecimento de um
serviço de melhor qualidade. Segundo Peres (1997), “a falta de conhecimento
sobre as necessidades de uma clientela tende a gerar, ao indivíduo,
atendimentos inadequados, e ao aluno, uma olhar limitado da atuação como
profissional”.
Segundo o seu regimento, a clínica-escola, bem como todo o Serviço de
Psicologia Aplicada, tem como público-alvo a comunidade local. A resposta para
a questão “a clientela atual se encaixa nessa configuração?” é bastante relativa:
este e outros estudos anteriores (Santos e Santos, 2010; Santos e Souza, 2011)
demonstram que temos, por um lado, o usuário adulto, que em geral estuda na
própria Universidade, e está um pouco afastado desta concepção; por outro, o
usuário infantil, que não possui outro vínculo institucional com a UFAL que não o
atendimento na clínica, está mais próximo desta realidade: a renda familiar, em
sua maioria de até um salário mínimo, condiz com a situação econômica dos
bairros vizinhos ao campus. De fato, alguns encaminhamentos recebidos surgem
de CRAS, unidades básicas de saúde e outros órgãos públicos da região.
Há dez anos, o serviço clínico é prestado no SPA, e apesar de ser o único
núcleo que contempla toda a demanda do público desde então, este setor
funciona com parâmetros gerencias obsoletos. Fichas de inscrição preenchidas
desde o ano de 2002 estão arquivadas, mas sem critérios de agrupamento;
existiram durante esse tempo cinco modelos de fichas de inscrição, que se
diferenciam pelos dados que são requeridos, porém não exigidos: muitas fichas
encontram-se indevidamente preenchidas, estando incompletas. Com isso, existe
a dificuldade de se utilizar esses dados de forma sistematizada; esta deficiência
prejudica o serviço da clínica, impedindo a formação de um banco de dados que
possam subsidiar a produção de pesquisas em diversas áreas, sendo da
Psicologia ou não. Estas ações que envolvem sistematização de gerenciamento e
organização do setor, rigor nos processos burocráticos (como a
triagem/preenchimento de ficha) ficam a cargo dos bolsistas.
Existe uma considerável ausência de diálogos entre as turmas de estágio
que constituem áreas da Psicologia Aplicada, fato que não favorece o
desenvolvimento de pesquisas e projetos de extensão vinculados ao SPA;
observa-se que essa falha acaba desconstituindo alguns intuitos deste setor,
como propostas acadêmicas de aplicação do conhecimento científico voltado
para a comunidade acadêmica e alagoana, nos campos de prevenção e
promoção de saúde.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A clínica-escola vigora desde a implantação do SPA como único
dispositivo que compõe o Serviço; por vezes acaba sendo erroneamente
concebida como sinônimo deste dispositivo maior do qual faz parte. Este fato só
ressalta o conflito de idéias existente entre a base documental sobre a qual o
SPA foi criado e o seu modo de execução. Devido a isso, há certa sobrecarga de
funções a desempenhar em relação à demanda, que fica sob responsabilidade
dos supervisores que desempenham atividades vinculadas ao SPA e dos alunos
estagiários.
O estágio em clínica promove o atendimento psicológico; outros aspectos
atrativos à comunidade, como avaliações psicológicas e testes vocacionais,
consultoria e pesquisa em empresas acabam não sendo ofertados. Além disso,
conta-se com uma fila de espera relativamente extensa, mas que não se faz valer
a tanto: há pessoas inscritas num período superior a um ano, nunca tendo sido
chamadas. A procura por auxílio, decorrente do sofrimento psíquico de cada um,
não tem sido acolhida com a urgência necessária.
Apesar da indicação à comunidade, retratada mesmo em seu regimento, a
ausência de critérios de seleção para a clientela dificulta o funcionamento do
serviço: encontramos, entre os inscritos, pessoas que moram em outras cidades,
que se deslocam à UFAL para o atendimento, além de uma grande maioria de
alunos da própria universidade. É preciso considerar estes dados como
relevantes e constituintes do serviço, a fim de problematizar os modos em que
este está engendrado, e a partir disso cogitar formas de amenizar estes
problemas.
A clínica escola do SPA-UFAL está atualmente em processo de revisão e
mudanças, em busca de superação demodelos antigos de funcionamento eda
modernização dos processos gerenciais, aprimorando a disponibilização de
dados relevantes ao estudo da comunidade e dos serviços prestados pela clínica
psicológica do SPA. Espera-se que estas e outras mudanças sejam permitidas
através de uma maior coesão entre a equipe que forma o serviço clínico do SPA,
do Colegiado do Curso, do próprio Curso de Psicologia, das unidades
acadêmicas da Universidade e da rede assistencial do município, quiçá do estado
de Alagoas. É preciso ainda uma conscientização acerca do formato institucional
em que se trabalha, a fim de lidar melhor com suas dificuldades e impasses.
REFERÊNCIAS
Bleger, J. (1984). Psico-higiene e psicologia institucional. Porto Alegre: Artmed.
Campezatto, P. M., Nunes, M. L. T. (2007). Atendimento em clínicas-escola de psicologia da região metropolitana de Porto Alegre.Estudos de psicologia, 24 (3),
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Corbisier, C. (1992). A escuta da diferença na emergência psiquiátrica. Em B. Bezerra, Jr. & P. Amarante (orgs.), Psiquiatria sem hospício: contribuições ao estudo da reforma psiquiátrica (pp. 9-15). Rio de Janeiro: Relume-Dumará.
Correia, A. C. R. (2012). Perfil do usuário do SPA-UFAL. Trabalho apresentado na III Jornada da CEIP, Santa Maria. RS.
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