Post on 17-Aug-2020
Livro do curso
Ecologia da Floresta Amazônica 2014
Foto: Camila Celestino Hohlenwerger
Coordenadores e monitores
José Luiz C. Camargo
Raul Costa Pereira
Paulo Enrique C. Peixoto
Lucas Navarro Paolucci
Paulo Estefano D. Bobrowiec
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Índice
Colosso – projetos orientados Magrinho hoje, gordinho amanhã: investimento diferencial em crescimento entre fases do desenvolvimento de Miconia cf. biglandulosa (Melastomataceae) Alexandre C. Siqueira, Camila J. P. Ramos, Larissa P. Lemes & Paulo H. Araujo-Camargo ................................. 10 Que venha o tsunami: alagamentos imprevisíveis e a diversidade de formigas epigéicas Vítor de C. Rocha, Alessandro Rocha, Gabriela P. Hass & Nelson S. Pinto .................................................... 17 Sempre cabe mais um: herbívoros galhadores e mastigadores não segregam o consumo de folhas
Bruno G. Melati, Camila C. Hohlenenwerger, Isabel C. Barragàn & Maíra D. Sagnori ......................................... 24 Comunidades de plântulas em florestas secundárias são mais homogêneas do que em florestas primárias Júlia F. dos Santos, Daniele J. Moreno, Paulo R.L. Bittencourt, Ronildo A. Benício............................................ 29 Dividir e proteger: folhas compostas são menos consumidas do que folhas simples Flávio R. O. Rodrigues, Danielle K. Petsch, Gabriela Decker & Giulliana Appel ................................................ 38
Colosso – projetos livres Tamanho de folíolos confere proteção contra herbivoria, mas a dureza não Gabriela Decker, Bruno G. Melati, Gabriela Hass & Giulliana Appel ............................................................. 44 A composição de epífitas de mata em regeneração não é um subconjunto aninhado de mata primária Alessandro Rocha, Alexandre C. Siqueira, Danielle K. Petsch & Ronildo A. Benício........................................... 45 A dureza das folhas não influencia a diferença da taxa de decomposição da serapilheira entre borda e interior de fragmentos Daniele J. Moreno, Flávio R. O. Rodrigues, Paulo H. Araújo-Camargo, Vítor de C. Rocha ................................... 46 Tricomas facilitam o deslocamento de uma espécie de saúva (Atta sp.) Paulo R. L. Bittencourt, Larissa P. Lemes, Júlia F. dos Santos & Isabel C. Barragán .......................................... 47 A formiga Pheidole minutula investe igualmente na defesa de folhas jovens com e sem domáceas Camila C. Hohlenenwerger, Camila J. P. Ramos, Maíra D. Sagnori & Nelson S. Pinto ........................................ 48
Catalão – projetos orientados Não há investimento ótimo em estruturas de predação em baratas d’água (Belostomatidae) Camila J.P. Ramos, Gabriela P. Hass, Paulo H. Araújo-Camargo &Vítor de C. Rocha ........................................ 49
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Ausência de demanda conflitante entre reprodução e defesa em uma planta de floresta alagável Giulliana Appel, Gabriela Decker, Camila C. Hohlenwerger, Ronildo A. Benício ................................................ 55 A predação não influencia a abundância de peixes em bancos de macrófitas Nelson S. Pinto, Alexandre C. Siqueira, Isabel C. Barragán & Júlia Ferrúa ..................................................... 61 A atividade de forrageio de larvas de odonata não é alterada pela pressão de predação em bancos de macrófitas Maíra D. Sagnori, Larissa P. Lemes, Paulo Bittencourt & Alessandro Rocha ................................................... 67 Nem em pé nem de ladinho: não existe demanda conflitante entre investimento foliar e estrutural em ramos com diferentes formas de crescimento em uma espécie arbórea de várzea Danielle K. Petsch, Bruno G. Melati, Daniele J. Moreno & Flávio R. O. Rodrigues ............................................. 74
Anavilhanas – projetos orientados “Fazer bico” facilita a vida de plantas em florestas inundáveis? Gabriela Hass, Alessandro Rocha, Isabel C. Barragan, Maíra D. Sagnori ....................................................... 80 O custo energético para a produção de teias de aranhas afeta a colonização de novos habitats Gabriela Decker, Alexandre C. Siqueira, Bruno G. Melati & Daniele J. Moreno ................................................. 86 Borboletas da espécie Phoebis sp. ajustam o comportamento de voo em resposta a pressões de predação e migração Ronildo A. Benício, Paulo H. Araújo-Camargo, Camila C. Hohlenwerger, Júlia F. dos Santos ................................ 92 A prevalência das interações bióticas de formigas é maior em uma comunidade mais antiga Danielle K. Petsch, Flávio R. O. Rodrigues, Giulliana Appel & Nelson S. Pinto ................................................. 98 Não há correlação entre atributos funcionais de folha e de caule em florestas de igapó
Larissa P. Lemes, Paulo Bittencourt, Camila J. P. Ramos & Vítor de C. Rocha .............................................. 105
Anavilhanas – projetos livres Efeito do tempo de inundação de ilhas sobre a diversidade beta de plântulas em uma área de igapó na Amazônia Central Julia F. dos Santos, Camila J. P. Ramos, Maíra D. Sagnori, Ronildo A. Benício ............................................. 113 “Ado-a-ado, cada um no seu quadrado”: distribuição agregada de plântulas ao longo de um gradiente de inundação Gabriela Hass, Danielle K. Petsch, Gabriela Decker & Larissa P. Lemes ..................................................... 114
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O formato do fruto favorece a capacidade de dispersão hidrocórica? Isabel C. Barragán, Alessandro Rocha, Flávio R. O. Rodrigues, Vítor de C. Rocha .......................................... 115 A coloração vermelha em folhas não atua como sinal aposemático Camila C. Hohlenenwerger, Bruno G. Melati, Paulo Bittencourt, Nelson S. Pinto............................................. 116 A maior capacidade de absorção de nutrientes por plântulas reflete a troca das folhas após a inundação Paulo H.S. Araújo-Camargo, Alexandre C. Siqueira, Daniele J. Moreno & Giulliana Appel ................................. 117
Km 41 – projetos orientados Risco de predação afeta o comportamento de girinos Isabel C. Barragán, Larissa P. Lemes, Alessandro Rocha & Paulo H. Araújo-Camargo ..................................... 118 O hemíptero Jalisus ossae não utiliza camuflagem química para evitar o ataque da formiga Pheidole minutula Alexandre C. Siqueira, Bruno G. Melati, Camila J.P. Ramos & Danielle K. Petsch ........................................... 125 A riqueza de artrópodes da serapilheira diminui com o aumento da heterogeneidade ambiental Maíra D. Sagnori, Nelson S. Pinto, Giulliana Appel & Ronildo A. Benício ...................................................... 131 O tamanho corporal media interações antagonistas entre formigas predadoras? Paulo Bittencourt, Daniele J. Moreno, Gabriela Decker, Júlia dos Santos ..................................................... 139 Um é bom, dois é melhor: mecanismos de defesa contra herbívoros em plantas são complementares? Vítor de C. Rocha, Camila C. Hohlenwerger, Flávio R. O. Rodrigues & Gabriela Hass ...................................... 144
Km 41 – projetos individuais A heterogeneidade ambiental em troncos de árvores não afeta a comunidade, nem a partição temporal de nichos em formigas Alessandro Rocha .................................................................................................................... 151 Maior investimento em prole aumenta os custos do cuidado parental em aranhas Paratrechalea sp. Alexandre C. Siqueira ................................................................................................................ 159 Ter filho sai caro: o gasto energético associado ao cuidado parental na aranha Hingstepeira folisecens Bruno G. Melati ........................................................................................................................ 170 A qualidade de abelhas operárias aumenta a eficiência em explorar recursos para construção do ninho? Camila C. Hohlenwerger ............................................................................................................. 178
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O tamanho corporal e a reserva energética dos machos da libélula Micrathyria hesperis não estão associados à probabilidade de ocupação de um território de acasalamento Camila J. P. Ramos ................................................................................................................... 187 Ninhos temporários de formigas Crematogaster sp. não conferem maior defesa em Palicourea guianensis (Rubiaceae) Daniele J. Moreno ..................................................................................................................... 196 Pequenos recursos, grandes indivíduos: o tamanho do indivíduo e do recurso determinam a capacidade de gerrídeos (Hemiptera) dominarem uma presa Danielle K. Petsch .................................................................................................................... 204 A disponibilidade de nutrientes no solo aumenta o investimento radicular, mas não a resistência foliar de Ischnosiphon arouma (Marantaceae) Flávio R. O. Rodrigues ............................................................................................................... 213 As aranhas Paratrechalea sp. selecionam habitats que conferem proteção à ooteca? Gabriela Decker ....................................................................................................................... 222 Se piscar o predador pega, se piscar a larva come: bioluminescência em larvas de coleópteros (Lampyridae) Gabriela P. Hass ...................................................................................................................... 233 A presença de espinhos nas palmeiras não afeta a propensão das aranhas a reconstruírem as teias após um distúrbio Giulliana Appel ........................................................................................................................ 243 Risco de predação reduz a movimentação de girinos em diferentes estágios ontogenéticos Isabel C. Barragán .................................................................................................................... 251 O aumento do tamanho melhora a eficiência de captura de presas de aranhas pescadoras (Aracnida: Trechaleidae) Júlia F. dos Santos.................................................................................................................... 262 A mancha abdominal em machos de Micrathyria hesperis (Odonata: Libellulidae) e a sinalização de qualidade do macho Larissa P. Lemes ...................................................................................................................... 269 Atributos do substrato não determinam a riqueza de fungos Maíra D. Sagnori ...................................................................................................................... 276 O cuidado parental não afeta o investimento nas estruturas de captura da aranha Hingstepeira folisecens Nelson S. Pinto ........................................................................................................................ 284 Formigas subordinadas se arriscam mais quando o recurso é mais valioso Paulo H. Araujo-Camargo ............................................................................................................ 291
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Propriedades estruturais e químicas das folhas não estão associadas à ocorrência de epífilas em plântulas de uma floresta tropical úmida Paulo R. L. Bittencourt................................................................................................................ 300 Influência da heterogeneidade ambiental sobre a riqueza e abundância de aracnídeos em uma floresta de terra firme na Amazônia Central Ronildo A. Benício .................................................................................................................... 310 É das flores que elas gostam mais? Comparação da eficiência de defesa das estruturas vegetativas e reprodutivas por formigas do gênero Crematogaster em Palicourea guianensis (Rubiaceae) Vítor de C. Rocha ..................................................................................................................... 319
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Colosso – projetos orientados _____________________________________________________________________________
Magrinho hoje, gordinho amanhã: investimento diferencial em crescimento entre
fases do desenvolvimento de Miconia cf. biglandulosa (Melastomataceae)
Alexandre C. Siqueira, Camila J. P. Ramos, Larissa P. Lemes & Paulo H. Araujo-Camargo
Introdução
Limitações na disponibilidade energética impõem restrições fisiológicas aos organismos, de
modo que recursos utilizados em uma função tornam-se indisponíveis para outras (Begon et
al. 2006). Essa relação de alocação de recursos para uma determinada função em detrimento
de outra é conhecida como demanda conflitante (Tilman 1988). Especificamente para as
plantas, demandas conflitantes são amplamente debatidas em relação ao balanço do
investimento energético entre crescimento, reprodução e defesa contra herbívoros (Tilman
1988).
O crescimento vegetativo em plantas demanda grande quantidade de energia
(McMahon 1973). Ao longo do crescimento as proporções de uma planta variam entre
diferentes dimensões como altura, diâmetro do caule e tamanho da copa (Gould 1966). Essas
variações alométricas podem ser determinadas pelo investimento em componentes do
crescimento de acordo com as condições ambientais em que os indivíduos se encontram
(Archibald & Bond 2003). Um exemplo é o investimento diferencial em crescimento vertical
em detrimento do espessamento do caule, que é influenciado por demandas conflitantes entre
interceptação de luz e sustentação (Silveira et al. 2012). Para maximizar a obtenção de luz,
plantas investem em crescimento vertical, alcançando extratos do ambiente onde há menor
disputa por esse recurso. No entanto, o aumento em altura do caule pode gerar problemas de
sustentação biomecânicos, o que aumenta o risco de tombamentos (Henry & Aarssen 1999).
Ao longo da ontogenia vegetal indivíduos experimentam contextos ambientais
distintos, então o investimento em crescimento pode estar sujeito a variações o
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desenvolvimento. Plantas jovens tendem a experimentar maior limitação na disponibilidade
de luz do que quando adultas devido ao sombreamento gerado por outros indivíduos maiores
(Poorter et al. 2006). Por sua vez, plantas adultas podem ser menos limitadas por luz, mas
necessitam ter maior capacidade para suportar o incremento da biomassa vegetativa (e.g.
galhos e frutos). Além disso, indivíduos adultos estão mais expostos à ação dos ventos,
aumentando a chance de tombamentos (van Gelder et al. 2004). Portanto, as diferentes
condições experimentadas entre as fases de desenvolvimento podem levar a um investimento
diferencial entre altura e espessamento no crescimento das plantas ao longo da ontogenia.
O arbusto Miconia cf. biglandulosa (Melastomataceae) é comumente encontrado em
sub-bosques de mata secundária amazônicos. Nós utilizamos essa espécie pioneira para
responder se há um investimento diferencial em crescimento ao longo das fases de
desenvolvimento da planta. Nossa hipótese é que plantas jovens investem mais no crescimento
em altura em detrimento do diâmetro, enquanto plantas adultas investem mais no crescimento
em diâmetro em detrimento da altura.
Métodos
Área de estudo
Nós realizamos o estudo em outubro de 2014 em uma área de mata secundária na fazenda
Esteio – acampamento Colosso, localizada a aproximadamente 70 km de Manaus (2º25' S,
59º50' O), uma das áreas de estudo do Projeto de Dinâmica Biológica de Fragmentos
Florestais (PDBFF). A temperatura média é de 24,8 ºC e a precipitação média anual é de 2.500
mm, com a estação seca de junho a outubro (Setz et al. 1999).
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Coleta de dados
Dada as dificuldades em se determinar a idade de uma planta em campo, usamos o tamanho
dos indivíduos como um estimador dessa variável. Verificamos a amplitude da altura dos
indivíduos de M. cf. biglandulosa em campo e classificamos os indivíduos de forma arbitrária
em jovens ou adultos, considerando como jovens os indivíduos com altura entre 0,1 e 2,0 m e
adultos os indivíduos com altura acima de 4 m. Não amostramos indivíduos intermediários
para garantir uma representativa distinção de tamanho entre nossas classes ontogenéticas.
Estimamos visualmente a altura (da base até a gema apical) dos indivíduos utilizando um
bastão de 1 m como escala. Medimos o maior e o menor diâmetro do caule na altura do solo
usando um paquímetro e calculamos a média dessas medidas para cada indivíduo.
Análises estatísticas
Para mensurar o investimento de crescimento em cada fase de desenvolvimento (jovens e
adultos), precisávamos obter uma métrica que representasse o quanto do crescimento em
diâmetro incrementava a altura. Para isso, usamos uma regressão linear, tendo como variável
preditora o diâmetro médio e como variável resposta a altura (transformados em logaritmo).
Com as regressões obtivemos a inclinação da reta (β) para cada uma das fases de
desenvolvimento, que corresponde a nossa variável operacional de investimento em
crescimento. Esperamos que a inclinação da reta obtida para jovens seja maior do que a
inclinação da reta para adultos. Para verificar se a inclinação da reta da relação entre diâmetro
e altura diferia entre as fases de desenvolvimento, realizamos uma análise de covariância
(Ancova), tendo como variável resposta a altura da planta, variável preditora a fase de
desenvolvimento (jovens e adultos) e covariável o diâmetro. Especificamente, a interação
entre diâmetro e classe de idade nos permitiu avaliar a diferença entre as inclinações de reta
(Gotelli & Ellison 2011). As análises foram realizadas no programa estatístico R (R
Development Core Team 2013).
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Resultados
Jovens (n=29) apresentaram diâmetro médio de 0,97±0,38 cm (média±DP) e altura média de
1,12±0,57 m, enquanto os adultos (n=23) tiveram diâmetro médio de 5,23±2,37cm e altura
média de 6,4±1,84 m. Há uma relação positiva entre diâmetro e altura para ambas as fases de
desenvolvimento, sendo que a inclinação da reta da relação para os indivíduos jovens
(β1=1,25) foi pouco mais de duas vezes maior que a inclinação da reta para os indivíduos
adultos (β2=0,59) (F= 26,17; gl=1,48; p<0,001; Fig. 1).
Figura 1. Relação alométrica entre diâmetro (cm) e altura (m) de indivíduos de Miconia cf.
biglandulosa (Melastomataceae), em matas secundárias da Amazônia Central. Os pontos
vazados representam indivíduos jovens, enquanto que pontos preenchidos representam
adultos.
Discussão
Nós encontramos que existe investimento diferencial na relação de crescimento em altura e
em diâmetro em M. cf. biglandulosa entre as fases de desenvolvimento da planta. Enquanto
jovens investem mais em crescimento em altura comparado ao investimento em diâmetro, os
adultos investem mais no aumento do diâmetro em detrimento da altura.
-2
-1
0
1
2
3
-2 -1 0 1 2 3
Lo
g A
ltu
ra (
m)
Log Diâmetro (cm)
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O investimento diferencial em crescimento reflete as diferentes pressões ambientais
sob as quais uma espécie vegetal está submetida ao longo de sua ontogenia. A estratificação
vertical das plantas limita a disponibilidade de luz para organismos localizados no sub-bosque.
A estratégia de investimento em crescimento encontrada para indivíduos jovens de M. cf.
biglandulosa parece estar relacionada a esta condição uma vez que, ao investir no crescimento
em altura, os indivíduos jovens alcançam estratos mais elevados da estrutura da vegetação,
onde há aumento da disponibilidade de luz. Então, a partir do momento em que a limitação
por luz se torna menos pronunciada, o investimento da energia adquirida pode ser direcionado
para outras demandas como reprodução e crescimento em espessamento.
Na medida em que há o investimento no crescimento em altura, há também aumento
de biomassa de estruturas como galhos, folhas e frutos, o que exige maior capacidade de
sustentação mecânica (Henry & Aarssen 1999). Além disso, os indivíduos adultos estão mais
expostos ao vento, o que demanda um investimento em espessamento em relação a indivíduos
jovens. Adicionalmente, os indivíduos de M. cf. biglandulosa são típicos de ambientes
abertos, o que os torna ainda mais expostos ao efeito do vento e, consequentemente, a
tombamentos. Nesse sentido, a mudança no padrão de investimento em crescimento
observada entre jovens e adultos pode estar associado à maior necessidade de estabilidade
estrutural e sustentação pela fase adulta comparada à fase jovem.
Plantas com diferentes estratégias de história de vida (e.g. pioneiras vs. tardias) podem
ser caracterizadas de acordo com a forma que respondem às diferentes pressões ambientais
(e.g. Sposito & Santos 2001, Silveira et al. 2012). Espera-se que espécies pioneiras
apresentem um investimento maior em crescimento em altura comparado ao espessamento
nas fases iniciais (Sposito & Santos 2001). Nossos resultados indicam que M. cf.
biglandulosa, espécie típica de ambientes abertos, apresenta esse mesmo padrão, sugerindo
que o acesso à luz nas fases iniciais do desenvolvimento é um fator importante para a planta.
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Concluímos que o investimento em crescimento nas plantas pode ser influenciado por
demandas específicas de cada fase de desenvolvimento. Nossos resultados indicam que as
variações no investimento em crescimento por M. cf. biglandulosa podem ser influenciadas
principalmente pela disponibilidade de luz para jovens, e exposição ao vento e aumento da
capacidade de sustentação em adultos. Sugerimos que futuros estudos visando compreender
o investimento diferencial em crescimento abordem a importância relativa de cada um desses
fatores.
Agradecimentos
Agradecemos ao INPA e ao PDBFF por nos proporcionar a oportunidade de desenvolver esse
projeto e aumentar nosso conhecimento científico. Agradecemos especificamente aos
coordenadores Paulo Enrique Cardoso Peixoto e Paulo Estefano Dineli Bobrowiec, ao monitor
Raul Costa Pereira e à professora Christiane Erondina Corrêa por nos guiar nas etapas desse
projeto.
Referências
Archibald, S. & J.W. Bond. 2003. Growing tall vs growing wide: tree architecture and
allometry of Acacia karroo in forest, savanna, and arid environments. Oikos, 102:3-
14.
Begon, M., C.R. Townsend & J.L. Harper. 2006. Ecology: from individuals to ecosystems.
USA: Blackwell Publishing.
Gotelli, N.J. & A.M. Ellison. 2011. Princípios de estatística em ecologia. Porto Alegre:
Artmed.
Gould, S.J. 1966. Allometry and size in ontogeny and phylogeny. Biological Reviews, 41:587-
640.
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Henry, H.A.L. & L.W. Aarssen. 1999. The interpretation of stem diameter-height allometry
in trees: biomechanical constraints, neighbour effects, or biased regressions? Ecology
Letters, 2:89-97.
McMahon, T. 1973. Size and Shape in Biology. Science, 179:1201-1204.
Poorter, L., L. Bongers & F. Bongers. 2006. Architecture of 54 moist-forest tree species: traits,
trade-offs, and functional groups. Ecology, 87:1289-1301.
R Development Core Team. 2013. R: A language and environment for statistical computing.
R Foundation for Statistical Computing, Vienna, Austria. http://www.R-project.org/.
Setz, E.Z.F., J. Enzweiler, V.N. Solferini, M.P. Amêndola & R.S. Berton. 1999. Geophagy in
the golden-faced saki monkey (Pithecia pithecia chrysocephala) in the Central
Amazon. Journal of Zoology, 247:91-103.
Silveira, A.P., F.R. Martins & F.S. Araújo. 2012. Are tree ontogenetic structure and allometric
relationship independent of vegetation formation type? A case study with Cordia
oncocalyx in the Brazilian caatinga. Acta Oecologica, 43:126-133.
Sposito, T.C.S. & F.A.M. Santos. 2001. Scaling of stem and crown in eight Cecropia
(Cecropiaceae) species of Brazil. American Journal of Botany, 88:939-949.
Tilman, D.T. 1988. Plant strategies and the dynamics and structure of plant communities.
New Jersey: Princeton University Press.
van Gelder, H.A. Van, L. Poorter, & F.J. Sterck. 2004. Wood mechanics , allometry , and life-
history variation in a tropical rain forest tree community. New Phytologist, 171:367-
378.
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Que venha o tsunami: alagamentos imprevisíveis e a diversidade de formigas
epigéicas
Vítor de C. Rocha, Alessandro Rocha, Gabriela P. Hass & Nelson S. Pinto.
Introdução
Os ambientes estão sujeitos a distúrbios (eventos causadores de perda total ou parcial de
biomassa) que podem alterar características microclimáticas, estruturais e a disponibilidade
de recursos (Townsend & Hildrew 1994). Essas mudanças podem afetar a estruturação das
comunidades, alterando o número, abundância e composição das espécies em decorrência de
mudanças nas interações interespecíficas ou por abrir espaço para a colonização de novos
organismos (Andersen 2000).
Distúrbios podem variar quanto à sua intensidade (amplitude comparada a outros
eventos), frequência (número de ocorrências por intervalo de tempo) e previsibilidade
(periódicos ou imprevisíveis). Na floresta Amazônica, áreas ao longo dos grandes rios são
periodicamente alagadas em resposta ao pulso de inundação, inundando as florestas por até
seis meses (Goulding et al. 1988, Tockner & Stanford 2002). Dessa forma, os pulsos de
inundação são considerados distúrbios previsíveis e severos para os organismos terrestres que
habitam essas áreas.
Por outro lado, pequenos cursos d´água (igarapés) em florestas tropicais estão sujeitos
a diferentes variações de inundações e podem ter suas margens alagadas de forma imprevisível
em decorrência de chuvas locais (Baccaro et al. 2013). Esses alagamentos podem variar de
intensidade, dependendo da quantidade de chuva que cai em um curto espaço de tempo. Além
disso, os solos das zonas ripárias das florestas tropicais são mais arenosos e permeáveis,
podendo permanecer temporariamente alagados (Drucker et al. 2008).
Os alagamentos podem causar perda de habitat para formigas que vivem sobre o solo
(epigéicas; Seal &Tschinkel 2010). Entretanto, encontramos essas formigas tanto em
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ambientes não alagáveis como alagáveis (Lach et al. 2010). Como as espécies de zonas
ripárias dependem de áreas secas para estabelecer seus ninhos (Philpott 2005, Philpott et al.
2010), podemos esperar que alagamentos imprevisíveis afetem a diversidade de formigas.
Nossa hipótese é que ambientes com distúrbios frequentes e imprevisíveis terão menor
diversidade de formigas quando comparados com ambientes que não sofrem esse distúrbio.
Esperamos que áreas não alagáveis terão maior número de espécies de formigas do que áreas
alagáveis. Adicionalmente, esperamos que a abundância de formigas em áreas alagáveis será
menor do que em áreas não alagáveis.
Métodos
Área de estudo
Desenvolvemos este estudo nas imediações do acampamento Colosso (Fazenda Esteio),
localizado na Área de Relevante Interesse Ecológico Projeto Dinâmica Biológica de
Fragmentos Florestais (ARIE-PDBFF) (02º24’S e 59º44’O; ca. 50-100 m altitude), região
central da Amazônia (Bierregaard et al. 2001). O clima da região é tropical do tipo Am -
tropical úmido de monções, conforme classificação de Köppen-Geiger (Peel et al. 2007). A
área possui uma estação seca durante o período de junho a outubro com precipitação média
de 1900 mm/ano, e uma estação chuvosa entre novembro e maio com precipitação média de
2500 mm/ano (Bierregaard et al. 2001).
A cobertura vegetal da área é constituída de floresta tropical úmida de terra firme. O
relevo é constituído basicamente por três tipos: platô (área plana de maior altitude, com solo
argiloso bem drenado), vertente (ecótono entre zonas de maior e menor altitude) e baixio (área
de relevo baixo, geralmente sob influência de cursos de água; Ribeiro et al. 1999). No nosso
estudo, a área alagável ficou localizada no baixio e a área não alagável no platô.
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Delineamento amostral
Selecionamos uma área alagável e uma área não alagável, equidistantes 100 m. Em cada área
foram amostrados 10 pontos, onde foram instaladas 5 iscas distribuídas em um desenho
circular de 30 cm de raio. Escolhemos usar várias iscas por ponto amostral para evitar possível
efeito de dominância de espécies de formigas que monopolizam o recurso e impedem o acesso
de outras espécies formigas às iscas (Bolton 2006). Cada isca foi composta por c.a. 5 g de
sardinha (fonte proteica) e 5 g de goiabada (fonte de carboidratos). Nós amostramos as duas
áreas simultaneamente.
Utilizamos o tempo (em minutos) que a primeira formiga levou para visitar cada isca
para estimar a abundância de formigas nas áreas. Essa medida pode ser considerada como um
equivalente da abundância de formigas, pois em áreas com maior abundância as formigas
encontrarão as iscas mais rapidamente quando comparado com áreas com menor abundância.
Nós coletamos os indivíduos após 30 minutos de exposição das iscas e os identificamos em
morfoespécie. Comparamos o tempo médio que as formigas levaram para visitar as iscas e o
número de morfoespécies entre áreas não alagáveis e alagáveis usando um teste-t para
amostras independentes (Zar 1999).
Resultados
A riqueza média observada nas áreas não alagáveis foi de 2,8 ± 1,32 (média ± desvio padrão)
morfoespécies e nas áreas alagáveis foi de 2,8 ± 0,92. O número de morfoespécies por unidade
amostral nas áreas não alagáveis variou de um a quatro, enquanto que nas áreas alagáveis a
variação foi de dois a cinco. A riqueza de formigas foi semelhante entre as duas áreas (t =
0,00; gl = 18; p > 0,99; Fig. 1). As formigas em áreas não alagáveis levaram em média 13,1 ±
6,3 minutos para visitar as iscas, enquanto as formigas de áreas alagáveis levaram 11,0 ± 8,4
minutos. O tempo para visitar as iscas entre as áreas também foi semelhante (t = 0,63; gl = 18;
p = 0,53; Fig. 2).
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Figura 1. Número médio de morfoespécies de formigas coletadas em áreas não alagáveis e
alagáveis. Linhas verticais nas barras representam o desvio padrão.
Figura 2. Abundância estimada pelo tempo médio de encontro das iscas por formigas
coletadas em áreas não alagáveis e alagáveis. Linhas verticais nas barras representam o desvio
padrão.
Discussão
Nossos resultados indicaram que locais com alagamentos frequentes e imprevisíveis não
alteram a diversidade de formigas de solo. As formigas que constroem ninhos na serapilheira
deslocam seus ninhos frequentemente (a cada 34-147 dias), podendo mover seus ninhos para
áreas seguras e recolonizar o ambiente após o fim do distúrbio (Bryne 1994). Visto que a
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competição entre formigas é muito forte, o deslocamento do ninho de volta para a área que
sofreu alagamento é frequente (Lach et al. 2010). Como nosso trabalho foi realizado quando
o ambiente não se encontrava alagado, pode ter passado tempo suficiente para que houvesse
recolonização do baixio pelas formigas.
Formigas de solo e folhiço forrageiam dezenas de metros de seus ninhos (Hölldobler
& Wilson, 2005) e são capazes de se deslocar de áreas mais secas até a margem do igarapé
(aproximadamente 5 m). Embora seja possível que os alagamentos frequentes e imprevisíveis
impeçam ou diminuam a possibilidade de construção de ninhos nas áreas alagáveis, é possível
que as formigas nidifiquem em áreas mais secas e forrageiem nas áreas alagáveis. Isso pode
explicar a abundância semelhante entre platô e baixio. Além disso, mesmo que parte das
operárias sejam perdidas ou mortas pelos alagamentos imprevisíveis, o prejuízo para a colônia
é pequeno pois as operárias que forrageiam representam apenas cerca de 15% do total de
operárias da colônia (Hölldobler & Wilson 2005).
Somente a imprevisibilidade do distúrbio parece não influenciar a estruturação da
comunidade de formigas, já que a intensidade de inundação do igarapé é relativamente
pequena e em pouco tempo (cerca de três horas) ele volta a correr no seu curso normal. A
combinação da intensidade e frequência do distúrbio podem ser mais importantes para
estruturar a comunidade de formigas nas margens dos igarapés de florestas. Áreas inundadas
com maior frequência e por longos períodos de tempo limitariam mais a disponibilidade de
recursos que em ambientes com inundações menos frequentes e mais curtas (Vasconcelos et
al. 2010).
Referências
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24
Sempre cabe mais um: herbívoros galhadores e mastigadores não segregam o
consumo de folhas
Bruno G. Melati, Camila C. Hohlenenwerger, Isabel C. Barragàn & Maíra D. Sagnori
Introdução
Seleção de habitat ocorre quando um indivíduo escolhe ativamente os locais com
características específicas para ocupar. Esse comportamento seletivo pode evoluir quando
características dos locais ocupáveis influenciam a aptidão dos indivíduos. Em geral, os
atributos do habitat usados para seleção normalmente estão associadas à disponibilidade de
alimento, abrigos, parceiros sexuais ou risco de predação (Hembre & Peterson 2012).
A competição por alimento tem forte influencia na seleção de habitat pelos indivíduos
(Scott 2005). Quanto mais escasso o recurso, maior deve ser o benefício para indivíduos que
consigam evitar as áreas onde a competição é mais intensa e, portanto, maior deve ser o nível
de seletividade dos organismos quanto ao habitat. Por exemplo, fêmeas do anuro Hyla
chrysoscelis diminuem a atividade e oviposição em poças que contenham predadores e
competidores de suas larvas (Resetarits Jr. & Wilbur 1989).
Herbívoros galhadores e mastigadores podem competir por recursos alimentares (Ali
& Agrawal 2012). As larvas dos insetos galhadores se alimentam do limbo foliar, diminuindo
a quantidade de nutrientes disponíveis na folha. Consequentemente, para os insetos
mastigadores, folhas atacadas por herbívoros galhadores seriam um alimento de menor
qualidade nutricional. Por outro lado, os insetos mastigadores consomem a lamina foliar,
diminuindo a quantidade de folha disponível. Portanto, insetos galhadores que escolham essas
folhas para ovipor teriam menos recurso alimentar disponível para suas larvas (Coley &
Barone 1966). Logo, herbívoros galhadores e mastigadores que usem a mesma folha teriam
prejuízos em relação a folhas intactas.
25
Em florestas tropicais tanto herbívoros galhadores quanto mastigadores são muitos
comuns (Carneiro et al. 2009). Logo, é provável que haja competição entre eles pelas folhas.
Nessa situação, nossa hipótese é que insetos galhadores e mastigadores se evitam
reciprocamente para diminuir a competição por alimento.
Métodos
Realizamos o estudo na Fazenda Esteio, acampamento Colosso (02° 24’ S, 59° 43’ O)
pertencente ao Projeto Dinâmica Biológica de Fragmentos Florestais (PDBFF) do Instituto de
Pesquisas da Amazônia (INPA), na Amazônia Central. O clima da região é tropical quente
úmido, com pluviosidade média anual de 2.186 mm e temperatura anual média de 26,7 ºC
(Oliveira & Mori 1999).
Para avaliar se as folhas com galhas eram menos consumidas do que as sem galhas
amostramos 13 plantas com galhas. Em cada planta coletamos a folha com galha e duas folhas
adjacentes: uma imediatamente anterior e a outra imediatamente posterior à folha com galhas
do mesmo ramo. Consideramos as folhas com galha quando estas apresentavam
aproximadamente 10% de sua superfície foliar coberta por galhas. Para estimar a área foliar
consumida, calculamos a área foliar usando papel transparente de quadricula de 0,5 x 0,5 cm.
Consideramos a área ausente da folha como consumida. Estimamos a proporção de área
consumida em função da área total desconsiderando a área ocupada pelas galhas. No caso de
folhas compostas, estimamos a média dos folíolos.
Dado que é uma coleta pontual, não é possível prever qual herbívoro chegou primeiro.
Porém, se houver evitação reciproca, o galhador escolheria uma folha intacta ou muito pouco
consumida, enquanto o mastigador escolheria uma folha intacta ou, se houver galha,
consumiria pouca folha. Então, se a nossa hipótese for verdadeira, ao selecionar folhas com
galhas, a área foliar consumida por mastigador em uma folha com galha deveria ser menor
que a área consumida por mastigadores em uma folha sem galha da mesma idade.
26
Para testar se a média de área foliar consumida difere entre as folhas com galhas e sem
galhas da mesma planta usamos um teste t pareado. Utilizamos como variável independente a
presença e ausência de galhas e como variável resposta a porcentagem de área foliar
consumida na folha com galha e a média de área foliar consumida nas folhas adjacentes
coletadas no mesmo ramo. Optamos por usar a média de área foliar consumida nas folhas
adjacentes, pois a média delas deveria representar a área foliar perdida em uma folha sem
galhas de idade similar a folha com galhas coletada.
Resultados
Folhas com galhas apresentaram em média 6,01% (DP=±7,45) de área foliar consumida. Já as
folhas sem galhas apresentaram em média 7,35% (DP=±6,53) de consumo foliar. Não
encontramos diferença na porcentagem de área foliar consumida por insetos mastigadores
entre folhas com e sem galhas (t=0,59; gl=12; p=0,28; fig. 1).
Figura 1. Relação entre porcentagem de área foliar consumida por herbívoros mastigadores e
a presença de galhas na fazenda Esteio, Amazônia Central. As linhas ligam os pares de folhas
que ocorriam no mesmo ramo.
27
Discussão
Não observamos diferença entre a porcentagem de área foliar consumida em folhas com
galhas e sem galhas. Isso indica que não há evitação recíproca entre herbívoros galhadores e
mastigadores. Como houve baixa porcentagem de área média foliar consumida em folhas com
e sem galhas, é possível que a ausência de evitação recíproca seja um reflexo da baixa
intensidade de herbivoria. Um dano foliar baixo pode ser insuficiente para fazer com que
herbívoros galhadores evitem folhas atacadas por mastigadores. Da mesma forma, a presença
de herbívoros galhadores ocupando uma área pequena da folha pode ser insuficiente para que
os herbívoros mastigadores evitem essas folhas.
Plantas apresentam diversas estratégias para reduzir os danos causados por herbivoria
que podem limitar o crescimento populacional dos herbívoros. Quando mais de um herbívoro
está presente na mesma folha, as restrições causadas pela planta - por exemplo, produção de
compostos de defesa na folha - podem limitar o consumo dela pelos herbívoros. O baixo
consumo foliar deveria atenuar as pressões de competição entre herbívoros e
consequentemente a seleção de folhas sem indícios de consumo por competidores não deveria
ser favorecida (Schoonhoven et al. 2005).
Entre os herbívoros que depositam ovos em folhas, os galhadores costumam ser os
mais especialistas (Ali & Agrawal 2012). Além disso, a larva do galhador é incapaz de
abandonar a folha na qual o ovo foi depositado caso esse ambiente desfavoreça seu
desenvolvimento. Dessa forma, para espécies de galhadores a seleção de habitat deve ser mais
rígida do que para espécies de vida livre. Portanto, apesar de não ocorrer evitação recíproca,
ainda é possível que os galhadores evitem folhas consumidas por mastigadores, enquanto os
mastigadores não devem evitar folhas com galhadores. Nesse contexto, explorar os processos
de seleção de habitat para cada um dos organismos pode auxiliar na compreensão de como a
competição pode moldar a seleção de habitat e como herbívoros galhadores e mastigadores
interagem entre si e com as espécies que consomem.
28
Agradecimentos
Agradecemos a orientação do professor Mário de Almeida Neto pelos ensinamentos,
esclarecimentos e paciência empregados para a construção, compreensão e desenvolvimento
do projeto. Agradecemos também o auxílio dos outros professores, em especial aos Paulinhos
e Bruno, e ao monitores, em especial ao Lucas. Por último agradecemos o companheirismo,
mesmo que indireto, de todos os alunos do EFA 2014.
Referências
Ali, J.C. & A.A. Agrawal. 2012. Specialist versus generalist insect herbivores and plant
defense. Special Issue: Specificity of plant–enemy interactions,17:293-302.
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29
Comunidades de plântulas em florestas secundárias são mais homogêneas do que
em florestas primárias
Júlia F. dos Santos, Daniele J. Moreno, Paulo R.L. Bittencourt, Ronildo A. Benício.
Introdução
Na Amazônia os processos de ocupação e expansão das atividades humanas levaram ao
desmatamento de aproximadamente 750 mil km² até 2011 (INPE 2012), o que representa 18%
da cobertura florestal original (Massoca 2012). Muitas dessas áreas são utilizadas para
agricultura e agropecuária e, após o declínio da produtividade, são abandonadas (Massoca
2012). Até 2006, aproximadamente 20% das áreas desmatadas na Amazônia Brasileira se
tornaram áreas em estágio secundário de sucessão (INPE 2012).
Áreas em estágio avançado de regeneração possuem maior número de espécies quando
comparadas com áreas em estágios iniciais (Laurance et al. 2006). Em estágios iniciais,
espécies pioneiras são favorecidas, pois as alterações ambientais facilitam seu
estabelecimento (Laurance et al. 1998). À medida que estas espécies se desenvolvem, a
alteração das condições bióticas e abióticas (e.g. sombreamento, atração de animais
dispersores de sementes) facilita o estabelecimento de espécies mais exigentes quanto ao
ambiente, tornando a comunidade mais heterogênea. Esse padrão foi observado para espécies
arbóreas adultas em áreas com diferentes estágios sucessionais (Laurance et al. 2006).
Alguns estudos observaram maior dissimilaridade da composição de espécies para áreas
em estágio avançado de regeneração quando comparado com áreas em estágios iniciais
(Laurance et al. 2006). Entretanto, a maior parte desses estudos enfocou apenas a comunidade
de árvores adultas negligenciando as plântulas (Laurance et al. 1998). Plântulas representam
um estágio crítico para a sucessão de comunidades vegetais, pois são mais susceptíveis à
competição por luz e predação. Portanto, a composição das espécies de plântulas pode alterar
30
a comunidade das plantas adultas no futuro, com implicações importantes para o processo de
regeneração em uma escala temporal distinta das fornecidas pelos adultos.
Nós avaliamos se a comunidade de plântulas é mais homogênea na floresta secundária
do que na floresta primária, padrão observado para árvores adultas (Laurence et al. 2006).
Nossa hipótese é que na floresta secundária, a comunidade de plântulas é mais homogênea
que em florestas primárias.
Métodos
Nós realizamos o estudo na Fazenda Esteio, acampamento Colosso (02º 24’ S, 59º 43’ O),
localizado cerca de 80 km ao norte de Manaus, na Área de Relevante Interesse Ecológico
Projeto Dinâmica Biológica de Fragmentos Florestais (ARIE - PDBFF), Amazônia Central.
A fazenda tem cerca de 10.000 ha de vegetação classificada como floresta de terra firme
(Laurance et al.. 2010). O clima da região é tropical úmido, com temperatura média anual de
26,7 °C e pluviosidade média de 2000 mm por ano (Lovejoy & Bierregaard 1990).
Estudamos um fragmento de floresta primária de 10 ha e uma de floresta secundária
com aproximadamente 25 anos de regeneração (Laurance et al. 2011). Em cada uma dessas
áreas amostramos as plântulas em oito parcelas de 1 x 1 m, distantes 10 m entre si. Somente
plântulas maiores que 20 cm e menores que 1 m de altura foram amostradas e identificadas
em morfoespécie.
Para testar nossa hipótese, utilizamos a diversidade β (dissimilaridade da composição
de espécies entre dois sítios) como métrica de heterogeneidade das espécies de plântulas.
Dessa forma nossa previsão é que a floresta secundária possui menor diversidade β do que o
fragmento de floresta primária. Para isso, utilizamos a métrica proposta por Anderson (2006).
Primeiro, realizamos uma Análise de Coordenadas Principais (PCoA) para ordenar as parcelas
de acordo com a composição de espécies baseado no índice de dissimilaridade de Bray-Curtis.
Este índice é considerado relativamente independente da riqueza de espécies e mais acurado
31
para amostras pequenas (Soininen et al. 2007). Depois, calculamos o centróide de cada um
dos grupos (floresta primária e floresta secundária) e a distância de cada amostra (parcela) até
o centróide. A distância da amostra ao centróide dentro de cada grupo representou o valor de
diversidade β. A comparação dos valores da diversidade β entre cada área foi feita por uma
Análise de Homogeneidade de Dispersão Multivariada (PERMADISP). As análises foram
computadas no programa R usando o pacote vegan (The R Development Core Team 2009,
Anderson 2006).
Resultados
Nós registramos 92 plântulas distribuídas em 44 morfoespécies. Na floresta primária, foram
encontradas 44 plântulas de 27 morfoespécies, sendo 23 exclusivas desta área. Na floresta
secundária, registramos 48 plântulas de 20 morfoespécies, das quais 17 foram exclusivas. A
densidade de plântulas por parcela foi de 5,5 ± 2,56 (média ± desvio padrão) na floresta
primária e 6,0 ± 2,72 na floresta secundária. O número médio de morfoespécies de plântulas
por parcela registradas na floresta primária foi de 5, 12 ± 2,47, enquanto que na floresta
secundária foi de 3,62 ± 1,30 morfoespécies. As morfoespécies sp3 (n=5), sp2 (n=5) e sp28
(n=9 plântulas) foram as mais comuns na floresta primária e secundária, respectivamente (Fig.
1).
Apenas três morfoespécies ocorreram em ambos os tipos de vegetação. A
dissimilaridade (diversidade β) de plântulas dentro de cada área foi alta (0,86 ± 0,14 para a
floresta primária e 0,90 ± 0,17 para a floresta secundária). A dispersão das unidades amostrais
da ordenação por PCoA de cada tipo de vegetação foi similar. A diversidade β entre as duas
áreas foi similar (PERMDISP; F=0,25; p=0,62; Fig. 2).
32
Figura 1. Rank de abundância das morfoespécies de plântulas na floresta primária (acima) e
secundária (abaixo) em uma área do PDBFF, Amazônia central, Brasil.
33
Figura 2. Análise Coordenadas Principais (PCoA) de morfoespécies de plântulas coletadas em
áreas do PDBFF, Amazônia central, Brasil. A floresta primária (triângulos pretos) e a floresta
secundária (círculos brancos) mostram uma dispersão similar dos pontos em relação ao
centróide (círculos cinza).
Discussão
A diversidade β (dissimilaridade entre sítios) da floresta primária e da floresta secundária foi
relativamente alta (média maior que 80%). Isso pode ter contribuído para a diversidade β das
comunidades de plântulas da floresta primária e secundária ser semelhante. A similaridade na
diversidade β dentro da floresta primária e da floresta secundária ocorreu devido ambos tipos
de vegetação apresentarem valores similares de riqueza de espécies por parcela, densidade de
plântulas e alta dominância de espécies.
A sobreposição de morfoespécies entre a floresta primária e secundária foi baixa (três
espécies apenas). Isso indica um baixo fluxo de sementes vindo de plantas adultas da floresta
primária para a secundária, conforme encontrado por Lindsay et al. (2011). A floresta
secundária que estudamos é separada da floresta primária por uma área aberta de
aproximadamente 100 m. Mesquita et al. (2001) encontrou que o número de plantas que
34
regeneram na floresta secundária é muito reduzido mesmo quando localizado próximo à
floresta primária (50-100 m). O autor sugere que a dispersão de sementes por aves e
mamíferos limita o recrutamento de plântulas na floresta secundária. O mesmo pode ter
acorrido na floresta secundária estudada o que pode explicar a baixa sobreposição de espécies
registrada. A comunidade de plântulas da floresta secundária deve ter sido originada de
sementes vindas de outras florestas secundárias próximas em diferentes estágios de
regeneração e com diferentes composições de espécies (Mesquita et al. 2001).
A literatura mostra que a comunidade de árvores de florestas secundárias é mais
empobrecida em espécies e mais homogênea que a floresta primária (Laurance et al. 2011).
Contudo, nós não encontramos esse padrão para a comunidade de plântulas. Na nossa área de
estudo, a floresta secundária é dominada por espécies de Vismia. A dominância de Vismia
dificulta o estabelecimento de outras espécies e retarda a sucessão vegetal comparado a outros
tipos de floresta secundária (Lindsay et al. 2011). Isso pode explicar os padrões distintos de
homogeneidade entre comunidades de plântulas e árvores adultas, indicando que a dominância
por Vismia deve ter um efeito negativo sobre o estabelecimento de plântulas em florestas
secundárias.
Para verificar o efeito de árvores do gênero Vismia e outras espécies arbóreas adultas no
estabelecimento de plântulas, Mesquita (2000) realizou um experimento de criação de
clareiras em florestas secundárias e encontrou que clareiras estimulam o crescimento de
plântulas. O autor sugere que a criação de clareiras pode ser utilizada como uma estratégia
para acelerar o processo de restauração de áreas degradadas. Como as comunidades de
plântulas da floresta primárias e secundárias foram igualmente homogênias, acreditamos que
estratégias de restauração de florestas secundárias que empregam o manejo de Vismia é uma
alternativa interessante para restauração do sistema estudado.
35
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Dividir e proteger: folhas compostas são menos consumidas do que folhas simples
Flávio R. O. Rodrigues, Danielle K. Petsch, Gabriela Decker & Giulliana Appel
Introdução
Características morfológicas são selecionadas por conferirem vantagens aos organismos
frente a uma pressão específica. Eventualmente estas adaptações podem desempenhar funções
secundárias que diferem daquela pela qual o atributo foi selecionado originalmente (Mayhew
2006). Por exemplo, a ecolocalização dos morcegos foi selecionada por conferir melhor
habilidade de percepção durante o vôo. No entanto, esta característica também auxilia na
localização e consequente captura de presas (Schnitzler et al. 2013).
Disponibilidade de água, luz e nutrientes do solo representam importantes agentes
seletivos de variações estruturais nas plantas. Por exemplo, em ambientes com pouca
disponibilidade hídrica, o espessamento da cutícula foi favorecido por atuar como uma
barreira contra a perda de água. Em locais com alta incidência de luz, o tamanho reduzido de
folhas pode evitar danos associados à radiação excessiva de luz no dossel das árvores. Em
solos encharcados, raízes escoras e adventícias permitem melhor ancoragem e respiração
radicular, que aumenta a absorção dos nutrientes (Pugnaire & Valladares 2007).
As plantas também podem apresentar variações nos tipos foliares em respeito a
diferentes tipos de pressão. Folhas compostas, em particular, podem ser vantajosas em
ambientes expostos à restrição hídrica, pois a compartimentalização da folha pode aumentar
a dissipação de calor, e assim diminuir perdas de água da planta (Malhado et al. 2010). Ainda,
a compartimentalização das folhas compostas em folíolos independentes evita que um
eventual dano se espalhe por toda a lâmina foliar, como ocorreria em uma folha simples
(Brown et al. 1991). Por fim, folhas compostas também são mais rígidas do que folhas simples
(Westbrook et al. 2011). A maior rigidez e a compartimentalização do dano presumivelmente
conferem vantagens à planta contra herbivoria.
39
Apesar dos potenciais benefícios contra a herbivoria associados a folhas compostas,
Warman et al. (2010) não encontraram diferença na intensidade de herbivoria entre os dois
tipos foliares, sugerindo que folhas compostas podem não possuir vantagens contra
herbívoros. No entanto, o efeito encontrado pode ser dependente de características específicas
do ambiente, como a maior restrição hídrica, que afetam os padrões gerais de herbivoria do
local. Dessa forma, avaliamos se o tipo foliar está relacionado com a proteção contra
herbivoria em um ambiente tropical sem restrição hídrica. Nossa hipótese é de que a
intensidade de herbivoria é maior em limbos foliares simples do que em limbos subdivididos
em uma região da Amazônia Central. Esperamos que a porcentagem de área foliar perdida
seja menor em indivíduos com folhas compostas em relação a indivíduos com folhas simples.
Métodos
Área de estudo
Nós realizamos o estudo em uma área de mata em regeneração (há aproximadamente 20 anos)
localizada na Fazenda Esteio, acampamento Colosso, área do Projeto Dinâmica Biológica de
Fragmentos Florestais (PDBFF). A área está localizada a aproximadamente 80 km ao norte
de Manaus, na Amazônia Central (2º 25’ S, 59º 50’ O).
Coleta de dados
Nós amostramos 42 indivíduos com folhas simples e 42 indivíduos com folhas compostas.
Procuramos ativamente por plantas com folhas compostas e, ao encontrarmos uma planta com
essa característica, amostrávamos também uma planta vizinha com folhas simples.
Selecionamos apenas plantas arbustivas lenhosas de sub-bosque com altura entre 1 e 3 m, e
sorteamos de duas a sete folhas maduras entre o terceiro e quinto nós para a amostragem.
40
Em cada folha estimamos a intensidade de herbivoria utilizando o índice proposto por
Dirzo & Dominguez (1995). De acordo com este índice, a área foliar perdida se baseia em
cinco categorias de porcentagem de área foliar perdida, que são estimadas visualmente: I-0%;
II > 1-6%; III > 6-12%; IV > 12-25%; V> 25-50%; VI> 50%. Para calcular a porcentagem de
área foliar perdida em cada indivíduo, calculamos a seguinte equação: Índice de herbivoria =
(ni).i/N, onde ni = número de folhas na categoria i de dano; N = número total de folhas
amostradas; e i = categoria de dano. Para testarmos se há menor porcentagem de área foliar
perdida em indivíduos com folhas compostas do que indivíduos com folhas simples
realizamos um teste t pareado no programa R (R Core Team 2012). Utilizamos a média
ponderada das classes das folhas amostradas para cada indivíduo como variável resposta e o
tipo foliar como variável preditora.
Resultados
A porcentagem de área foliar perdida foi menor em indivíduos com folhas compostas (1,27 ±
0,54 média ± desvio padrão) do que em indivíduos com folhas simples (1,62 ± 0,72) (t=3,06;
gl=41; p<0,01; Fig. 1).
Figura 1. Porcentagem de área foliar perdida em relação ao tipo foliar (folhas simples e
compostas) de plantas na Fazenda Esteio, Amazônia Central, Brasil. Os pontos conectados
pelas retas representam pares de indivíduos vizinhos com folhas simples e compostas.
41
Discussão
Conforme o esperado, folhas compostas apresentaram menor intensidade de herbivoria do que
plantas com folhas simples. Apesar dos atributos associados às folhas compostas poderem
dificultar o consumo pelos herbívoros, foi demonstrado recentemente que a dureza não difere
entre folhas simples e compostas na região de estudo (Decker et al. 2014). Desta forma, outras
vias como a compartimentalização do dano ou a alocação diferencial de compostos químicos
de defesa podem explicar as diferenças observadas na intensidade de herbivoria entre folhas
simples e compostas.
Com relação à compartimentalização da folha composta, a vantagem contra a
herbivoria pode estar associada a uma contenção do dano para o resto da folha. Se um folíolo
for consumido por um herbívoro, a folha pode perder apenas esse folíolo e o dano não se
propagará para o restante da lâmina foliar, como ocorreria na folha simples (Brown et al.
1991). Com relação à alocação de compostos químicos de defesa, folhas compostas podem
eventualmente apresentar respostas induzidas de produção de defesas somente nos folíolos
atacados, evitando gasto desnecessário de energia na produção de compostos na folha toda.
Da mesma maneira, eventuais danos colaterais dos compostos para a folha terão efeito
reduzido por estarem localizados em folíolos específicos (Gall 1987 apud Warman et al.
2010).
Nossos dados indicam que o efeito do tipo foliar sobre a redução de herbivoria não
parece ser difundido globalmente. Aparentemente o efeito do tipo foliar sobre a herbivoria
pode variar em função das condições ambientais onde as plantas se desenvolvem. Em
ambientes áridos, como o estudado por Warman et al. (2010), o investimento em produção de
compostos de defesa pode demandar maior consumo de água que poderia ser alocada a outras
funções essenciais para a planta (Taiz & Zeiger, 2004). Consequentemente, nestas condições
folhas simples e compostas podem apresentar capacidades defensivas similares. Desta forma,
42
variações ambientais como a disponibilidade de água, podem regular a importância do tipo
foliar na proteção contra herbivoria.
Agradecimentos
Agradecemos a Bruno Rosado e Lucas monitor pela orientação na execução deste trabalho,
ao Paulinho ‘Henrique’ Bunitaaa e Lucas “coceirinha-exatamentchy” pela revisão, paciência
e ajuda na construção deste manuscrito.
Referências
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Philosophical Transactions of the Royal Society of London, Biological Sciences,
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Biogeography, 19:852-862.
43
Mayhew, P.J. 2005. Discovering evolutionary ecology: bringing together ecology and
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Pugnaire, F.I. & F. Valladares. 2007. Functional plant ecology. London: Taylor & Francis
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R Foundation for Statistical Computing, Vienna, Austria. ISBN 3-900051-07-0, URL
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Schnitzler H.U., C.F. Moss & A. Denzinger. 2003. From spatial orientation to food acquisition
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Warman, L., A.T. Moles & W. Edwards. 2010. Not so simple after all: searching for ecological
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What makes a leaf tough? Patterns of correlated evolution between leaf toughness
traits and demographic rates among shade-tolerant woody species in a Neotropical
forest. American Naturalist, 177:800-811.
44
Colosso – projetos livres
Tamanho de folíolos confere proteção contra herbivoria, mas a dureza não
Gabriela Decker, Bruno G. Melati, Gabriela Hass & Giulliana Appel
Adaptações morfológicas foliares estão associadas a processos fisiológicos como
termorregulação, captura de recursos e defesa. As folhas compostas são menos consumidas
que folhas simples, o que pode estar relacionado à maior dureza, tornando-as menos palatáveis
aos herbívoros. Adicionalmente, a estratégia de compartimentalizar a lâmina foliar torna o
folíolo menor e possivelmente menos atrativo. Investigamos se a dureza e o tamanho dos
folíolos estão relacionados com a herbivoria em uma comunidade vegetal Amazônica. Nossas
hipóteses são: (1) folhas compostas apresentam maior dureza que folhas simples e (2) a área
dos folíolos é relacionada positivamente com o grau de herbivoria. Estimamos a dureza foliar
pela razão massa/área (g/cm²) e, para controlar o efeito do tamanho, coletamos folhas simples
e folíolos de tamanho similar de forma pareada. Mensuramos o grau de herbivoria com um
índice de área foliar consumida e estimamos a área dos folíolos pela fórmula da elipse. A
dureza de folhas simples e compostas foi similar (t=1,10; gl=15; p=0,85). Folíolos com área
maior sofreram mais herbivoria (rs=0,49; p=0,003). Ainda que as folhas compostas sejam
menos consumidas, a dureza não parece ser o mecanismo de defesa responsável por esta
diferença. Isto pode estar associado a especialização trófica de herbívoros tropicais a
determinados tipos foliares. Já o tamanho dos folíolos tem efeito positivo sobre a herbivoria,
padrão que pode ser explicado pela maior atratividade potencial de folíolos maiores.
45
A composição de epífitas de mata em regeneração não é um subconjunto aninhado
de mata primária
Alessandro Rocha, Alexandre C. Siqueira, Danielle K. Petsch & Ronildo A. Benício
O processo de regeneração de áreas degradadas depende da dispersão de organismos das áreas
de entorno e das espécies ainda presentes no local em regeneração. Entretanto, as condições
abióticas das áreas em regeneração, como alta luminosidade e ventos, podem agir como um
filtro que permite o estabelecimento de apenas algumas espécies provindas do entorno. Na
Amazônia Central ocorrem epífitas e hemiepífitas em áreas derrubadas e em áreas pouco
perturbadas próximas. Nossa hipótese é que a mata em regeneração restringe o
estabelecimento dos propágulos de epífitas e hemiepífitas provindos da mata adjacente.
Esperamos que a composição de epífitas e hemiepífitas na mata em regeneração seja um
subconjunto aninhado da composição da mata adjacente. Para testar nossa previsão,
amostramos 10 árvores em uma mata primária e 10 árvores em uma área onde a mata foi
derrubada há mais de 30 anos. Identificamos as morfoespécies de epífitas e hemiepífitas nos
troncos até 10 m de altura. Calculamos o aninhamento usando a métrica NODF. Encontramos
14 morfoespécies: seis exclusivas da mata primária, quatro exclusivas da mata em regeneração
e quatro compartilhadas entre áreas. A composição da mata em regeneração não representou
um subconjunto da mata primária (NODF= 0,5; p=0,205). Portanto, a mata em regeneração
não restringe o estabelecimento dos propágulos de epífitas e hemiepífitas provindos da mata
adjacente. Além disso, a presença de espécies exclusivas na mata em regeneração indica que
o padrão observado é consequência da diferença na composição do banco de sementes da mata
em regeneração quando comparado à mata adjacente.
46
A dureza das folhas não influencia a diferença da taxa de decomposição da
serapilheira entre borda e interior de fragmentos
Daniele J. Moreno, Flávio R. O. Rodrigues, Paulo H. Araújo-Camargo, Vítor de C. Rocha
A taxa de decomposição da serapilheira em área de borda de fragmentos é menor do que no
interior, porém os mecanismos que determinam esta diferença ainda precisam ser melhor
esclarecidos. Dado que condições microclimáticas da borda impõem maior perda hídrica nas
plantas, suas folhas devem apresentar maior dureza para diminuir a perda de água. Nossa
hipótese é que a maior dureza das folhas das plantas de borda causa uma menor taxa de
decomposição em comparação às folhas de plantas do interior. Nós estabelecemos 15 plotes
(1x1 m) distantes 10 m entre si e localizados na borda e no interior de um fragmento de 10 ha
do acampamento Colosso no PDBFF. Em cada plote, nós coletamos as 10 folhas mais íntegras
da serapilheira. Nós usamos a razão entre a massa seca e a área foliar como medida de dureza
das folhas. A dureza das folhas das plantas da borda (0,10 ± 0,01 g/cm²; média ± DP) e das
plantas do interior (0,11 ± 0,02 g/cm²) do fragmento foi semelhante (t = -1,64; gl = 28; p =
0,94). Embora a dureza das folhas tenha sido semelhante entre as áreas, a menor umidade do
solo na borda pode conferir condições menos favoráveis para organismos decompositores,
diminuindo a riqueza, abundância e atividade desses organismos. Isso pode explicar taxas
mais baixas de decomposição na borda do fragmento.
47
Tricomas facilitam o deslocamento de uma espécie de saúva (Atta sp.)
Paulo R. L. Bittencourt, Larissa P. Lemes, Júlia F. dos Santos & Isabel C. Barragán
As plantas apresentam diversos mecanismos de defesa contra herbivoria, tanto físicos quanto
químicos. Os tricomas, em particular, podem reduzir a herbivoria. No entanto, a forma como
isso ocorre é pouco conhecida. Nossa hipótese é que os tricomas funcionam como obstáculos
físicos para o deslocamento de herbívoros por tornarem a superfície da planta irregular. Assim,
esperamos que a presença de tricomas diminua a velocidade de deslocamento de formigas.
Para testar essa previsão, cortamos 22 galhos de 15 cm de comprimento de indivíduos de uma
mesma espécie e removemos os tricomas de 11 galhos. Colocamos uma formiga de
aproximadamente 1 cm de comprimento na extremidade cada galho. Utilizamos a mesma
formiga a cada dupla de galhos (com tricoma/sem tricoma) e comparamos o tempo de
travessia de cada formiga nos dois tratamentos. Ao contrário do esperado, o tempo de travessia
em galhos com tricomas foi em média 8,5 s menor que em galhos sem tricomas (t=2,8; gl=10;
p=0,01). Isso indica que o tricoma é um mecanismo de defesa ineficiente contra transito de
herbívoros na planta, já que a superfície com tricomas parece favorecer o trânsito da formiga.
Talvez os tricomas restrinjam a herbivoria por outras vias como redução do aceso ao limbo
ou aumento da resistência da folha para o consumo por insetos mastigadores.
48
A formiga Pheidole minutula investe igualmente na defesa de folhas jovens com e
sem domáceas
Camila C. Hohlenenwerger, Camila J. P. Ramos, Maíra D. Sagnori & Nelson S. Pinto
Relações mutualísticas envolvem diferentes espécies que interagem entre si conferindo
benefício mútuo, como ocorre em mirmecófitas e formigas. Nesta relação, câmaras formadas
na base da folha (domáceas) são utilizadas por formigas como locais de nidificação. Devido
ao seu comportamento territorial, formigas que ali nidificam conferem proteção à planta. Em
Maieta sp. folhas jovens possuem tamanhos similares entre si e apresentam domáceas em
formação, com aproximadamente 10% do tamanho da domácea da folha adulta, o que pode
ser usado por formigas para identificar futuras domáceas. Nós testamos a hipótese de que
formigas recrutam mais indivíduos na defesa de folhas com domáceas por reconhecerem este
recurso, mesmo em folhas jovens. Cortamos aproximadamente 1/3 do tamanho total de 11
folhas jovens com domácea e de 10 sem domácea para simular o ataque de herbívoros. Para
medir o número de formigas recrutadas, contamos quantas formigas patrulhavam a folha antes
do estímulo e subtraimos do total de formigas contabilizado após 4 minutos do estímulo. O
número médio de formigas recrutadas foi de 3,27 (D.P.=±7,07) em folhas com domácea e
0,40 (D.P.=±0,69) naquelas sem domácea. Não observamos diferença no recrutamento em
folhas jovens com e sem domácea (U=42,5; p=0,38). Sabe-se que há maior recrutamento de
formigas P. minutula em folhas adultas com domácea, assim podemos concluir que estas
formigas não são capazes de diferenciar na folha jovem o recurso que será utilizado no futuro.
49
Catalão – projetos orientados
Não há investimento ótimo em estruturas de predação em baratas d’água
(Belostomatidae)
Camila J.P. Ramos, Gabriela P. Hass, Paulo H. Araújo-Camargo &Vítor de C. Rocha
Introdução
Manter e produzir qualquer tipo de estrutura biológica requer um gasto energético para o
organismo (Gilman & Crawley 1990). No caso de predadores, estes podem desenvolver
estruturas especializadas para capturar suas presas de forma mais eficiente (Pough 2008). Por
exemplo, as formigas do gênero Odontomachus apresentam mandíbulas alongadas que ficam
abertas constantemente e se fecham instantaneamente ao encostar-se a uma presa (Lach et al.
2010). Embora o desenvolvimento desta estrutura traga custo para a formiga, ele deve ser
compensado pelo maior sucesso na captura de presas.
O sucesso na captura de presas confere ao predador uma melhor condição corporal,
muitas vezes refletida no armazenamento de energia extra em forma de gordura (Barbosa &
Castellanos 2005). Além disso, essa energia ainda pode ser investida em seu crescimento,
desenvolvimento e reprodução (Begon et al. 2006). Neste sentido, pouco investimento
energético na formação de estruturas de caça pode levar a uma menor eficiência de predação,
fazendo com que os indivíduos tenham uma pior condição corporal em relação aos indivíduos
que são mais eficientes. Por outro lado, investir em demasia nestas estruturas também pode
reduzir a aptidão dos indivíduos (Ridley 2004). Uma estrutura muito desenvolvida pode
dificultar a locomoção, acarretando maior gasto energético para sua manutenção, além de ser
potencialmente menos eficiente na caça. Portanto, é de se esperar que alguns organismos
maximizem o retorno de energia durante a caça desenvolvendo estruturas de tamanho
intermediário (Thompson 1989).
50
As baratas d’água (Belostomatidae) são predadores generalistas, cuja dieta inclui
larvas de outros insetos aquáticos, girinos e pequenos peixes (Triplehorn & Jonnson. 2011).
Estes insetos possuem uma modificação no primeiro par de pernas (pernas raptoriais) que são
usadas para capturar as presas (Gillot 2005; Triplehorn & Jonnson 2011). Nossa hipótese é
que um investimento intermediário em estrutura de predação garantirá uma melhor condição
corporal ao indivíduo.
Métodos
Coletamos baratas d’água em três bancos de macrófitas. no lago do Catalão, na região de
várzea próxima a confluência dos rios Negro e Solimões, Amazonas, Brasil. Medimos a massa
de cada indivíduo em uma balança com precisão de 0,001 g. Estimamos o volume corporal
submergindo os indivíduos em um tubo Falcon de 50 ml e medindo o deslocamento de água.
Calculamos a densidade corporal de cada indivíduo pela razão entre massa e volume do corpo.
Utilizamos o valor da densidade corporal como indicador da condição corporal do indivíduo.
Consideramos que indivíduos menos densos apresentam uma melhor condição corporal, por
possuírem uma maior reserva de gordura.
Medimos o comprimento do corpo e da perna raptorial de cada indivíduo com
paquímetros. Para avaliar o investimento das baratas em pernas raptoriais em função do
tamanho corporal, utilizamos os resíduos de uma regressão linear entre comprimento do corpo
(variável preditora) e comprimento da perna raptorial (variável resposta). Esta medida será
chamada de comprimento da perna raptorial controlado pelo comprimento do corpo daqui em
diante.
Para verificar a relação entre investimento em estrutura de predação e condição
corporal realizamos uma regressão quadrática, tendo como variável preditora o comprimento
da perna raptorial controlado pelo comprimento do corpo, e como variável resposta a
densidade do indivíduo. Para atender os pressupostos do teste, os dados de densidade foram
51
logaritimizados. Esperávamos encontrar menores densidades corporais em valores
intermediários de comprimento de perna raptorial controlado pelo comprimento do corpo.
Resultados
Coletamos 35 baratas d’água. O comprimento médio do corpo dos indivíduos foi 21,51±4,71
mm (média±DP), enquanto o comprimento médio da perna raptorial foi 11,8 ±2,05 mm. A
densidade média dos indivíduos foi 1,35±1,62 g/cm². Não encontramos relação entre o
comprimento da perna controlado pelo comprimento do corpo e a densidade corporal dos
indivíduos (r² = 0,002; p= 0,366; Fig. 1; Tabela 1).
Figura 1. Relação entre comprimento da perna raptorial controlado pelo comprimento do
corpo e a densidade (log) de baratas d’água em bancos de macrófitas no lago do Catalão,
Manaus, AM. A curva mostra o ajuste da regressão quadrática.
Comprimento da perna raptorial controlado pelo comprimento do corpo
Densid
ade (
log)
-1,5 -1,0 -0,5 0,0 0,5
-1,0
-0,5
0,0
0,5
1,0
1,5
2,0
52
Tabela 1. Resumo da regressão quadrática entre comprimento da perna raptorial controlado
pelo comprimento do corpo (CP|CC) e densidade corporal (log) de baratas d’água do lago do
Catalão, Manaus, AM. Os dados apresentados são o valor estimado; EP: erro padrão; t:
estatística do teste, e p: significância do teste.
Coeficientes Valor estimado EP t P
(Intercepto) -0,065 0,132 -0,495 0,624
CP|CC 0,045 0,264 0,172 0,865
(CP|CC)² 0,341 0,283 1,205 0,237
Discussão
Não observamos relação entre investimento na estrutura de predação e condição corporal de
barata d´água. As baratas d’água são predadores generalistas, e desse modo, é possível que
consumam uma grande variedade de presas independentemente do investimento em suas
estruturas de predação. Animais generalistas podem também adotar diferentes estratégias de
predação. Por exemplo, animais com pernas raptoriais pequenas podem ter como estratégia a
busca ativa, e assim aumentar a taxa de encontro de suas presas e o acúmulo de gordura
capturando presas menores e mais fáceis de subjugar. Por outro lado, animais com pernas
raptoriais maiores que adotem a estratégia de caça por senta-e-espera podem ter uma menor
taxa de encontro de suas presas, mas o predador seria compensado pela captura de presas
maiores em cada tentativa de predação. (MacArthur & Pianka 1966, Krebs &Davies 1993).
A especialização individual também poderia explicar o padrão encontrado (Bolnick et
al. 2003). Alguns indivíduos de baratas d’água podem apresentar predileção pelo consumo de
uma determinada presa, ou tamanho de presa. Os indivíduos com pernas raptoriais maiores
podem consumir presas maiores, e os que apresentam pernas menores consumiriam presas
53
menores. Neste sentido, todos os indivíduos teriam ganho energético equivalente
independente do investimento em estrutura de predação.
Verificamos que a condição corporal de baratas d’água não pode ser determinada
apenas pelo tamanho relativo da estrutura de predação, mas também por aspectos
comportamentais, como estratégias de caça, e especialização individual na dieta. Desta forma,
sugerimos que esses mecanismos diminuam a pressão de seleção sobre o tamanho relativo de
estruturas de caça em predadores generalistas.
Agradecimentos
Agradecemos aos professores Paulo Estefano e Danilo Muniz pela orientação no projeto,
contribuição nas coletas e desenvolvimento do relatório, e a Laura Leal pelas críticas e
sugestões ao trabalho. Agradecemos também aos integrantes dos outros grupos dessa fase que
participaram da coleta de dados. Agradecemos também ao Instituto Nacional de Pesquisas da
Amazônia e ao Projeto Dinâmica Biológica de Fragmentos Florestais pela oportunidade de
realizar esse projeto e aumentar nossos conhecimentos científicos.
Referências
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Oxford University Press.
Begon, M., C.R. Townsend & J.L. Harper. 2006. Ecology: from individuals to ecosystems.
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Triplehorn, C.A. & N.F. Jonnson. 2011. Estudos dos insetos. São Paulo: Cengage
Learning.
55
Ausência de demanda conflitante entre reprodução e defesa em uma planta de
floresta alagável
Giulliana Appel, Gabriela Decker, Camila C. Hohlenwerger, Ronildo A. Benício
Introdução
Reprodução e defesa são dois aspectos decisivos na história de vida dos organismos, mas, ao
mesmo tempo, são custosos em termos energéticos (Hendrix 1988, Roeder et al. 2012). A
energia disponível aos organismos é limitada, o que pode levar a um conflito de investimento
de energia entre reprodução e defesa. Dessa forma, a demanda conflitante por energia entre
essas duas atividades ocorrerá se uma das vias de alocação de energia necessariamente reduzir
o investimento em outra (Roeder et al. 2012).
O investimento energético em uma atividade está associado a sua importância para o
organismo. Dado que o ambiente é dinâmico, o investimento energético diferencial entre
atividades de um organismo pode variar em função de pressões ambientais (Alcock 2001). A
pressão imposta por herbívoros pode ter implicações negativas a aptidão de plantas e, portanto,
demandar um alto investimento energético (Raven 1996). Caso este investimento reduza a
quantidade de energia disponível para outras atividades, como crescimento e reprodução pode
haver um conflito de demanda de energia na planta.
Algumas variações ambientais que ocorrem previsivelmente ao longo do tempo podem
ser críticas para as plantas. Um exemplo evidente são os ciclos sazonais de seca e cheia de
rios da região amazônica, que atuam como reguladores de processos fisiológicos de plantas
como fotossíntese e ciclos fenológicos (Parolin et al. 2001, Junk et al. 2010). Durante os
períodos de inundação, algumas plantas podem entrar em estado de dormência ao reduzir suas
atividades metabólicas, o que garante a conservação de energia que será utilizada após a
vazante, quando suas funções fisiológicas são retomadas (Parolin 2009). Uma estratégia
comum em plantas de planícies inundáveis é a abscisão das folhas quando estão submersas
56
(Raven et al. 1996). Com o final da inundação, estas plantas investem uma grande quantidade
de energia para repor as folhas perdidas e retomar suas taxas fotossintéticas (Junk et al 2010).
No entanto, a planta precisa garantir também a reprodução que, para algumas espécies,
coincide com o período pós-inundação (Parolin 2009). A produção e manutenção de flores
também é um processo energeticamente custoso (Raven et al 1996). Essas duas vias distintas
de investimento energético associadas ao período pós inundação podem levar a um conflito
de demandas energéticas entre defesa contra herbívoros e reprodução.
Nós observamos que uma espécie de planta na várzea apresenta flores e todas as folhas
recém-expandidas, algumas com sinais de herbivoria. Como a proteção contra herbívoros e a
produção de flores têm alto custo energético (Roeder et al. 2012), nós perguntamos se existe
demanda conflitante entre reprodução da planta e defesa das folhas. Nossa hipótese é que
existe correlação negativa entre o investimento em defesa das folhas contra herbivoria e o
investimento em reprodução em plantas sujeitas a inundação.
Métodos
Estudamos uma população de um arbusto (não-identificado) em uma ilha sazonalmente
submersa no lago do Catalão (03°09’ S - 59°54’ O), próximo à confluência dos rios Negro e
Solimões, Amazônia Central, Brasil. A vegetação da região é característica de ambientes de
várzea (Junk 1997), composta por florestas sazonalmente alagadas pelas águas brancas e ricas
em nutrientes do Rio Solimões (Junk 2000).
Para avaliar se há demanda conflitante entre investimento em reprodução e defesa contra
herbívoros em plantas, nós selecionamos 30 indivíduos com folhas novas e flores. Em cada
indivíduo, avaliamos o investimento em reprodução usando o número de flores, e o
investimento em defesa usando a porcentagem de área foliar preservada (AFP). Buscamos
controlar a variação no número de flores em relação ao número de ramos usando os resíduos
de uma análise de regressão simples. Mas como a relação entre o número de ramos e o número
57
de flores foi fraca (r²=0,002; F=0,05; p=0,824), optamos por utilizar diretamente o número de
flores como variável independente.
Para garantir que as folhas coletadas representassem bem a AFP do indivíduo, retiramos
aleatoriamente um ramo em três diferentes classes de altura da planta: ápice, centro e base.
Em cada um desses ramos, estimamos usando papel milimetrado, a AFP em cinco folhas. A
AFP representa a área total da folha menos a área consumida por herbívoros. A média dos
valores da AFP nessas cinco folhas dividido pelo número total de folhas utilizadas nas três
diferentes classes de altura representou nossa variável operacional de investimento em defesa.
Nós utilizamos um teste de correlação de Spearman para testar se há uma correlação entre o
número de flores e a área foliar preservada. A nossa previsão é que quanto maior o número de
flores, menor a porcentagem de área foliar preservada.
Resultados
A maioria dos indivíduos apresentou baixa produção de flores (Fig. 1a) e altas porcentagens
de área foliar preservada (Fig. 1b). Não encontramos correlação entre o número de folhas e a
porcentagem da área foliar preservada nas plantas (N=30; p=0,49; S=3509,25; Fig. 2).
Figura 1. Número de flores (a) e a porcentagem de área foliar preservada (b) em indivíduos
de uma espécie de arbusto coletados em uma ilha sazonalmente inundável no Lago do Catalão,
Amazonas, Brasil.
a)
A B
Nú
mer
o d
e o
bse
rvaç
ões
58
Figura 2. Correlação entre número de flores e a porcentagem de área foliar preservada em
indivíduos de uma espécie de arbusto coletados em uma ilha sazonalmente inundável no Lago
do Catalão, Amazonas, Brasil.
Discussão
O aumento no número de flores não esteve associado à redução de porcentagem de área foliar
preservada em indivíduos da espécie de arbusto estudada. Portanto, não observamos demanda
conflitante entre estruturas reprodutivas e estratégias de defesa contra herbívoros nesta planta.
Adicionalmente, observamos uma grande quantidade de folhas com mais de 85% de área
preservada. Isso indica duas possibilidades: as folhas estão bem defendidas contra os
herbívoros ou há baixa pressão de herbivoria.
Em ambientes com pulsos sazonais de inundação, as plantas maximizam sua obtenção
de energia produzindo folhas novas que prontamente realizam fotossíntese quando emersas
(Vieira et al. 2010). Apesar deste custo associado a produção de folhas novas, a alocação para
a produção de flores pode não ser comprometida (Parolin 2009). Logo, a planta pode investir
em defesa das folhas sem que isso comprometa o investimento em floração, uma vez que o
investimento em defesa das folhas pode ser compensado pelo aumento de energia disponível
decorrente da fotossíntese nas folhas novas (Reich 1992). Alternativamente, ambientes de
várzea apresentam alta produtividade, que potencialmente sustenta grandes populações de
59
herbívoros. Contudo, as folhas da espécie estudada foram pouco consumidas, o que indica que
a relação entre produtividade local e a riqueza de herbívoros do arbusto estudado pode não ser
tão clara.
A alocação de energia em uma via sem que ocorra detrimento de outra sugere que,
mesmo em ambientes sob estresse hídrico, os organismos podem manter funções que
demandam alto gasto energético. Nestes ambientes, o investimento em estruturas reprodutivas
e defesa das plantas é compensado rapidamente pela produção de folhas novas que aumentam
a entrada de energia na planta. Este mecanismo parece ser essencial para plantas no sistema
estudado, onde existe uma janela temporal curta em que as plantas podem desenvolver as
etapas do seu ciclo de vida sem influência da inundação.
Agradecimentos
Agradecemos ao professor Rodrigo, ao Paulinho Bunita, a Laura e ao monitor Raul pela
orientação, clareza de pensamentos e paciência em nos auxiliar neste trabalho.
Referências
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York: Springer.
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stand characteristics among diverse ecosystems. Ecological Monographs, 62:365-392.
Roeder, M., D. Holscher & I.D. Kossmann-Ferraz. 2012. Traits and growth of liana
regeneration in primary and secondary forests of Central Amazonia. Applied Vegetation
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Vieira, C., B. Cid, J. Capurucho, L.C. Leal & T. Grande. 2010. Tudo que sobe, desce:
estômatos de plântulas submersas de várzea permanecem abertos na vazante do rio, pp.
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Bobrowiec & P.E.C. Peixoto, eds.). Manaus: INPA.
61
A predação não influencia a abundância de peixes em bancos de macrófitas
Nelson S. Pinto, Alexandre C. Siqueira, Isabel C. Barragán & Júlia Ferrúa
Introdução
A predação é uma interação direta entre consumidor e presa (Ricklefs 2012), na qual os
consumidores causam um efeito negativo no crescimento e sobrevivência das populações-
recurso (Odum & Barrett 2007). Por outro lado, apesar do efeito dos predadores ser prejudicial
no nível do indivíduo, a predação pode diminuir os efeitos da competição interespecífica nas
assembleias de presas, possibilitando a ocorrência de maior riqueza de espécies de presas
(Nakazawa et al. 2007).
A distribuição agregada de recursos pode levar a uma distribuição agregada das
espécies (Begon et al. 2006). Essa agregação também pode levar a uma maior agregação na
abundância de predadores, aumentando a intensidade de predação. Portanto, a massa dos
predadores nestes locais está diretamente relacionada com a abundância de presas (Calsbeek
& Cox 2010). Paralelamente a isto, o acúmulo de espécies de presas pode proporcionar um
aumento de estratégias de predação (Barbosa & Castellanos 2005).
Na Amazônia, o pulso de inundação sazonal influencia diretamente as populações de
peixes que vivem em bancos de macrófitas. Estes bancos são importantes áreas de refúgio,
alimentação e reprodução para diversas espécies de peixes (Wittmann et al. 2010). Durante o
período de seca, estes bancos são fragmentados e diminuem de tamanho. As espécies de peixes
ficam agregadas nos banco de macrófitas, o que aumenta a intensidade de predação nestas
áreas. Dessa forma, avaliamos como a predação pode modificar a estrutura das assembleias
de peixes nesses ambientes. Nossa hipótese é que a intensidade de predação afeta
negativamente a abundância de espécies-presa de peixes em bancos de macrófitas. Nós
esperamos que a abundância de presas diminua com o aumento da massa e riqueza dos
predadores.
62
Métodos
Área de estudo
Nós realizamos o estudo em uma área de várzea no lago do Catalão (3º09’S – 59º54’ O),
próximo à confluência dos rios Negro e Solimões, no município de Iranduba, Amazonas,
Brasil. As coletas foram conduzidas no mês de outubro, correspondente ao final da estação
seca.
Amostragem dos peixes
Nós amostramos seis bancos de macrófitas, onde capturamos os peixes usando uma rede de
arrasto de 2x5 m com 0,5x0,5 cm de malha. Nós coletamos todos os peixes de cada banco e
categorizamos os indivíduos coletados em presas e predadores. A massa total de cada
categoria foi medida com uma balança tipo Pesola.
Análises estatísticas
Como a área do banco pode estar positivamente relacionada com a abundância dos peixes,
nós realizamos uma regressão linear entre a área do banco e a abundância dos peixes presa.
Para o cálculo da área dos bancos, nós medimos o diâmetro maior e menor de cada banco. O
tamanho dos bancos de macrófitas amostrados variou de 5,5 m² a 17,2 m². A área dos bancos
de macrófitas não foi correlacionada com a abundância de peixes presa (F=0,97, gl=4,
p=0,38). Assim, nós realizamos uma regressão múltipla entre a abundância de peixes e as
variáveis preditoras massa e riqueza de peixes predadores.
Resultados
Nós coletamos 3555 indivíduos de 40 espécies de peixes. Deste total, 34 foram categorizados
como espécies de presa e seis como predadores. A composição de espécies de predadores foi
63
dominada por uma espécie de traíra (Hoplias malabaricus) e uma de piranha (Serrasalmus
maculatus). A massa total de presas foi de 2690 g, variando de 40 a 1140 g, enquanto que a
de predadores foi de 5560 g, variando entre 30 e 2810 g.
A abundância das presas foi relacionada com a riqueza dos predadores (t=4,14;
p=0,002; Fig. 1), mas não com a massa dos predadores (t=0,68; p=0,54; Fig. 2). As variáveis
massa e riqueza de predadores explicaram 81% da variação da abundância das presas.
Figura 1. Relação entre abundância de peixes presas e a riqueza de peixes predadores em
bancos de macrófitas no lago do Catalão, Amazônia Central.
Figura 2. Relação entre abundância de peixes presa e a massa de peixes predadores em bancos
de macrófitas no lago do Catalão, Amazônia Central.
Ab
un
dân
cia
de
pre
sas
-p
arci
al
Número de espécies de predadores - parcial
Ab
un
dân
cia
de
pre
sas
-p
arci
al
Massa de predadores - parcial
64
Discussão
Nossos resultados indicaram que a intensidade de predação não afetou a abundância dos
peixes presa nos bancos de macrófitas. A abundância de presas não foi relacionada com a
massa de predadores, e a abundância das presas aumentou com o número de espécies
predadoras.
A massa de predadores em um sistema fechado no qual não há entrada nem saída de
indivíduos pode refletir a intensidade do consumo de presas (Barbosa & Castellanos 2005).
Nós consideramos os bancos de macrófitas como um sistema fechado que concentra grande
quantidade de presas e predadores em uma área delimitada. Em termos energéticos era
esperado que a massa dos predadores refletisse a intensidade de predação no banco.
Entretanto, nós não observamos uma diminuição na abundância de presas com o aumento da
massa de predadores. A massa de predadores foi, em média, duas vezes maior do que a massa
de presas. Esta relação de massa seria inviável energeticamente a não ser que as espécies
predadoras estivessem forrageando em bancos adjacentes. Assim, a biomassa dos peixes
predadores não deve refletir diretamente a intensidade de predação em um banco específico,
mas do conjunto de bancos adjacentes. Predadores como a traíra e a piranha são espécies de
grande porte e podem se deslocar entre bancos próximos.
A disponibilidade de presas no ambiente pode influenciar a riqueza de espécies de
predadores (Barbosa & Castellanos 2005). Na medida em que a disponibilidade de espécies
de presa aumenta, mais espécies de predadores com diferentes estratégias de predação podem
ser atraídas para os bancos. Por outro lado, as espécies de presas são limitadas aos bancos por
possuírem menor mobilidade e tamanho corporal. Por causa disso, nós esperávamos que esta
relação fosse resultar em uma redução na abundância de presas nos bancos. Entretanto, nós
observamos que o aumento na abundância de presas foi positivamente relacionado com o
número de espécies de predadores. Considerando que as espécies de predadores podem se
65
movimentar entre bancos de macrófitas, mais espécies de predadores podem ser atraídas para
bancos com maior abundância de presas.
Concluímos que a predação não influenciou diretamente na abundância de peixes
presa associadas aos bancos de macrófitas. Sugerimos que os bancos de macrófitas são
ambientes fechados para as espécies de presa, mas não para as espécies de predadores.
Agradecimentos
Gostaríamos de agradecer ao maior pescador de bancos de macrófitas do mundo Jansen
Zuanon por compartilhar seu enorme conhecimento e dedicação ao trabalho conosco.
Agradecemos também a minuciosa revisão do professor Paulo Estéfano e do monitor Lucas
Paolucci. Ao INPA agradecemos pela oportunidade, e aos demais professores e monitores do
EFA por nos ensinar ciência da melhor forma possível.
Referências
Barbosa, P. & I. Castellanos. 2005. Ecology of predator-prey interactions. New York: Oxford
University Press.
Begon, M., C.R. Townsend & J.L. Harper. 2006. Ecology: from individuals to ecosystems.
Oxford: Blackwell Publishing.
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predation and competition as agents of selection. Nature, 465:613-616.
Nakazawa, T., N. Ishida, M. Kato & M. Yamamura. 2007. Larger body size with higher
predation rate. Ecology of Freshwater Fish, 16:362-372.
Odum, E.P. & G.W. Barrett. 2007. Fundamentos de Ecologia. São Paulo: Cengage Learning.
Ricklefs, R.E. 2012. A Economia da Natureza. Rio de Janeiro: Guanabara-Koogan.
66
Wittmann, F., J. Schongart & W. J. Junk. 2010. Phytogeography, Species Diversity,
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In: Amazonian Floodplain Forest. (Junk, W.J, M.T. F. Piedade, F. Wittmann, J.
Schongart & P. Parolin, eds). Berlin: Springer.
67
A atividade de forrageio de larvas de odonata não é alterada pela pressão de
predação em bancos de macrófitas
Maíra D. Sagnori, Larissa P. Lemes, Paulo Bittencourt & Alessandro Rocha
Introdução
Predação é uma interação importante tanto para dinâmica de populações quanto para a
estruturação de comunidades. No nível populacional, a presença do predador pode gerar
oscilações de abundância nas populações de presas (Abrams 2000). Já no nível de
comunidade, esta interação pode ser um importante estruturador ao afetar os padrões de
riqueza ou de abundância relativa das espécies (Barbosa & Castellanos 2005; Reynolds &
Bruno 2013).
Em geral, trabalhos sobre predação tem enfoque no efeito letal que o predador exerce
sobre a presa (Abrams 2000). Contudo, os predadores também podem exercer um efeito não
letal sobre elas. Este efeito pode ser observado quando há alteração morfológica, fisiológica
ou comportamental da presa em resposta à presença do predador (Hoverman & Relya 2011;
Walsh et al. 2012; Reynolds & Bruno 2013). Tais alterações são favorecidas por reduzir as
chances de predação.
Estudos sobre efeitos não letais de predação tradicionalmente consideram que apenas
a presença do predador é suficiente para modular alterações nas estratégias anti-predação
(Wooster & Sih 1995). Dado que muitas das alterações nas presas ocorrem somente na
presença do predador, é provável que elas tenham algum custo. Caso contrário, elas seriam
exibidas mesmo quando o predador estivesse ausente. Nesse sentido, se a resposta anti-
predatória também for modulada pela intensidade de predação, ela pode conferir vantagens
nos indivíduos quando comparada a estratégias menos flexíveis que são exibidas pela presença
do predador, independentemente da intensidade de predação. Essa vantagem seria conferida
por minimizar os custos em resposta a diferentes intensidades de pressão de predação.
68
Em bancos de macrófitas, larvas de odonatas são presas comuns para peixes (McPeek
1990b). Em geral, as larvas e os peixes vivem restritos aos bancos e, portanto, esse sistema é
ideal para nos ajudar a entender melhor os efeitos dependentes de densidade de predadores
sobre o comportamento de presas. Um efeito não letal que pode ocorrer em larvas de odonata
é a redução dos períodos de atividade de forrageio quando detectam a presença de peixes
predadores (e.g. McPeek 1990a). Como peixes predadores são visualmente orientados, a presa
reduz sua chance de detecção ao diminuir sua atividade de forrageio (Carvalho et al. 2006).
No entanto, o comportamento de reduzir a atividade de forrageio resulta em menor aquisição
de nutrientes pela larva de odonata. Sabendo disso, queremos responder se a intensidade da
pressão de predação por peixes afeta o comportamento de forrageio das larvas de odonata.
Nossa hipótese é que o aumento da pressão de predação dos peixes reduz a atividade de
forrageio das larvas.
Métodos
Área de estudo
Nós realizamos o estudo em uma área de várzea no Lago Catalão (3º09' S - 59º54' O), na
confluência dos rios Negro e Solimões, na Amazônia Central, Brasil. Esse lago é mais
influenciado pelo rio Solimões, que possui águas com alta concentração de nutrientes e grande
quantidade de sedimentos em suspensão.
Coleta e análise de dados
Para estimar a intensidade de pressão de predação de peixes e o comportamento de forrageio
das larvas de odonata nos bancos de macrófitas, nós coletamos peixes e larvas de odonatas em
seis bancos usando uma rede de arrasto. Escolhemos as cinco primeiras larvas de odonatas
que encontramos em cada banco para estimar a atividade de forrageio. Medimos também a
69
massa total dos peixes predadores em cada banco de macrófita utilizando uma pesola.
Estimamos a área dos bancos de macrófita ao medir o diâmetro maior e menor com uma trena.
Considerando que o formato dos bancos se assemelha a uma elipse, usamos as medidas dos
raios para estimar sua área usando a fórmula de cálculo de área de elipses. .
Animais geralmente armazenam suas reservas energéticas na forma de lipídios, que
possuem baixa densidade. Assim, quanto maior a atividade de forrageio de um organismo,
menor sua densidade corpórea (Moya-Laraño et al. 2008). Portanto, para estimar a atividade
de forrageio das larvas de odonata calculamos a densidade corpórea de cada indivíduo. Para
esse cálculo, dividimos a massa da larva pelo seu volume. Medimos a massa com uma balança
(precisão de 0,001 g) e estimamos o volume usando o método do deslocamento de água. Nesse
método mantivemos a larva de odonata dentro de um recipiente com água de modo que ela
não exercesse nenhuma força contra o recipiente, e medimos a mudança de massa na balança.
O empuxo exercido pela água é proporcional ao volume do objeto suspenso. Como a
densidade da água é de 1 g cm-3, cada mudança de 1 g de massa na balança corresponde a 1
cm-3 do volume do objeto suspenso na água.
Para estimar a pressão de predação de peixes nos bancos de macrófitas
independentemente da área do banco, calculamos os resíduos de uma regressão linear da
biomassa de peixes predadores em função da área dos bancos de macrófitas. Se a nossa
hipótese for verdadeira, esperamos que densidade corpórea das larvas de odonata aumente
quando aumentar o resíduo da biomassa dos predadores em relação a área dos bancos. Para
testar essa previsão, realizamos uma regressão linear entre o resíduo da biomassa de peixes
por área do banco (variável preditora) e a densidade corpórea média das larvas (variável
resposta).
70
Resultados
A biomassa e a densidade corporal das larvas de libélulas foram 97±30 mg (média±desvio
padrão) e 0,98±0,13 g cm-3, respectivamente. A área dos bancos de macrófita variou de 5,5
m2 a 17,2 m2 e a biomassa de peixes predadores por área variou de 7,2 g m-2 a 163,3 g m-2.
Encontramos seis espécies de peixes predadores: Hoplias malabarius (Characiforme),
Serrassalmus maculatus (Characiforme), Acaronia nassa (Occhlidae), Cichli temporalis
(Occhlidae), Hypselecara temporalis (Occhlidae) e Rhamdia sp. (Heptapteridae). Não
encontramos relação entre a densidade média do corpo das larvas de libélulas e o resíduo da
biomassa de peixes predadores em função da área nos diferentes bancos de macrófitas
(F(1,4)=0,09; p=0,72; Fig. 1).
Figura 1. Densidade corpórea média das larvas de odonata de cada banco de macrófita em
função do resíduo da biomassa de peixes por área do banco de macrófita no lago Catalão,
Amazonas, Brasil.
Discussão
O fato de não encontrarmos relação entre a densidade corpórea média das larvas e a biomassa
de peixes predadores nos bancos indica que não o comportamento das larvas de odonata não
sofreu alteração em resposta ao aumento da densidade de peixes predadores. Na comunidade
de peixes, encontramos predadores com estratégias de caça distintas: i) os que usam uma
estratégia do tipo busca ativa (Serrassalmus maculatus e Cichla temporalis) e ii) os que caçam
71
usando estratégia do tipo emboscada (Hoplias malabarius) (Sazima 1986). Predadores que
usam caça ativa devem detectar preferencialmente indivíduos que se locomovem com
frequência. Já os predadores que usam estratégia de caça do tipo emboscada devem detectar
os indivíduos com menor mobilidade (Romero & Vasconcellos-Neto 2007). Sendo assim, a
ocorrência de ambos os tipo de estratégia de caça deve gerar pressões de predação em direções
opostas, dificultando um possível ajuste comportamental das presas de odonatas (Lima 1998).
Outro fator que poderia explicar a ausência de relação entre a atividade de forrageio e
a pressão de predação é que talvez apenas a presença do predador constitua um fator relevante
para a resposta do comportamento de forrageio. De fato, as larvas de libélula podem ajustar
seu comportamento de forrageio apenas em resposta à presença ou ausência do predador
(McPeek 1990a). Talvez a pressão de predação dentro de cada banco seja muito variável, visto
que os bancos podem sofrer quebras por conta da correnteza (Thomaz et al. 2007). Se a
pressão de predação é variável temporalmente, um ajuste em resposta a ela pode ser
improvável, dado o alto nível de regulação exigido.
Agradecimentos
Agradecemos ao professor Paulo Enrique Bunita e Xexéuzinho pela orientação, clareza e
paciência em nos orientar nesse projeto.
Referências
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74
Nem em pé nem de ladinho: não existe demanda conflitante entre investimento
foliar e estrutural em ramos com diferentes formas de crescimento em uma
espécie arbórea de várzea
Danielle K. Petsch, Bruno G. Melati, Daniele J. Moreno & Flávio R. O. Rodrigues
Introdução
Para explorar os recursos, os organismos investem em determinadas características que
maximizam o seu consumo de forma eficiente (Begon et al. 2007). Porém, investir nessas
características demanda um gasto energético que pode ser alto. Assim, os organismos podem
investir de forma diferencial em uma determinada estrutura em detrimento de outra pois os
recursos são limitados no ambiente. Quando o investimento energético é maior em uma
característica e diminui em outra, existe uma demanda conflitante (Tilman 1988).
O investimento diferencial pode ser importante tanto para espécies como para
indivíduos (Bohlman & O’Brien 2006, Sposito & Santos 2011). Em plantas, uma relação bem
conhecida é o aumento do comprimento do tronco e ramos em detrimento do diâmetro
(McMahon 1973, Bohlman & O’Brien 2006). Isso pode ocorrer em situações em que plântulas
investem mais em altura do que em diâmetro para atingir mais rapidamente o dossel para
captar luz (Begon et al. 2007). Plântulas investem menos em sustentação do que as adultas e
por isso sua estabilidade mecânica é menor (Chazdon 1986). Por outro lado, plantas adultas
tendem a investir mais em diâmetro do que em altura para garantir maior sustentação
(McMahon 1973).
No entanto, a pressão gravitacional pode ser diferente de acordo com a posição das
estruturas de uma planta (McMahon 1973, Minamino & Tateno 2014). Ramos com
crescimento horizontal devem ser mais propensos à queda devido à pressão da gravidade do
que ramos com crescimento vertical. Nos ramos horizontais, isso pode aumentar o
investimento em estruturas de sustentação em detrimento de estruturas fotossintetizantes.
75
Nesse sentido, nós investigamos se existe uma demanda diferencial entre investimento foliar
e estrutural em função da direção do crescimento dos ramos. Caso isto ocorra, esperamos um
maior investimento em sustentação em detrimento do investimento foliar em ramos com
crescimento horizontal comparado a ramos com crescimento vertical.
Métodos
Área de estudo
Nós conduzimos o estudo em uma área de várzea do lago do Catalão (3°9’S - 59°54’O),
localizado no município de Iranduba, AM, Brasil. Realizamos a coleta de dados no período
seco, o que possibilitou o acesso às plantas em terra firme.
Coleta de dados
Nós selecionamos uma planta arbórea que possui ramos com crescimento vertical e horizontal
em um mesmo indivíduo. Amostramos 15 indivíduos com ramos de crescimento vertical e 15
indivíduos com ramos de crescimento horizontal. Em cada indivíduo, selecionamos um ramo
de segunda ordem (vertical ou horizontal), medimos o diâmetro da base do ramo e contamos
todas as folhas presentes no ramo.
Análise de dados
Nós realizamos um teste t para avaliar se o número de folhas e o diâmetro dos ramos foi
diferente entre ramos com crescimento horizontal e vertical. Nós consideramos o número de
folhas como variável resposta, o diâmetro do ramo como variável preditora e a forma de
crescimento do ramo (vertical e horizontal) como covariável em uma Análise de Covariância
(ANCOVA). O número de folhas foi transformado em logaritmo para garantir normalidade
dos resíduos. Nós comparamos as inclinações das retas (β) da relação entre diâmetro e número
76
de folhas das diferentes formas de crescimento do ramo. Esperamos que o coeficiente angular
entre o número de folhas em função do diâmetro do ramo seja maior nos ramos com
crescimento vertical em relação aos ramos com crescimento horizontal. As análises foram
realizadas no programa R (R Core Team 2012).
Resultados
O diâmetro dos ramos vertical variou de 11 a 45 mm e dos ramos horizontais variou de 7 a 61
mm. O número de folhas variou de 5 a 88 nos ramos com crescimento horizontal e de 8 a 141
nos ramos com crescimento vertical. O diâmetro médio foi similar entre ramos com
crescimento vertical e horizontal (t=0,34; gl=13; p=0,73; Fig. 1A), enquanto que o número de
folhas foi 1,9 vezes maior nos ramos com crescimento vertical comparado com os ramos
horizontais (t=2,4; gl=13; p=0,02; Fig. 1B).
Figura 1. Diâmetro médio do ramo (A) e número médio de folhas (B) em função da direção
de crescimento (vertical ou horizontal) de uma planta arbórea da floresta de várzea do lago
Catalão, Amazônia central. As barras verticais representam o erro padrão.
A relação entre o diâmetro do ramo e o número de folhas não foi diferente entre os
ramos com crescimento vertical e horizontal (ßvertical= 0,03; ßhorizontal=0,02; F(1,2)=2,08; p=0,16;
Fig. 2).
Vertical Horizontal
Crescimento do ramo
26
27
28
29
30
31
32
33
34
35
36
Diâ
met
ro d
o r
amo
(m
m) A
Vertical Horizontal
Crescimento do ramo
20
25
30
35
40
45
50
55
60
65
70
75
Nú
mer
o d
e fo
lhas
B
77
Figura 2. Relação entre número de folhas e diâmetro dos ramos com crescimento horizontal e
vertical em uma planta arbórea da floresta de várzea do lago Catalão, Amazônia central.
Discussão
A relação entre o número de folhas e o diâmetro não foi maior nos ramos com crescimento
vertical do que nos ramos com crescimento horizontal. Isso significa que nessa planta de
várzea não ocorre uma demanda conflitante entre investimento foliar e investimento em
estruturas de sustentação em ramos com diferentes formas de crescimento.
A inundação sazonal das várzeas (Junk 1989) pode ser um fator regulador no
desenvolvimento das plantas. Durante a inundação, o volume de água e a correnteza exercem
uma pressão mecânica muito alta sobre a planta submersa, o que aumenta o investimento em
estruturas de sustentação. Dessa forma, quando a água baixa, a planta investe em mais
sustentação para não ficar próximo do limiar de tombamento (i.e. ponto de capacidade máxima
de sustentação em biomassa fornecido pelo ramo; Farnsworth & Niklas 1995). Nessas
condições, o investimento necessário para suportar os efeitos da inundação deve ser similar
tanto em ramos de crescimento horizontal como em ramos de crescimento vertical,
78
demonstrado pela similaridade de diâmetro médio entre os ramos com diferentes direções de
crescimento. Quando o nível das águas baixa e a planta emerge, pode ocorrer um maior
investimento em produção de folhas sem a necessidade de investir em estrutura de sustentação
diferenciada entre ramos verticais e horizontais.
Em ambientes não sujeitos a inundação onde a força gravitacional é a principal pressão
modeladora de estruturas de sustentação, o investimento em diâmetro dos ramos com
crescimento horizontal é maior em detrimento do investimento de produção de folhas. Porém,
em áreas de inundação sazonal, as estruturas de sustentação são mais importantes e não ocorre
um investimento diferencial entre diâmetro do ramo e folhas em ramos de crescimento
horizontal e vertical. Neste caso, acreditamos que as plantas podem investir em produção de
folhas somente quando emergem.
Agradecimentos
Agradecemos à Chris, aos “Paulinhos” e ao Lucas pelo aprendizado, companhia em campo e
orientação na realização desse projeto.
Referências
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80
Anavilhanas – projetos orientados
“Fazer bico” facilita a vida de plantas em florestas inundáveis?
Gabriela Hass, Alessandro Rocha, Isadora C. Barragán & Maíra D. Sagnori
Introdução
Pressões ambientais são capazes de modelar características morfológicas ou fisiológicas que
afetam o desempenho dos indivíduos. Essas pressões poder ter tanto origem biótica (e.g.
herbivoria) quanto abiótica (e.g. temperatura e umidade; Violle et al. 2007) e favorecem
atributos com funções específicas nos indivíduos. No entanto, apesar de uma estrutura ser
fixada evolutivamente em uma população por apresentar uma determinada função que confere
maior aptidão aos indivíduos, eventualmente, ela pode ter uma função alternativa, podendo
conferir vantagem adicional ao portador.
Em ambientes com alta precipitação e umidade, como as florestas tropicais, uma
estrutura comumente observada nas plantas são os bicos gotejadores (Turner 2001). Estas
estruturas são formadas pela expansão afilada do apice da folha (Camargo et al., 2008; Ivey
& DeSilva 2001). Presumidamente, os bicos gotejadores atuam como facilitadores para o
escoamento da água que se acumula na lâmina foliar (Lightbody 1985). Esta especialização
estrutural representa uma vantagem para a planta em regiões úmidas, pois o acúmulo de água
sobre a lâmina foliar dificulta as trocas gasosas. Esse acúmulo também pode propiciar a
colonização de algas, epífilas (liquens e briófitas), fungos e musgos, os quais comprometem
o desempenho fotossintético (Ivey & DeSilva 2001).
Na floresta Amazônica, existem regiões banhadas por águas de rios com baixa
disponibilidade de sedimentos (Junk 1997). Estas regiões ficam inundadas periodicamente,
havendo submersão da maioria das plantas. Durante a vazante, as plantas rapidamente
retomam suas trocas gasosas e realizam fotossíntese ao emergirem (Vieira et al. 2010).
81
Contudo, durante a redução da coluna de água, sedimentos se acumulam sobre a superfície
das folhas, o que dificulta a atividade fotossintética. Assim, se a água auxilia na remoção de
sedimentos, e se o bico gotejador facilita o escoamento de água sobre a folha, nos
questionamos se o bico gotejador confere um benefício adicional às plantas que enfrentam
esses ciclos de deposição de sedimentos sobre as folhas no período de inundação. Nossa
hipótese é que plantas com maior investimento em bicos gotejadores apresentarão uma
vantagem adaptativa em ambientes alagáveis onde há deposição de sedimentos sobre as
folhas.
Métodos
Área de estudo
Nós realizamos este estudo no Parque Nacional de Anavilhanas (02º47’ S; 60º48’ O),
localizado no baixo Rio Negro, Amazônia Central, Brasil. Na região, ocorre a elevação
periódica do nível do rio promovendo inundações nas áreas terrestres, onde a vegetação pode
ficar total ou parcialmente submersa por até 270 dias por ano (Bierregaard et al. 2001).
Coleta e análise de dados
O fato das bordas das ilhas estarem em cotas mais baixas, faz com que estas regiões alaguem
antes das áreas mais elevadas e sejam as últimas a emergirem durante a vazante. Diante disso,
as plantas de borda passam mais tempo alagadas em comparação às plantas em áreas mais
centrais das ilhas. Como o tempo de alagamento condiciona o acúmulo de sedimento sobre as
plântulas, utilizamos a distância da borda ao interior da ilha como indicativo do acúmulo de
sedimentos sobre as folhas. Consequentemente, para amostrar as plântulas ao longo do
gradiente de tempo de inundação, fizemos coletas em uma ilha seguindo um transecto de 100
m perpendicular a borda da ilha. A cada 10 m, selecionamos cinco indivíduos de plântulas de
82
diferentes espécies (medindo até 1 m de altura) e coletamos três folhas jovens de cada
indivíduo.
Para quantificar o investimento da planta no ápice da folha, medimos o comprimento
do bico gotejador. Para isso, calculamos a distância a partir do ponto de inflexão da borda
laminar até o ponto mais distal do ápice da folha. Também medimos o ângulo do bico. Para
essa medida, desenhamos um triângulo cuja base foi representada por uma linha transversal
na altura do ponto de inflexão na base do ápice da folha. Medimos a altura do triângulo pela
distância da base ao ápice da folha. Com o triângulo montado, estimamos o ângulo formado
no vértice oposto à base do triângulo usando um transferidor.
Para testar se os bicos gotejadores são mais desenvolvidos em plantas na borda, que
passam mais tempo submersas e acumulam mais sedimentos fizemos dois testes: i) uma
correlação de Pearson entre distância da borda e ângulo do bico gotejador, e ii) uma regressão
linear com distância da borda como variável explicativa e comprimento do bico gotejador
como variável resposta. Caso nossa hipótese seja verdadeira, esperamos que à medida que as
plantas estejam mais distantes da borda, por estarem em cotas mais altas no terreno e
apresentarem menor acúmulo de sedimentos, seus bicos gotejadores sejam, em média, mais
curtos e com ângulos maiores.
Resultados
O comprimento médio do bico foi 0,90±0,25 cm (média±desvio padrão) e o ângulo médio foi
47,63±8,65°. O comprimento do bico não foi alterado com o aumento da distância da borda
(t=0,50; gl=9; p=0,62; Fig.1a). Da mesma forma, o ângulo do bico não variou com o aumento
da distância da borda (F(1,9)=0,25; p=0,23; Fig.1b).
83
Figura 1. Relação entre a distância da borda ao interior da ilha em relação ao comprimento (a)
e ao ângulo (b) do bico gotejador das folhas, em uma ilha fluvial no baixo Rio Negro,
Amazônia Central.
Discussão
A ausência de relação entre o comprimento e o ângulo do bico gotejador com a distância da
borda indica que a morfologia do bico gotejador não é uma característica que confere
benefício adaptativo adicional às plantas que passam por longos períodos de alagamento.
Provavelmente, as chuvas frequentes (Malhado et al. 2012) na região sejam suficientes para
manter a superfície foliar limpa e garantir a atividade fotossintética da planta após a vazante.
O investimento na aquisição ou aperfeiçoamento do bico gotejador (Lightbody 1985)
pode conferir vantagens, mas eventualmente também pode gerar custos. Folhas com maior
investimento nesta estrutura têm uma maior razão entre borda foliar e limbo. Isto implica em
uma diminuição da área foliar e, consequentemente, uma perda da superfície fotossintetizante
(Ivey & DeSilva 2001). Portanto, é possível que as caraterísticas morfológicas das folhas
sejam moldadas por um balanço entre vantagens associadas ao escoamento de água
(Tokumoto et al. 2013) e custos com redução da capacidade fotossintética.
Concluímos então que o bico gotejador não está relacionado com o acúmulo de
sedimentos na folha, portanto, não há benefício adaptativo adicional, talvez o balanço entre
b) a)
84
investimento no bico foliar e a área foliar fotossintética seja um mecanismo alternativo que
pode estar respondendo à pressão ambiental, mas com um alto custo em diminuição da
capacidade fotossintetizante e portanto, sem gerar um padrão de investimento em bico
gotejador.
Referências
Bierregaard, R.O.Jr., C. Gascon, T.E. Lovejoy & R.C.G. Mesquita. 2001. Lessons from
Amazonia: the ecology and conservation of a fragmented forest. New Haven &
London: Yale University Press.
Camargo, J.L.C., I.D.K. Ferraz, M.R. Mesquita, B.A. Santos, H.D. Brum. 2008. Guia de
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ápices foliares auxiliam no escoamento de água da lâmina foliar, pp.158-163. In
85
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the concept of trait be functional! Oikos, 116:882-892.
86
O custo energético para a produção de teias de aranhas afeta a colonização de
novos habitats
Gabriela Decker, Alexandre C. Siqueira, Bruno G. Melati & Daniele J. Moreno
Introdução
Ecólogos têm buscado entender a distribuição das espécies e grupos funcionais de acordo com
as características do ambiente e fatores intrínsecos das espécies (Verhoef & Morin 2010).
Uma das características relacionadas às espécies que podem influenciar a estruturação das
comunidades biológicas é a capacidade de colonização (Drake 1991). Além disso, a
ocorrência de uma espécie em uma comunidade com condições e recursos adequados depende
de dois fatores principais. Primeiramente, a espécie deve ser capaz de alcançar o local, o que
vai depender de sua capacidade de dispersão e colonização e, em segundo lugar, sua
ocorrência vai depender de outras espécies competidoras ou predadoras presentes no local
(Begon et al. 2006).
A capacidade de colonização de novos ambientes depende das estratégias utilizadas
pelos organismos para se deslocar para outro ambiente e se estabelecer nele (Cook & Quinn
1995). Algumas estratégias possuem um maior gasto energético que outras. Por exemplo,
espécies que investem em cuidado parental, possuem um maior gasto energético do que
espécies que não exibem cuidado parental (Begon et al. 2006). Danos causados na sua prole
podem representar um elevado custo energético. Sendo assim, a dispersão para outro ambiente
pode significar um risco energético muito alto para as espécies que exibem esse tipo de
estratégia. Então, espécies que apresentam cuidado parental podem ser piores colonizadoras
comparadas a espécies que não apresentam cuidado parental. Outro exemplo são organismos
que dependem da construção de abrigos. Essas espécies são influenciadas pelo balanço
energético do abandono e construção de abrigo no local colonizado. Dessa forma, estratégias
87
menos custosas tendem a ser favorecidas para que os organismos alcancem e se estabeleçam
em novos ambientes.
Ambientes novos são formados sazonalmente em locais que apresentam dinâmica de
alagamento, como as florestas de igapó. Esta dinâmica ocorre a partir de pulsos de inundação
com períodos de cheia que podem durar até seis meses. A inundação cobre grande parte da
floresta, fazendo com que a fauna migre horizontalmente para se abrigar nos locais não
alagados ou verticalmente para a copa das árvores (Adis & Junk 2002). No período da vazante,
os habitats terrestres são expostos e ficam novamente disponíveis, sendo colonizados pelos
organismos que migraram para as áreas não inundadas. Essa dinâmica de colonização dos
habitats recém-formados depende do custo energético do deslocamento e estabelecimento das
espécies.
As aranhas são exemplos de organismos que realizam a migração vertical durante o
período de cheia nos igapós (Adis & Junk 2002). A ocupação de hábitats por estes organismos
vai depender de fatores como a qualidade e a quantidade de recursos alimentares, refúgios
contra predadores e da estrutura da vegetação para a construção das teias (Vieira et al. 2007).
Além disso, a dinâmica de colonização das aranhas nos igapós pode depender das diferentes
estratégias de construção de teias com seus custos energéticos associados. Entre os vários
tipos de teias construídas pelas aranhas, dois formatos básicos apresentam grande diferença
em relação ao custo energético para a construção. Teias bidimensionais (orbiculares) são
menos custosas energeticamente, enquanto teias tridimensionais são mais custosas. Esta
diferença no custo de produção está relacionada com o consumo de teias velhas pelas aranhas
que constroem teias bidimensionais, enquanto as aranhas com teias tridimensionais
simplesmente abandonam as teias para a construção de novas teias (Vieira et al. 2007).
Nos ambientes de igapó podem ser encontradas tanto aranhas que constroem teias
bidimensionais como aquelas que constroem teias tridimensionais. Contudo, não se sabe se
estas diferentes estratégias afetam a colonização de ambientes recém-formados. Nossa
88
hipótese é de que aranhas construtoras de teias com baixo custo energético (teias
bidimensionais) colonizam primeiro os habitats recém-formados pela seca nos ambientes de
igapó.
Métodos
Nós realizamos o estudo em uma área de igapó localizada no baixo Rio Negro, no Parque
Nacional de Anavilhanas, Amazônia Central. As coletas foram realizadas em uma ilha que
estava seca há sete dias e outra ilha com o nível das águas a 1 m do solo. Isso permitiu
comparar a distribuição dos tipos de teias em um ambiente que representou o período de cheia
e outro a seca.
Nós buscamos ativamente por teias bidimensionais e tridimensionais em 10 plotes de
5 x 4 m. Incluímos teias localizadas até dois metros de altura em cada plote. Para avaliar o
efeito do custo energético da construção de teias sobre a colonização de novos ambientes,
comparamos as porcentagens de cada tipo de teia (bidimensional e tridimensional) entre os
locais (área alagada e não alagada) usando um teste qui-quadrado (χ2). Dessa forma,
esperamos que a porcentagem das teias bidimensionais seja maior na área seca em relação à
área alagada, indicando que estas aranhas colonizam primeiro os habitats recém-secos.
Resultados
Encontramos 216 teias nos dois ambientes, sendo 114 registradas no ambiente alagado e 102
no ambiente não alagado. As aranhas com teias orbiculares foram representadas
principalmente por indivíduos da família Araneidae e as aranhas com teias não orbiculares
pela família Theridiidae. Na ilha alagada, os indivíduos foram predominantemente adultos,
enquanto na ilha não alagada todos os indivíduos foram jovens. No ambiente alagado, 65,8%
(n=75) das teias foram bidimensionais e 34,2% (n=39) tridimensionais. Na área não alagada,
89
registramos 36 teias tridimensionais (35,3%) e 66 teias bidimensionais (64,7%). A proporção
de teias bidimensionais foi maior na área alagada (χ2 = 42,14; gl = 1; p<0,001; Fig. 1).
Figura 1. Frequência de teias orbiculares e tridimensionais em ambientes alagados e não
alagados, no Parque Nacional de Anavilhanas, Amazônia Central.
Discussão
A porcentagem de teias bidimensionais foi maior do que a de teias tridimensionais no
ambiente que ficou recentemente disponível após a redução do nível da água. Este padrão não
foi resultado da estratificação vertical das aranhas com diferentes tipos de teia, pois aranhas
bidimensionais e tridimensionais podem ocupar os diferentes estratos da vegetação de forma
similar. Por isso, o resultado observado confirma nossa previsão de que aranhas com teias
menos custosas (bidimensionais) colonizam novos ambientes de forma mais rápida do que
aranhas com teias mais custosas (tridimensionais).
Algumas características do ambiente recém-exposto podem ser desvantajosas para o
estabelecimento das teias tridimensionais. Após o fim da vazante a floresta que fica exposta
possui um sub-bosque mais aberto, o qual está sujeito a distúrbios que podem danificar as
0
10
20
30
40
50
60
70
Alagado Não alagado
Porc
enta
gem
dos
tipos
de
teia
Tipo de ambiente
Teia orbicular
Teia tridimensional
90
teias como galhos que caem da copa das árvores. Nesta situação, o ambiente fica mais inóspito
para a colonização por aranhas com teias tridimensionais. Além disso, a alta eficiência de
captura de presas das teias tridimensionais (Vieira et al. 2007) permite que estas aranhas
mantenham seus ganhos energéticos na copa das árvores durante a cheia. Desta forma, não é
vantajoso para aranhas com teias tridimensionais se estabelecer no novo ambiente, pelo menos
até quando a vegetação apresentar uma estrutura que não assegure a estabilidade da teia. Por
outro lado, para as aranhas que constroem teias bidimensionais, o custo de colonizar ambientes
instáveis não é alto, pois se a teia for destruída pelo vento a aranha pode consumir a teia
(Triplehorn & Jonnson 2011) e reconstruí-la em um novo local.
Nós observamos que as aranhas colonizadoras do sub-bosque do ambiente não alagado
foram representadas apenas por indivíduos jovens. Isso sugere que a pressão de abandonar o
dossel e colonizar o sub-bosque pode ser maior para os juvenis do que para os adultos. Isso
ocorre porque, em geral, as espécies de aranhas orbitelas têm filhotes que permanecem por
pouco tempo na teia materna. O tipo de teia orbicular não permite a formação de uma colônia
mais efetiva para a caça coletiva e, portanto, os filhotes deixam a teia materna à procura de
novos ambientes para construção de suas próprias teias. Por outro lado, espécies de aranhas
com teias tridimensionais permanecem na colônia por mais tempo ajudando na captura de
presas (Gonzaga 2007). Assim, os jovens de aranhas orbitelas descem para o sub-bosque
pouco tempo depois do nascimento enquanto os indivíduos adultos permanecem no dossel por
mais tempo.
Aranhas com teias que apresentam um menor custo energético serão pioneiras nos
locais recém-expostos. Isso explica a maior frequência das teias bidimensionais no sub-bosque
recém-seco. Esse padrão deve ocorrer apenas na época de colonização do sub-bosque, quando
a vegetação desses ambientes ainda não está estruturada. Com o avanço da estação seca, a
vegetação do sub-bosque fica mais densa e é esperado que mais aranhas com teias
tridimensionais vindas do dossel ou de ilhas próximas possam colonizar o sub-bosque.
91
Agradecimentos
Agradecemos ao Thiago pela orientação, ao Paulinho pai pela revisão e aos demais
professores pelas críticas e auxílio no manuscrito do relatório.
Referências
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Interciência.
92
Borboletas da espécie Phoebis sp. ajustam o comportamento de voo em resposta a
pressões de predação e migração
Ronildo A. Benício, Paulo H. Araújo-Camargo, Camila C. Hohlenwerger, Júlia F. dos Santos
Introdução
Assim como ocorre em atributos morfológicos e fisiológicos, o comportamento dos
organismos está sujeito a diferentes pressões seletivas. Consequentemente, comportamentos
que maximizem a aptidão dos indivíduos em relação a uma determinada pressão devem ser
favorecidos. Entre estas pressões, a predação e a migração são importantes moduladores do
comportamento animal (Sansom et al. 2009).
Em espécies que usam voo como principal mecanismo de deslocamento, variações nas
pressões ambientais podem alterar o padrão de deslocamento durante o voo. Em borboletas,
pressões associadas à predação e migração podem determinar comportamentos distintos de
voo. Borboletas palatáveis, por exemplo, apresentam um voo mais errático quando
comparadas a borboletas aposemáticas. Como elas são mais atacadas que borboletas
aposemáticas, o voo errático, apesar de mais custoso, tende a ser favorecido por reduzir a
chance de acerto do predador (Chai & Srygley 1990, Marden & Chai 1991). De maneira
semelhante, em espécies migratórias, o voo tende a ter menores números de desvios de rota,
pois voos retilíneos e com menor frequência de batimentos das asas demandariam menor custo
energético (Chai & Srygley 1990).
Geralmente, comportamentos de voo são tratados como fixos nas espécies de borboletas.
No entanto, se as pressões seletivas de fato determinam o comportamento, em espécies nas
quais os indivíduos sofrem diferentes tipos de pressões ao longo do tempo ou em diferentes
locais, espera-se que haja um ajuste do comportamento de acordo com essas variações nas
pressões. Tentando compreender esse mecanismo, utilizamos como objeto de estudo a
borboleta Phoebis sp. (Pieridae), uma espécie palatável, que realiza migrações anuais do
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litoral do nordeste brasileiro à Amazônia Central. Uma vez que os indivíduos dessa espécie
migram, o padrão de voo deles deve ser retilíneo. No entanto, observamos que, durante a
migração, os indivíduos de Phoebis sp. usam rios como rotas de deslocamento, podendo voar
a diferentes distancias das margens. Uma vez que próximo à margem do rio o número de
poleiros de aves predadoras é maior e, portanto, a pressão de predação deve ser maior,
propomos a hipótese de que a trajetória de voo dessa borboleta será mais errática à medida
que elas se aproximam da margem do rio.
Métodos
Realizamos este estudo no Parque Nacional de Anavilhanas, próximo ao município de Novo
Airão, localizado no baixo Rio Negro, AM, Brasil (03º05’ S, 59º59’ O). A temperatura média
anual da região é de 26,7 ºC e a precipitação é de 2186 mm (Junk & Piedade 2010).
Para avaliarmos a trajetória de voo das borboletas, realizamos observações dos
indivíduos das 8:00 h às 10:00 h. Amostramos borboletas que voavam próximas às margens
do Rio Negro (até uma distância de 10 m da margem; n=50 observações) e longe da margem
do Rio Negro (a partir de 50 m da margem; n=55 observações). Observamos cada borboleta
por um período de 10 s e, durante esse período, quantificamos o número de desvios de rota.
Nós consideramos como desvio de rota de voo qualquer alterações de pelo menos 90° na
direção principal de deslocamento, independentemente do sentido. Esses desvios foram
caracterizados por uma subida e descida brusca, subida brusca, descida brusca ou círculos
(Fig. 1). Para evitar o efeito do observador sobre o registro dos desvios, a cada 30 min de
observação, os observadores que amostravam a área próxima à margem passavam a amostrar
a área longe da margem. Para testar se o número de desvios de rota de voo difere nos dois
ambientes, usamos um teste t. Consideramos o tipo de ambiente (próximo à margem e longe
da margem) como variável preditora e o número de desvios como variável resposta.
94
Figura 1. Esquema de voo da borboleta Phoebis sp., mostrando voos retilíneos e desvios de
rota. No esquema representamos dois desvios de rota ao longo dos 10 s de observação.
Resultados
O voo das borboletas iniciou às 9:30 h e durante todo o período de amostragem não
observamos eventos de predação. O número de desvios de rota de voo próximos à margem
variou de 0 a 8 e longe da margem de 0 a 4. Borboletas que voavam próximas a margem
desviaram a rota 2,1 vezes mais que borboletas que voavam longe da margem (t=3,9; gl=103;
p<0,001; Fig. 2).
Figura 2. Número médio de desvios de rota de voo em borboletas da espécie Phoebis sp.
voando a até 10 m da margem do Rio Negro (próximas à margem) e a partir de 50 m da
margem do Rio Negro (longe da margem) no Parque Nacional de Anavilhanas, AM, Brasil.
Linhas verticais sobre as barras representam o erro padrão.
Voo
Retilíneo
Desvio Desvio
10 s
0
1
2
3
próximo à margem longe da margem
Nº
de
des
vio
s d
a ro
ta
Tipo de ambiente
95
Discussão
O maior número de desvios de rota dos indivíduos próximos às margens do rio em relação a
indivíduos distantes da margem indicou que houve um ajuste comportamental em relação às
variações nas pressões do ambiente. Como existe esse ajuste, as borboletas devem ser capazes
de perceber mudanças na estrutura do ambiente. No entanto, o mecanismo fisiológico
subjacente à percepção ainda é pouco conhecido. Borboletas podem ser orientar por vias
químicas ou visuais (Marden & Chai 1991). Dado que a percepção química desses insetos
ocorre principalmente pelo contato das patas com a superfície da planta (Triplenhorn &
Johnson 2011), e que o desvio de rota dos indivíduos aconteceu antes deles alcançarem às
margens do rio, é provável que em Phoebis sp. a orientação de voo esteja associada
principalmente às vias visuais.
Pressões de predação podem ser importantes moduladores do comportamento animal
(Sih et al. 1998, Sansom et al. 2009). Em ambientes nos quais a chance de ser predado é alta,
é esperado que comportamentos que façam com que os organismos atacados sobrevivam
sejam favorecidos. Por outro lado, em ambientes nos quais a chance de ser predado é
moderada, é esperado que comportamentos que façam com que os organismos evitem seus
predadores sejam favorecidos (Sansom et al. 2009). Como o comportamento de trajetória de
voo mais errática dificulta o ataque pelo predador, é provável que a pressão de predação sob
as borboletas no ambiente estudado seja moderada. De fato, o deslocamento de Phoebis sp.
durante a migração envolve muitos indivíduos se deslocando simultaneamente. Como a
agregação de indivíduos proporciona uma menor chance individual de predação (Krebs &
Daves 1993), a migração em massa dessa borboleta reforça a lógica de que a intensidade de
predação é moderada.
Apesar de termos demonstrado que o comportamento de voo pode variar em
indivíduos de uma mesma espécie, isso não deve ser necessariamente um padrão para
diferentes borboletas. Se indivíduos de uma determinada espécie sofrem pouca variação na
96
natureza das pressões seletivas (como borboletas aposemáticas que estão sujeitas a baixa
pressão de predação), não haveria motivo para encontrar variações em seus comportamentos.
Nesse sentido, podem existir grupos de espécies nas quais os indivíduos apresentem variação
comportamental, enquanto em outros grupos, essa variação deve estar ausente.
Agradecimentos
Gostaríamos de “mandar um beijo para nossa mãe e para o nosso pai”, Paulinho Bonita e
Paulinho Bonito, por toda orientação e paciência na construção do trabalho. Obrigada por
terem nos permitido “matar” a vontade de trabalhar com bichos na “Mazonha”.
Referências
Chai, P. & R.B. Srygley. 1990. Predation and the flight, morphology, and temperature of
Neotropical rain-forest butterflies. American Naturalist, 135:748-765.
Junk, W.J. & M.T.F. Piedade. 2010. An Introduction to South American wetland forests:
distribution, definitions and general characterization, pp. 3-26. In: Ecological Studies,
Vol. 210. Amazonian floodplain forests: ecophysiology, biodiversity and sustainable
management (Junk, W.J., M.T.F. Piedade, F. Wittmann, J. Schöngart & P. Parolin, eds.).
Springer.
Krebs, J.R. & N.B. Daves. 1993. An introduction to behavioural ecology. Oxford: Blackwell
Publishing.
Marden, J.H. & P. Chai. 1991. Aerial predation and butterfly design: how palatability,
mimicry, and the need for evasive flight constrain mass allocation. American Naturalist,
138:15-36.
Sansom, A., J. Lind & W. Cresswell. 2009. Individual behavior and survival: the roles of
predator avoidance, foraging success, and vigilance. Behavioral Ecology, 20:1168-
1174.
97
Sih, A., G. Enlund & D. Wooster. 1998. Emergent impacts of multiple predators on prey.
Trends in Ecology & Evolution, 13:350-355.
Triplenhorn, C.A. & N.F. Johnson. 2011. Estudo dos insetos. São Paulo: Cengage Learning.
98
A prevalência das interações bióticas de formigas é maior em uma comunidade
mais antiga
Danielle K. Petsch, Flávio R. O. Rodrigues, Giulliana Appel & Nelson S. Pinto
Introdução
A composição de uma comunidade está relacionada tanto a processos espaciais quanto
temporais (Schamp et al. 2008). Interações bióticas constituem fatores estruturadores
fundamentais para determinar a dinâmica populacional das comunidades (Paine 1969). Neste
contexto, o tempo de estruturação de uma comunidade é um dos fatores importantes para
determinar a emergência e o estabelecimento de interações entre populações. Quanto mais
antiga a comunidade, maior a probabilidade da emergência de interações, e maior a
importância dessas interações na estabilidade do sistema (MacArthur 1955).
Em tese, comunidades mais antigas e estabelecidas apresentam maior a riqueza local
de espécies e maior a abundância de indivíduos nas populações componentes, o que pode levar
a comunidade a limites próximos à capacidade de suporte do ambiente. Em contrapartida,
comunidades mais antigas devem permitir o estabelecimento de maior diversidade de grupos
funcionais e guildas (Giller 1984). Isto possibilita o aumento do número de populações
competidoras na comunidade, mas diminui o efeito da competição sobre cada população.
Dessa forma, a complexidade de interações aumenta com a idade da comunidade, ampliando
também a riqueza local e o número de nichos potenciais (Simberloff & Abele 1976; Santos et
al. 2007). Este mecanismo possibilita o estabelecimento de populações que sejam
especializadas em diferentes recursos.
Em ambientes sujeitos a inundações sazonais é possível observar locais com diferentes
tempos de exposição ao distúrbio. Após uma inundação, o período para emersão do solo é
variável, sendo o maior tempo de alagamento nas áreas mais baixas e mais próximas ao curso
d’água. Conforme a água desce, novos locais ficam expostos e são colonizados por diferentes
99
espécies. Nós avaliamos a importância de interações bióticas na estruturação de comunidades
de formigas com diferentes idades. Nesse estudo usamos a comunidade de formigas com
diferentes idades para testar o modelo idade/riqueza de interações. Nossa hipótese é de que
quanto mais antiga uma comunidade, maior será a ocorrência de interações bióticas, em
particular competição, na estruturação das comunidades. Se essa hipótese for verdadeira,
esperamos que i) a diferença entre as frequências de espécies de formigas seja maior na
comunidade mais antiga (com menor tempo de alagamento) que na mais recente e que ii)
existam mais guildas tróficas na comunidade mais antiga que na mais recente.
Métodos
Área de estudo
Nós realizamos este estudo durante a fase seca em uma floresta de igapó, inundada
sazonalmente pelo rio Negro, localizada no Parque Nacional de Anavilhanas, Novo Airão –
AM, Brasil (02˚07’ S; 61˚02’ O).
Coleta de dados
Nós estabelecemos um transecto próximo à margem do rio, e outro a 65 m do primeiro no
sentido margem-interior. Instalamos em cada transecto 14 iscas distantes 5 m entre si,
contendo porções iguais de proteína e carboidrato (sardinha e goiabada), de forma a atrair
formigas com diferentes preferências alimentares. Após 50 minutos as iscas foram recolhidas
e as formigas presentes triadas e separadas em morfoespécies.
Para avaliar se há diferença de frequência entre as espécies dos dois locais, calculamos
a diferença dos valores de frequência entre pares de espécies para a comunidade mais antiga
e mais recente separadamente. Em tese, valor de diferença alto indica que algumas espécies
são mais numerosas, e provavelmente mais dominantes, que outras.
100
Utilizamos uma abordagem de modelo nulo para testar se a média do valor da diferença
de frequências das formigas na comunidade mais recente é maior que na comunidade mais
antiga. Para isso, aleatorizamos os valores da diferença entre as áreas e, após cada permutação,
calculamos a média do valor de diferença para as duas comunidades. Em seguida subtraímos
o valor médio de diferenças de um local pelo valor médio de diferença do outro local
(estatística do teste). Após 1000 permutações, geramos uma distribuição nula dos valores da
estatística do teste. Calculamos a chance do valor observado de diferença entre os locais ser
gerado pelo acaso ao dividir o número de vezes que o valor da estatística do teste nas
aleatorizações foi maior ou igual ao valor observado pelo número total de permutações (Manly
1991). Para testar nossa segunda previsão, classificamos os gêneros de formigas em guildas
tróficas de acordo com Brandão et al. (2009). Posteriormente avaliamos se o número de
guildas diferia entre as comunidades mais jovens e mais antiga.
Resultados
Nós coletamos 10 espécies de formigas, pertencentes a cinco gêneros: Acromyrmex,
Camponotus, Crematogaster, Cephalotes e Pheidole. Apenas Camponotus sp.1 e Camponotus
sp.3 ocorreram tanto na comunidade mais recente quanto na mais antiga. Coletamos quatro
espécies exclusivamente na comunidade mais recente, todas pertencentes ao gênero Pheidole
(Fig. 1). Também coletamos quatro espécies exclusivamente na comunidade mais antiga,
pertencentes a outros quatro gêneros (Fig. 1). A diferença na frequência entre os pares de
espécies foi de 1,46 (p=0,05), sendo maior na comunidade mais antiga (3,6±2,8)
(média±desvio padrão) do que na comunidade mais recente (2,13±1,5). O número de guildas
tróficas também diferiu entre as comunidades. Registramos quatro guildas tróficas na
comunidade mais antiga, e apenas a guilda de formigas generalistas na comunidade mais
recente (Fig. 2).
101
Figura 1. Frequência relativa de ocorrência das formigas nas comunidades com diferentes
tempos de exposição ao alagamento na Amazônia Central, Brasil.
Figura 2. Número de guildas tróficas de formigas em comunidades sujeitas a um menor tempo
de alagamento (comunidade mais antiga) e a um maior tempo de alagamento (comunidade
mais recente) na Amazônia Central, Brasil.
Discussão
A diferença na frequência de ocorrência das espécies, bem como o número de grupos
funcionais de formigas foi maior na comunidade mais antiga do que na comunidade mais
102
recente. Sugerimos que a comunidade mais antiga possui maior complexidade de interações
biológicas que a comunidade mais recente, constituindo uma comunidade mais complexa. A
maior diferença entre a frequência das espécies na comunidade mais antiga indica a
importância das interações entre populações como ator estruturador da comunidade de
formigas. Padrão semelhante foi encontrado na planta Acacia drepanolobiu, que possui mais
formigas competidoras quando adultas do que na fase de plântulas (Stanton et al. 2002).
O maior número de guildas tróficas de formigas na comunidade mais antiga em relação
à comunidade mais nova também é indicativo de maior complexidade de interações bióticas.
A presença de quatro guildas tróficas distintas na comunidade mais antiga (consumidores de
pólen -Cephalotes atratus-, cultivadores de fungo -Acromyrmex sp.-, consumidores de recurso
açucarado -Crematogaster sp.- e generalistas -Camponotus sp.) pode indicar uma maior
variedade de recursos alimentares para as formigas, como folhas, nectários e afídeos. Por outro
lado, na comunidade mais recente observamos apenas quatro espécies, todas pertencentes ao
mesmo gênero. Como este gênero é classificado como generalista (Mertl et al. 2010), isso
pode ser um indicativo do porquê registramos apenas essas espécies no ambiente onde
supostamente há menor variedade de recursos.
Em alguns grupos de animais, características das espécies que são favoráveis quando
um hábitat é mais recente podem ser desvantajosas em estágios sucessionais mais tardios
(Stanton et al. 2002). Dado que obtivemos gêneros exclusivos na comunidade mais recente, é
possível que indivíduos dessas espécies tenham alta capacidade de se estabelecer quando a
comunidade é mais recente, mas não sejam bons competidores em comunidades mais antigas.
Por outro lado, duas espécies de Camponotus ocorreram em ambas as áreas. Isso é indicativo
que essas espécies apresentam maior valência ecológica e capacidade de explorar os recursos
disponíveis tanto na comunidade mais recente quanto na comunidade mais antiga.
103
Referências
Baccaro, F.B., S.M. Ketelhut & J.W. Morais. 2010. Resource distribution and soil moisture
content can regulate bait control in an ant assemblage in Central Amazonian forest.
Austral Ecology, 35:274-281.
Begon, M., C.R. Towsend & J.R. Harper. 2007. Ecology: from individuals to ecosystems.
Oxford: Blackwell Publishing.
Brandão, C.R.E., R.R. Silva & J.H.C. Delabie. 2009. Formigas (Hymenoptera), pp. 323-369.
In: Bioecologia e nutrição em insetos (A.R. Panizzi & J.R.P. Parra, eds.). Brasília:
Embrapa.
Giller, P.S. 1984. Community structure and the niche. London: Chapman and Hall.
Manly, B.F.J. 1991. Randomization and Monte Carlo Methods in Biology. Norwich:
Chapman and Hall.
McArthur, R. & E.O. Wilson. 1967. The theory of Island Biogeography. Princeton: Princeton
University Press.
Mertl, A.L., M.D. Sorenson & J.F.A. Traniello. 2010. Community-level interactions and
functional ecology of major workers in the hyperdiverse ground-foraging Pheidole
(Hymenoptera, Formicidae) of Amazon Ecuador. Insectes Sociaux, 57:441-452.
Paine, R.T. 1969. The Pisaster-Tegula interaction: prey patches, predator food preference,
and intertidal community structure. Ecology, 50:950-961.
Santos, G.M.M., C.B.F. Carlos, J.J. Resende, J.D. Cruz & O.M. Marque. 2007. Diversity and
Community Structure of Social Wasps (Hymenoptera: Vespidae) in Three Ecosystems
in Itaparica Island, Bahia State, Brazil. Ecology, Behavior and Bionomics, 36:180-185.
Schamp, B.S., J. Chau & L.W. Aarssen. 2008. Dispersion of traits related to competitive
ability in an old-field plant community. Journal of Ecology, 96:204-212.
Simberloff, D. & L.G. Abele. 1976. Island biogeography theory and conservation practice.
Science, 191:285-286.
104
Stanton, M.L., T.M. Palmer & T.P. Young. 2002. Competition–colonization trade-offs in a
guild of african Acacia-ants. Ecological Monographs, 72:347-363.
105
Não há correlação entre atributos funcionais de folha e de caule em florestas de
igapó
Larissa P. Lemes, Paulo Bittencourt, Camila J. P. Ramos & Vítor de C. Rocha
Introdução
Atributos funcionais são características morfológicas, fisiológicas ou fenológicas associadas
ao desempenho dos indivíduos no ambiente (Violle et al. 2007). Variações nesses atributos
determinam como as plantas respondem a fatores ambientais e bióticos, e como influenciam
em processos ecossistêmicos (Kattge et al. 2011). A escolha de um atributo funcional para um
estudo requer conhecimento sobre a sua funcionalidade (Rosado et al. 2013), pois diferentes
atributos podem estar relacionados à mesma função e um único atributo pode estar relacionado
a diferentes funções (Wright et al. 2004).
Em plantas, existem processos que necessariamente envolvem atributos de diferentes
órgãos. Por exemplo, o transporte de água do solo para as folhas depende que atributos
funcionais na raiz, caule e folha mantenham a continuidade do sistema hidráulico ao longo da
planta (Tyree & Ewers 1991). Algumas relações entre atributos que compartilham a mesma
função ecológica e são vinculados a uma mesma estrutura morfológica são bem estabelecidas
em plantas. Por exemplo, nas folhas há uma forte relação entre a massa foliar por área e
longevidade foliar, atributos relacionados à capacidade fotossintética (Wright et al. 2004).
Entretanto, a relação entre atributos funcionais de estruturas diferentes ligadas a um mesmo
processo fisiológico ainda não é bem compreendida (Fortunel et al. 2012).
Duas teorias buscam entender as relações de funcionalidade entre os atributos de
diferentes estruturas ligadas a um mesmo processo fisiológico de plantas: a teoria das formas
de vida (Grime et al. 1997) e a teoria do indivíduo modular (Baraloto et al. 2010). A teoria
das formas de vida prediz que, como os atributos funcionais em todas as estruturas
106
morfológicas das plantas devem funcionar de modo coordenado, as pressões seletivas devem
atuar de modo dependente em estruturas envolvidas em um mesmo processo (Grime et al.
1997). Nesse sentido, por exemplo, se a seleção natural agir sobre um atributo no caule, isso
implicará em uma alteração nos atributos da folha envolvidos na mesma função (e.g.
transporte de água; West et al. 1999).
Entretanto, Baraloto et al. (2010) propôs que atributos funcionais associados a defesa,
resistência e crescimento em altura de plantas são independentes e ortogonais, o que foi
denominado de teoria do indivíduo modular. Nessa proposta, cada estrutura morfológica de
um indivíduo é um módulo que está sujeito a pressões seletivas independentes. Dessa forma,
a seleção natural pode agir de maneira distinta em cada módulo, e, assim, estruturas com a
mesma função em diferentes órgãos podem variar independentemente (Baraloto et al. 2010).
Segundo essa teoria, o caule e as folhas, do ponto de vista evolutivo, são módulos distintos e
independentes entre si. Assim, um mesmo indivíduo pode apresentar, por exemplo, o caule
com alto custo energético e as folhas com baixo custo energético.
Apesar de sabermos como a seleção natural pode atuar nos módulos com funções
distintas (Baraloto et al. 2010), pouco compreendemos como as pressões seletivas atuam em
atributos funcionais de diferentes estruturas vegetais associadas a um mesmo processo
fisiológico. Por exemplo, a função de transporte de água envolve estruturas da raiz, do caule
e das folhas. A capacidade de transporte hídrico deve ser proporcional entre estruturas, caso
contrário, a funcionalidade de uma estrutura poderia limitar a capacidade da outra, ou uma
delas não estaria sendo utilizada de forma ótima (Cruiziat et al. 2002).
Entretanto, limitações fisiológicas podem impor pressões seletivas distintas entre
estruturas associadas a uma mesma função. Por exemplo, a capacidade de transporte de água
está inversamente relacionada com a vulnerabilidade do sistema hídrico. Apesar do
incremento no diâmetro dos vasos do xilema garantir uma maior capacidade de transporte de
água, ele também está associado com o aumento da susceptibilidade à cavitação (entrada de
107
ar nos vasos; Tyree & Ewers 1991). Deste modo, talvez haja um limite máximo para o
aumento do diâmetro dos vasos do xilema, possibilitando a ocorrência de pressões seletivas
diferenciadas no caule e folha, o que poderia levar ao desacoplamento dessas estruturas.
Avaliamos se os atributos funcionais de estruturas que transportam água em plantas de
florestas sazonalmente inundáveis estão correlacionados. As florestas alagáveis do rio Negro,
regionalmente conhecidas como igapós, são fortemente associadas com os pulsos sazonais de
inundação (Junk 2000). Nossa hipótese é que atributos funcionais relacionados ao transporte
hídrico no caule e nas folhas de uma planta são dependentes, conforme a teoria proposta por
Grime et al. (1997). Desse modo, esperamos que o diâmetro dos vasos do xilema no caule,
responsáveis pelo transporte de água no caule (Cruiziat et al. 2002), esteja positivamente
correlacionado à densidade de venação da folha, que representa a capacidade de distribuição
de água no limbo (Sack et al. 2013).
Métodos
Área de estudo
Nós estudamos uma floresta de igapó no arquipélago fluvial de Anavilhanas (03°05’ S -
59°59’ O), a aproximadamente 200 km a leste de Manaus, Brasil. O Rio Negro apresenta
baixo pH e águas escuras com pouco sedimento e nutrientes (Junk & Furch 1985). O pulso
sazonal de inundação faz com que as ilhas permaneçam sazonalmente submersas. A coleta de
dados foi realizada em outubro de 2014, período em que as plantas estavam emersas.
Coleta de dados
Nós coletamos ramos com folhas de 22 morfotipos de árvores. Armazenamos as amostras em
sacos de plástico para diminuir a transpiração e evitar alterações nos atributos interesse (e.g.
colapso dos vasos do xilema). Para quantificar o diâmetro médio dos vasos do xilema do caule,
108
fizemos cortes histológicos transversais do caule para visualização em lupa estereoscópica.
Fotografamos o corte histológico de cada morfotipo com uma câmera fotográfica acoplada à
lupa. Utilizamos o software de análises gráficas ImageJ (versão 1.44; Rasband 1997) para
selecionar, arbitrariamente, cinco vasos do xilema e medir a área de cada um deles, a partir da
qual obtivemos o diâmetro médio do xilema de cada espécie.
Fotografamos uma folha de cada morfotipo e utilizamos o software ImageJ para
delimitarmos, arbitrariamente, uma área de 1 cm2 na imagem. Para obtermos a densidade de
venação, medimos o comprimento das venações secundárias e terciárias dentro dessa área.
Finalmente, verificamos se havia correlação entre a densidade de venação e o diâmetro médio
dos vasos do xilema de cada morfotipo usando a correlação de Spearman.
Resultados
A densidade média de venação foi de 0,56±0,25 mm mm-2 (média±desvio padrão) e o
diâmetro médio dos vasos do xilema foi de 0,15±0,03 mm. Não encontramos relação entre a
densidade de venação e o diâmetro médio dos vasos do xilema (rs=-0,04; p=0,85; Fig. 1).
Figura 1. Correlação entre densidade de venação (mm mm-2) e logaritmo na base 10 do
diâmetro médio dos vasos (mm).
109
Discussão
Não encontramos relação entre a densidade de venação nas folhas e o diâmetro dos vasos do
xilema do caule. Isso sugere que os atributos analisados sofrem pressões seletivas
diferenciadas de modo que há um desacoplamento entre o transporte hídrico da folha e do
caule. Nossos resultados vão contra o esperado pela teoria das formas de vida (Grime et
al.1997) e corroboram o proposto pela teoria do indivíduo modular (Baraloto et al. 2010).
O desacoplamento das estruturas envolvidas no transporte hídrico nas folhas e caule
pode estar relacionado ao período em que a floresta de igapó está imersa. Plantas em áreas
alagadas possuem duas estratégias para lidar com o alagamento: (i) evitação, em que as plantas
reduzem transpiração, respiração e fotossíntese, e (ii) tolerância, em que as plantas possuem
características morfológicas e fisiológicas que permitem suportar o alagamento e continuar
transpirando e fotossintetizando (Luttge 2008). Para plantas com estratégia de evitação, o
sistema de transporte hídrico deixa de ser utilizado durante o alagamento, enquanto que em
plantas com estratégia de tolerância o sistema de transporte hídrico continua funcionando.
Esperaríamos assim um desacoplamento entre a densidade de venação e o diâmetro do xilema
para plantas com estratégia de evitação, porque o fechamento dos estômatos pode ser
suficiente para interromper o transporte hídrico. Essa situação não imporia pressões seletivas
dependentes em estruturas distintas ao longo do sistema hídrico. Já para as plantas com
estratégia de tolerância esperaríamos que os atributos continuassem acoplados, pois os
estômatos permanecem abertos e ainda há transporte de água. Assim, dependendo da
estratégia empregada pela planta durante o período de inundação, diferentes padrões da
relação entre atributos funcionais podem ocorrer. Nesse sentido, sugerimos incorporar a
diferenciação das estratégias para lidar com a inundação nos próximos trabalhos que estudem
a relação entre atributos funcionais de áreas alagadas.
O desacoplamento dos atributos funcionais estudados pode também ser resultado do
estresse hídrico que as plantas passam durante a estação em que a floresta está emersa. Com
110
as altas temperaturas e radiação que ocorrem durante o dia, a demanda atmosférica de água
(força dessecante da atmosfera) se torna alta, aumentando a tensão da coluna de água do
xilema e podendo rompê-la. Desse modo a cavitação é possível apenas nos vasos do xilema
do caule, mas não na venação das folhas (Tyree & Ewers 1991). Assim, o diâmetro dos vasos
do caule pode estar respondendo simultaneamente à pressão seletiva de resistência à cavitação
e de eficiência de transporte hídrico, enquanto a densidade de venação pode estar respondendo
apenas à pressão seletiva de eficiência de transporte hídrico (Cruiziat et al. 2002; Sack et al.
2013). A diferença nas pressões seletivas atuando em caules e folhas pode gerar o
desacoplamento que observamos entre os atributos funcionais associados ao transporte
hídrico.
Agradecimentos
Agradecemos a Fabrício Baccaro, pela orientação do projeto, ao monitor Raul Costa Pereira
pela contribuição nas coletas, esclarecimentos e sugestões ao desenvolvimento do relatório. E
agradecemos também ao Thiago G. Kloss (Chow Chow) pelas correções e críticas ao trabalho.
Referências
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113
Anavilhanas – projetos livres
Efeito do tempo de inundação de ilhas sobre a diversidade beta de plântulas em
uma área de igapó na Amazônia Central
Julia F. dos Santos, Camila J. P. Ramos, Maíra D. Sagnori, Ronildo A. Benício
Inundações sazonais podem agir como filtros ambientais, selecionando as espécies que
ocorrem em diferentes cotas de inundação. Nas florestas inundáveis da Amazônia, plantas
localizadas em cotas baixas estão sujeitas a um tempo maior de submersão, o que caracteriza
uma condição mais instável. Esta instabilidade se reflete em uma composição de espécies de
plântulas mais homogênea comparado a áreas mais estáveis em cotas mais altas. Nossa
hipótese é que a diversidade beta de plântulas é maior em áreas que ficam inundadas por
menos tempo. Em uma ilha fluvial do Arquipélago de Anavilhanas, no baixo Rio Negro,
Amazônia Central, estabelecemos seis parcelas de 1 x 1 m ao longo de cada ambiente.
Coletamos plântulas entre 10 e 50 cm de altura e identificamos as morfoespécies. Utilizamos
o índice de dissimilaridade de Jaccard para medir a diversidade beta, e esperamos que o valor
do índice seja maior em áreas mais altas do que em áreas mais baixas. A média de
dissimilaridade da composição de plântulas entre as parcelas da cota mais alta (90%±12%;
média±dp) foi 1,5 vezes maior do que entre as parcelas da cota mais baixa (59%±36%;
F=2,01; gl=1; p=0,03). A maior homogeneidade na composição de plântulas da cota mais
baixa pode ser reflexo das condições mais restritivas destas áreas. O maior tempo de
submersão e a escassez de luz em períodos de cheia podem selecionar espécies de plântulas
mais resistentes, enquanto nas cotas mais altas pode ser encontrado espécies generalistas e
especialistas. Isso diminui a diversidade beta nas áreas mais instáveis.
114
“Ado-a-ado, cada um no seu quadrado”: distribuição agregada de plântulas ao
longo de um gradiente de inundação
Gabriela Hass, Danielle K. Petsch, Gabriela Decker & Larissa P. Lemes
A distribuição das espécies nos ambientes é definida por fatores bióticos e abióticos. Estes
fatores podem variar de forma abrupta ou gradual no ambiente, sendo esperado que a
distribuição das espécies acompanhe esse padrão de variação. Em ambientes com distúrbios
de inundação, o tempo que as plantas ficam submersas é menor em cotas mais altas e aumenta
com a proximidade da borda. Nossa hipótese é que o padrão de distribuição de plântulas é
gradual ao longo do gradiente de inundação. Nós esperamos que a substituição de espécies de
plântulas ocorra de forma gradual à medida que nos distanciamos da borda. Para testar a nossa
previsão, delimitamos 11 parcelas de 1 m² a cada 3 m em um transecto borda-interior.
Coletamos as plântulas que ocorreram dentro de cada parcela e separamos em morfotipos.
Utilizamos o índice de Morisita (IM) para avaliar como as espécies são substituídas entre as
parcelas. Ao contrário do esperado, as plântulas são substituídas de modo agregado ao longo
do gradiente de inundação (IM=1,16; gl=9; p=0,03). Quando determinado grupo de espécies
possui tolerâncias similares, essas espécies co-ocorrem localmente, formando grupos distintos
uns dos outros ao longo do gradiente. Sugerimos que a faixa de tolerância à inundação das
plântulas é curta, pois a substituição é abrupta mesmo em uma pequena distância entre
parcelas. Portanto, apesar da inundação ocorrer de forma gradual, as plântulas se distribuem
de forma abrupta por tolerarem períodos de alagamento específicos e curtos.
115
O formato do fruto favorece a capacidade de dispersão hidrocórica?
Isabel C. Barragán, Alessandro Rocha, Flávio R. O. Rodrigues, Vítor de C. Rocha
A dispersão de sementes é eficiente quando reduz predação, diminui a competição e facilita o
estabelecimento e germinação. Por outro lado, o formato do fruto pode influenciar a
capacidade dispersiva das sementes por facilitar a transposição de obstáculos. No caso da
hidrocoria, a vegetação ripária pode impor obstáculos para a dispersão destas sementes. Dado
que frutos esféricos não têm arestas e possuem menor superfície de contato com a água e
obstáculos, nossa hipótese é que frutos esféricos têm maior capacidade de dispersão
hidrocórica quando comparados com frutos de formato discóide. Caso isto ocorra, esperamos
que sementes esféricas superem mais obstáculos em menor tempo. Para testar esta previsão,
coletamos 16 sementes esféricas (Astrocaryum jauari) e 16 discóides (Macrolobium
acaiifolium) com massa similar. Colocamos as sementes de cada formato em uma área de
correnteza com obstáculos naturais (raízes, galhos e troncos). Em seguida, medimos o tempo
(segundos) que cada semente levou para superar os obstáculos pré-estabelecidos. O tempo foi
similar para as sementes de formato esférico 179,7± 86,9 (média ± desvio padrão) e discóide
162,8 ± 78,2 (t=0,57; gl=15; p= 0,56), e a frequência de insucesso de superação dos obstáculos
foi de 68% para as duas espécies. Como a forma das sementes não influencia na dispersão
hidrocórica, o formato pode ter sido selecionado por convergência funcional. Em florestas
tropicais, de 50 a 90% das espécies são zoocóricas. Sendo assim, é possível que a zoocoria
atue como um importante fator que influencia na modulação do formato dos frutos.
116
A coloração vermelha em folhas não atua como sinal aposemático
Camila C. Hohlenenwerger, Bruno G. Melati, Paulo Bittencourt, Nelson S. Pinto
Organismos impalatáveis podem apresentar colorações características que indicam sua
impalatabilidade a seus predadores (aposematismo). Enquanto em animais e frutos este
fenômeno é bem conhecido, pouco se sabe sobre sua importância em folhas. Como algumas
folhas jovens apresentam coloração vermelha intensa associada à sua impalatabilidade, nossa
hipótese é que a cor vermelha em folhas é um sinal aposemático. Para avaliar essa hipótese,
medimos a herbivoria controlando por diferenças na intensidade de vermelho entre folhas
localizadas na borda e no interior de uma floresta de igapó. Se nossa hipótese for verdadeira,
esperamos que a herbivoria seja maior em folhas no interior em relação às folhas da borda,
visto que a detecção de um eventual sinal aposemático deveria ser menor onde há menor
luminosidade. As folhas da borda tiveram em média 7,2% (± 2,27) de herbivoria, enquanto
no interior a média foi de 5,0% (± 2,10). As folhas vermelhas foram consumidas em
quantidade semelhante na borda e no interior (F=0,42; gl=1,22;p=0,52). Isso indica que não
existe aposematismo em folhas vermelhas jovens. A coloração vermelha de folhas jovens
pode estar relacionada à presença de antocianinas e compostos fenólicos que são impalatáveis.
Desta forma, o acúmulo destas substâncias nas folhas jovens pode estar ligado à defesa contra
herbivoria, sem que a cor resultante transmita sinais visuais sobre sua impalatabilidade.
117
A maior capacidade de absorção de nutrientes por plântulas reflete a troca das
folhas após a inundação
Paulo H.S. Araújo-Camargo, Alexandre C. Siqueira, Daniele J. Moreno & Giulliana Appel
Em florestas sob inundações periódicas, plantas submersas têm sua fotossíntese
comprometida. Frente a isso, algumas plantas têm estratégias de perder as folhas durante a
inundação e produzir novas ao ficarem emersas, enquanto outras mantêm suas folhas durante
a inundação. Estas, apesar de não terem o gasto energético da troca de folhas, dado que esse
processo demanda muitos nutrientes, têm sua fotossíntese dificultada pelo acúmulo de
sedimento no limbo. Nossa hipótese é que plântulas que possuem maior capacidade de
absorção de nutrientes conseguem trocar as folhas após a cheia. Em uma floresta de igapó na
Amazônia, medimos a altura da plântula e o diâmetro das raízes de plântulas de 13
morfoespécies com folhas maduras e de 13 morfoespécies com folhas novas. Para verificar a
relação entre a troca da folha e o diâmetro da raiz, realizamos uma regressão logística entre o
tipo de folha e os resíduos da regressão linear entre diâmetro da raiz e altura das plântulas.
Esperávamos que plântulas que apresentam folhas novas tivessem um diâmetro maior de raiz
controlado pela altura do que plântulas que mantêm as folhas. Plântulas que trocam folhas
apresentaram maior diâmetro da raiz (0,06±0,15, média±DP) do que plântulas com folhas
maduras (-0,06±0,11) (χ² =5,40, n=26, p=0,04) e, consequentemente, possuem maior
capacidade de absorção de nutrientes. Como o igapó é um ambiente com baixa disponibilidade
de nutrientes, a troca das folhas deve ser custosa para as plântulas. Portanto, o
desenvolvimento de raízes com maior diâmetro pode ser importante para espécies de plantas
desse ambiente.
118
Km 41 – projetos orientados
Risco de predação afeta o comportamento de girinos
Isabel C. Barragán, Larissa P. Lemes, Alessandro Rocha & Paulo H. Araújo-Camargo
Introdução
Organismos se distribuem em um contínuo que pode ir desde uma configuração espacial
dispersa até agregada (Begon et al. 2006). Variações na disposição de indivíduos
coespecíficos podem estar associadas às condições ambientais tais como luminosidade,
umidade ou temperatura (Ricklefs 2008). Adicionalmente, interações biológicas também têm
papel importante na configuração das populações no espaço. Por exemplo, a competição
intraespecífica pode ser o mecanismo responsável pela distribuição uniforme de plantas
arbóreas (Ricklefs 2008). Por outro lado, o padrão agregado em peixes pode ser uma resposta
à pressão de predação que esses organismos estão sujeitos (Hamilton 1971).
A predação é um dos mais importantes mecanismos de pressão seletiva sobre indivíduos
(Langerhans 2006). Predadores podem influenciar populações de suas presas reduzindo a
abundância, diminuindo a competição entre elas e restringindo suas áreas de ocorrência
(Gascon 1990). A predação pode ter efeitos letais (Abrams 2000) e não letais (McPeek 1990).
Efeito não letal pode ser observado quando há alteração morfológica, fisiológica ou
comportamental da presa em resposta à pressão do predador (Hoverman & Relya 2011, Walsh
et al. 2012, Reynolds & Bruno 2013). Entre os efeitos não letais ressaltamos a mudança
comportamental frente ao predador, como por exemplo, a formação de agrupamentos como
estratégia de defesa contra predadores (Krebs & Davies 1993).
Em diversos grupos animais, a vida em grupo pode conferir quatro principais vantagens
em relação ao risco de predação (Krebs & Davies 1993). A agregação aumenta a eficiência da
vigilância do grupo, uma vez que, a taxa per capita de procura e aquisição de recursos pode
119
aumentar já que nem todos os indivíduos precisam vigiar o grupo ao mesmo tempo. Outra
vantagem é o efeito de diluição, dado que a probabilidade de um indivíduo ser predado
diminui conforme o tamanho do grupo aumenta, já que o predador consome uma presa por
vez. Além disso, grupos de animais que investem em colorações crípticas associadas a
movimentos coordenados de grupo, podem desorientar o predador via efeito de confusão.
Também existem grupos de presas que conseguem se organizar para se defender ativamente
do predador (Krebs & Davies 1993). Desse modo, populações que se distribuem de modo
agregado experimentam menores taxas per capita de predação.
Nós observamos em poças temporárias que girinos mantêm uma distribuição agregada.
Quando ocorre algum distúrbio, como, por exemplo, uma vibração na água, os girinos se
dispersam momentaneamente e, em seguida, se reagrupam. Dado que nestas poças, os
predadores de girinos, como baratas d’água, aranhas e larvas de odonata são abundantes,
procuramos responder como os predadores determinam o agrupamento dos girinos. Nossa
hipótese é que o risco de predação aumenta a agregação dos girinos.
Métodos
Área de estudo
Nós realizamos o estudo na Área de Relevante Interesse Ecológico (ARIE) do km 41, formada
por floresta ombrófila densa de terra firme e contínua, administrada pelo Projeto Dinâmica
Biológica de Fragmentos Florestais (PDBFF) e pelo Instituto Chico Mendes de Conservação
da Biodiversidade (ICMBio). A reserva localiza-se a 80 km ao norte de Manaus, Amazonas,
Brasil.
120
Delineamento amostral
Para mensurar o efeito do risco de predação no nível de agregação dos girinos, realizamos um
experimento com dois tipos de tratamento: um com sinal do predador e outro sem sinal do
predador. Dessa forma, preparamos um extrato de predador utilizando baratas d’água da
família Bellastomatidae, mantidas em repouso por 24h em água. Usamos essa solução para
simular o sinal químico do predador.
Para quantificar o efeito do risco de predação na agregação dos girinos, montamos um
experimento com 26 recipientes plásticos cilíndricos de 200 ml (8 cm de diâmetro e 6 cm de
altura), contendo água das poças (aproximadamente 60 ml). Colocamos seis girinos,
capturados na mesma poça e da mesma espécie (família Leptodactylidae), em cada recipiente
e esperamos por 30 minutos para aclimatação dos girinos e estabilização da sua distribuição.
Passado este tempo, fotografamos a lâmina d’água de todos os recipientes com vista de cima
e com escala métrica para registrar a disposição inicial dos girinos.
Para avaliar o efeito da presença do predador na distribuição dos girinos, realizamos o
ensaio com dois tratamentos. Em metade dos recipientes adicionamos, com o auxílio de uma
pipeta de Pasteur, 1,0 ml de solução com extrato de predador e na outra metade dos recipientes
1,0 ml de água. Distribuímos os tratamentos nas amostras de forma alternada. Depois da
aplicação dos tratamentos, aguardamos 5 minutos para estabilizar a distribuição dos girinos.
Passado este tempo, fotografamos cada recipiente novamente para registrar a disposição dos
girinos pós-tratamento.
Cálculo de Agregação
Utilizamos as fotos tiradas pré e pós-tratamento para calcular o mínimo polígono convexo da
distribuição dos girinos usando o programa “ImageJ” (versão 1.48v, Rasband 2014). Como
métrica da mudança no grau de agregação dos girinos, mensuramos a diferença entre a área
dos polígonos antes e depois da aplicação dos tratamentos.
121
Esperamos encontrar maior diferença entre as áreas dos polígonos pré e pós-aplicação
do extrato de predador quando comparados à aplicação de água. Para testar nossa previsão
realizamos um test t. Usamos como variável preditora o tipo de tratamento (extrato de
predador ou água) e como variável resposta a diferença da área de agregação (pré-tratamento
menos pós-tratamento).
Resultados
Após o tratamento com extrato de predadores a área média formada pela distribuição dos
girinos diminuiu de 17,6±3,1 cm² (média±DP) para 12,3±5,8 cm², o que representa uma
redução de 30% da área de distribuição inicial. Por outro lado, os girinos submetidos ao
tratamento controle, aumentaram sua área de distribuição de 13,7±4,2 cm² para 14,5±6,1 cm²,
expandindo 5,8% da área de distribuição. A diferença de área das distribuições do grupo de
girinos submetidos ao extrato de predador foi, em média, 6,1 cm² maior que a diferença de
área das distribuições do grupo de girinos submetidos ao tratamento controle (t=2,98; gl=24;
p=0,003; Fig. 1).
Figura 1. Média das diferenças de área de agregação de girinos submetidos ao extrato de
predador e à água (controle) em uma área de mata contínua na Amazônia Central, Brasil.
Linhas verticais sobre as barras representam o erro padrão.
-4
-2
0
2
4
6
8
Extrato de predador Água
Dif
eren
ça d
e ár
ea d
e ag
reca
ção
(cm
²)
Tratamento
122
Discussão
Os girinos responderam ao risco de predação aumentando a sua agregação. Das quatro
possíveis vantagens do comportamento de agregação como estratégia de escape a predação
(Krebs & Davies 2005), apenas uma pode ser atribuída aos girinos no sistema estudado.
Podemos descartar tanto o efeito de confusão, quanto o efeito de vigilância, pois a água das
poças é turva e nesses ambientes os girinos são visualmente mal orientados (McDiarmid &
Altig 2000). Girinos também não apresentam defesa de grupo (mobing), uma vez que não têm
estruturas de defesa (McDiarmid & Altig 2000). Nesse sentido, o efeito de diluição
possivelmente é o mecanismo que confere vantagem adaptativa aos indivíduos que se
agrupam frente ao risco de predação. Ao se agruparem, girinos possivelmente encontram
menor probabilidade de serem predados à medida que o número de indivíduos no grupo
aumenta (Hamilton 1971).
Apesar do agrupamento favorecer os indivíduos em ambientes com maior risco de
predação, ele também gera um efeito negativo, que é o aumento da competição intraespecífica
entre membros de um mesmo agrupamento (Scott 2005). A limitação de alimento e espaço
gerado pela competição reflete negativamente na aptidão dos indivíduos que formam o grupo
(Morin 2011). Dado a redução local de recursos disponíveis, a competição pode levar à
redução da sobrevivência, crescimento e reprodução dos indivíduos envolvidos (Begon et al.
2006, Fitzpatrick et al. 2007). Assim, podemos esperar que, em populações naturais, a aptidão
dos girinos será menor em ambientes com maior risco de predação.
O efeito de diluição é uma estratégia usada pelos girinos que minimiza o risco de
predação. Entretanto, estratégias reprodutivas também podem afetar a sobrevivência da prole,
como mudanças no período reprodutivo para evitar o contato com o predador (Langerhans
2006). Caso as fêmeas sejam capazes de avaliar o risco de predação dos ambientes, a
deposição de ovos em sítios com menor risco de predação deve aumentar a aptidão da prole.
Nesses ambientes, os girinos poderão se distribuir de modo mais disperso e,
123
consequentemente, estarão sob menor pressão da competição intraespecífica. Dessa forma, o
balanço entre as pressões de predação e competição entre girinos em poças pode ser uma
pressão sobre a seleção de sítios de oviposição pelas fêmeas.
Os girinos responderam ao risco de predação aumentando a agregação. Podemos
afirmar que existe uma mudança na distribuição espacial dos girinos frente à ameaça de
predação, mas essa mudança pode estar sendo modulada pelo balanço entre a vantagem
adquirida com o efeito de diluição da predação e as desvantagens trazidas pelo aumento da
competição intraespecífica entre girinos em uma mesma poça.
Agradecimentos
Gostaríamos de agradecer a todos que colaboraram com este nosso trabalho. Em especial ao
nosso orientador e amigo Raul pela dedicação, paciência e pelos comentários sempre
pertinentes e construtivos. Valeu meu caro!!! E a Laura Leal, pela atenção e delicadeza suas
contribuições foram valiosas não só pelo conteúdo, mas também pela forma de transmissão
do seu conhecimento. Ficamos muito gratos!!! ;)
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125
O hemíptero Jalisus ossae não utiliza camuflagem química para evitar o ataque da
formiga Pheidole minutula
Alexandre C. Siqueira, Bruno G. Melati, Camila J.P. Ramos & Danielle K. Petsch
Introdução
Estratégias que maximizam a aptidão de organismos quanto à eficiência na obtenção de
recursos e a sobrevivência tendem a ser selecionadas. Uma das estratégias que evoluiu para
conferir tais vantagens é se tornar menos conspícuo, o que é conhecido como mimetismo
(Ricklefs 2012). Alguns organismos se tornam mímicos para não serem percebidos por suas
presas, ou para reduzirem o risco de predação (Begon et al. 2006). Há ainda organismos que
usam o mimetismo como mecanismo para explorar recursos de outras espécies sem que sejam
reconhecidos como invasores (e.g. aranhas associadas a formigueiros) (Rettenmeyer 1970).
O mimetismo pode ser tátil, visual, comportamental ou químico (Ruxton et al. 2004).
A comunicação por meio de sinais químicos é comum em grupos de artrópodes. Algumas
espécies se especializaram em mimetizar esses sinais (Greenfield 2002). Nesse sentido, o
mimetismo químico ocorre quando o indivíduo mímico emite sinais químicos semelhantes
aos sinais emitidos por indivíduos de outras espécies (Ruxton et al. 2004). Dessa forma, o
mímico é identificado como um coespecífico, o que pode conferir vantagens para captura de
presas e escape do predador (Greenfild 2002).
A capacidade de perceber sinais químicos é bem desenvolvida em diversos
organismos. Por exemplo, nas formigas os sinais químicos estão associados a detecção de
invasores e a comunicação entre formigas da mesma colônia (Lach et al. 2010). Um exemplo
dessa capacidade vem dos sistemas de mutualismo entre plantas mirmecófitas e formigas.
Nestes sistemas, as formigas são capazes de detectar compostos químicos voláteis que a planta
emite quando suas folhas sofrem danos (Romero & Izzo 2004). Quando as formigas detectam
esses sinais químicos, patrulham a folha e atacam os organismos invasores, protegendo a
126
planta contra herbivoria (Bronstein 1994). Nesses sistemas mutualísticos, não só os sinais
químicos são detectados, mas também os sinais físicos, como vibrações na folha. Portanto,
para que um organismo tenha sucesso em permanecer em uma folha nesses sistemas
mutualísticos, é necessário que ele consiga evitar ser atacado ou se defender das formigas.
Uma das estratégias para evitar o ataque pode ser mimetizar os sinais químicos emitidos pelas
formigas (Rettenmeyer 1970).
Um exemplo de mutualismo de defesa ocorre entre a formiga Pheidole minutula que
nidifica nas domáceas da planta mirmecófita Maieta guianensis. Nessa interação, as formigas
atacam qualquer organismo que visite as folhas de M. guianensis. Contudo, o hemíptero
predador Jalisus ossae consegue permanecer nessas plantas sem ser atacado pelas formigas.
Portanto, nós buscamos entender por que o hemíptero J. ossae não é atacado pela P. minutula
associado a M. guianensis. É provável que ao pousar na folha, esse hemíptero não seja
percebido pelas formigas. Como as formigas se orientam quimicamente, nossa hipótese é que
o hemíptero J. ossae apresenta camuflagem química, que seria uma vantagem contra a
predação por formigas, o que poderia possibilitar a associação à M. guianensis. Se nossa
hipótese for verdadeira, indivíduos de J. ossae que tiverem seus sinais químicos removidos
serão atacados por P. minutula após serem colocados em folhas de M. guianensis, enquanto
os indivíduos que não tiverem seus sinais químicos removidos, não serão atacados.
Métodos
Área de estudo
Realizamos o estudo na Área de Relevante Interesse Ecológico (ARIE) do km 41,
administrada pelo Projeto Dinâmica Biológica de Fragmentos Florestais (PDBFF), localizada
a 80 km ao norte de Manaus, Amazônia Central. A vegetação da ARIE é constituída por
floresta ombrófila primária úmida (Lovejoy & Bierregaard 1990).
127
Delineamento experimental
Para avaliar se J. ossae emite sinal químico de camuflagem para evitar ser detectado pela
formiga P. minutula, coletamos 20 indivíduos desse hemíptero, em arbustos de M. guianensis.
Mergulhamos 10 indivíduos em solução de hexano para remover substâncias químicas do
exoesqueleto (Uma & Weiss 2009), incluindo potenciais sinais químicos que mimetizam P.
minutula. Outros 10 indivíduos não foram mergulhados no hexano (controle). Como os
indivíduos mergulhados no hexano morrem quando submetidos ao tratamento, os indivíduos
do experimento controle também foram mortos, com o auxílio de uma pinça, para manter
todos os indivíduos na mesma condição. Esses hemípteros foram mortos segundos antes de
serem colocados sobre as folhas de M. guianensis. Consideramos que se houver emissão de
sinal químico para o hemíptero se camuflar entre as formigas, essa emissão é constante e a
substância química é acumulada sobre o exoesqueleto. Desse modo, mesmo com o animal
morto, o sinal químico continuará ativo.
Cada hemíptero foi colocado no limbo das folhas mais apicais (folhas mais jovens) de
um indivíduo de M. guianensis que estava sendo patrulhado por formigas operárias.
Observamos até, no máximo, três minutos para verificar se havia ou não o ataque ao
hemíptero. Caracterizamos o ataque como a remoção dos indivíduos de J. ossae das folhas de
M. guianensis realizado por indivíduos de P. minutula.
Resultados
No tratamento que recebeu a aplicação do hexano (n=10), todos os indivíduos de J. ossae
foram atacados ao serem colocados sobre as folhas de M. guianensis. No tratamento controle,
observamos o mesmo resultado, sendo todos os indivíduos (n=10) atacados por P. minutula
no tempo estipulado. Em todos os indivíduos, o ataque se iniciou a partir da identificação do
hemíptero por uma formiga operária. Após o reconhecimento, ocorreu o recrutamento de um
grupo de operárias para iniciar a retirada do hemíptero que era levado para as domáceas.
128
Discussão
Observamos que o hemíptero J. ossae não mimetiza os sinais químicos das formigas,
contrariando nossas expectativas. Portanto, uma possível camuflagem química não explica o
fato do hemíptero não ser atacado por P. minutula em M. guianensis.
Uma potencial explicação para os resultados obtidos é o fato de que a produção de
compostos químicos por animais é extremamente custoso em termos energéticos (Ruxton et
al. 2004). A evolução de sinais químicos envolve o desenvolvimento de uma via metabólica
complexa que só deve ocorrer a partir de fortes pressões seletivas (Ruxton et al. 2004). Nesse
sentido, seria mais parcimonioso pensar em outros mecanismos, como atributos físicos
presentes na planta mirmecófita, que permitissem que o hemíptero não fosse atacado pelas
formigas.
Uma possibilidade é que o hemíptero não é atacado porque ele não gera estímulo
mecânico detectável pelas formigas ao pousar e se deslocar nas folhas. Observamos em campo
que o hemíptero J. ossae caminha sobre os tricomas das folhas sem tocar no limbo. Alguns
artrópodes predadores ocorrem preferencialmente em plantas com tricomas, pois essas
estruturas podem auxiliar a captura de presas (Romero & Vasconcellos-Neto 2007). Portanto,
a presença de tricomas em M. guianensis pode favorecer a ocorrência do hemíptero predador
J. ossae na planta tanto pela facilitação na obtenção de recursos quanto por evitar a detecção
pelas formigas. As pernas compridas do hemíptero podem facilitar que ele caminhe sobre os
tricomas da folha sem ser detectado pelas formigas. Um experimento de simulação do pouso
de diferentes organismos em M. guianensis demostrou que o impacto do pouso de J. ossae
sobre a planta não é detectado pelas formigas (Pires et al. 2012). Como a remoção dos sinais
químicos do hemíptero necessariamente mata os indivíduos, ao colocarmos os hemípteros
sobre as folhas eles entravam em contato com o limbo. Esse contato permitiu que tanto os
indivíduos com sinal químico, como os sem sinal químico, fossem atacados. Isso fortalece
129
ainda mais que a forma como J. ossae caminha sobre os tricomas de M. guianensis pode ser
o mecanismo que evita a detecção pelas formigas.
Concluímos que a camuflagem química não é o mecanismo utilizado pelo hemíptero
para o ataque pelas formigas na planta mirmecófita. A partir disso, propomos a hipótese a
posteriori de que J. ossae utiliza uma barreira física contra o ataque das formigas, o que
permite a permanência do hemíptero nas folhas de M. guianensis.
Agradecimentos
Gostaríamos de agradecer ao grande Xexéu (chauchau) pela orientação e pelas explicações
sobre aranhas e grilos. Também agradecemos a paciência e atenção do Raulzito para com
nosso manuscrito. Agradecemos ainda ao INPA e aos demais professores do EFA por tudo.
Referências
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130
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131
A riqueza de artrópodes da serapilheira diminui com o aumento da
heterogeneidade ambiental
Maíra D. Sagnori, Nelson S. Pinto, Giulliana Appel & Ronildo A. Benício
Introdução
A heterogeneidade espacial do habitat é um importante fator estruturador da diversidade
biológica. Ambientes estruturalmente mais complexos favorecem um número maior de nichos
(Allouche et al. 2012). Isso possibilita a coexistência de espécies com diferentes
requerimentos de recursos e condições, permitindo o aumento o número de espécies. A relação
espécie-área é outro padrão que possui diferentes mecanismos causais responsáveis pelo
aumento no número de espécies (Preston 1962). Um dos mecanismos que podem explicar esse
padrão é que áreas maiores suportam populações maiores de diversas espécies. Isto porque ,
áreas maiores podem ter mais tipos de habitats ou maior heterogeneidade ambiental,
permitindo a entrada de organismos por migração. Isso também leva a um aumento linear do
número de espécies.
Entretanto, o aumento da heterogeneidade pode causar a diminuição no espaço
disponível para a ocupação pelas espécies em uma área fixa. Esta é uma abordagem recente
sobre a relação entre heterogeneidade de habitats e a riqueza de espécies, a qual sugere que o
padrão esperado é uma relação unimodal (Kadmon & Allouche 2007). Esta teoria, chamada
de “Demanda conflitante entre área e heterogeneidade” (sigla AHTO em inglês), é baseada na
relação entre aumento de heterogeneidade e da área disponível para ocupação por novas
espécies (Allouche et al. 2012). A heterogeneidade aumenta a área disponível até certo ponto,
quando esta fica tão alta que o espaço disponível em cada tipo de habitat diminui, e dessa
forma não comporta muitas espécies (Fig. 1). A grande diversidade de medidas de
heterogeneidade ambiental (e.g. altitude, distribuição geográfica, tipos de paisagens e
132
composição vegetal) dificulta a generalização deste padrão para diferentes escalas e sistemas
biológicos (Stein et al. 2014).
Figura 1. Relação entre heterogeneidade ambiental e riqueza segundo a teoria da AHTO. As
setas vazadas indicam um ambiente hipotético para cada faixa da curva. N= número de
espécies em cada espaço, S=riqueza total da área.
A relação linear positiva entre riqueza e heterogeneidade é mais frequentemente relatada
na literatura (Hortal 2013, Allouche 2013). Em uma revisão recente sobre a relação entre
heterogeneidade de habitats e riqueza de espécies, Stein e colaboradores (2014) relatam que
estudos empíricos da AHTO ainda são escassos em escalas espaciais menores. Além disso,
faltam estudos que demonstrem ou refutem a relação unimodal da heterogeneidade do solo e
da vegetação sobre a riqueza de invertebrados. Neste trabalho buscamos avaliar qual é o
padrão da relação riqueza-heterogeneidade em organismos de serapilheira em uma escala
local. Nós acreditamos que o aumento da diversidade de componentes da estrutura de
serapilheira e o aumento de sua densidade geram um padrão unimodal na riqueza de
artrópodes.
133
Métodos
Nós realizamos este estudo na Reserva Florestal do Km 41 (02º 24’ S, 59º43’ O), localizado
cerca de 80 km ao norte de Manaus, na Área de Relevante Interesse Ecológico Projeto
Dinâmica Biológica de Fragmentos Florestais (ARIE - PDBFF), Amazônia Central. A fazenda
tem cerca de 10.000 ha de vegetação classificada como floresta de terra firme (Laurance et al.
2010). O clima da região é tropical úmido, com temperatura média anual de 26,7 °C e
pluviosidade média de 2000 mm por ano (Lovejoy & Bierregaard 1990).
Para avaliar como a heterogeneidade influencia a riqueza de espécies de artrópodes de
serapilheira, amostramos 10 parcelas de 25 cm x 25 cm de serapilheira em uma área no interior
da floresta primária de terra firme. As amostras de serapilheira foram coletadas em diferentes
ambientes para captarmos uma maior variação de habitats, e consequentemente uma maior
heterogeneidade. Utilizamos a ocorrência e abundância de objetos e a densidade de cada
amostra como medidas de heterogeneidade. Classificamos os objetos encontrados em 18
categorias (Tabela 1). O peso do resíduo de cada amostra foi considerado com a matéria
orgânica não identificada dentro de cada uma das 18 categorias de objetos da serapilheira.
Tabela 1. Objetos encontrados na serapilheira e usados para estimar a heterogeneidade local
em uma floresta de terra firme, Amazônia Central, Brasil.
Objetos Valores
Folha decomposta pequena (1 – 9 cm) Abundância total
Folha decomposta média (9,1 – 15 cm) Abundância total
Folha decomposta grande (15,1 – 25 cm) Abundância total
Folha decomposta extra grande (> 25 cm) Abundância total
Folha verde pequena (1 – 9 cm) Abundância total
Folha verde média (1 – 15 cm) Abundância total
Folha verde grande (15,1 – 25 cm) Abundância total
Graveto fino (0,1 – 0,3 cm) Abundância total
Graveto médio (0,31 – 0,6 cm) Abundância total
Graveto grosso (0,61 – 0,9 cm) Abundância total
Galho (> 1 cm) Abundância total
Casca Ocorrência
Raiz Ocorrência
Fruto Abundância total
134
Palha Ocorrência
Flor Abundância total
Plântula Abundância total
Resíduo da serapilheira Peso (mg)
Para obter a densidade (peso/volume) de cada amostra, pesamos a serapilheira com uma
balança de precisão e calculamos o volume de cada parcela multiplicando o comprimento pela
largura e altura média da serapilheira. A altura média da serapilheira foi estimada pela média
da altura de cinco pontos dentro de cada parcela, sendo um em cada vértice da parcela e um
no centro.
Nós estimamos a heterogeneidade de cada parcela usando o índice de Simpson baseado
nas 18 categorias de objetos. Como valores mais altos do índice de Simpson (S) representam
uma menor diversidade, nós utilizamos o inverso deste índice (1/S), que representa uma
relação direta com a diversidade. Quantificamos o número de espécies de invertebrados dentro
da serapilheira como variável resposta. Nós relacionamos a riqueza de espécies com o índice
de heterogeneidade (1/S) e a densidade da serapilheira usando uma regressão múltipla. Para o
índice de heterogeneidade nós incluímos o termo quadrático no modelo de regressão. A
densidade da serapilheira também é uma medida espacial da heterogeneidade, mas não é uma
medida de abundância ou ocorrência. Por isso, esta variável foi colocada como um fator
separado no modelo de regressão. As análises foram feitas no programa R usando o pacote
vegan (The R Development Core Team 2009, Anderson 2006).
Resultados
A riqueza de espécies de invertebrados por parcela variou de 7 a 14 espécies (média = 10
espécies). Dentre os objetos classificados, folhas decompostas foram os mais abundantes
(N=852), enquanto plântulas foram os menos abundantes, com apenas seis indivíduos. O peso
da serapilheira variou de 85 a 170 g (média = 126,3 g). Não encontramos relação entre a
riqueza de espécies de invertebrados e a densidade das amostras (F = 0,68; gl. = 1; p = 0,43).
135
Por outro lado, a relação entre a riqueza de espécies e a heterogeneidade da serapilheira (1/S)
foi negativa e linear (F = 6,16; gl. = 1; p = 0,04; Fig. 1).
Figura 1. Relação entre riqueza de espécies de invertebrados e a heterogeneidade (1/S) da
serapilheira em uma área de floresta primária de terra firme, localizada na Amazônia Central,
Brasil.
Discussão
A relação entre espécie e área presume que o número de espécies aumenta com o aumento da
área, enquanto o aumento da heterogeneidade de habitats pode diminuir a área disponível para
ocupação das espécies, como explicado pela AHTO. Em nosso estudo nós encontramos uma
relação linear negativa entre heterogeneidade da serapilheira e a riqueza de espécies de
artrópodes associados. De modo geral, respostas negativas para esta relação são encontradas
em escalas espaciais pequenas (Tamme et al. 2010). Nesta situação, a heterogeneidade do
ambiente pode ser responsável por promover a dominância de poucas espécies (Tamme et al.
2010). Estas espécies dominantes provavelmente são bem adaptadas a ambientes
heterogêneos, e podem impedir o estabelecimento de outras espécies menos competitivas.
Esse mecanismo leva ao descréscimo na riqueza observada mesmo em áreas muito
heterogêneas.
A relação entre heterogeneidade ambiental e riqueza de espécies geralmente é associada
com fatores que determinam o estabelecimento das espécies, tais como a movimentação dos
136
animais, o tamanho do corpo e os requerimentos de hábitat (Lassau & Hochuli 2004 apud
Stein et al. 2014). Em uma escala muito pequena, o número de espécies pode decair com a
heterogeneidade ambiental quando o hábitat é tão denso que os organismos gastam muita
energia na movimentação (Lassau & Hochuli 2004 apud Stein et al. 2014). Dessa forma, em
ambientes mais heterogêneos o número de obstáculos e interstícios aumenta para certas
espécies de invertebrados de solo, o que pode dificultar na locomoção destes organismos
(Kaspari &Weiser 1999). Portanto, os indivíduos precisam de mais energia para se
movimentar no local, o que pode dificultar o estabelecimento de algumas espécies, e
consequentemente diminuir o número de espécies no ambiente (Farji-Brener et al. 2004).
A movimentação dos organismos nos interstícios de ambientes terrestres é
inversamente relacionada com seu tamanho (Kaspari &Weiser 1999). Para organismos
menores, a capacidade de perceber os recursos nesses interstícios é maior quando comparada
com organismos maiores que utilizam o mesmo espaço. Entretanto, a separação das estruturas
que compõem o interstício pode aumentar a distância até o recurso. Esta distância cria um
padrão que pode representar uma microfragmentação do habitat para certos organismos da
serapilheira (Tamme et al. 2000). Os organismos menores e com menor capacidade de
deslocamento não conseguem acessar esses locais, o que diminui o número local de espécies
(Stein et al. 2014).
O padrão identificado em nosso estudo demonstra que o aumento da heterogeneidade
na serapilheira é acompanhado por uma redução do número de espécies. O padrão observado
em nosso estudo para escalas espaciais pequenas refuta o padrão AHTO. Logo, diferentes
padrões podem ser observados em diferentes escalas, o que torna necessária a avaliação do
padrão em outras escalas espaciais.
137
Agradecimentos
Agradecemos a Lucas “coceirinha” e Paulo “morcegão” pela orientação, esclarecimentos e
paciência. Foi óoootimooooo!
Referências
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139
O tamanho corporal media interações antagonistas entre formigas predadoras?
Paulo Bittencourt, Daniele J. Moreno, Gabriela Decker, Júlia dos Santos
Introdução
Competição é uma interação em que um organismo restringe o acesso de outro a um recurso
(competição por interferência) ou consome um recurso e diminui sua disponibilidade para
outro (competição por exploração) (Burns & Lester 2008). Em ambos os casos, quando há
competição, há redução da aptidão dos organismos envolvidos. Em geral, a competição ocorre
por acesso a presas, nutrientes, locais de nidificação, áreas de forrageamento ou por parceiros
reprodutivos (Begon et al. 2006).
A compreensão do conceito de nicho é fundamental para entender processos
relacionados à competição. O nicho de uma espécie é definido como o espaço
multidimensional composto por faixas de condições e recursos nas quais indivíduos de uma
determinada espécie conseguem sobreviver e reproduzir (Hutchinson et al. 2006). De acordo
com esse conceito, a competição deve ocorrer quando as dimensões dos eixos deste nicho
relacionadas a recursos de duas espécies se sobrepõem. Quanto maior for essa sobreposição,
maior será a probabilidade de haver competição entre as espécies (Grime 1973).
Atributos morfológicos podem representar boas ferramentas para estimar a
possibilidade de uso de recursos e consequentemente parte do nicho de diferentes populações
(Polechová & Storch 2008). Em particular, o tamanho corporal é um atributo frequentemente
utilizado para estimar o nicho de vários organismos (Moen & Wiens 2009). Isso ocorre porque
o tamanho do corpo de um organismo determina diferentes componentes do nicho, como
mecanismos de defesa que ele apresenta, o tipo e o tamanho de recursos consumidos ou o
espaço físico que ele irá ocupar (Pianka 1994).
Neste estudo, nós analisamos o efeito do tamanho do corpo nas interações competitivas
entre formigas que ocupam inflorescências de Palicouria guianensis (Rubiaceae). Nesse
140
sistema, formigas de diferentes tamanhos ocorrem nas plantas que oferecem nectários
extraflorais e, em contrapartida, as formigas protegem a planta contra herbivoria. Nossa
hipótese é que formigas de tamanhos semelhantes apresentarão interações antagonistas.
Métodos
Área de estudo
Nós realizamos o estudo em uma área de floresta de terra firme contínua pertencente ao
Projeto Dinâmica Biológica de Fragmentos Florestais (02°24’ S e 59°44’ O), na Amazônia
Central, Brasil. O clima do local é classificado como tropical úmido segundo a classificação
de Köppen (Peel et al. 2007) com temperatura média de 26,7 ºC e pluviosidade anual em torno
de 2186 mm.
Coleta de dados
Para avaliarmos se as formigas nas flores apresentam respostas distintas a formigas de
diferentes tamanhos, percorremos um transecto de 800 m. Nessa área, nós selecionamos
plantas de P. guianensis com inflorescências ocupadas por apenas uma espécie de formiga.
Para simular possíveis invasores, utilizamos formigas vivas de tamanhos pequeno (Pheidole
sp./3 mm, aproximadamente) e grande (Ectatoma sp./11 mm, aproximadamente) coladas em
filetes de madeira. Em cada inflorescência colocamos um filete de madeira com formiga
pequena ou um filete de madeira com formiga grande. Em seguida, observamos o
comportamento das formigas presentes nas inflorescências por 2 min e anotamos se elas
atacavam as formigas do filete. Consideramos como ataque quando as formigas ferroavam ou
mordiam as formigas presentes no filete. Se nossa hipótese for verdadeira, esperamos que as
formigas presentes em P. guianensis ataquem as formigas de mesmo tamanho colocadas na
inflorescência, ao passo que quando os tamanhos das formigas diferirem, não ocorrerá ataque.
141
Análise de dados
Avaliamos a resposta das formigas presentes nas inflorescências usando um teste qui-
quadrado. Consideramos os tamanhos relativos (grande e pequena) do par de formigas
presentes na flor e no filete de madeira como variável explicativa e a ocorrência de ataque
como variável resposta.
Resultados
Analisamos 23 inflorescências: 16 estavam ocupadas por formigas pequenas (Pheydole sp.
e/ou Crematogaster sp.) e sete por formigas grandes (Ectatoma sp.). As formigas Ectatoma
sp. (grandes) atacaram 100% das invasoras grandes e nenhuma das invasoras pequenas
(χ2=9,27, gl=3, p=0,03).
As formigas Pheidole sp. (pequenas) atacaram formigas grandes e pequenas com
frequência similar (χ2= 2,05, gl=1, p=0,15). Registramos ataques contra 43% das invasoras de
corpo grande e 78% das invasoras pequenas. Em algumas plantas, observamos a presença de
ninhos temporários dessas formigas.
Discussão
A diferença na frequência de ataque a formigas grandes e pequenas exibida somente pelas
formigas grandes indica que o tamanho do corpo foi importante para mediar o comportamento
agonístico para elas. Para as formigas pequenas o tamanho não media o tipo de interação com
outras formigas.
Algumas características das formigas pequenas podem explicar porque o tamanho foi
irrelevante para modular a resposta de ataque a outros predadores. As formigas pequenas
apresentam alta capacidade de recrutamento, permitindo o domínio de recursos maiores
(Holldobler & Wilson 2009). Essas características permitem que as formigas pequenas sejam
142
competidoras tanto de formigas de mesmo tamanho quanto de formigas maiores, explicando
o comportamento agonista que encontramos contra ambos tamanhos.
Com relação formigas grandes, é possível que a diferença de resposta exibida por elas
esteja associada ao comportamento de forrageio. Formigas predadoras de maior tamanho, em
geral, não apresentam comportamento de recrutar outros indivíduos quando encontram algum
recurso (Holldobler & Wilson 2009). Como elas apresentam sistemas de comunicação
primitiva e não recrutam, frequentemente perdem a posse de recursos para formigas de menor
tamanho devido à diferença na capacidade de monopolizá-lo. Uma vez que em sistemas
naturais, as formigas grandes tipicamente perdem a posse do recurso para as pequenas, é de
se esperar que elas não reajam agressivamente à chegada de formigas pequenas na
inflorescência. Por outro lado, formigas grandes devem ser mais equivalentes em termos de
capacidade de monopolizar o recurso, justificando a agressão entre elas.
Apesar das formigas pequenas atacarem igualmente formigas de ambos tamanhos, em
algumas observações não houve ataque. Eventualmente a presença de ninhos temporários na
planta pode determinar a exibição de comportamentos agonísticos, visto que eles aumentam
a abundância relativa das formigas na planta e facilitam o recrutamento. Além disso, o ninho
pode tornar a planta mais valiosa para as formigas. Como há aumento de comportamentos
agonistas com o aumento da qualidade do recurso (presença de ninhos neste caso; Rathcke,
1976), isso poderia explicar a variação encontrada na resposta das formigas pequenas.
Teoricamente, a competição interespecífica ocorre quando há sobreposição em
qualquer eixo do nicho das espécies em questão (Hutchinson 1959). Entretanto,
demonstramos que um atributo (tamanho do corpo), relacionado a um ou poucos eixos do
nicho, pode explicar a existência de comportamentos de agressão. Isso indica que talvez
existam eixos com níveis de importância diferentes para induzir comportamentos agressivos
relacionados à competição.
143
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Rathcke, B.J. 1976. Competition and coexistence within a guild of herbivorous insects.
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144
Um é bom, dois é melhor: mecanismos de defesa contra herbívoros em plantas são
complementares?
Vítor de C. Rocha, Camila C. Hohlenwerger, Flávio R. O. Rodrigues & Gabriela Hass
Introdução
As plantas desenvolveram ao longo de sua história evolutiva diversos mecanismos de defesa
contra a herbivoria (Agrawal & Fishbein 2006). Essas defesas podem ser classificadas em
diretas ou indiretas. Atributos estruturais como espinhos, tricomas e dureza foliar, assim como
alocação de substâncias tóxicas ou repelentes para folhas podem ser classificadas como
defesas diretas (Frederickson 2013). Por outro lado, defesas indiretas são aquelas associadas
a atração de espécies predadoras de herbívoros pelas plantas. Essa associação é mediada por
estruturas vegetais especializadas que oferecem abrigo, comida ou local de nidificação para
esses predadores (Agrawal 2006; Bronstein et al. 2006). Essa interação é considerada
mutualista, uma vez que ambas se beneficiam com a associação: a planta recebe proteção
contra herbívoros e as formigas recebem recurso alimentar ou sítio de nidificação (Kessler &
Heil 2011).
Uma planta pode possuir mais de um mecanismo de defesa. Contudo, as plantas devem
investir energia nesses mecanismos de forma a evitar gastos desnecessários em estruturas que
exerçam funções redundantes (Stamp 2003). Assim, o investimento energético em mais de
um mecanismo de defesa só será vantajoso para a planta se o efeito positivo conjunto dos dois
mecanismos for maior quando comparado com apenas um deles. No caso das plantas com
defesas bióticas, por exemplo, os indivíduos devem investir mais em defesas diretas apenas
se os predadores atraídos não forem capazes de reduzir a pressão de herbivoria na planta
(Agrawal 2006; Frederickson 2013).
As formigas são os principais organismos que atuam como agentes bióticos de defesa
contra herbívoros em plantas. Essas associações ocorrem em diversos ecossistemas, mas são
145
especialmente diversas em ecossistemas tropicais (Keeler 1980). Um exemplo de estrutura
vegetal atrativa para formigas são os nectários extraflorais (NEFs) que produzem néctar rico
em açúcar e podem estar localizados em diferentes partes das plantas, como folhas, flores e
frutos (Elias 1983). Essa interação é um exemplo de mutualismo difuso, onde diferentes
espécies de plantas podem se associar com diferentes espécies de formigas que visitam os
nectários (Bronstein 1994).
A eficiência da defesa das formigas é um fator que pode ser determinante no sucesso
reprodutivo de plantas mimercófilas (Marazzi et al. 2013). Como diferentes espécies de
formigas podem dominar os nectários, a eficiência da defesa das formigas contra os herbívoros
varia de acordo com suas características comportamentais (Subedi et al. 2011). Formigas mais
agressivas, com alta dominância e comportamento de recrutamento são defensoras mais
eficientes para mirmecófilas que formigas menos agressivas e que forrageiam solitariamente
ou com baixo recrutamento de operárias (Rutter & Rausher 2004). Desta forma, plantas
mirmecófilas que se associam com formigas pouco eficientes devem sofrer maior pressão de
herbivoria. Consequentemente, plantas mirmecófilas que se desenvolvem associadas com
formigas menos eficientes no controle da herbivoria devem investir mais em outros tipos de
defesa (Agrawal 2011, Frederickson 2013).
Palicourea guianensis (Rubiaceae) é uma planta que possui nectários extraflorais
visitados por diversas espécies de formigas. As formigas mais frequentemente observadas
nessas plantas nidificam ao redor dos nectários, dominando a planta ao longo do seu
crescimento e impedindo que outras espécies de formiga frequentem os nectários (Brandão et
al. 2009). Nosso objetivo foi verificar se a eficiência da defesa de P. guianensis por formigas
associadas a seus nectários influencia o investimento dos indivíduos em outros mecanismos
de defesa contra herbívoros. Nossa hipótese é que plantas que são visitadas por formigas
menos eficientes na remoção de herbívoros vão investir mais em defesas estruturais que
aquelas visitadas por formigas mais eficientes.
146
Métodos
Nós realizamos este estudo em uma floresta de terra firme próximo ao acampamento do Km
41, localizado a 80 km de Manaus na Área de Relevante Interesse Ecológico Projeto Dinâmica
Biológica de Fragmentos Florestais (ARIE-PDBFF) (02º24’S e 59º44’O), região central da
Amazônia (Bierregaard et al. 2001). O clima da região é tropical do tipo Am - tropical úmido
de monções, conforme classificação de Köppen-Geiger (Peel et al. 2007).
Para avaliar nossa hipótese, selecionamos 20 indivíduos de Palicourea guianensis que
possuíam nectários sendo visitados por pelo menos uma espécie de formiga ao longo de uma
trilha no interior da floresta. Como encontramos indivíduos de P. guianenses em diferentes
estágios fenológicos, selecionamos sempre aqueles com inflorescência com flores em botão.
Utilizamos a taxa de recrutamento das operárias como indicativo da eficiência das formigas
na remoção de herbívoros. Em cada indivíduo, cortamos parte de uma folha do par mais distal
em relação à base da planta, para promover estímulos mecânicos e químicos, de modo a
simular o dano causado por um herbívoro. Após o corte, nós medimos a taxa de recrutamento
de formigas contando o número de operárias recrutadas após um intervalo de 2 minutos.
Para avaliar o investimento em defesa estrutural da planta, nós utilizamos a dureza das
folhas, calculada pela razão da massa foliar por área. Nós pesamos 1 cm² de três folhas
coletadas em cada indivíduo e obtivemos o valor médio da massa foliar por área. As folhas
foram coletadas em diferentes alturas, sendo a primeira sempre logo abaixo da inflorescência.
Assim, esperamos encontrar maior taxa de recrutamento em plantas visitadas por formigas
com menor massa foliar por área. Realizamos uma correlação de Spearman para testar se
existe relação entre estas variáveis, já que os dados não apresentaram distribuição normal.
Resultados
Nós amostramos seis gêneros de formigas em todas as 20 plantas analisadas (Fig. 1). O gênero
Crematogaster foi o mais frequente, com 10 indivíduos, seguido de Pheidole com quatro
147
indivíduos, Dorymyrmex com três indivíduos e Ectatomma, Camponotus e Dolichoderus com
um indivíduo cada. A dureza da folha não foi relacionada com a taxa de recrutamento das
formigas (S = 1134,25; p = 0,53) (Fig. 1).
Figura 1. Relação entre a massa foliar média por área (g/cm²) e a taxa de recrutamento de
formigas em indivíduos de Palicoura guianenses em uma floresta de terra firme na Amazônia
Central.
Discussão
Não houve relação entre a taxa de recrutamento em indivíduos de P. guianensis sendo
visitados por diferentes espécies de formigas e a massa foliar por área. Esse fato indica que
não há relação entre a eficiência da formiga em proteger a planta e o investimento da planta
em estruturas físicas de defesa contra a herbivoria. Os mecanismos de defesa das plantas
possuem custos distintos, sendo que mecanismos diretos são menos custosos que mecanismos
indiretos, que dependem da atração e presença de outro organismo (Frederickson et al. 2012).
Apesar de existirem tais diferenças de custo, sugerimos que esses mecanismos de defesa
podem ser complementares. Mecanismos de defesa física podem afastar herbívoros que não
conseguem cortar uma folha mais rígida. No entanto, alguns herbívoros conseguem superar
148
essa defesa imposta pela planta e consumir esses indivíduos. Nesse caso, a associação dessas
plantas com formigas pode atuar como uma segunda linha de defesa que previne o ataque por
um conjunto diferente de herbívoros. Dessa forma, esses mecanismos de defesa podem
funcionar de maneira sinérgica, não havendo redundância em seus investimentos.
Plantas mutualistas obrigatórias ou facultativas se associam com diferentes espécies
de formigas, que variam quanto o número de operárias que patrulham as plantas. Isso ocorre
porque essas interações possuem níveis diferentes de dependência entre os parceiros. Em
interações facultativas, como no caso de formigas associadas a NEFs, onde a dependência
entre os parceiros é baixa, o número de operárias patrulhando a planta deve ser menor e mais
sujeito a variações diárias, sazonais ou microclimáticas que em interações obrigatórias
(Bronstein 2009). Dessa forma, essas plantas passam longos períodos sem nenhuma formiga
patrulhando suas folhas, o que favorece a presença de mais de um tipo de mecanismo de defesa
(Frederickson et al. 2012). Dado que indivíduos de P. guianenses nem sempre estão sendo
patrulhados por formigas, é esperado que esta planta invista em mais de um mecanismo de
defesa, independentemente da eficiência das formigas quando estas são presentes.
Diferentemente do que encontramos para plantas mirmecófilas, plantas mirmecófitas
regulam o investimento em defesa direta produzindo estruturas ou compostos de defesa nas
folhas de acordo com a eficiência da formiga associada (Frederickson et al. 2012; Santos
2012). Esse ajuste das defesas diretas em mirmecófitas indica que a intimidade da relação tem
papel importante no investimento em diferentes estratégias de defesa em plantas. Em sistemas
nos quais há maior especialização entre os parceiros, os mecanismos de defesa devem ser mais
redundantes, e consequentemente a regulação do investimento em diferentes estratégias anti-
herbivoria deve ser maior.
149
Agradecimentos
Agradecemos à tia Laura pela orientação, correção do texto e paciência diante de tantas
dúvidas e curiosidades. Agradecemos também ao Lucas pela correção dos textos e por estar
aberto a tirar dúvidas mesmo enquanto lavava roupas no igarapé.
Referências
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151
Km 41 – projetos individuais
A heterogeneidade ambiental em troncos de árvores não afeta a comunidade, nem
a partição temporal de nichos em formigas
Alessandro Rocha
Introdução
Interações interespecíficas estão entre os principais mecanismos que regulam a coexistência
de espécies. A competição, em particular, pode ser mediada pela heterogeneidade do ambiente
(Begon et al. 2006). Ambientes heterogêneos têm uma maior complexidade estrutural, e por
isso abrangem maior diversificação de nichos. A maior variedade de nichos, por sua vez,
possibilita uma menor competição por recursos, e geralmente maior diversidade de espécies
(Tews et al. 2004).
Ambientes com baixa heterogeneidade e alto potencial de competição podem
selecionar espécies que apresentam estratégias alternativas que permitam coexistência. Uma
possível alternativa é a partição espacial ou temporal no uso dos recursos (Pianka 1980). Por
exemplo, em florestas tropicais, frutos de algumas palmeiras são visitados diurnamente por
aves e noturnamente por morcegos, particionando os recursos temporalmente (Zona 2006 e
Zona & Henderson 1989). Dentro de um mesmo grupo animal também pode haver partição
temporal de recursos, como no caso do primata Aotus nancymaae (macaco-da-noite) que se
alimenta dos frutos de Socratea exorrhiza à noite, enquanto Ateles geoffroyi (macaco-aranha)
alimenta-se do mesmo recurso durante o dia (Aquino & Bodmer 2004).
Formigas são extremamente abundantes e diversas na maioria dos ambientes terrestres,
e utilizam diferentes habitats como o hipogéico, epigéico, serapilheira e arbóreo (Bluthgen &
Feldhaar 2010). Nestes habitats, a heterogeneidade é um dos fatores que pode regular a riqueza
de espécies (Silva et al. 2014). De fato, muitas espécies de formigas apresentam requerimentos
similares de recursos e condições. Isso faz com que a competição, e indiretamente a
152
heterogeneidade ambiental, sejam fatores estruturantes dessas comunidades (Hölldobler &
Wilson 1990). Este efeito pode ser ainda mais conspícuo para as espécies arborícolas que
geralmente são mais agressivas e territorialistas que outras espécies de formigas.
Na Floresta Amazônica formigas arborícolas são comumente encontradas em árvores
com epífitas (Richards 1996). Árvores com fustes repletos de epífitas podem apresentar maior
heterogeneidade ambiental para essas formigas, ampliando os nichos ecológicos e a
disponibilidade de recursos. Por outro lado, árvores sem epífitas apresentam menor
heterogeneidade ambiental e menor disponibilidade de recursos, e por isso devem abrigar
comunidades de formigas sob maior pressão competitiva. Por essa razão, minha hipótese é
que a ocorrência e diversidade de epífitas possibilita maior diversidade da comunidade de
formigas e altere a forma como o recurso é dividido entre as espécies. Se a minha hipótese for
verdadeira, espero que fustes com maior riqueza de epífitas terão maior ocorrência de
formigas. Também acredito que exista partição temporal de atividade em fustes sem epífitas,
gerando diferenças de composição da comunidade de formigas amostradas durante o dia e à
noite.
Métodos
Área de estudo
Realizei o estudo próximo ao acampamento do km 41 na Área de Relevante Interesse
Ecológico - Projeto Dinâmica Biológica de Fragmentos Florestais (ARIE-PDBFF), a qual é
administrada pelo Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio). A
formação vegetal da área é constituída por floresta ombrófila densa de terra firme e contínua
(Ribeiro et al.1999). A reserva localiza-se a 80 km ao norte de Manaus (02º 24’ S, 59º43’ O),
Amazonas, Brasil (Lopes 2013).
153
Delineamento amostral
Para avaliar o efeito da heterogeneidade ambiental sobre a comunidade de formigas
arborícolas, selecionei 50 árvores como unidades amostrais, divididas em 25 fustes sem e 25
fustes com epífitas. A distância mínima entre elas foi de 20 m. Em cada fuste coloquei um
pitfall formado por um copo descartável (200 ml) localizado a 2 m de altura do solo e contendo
25 ml de solução aquosa de detergente e sal. Mantive as armadilhas abertas por 48 h.
Contabilizei a riqueza e abundância das epífitas de cada fuste, exceto as briófitas, e as
classifiquei em morfoespécies. Coletei as formigas que caíram nas armadilhas no final de cada
período: dia (06:30 às 18:30h) e noite (18:30 às 06:30h). Posteriormente, separei as formigas
em espécies.
Avaliei se a ocorrência das formigas aumenta em função da riqueza de epífitas usando
uma regressão logística. Para avaliar se a composição de espécies de formigas muda entre dia
e noite em função da presença ou ausência de epífitas, utilizei um teste de aleatorização. Nesse
teste considerei separadamente os dados das formigas que encontrei no fuste das árvores com
epífitas e os dados das formigas que encontrei no fuste das árvores sem epífitas. Para cada
conjunto de dados calculei o índice de dissimilaridade de Jaccard comparando as formigas
coletadas durante o dia e à noite. Posteriormente, realizei a aleatorização dos dados entre dia
e noite 1000 vezes, calculando a dissimilaridade entre os dois períodos a cada aleatorização.
Com os valores calculados nas aleatorizações, obtive uma distribuição nula do índice de
dissimilaridade. Comparei o valor de dissimilaridade real obtido em cada conjunto de dados
com a distribuição do modelo nulo para avaliar a chance dos valores obtidos serem explicados
pelo acaso.
Resultados
Encontrei 15 espécies de formigas pertencentes sete gêneros (Tabela 1). Quatros espécies são
arborícolas: Cephalotes sp., Dolichoderus sp., Crematogaster sp.1, Crematogaster sp.2. Duas
154
não são essencialmente arborícolas, mas podem nidificar em árvores: Pheidole sp.1 e Pheidole
sp.2. As restantes são formigas de solo (Tabela 1). Considerando o conjunto total de espécies,
algumas ocorreram exclusivamente em fustes com epífitas (n=6), outras apenas em fustes sem
epífitas (n=8) e uma parcela menor em ambos os tipos de fustes (n=2). Também encontrei
espécies que ocorreram exclusivamente no período diurno (n=4), apenas no noturno (n=5) e
em ambos os períodos (n=6; Tabela 1).
Não houve relação entre a ocorrência de formigas e a riqueza de espécies de epífitas
por fuste (χ 2=67,3; gl=1; p=0,45; Fig.1). A dissimilaridade entre as amostras das árvores com
epífitas foi de (0,88), enquanto a dissimilaridade das árvores sem epífitas foi de (0,73). Não
houve diferença entre os valores encontrados e aqueles esperados pelo acaso, tanto para
formigas coletadas em árvores com epífitas (p=0,37), quanto para aquelas em árvores sem
epífitas (p=0,58).
Tabela 1. Espécies de formigas amostradas em pitfall colocados em fustes com e sem epífitas,
em uma área de mata contínua na Amazônia Central, Brasil. As espécies que ocorrem em
comum nos dois períodos (dia e noite) estão destacadas em cinza.
COM EPÍFITAS (s=8) SEM EPÍFITAS (s=10)
Diurnas Noturnas Diurnas Noturnas
Crematogaster sp.1 Camponotus sp.2 Brachymyrmex sp.1 Camponotus sp.1
Pheidole sp.2 Crematogaster sp.1 Camponotus sp.2 Camponotus sp.2
Solenopsis sp.1 Crematogaster sp.2 Cephalotes sp1. Camponotus sp.3
Solenopsis sp.2 Gnamptogenys sp. Crematogaster sp.1 Camponotus sp.4
Solenopsis sp.3 Pheidole sp.2 Dolichoderus sp1. Crematogaster sp.1
Pheidole sp.1 Dolichoderus sp1.
Solenopsis sp.1 Pheidole sp.1
155
Figura 1. Relação entre a presença de formigas e a riqueza de epífitas no fuste das árvores em
uma área de mata contínua na Amazônia Central, Brasil.
Discussão
Não ocorreram mais formigas em fustes com maior riqueza de epífitas. Isto indica que a
presença de epífitas não contribui para a maior diversidade da comunidade de formigas. De
forma semelhante, a similaridade entre dia e noite na composição de espécies em fustes com
e sem epífitas indica que não há partição temporal de nicho nos fustes das árvores. Em
conjunto, estes resultados indicam que as epífitas não aumentam a coexistência entre espécies
de formigas.
Devido à maior agressividade das formigas arborícolas, é possível que o aumento da
heterogeneidade não seja suficiente para possibilitar o forrageio do fuste por outras espécies
de solo. Entretanto, há formigas terrestres que também podem defender o território de
forrageio e, eventualmente, forragear no fuste das árvores. Os meus resultados mostram que
formigas terrícolas também ocorrem nos fustes das árvores. Como os troncos têm áreas bem
definidas, é possível que as formigas, independentemente de serem arborícolas ou terrícolas,
impeçam o acesso de outras espécies uma vez que estejam forrageando no local. Dessa forma,
a competição por recursos deve ser intensa, mesmo em locais com maior heterogeneidade.
156
Essa alta intensidade competitiva e a maior facilidade de defesa de troncos poderia fazer com
que as espécies territoriais evitem a chegada e recrutamento de novas espécies.
As árvores com e sem epífitas não tiveram partição temporal de espécies entre os
períodos diurno e noturno. Entretanto, há outros fatores que independem das epífitas e podem
afetar a estrutura da comunidade de formigas. Como este padrão foi semelhante para fustes
com e sem epífitas, provavelmente a presença dessas plantas não alivia a intensidade de
competição. Por essa razão, o fato de algumas espécies ocorrerem apenas em um período
talvez esteja vinculado a características específicas das mesmas (Lach et al. 2010). Por
exemplo, espécies de formigas apresentam diferenças em relação ao horário e a temperatura
para o forrageio, o que muitas vezes depende da hierarquia de dominância (Philpott 2010) ou
simplesmente de traços fisiológicos.
A heterogeneidade ambiental em fustes de árvores não foi um fator modulador da
comunidade de formigas. A competição, o comportamento agressivo e outros fatores não
relacionados diretamente com a competição podem sobrepor-se ao efeito do aumento da
heterogeneidade sobre a estruturação da comunidade de formigas. Como as formigas
necessitam de grandes áreas de forrageio, talvez seja necessário um grande incremento de
heterogeneidade ambiental para possibilitar a coexistência de espécies.
Agradecimentos
Gostaria de agradecer a todos que colaboraram com este trabalho. Em especial ao Lucas
Paolucci pela orientação e ajuda em campo e na identificação das formigas. Ao Raul C. Pereira
e Paulinho Bonita pela ajuda nas análises … grato por tudo!!! Ao Flávio (Boto fé) pela ajuda
na coleta de campo e pelos diálogos ecológicos. Ao Gilberto Marcos de Mendonça Santos
pela orientação e dicas do trabalho. E, finalmente, mas não menos importante, aos Paulinhos
(Pai e Mãe), afinal sem vocês eu não estaria aqui. Agradeço muito a todos! ;)
157
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159
Maior investimento em prole aumenta os custos do cuidado parental em aranhas
Paratrechalea sp.
Alexandre C. Siqueira
Introdução
A reprodução é uma das principais fases do ciclo de vida dos organismos. Esta fase envolve
altos custos energéticos devido à produção de estruturas reprodutivas e a busca por parceiros
reprodutivos (Oliveira et al. 2008). Estes custos levam a uma demanda conflitante na qual os
recursos alocados para a reprodução se tornam indisponíveis para o uso em outras funções
como crescimento e defesa. Então, o investimento na atividade reprodutiva pode resultar em
uma redução da probabilidade de sobrevivência do indivíduo ou uma redução na capacidade
de reprodução futura (Reznick 2000). Sendo assim, qualquer estratégia que maximize o
sucesso de cada evento reprodutivo em detrimento dos custos energéticos associados deve ser
selecionada evolutivamente.
Um comportamento reprodutivo que envolve altos custos energéticos é o cuidado
parental. Este comportamento dos parentais pode envolver a escolha de locais protegidos para
a desova e nidificação, defesa direta da prole contra inimigos naturais e o fornecimento direto
de recursos alimentares para a prole (Clutton-Brock 1991). Então, os parentais que apresentam
este comportamento investem energia para garantir recursos para a prole em detrimento de
sua própria manutenção e crescimento (Krebs & Davies 1993). Exemplos de cuidado parental
com animais ocorrem entre aves que regurgitam alimento para os filhotes no ninho, peixes e
crocodilianos que carregam a prole na boca durante os estágios mais vulneráveis e mamíferos
que defendem os territórios durante o período de crescimento dos filhotes (Clutton-Brock
1991). Espécies que apresentam esses comportamentos estão, normalmente, associadas a
ambientes que oferecem alto risco para a sobrevivência da prole, com altas taxas de predação
e parasitismo (Krebs & Davies 1993). Para que este comportamento seja selecionado nestes
160
ambientes, o custo energético associado ao cuidado parental deve ser inferior aos custos
relacionados à perda da prole (Clutton-Brock 1991).
Apesar de muito difundido entre vertebrados, o cuidado parental também é frequente
entre invertebrados (Clutton-Brock 1991). Este comportamento evoluiu entre muitos grupos
de artrópodes, dentre os quais as aranhas se destacam (Triplehorn 2011). Aranhas apresentam
cuidado maternal que varia desde o envolvimento dos ovos em fios de seda (ooteca) até a
proteção e alimentação dos filhotes durante os primeiros estágios de desenvolvimento
(Gonzaga 2007). O cuidado maternal em aranhas envolve benefícios para os filhotes,
principalmente, devido à proteção contra inimigos naturais e ao aumento na disponibilidade
de alimento (Gundermann et al. 1997). Entretanto, este comportamento envolve alto custo
energético, já que fêmeas reduzem a atividade de forrageamento alocando energia para
atividades paternais em detrimento de sua própria manutenção e crescimento (Buzzato et al.
2007). Apesar disso, pouco se sabe sobre como os custos associados ao cuidado maternal,
particularmente da atividade de carregar ootecas, pode influenciar a condição das aranhas.
A aranha Paratrechalea sp. é comumente encontrada nas matas ciliares ao longo de
riachos na Amazônia. Indivíduos desta espécie são predadores que forrageiam
preferencialmente em substratos como troncos e vegetação arbustiva encontrados nas margens
dos riachos (Silva et al. 2005). Parte do ciclo reprodutivo de Paratrechalea sp. envolve a
proteção das ootecas, que são carregadas pelas aranhas com as quelíceras e pedipalpos até o
momento da eclosão (Macedo-Rego 2014). Considerando que existe uma variação no
tamanho das ootecas carregadas pelas fêmeas de Paratrechalea sp. e que esta variação pode
estar associada à condição das fêmeas, eu busquei entender a influencia do investimento em
cuidado parental na condição corporal desta espécie. Minhas hipóteses são que: (I) aranhas
portando ooteca terão uma condição corporal inferior comparado à condição de aranhas sem
ooteca; e (II) aranhas com ootecas maiores investem mais energia em cuidado parental. Além
161
de testar estas hipóteses, também descrevi a relação entre o número de descendentes e o
tamanho das ootecas.
Métodos
Área de estudo
Realizei o estudo nas margens de um riacho de segunda ordem, localmente denominado
igarapé, em uma floresta de terra firme na Amazônia Central (02º24’ S - 59º22’ O). O local
está inserido na Área de Relevante Interesse Ecológico do Projeto Dinâmica Biológica de
Fragmentos Florestais (ARIE - PDBFF), no acampamento do Km 41, localizado
aproximadamente 80 Km ao norte de Manaus, AM, Brasil (Bierregaard et al. 2001).
Coleta de dados
Para avaliar a condição das aranhas, eu coletei ativamente 31 fêmeas adultas de Paratrechalea
sp. ao longo da margem do igarapé, local onde a espécie é comumente encontrada. Dentre
estes indivíduos, 18 apresentavam ooteca e 13 não apresentavam. Eu fotografei os indivíduos
coletados para posterior medição das estruturas morfológicas. A relação entre o volume do
abdômen e o comprimento do cefalotórax é comumente utilizada como um indicativo da
condição corporal de aranhas, considerando que as reservas energéticas estão localizadas no
abdômen destes animais (Moyá-Laraño et al. 2008). Quanto maior esta proporção, melhor a
condição corporal dos indivíduos. Então, utilizei o programa de processamento de imagens
ImageJ (Versão 1.48v, Rasband 2014) para medir o comprimento do cefalotórax e o
comprimento e a largura do abdômen das aranhas, separando os indivíduos que apresentavam
ooteca e os que não apresentavam esta estrutura. Considerei que o abdômen das aranhas
apresenta a forma ovoide elipsoide. Sendo assim, utilizei a fórmula correspondente a esta
forma geométrica (Dunham 1983) para o cálculo do seu volume:
162
𝑉 =4
3𝜋(𝐶 2⁄ )(𝐿 2⁄ )2
onde C representa o comprimento e L representa a largura da estrutura. Nos indivíduos que
apresentavam ooteca, eu também medi o diâmetro desta estrutura com o mesmo programa de
processamento de imagens, além de contar o número de ovos presentes em cada ooteca
utilizando uma lupa.
Análises estatísticas
Com o objetivo de comparar a condição corporal das aranhas com e sem ooteca, realizei uma
ancova utilizando o volume do abdômen como variável resposta, o comprimento do
cefalotórax como covariável e a presença da ooteca como variável preditora. O comprimento
do cefalotórax foi usado como covariável para controlar a variação no volume do abdômen
devido ao tamanho da aranha. Para testar se o tamanho da ooteca influencia a condição
corporal das aranhas, realizei uma regressão simples entre o diâmetro da ooteca e o
comprimento do cefalotórax e extraí os resíduos desta relação. Estes resíduos representam a
proporção do tamanho da ooteca pelo tamanho da aranha. Então, realizei uma regressão
múltipla utilizando estes resíduos como variável preditora e o volume do abdômen das fêmeas
com ooteca controlado pelo comprimento do cefalotórax como variável resposta. O
comprimento do cefalotórax também foi usado neste caso para controlar a variação no volume
do abdômen devido ao crescimento da aranha. Posteriormente, para entender a relação entre
o tamanho da ooteca e o número de descendentes, realizei uma regressão linear simples usando
o número de ovos como variável resposta e o diâmetro da ooteca como variável preditora.
Todas as análises foram realizadas no programa R (R Development Core Team 2014).
Se minha primeira hipótese for verdadeira, eu espero encontrar maior volume de
abdômen em relação ao corpo em indivíduos sem ooteca. Para a segunda hipótese, eu espero
163
encontrar uma relação negativa entre a proporção do tamanho da ooteca e o volume de
abdômen das aranhas.
Resultados
Os indivíduos de Paratrechalea sp. foram encontrados, predominantemente, sobre a
superfície de folhas próximas à água. Em média, as aranhas com ooteca apresentaram um
comprimento do cefalotórax de 0,44 cm (± 0,05 DP), enquanto as aranhas sem ooteca
apresentaram a média de 0,37 cm (± 0,04 DP). Com relação ao volume do abdômen, as aranhas
portando ooteca apresentaram uma média de 161,1 mm3 (± 48,59 DP), enquanto nos
indivíduos sem ooteca a média foi de 218,6 mm3 (± 137,32 DP). A condição corporal das
aranhas com ooteca não diferiu daquela de aranhas sem ooteca (F(2,28)=7,34; p=0,78; Fig. 1).
Figura 1. Variação na condição corporal (volume do abdômen controlado pelo comprimento
do cefalotórax) entre indivíduos da aranha Paratrechalea sp. com ooteca e sem ooteca,
encontrados nas margens de um riacho na Amazônia central.
As ootecas apresentaram um diâmetro médio de 0,54 cm (± 0,07 DP), sendo que esta
medida foi negativamente relacionada com o volume do abdômen das aranhas (F(2,15)=10,27;
p<0,01; Fig. 2). Encontrei uma ooteca parasitada por um himenóptero da família
164
Ichneumonidae que havia consumido todos os ovos presentes nela. Esta ooteca foi retirada da
análise da relação do número de ovos com o diâmetro. Encontrei indivíduos de himenópteros
parasitoides da família Scelionidae em três outras ootecas e a porcentagem de parasitismo
variou entre 2 e 22%. Estas três ootecas apresentaram um número de ovos similar à média das
outras ootecas não parasitadas, o que indica que os parasitoides predaram poucos ovos. O
número médio de ovos encontrado por ooteca foi de 294 (± 96 DP) e foi relacionado
positivamente com o diâmetro da mesma (F(1,15)=12,79 ; p<0,01; Fig. 3).
Figura 2. Relação entre a condição corporal (volume do abdômen controlado pelo
comprimento do cefalotórax) e os resíduos da relação entre o diâmetro da ooteca e o
comprimento do cefalotórax em indivíduos da aranha Paratrechalea sp. encontrados nas
margens de um riacho na Amazônia central.
165
Figura 3. Relação entre o número de ovos e o diâmetro das ootecas de indivíduos da aranha
Paratrechalea sp. encontrados nas margens de um riacho na Amazônia central.
Discussão
Observei que não houve diferença no volume do abdômen entre aranhas com e sem ooteca, o
que indica que elas possuem uma condição corporal semelhante. Apesar disso, o volume do
abdômen das aranhas está relacionado negativamente com o diâmetro das ootecas carregadas
por elas, o que indica que ootecas maiores possuem custo de cuidado parental maior que
ootecas menores. Observei ainda que quanto maior o diâmetro das ootecas, maior o número
de ovos presentes nelas, o que indica que ootecas maiores estão associadas a um maior número
de descendentes. A partir destes resultados é possível inferir que a manutenção de ootecas
maiores durante o cuidado parental demanda maior investimento energético.
Uma potencial explicação para a similaridade da condição corporal entre aranhas com
e sem ooteca é o sistema de acasalamento complexo apresentado pelo gênero Paratrechalea.
Espécies deste gênero exibem um sistema sexual poligínico, no qual os machos devem
oferecer presentes nupciais para fêmeas para efetivar a cópula (Costa-Schmidt et al. 2008).
Os presentes consistem em presas capturadas pelos machos e envoltas em seda, que serão
166
carregadas até o encontro com as fêmeas. Esta estratégia envolve custos energéticos altos para
os machos, já que os presentes não serão consumidos pelos próprios machos que realizaram a
captura (Macedo-Rego 2014). Em campo, observei que a proporção sexual da população de
Paratrechalea sp. estava enviesada para as fêmeas, já que nenhum macho foi encontrado nas
margens do riacho. Esta baixa abundância de machos associada ao comportamento sexual da
espécie pode favorecer uma situação na qual os poucos machos da população selecionem
apenas as melhores fêmeas para o acasalamento. Assim, machos estariam escolhendo as
fêmeas que maximizassem seus benefícios reprodutivos em detrimento dos custos energéticos
da cópula.
A principal vantagem do comportamento de carregar a ooteca é a redução da predação
dos ovos (Gillespie 1990). Apesar desta vantagem, o cuidado parental apresentado por
Paratrechalea sp. envolve riscos associados ao grande gasto energético do comportamento.
As ootecas estão sujeitas à ação de parasitoides como os que observei, o que reduz a
sobrevivência da prole. Além disso, o resultado encontrado para a relação entre a condição
corporal e o tamanho da ooteca demonstra que existe um investimento diferencial em cuidado
parental por Paratrechalea sp. Enquanto ootecas maiores estão relacionadas com maior
número de descendentes, o custo energético de cuidado destas ootecas pode comprometer a
sobrevivência das aranhas que realizam o cuidado. Este comprometimento da sobrevivência
está associado ao fato de que as aranhas não se alimentam durante o período em que estão
carregando as ootecas e, portanto, não repõem a energia dispendida no cuidado. Por outro
lado, aranhas que investem em menores ootecas com menor número de descendentes
comprometem menos sua própria sobrevivência durante o período do cuidado parental.
Possivelmente então, deve haver uma pressão de seleção por estratégias que favoreçam uma
condição intermediária no balanço entre sobrevivência e número de descendentes em
Paratrechalea sp.
167
Em conclusão, o padrão encontrado de condições corporais entre aranhas com e sem
ooteca pode ter sido influenciado pela proporção sexual desigual dentro da população e pelo
alto investimento necessário para machos de Paratrechalea sp. realizarem a cópula. Dentre
as fêmeas que realizaram a cópula, deve existir uma demanda conflitante entre sobrevivência
e número de prole gerado, já que o cuidado da ooteca envolve um alto custo energético.
Agradecimentos
Então é chegada a hora em que relembramos cada segundo desse mês maravilhoso que
passamos por aqui. Tarefa difícil essa, já que o tempo é muito relativo por aqui. Ao mesmo
tempo em que chegamos ontem e tudo parece ter passado tão rápido, sinto como se já
estivéssemos aqui há anos pela intensidade com que tudo aconteceu. Foi um privilégio poder
conviver com professores de tão alto nível e ao mesmo tempo tão companheiros durante esse
tempo. Paulinhos (Pai e mãe), muito obrigado pela oportunidade, podem ter certeza de que
vocês marcaram a minha vida e de muitas pessoas por aqui. A dedicação e competência de
vocês me inspirou e vai continuar me inspirando pelo resto da minha vida! Aos monitores
Raulzito e Lucas, também agradeço por toda a dedicação e parceria ao longo do curso, vocês
são fodas e ajudaram muito mesmo. Também gostaria de agradecer a todos os professores que
passaram pelo curso, a contribuição de cada um foi muito importante. Em especial, agradeço
ao Xexéu e Laura que se mostraram muito solícitos e parceiros em todos os momentos,
principalmente, na delicada reta final. Obviamente não poderia deixar de agradecer àqueles
que fazem o curso muito mais gostoso, Seu Jorge e Dona Eduarda, vocês são pessoas
maravilhosas e merecem tudo de melhor que existe nesse mundo! Também agradeço àquelas
pessoas responsáveis pela parte logística que, apesar de não estarem presentes durante o curso,
se esforçaram para que tudo corresse bem e foram muito bem sucedidos.
Finalmente, faço questão de dedicar um parágrafo inteiro às pessoas que fizeram meu
EFA muito mais feliz. Fico muito orgulhoso ao pensar que não preciso citar nomes em
168
nenhuma ordem de importância, pois, definitivamente, todos os alunos que participaram deste
curso junto comigo foram incríveis. Ter que viver nas condições que vivemos no último mês
sem nenhum atrito pode parecer tarefa difícil pra muita gente. Porém, vocês mostraram que a
boa convivência e a harmonia são a chave para a felicidade. Eu poderia passar anos aqui com
vocês e tenho certeza que seria tudo muito agradável como foi esse mês. Sinto-me lisonjeado
de ter feito parte deste grupo tão maravilhoso e espero que nossos caminhos voltem a se cruzar
em breve! Obrigado a todos vocês...
Referências
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Amazonia: the ecology and conservation of a fragmented forest. London: Yale
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Efeitos da fome e da competição por fêmeas sobre o esforço de acasalamento dos
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Triplehorn, C.A. & N.F. Johnson. 2011. Estudo dos insetos. São Paulo: Cengage Learning.
170
Ter filho sai caro: o gasto energético associado ao cuidado parental na aranha
Hingstepeira folisecens
Bruno G. Melati
Introdução
O investimento parental ocorre quando pelo menos um dos progenitores investe
metabolicamente na produção de gametas para a produção da prole, gerando um custo
energético para os progenitores, reduzindo inclusive a capacidade de investimento em proles
futuras (Trivers 1972; Reznick et al. 2000). Porém, o investimento com a prole não termina
na produção de gametas. Em muitos animais, esse investimento demanda alguma forma de
cuidado parental, como o fornecimento de alimento e proteção dos filhotes por parte de um
ou ambos os pais (Trivers 1972; Krebs & Davies 1993). Ao exercer o cuidado parental, os
pais investem na prole em detrimento ao investimento próprio, o que pode gerar custos, como
o aumento do tempo de forrageio, consequentemente, maior tempo de exposição a predadores
e redução da condição física.
Devido aos custos gerados pelo cuidado parental, seria interessante para machos e
fêmeas desertar e deixar para que o outro cuide da prole (Krebs & Davies 1993). Então, seria
esperado que o cuidado parental não tivesse evoluído. Por outro lado, o cuidado parental pode
ter evoluído em sistemas em que desertar seja mais custoso do que ficar e cuidar da prole,
aumentando o sucesso reprodutivo (Tallamy & Brown 1999). Seria esperado que o cuidado
parental evoluísse em sistemas onde investir no cuidado com a prole proporcionasse aos pais
mais benefícios do que custos. Em locais com elevado risco de predação da prole, com poucos
locais para nidificar ou parceiros sexuais, o custo energético de abandonar os filhotes deve ser
maior do que cuidar da prole.
Em locais onde a disponibilidade de alimento é baixa, o risco do cuidado parental é
maior, pois os pais precisam exercer comportamentos alternativos, como aumentar o forrageio
171
para alimentar a prole (Reznick et al. 2000). Da mesma forma, onde a disponibilidade de
parceiros sexuais é baixa, as chances de encontrar um parceiro diminuiriam muito, pois outros
possíveis parceiros já podem ter copulado (Krebs & Davies 1993). Além disso, sistemas em
que o risco de predação da prole é alto, abandonar os ovos pode aumentar muito os riscos da
prole ser predada. Por exemplo, no opilião Iporangaia pustulosa, quando os machos
cuidadores são removidos experimentalmente, a frequência de ataque aos ovos aumenta muito
(Requena et al. 2009). Sendo assim, seria mais vantajoso investir no sucesso da prole já
existente, aumentando os benefícios para a prole (consequentemente o sucesso reprodutivo
dos pais).
Diversos artrópodes exercem cuidado parental. Os principais benefícios do cuidado
parental são a proteção da prole contra o ataque de predadores, redução do risco de
desidratação de ovos, (criando microclimas com maior umidade, ou levando os ovos para
locais mais úmidos), e aumento da oxigenação dos ovos (movimentando os ovos para que
ocorram as trocas gasosas com o ambiente) (Clutton-Brock 1991 apud Requena et al. 2009).
Em aranhas o cuidado parental varia bastante, abrangendo desde o cuidado com os ovos,
gerado pelo envolvimento dos ovos em seda (ooteca), até a captura de alimento para os
filhotes. Em alguns casos, os filhotes podem habitar a teia materna por toda a vida, como
ocorre em algumas espécies de aranhas sociais (Gonzaga et al. 2007). Dois grupos bem
estudados de aranhas são as que produzem teias com formatos tridimensionais e aranhas que
produzem teias bidimensionais (orbiculares). Em aranhas que constroem teias orbiculares, o
cuidado parental possui distribuição bem menor. Essa diferença pode estar relacionada com a
arquitetura das teias orbiculares, que dificultam a agregação com outras teias, impedindo que
os filhotes estabeleçam teias associadas à teia materna (Gonzaga et al. 2007).
A aranha Hingstepeira folisecens é uma espécie de aranha orbitela que exerce cuidado
parental. A H. foliscesens enrola e fixa folhas na região central da teia, utilizando essas folhas
como abrigo (Hanashiro 2009). Na época reprodutiva, essas aranhas depositam a ooteca
172
dentro da folha e, após a eclosão, os filhotes permanecem dentro da folha até se tornarem sub
adultos. Quando os filhotes se tornam sub adultos, a mãe abandona a teia. Enquanto a mãe
esta cuidando da prole, ao capturar uma presa na teia, a mãe enrola a presa e a traz para
próximo do abrigo. Uma vez que a presa esteja enrolada na teia e próxima ao abrigo, a mãe
abandona a presa e os filhotes saem do abrigo para se alimentar, assim, é provável que a mãe
não se alimente dessa presa. Esse comportamento pode gerar consequências negativas para a
fêmea, pois, provavelmente a mãe se alimenta menos, e o investimento energético na captura
da presa não é recuperado. Dessa forma, minha hipótese é que o cuidado parental na aranha
H. foliscesens demanda um alto custo energético. Se minha hipótese for verdadeira, pretendo
encontrar um menor volume corporal em fêmeas de H. foliscesens com filhotes quando
comparado com fêmeas sem filhotes.
Métodos
Área de estudo
O estudo foi realizado na Área de Relevante Interesse Ecológico Projeto Dinâmica Biológica
de Fragmentos Florestais (ARIE – PDBFF), no sítio km 41, localizada a 80 km ao norte de
Manaus, AM. A reserva possui uma área 10.000 ha de floresta tropical úmida (Fonseca 1999),
inserida em uma área de 500.000 ha de floresta contínua (Fonseca & Ganade 1996).
Delineamento amostral
Comparei o volume corporal das fêmeas com filhotes com o volume corporal das fêmeas sem
filhotes. Para calcular o volume corporal das fêmeas, calculei o volume do abdome e o volume
do cefalotórax e somei os dois valores. Para o cálculo do volume de cada estrutura usei a
fórmula,
173
𝑉 =4
[3𝜋 (𝐶2) (
𝐿2)2
]
onde, V representa volume, C representa comprimento e L representa largura.
Para comparar se as fêmeas com filhotes tem um menor volume corporal que fêmeas
sem filhotes, realizei o teste Mann-Whitney. Utilizei como variável independente a presença
de filhotes e o volume corporal das fêmeas como variável dependente. Para comparar a
variância entre os grupos, realizei o teste de Levene.
Resultados
Para comparar o volume corporal de fêmeas com filhotes e fêmeas sem filhotes, coletei 18
indivíduos de H. folisecens, sendo sete fêmeas com filhotes e 11 fêmeas sem filhotes. Não
encontrei diferença de volume corporal entre fêmeas com filhotes e fêmeas sem filhotes
(N=18; U=22; P=0,07). Porém, ao testar o pressuposto de homogeneidade dos grupos,
verifiquei que a variância do volume corporal de fêmeas com filhote (DP=207,55) foi 8,45
vezes menor que a variância do volume corporal de fêmeas sem filhote (DP=1754,77)
(F=24,29; gl=16; p=0,001; Fig. 1).
Figura 1. Diferença de variação do volume corporal (mm³) de fêmeas de Hingstepeira
folisecens com filhotes e sem filhotes.
174
Discussão
Ao contrário do esperado, não encontrei diferença na média do volume corporal de fêmeas de
H. folisecens com filhotes e fêmeas sem filhotes, porém, encontrei uma variação no volume
corporal desses grupos. Esse resultado representa uma diferença de custos energéticos para as
fêmeas de H. folisecens com e sem filhotes. Algumas fêmeas de H. folisecens sem filhotes
apresentaram um volume corporal muito maior que as fêmeas com filhotes, representando
uma condição física maior do que as fêmeas com filhotes. Por outro lado, algumas fêmeas
sem filhotes apresentaram um volume corporal parecido com as fêmeas que estavam cuidando
de filhotes, o que indica que elas possuem a mesma condição física (Fig. 1). Dessa forma,
posso presumir, com essa variação, que há um alto custo energético associado ao cuidado
parental.
É provável que as fêmeas sem filhote que apresentam volume corporal parecido com
as fêmeas com filhotes tenham reproduzido recentemente e ainda não recuperaram a condição
física anterior à reprodução. Isso pode ser evidenciado por meio das observações de campo,
onde muitas teias de H. folisecens estavam somente com os filhotes, sugerindo o abandono da
teia pelas mães. Outra possibilidade é que essas fêmeas sem filhotes e com volume corporal
reduzido sejam fêmeas que não possuam naturalmente uma condição física que as permita
reproduzir. É possível que essas fêmeas não sejam predadoras eficientes, o que as impediria
de armazenar reservas suficientes para suportar os gastos relacionados com a reprodução e
cuidado parental. Por outro lado, as fêmeas com maior condição física podem ainda não ter
reproduzido, tendo armazenado reservas para a reprodução, o que explica o maior volume
corporal apresentado por essas fêmeas. Sendo assim, esse resultado pode indicar que não há
um sincronismo no período reprodutivo dessa população de H. folisecens.
Por existir um alto custo energético associado ao cuidado parental, como esse
comportamento poderia ter surgido em H. folisecens, uma vez que o cuidado parental em
aranhas orbitelas não é comum? O risco de predação e o comportamento de construção de
175
abrigo no centro da teia podem explicar o surgimento do cuidado parental. Em campo pude
observar filhotes que estavam fora do abrigo serem predados após a remoção da mãe. O abrigo
proporciona uma proteção para os filhotes contra predadores e parasitoides (Gonzaga et al.
2007). Dessa forma, a aranha não precisa investir em novas estruturas de proteção para os
filhotes, direcionando assim energia para a alimentação da prole. Isso pode ser corroborado
pelo fato da mãe abandonar a teia, deixando o abrigo para os filhotes quando estes atingem
um maior tamanho, que foi observado diversas vezes em campo.
Esse trabalho mostra que o investimento em cuidado parental demanda um alto custo
energético. Esse custo em aranhas H. folisecens pode estar associado ao fato dessas aranhas
alimentarem sua prole em detrimento a própria alimentação. Esse comportamento pode se
manter em um grupo onde o cuidado parental não é comum, porque mesmo com a construção
de abrigos, a pressão de predação pode ser alta, então, os riscos de abandonar a prole podem
gerar um custo muito alto. Dessa forma, o cuidado parental associado à construção de abrigos,
pode representar uma proteção dos filhotes contra predadores, gerando um maior sucesso
reprodutivo para as fêmeas.
Agradecimentos
Meus primeiros agradecimentos em um trabalho, então não poderia jamais deixar de agradecer
a você meu pai. “Zézinho”, muito obrigado por tudo que fez por mim, me transformar no
homem que eu sou. Se eu consegui chegar aqui, foi tudo graças a você. Um dia nos
encontraremos e poderei agradecer pessoalmente. Mãe, muito obrigado por tudo, minha
amiga. Obrigado por me apoiar sempre e junto com meu pai me transformou na pessoa que
sou e me permitiu alcançar meus objetivos. Vida, obrigado por tudo, por estar ao meu lado
sempre, por me apoiar. Mesmo que isso nos afaste fisicamente, estaremos sempre juntos. Aos
meus irmãos, Samir e Rodrigo, que sem vocês eu não seria a pessoa que eu sou. A vó, que
junto com meus pais, me criou como um filho, e ainda me cria. Amo muito todos vocês
176
Um agradecimento mais que especial ao Paulinho e a Laura, muito obrigado por tudo
que vocês tem feito por mim. Laura, obrigado por me aceitar como seu orientando e poder me
proporcionar a realização de um sonho. Vocês ainda não tem noção da gratidão que sinto por
vocês, mas saibam que se eu conseguir alcançar meus objetivos, vocês serão responsáveis
diretos por isso! Tenho um carinho mais que especial por vocês. Nelson, meu brother, te
considero um irmão. Obrigado de mais por ter aberto as portas da sua casa para mim. Obrigado
pelas lições de wing chun e as horas jogando “The Last of Us”. Sou extremamente grato a
você, e você sabe disso. Conte comigo pro que precisar. Paulo “morcego”, obrigado por todos
os ensinamentos. Xexéu, Xauxau, Xouxou, porra, 3 POs seguidos é sacanagem. Muito
obrigado por todas as orientações, e zueiras. Mano, um salve especial prus munitor, certo!?
Raul e Lucas, vocês são fóda! A todos meus companheiros de curso, obrigado pelo tempo de
convivência. Viver esse mês com vocês foi especial. Tenho um apreço por cada um de vocês
e espero levar uma amizade com vocês para toda a vida. Ao seu Jorge e dona Eduarda,
obrigado por todas as refeições, me sustentar não é fácil, e vocês conseguiram. Obrigado a
todos vocês!
Referências
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hypotesis. Journal of Tropical Ecology, 15:807-825.
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A qualidade de abelhas operárias aumenta a eficiência em explorar recursos para
construção do ninho?
Camila Celestino Hohlenwerger
Introdução
Buscar e manipular recursos geram custos aos organismos (Smith 2006). Dessa forma,
indivíduos que consigam maximizar a quantidade de energia obtida frente a esses custos
devem ser favorecidos (Smith 2006). Particularmente, indivíduos que carregam recursos até
o ninho ou colônia têm de lidar com os custos adicionais associados ao transporte. Nesses
casos, a quantidade ótima de carga será aquela que maximize a quantidade de recurso
transportado pelos indivíduos e minimize os custos associados ao transporte (Krebs & Davies
1993). Inicialmente, a teoria de quantidade ótima de carga foi proposta para modelar o
transporte de recursos alimentares por animais (Krebs & Davies 1993). No entanto, animais
podem carregar outros tipos recursos como, por exemplo, ferramentas, ornamentos e material
pra construção de ninho (O’Donnell 2003, Connor et al. 2008), e esse transporte também está
sujeito a custos energéticos (Krebs & Davies 1993). Nesses sistemas, o peso da carga,
distância do ninho até o recurso, frequência de viagens, experiência e qualidade física do
indivíduo são fatores que podem alterar o balanço entre a quantidade de carga e a energia
necessária para o transporte (Krebs & Davies 1993, Santos et al. 2000).
O tamanho do indivíduo é um atributo que pode ter relação com a sua habilidade de
explorar os recursos (Robinson 2003, Costa-Pereira 2014). Para algumas espécies, o tamanho
do corpo pode refletir a experiência do indivíduo (Schoener 1971), o que pode indicar que
indivíduos maiores são mais hábeis na exploração, remoção e transporte do recurso (Costa-
Pereira 2014). No entanto, essa relação entre tamanho e habilidade de explorar recursos pode
não ser tão clara para todos os grupos animais. Para organismos que possuem exoesqueleto,
por exemplo, o tamanho corpóreo pode não refletir sua habilidade em explorar o recurso, já
179
que este não representa bem o volume interno do indivíduo. Como o exoesqueleto é rígido,
ele é sempre maior que o volume interno do indivíduo para permitir o crescimento dos tecidos
internos (Andersen 2003). Dessa forma, o tamanho externo pode não representar, por
exemplo, quantidade de reserva energética ou de músculos que ele possui (Triplehorn &
Jonnson 2011). Medidas como a densidade corpórea, devem representar melhor a qualidade
do organismo já que estas características estão relacionadas com a quantidade de energia
acumulada que o organismo possui (Andersen 2003). Indivíduos com menor densidade, por
exemplo, possuem mais gordura no corpo e, portanto, maiores reservas energéticas. Esses
indivíduos são considerados de melhor qualidade já que quanto maior a reserva energética,
maior a capacidade do indivíduo em realizar atividades (Robinson 2003).
Para insetos sociais, o resultado do balanço entre a quantidade de carga e os custos do
transporte é importante não somente para aptidão do indivíduo, mas também para aptidão da
colônia. Em populações de insetos sociais com divisão de trabalho, as operárias são
responsáveis por tarefas como, defesa da colônia e construção de ninhos (O’Donnell 2003).
Dessa forma, a eficiência da operária em executar suas tarefas individuais vai afetar o valor
adaptativo de toda a colônia. Por exemplo, abelhas operárias com uma quantidade fixa de
energia disponível por dia, ao transportarem mais carga, têm a expectativa de vida reduzida e,
portanto, colaboram por menos tempo com a colônia (Krebs & Davies 1993). Dessa forma,
operárias que otimizam o transporte de carga conseguem aumentar a expectativa de vida e,
consequentemente, colaborar mais com a colônia (Zablotny 2003).
Em abelhas eusociais, as operárias são responsáveis pela construção dos ninhos
(Zablotny 2003). Algumas espécies de abelhas sem ferrão removem argila de determinados
locais próximos a riachos para construção de ninhos (Costa-Pereira 2014). As operárias
removem argila com a mandíbula e com auxílio do segundo par de patas, acumulam essa
argila nas corbículas, estruturas que fazem parte da tíbia das patas traseiras (Carvalho-Zilse et
al. 2007, apud Costa-Pereira 2014). Dado que a quantidade de argila removida por essas
180
abelhas varia entre as operárias (Costa-Pereira 2014) e que as colônias possuem operárias com
diferentes qualidades (O’Donnell 2003), me questionei sobre qual o efeito da qualidade das
operárias na exploração de recurso para construção de ninhos. A minha hipótese é que
operárias de melhor qualidade são mais eficientes no uso do recurso que operárias de pior
qualidade. Se minha hipótese for verdadeira, espero que indivíduos com menor densidade
corpórea removam mais argila por unidade de tempo e carreguem maior quantidade de argila
ao final da remoção.
Métodos
Realizei este estudo em bancos de argila localizados no acampamento do Km 41, à 80 km de
Manaus. Esta área pertence à Área de Relevante Interesse Ecológico do Projeto Dinâmica
Biológica de Fragmentos Florestais (ARIE-PDBFF) (02º24’S e 59º44’O), Amazônia central.
Estudei a abelha sem ferrão Melipona lateralis (Meliponinae) que remove grãos de
argila em barrancos de riachos amazônicos (Costa-Pereira 2014). Amostrei essa espécie de
abelha durante dois dias das seis da manhã às 12 da tarde em dois dias de novembro de 2014.
Para testar se a qualidade do indivíduo está relacionada à quantidade de argila retirada e a
eficiência de remoção de argila, eu filmei cada indivíduo separadamente do início ao fim da
coleta de argila e o capturei ao final da coleta da argila utilizando duas peneiras. Para ter uma
referência do tamanho da abelha nas filmagens, coloquei uma escala graduada (5mm) nos
locais onde elas removiam a argila. Utilizando fotografias obtidas das filmagens, medi no
programa Image J (Rasband 2014), o comprimento anteroposterior dos indivíduos (medida da
cabeça da abelha até a parte distal do abdome) e a quantidade de argila armazenada em uma
das corbículas (como variável nas análises, utilizei a raiz quadrada da área da agregação da
argila). Calculei a taxa de remoção de argila como a razão entre a quantidade de argila retirada
ao final da coleta pelos indivíduos e o tempo de remoção (área da elipse dividida pelo tempo
no qual a abelha permaneceu removendo argila). Obtive valores de massa de cada abelha
181
pesando os indivíduos em uma balança de precisão com três casas decimais. Em seguida,
obtive os valores de volume dos indivíduos medindo o volume de água deslocado com auxílio
de um paquímetro ao inserir o indivíduo em um pote milimetrado. Para medir a qualidade do
indivíduo, calculei a densidade corpórea (massa dividida pelo volume do indivíduo). Utilizei
duas regressões simples, uma entre densidade dos indivíduos e a eficiência de remoção, e
outra entre densidade dos indivíduos e a raiz quadrada da área da elipse.
Resultados
As abelhas demoraram em média dois minutos e cinco segundos para remover argila, sendo
que o tempo máximo de remoção foi três minutos e 40 segundos e o mínimo foi um minuto e
seis segundos. A média de argila retirada por viagem foi 0,2 mm², e a média da densidade
corpórea das abelhas foi 0,11 (DP±0,02). A densidade corporal dos indivíduos de M. lateralis
não esteve relacionada à taxa de remoção de argila (r²=0,08; p=0,12; β=-0,29; Fig 1). Da
mesma forma, a densidade dos indivíduos não esteve relacionada à raiz quadrada da área da
agregação da argila removida (r²=0,11; p=0,09; β=-0,32; Fig. 2).
Figura 1. Relação entre a densidade corpórea abelhas operárias de Melipona lateralis
(Meliponinae) e a taxa de remoção de argila em bancos de argila no acampamento do Km 41,
Amazônia Central.
182
Figura 2. Relação entre a densidade de abelhas operárias de Melipona lateralis (Meliponinae)
e raiz quadrada da área da agregação da argila removida em bancos de argila no acampamento
do Km 41, Amazônia Central.
Discussão
A qualidade dos indivíduos não esteve relacionada à quantidade de argila removida, nem a
eficiência de remoção por operárias de M. lateralis. Apesar da elevada variação na qualidade
dos indivíduos removendo argila, todos realizaram o serviço de remoção de argila com a
mesma eficiência.
Uma possibilidade é que a eficiência de exploração do recurso para construção de
ninhos não se restrinja apenas a capacidade do indivíduo de carregar grandes quantidades de
carga ou de removê-las em um curto período de tempo. Outros atributos podem estar
associados ao sucesso do indivíduo em explorar o recurso (Krebs & Davies 1993). Ser capaz
de fazer um maior número de viagens, ter mais estabilidade de voo, depositar mais
eficientemente o recurso no ninho, podem ser exemplos de características importantes que
determinam a eficiência na exploração de recurso nesses animais. Essas habilidades podem
não necessariamente estar associadas à qualidade dos indivíduos, mas a experiência destes.
Abelhas operárias são capazes de acumular experiência enquanto exercem determinada
função (O’Donnell 2003). O aumento dessa experiência pode estar associado principalmente
183
à quantidade de vezes que o indivíduo exerceu a função e não necessariamente ao quanto de
reserva energética o indivíduo possui (O’Donnell 2003). Dessa forma, atributos associados à
experiência do indivíduo talvez possam representar melhor a eficiência de exploração de
recursos para construção do ninho.
Para colônia, destinar indivíduos que variam quanto a sua qualidade, mas removem
quantidades de argila similares é uma estratégia vantajosa. Isso porque o valor total de
recursos coletados ao final do processo será o mesmo independentemente da qualidade
intrínseca dos indivíduos que realizam essa função. Dessa forma, a colônia não precisará
correr o risco de alocar todos os indivíduos de maior qualidade para uma única atividade
(O’Donnell 2003). Por outro lado, se indivíduos de melhor e pior qualidade removem
quantidades similares de argila, os de pior qualidade terão de despender proporcionalmente
mais energia no transporte da mesma quantidade de argila removida pelos indivíduos de
melhor qualidade (Krebs & Davies 1993). Isso pode reduzir a expectativa de vida desses
indivíduos de pior qualidade e, consequentemente, sua contribuição para a colônia (Krebs &
Davies 1993). Como indivíduos de M. laterallis são sociais, a aptidão da colônia é mais
importante que a aptidão de cada indivíduo (O’Donnell 2003). Sendo assim, mesmo que essa
estratégia traga potenciais desvantagens para os indivíduos, ela deve ser vantajosa para a
colônia a longo prazo.
Agradecimentos
Agradeço ao PDBFF-EFA por nos proporcionar essa experiência maravilhosa na “Mazonha”,
e me permitir realizar esse sonho guardado desde 2010 quando comecei a ouvir sobre o EFA.
Aos amigões Tiko por todo incentivo e ajuda no texto da seleção, e a Keka e Vick pelo apoio
gigantesco mesmo que distante. À Deus, Kátia e Sônia que são meus alicerces. Ao meu
namorado Bruno pelo apoio tanto na vida acadêmica como na vida pessoal, e por me
incentivar incondicionalmente a vir pro EFA independente dos 31 dias que ficaríamos distante
184
um do outro. Obrigada por criar na minha mente e no meu coração um lugar de conforto e
calmaria mesmo em tempos de tempestades. “Quero mandar um beijo para minha mãe e para
o meu pai”! Rsrs Agradeço aos Paulinhos por todo aprendizado acadêmico e pra vida.
Obrigada “mãe”, pela paciência com essa aluna ansiosa e desesperada, e obrigada “pai” pelas
dicas para o “mundo real”. Agradeço ao Ronronzinho, Gabi Porradinha, Staloooooone,
Andróógena, Lucas e Ju por terem me visto “tropeçar no caminho” e terem tido o carinho de
parar e dedicar um pouco dos seus preciosos tempos para me mostrar como é possível
caminhar mais leve nessa vida. Agradeço aos monitores e professores pelo apoio e
aprendizado. Ao Seu Jorge e a Dona Eduarda pelo carinho enorme e por todas as delííícias
que pude saborear no meio da “Mazonha”!! Agradeço ao Lucas, Seu Jorge e Profeta por terem
impedido que meu experimento alagasse, ao Pinto e Dani Outra pelo carinho e auxílio com as
análises, à CamINPA pelo empréstimo do PC para as análises das imagens, e principalmente
ao Raul, Laura e Pinto por todas as dicas e ensinamentos necessários para que esse PI pudesse
sair, muito obrigada! Queria poder agradecer a cada unzinho com detalhes, mas como seria
impossível separar a melhor risada com cada um, vão os nomes que ficarão na cabeça pra
sempre: Dani uma, Bandidim, Black&Decker, Porradinha, Andróógena, Larica, Dani outra,
Pinto e Piroka, Profeta, Mayara, Ju, Vomíííto, Stalooone, Bote Fé, Bitoca, CamINPA, Issa e
Ronronzinho. Obrigada por terem tornado 31 dias da minha vida inesquecíveis!
Referências
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187
O tamanho corporal e a reserva energética dos machos da libélula Micrathyria
hesperis não estão associados à probabilidade de ocupação de um território de
acasalamento
Camila Julia Pacheco Ramos
Introdução
Indivíduos de uma mesma espécie podem competir por meio de interações agressivas pelo
acesso a um recurso limitado, como alimento ou parceiros sexuais (Andersson 1994). Em
muitas espécies esse acesso ocorre por meio da defesa de um território. Território pode ser
definido como uma área que é defendida por um indivíduo para que ele tenha prioridade de
acesso a um dado recurso em relação aos seus coespecíficos (Kaufmann 1983). Em insetos o
comportamento territorial em machos que defendem áreas de acasalamento é muito comum
(Córdoba-Aguilar 2008).
Em encontros agonísticos pela posse de territórios, existem atributos dos indivíduos
que podem aumentar a chance de vitória. No entanto, a importância de diferentes atributos em
determinar o resultado de uma briga pode variar de acordo com as espécies (Parker 1974,
Arnott & Elwood 2009). Por exemplo, o desenvolvimento de estruturas usadas
exclusivamente nas brigas (armas) pode auxiliar um indivíduo a subjulgar o seu oponente.
Um exemplo são os besouros Euoniticellus intermedius, nos quais indivíduos com chifres
maiores têm maior probabilidade de ganhar brigas (Pomfret & Knell 2005). Em outras
espécies, atributos fisiológicos podem determinar o vencedor, como no caso da mosca
Drosophila melanogaster, na qual os machos que conseguem aumentar mais a sua
temperatura vencem mais brigas (Zamudio et al. 1995). A reserva de gordura também pode
ser determinante da chance de vitória por assegurar maior persistência em uma luta, como
ocorre nas brigas entre machos de libélula Calopteryx maculata (e.g. Marden & Rollins 1994).
188
Contudo, o atributo mais comum que determina a habilidade de luta é o tamanho corporal, o
qual geralmente está relacionado à força física (Archer 1988).
Em odonatas os machos tipicamente defendem territórios que são sítios de oviposição
das fêmeas. Alguns machos conseguem ocupar áreas com melhor qualidade, que conferem
um maior número de cópulas (Emlen & Oring 1977). A eficiência desses machos na defesa
dos territórios parece ser correlacionada ao maior tamanho corpóreo, à maior quantidade de
reserva energética e ao desenvolvimento da musculatura alar (e. g. Contreras-Garduño et al.
2006). Esses atributos possibilitam maior capacidade de dano, maior resistência e melhor
capacidade de voo durante os embates.
Os machos de Micrathyria hesperis (Odonata: Libellulidae) são encontrados em poças
temporárias, onde comumente defendem territórios de acasalamento. As áreas defendidas por
esses machos são aquelas nas quais há galhos emergindo da lâmina d’água, que servem como
poleiros que ficam expostos ao sol. Uma vez que os machos brigam por esses locais, deve
haver algum atributo que determine a chance de vitória. A minha hipótese é que os machos
territoriais que venceram as brigas possuem maior tamanho e maior reserva energética em
relação aos machos que não possuem territórios.
Métodos
Área de estudo
Realizei o estudo na Área de Relevante Interesse Ecológico Projeto Dinâmica Biológica de
Fragmentos Florestais (ARIE - PDBFF), no acampamento do km 41, localizada a 80 km ao
norte de Manaus, Brasil. A vegetação local é constituída por floresta ombrófila primária úmida
(Lovejoy & Bierregaard 1990). O clima na região é quente e úmido, apresenta temperatura
anual média de 26°C, duas estações marcadas pela variação na quantidade de chuva e
precipitação anual variando de 1.900 a 2.300 mm (RADAMBRASIL 1998). Eu observei as
189
libélulas em uma poça temporária, com aproximadamente 15 m de comprimento e 6 m de
largura, localizada ao lado de uma estrada que dá acesso ao acampamento.
Coleta de dados
Para avaliar se machos com a posse de territórios possuem diferenças de atributos em relação
a machos sem territórios, desenvolvi um experimento ao longo de três dias. No primeiro dia
coletei os machos com puçá, e fiz uma marcação numérica na região dorsal da asa usando
uma caneta para retroprojetor. Essa marcação foi necessária para garantir o reconhecimento
de cada macho nos dias subsequentes sem a necessidade de captura. No dia seguinte à
marcação realizei as observações dos machos durante o período de atividade territorial (entre
as 0800 h e as 1500 h). Observei cada macho durante 10 min para determinar quais eram
territoriais. Para tanto, cada macho deveria defender uma área, de modo que depois de realizar
voos de patrulha (voos circulares ao redor de um mesmo poleiro) e de interagir com outros
machos (por meio de colisões e voos circulares sincronizados), ele deveria retornar para o
mesmo local. Eu denominei esses machos territoriais como residentes. Após essa observação
eu coletei esses machos e esperei o poleiro vago ser ocupado por outro macho (macho
substituto). Observei cada macho substituto durante 2 min para avaliar se eles também
apresentavam comportamento territorial. Em caso afirmativo eu também coletava os machos
substitutos. Quando os machos não estavam marcados, usei a presença de danos nas asas como
uma forma de individualizá-los. Esses danos estavam presentes na maioria dos machos.
Em laboratório, medi a massa total e a massa do tórax de cada indivíduo em uma
balança com precisão de 1mg. Em seguida, estimei o volume do tórax de cada indivíduo. Para
isso submergi o tórax de cada libélula em um tubo de Falcon de 50 ml e medi o volume de
água deslocada com um paquímetro digital. Com os dados de volume e massa, calculei a
densidade do tórax. Eu usei a medida de densidade torácica como indicadora condição
190
corporal, uma vez que as libélulas acumulam gordura no tórax. Assim, indivíduos com menor
densidade torácica apresentam maior reserva de gordura (Moya-Laraño et al. 2008).
Análises estatísticas
Usei um modelo linear generalizado misto com distribuição de erros binomial para testar se a
probabilidade de um macho ser residente ou substituto estava correlacionada com a massa
corporal e a densidade torácica de cada indivíduo. Considerei o status do macho (residente ou
substituto) como variável resposta, a massa corporal e densidade do tórax como variáveis
explicativas fixas e o par (residente e seu respectivo substituto) como variável explicativa
aleatória. Deste modo, comparei os primeiros indivíduos territoriais com os indivíduos
territoriais que ocuparam os poleiros quando vagos. Se a minha hipótese estiver correta, espero
que os machos residentes tenham maior massa corporal ou menor densidade do tórax do que
os machos substitutos.
Resultados
Coletei 16 machos, sendo oito residentes e oito substitutos. Os machos residentes brigaram
em média 5,42 vezes (DP=1,87) por observação e o tempo médio de cada briga foi 2,3 s
(DP=0,77). Em geral, eles exibiam contatos físicos durante os embates. A massa corporal
média dos residentes foi 80 mg (DP=7) e a dos substitutos foi 84 mg (DP=8). A densidade
torácica média dos residentes foi 0,56 mg/mm³ (DP=0,12) e a dos substitutos foi 0,58 mg/mm³
(DP=0,13). A massa corporal e a densidade dos indivíduos não estiveram associadas à
probabilidade dos machos serem residentes ou substitutos (χ²=1,05; gl=2; p=0,47; Fig. 1).
191
Figura 1. Probabilidade de machos de Micrathyria hesperis serem residentes (categoria 1) ou
substitutos (categoria 0) em relação a massa corporal (a) e a densidade do tórax (b), em uma
poça d’água na Amazônia Central, Brasil.
Discussão
A massa corporal e a densidade do tórax dos machos de M. hesperis não estiveram associadas
à probabilidade deles serem residentes ou substitutos. Isso indica que o tamanho dos machos
e a quantidade de reserva energética não determinam a chance de vitória em uma disputa
intraespecífica por territórios de acasalamento. Talvez outros fatores não ligados à habilidade
de luta tenham efeito na definição de quem ocupa os territórios (Jennions & Backwell 1995).
Uma possibilidade é que a valorização do recurso disputado pode ser diferenciada entre os
192
indivíduos da mesma espécie. Assim, por mais que o recurso em disputa seja o mesmo, o valor
do recurso para cada competidor pode determinar a motivação e o investimento de cada um
em defender o território (McNamara & Houston 1989). Um dos fatores que determina maior
motivação está associado a quem ocupa primeiro uma área. Em geral, os indivíduos residentes
têm mais interesse em defender um território no qual já investiram energia para conquista-lo
quando essa energia compromete o restante disponível para acasalamentos (Smith & Parker
1976). Outro fator que pode afetar a motivação diferencial pode estar associado ao tempo sem
cópulas. Em grilos, por exemplo, machos valorizam mais a oportunidade de cópula quando
estão mais tempo sem acasalar (Brown et al. 2006).
A semelhança de tamanho e de reserva energética entre machos residentes e substitutos
não exclui completamente a possibilidade de que eles possuam diferenças em relação a outros
atributos que influenciam na capacidade de luta. Existem espécies em que os machos
vencedores são os menos parasitados, o que indica que somente machos em boas condições
corporais são capazes de ocupar e defender um território (Córdoba-Aguilar 2008). A
habilidade em realizar manobras nos voos também pode ser importante na defesa de territórios
e na perseguição de fêmeas (Coelho & Holliday 2001). Observei em campo que muitos
machos territoriais de M. hesperis estavam com as asas desgastadas, sendo que alguns
indivíduos estavam com metade das asas faltando. Talvez esse desgaste alar seja produzido
nas colisões durante as disputas, podendo prejudicar a habilidade de manobra de voo desses
indivíduos.
A ausência de relação entre indivíduos maiores e com maior reserva energética e a
ocupação dos territórios pode indicar que a territorialidade não necessariamente é vantajosa.
Quando o risco de sofrer injúrias em um confronto é alto, os machos mais fortes podem ter
mais a perder do que os mais fracos em termos de expectativa de sucesso reprodutivo. Isso
pode ser particularmente importante se rivais mais fortes forem capazes de encontrar fêmeas
por vias não ligadas à defesa territorial (e.g. Hernández & Benson 1998). Assim, os machos
193
que estão competindo pelos territórios eventualmente podem ser indivíduos mais fracos ou
mais velhos, que estão mais motivados a defender um território mesmo que essa não seja a
estratégia mais vantajosa.
Agradecimentos
Agradeço à coordenação do EFA 2014, Paulinho Mãe, Paulinho Pai e ao Zé, pela oportunidade
de participar dessa incrível experiência. Realmente o EFA é um curso que nos proporciona
enorme crescimento acadêmico e profissional. São 30 dias muito intensos, cheios de
ensinamentos e conversas sobre ecologia sem fim. Os professores também fizeram muita
diferença! Jansen, Fabrício, Danilo, Laura, Cris e Xexéu, muito obrigada pela paciência e por
compartilhar o conhecimento de vocês. Muito obrigada, dona Eduarda e Seu Jorge, pelas
comidinhas maravilhosas e pelos doces providenciais. Preciso agradecer aos meus colegas de
curso, que se tornaram pessoas queridíssimas para mim! Incrível como pessoas tão diferentes
puderam conviver e trabalhar tão bem e harmoniosamente. Isa, espanhola brasileira querida
demais! “Meu nome não é Maiara”, figuraça, sempre agitando a galera! “Dani uma” e “Dani
outra”, duas fofuras e sempre de bom humor. Giu, Staloooone e Flávio, foi muito bom
conhecer e conviver mais com vocês mesmo! Lari, Alê e Vítor valeu demais pela parceria em
vários trabalhos e por tudo. Juuu, sempre engraçada e sincera. Gaúcha, menina elétrica e
empolgando a gente sempre! Bitoca, Bruno, Mila, Nelson (valeu pelos chocolates), Ronron
(valeu pelo chapéu), Gabi BlackDecker (valeu pelas botas), obrigada pela ajuda e carinho
também. Bandinho, “arrojado”, obrigada pela parceria também. Cada um tornou esse mês
muito especial! Os monitores também fizeram grande diferença. Raul, valeu por tooooodas as
correções (sempre cheias de caricaturas e desenhos) paciência e humildade! E por fim,
Paulinho Mãe, obrigada por toda ajuda no projeto individual! Obrigada pela parceria nas
coletas, correções e incentivo. É desafiador trabalhar com uma pessoa que a gente admira.
194
Obrigada à tod@s vocês, pessoas que foram muito parceiras e que tornaram esse curso
maravilhoso.
Referências
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196
Ninhos temporários de formigas Crematogaster sp. não conferem maior defesa em
Palicourea guianensis (Rubiaceae)
Daniele J. Moreno
Introdução
O mutualismo é um tipo de interação entre espécies que envolve a troca de bens ou serviços
que beneficia ambas partes (Bronstein 1994, Begon 2007). Um exemplo desse tipo de
interação é a relação de algumas espécies de formigas com plantas que oferecem algum tipo
de recurso, normalmente abrigo e alimento (e.g. Christianini & Machado 2004).
Algumas plantas possuem nectários extraflorais (NEFs), que são glândulas
encontradas em partes vegetativas (e.g. caule) e reprodutivas (e.g. inflorescência) da planta.
Os NEFs secretam um néctar rico em carboidratos, aminoácidos e nitrogênio (Koptur 1992
apud Ness et al. 2010, Marazzi et al. 2013). Tal recurso pode ser explorado tanto por besouros,
mariposas e abelhas, assim como por formigas (Keller & Gordon 2009, Lanan & Bronstein
2013). O gênero Crematogaster é um exemplo de formigas que usam NEFs e defendem a
planta contra herbívoros (Fisher 2010, Ness et al. 2010). A relação entre Crematogaster sp.
com as plantas mostra um mutualismo facultativo (difuso), no qual a interação entre as
espécies não é obrigatória. Na ausência das formigas, as plantas conseguem sobreviver depois
de sofrer herbivoria. Do mesmo modo que as formigas conseguem outra fonte de recurso
alimentar caso não tenham mais o néctar da planta. Por outro lado, embora a relação seja
independente, a aptidão de ambas as espécies pode ser mais eficiente caso tenha essa
interação.
Ninhos polidômicos são formados por um ninho central com ninhos satélites
interligados com o principal (Hölldobler & Wilson 1990). Os ninhos satélites podem ser
temporários e estão localizados sobre as plantas com NEFs. Isso facilita o forrageio das
197
formigas e garante um uso mais intenso do néctar dos nectários (Lach et al. 2010, Lanan &
Bronstein 2013).
Palicourea guianensis é uma rubiácea que possui NEF no caule. A espécie é uma
arvoreta que se distribui desde o México, Caribe ao norte do Brasil (Ribeiro et al. 1999).
Alguns indivíduos de P. guianensis podem possuir ninhos satélites temporários de formigas
Crematogaster sp. em seus caules. Ninhos satélites localizados sobre as plantas podem
conferir uma proteção maior à planta com NEF comparado a plantas sem ninho (Lanan &
Bronstein 2013). No entanto, a eficiência de defesa pela presença dos ninhos satélites
localizados na planta nunca foi avaliado. Diante desse fato, busquei avaliar qual o efeito desses
ninhos nas plantas. Minha hipótese é que plantas com ninhos temporários de formigas seriam
mais defendidas.
Métodos
Área de estudo
Eu desenvolvi o presente estudo em uma área de floresta contínua de terra firme na Reserva
1501 (acampamento km 41) da ARIE Projeto Dinâmica Biológica de Fragmentos Florestais
(2º30’S; 60º00’O), localizada a cerca de 80 km ao norte de Manaus, AM. O clima do local é
tropical úmido segundo a classificação de Köppen (Peel et al. 2007) com temperatura média
de 26,7 ºC e pluviosidade anual média de 2186 mm.
Coleta de dados
Para avaliar se a presença de ninhos temporários confere maior proteção às plantas, selecionei
37 indivíduos de P. guianensis sem inflorescência e que apresentassem NEFs ativos e
formigas Crematogaster sp associadas. Dentre as plantas selecionadas, 19 indivíduos tinham
ninhos temporários de formigas no caule principal próximos à intersecção com a folha e 18
198
plantas não tinham ninhos. Em cada planta, realizei um estímulo mecânico cortando 2/3 de
uma folha. Após isso, contei dentro de 1 min a ocorrência ou não de recrutamento das formigas
e contabilizei o número de indivíduos recrutados. Todas as folhas cortadas não tinham
formigas antes do corte.
Análise de dados
Avaliei a resposta das formigas ao estímulo usando um teste chi-quadrado. Considerei a
presença e a ausência de ninhos temporários como a variável independente e a ocorrência de
recrutamento como variável dependente. Em relação à intensidade de defesa pelas formigas,
usei um teste t, sendo o número de formigas recrutadas a variável dependente e a presença e
ausência de ninhos temporários a variável independente. Espero que a ocorrência de folhas
com recrutamento das formigas seja maior nas plantas de P. guianensis com os ninhos e que
o número de formigas recrutadas nessas plantas seja maior comparado a plantas sem ninhos.
As análises foram feitas no Programa R 3.0.1 (R Development Core Team 2013).
Resultados
O número de formigas recrutadas variou de um a seis indivíduos nas plantas sem ninhos e de
um a 18 indivíduos nas plantas com ninhos. A ocorrência de recrutamento das formigas não
foi diferente entre plantas com e sem ninho (χ²=3,28; gl=1; p=0,07). O número de formigas
recrutadas também não diferiu nas plantas com ninho comparado com plantas sem ninhos
(t=1,36; gl=35; p=0,09; Fig. 1).
199
Figura 1. Número médio de formigas Crematogaster sp. recrutadas em Palicourea guianensis
(Rubiaceae) com e sem ninhos temporários após um dano foliar, em uma área de floresta
contínua de terra firme, Amazônia Central. As linhas verticais sobre as barras representam o
erro padrão.
Discussão
Os resultados indicaram que a presença de um ninho satélite no caule de plantas de P.
guianensis não aumenta a proteção à planta. Os NEFs fornecem um recurso complementar
importante para as formigas de hábito alimentar generalista, como Crematogaster sp. que
também forrageia no solo (Philipott et al. 2010, Marazzi et al. 2013). A presença dos ninhos
satélites nas plantas pode ser uma estratégia para acessar mais rapidamente os NEFs (Lach et
al. 2010), sem melhorar o forrageio em outras partes da planta, como as folhas. Isso indica
que mais formigas na planta por causa dos ninhos satélites não melhora o benefício à planta.
Ninhos satélites temporários são partes da colônia que ficam distribuídos distantes do
ninho principal em locais estratégicos (Steiner et al. 2010). Estes ninhos não possuem todas
as castas de formiga normalmente presentes, nem mesmo a rainha (Hölldobler & Wilson
1990). Desta forma, qualquer dano causado no ninho satélite não tem consequência grave na
aptidão da colônia. Além disso, a arquitetura simplificada, contendo apenas uma câmara e
com material de menor qualidade (Steiner et al. 2010) faz com que o custo energético
0
1
2
3
4
Com ninho Sem ninho
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Planta
200
envolvido na construção desses ninhos seja menor. Essas duas características dos ninhos
fazem com que o investimento no recrutamento de formigas para a defesa dessa estrutura não
seja tão necessária. Provavelmente, o ninho temporário próximo ao NEF auxilie apenas em
uma defesa mais pontual e talvez mais efetiva das formigas sobre os NEFs.
Lanan & Bronstein (2013) observaram que Crematogaster opuntiae defendiam NEFs
de uma espécie de cacto em plantas distantes até 5 m. O estudo mostrou que formigas com
ninhos satélites fazem um recrutamento semelhante em diversas plantas localizadas dentro da
área do ninho principal. Dado que no presente estudo as formigas são do mesmo gênero do
estudo de Lanan & Bronstein (2013) e possuem o mesmo comportamento de construir ninhos
satélites, é possível que ocorra o mesmo processo no sistema de estudo P. guianensis-
Crematogaster sp. Desta forma, qualquer estímulo dado em uma planta que esteja dentro da
área do ninho principal pode induzir um recrutamento de formigas de forma semelhante,
independente da presença do ninho satélite na planta focal.
Em um mutualismo difuso, no qual a interação não é obrigatória, como ocorre em
alguns casos de plantas mirmecófilas, é esperado que uma das espécies (i.e. formigas)
apresente uma melhor interação, enquanto a outra (i.e. planta) apresente adaptações que
favoreçam a associação (Law & Koptur 1986). Como nesse estudo a presença de ninhos
satélites de Crematogaster sp. não aumenta a defesa nas plantas de P. guianensis, então não
seria esperado que houvesse alguma adaptação nas plantas que favorecesse uma associação
mais específica com Crematogaster sp., além dos NEFs. De fato, outros trabalhos mostram
que P. guianensis tem associações com outras espécies de formigas como Azteca,
Dolichoderus e Ectatomma (Câmara 2011, Lopes 2013) e em nenhuma dessas associações a
planta investe em estruturas que favorecem o mutualismo, além dos NEFs.
201
Agradecimentos
Em primeiro lugar, agradeço a minha família, pois sem eles, nada teria acontecido. Agradeço
imensamente à organização do EFA 2014 pela oportunidade de ter passado todo esse tempo
em meio a tanta coisa boa e aprendizado. Ao Paulinho bonita (mãe), pela simpatia, boa
vontade e alegria que trouxe durante todos os momentos, pelos ensinamentos e sempre
sabendo a dose certa entre o riso e o trabalho. Ao Paulo Morcego (pai), pelas milhões de
correções em praticamente todos os meus relatórios, pelas dicas, ensinamentos e conversas. E
a ambos, meus parabéns pela organização de toda essa “gentarada”. A todos os professores
que passaram pelo curso (alguns mais próximos, outros apenas por conversas paralelas), os
quais trouxeram o que possuem de melhor para nós por passarem dias corrigindo nossos
relatórios. Agradeço às orientações do Paulinho, Cris, Xexéu e Gilberto. Agora sei reconhecer
teias bi e tridimensionais (isso é mais viciante que ver passarinho!) e a contar a história para
a avó antes de passar para o papel; à Laura pela companhia em campo e sugestões no PI. Aos
monitores, Raul e Lucas, sempre gracinhas, pela paciência, companhia em campo e pela ajuda.
Ao Seu Jorge (po@#$, cara@#$!!) e à Dona Eduarda, pelo trabalho intenso durante o mês,
pelas comidas, pudins, bolos e pipocas (EFA ostentação)! Às demais pessoas que fizeram toda
a parte logística do curso acontecer. Aos novos amigos (Dani Outra, Júlia, Ronronzinho,
Bitoca/Príncipe, Vomíítor, Giu, Porradinha, Gabi, Milla, CamINPA, Maíra, Staloone, Pinto
& Piroca, Flávio-Boto-Fé, Profeta, Larica, Íssa), que em apenas 30 dias, conseguiram passar
de pessoas estranhas para pessoas queridas. Cada um com seu jeitinho, mas que durante todo
o curso, tivemos uma intensa e forte vivência. Dormir um do lado do outro por um mês, ver
acordar, depilar as pernas no Igarapé, dividir tensão de relatório, alegria nas festas, risadas nos
bilhetinhos (“Hoje tem!!!”). Ao Bandidinho (PH) desse curso, que já era bandido há muito
tempo por ter roubado meu coração. Melhor não poderia ter sido! Passar pelo EFA é uma
experiência para se levar pro resto da vida!
202
Referências
Begon, M., C.R. Townsend & J.L. Harper. 2007. Ecology: from individuals to ecosystems.
Oxford: Blackwell Publishing.
Bronstein J.L. 1994. Conditional outcomes in mutualistic interactions. Tree 9: 6.
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204
Pequenos recursos, grandes indivíduos: o tamanho do indivíduo e do recurso
determinam a capacidade de gerrídeos (Hemiptera) dominarem uma presa
Danielle Katharine Petsch
Introdução
Indivíduos de uma população não são idênticos. Eles podem variar, por exemplo, em
características relacionadas à morfologia, comportamento ou fisiologia (Bolnick et al. 2011).
Quando um recurso é limitante, a variação intraespecífica pode ser crucial para determinar o
sucesso de forrageio do indivíduo. Em particular, disputas diretas pelo acesso a recursos
devem ser mais frequentes em organismos que vivem agrupados. Nessas situações em que há
uma forte competição intraespecífica, indivíduos maiores e mais fortes podem dominar um
recurso enquanto indivíduos menores adotam estratégias alternativas de forrageio, como o
comportamento de pilhagem (Braz et al. 2005).
Uma das formas de assegurar acesso ao recurso é a monopolização (Emlen & Oring
1977). O monopólio pode ser vantajoso por garantir a exclusividade na exploração do recurso.
Por outro lado, a defesa do recurso monopolizado contra outros indivíduos pode ser custosa
(Begon et al. 2006). Esse balanço entre custos e benefícios da monopolização pode ser
particularmente associado ao tamanho do recurso. Quando o recurso é menor, o monopólio
deve ser favorecido pela facilidade em defendê-lo. No entanto, é possível que em recursos
grandes, o custo em defesa não compense a tentativa de monopólio, aumentando a
possibilidade de pilhagem ou compartilhamento do recurso entre os indivíduos (Braz et al.
2005). É esperado, portanto, que recursos menores são mais facilmente monopolizados.
Em adição ao tamanho do recurso, o tamanho do indivíduo também pode afetar a
capacidade de monopolização. Indivíduos maiores podem ter mais força e serem competidores
superiores, impondo aos demais indivíduos a utilização dos recursos de menor qualidade ou
estratégias secundárias de forrageio (Brown 1969). Portanto, indivíduos maiores devem ser
205
mais capazes de dominar o recurso que indivíduos menores (Vieira & Peixoto 2012). Nesse
sentido, recursos menores devem ser dominados por indivíduos grandes, o que tende a
diminuir a variabilidade fenotípica dos organismos que o exploram. Por outro lado, se recursos
maiores forem mais difíceis de monopolizar, tanto indivíduos dominantes quanto pilhadores
devem explorá-lo. Dessa forma, a variabilidade fenotípica de tamanho dos indivíduos deve
ser mais alta em recursos maiores.
Gerrídeos (Hemiptera) são predadores que podem viver agrupados na superfície de
corpos aquáticos (Triplehorn & Jonnson 2011). Quando há uma presa disponível na superfície
da água, os gerrídeos se agregam em torno dela para consumi-la. Dependendo do tamanho da
presa, esses insetos podem adotar diferentes estratégias de forrageio: monopolizar o recurso
no caso de uma presa pequena ou compartilhá-la quando a presa é maior (e.g. Braz et al.
2005). Observei que agregações de gerrídeos de uma mesma espécie consumiam presas de
diferentes tamanhos em uma poça temporária. Nesse contexto, minha primeira hipótese é que
quanto menor o recurso, maior a chance dele ser monopolizado. Caso essa hipótese seja
verdadeira, espero que (i) o número de indivíduos aumente exponencialmente com a área do
recurso, (ii) que o desvio padrão do comprimento dos indivíduos dentro de cada agregação
aumente em função da área do recurso e (iii) que o comprimento médio dos indivíduos seja
maior quando a área do recurso é menor. Minha segunda hipótese é que o aumento do tamanho
dos indivíduos de gerrídeos assegura melhor acesso ao recurso. Caso essa hipótese seja
verdadeira, espero que os indivíduos do centro das agregações, os quais ficam em contato
direto com a presa, sejam mais compridos que os indivíduos da borda das agregações.
206
Métodos
Área de estudo
Conduzi o estudo em uma poça temporária de aproximadamente 50 cm de profundidade, 3 m
de largura e 6 m de comprimento. A poça está localizada em uma área de floresta de terra
firme contínua, situada na Área de Relevante Interesse Ecológico – Projeto Dinâmica
Biológica de Fragmentos Florestais (ARIE – PDBFF) (02°24’ S e 59°44’ O), Amazônia
Central, Brasil. O clima é do tipo tropical úmido (Peel et al. 2007), com temperatura média
de 26,7 ºC e pluviosidade anual em torno de 2186 mm (Lovejoy & Bierregard 1990).
Delineamento amostral
Para testar as previsões de que o número de indivíduos e o desvio padrão do comprimento
deles nas agregações aumentam com a área do recurso, e que o comprimento médio dos
indivíduos é maior quando a área do recurso é menor, amostrei 28 agregações de gerrídeos.
Para isso, coletei todos os indivíduos da agregação, bem como o recurso que estava sendo
consumido, com uma peneira. Posteriormente, contei o número de indivíduos de cada grupo
e medi o comprimento do início da cabeça ao fim do abdômen (mm) de cada indivíduo.
Identifiquei o tipo de recurso utilizado e medi o maior comprimento e maior largura (mm) do
recurso. Como as presas possuíam um corpo em forma oval achatado dorso-ventralmente,
calculei a área do recurso utilizando a fórmula da elipse (3/4 π *R*r, sendo R=comprimento/2
e r=maior largura/2).
Para testar a previsão de que o aumento do tamanho dos indivíduos assegura maior
acesso ao recurso, amostrei oito agregações de gerrídeos em torno de presas de tamanho maior
(e.g. baratas d´água). Em cada agregação provoquei um deslocamento de ar próximo à
superfície da água, o que fazia com que os indivíduos do centro permanecessem consumindo
a presa e os indivíduos da periferia se dissipassem. Com a utilização de duas peneiras, coletei
207
imediatamente os indivíduos que permaneceram aderidos ao recurso (centro da agregação) e
os que se distanciaram (borda da agregação). Medi o comprimento do início da cabeça ao fim
do abdômen (mm) de cinco indivíduos do centro e cinco indivíduos da borda de cada
agregação. Considerei como indivíduos dominantes os que estavam no centro da agregação,
e como pilhadores, os que estavam mais próximos à borda da agregação.
Análises estatísticas
Para avaliar se o número de indivíduos aumenta exponencialmente com a área do recurso,
comparei, usando o critério de informação de Akaike, os ajustes de uma função linear e uma
função exponencial considerando a área do recurso como variável explicativa. Embora o
melhor ajuste tenha sido linear (veja Resultados), o modelo não se adequou bem. Portanto,
realizei uma correlação de Spearman para testar a significância da relação entre a área do
recurso e o número de indivíduos. Para mensurar a variabilidade no comprimento dos
gerrídeos, calculei o desvio padrão do comprimento dos indivíduos dentro de cada agregação.
Em seguida, utilizei uma regressão linear simples para testar se o aumento da área do recurso
estava associado a um aumento do desvio padrão no comprimento dos gerrídeos em cada
agregação. Para avaliar a relação entre o comprimento médio dos indivíduos com a área do
recurso consumido usei uma regressão linear simples. Por fim, para avaliar se os indivíduos
do centro da agregação são maiores que os indivíduos da borda, realizei um teste t pareado
usando os comprimentos médios dos indivíduos como variável resposta e a localização deles
no centro e na borda de cada agregação como variável preditora.
Resultados
Encontrei sete diferentes itens alimentares sendo consumidos pelos gerrídeos nas agregações:
baratas d´àgua, girinos, larvas de dípteros, efemerópteros, formigas, vespas e cigarrinhas. A
área mínima dos recursos foi 0,58 mm2, e a área máxima foi 33 mm2. Encontrei 753 gerrídeos
208
em agregações que variaram de 4 a 77 indivíduos. O critério de informação de Akaike
referente a relação entre o número de indivíduos e a área do recurso foi menor para a relação
linear (241,18) do que para a relação exponencial (244,1). O número de indivíduos (Rs=0,57;
n=28; p=0,001; Fig. 1A) e o desvio padrão do comprimento dos indivíduos em cada agregação
(F(1,26)=7,21; r2=0,21; p=0,013; Fig. 1B) aumentaram com a área do recurso. Por outro lado, o
comprimento médio (comprimento mínimo=0,5 mm e comprimento máximo=3 mm)
diminuiu em função o aumento da área do recurso (F(1,26)=6,30; r2=0,19; p=0,018; Fig. 1C).
Figura 1. Número de indivíduos (A), desvio padrão do comprimento dos indivíduos em cada
agregação (B) e comprimento médio dos gerrídeos em cada agregação (C) em relação a área
do recurso sendo consumido por gerrídeos em uma poça temporária na Amazônia Central,
Brasil.
0 5 10 15 20 25 30 35 40
Área do recurso (mm2)
0
10
20
30
40
50
60
70
80
Nú
mer
o d
e in
div
ídu
os
A
0 5 10 15 20 25 30 35 40
Área do recurso (mm2)
0
0,1
0,2
0,3
0,4
0,5
0,6
0,7
Des
vio
-pad
rão
B
0 5 10 15 20 25 30 35 40
Área do recurso (mm2)
2,1
2,2
2,3
2,4
2,5
2,6
2,7
Co
mp
rim
ento
méd
io (
mm
)
C
209
Em relação à minha segunda hipótese, o comprimento dos indivíduos do centro da
agregação (comprimento mínimo=2,36 mm e comprimento máximo=2,76) foi, em média,
cerca de 0,5 mm maior que os gerrídeos da borda (comprimento mínimo=1,88 e comprimento
máximo=2,42; t=4,04; gl=7; p=0,04; Fig. 2).
Figura 2. Comprimento médio dos indivíduos no centro e na borda da agregação de gerrídeos
consumindo um recurso alimentar em uma poça temporária na Amazônia Central, Brasil.
Discussão
O número de indivíduos não aumentou exponencialmente com a área do recurso. Portanto,
recursos menores não estão sendo monopolizados por um único indivíduo. Por outro lado,
como o tamanho médio deles diminuiu com o aumento do recurso enquanto o desvio padrão
aumentou, é possível que os recursos menores sejam dominados por alguns gerrídeos de maior
tamanho. De fato, os indivíduos mais próximos ao recurso foram maiores que os indivíduos
que estavam mais afastados, indicando que o tamanho do indivíduo deve determinar a
capacidade do gerrídeo em acessar um recurso.
Embora indivíduos maiores ocorram em presas menores, não deve haver
necessariamente um monopólio do recurso pois nenhuma presa foi dominada por um único
indivíduo. Quando uma presa se movimenta na água, os gerrídeos mais próximos são atraídos
(Braz et al. 2005). Entretanto, como presas menores tem menor perímetro para ser
monopolizado, isso pode fazer que os indivíduos maiores consigam se agregar e limitem o
210
acesso dos indivíduos menores. Presas maiores, por outro lado, podem favorecer a ocorrência
tanto de indivíduos maiores quanto de indivíduos menores. Ainda, presas maiores podem não
impor limitações para os gerrídeos se alimentarem, diminuindo assim a competição
intraespecífica e aumentando o compartilhamento da presa. No entanto, mesmo nessas
situações o tamanho dos indivíduos parece determinar uma ocupação privilegiada na presa.
Talvez, indivíduos maiores consigam acessar as presas mais rapidamente ou expulsar os
menores do centro das agregações.
Apesar do uso do recurso por gerrídeos variar entre as espécies (Braz et al. 2005), fui
capaz de mostrar que variações intraespecíficas podem produzir padrões semelhantes aos
padrões interespecíficos de competições por recursos. Portanto, embora diferentes espécies
possam apresentar estratégias de forrageio distintas, o padrão do uso dos recursos pode ser
mediado principalmente pela diferença de tamanho entre indivíduos e não necessariamente
pelas diferenças entre espécies.
Agradecimentos
Não posso deixar de começar agradecendo todos que me incentivaram a participar do EFA
tanto em Maringá quanto em Goiânia! Todos diziam que seria uma experiência incrível, e
realmente foi! Agradeço aos organizadores (Zé, Paulinho sorriso sincero e Paulinho Meeeo
Deeels) por prepararem um curso tão bacana! Em especial, agradeço aos Paulinhos por toda
a experiência, conselhos e conhecimentos transmitidos. Vocês se tornaram exemplos
profissionais e pessoais para mim! Raul e Paulinho, muito obrigada por todos os comentários,
sugestões e “mãos de fada” para a realização desse PI! Monitores Lucas e Raul: vocês são
muito queridos, obrigada por existir...haha! Obrigada por tudo, tenho certeza que terão um
lindo futuro profissional! Agradeço ainda todos os professores que passaram pelo curso pela
paciência e por todo o aprendizado: Bruno, Rodrigo, Chris, Mário, Jansen, Fabrício, Axpira,
Thiago Xauxau (Alles blau!), Laaaura, Gilberto, Ana e Joana. Ao seu Jorge e à dona Eduarda,
211
um muito obrigada não apenas pela comida gostosa mas principalmente pelo zelo e simpatia
(vamos comer essa po..! haha). E claro, agradeço aos meus novos amigos da Mazooonha por
tornarem esse período tão especial: Laaari minha parceira desde Goiânia; Giu Andróóógina,
obrigada por existir nesse EFA!; Gabi Porradinha, animando todos os nossos dias e todas as
festas!; Gabi Nóia obrigada pelo segundo curso de campo juntas e felizes; Flávio,
companheiro eterno de PO; RonRonzinho (palmas pro RonRon!), Bandidin (Hoje teeeeeeem),
Dani uma, chará querida; Mila Queen, Caminpa, Jú, Íssa, Maíra meu nome não é Mayara,
obrigada por toda a parceria em todos esses dias; Alê Profeta, Staloooooone por ser
Staloooone, Vomiiiitor, Nelson “Pinto”, Bruno Piroka e Paulo Bitoca, sempre gentis todos os
dias! Guardo cada um com muito carinho!
Enfim, foi lindo!
Referências
Begon, M., C.R. Townsend & J.L. Harper. 2006. Ecology: from individuals to ecosystems.
Oxford: Blackwell Publishing.
Bolnick, D.I., A. Priyanga, M.S. Araújo, R. Bürger, J.M. Levine, M. Novak, V.H.W. Rudolf,
S.J. Schreiber, M.C. Urban & D.A. Vasseur. 2011. Why intraspecific trait variation
matters in community ecology? Trends in Ecology and Evolution, 26:183-192.
Braz, M.I.G., A.G. Gainsbury, M. Rodrigues, V.T. Cardoso & W.R. Almeida. 2005. Relação
de tamanho de presa e comportamento de forrageio em Trepobates sp. (Heteroptera:
Gerridae): compartilhamento ou pilhagem? In: Ecologia da Floresta Amazônica (G.
Machado & H. Nascimento, eds.). Manaus: INPA.
Brown, J.L. 1969. Territorial behavior and population regulation: a review and re-evaluation.
Wilson Bulletin, 81:293-329.
Emlen, S.T. & L.W. Oring. 1977. Ecology, Sexual Selection, and the Evolution of Mating
Systems. Science, 197:215-223.
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Lovejoy, T.E. & R. Bierregard. 1990. Central Amazonian forest fragments and the minimum
critical size of ecosystems project. In: Four Neotropical Rainforests (A.H. Gentry, ed.).
New Haven: Yale University Press.
Peel, M.C., B.L. Finlayson & T.A. Mcmahon. 2007. Updated world map of the Köppen-
Geiger climate classification. Hydrology and Earth System Sciences, 11:1633-1644.
Triplehorn, C.A. & N.F. Jonnson. 2011. Estudo dos insetos. São Paulo: Cengage Learning.
Vieira, M.C. & P.E.C. Peixoto. 2012. Winners and losers: a meta-analysis of functional
determinants of fighting ability in arthropod contests. Functional Ecology, 27:305-
313.
213
A disponibilidade de nutrientes no solo aumenta o investimento radicular, mas não
a resistência foliar de Ischnosiphon arouma (Marantaceae)
Flávio Rogério de Oliveira Rodrigues
Introdução
As estratégias de vida dos organismos são resultado tanto de forças evolutivas quanto de
respostas imediatas ao ambiente em que vivem (Begon et al. 2006). A capacidade de um
genótipo expressar diferentes respostas morfológicas, anatômicas e fisiológicas em razão de
mudanças ambientais é conhecida como plasticidade fenotípica (West-Eberhard 1989). Tal
capacidade confere vantagens aos organismos em ambientes que apresentam mudanças
imprevisíveis, aumentando a aptidão média dos indivíduos de uma população (DeWitt &
Scheiner 2004). Por exemplo, plantas podem apresentar mudanças em características
morfológicas e fisiológicas quando expostas a competição interespecífica e em ambientes com
variações na disponibilidade hídrica e de nutrientes (Rice et al. 1993).
Em ambientes com alta disponibilidade de nutrientes e competição por luz, espécies
vegetais tendem a investir mais em crescimento vertical e na produção de folhas em
detrimento de crescimento radicular (Popma & Borgers 1988). Dessa forma, as plantas
aumentam a probabilidade de captação de luz. Por outro lado, em ambientes com escassez de
nutrientes é esperado que as plantas invistam mais em crescimento radicular, aumentando a
capacidade de obter nutrientes do solo (Aerts & Chapin 2000, Paz 2003). Nesse sentido, o
investimento radicular em detrimento ao investimento em crescimento aéreo pode constituir
uma demanda conflitante entre obtenção de nutrientes e assimilação de luz, dois componentes
chave para o estabelecimento e desenvolvimento das plantas (Tilman 1988). Dessa forma, a
plasticidade fenotípica destes atributos pode fazer com que indivíduos de uma mesma espécie
invistam de forma diferencial em crescimento radicular em relação ao crescimento aéreo ao
longo de um gradiente de disponibilidade de nutrientes no solo.
214
Ao mesmo tempo em que as plantas investem em biomassa aérea para a produção de
folhas, elas também devem garantir a proteção dessas folhas, especialmente em ambientes
com baixa disponibilidade de nutrientes, onde perdas foliares representam um custo elevado
para a planta (Coley et al. 1985, Endara & Coley 2011). Em locais com alta abundância de
herbívoros e taxas elevadas de herbivoria, como em florestas tropicais (Coley & Barone 1996),
plantas adotam estratégias para conciliar a obtenção de recursos e proteção das folhas (Coley
et al. 1985). Neste contexto, é esperado que em ambientes com baixa disponibilidade de
nutrientes e elevada abundância de herbívoros as plantas invistam proporcionalmente mais
em defesa estruturais (e.g. tricomas, dureza e espessura foliar) (Coley et al. 1985).
Em florestas de terra firme na Amazônia central, há uma marcante variação nas
características do solo associadas à topografia local. Áreas mais altas, denominadas platôs,
têm solos argilosos e mal drenados enquanto que áreas mais baixas, localmente chamadas de
baixios, possuem solos arenosos bem drenados com menor disponibilidade de nitrogênio
(Ribeiro et al. 1999, Luizão et al. 2004). Essa limitação nutricional deve tornar a produção de
folhas novas um processo custoso, de modo que estratégias para prevenir perdas foliares
devem ser favorecidas em baixios. Neste estudo avaliei qual é a resposta de Ischnosiphon
arouma (Aubl.) Körn. (Marantaceae) em relação à absorção de nutrientes, armazenamento de
energia e resistência da folha em baixios e platôs. Minha hipótese é que haja um investimento
proporcionalmente maior em crescimento radicular, maior acúmulo de reservas e mais defesa
estrutural em folhas de baixios comparados com indivíduos estabelecidos no platô.
215
Métodos
Área de estudo
Realizei este estudo em uma floresta de terra firme, localizado a 80 km ao norte de Manaus
na Área de Relevante Interesse Ecológico Projeto Dinâmica Biológica de Fragmentos
Florestais (ARIE - PDBFF) (02º24’S e 59º44’O), Amazônia central.
Coleta de dados
Eu fiz busca ativa por indivíduos de I. arouma jovens (altura entre 10 e 50 cm) em uma faixa
de 4 m de largura ao longo de 4 km de trilhas. Coletei 12 indivíduos nos platôs e 12 indivíduos
nos baixios, distando no mínimo 20 m entre si, para evitar a coleta de indivíduos clonais. Por
apresentar reprodução vegetativa, não amostrei plantas jovens conectadas a indivíduos com
caule lignificado.
Para avaliar a resistência da folha selecionei três folhas de cada indivíduo
completamente expandidas e com o menor grau de herbivoria possível. Utilizando dois
prendedores de roupa fixos em uma base de madeira (distância de 7 cm um do outro), mantive
as folhas tensionadas igualmente. Utilizei um perfurador de folhas, montado com um estilete
de triagem inserido dentro de um copo plástico de 25 ml. Para calcular a resistência da folha,
adicionei areia seca no recipiente do perfurador até o estilete romper a lâmina foliar.
Posteriormente, pesei a quantidade de areia necessária para perfurar a folha. Desse modo
obtive uma medida em unidades de massa que representa a pressão por área necessária para
perfurar a folha. Minha previsão é que uma maior massa de areia seca é necessária para
perfurar folhas de I. arouma provenientes do baixio do que folhas de indivíduos estabelecidos
nos platôs.
Para mensurar o investimento em absorção de nutrientes e em reservas energéticas
separei raiz e rizoma de cada indivíduo para obter, respectivamente, a massa seca de raiz e
216
rizoma. Para controlar o efeito do tamanho do indivíduo sobre a massa da raiz e do rizoma,
separei o pecíolo e limbo foliar de cada indivíduo para obter a massa seca da parte aérea. Cada
amostra foi seca em forno a 240 ºC durante 40 min e posteriormente pesada em balança digital
com precisão de duas casas decimais. Minha previsão é que nos baixios os indivíduos de I.
arouma apresentem maior investimento em massa seca de raiz fina e em rizoma.
Análise de dados
Para avaliar se indivíduos de I. arouma variam em relação ao investimento em massa de raiz
e rizoma entre baixio e platô realizei uma Ancova. Neste modelo as variáveis resposta foram
massa da raiz e massa do rizoma. Considerei o ambiente como variável independente (baixio
e platô) e a massa da parte aérea como covariável para controlar o efeito da diferença em
massa de raiz associada à diferença de tamanho entre as plantas. Transformei os dados em
logarítimo para garantir normalidade e homogeneidade dos resíduos. Para comparar a massa
necessária para perfurar a folha entre baixio e platô realizei um teste t. Fiz os testes no
programa R (R Core Team 2012).
Resultados
A massa seca total dos indivíduos nos baixios foi de 9,43±5,26 g (média±desvio padrão) e
4,58±4,75 g nos platôs. O investimento em crescimento radicular foi proporcionalmente maior
em indivíduos estabelecidos nos baixios (0,69±0,57 g) que nos indivíduos do platô (0,21±0,11
g; p<0,001; F(3,24)=16,56; Fig. 1). Do mesmo modo, a massa do rizoma foi maior em baixios
(3,23±3,39 g) que em platôs (0,69±0,61 g; F(3,24)=9,01; p=0,006; Fig. 2). No entanto, o
investimento em defesa estrutural foi similar nos indivíduos de baixio e platô (t=0,06; gl=22;
p=0,95).
217
Figura 1. Massa seca da raiz controlada pelo tamanho dos indivíduos de I. arouma em baixios
e platôs, Amazônia central, Brasil. As caixas representam o intervalo entre 25% e 75% dos
valores de massa seca da raiz. A linha horizontal dentro da caixa representa a mediana.
Figura 2. Massa seca do rizoma proporcional ao tamanho dos indivíduos de I. arouma em
baixios e platôs, Amazônia central, Brasil. As caixas representam o intervalo entre 25% e 75%
dos valores de massa seca do rizoma. A linha horizontal dentro da caixa representa a mediana.
Discussão
Neste trabalho encontrei que os indivíduos de I. arouma em baixios investem
proporcionalmente mais em massa de raiz e de rizoma comparado com os indivíduos
estabelecidos em platôs. No entanto, não houve investimento diferencial em resistência foliar
218
em locais com menor disponibilidade de nutrientes (baixio) comparado com áreas mais férteis
(platô).
A maior alocação em massa de raiz dos indivíduos de I. arouma nos baixios
comparados com aqueles estabelecido em platôs deve ser uma estratégia vantajosa em
ambientes com baixa disponibilidade de nutrientes (Rice et al. 1993, Reynolds & D’Antonio
1996). Como baixios tendem a ter o dossel mais aberto e receber mais luz no sub-bosque (Gale
2000), a maior limitação fisiológica deve estar associada à menor disponibilidade de
nutrientes nestes locais. Com isso, os indivíduos de I. arouma investem de forma diferencial
em massa radicular, o que permite uma absorção mais efetiva de nutrientes em baixios que
em platô.
Os indivíduos de I. arouma também investem proporcionalmente mais em massa de
rizoma quando estão localizados nos baixios que indivíduos nos platôs, o que indica uma
maior reserva energética no sistema radicular. Tais reservas podem garantir uma rápida
disponibilização de energia, capaz de garantir funções fisiológicas em ambientes instáveis,
como os baixios. Na Amazônia central, os baixios estão localizados entre vales e geralmente
associados a corpos d’água, sendo periodicamente lixiviados tanto pela chuva como pelo
transbordamento lateral dos corpos d’água. Assim, recursos absorvidos nos baixios são
convertidos em reserva energética na forma de rizoma, como uma estratégia eficiente em
locais com baixa capacidade de retenção de nutrientes (Luizão et al. 2004).
Apesar da maior limitação de nutrientes em baixios que em platôs (Chauvel et al.
1987), o investimento em resistência foliar foi similar em ambos os locais. Desse modo, os
indivíduos de ambas as áreas não devem investir de forma diferencial em resistência foliar.
Uma maior dureza das folhas e maior massa foliar por área tendem a diminuir a eficiência
fotossintética (Wright & Westoby 2002). Com isso, pode haver um ajuste, no qual indivíduos
dos baixios investem em maior área foliar específica em detrimento da dureza e massa foliar
por área.
219
Na Amazônia central, variações ambientais podem ocorrer em uma pequena escala
espacial associadas à topografia local, como por exemplo, na disponibilidade de nutrientes
entre baixios e platôs. Em I. arouma, a plasticidade fenotípica no sistema radicular associada
a mudanças na disponibilidade de recursos pode aumentar a probabilidade de estabelecimento
da espécie tanto em baixios como em platôs. Desse modo, a plasticidade fenotípica no sistema
radicular deve ser um atributo importante para o estabelecimento de espécies vegetais ao longo
de gradientes de disponibilidade de nutrientes.
Agradecimentos
Agradeço e boto fé em toda a equipe deste EFA! Vida longa a este curso! Gostaria de
agradecer ao Zé Luís que sempre soube da minha vontade em participar e me incentivou
momentos pontuais durante 6 anos de espera. Ao Paulinho pai e Paulinho mãe pela
prestatividade e disponibilidade em ajudar, mesmo com mil coisas rolando ao mesmo tempo.
A calma e feeling para perceber o ambiente, fazem toda a diferença nesse curso. A Dona
Eduarda e Seu Jorge, pelos rangos providenciais, especialmente as caldeiradas e costelinhas
fritas de tambaqui. Aos monitores Rauzito e Lucas pela parte técnica das correções dos
manuscritos e dicas cientificas, e pela parceria nos momentos de “folga”! Aos professores de
forma geral que agregaram muito e fizeram desta turma a melhor de todas!! A todos os
companheiros de EFA que tornaram os dias, menos dias, e o tempo em mera convenção da
sociedade. Valeu mesmo!
Referências
Aerts, R. & F.S. Chapin III. 2000. The mineral nutrition of wild plants revisited: a re-
evaluation of processes and patterns. Advances in Ecological Research, 30:1-67.
Begon, M., C.R. Townsend & J.L. Harper. 2006. Ecology: from individuals to ecosystems.
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Chauvel, A., Y. Lucas, R. Boulet. 1987. On the genesis of the soil mantle of the region of
Manaus, central Amazonia, Brazil. Experientia, 43:234-241.
Coley, P.D., J.P. Bryant & F.S. Chapin III. 1985. Resource availability and plant antiherbivore
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Coley, P.D. & J.A. Barone. 1996. Herbivory and plant defenses in tropical forests. Annual
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DeWitt, T.J. & S.M. Scheiner. 2004. Phenotypic plasticity: functional and conceptual
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Endara, M.J. & P.D. Coley. 2011. The resource availability hypothesis revisited: a meta-
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Luizão, R.C.C., F.J. Luizão, R.Q. Paiva, T.F. Monteiro, L.S. Sousa, B. Kruijt. 2004. Variation
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Paz, H. 2003. Root/shoot allocation and root architecture in seedlings: variation among forest
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Popma, J. & F. Borgers. 1988. The effect of canopy gaps on growth and morphology of
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identificação das plantas vasculares de uma floresta de terra firme na Amazônia
central. Manaus: INPA.
Rice, K.J., D.R. Gordon, J.L. Hardison & J.M. Welker. 1993. Phenotypic variation in
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Tilman, D. 1988. Plant strategies and the dynamics and structure of plant communities.
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West-Eberhard, M.J. 1989. Plasticity phenotypic and the origins of diversity. Annual Review
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Wright, I.J. & M. Westoby. 2002. Leaves at low versus high rainfall: coordination of structure,
lifespan and physiology. New Phytologist, 155:403-416.
222
As aranhas Paratrechalea sp. selecionam habitats que conferem proteção à
ooteca?
Gabriela Decker
Introdução
Ambientes naturais são heterogêneos e fornecem habitats que diferem em relação à qualidade
das condições e recursos (e.g Holmes et al. 1999). A seleção natural favorece indivíduos que
apresentam estratégias de seleção de habitat que maximizem a sobrevivência e o sucesso
reprodutivo. A escolha dos indivíduos é mediada por características relacionadas às condições
do ambiente, à disponibilidade de presas, à parceiros sexuais e à suscetibilidade a predadores
(Morin 1999). Entretanto, características como a idade e eventos reprodutivos podem alterar
a escolha do habitat. Organismos que durante o período reprodutivo investem no cuidado
parental precisam selecionar habitats que garantam a sobrevivência da prole (Gonzaga 2007).
Habitats que favorecem a sobrevivência da prole podem ser hostis em termo de
condições e recursos aos indivíduos que estão cuidado dos filhotes. Assim, o investimento na
proteção e alimentação da prole pode ser uma atividade altamente custosa. Ao reduzir o tempo
no qual o organismo pode forragear, há aumento na alocação de energia para atividades que
não estão relacionadas ao seu próprio crescimento e manutenção (Clutton-Brock 1991). Além
disto, pode haver redução nas taxas de sobrevivência, uma vez que os organismos ficam mais
expostos a predação enquanto cuidam dos filhotes (Krebs & Davies 1993). Entretanto, garantir
a sobrevivência dos descendentes é fundamental para o sucesso reprodutivo dos indivíduos,
sendo assim, selecionar um habitat que não forneça proteção à prole pode ser mais custoso ao
organismo quando comparado às perdas em relação à aquisição de recursos.
Em alguns grupos de aracnídeos, a presença do cuidado parental é indispensável para
a sobrevivência dos filhotes. Algumas aranhas podem investir na sobrevivência da prole por
meio da produção da ooteca. A ooteca é um invólucro produzido com fios de seda que ajuda
223
a manter os ovos unidos, mantendo as condições adequadas de umidade e temperatura e
conferindo proteção contra parasitoides. Outras espécies investem no cuidado parental
fornecendo alimento e abrigo durante os estágios iniciais de desenvolvimento dos filhotes. A
nutrição da prole promove o atraso na dispersão e reduz as taxas de canibalismo entre os
filhotes. Sendo assim, em aranhas, a produção de ooteca e a alimentação dos filhotes são
investimentos essenciais para a sobrevivência da prole e para garantir o sucesso reprodutivo
da espécie (Gonzaga 2007).
As aranhas da espécie Paratrechalea sp. (Araneae: Trechaleidae) são predadoras que
durante atividade de forrageio se posicionam em troncos e em superfícies de folhas próximas
a corpos de água (Silva et al. 2005, Couto 2011). Estes locais são favoráveis à caça, contudo
são hostis por haver intensa atividade de predadores. Ao longo do período reprodutivo, estas
aranhas envolvem seus ovos em ootecas, e por utilizarem suas quelíceras e os pedipalpos para
segurar a ooteca, são impossibilitadas de caçar. Dado que durante o período de cuidado
parental a aranha não pode caçar e os locais de forrageio oferecem riscos de predação à ooteca,
eu espero que aranhas que estão cuidando da ooteca devem alterar os locais de ocorrência.
Minha hipótese é que as aranhas que estão apresentando cuidado parental devem selecionar
ambientes distantes dos locais com maior risco de predação e que confiram proteção à ooteca.
Se as aranhas com ooteca selecionam habitats com maior proteção eu espero que (i)
aranhas com ooteca irão se posicionar em locais mais distantes do corpo de água, pois as áreas
mais próximas da água apresentam maiores riscos de predação à ooteca; (ii) aranhas com
ooteca irão se posicionar na base da folha, porque na inserção foliar a aranha pode estar mais
protegida por ficar menos exposta ao predador. Além disto, por estar mais próxima a base
foliar, ela pode fugir rapidamente na presença de ameaça; iii) aranhas com ooteca irão escolher
locais cobertos por galhos e folhas, pois a presença de estruturas vegetais confere proteção
por dificultar a visualização do predador.
224
Métodos
Área de estudo
Realizei o estudo em um riacho de água doce localizado no km 41, Fazenda Esteio,
pertencente à Área de Relevante Interesse Ecológico do Projeto de Dinâmica Biológica de
Fragmentos Florestais (ARIE PDBFF). A ARIE está localizada a 80 km ao norte de Manaus
(2°24’ S - 59°43’ O) é formada por floresta contínua de terra firme e abrange uma área de
aproximadamente 10.000 ha de floresta ombrófila densa (Bruna et al. 2004).
Coleta de dados
Para investigar o efeito do cuidado parental de aranhas Paratrechalea sp. na seleção de habitat
eu mensurei características do ambiente de 16 aranhas que estavam cuidando de ooteca e de
17 aranhas que não estavam cuidando de ooteca. Para caracterizar o ambiente, em relação à
proteção conferida a aranha, eu mensurei a distância da aranha em relação ao corpo de água
do riacho, a posição da aranha na superfície foliar e a existência de estruturas vegetais acima
e abaixo da folha na qual a aranha estava posicionada.
Eu busquei ativamente por aranhas adultas de Paratrechalea sp. ao longo da margem
de um riacho. Ao encontrar cada aranha, eu identifiquei se ela estava ou não carregando a
ooteca. Para avaliar o afastamento da aranha em relação à água eu mensurei a distância entre
a aranha e o corpo de água. Para avaliar a posição da aranha na folha, eu avaliei se a aranha
estava posicionada na região mais basal ou na região mais apical da folha. Para investigar se
as aranhas estavam selecionando ambientes menos visíveis a predadores, eu avaliei se haviam
estruturas vegetais obstruindo a visualização da aranha, e categorizei o local como obstruído
e não obstruído.
225
Análises estatísticas
Para testar se as aranhas com ooteca estão mais distantes da água do que aranhas sem ooteca
eu utilizei o teste t. Para investigar se a ocorrência de aranhas com ooteca e sem ooteca
diferiam em relação à posição na folha e a presença de obstruções acima e abaixo eu utilizei
o teste qui-quadrado para cada variável.
Resultados
Eu analisei 33 aranhas, das quais 16 estavam cuidando de ooteca e 17 não estavam em período
reprodutivo. Eu encontrei diferença na seleção de habitat por aranhas com e sem ooteca. As
aranhas com ooteca estavam em locais em média 2,42 vezes mais distantes da água do que as
aranhas sem ooteca (t=2,197, gl=31, p=0,018) (Fig. 1). As aranhas com ooteca foram
encontradas mais frequentemente em locais com obstrução de vegetação abaixo delas (14 dos
16 indivíduos) e as aranhas sem ooteca preferiram locais onde não havia obstrução abaixo
delas (15 dos 17 indivíduos) (χ2=9,409, gl=1, p=0,002) (Fig. 2a). Porém, as aranhas com
ooteca não diferiram em relação aos locais com obstrução acima (8 indivíduos em cada
categoria ) (Fig. 2b), enquanto que, as sem ooteca preferiram locais sem obstrução acima (13
de 17 indíviduos) (χ2=2,496, gl=1, p=0,114). As aranhas com ooteca se posicionaram de
forma similar na base (9 dos 16 indivíduos) e no ápice (7 dos 16 indivíduos) das folhas. As
aranhas sem ooteca preferiram ficar mais próximas do ápice (14 dos 17 indivíduos) (χ2=5,308,
gl=1, p=0,021) (Fig.3).
226
Figura 1. Distância média da água do riacho para aranhas que estavam cuidando de ooteca e
para aranhas que não estavam cuidando de ooteca. A barra representa o erro padrão.
Figura 2. Frequência das aranhas que estavam cuidando de ooteca e de aranhas que não
estavam cuidando de ooteca em ambientes obstruídos por estruturas da vegetação abaixo
227
Figura 3. Frequência das aranhas que estavam cuidando de ooteca e de aranhas que não
estavam cuidando de ooteca no ápice e na base das folhas.
Discussão
Aranhas que apresentam cuidado parental alteram o seu local de ocorrência quando
comparadas a aranhas que não estão em período reprodutivo. As aranhas com cuidado
selecionaram preferencialmente habitats que possam conferir proteção a ooteca. O
investimento energético para produção dos ovos de Paratrechalea sp. deve ser alto,
justificando os custos adicionais de proteção da ooteca. Isto pode indicar que a evolução do
cuidado parental em Paratrechalea sp. está associada a evolução deste grupo em ambientes
com altos riscos de predação.
As aranhas com ooteca ocupam locais na vegetação mais distantes da água do que as
aranhas sem ooteca. As aranhas devem ocorrer mais distantes da água para se afastar dos
predadores. Além disso, aranhas com ooteca selecionaram locais com obstruções abaixo da
folha na qual elas estavam posicionadas. Possivelmente, a seleção de locais mais obstruídos
pode dificultar a detecção das aranhas por predadores de solo que são visualmente orientados.
As aranhas com ooteca não selecionaram locais com obstruções na porção superior. A
presença de predadores voadores noturnos como morcegos e insetos que atacam estas aranhas
228
deve ser baixa, assim, não há uma pressão que faça com que estas aranhas procurem locais
que dificultem visualização deste tipo de predador. Por outro lado, as aranhas com ooteca
selecionaram folhas sem obstruções na face superior. A presença de obstruções pode não ser
vantajosa para aranhas sem ooteca, pois elas predam insetos voadores e as obstruções
poderiam prejudicar a caça.
As aranhas que estavam cuidando da prole não apresentaram diferenças no
posicionamento na folha e ocorreram de forma similar na base e no ápice da folha. As aranhas
sem ooteca se concentraram preferencialmente no ápice destas. As aranhas sem ooteca se
posicionam no ápice da folha, pois esta posição otimiza a atividade de forrageio próximo à
agua (Silva et al. 2005). É provável que, como as aranhas que estão cuidando da ooteca
preferem locais mais protegidos, o posicionamento na folha seja irrelevante para a proteção
da ooteca. Assim, a presença de obstruções deve ser o fator mais importante para proteção da
ooteca.
Além dos riscos associados à predação, estas aranhas também sofrem com ataques de
parasitoides. Hymenopteros parasitoides da família Ichneumonidae e Scelionidae foram
registrados em 3 ootecas de uma população de Paratrechalea sp. coletada na mesma área de
estudo (Siqueira 2014). Os parasitoides consomem os ovos presentes na ooteca, apresentando
um potencial risco ao sucesso reprodutivo das aranhas. Entretanto, estes parasitoides são
quimicamente orientados e a seleção de locais que são visualmente obstruídos não seria
relevante para proteção contra estes organismos. Dado que a frequência de parasitoides em
ootecas de Paratrechalea sp.é baixa (3 ootecas parasitadas em 18), a pressão de parasitismo
não deve modular a seleção de habitat nestas aranhas.
Em conclusão, aranhas que estão em período de cuidado parental selecionam habitats
que irão conferir proteção à prole. Essa seleção deve estar relacionada principalmente aos
altos riscos de predação existentes nos locais onde as aranhas forrageiam. A seleção do habitat
durante o cuidado da ooteca esta relacionada com o distanciamento do predador e redução da
229
capacidade de detecção visual dos predadores. Isto sugere que a principal pressão de predação
à ooteca é conferida aos predadores do solo que são visualmente orientados. Os altos custos
de produção dos ovos, associados à intensa pressão de predação devem ser os principais
mecanismos que favorecerão a manutenção do comportamento de cuidado parental em
Paratrechalea sp.
Agradecimentos
Primeiramente, agradeço aos coordenadores, ao PDBFF e ao INPA pela oportunidade de
participar deste curso. Esta foi sem dúvida, uma das experiências mais incríveis que eu tive
oportunidade de vivenciar.
Agradeço em especial ao Paulinho mãe “Bunita” “Del Fuego” e ao Paulinho pai
“Morcego” “Meeel Deus”, por toda dedicação, paciência e comprometimento com nosso
aprendizado.
Paulinho “Del Fuego”, você é o cara! Jamais esquecerei a sua incrível capacidade de
nos fazer rir mesmo nas aulas de estatística logo após o almoço, debaixo da uma lona e com
sensação térmica de 50 graus. Você é a essência do EFA! Atoro seu pericoooon!
Uma obrigada especial à Joana pela revisão deste trabalho.
Ao “Xechéu” “Chachau”, pela revisão e orientação durante a elaboração deste
trabalho. Obrigada por nos introduzir ao incrível mundo das aranhas! Por toda força e
incentivo e por nos divertir compartilhando as histórias dos EFAs anteriores.
Um salve ao Ale “Profeta”, parceiro do campo na caça as aranhas e ootecas. “Eu quero
meu PI no céu, no no no céu...”.
Gostaria de agradecer também a todos os professores que vieram para fazer o curso
melhor. Ao Bruno “Carioca Mala Marrento” pela introdução do regime militar no EFA e pela
orientação e apoio no PO aterrorizante dos “atributox funcionaix”. Ao Rodrigo pela orientação
do PO “herbivoria-demanda conflitante”. Ao Xechéu pela orientação no PO das teias muitcho
230
loucas. Ao Gilberto pela paciência durante o campo do PO das aranhas no super-bond.
Agradeço também aos outros professores, Cris, Mario, Ana, Laura “Pezão”, Danilo “Axpira”,
Janzen e Fabricio que foram sempre muito solícitos a atenciosos na elaboração dos nossos
PLs.
Um agradecimento sincero também aos queridos e prestativos monitores, Lucas “Pão
de queijo” “Noossa” e Raul “O gigante”. Obrigada pela ajuda nos campos, nas elaborações
do relatório, parceria nos Igarafests e por aguentarem as nossas chatices e desesperos.
Aos fofos e queridos, seu Jorge, aquele que tudo sabe e tudo vê e a dona Eduarda, por
cuidarem da gente e nos paparicarem com os doces maravilhosos.
Aos 20 efanos, gonorantes, sortudos e insanos, minha eterna gratidão em ter
compartilhado essas 3583 quartas-feiras com vocês! Nós somos um grupo e não uma
cambada! À minha chara, mongolona Gabi “Gaúcha” “Porradinha” pela parceria e por
encantar a todos sendo essa “coisa querida” e me alimentar com chocolates, todynhos e
salgadinhos. À AndroGiuna não só pela parceria durante o EFA mas também pelos conselhos
pré-EFA. Obrigada por me fazer passar frios nas noites do km41, afinal, quem precisa de saco
de dormir na Amazônia, rsrs. À Dani “Peste” e à “Princesa Larica”, companheiras em
desbravar Manaus! Jamais me esquecerei do nosso passeio seguro ao porto, da fuga do
mendigo e da “deliciosa” e “barata” pizza de camarão em frente ao teatro. Ao casal mais
divertido do EFA, Dani “Sutra” e Bandidim “Hoje teeeeem!”. A Íssa, a espanhola mais
estilosa do EFA (desculpe pela delicadeza com que tratei os girinos do seu experimento). À
todas as integrantes do clube da Luluzinha, parceiras nas loucuras, fofocas e passeios insanos
na caçamba da caminhonete. Maira “Gataaam” “Sararazinha”, Mila “Queen”, Júlia e
CamINPA. Aos integrantes do clube do bolinha, que por aguentarem as retardadices da ala
feminina, “Vomiiiitor” pelas caipirinhas que agregam valor aos igarafests, Paulo “Bitoca”
pelas aulas circenses, a unidade “Piroca” & “Piroca”, RonRonZinho “Palmas pro RonRon”,
Flávio “Boto Fé” e Staloooooooooone.
231
Um agradecimento mais que especial aos meus queridos pais Agostinho e Teresinha e
à minha irmã Rafaela. Obrigada por entenderem e sempre apoiarem as minhas “aventuras”
por esse mundão afora. Amo vocês!
Estou imensamente feliz por fazer parte da família EFA! Aprender a fazer ciência em
plena “Mazônha” com pesquisadores incríveis foi certamente, uma das melhores experiências
da vida! Nem acabou e já sofro de saudades. Melhor impossível! TÂMO JUNTO!
Referências
Bruna, E.M., D.M. Lapola & H.L. Vasconcelos. 2004. Interspecific variation in the defensive
responses of obligate plant-ants: experimental tests and consequences for herbivory.
Oecologia, 138:558-565.
Couto, T.B.A. 2011. O que determina a escolha de locais de caça por aranhas pescadoras
(Trechaleidae)? In: Ecologia da Floresta Amazônica (J.R.C. Camargo, P.E.D.
Bobrowiec & P.E.C. Peixoto, eds.). Manaus: INPA.
Clutton-Brock, T.H. 1991. The Evolution of Parental Care. Princeton University Press,
Princeton, NJ.
Gonzaga, M.O. 2007. Sociabilidade e cuidado parental. In: Ecologia e comportamento de
aranhas (M.O. Gonzaga, A.J. Santos & H.F. Japyassú, eds). Rio de Janeiro:
Interciência.
Holmes, R.T., P.P. Marra & T.W. Sherry. 1996. Habitat- specific demography of breeding
black-throated blue war- blers (Dendroica caerulescens): implications for population
dynamics. Journal of Animal Ecology, 65:183–195.
Krebs, J.R. & N.B. Davies. 1993. An introduction to behavioural ecology. Oxford: Blackwell
Publishing.
Silva, E.L.C., J.B. Picanço & A.A. Lise. 2005. Notes on the predatory behavior and habitat of
Trechalea biocellata (Araneae, Lycosoidea, Trechaleidae). Biociências, 3:85-88.
232
Siqueira, A.C. 2014. Maior investimento em prole aumenta os custos do cuidado parental em
aranhas. In: Ecologia da Floresta Amazônica (J.R.C. Camargo, P.E.D. Bobrowiec &
P.E.C. Peixoto, eds.). Manaus: INPA.
Morin, P.J. 1999. Community ecology. Blackwell Science, Oxford.
233
Se piscar o predador pega, se piscar a larva come: bioluminescência em larvas de
coleópteros (Lampyridae)
Gabriela Pacheco Hass
Introdução
Muitos organismos utilizam sinais para comunicação, tais como movimentos específicos,
pistas químicas, estímulos auditivos e visuais (Barbosa & Castellanos 2005). Estes sinais são
utilizados principalmente para obtenção de parceiros reprodutivos, evitação de predadores e
localização e captura de presas (Barbosa & Castellanos 2005). Um estímulo visual utilizado
por vários organismos (e.g. bactérias, fungos, algumas plantas e 11 filos animais) é a
bioluminescência, que consiste na produção de luz por meio da oxidação de uma substância
chamada luciferina (Grimaldi & Engeli 2005, Triplehorn & Jonnson 2011).
A bioluminescência em insetos é um tipo de sinalização visual que ocorre
esporadicamente em Diptera (e.g. Mycetophilidae) e frequentemente em Coleoptera (e.g.
Elateridae e Lampyridae; Lloyd 1983). Nos besouros lamparídeos, este sinal visual serve para
atrair parceiros sexuais e por isso apresentam duração, frequência, rítmo e intensidade
distintos para cada espécie (Grimaldi & Engeli 2005). Embora a emissão destes sinais
luminosos apresente vantagens importantes, este tipo de sinalização também pode acarretar
algumas desvantagens. Uma das principais desvantagens é que a emissão de luz tem um custo
energético bastante alto (Triplehorn & Jonnson 2011, Wood 1995). Além disso, a emissão de
sinais luminosos aumenta a chance de predação por organismos visualmente orientados
(Barbosa & Castellanos 2005). Visto isso, o objetivo do investimento neste atributo e a sua
vantagem para os indivíduos dos grupos onde esse fenômeno ocorre ainda são bastante
discutidos.
A bacia Amazônica possui um complexo de riachos denominados localmente como
igarapés. Áreas adjacentes aos igarapés são habitadas por larvas de coleópteros Lampyridae
234
que são predadoras e apresentam órgãos fóticos nos esternitos abdominais. Se estes indivíduos
não estão em estágio de desenvolvimento potencialmente reprodutivo e se a bioluminescência
poderia deixar estes animais mais susceptíveis a predação, me questionei qual a vantagem do
investimento em bioluminescência para essas larvas. Há registros de fêmeas de algumas
espécies de lamparídeos predadores que mimetizam as emissões luminosas de outras espécies
para atrair os machos e predá-los (e.g. Photuris, Grimaldi & Engeli 2005; Triplehorn &
Jonnson 2011), assim como existem larvas de Elateridae que utilizam sua luminosidade na
captura de presas (Pyrearinus termitilluminans, Grimaldi & Engeli 2005). Considerando o
exposto acima, a minha hipótese é que a emissão de sinal luminoso por larvas de coleópteros
está relacionada com a obtenção de alimentos.
Métodos
Área de estudo
Realizei este estudo em uma floresta de terra firme na Amazônia Central, em uma área
localizada a aproximadamente 80 km ao norte de Manaus, Brasil. Conhecido como
acampamento do Km 41. O local está inserido na Área de Relevante Interesse Ecológico
Projeto Dinâmica Biológica de Fragmentos Florestais (ARIE-PDBFF) (02º24’S e 59º44’O),
que abrange aproximadamente 10000 ha (Bierregaard et al. 2001). O clima da região é tropical
do tipo Am – tropical úmido de monções de acordo com a classificação de Köppen-Geiger
(Peel et al. 2007), caracterizado por possuir uma estação seca com precipitação média de
1900 mm/ano (junho-outubro) e uma estação chuvosa com precipitação média de 2500
mm/ano (novembro-maio; Ferreira & Laurance 1997). A temperatura média anual é de 26,7
ºC e a precipitação pluviométrica anual média é de 2300 mm (INMET, 2014).
235
Coleta e análise de dados
Observei e coletei 22 larvas de coleópteras do tipo campodeiforme da Família Lampyridae
que estavam emitindo luz, durante o período noturno. Para cada indivíduo, foi contado o
número de vezes que as larvas emitiram sinais luminosos em um intervalo de tempo de 5 min.
Utilizei este valor como indicativo do investimento das larvas em emissão luminosa.
Para avaliar o estado nutricional das larvas, utilizei a medida de condição corporal de
cada indivíduo, medi a sua massa em uma balança com precisão de 0,001 g e as suas
dimensões corporais, tais como comprimento e largura, com paquímetro digital. Estimei o
volume corporal por meio da fórmula ovoide-elipsoide: V=4/3π(C/2)(L/2)², onde C é o
comprimento corporal e L a largura (Dunham 1983). Calculei a densidade corporal de cada
indivíduo pela razão entre massa e volume do corpo. Utilizei o valor da densidade corporal
como indicador da condição corporal do indivíduo. Considerei que indivíduos menos densos
apresentam melhor condição corporal, por possuírem maior reserva de gordura. Para testar se
indivíduos que emitem maior frequência de sinais luminosos apresentam menor densidade
corporal fiz uma regressão linear simples considerando o número de emissões de luz como
variável independente e densidade corporal como variável dependente. Se indivíduos
investem em emissão de luz como uma estratégia para captura de presas, eu espero que
indivíduos que emitem sinais de luz em maior frequência apresentem menor densidade
corporal.
Resultados
Larvas emitiram luz, em média, 34±14 vezes por 5 min. (média±desvio padrão). A densidade
corporal média das larvas foi 2,3±0,7 mg/cm³. Larvas que investem mais em emissão de luz
não apresentam menor densidade corporal (F(1,2)=5,75; r² (ajustado)= 0,18; p=0,026; Fig.1).
236
Figura 1. Relação entre o número de emissões luminosas de larvas de Lampyridae
(Coleoptera) e a densidade corporal das larvas (g/mm³), em área adjacente a um igarapé na
Amazônia Central.
Discussão
Larvas que investem mais em emissão de luz não exibem melhor condição corporal. Então,
as larvas que investem mais em sinais luminosos não parecem ter vantagem na captura de
presas. Isto indica que a sinalização não está unicamente relacionada com a obtenção de
alimento.
Ao longo das análises, observei que as larvas que tinham maior densidade e emitiam
mais sinais luminosos eram também aquelas com maior tamanho corporal. Durante o
desenvolvimento larval (instares) dos coleópteros, os indivíduos são geralmente semelhantes
em forma, aumentando apenas em tamanho (Triplehorn & Jonnson 2011). Ao longo do
crescimento, larvas precisam de mais energia para sustentar suas taxas metabólicas mais
elevadas, o que explicaria a baixa reserva de gordura em larvas maiores. Desta forma, levantei
a hipótese a posteriori de que o investimento em emissão luminosa estaria relacionado com a
idade dos indivíduos. Para avaliar isso, realizei uma regressão linear considerando o
comprimento do corpo como variável independente e número de emissões de luz como
237
variável dependente, obtendo um resultado significativo (F(1,2)=9,8; r² (ajustado)= 0,29; p=0,005;
Fig.2). Desta forma, existe um padrão onde indivíduos menores investem menos em emissão
de luz e que, à medida que os indivíduos se desenvolvem, este investimento aumenta. Estes
resultados sugerem que a emissão de luz nesses insetos não atua primariamente para a atração
de presas para alimento.
Figura 2. Relação entre o comprimento corporal (mm) e o investimento em emissão luminosa
por larvas de Lampyridae (Coleoptera), em área adjacente a um igarapé na Amazônia Central.
Uma das possíveis explicações para os resultados encontrados é que ocorra um
balanço entre vantagens na obtenção de alimentos e desvantagens com a emissão de sinais
luminosos em larvas de Lampyridae (Coleoptera). Um exemplo deste impasse
comportamental pode ser observado em anfíbios onde, a vocalização é emitida para atração
de parceiros sexuais, embora aumente as chances de serem detectados por predadores (Wells
2007). É possível que larvas pequenas sejam mais susceptíveis à predação por terem menor
chance de escape frente ao predador. Por outro lado, pequenas quantidades de alimentos são
suficientes para suprir sua demanda energética para realizar suas atividades. Logo, emitir
poucos sinais luminosos pode ser suficiente para garantir o retorno energético necessário e
reduzir a exposição a predadores. À medida que as larvas crescem elas têm mais habilidade
238
de escape de predadores. Contudo, necessitam de mais energia para suas atividades, fazendo
com que invistam mais em sinais luminosos. Considerando que a emissão de luz é um
processo energeticamente custoso (Wood 1995), à medida que as larvas sinalizam mais, elas
gastam mais energia e consequentemente, reservam menos gordura. Neste sentido, o maior
investimento em sinais luminosos por larvas de instares mais tardios (mais “velhas”) sugere
que estas larvas estejam investindo mais em atração de presas, embora a liberação deste sinal
implique em um maior gasto energético. Esta hipótese é apoiada pelas relações encontradas
entre o tamanho e a densidade corporal das larvas e o seu investimento em emissão de luz
(Figuras 1 e 2).
Por meio deste estudo concluí que larvas maiores (instares mais tardios) exibem uma
reserva energética mais baixa e apresentam um maior investimento em sinal luminoso. Por
outro lado, larvas menores (instares mais iniciais) possuem maior quantidade de gordura e
investem menos em emissão de sinal luminoso. Sendo assim, sugiro a hipótese que o sinal
luminoso pode atuar como uma forma secundária na atração de presas, mas que deve ser
regulada por outras pressões, como a de predação por organismos visualmente orientados.
Agradecimentos
Ao PDBFF e ao INPA pela disponibilização de toda a sua estrutura e investimento sem
os quais este sonho não teria sido realizado.
Ao “dono do curso” José Camargo pela dedicação e por “fantasmagoricamente” estar
sempre cuidado de todos nós.
Ao Paulinho Enrique “Mãe Bunita” e Paulinho Estefano “Papi Morcego” por terem
me selecionado e proporcionado essa experiência inenarrável, na qual pude aprender
muuuuito sobre (n) coisas, as quais nunca tinha tido contato. Além disso, por terem me
instigado a observar os fatos, fazer mais perguntas, montar hipóteses e refletir sobre previsões,
ou seja, por a cachola para pensar! Especialmente, “Mãe bunita (e baranga é claro) obrigada
239
pelos “esporros”, pelas risadas e diversão, mas principalmente, te agradeço por me motivar a
correr atrás para sanar as minhas deficiências e me encorajar e mostrar que eu sei e que eu
posso! “Papi Morcego (bate o cabelo vai) quero te agradecer pelos conselhos sérios (alguém
tem que ser né), pelos momentos de conversa e passagem de conhecimento que me fizerem
pensar muito, mas em especial, por ter sido parceirão em atolar no lodo em plena escuridão
em busca das larvas piscantes do capeta!
Aos integrantes do “alto clero” que nos acompanharam ao longo destas intensas 30
quartas-feiras, sempre dispostos a conversar, tirar dúvidas, ensinar, discutir e passar trabalho,
mas o mais incrível, sempre com sorriso nos rostos e nos tratando de igual para igual. Chris
Corrêa, Mário Almeida-Neto, Bruno Rosado, Rodrigo Cogni, Jansen Zuanon, Axpira Muniz,
Fabrício Baccaro, Gilbero Saltos, Joanna e Ana Andrade, o meu muito obrigada por
disponibilizarem um pouquinho do precioso tempo de vocês para o nosso crescimento!
Gostaria de dizer um “vlw por tudo” especial para os dois teachers que mais tive contato e
que me ajudaram demais durante os últimos PÓ’s e PI, Tiago Kloss “Chau-Chau” e Laura
Leal “Pezão do Capeta”. Laura, adorei conhecer mais sobre o mundo das formigas, foi demais!
Juro que vejo-as com outros olhos agora. E obrigada pelas infinitas e pacienciosas explicações
sobre tudo, e principalmente no PI da “piscância”. Chau-chau, trabalhar contigo foi muito tri,
pois une aprendizado e diversão, além disso, queria te agradecer principalmente por abraçar a
ideia das larvas do capeta comigo! Teachers queridos e loucos vlw por isso e todas as demais
loucuras! Adorei abusar de vocês, thsssss!
Aos melhores e mais fofos, dedicados e amigos monitores de todos os EFAS (tenho
certeza que são) “Pão de Queijo” e “Gigante da Guerra”: Lucas, obrigada pelos diários
“eaimm gaúcha” demonstrando um carinho (de irmão mesmo) que sempre senti receber de ti,
pelas aulas de capoeira (vou começar a fazer certo) e por toda a força nas mill versões dos
trabalhos intermináveis. Raulzito, nooooossa quero que saiba que tu foi um amigão muito
importante para mim ao longo destes dias eternos e intensos do EFA, só tenho a te agradecer
240
por todo o carinho, pelos papos cabeças e pelos nem tão cabeças kkk, pelos abraços
inesperados que fazem tanta falta nesta nossa vida paralela, e por sempre acreditar no meu
potencial e fazer com que eu mesma acreditasse. Guris, vocês fizeram toda a diferença neste
curso, agradeço por ter tido monitores tão queridos, e que ajudaram este sonho ser exatamente
como sonhei! Obrigada pela preocupação, companheirismo e pelos conselhos de veteranos de
EFA, foram muuuuito importantes. E, talvez vocês não saibam, mas vocês dois fizeram a
gaúcha aqui se sentir muito especial no curso! (visualizei aquela cara do Paulinho agora kkkk)
Ao seu Jorge “Mundinho” por todas as suas porradices, que divertidamente
coordenava nossos horários de rango e, além disso, ficou firme e forte sempre parcerão nas
festas. A dona Eduarda pelo carinho e pelos pudins e bolos deliciosos dos deuses!
Queria agradecer a amizade e coleguismo de todos os guris do curso, “Bandidin”, “Bitoka”,
“Boto Fé” “Pinto”, “Piroka”, “Profeta”, “RonRon”. “Stallone” e “Vomito”. Foi muito legal
conviver, estudar e dividir toda essa experiência com vocês, foram incríveis!!! Mas o meu
agradecimento mais que especial vai para todas as gurias que arrasaram em amizade,
companheirismo, divertimento, beleza, força e coragem para enfrentar seus medos e
dificuldades, mas principalmente, em empolgação e felicidade! Gurias foi óóóóótimooooo
estas com vocês!!!! “Queen” nunca irei esquecer teus cuidados, tu és d+; “CamInpa” tu é uma
queriiiiiida, tua tranquilidade foi o equilíbrio da mulherada; Dani “Uma” minha anja, tu és um
máximo, forte, inteligente e divertida; “Issa” o estilo em mulher, tua presença fez toooda a
diferença; Júlia tu é a doidice em pessoa, completou o time; Maíra “Gatam” simplesmente a
felicidade em pessoa, foi um prazer conviver contigo. Em particular, gostaria de agradecer de
coração as gurias do Sul e a Lari, gurias que me ajudaram muito, que estiveram ao meu lado
em todos os momentos, tantos os felizes quanto os difíceis, e que tenho a convicção em dizer
que se tornaram grandes amigas: Dani “Peste” tu é uma amigoooona, como esquecer do teus
carinhos de cabeça, eles ficaram marcados no meu coração; Gabí “B&D” fia, sem palavras...
nunca pensei em ganhar uma amiga tão especial neste curso, ainda mais uma tão retardada
241
como eu, amizade inesquecível; “AndroGIUna” tu és uma guria fora de série, sério foi
óóótima a tua parceria e amizade na seriedade e nas loucuras; Lari nóóóssa empolgante te ver
crescer e se libertar, ameiiii demais a companhia. Gentem amei conhecer cada uma de vocês
com as suas personalidades particulares e peculiares e, principalmente, perceber o respeito
que rolou entre este GRUPO e ver que todos nós nos demos muito bem e que crescemos
juntos!!! “Mas bah foi tri especial para mim” ver como existem pessoas especiais neste
brasilzão e saber que agora posso chamá-las de amigos. Grande abraço gurizada e, espero que,
até logo!
Referências
Barbosa, P. & I. Castellanos. 2005. Ecology of predator-prey interactions. Oxford:
Oxford University Press.
Bierregaard, R.O.Jr., C. Gascon, T.E. Lovejoy & R.C.G. Mesquita. 2001. Lessons from
Amazonia: the ecology and conservation of a fragmented forest. New Haven &
London: Yale University Press.
Dunham, A.E. 1983. Relized niche overlap, resourse, abundance, and intensity of interspecific
competition, pp. 261-280. In: Lizard Ecology: studies of a model organism.
Cambridge: Harvard University Press.
Ferreira, L.V. & W.F. Laurance. 1997. Effects os forest fragmentation on mortality and
damange of selected trees in Central Amazonia. Conservation Biology, 11:797-801.
INMET, 2014. Instituto Nacional de Meteorologia <www.inmet.gov.br/>. Acessado em 22 de
junho de 2014.
Grimaldi, D. & M.S. Engeli. 2005. Evolution of the insects. New York: Cambridge University
Press.
Lloyd, J. E. 1983. Bioluminescence and communication in insects. Annual Review of
Entomology 28: 131-60.
242
Peel, M.C., B.L. Finlayson & T.A. Mcmahon. 2007. Updated world map of the Köppen-
Geiger climate classification. Hydrology and Earth System Sciences, 11:1633-1644.
Triplehorn, C.A. & N.F. Jonnson. 2011. Estudos dos insetos. São Paulo: Cengage
Learning.
Wells, K.D. 2007. The Ecology and behavior of amphibians. Chicago: The University of
Chicago Press.
Wood, K. V. 1995. The chemical mechanism and evolutionary development of beetle
bioluminescence. Photochemistry and Photobiology, 62: 662-73.
243
A presença de espinhos nas palmeiras não afeta a propensão das aranhas a
reconstruírem as teias após um distúrbio
Giulliana Appel
Introdução
Os animais, por serem móveis, podem buscar locais que ofereçam o recurso e estrutura
necessária para a sua sobrevivência, crescimento e reprodução. Estes locais podem apresentar
complexidade estrutural variada, tanto horizontais quanto verticalmente (Rypstra et al. 1999).
Locais com maior complexidade estrutural possuem características vantajosas relacionadas à
abrigo, ao risco de predação e à disponibilidade de alimentos, os quais devem conferir maior
aptidão aos indivíduos (Allan 1995, Souza 2007).
Aranhas usam informações como a frequência de visitas de presas e características do
substrato para encontrar locais que aumentem sua chance de sobrevivência (Romero &
Vasconcelos-Neto 2007a). Características da vegetação, como estruturas disponíveis para a
ancoragem das teias podem proporcionar um local de melhor qualidade para o
estabelecimento das aranhas (Krebs & Davies 1993). Logo, os indivíduos devem permanecer
nesses locais mesmo após algum distúrbio, caso a qualidade do ambiente permaneça. Além
disso, a estrutura da vegetação pode favorecer as aranhas a evitar predadores, localizar áreas
de forrageamento, encontro de parceiros sexuais, acasalamento e proteção contra dessecação
(Romero & Vasconcelos-Neto 2007a; Souza 2007). Dessa forma, o número de ramificações
em planta, tricomas, tamanho e forma de folhas devem influenciar na decisão das aranhas de
permanecerem no local.
Algumas aranhas apresentam diferentes arquiteturas de teias e armadilhas que
necessitam de locais específicos para a sua construção. Por exemplo, representantes da família
Salticidae ocorrem preferencialmente sobre bromélias, e a arquitetura da planta em forma de
roseta facilita a construção de teias destas aranhas (Romero & Vasconcelos-Neto 2007b). Já
244
as aranhas construtoras de teias tridimensionais (Theridiidae e Pholcidae) ocorrem
preferencialmente em plantas com maior densidade de folhas e galhos, pois a construção de
suas teias normalmente requer espaços pequenos entre os suportes (Uetz 1991). Por isso, estas
teias geralmente necessitam de mais pontos de ancoragem. Sendo assim, é esperado que as
aranhas construtoras deste tipo de teia tenham maior fidelidade quanto ao local de nidificação.
Aranhas que constroem teias tridimensionais frequentemente ocorrem mais em
palmeiras com espinhos do que em outras plantas (Santos 2013). Porém, a relação entre a
estrutura da planta e a seleção de habitat das aranhas ainda é pouco conhecida (Souza 2007).
Dessa forma, os espinhos dispostos na ráqui das palmeiras acaules podem fornecer uma
arquitetura favorável na construção de teias tridimensionais nessas plantas, constituindo assim
um local de alta qualidade para construção de teias. Sendo assim, a minha hipótese é que a
arquitetura das palmeiras por possuírem muitos pontos de ancoragem, são locais de melhor
qualidade que proporcionam às aranhas maior proteção. Se minha hipótese for verdadeira, eu
espero que após um dano o número de abandonos das teias será menor nas palmeiras com
espinhos. E o número de reconstruções será maior nas palmeiras com espinhos.
Métodos
Realizei este estudo no sítio do Km 41 (02º 24’ S-59º43’ O), que está localizada cerca de 80
km ao norte de Manaus, na Área de Relevante Interesse Ecológico Projeto Dinâmica Biológica
de Fragmentos Florestais (ARIE - PDBFF), Amazônia Central. A área é caracterizada como
floresta de terra firme e apresenta cerca de 10.000 ha de floresta (Laurance et al. 2010). O
clima da região é tropical úmido, com temperatura média anual de 26,7 °C e pluviosidade
média de 2000 mm por ano (Lovejoy & Bierregaard 1990).
Selecionei 30 palmeiras acaules que tivessem espinhos na ráquis e teias
tridimensionais construídas sobre a planta. Em cada palmeira as teias estavam ancoradas em
pelo menos dois pontos da planta focal. Em todas as plantas desconectei a teia de uma das
245
ráquis. Dessa maneira, a teia ficou parcialmente ancorada em pelo menos outros dois pontos
que poderiam ser outra ráqui da palmeira ou em outras plantas, ou folhiço. Para verificar se a
arquitetura das palmeiras são locais de melhor qualidade, em 15 palmeiras cortei os espinhos
de todas as ráqui e em 15 palmeiras mantive os espinhos. Nas plantas em que eu retirei os
espinhos, a minha expectativa era de que as aranhas não reconstruíssem as teias e
abandonassem o local. Enquanto naquelas onde os espinhos foram mantidos, eu esperava que
as aranhas reconstruíssem as teias após 24 horas do distúrbio imposto.
Utilizei um teste Qui-quadrado para testar a previsão de que o número de abandonos é
menor nas palmeiras onde mantive os espinhos do que naquelas em que retirei os espinhos.
Assim como testei a previsão de que o número de reconstruções é maior nas palmeiras onde
mantive os espinhos do que naquela em que retirei os espinhos. Considerei o abandono ou não
da aranha na teia como variável resposta, e a presença ou não de espinhos como variável
preditora.
Resultados
Das 30 palmeiras que eu utilizei durante o experimento, 28 indivíduos eram da espécie
Astrocaryum sciofolium e dois indivíduos pertenciam ao gênero Bactris. As aranhas
pertenciam a diferentes espécies da família Pholcidae, sendo que esta é uma das famílias
caracterizadas por construir teias tridimensionais (Vieira et al. 2007).
As aranhas apresentaram três tipos de respostas após a retirada dos pontos de
ancoragem: (I) abandono de teia, (II) reconstrução dos pontos de ancoragem da teia, (III)
permanência na teia mesmo com os pontos de ancoragem desfeitos. A resposta mais
encontrada foi o abandono de teia, com 53,33%, seguida de reconstrução com 16,66% e
permanência na teia sem os pontos de ancoragem nos espinhos com 10% do total.
Nas palmeiras que eu retirei os espinhos, 40% (N=6) das aranhas abandonaram suas
teias (Tabela 1). Para as palmeiras que os espinhos permaneceram, a percentagem de
246
abandonos foi de 66,67% (N=10). Não houve diferença em relação ao número de abandonos
entre palmeiras que os espinhos foram retirados e palmeiras que os espinhos foram mantidos
(χ2=0,15; gl=1; N=30; p=0,69).
Nas palmeiras que eu retirei os espinhos, 46,66% (N=7) das teias foram reconstruídas,
enquanto naquelas que os espinhos foram mantidos houve 26,66% (N=4) de reconstruções
(Tab. 1). Também não houve diferença em relação ao número de reconstruções entre os dois
tipos de palmeiras (χ2=2,00; gl=1; N=30; p=0,15). Das 11 reconstruções de teias, seis foram
realizadas em outros locais da palmeira, usando outros espinhos ou a própria ráqui como
pontos de ancoragem. Apenas três aranhas permaneceram na teia após eu ter desfeito os pontos
de ancoragem, sendo duas nas palmeiras em que foram retirados os espinhos e uma na
palmeira que os espinhos foram mantidos.
Tabela 1. Número de observações para os abandonos das teias, reconstruções e permanências
nas teias construídas em palmeiras acaules onde os espinhos foram mantidos (controle) e em
palmeiras onde os espinhos foram retirados.
Resposta Controle Palmeiras com espinhos
retirados
Nº de
observações
Porcentagem em
relação ao total
Nº de
observações
Porcentagem em
relação ao total
Abandonos 10 66,66% 6 40%
Reconstrução 4 26,66% 7 46,6%
Permanência na teia 1 6,66% 2 13,33%
Discussão
A retirada dos espinhos das palmeiras não resultou em maior abandono ou reconstrução das
teias em relação ao observado nas palmeiras em que os espinhos foram mantidos. Isto indica
que a presença de espinhos não influencia na permanência das aranhas no local. Uma vez que
a teia está estabelecida a fidelidade destas aranhas pelo local é independente da quantidade de
pontos de ancoragem disponíveis para a construção da teia. Dessa forma, o número de
247
espinhos pode ser importante no momento da escolha do local para a construção da teia, mas
a presença de espinhos não confere qualidade suficiente para um distúrbio afetar a estrutura
da teia.
Como o abandono foi a resposta mais encontrada neste trabalho, o dano causado a teia
pode ter indicado a aranha que aquele local não é mais seguro para a permanência na teia.
Assim, posso inferir que a presença de espinhos não é um fator decisivo para a permanência
das aranhas, pois quando existe dano na teia, as aranhas mudam de local independentemente
da presença de estruturas que podem favorecer à ancoragem da teia. Além disso, aranhas têm
um alto custo energético para construir teias tridimensionais (Vieira et al. 2007). Desse modo,
é possível que a reconstrução de teias em um novo local pode ser mais eficiente que a
construção de uma nova teia em um local previamente escolhido.
O fato das palmeiras acaules serem dominantes no sub-bosque da floresta amazônica
(Balslev et al. 2011), pode indicar que as aranhas estão construindo suas teias porque a
arquitetura destas plantas e o padrão mais abundante na floresta. Provavelmente, estas aranhas
só precisam de alguns pontos de ancoragem para a construção de teias tridimensionais, e uma
maior quantidade de espinhos representa apenas mais pontos de ancoragem do que as aranhas
podem utilizar. Dessa forma, outros componentes estruturais do sub-bosque podem ser pontos
de ancoragem tão eficientes para a construção da teia quanto são os espinhos.
Agradecimentos
Primeiro, EFA obrigado por existir!! Nunca pensei que pudesse gostar tanto de um curso como
eu curti esse! (*Sorriso Sincero*) Vida longa ao EFA! Mas acima de tudo, queria agradecer a
família e aos amigos, que sem eles EU não existiria. MEU MUITO OBRIGADOO aos
Paulinhos (pai e mãe) por tanto me ensinarem e me inspirarem (Já o apelido não agradeço
tanto – zuando)!! A dona Eduarda e ao Seu Jorge por sempre nos alimentar bem (Minha mãe
agradece!!), a todos os professores que passaram pelo EFA – Bruno, Axpira, Fabrício, Thiago,
248
Mário, Gilberto, Cris, Rodrigo, Laura, Ana e Joana (cada um com seu jeito louco de revisar e
desenhar nos POs), ao Lucas MÉÉUDEUSS feliXXXmente passei mais esse tempo contigo
(Since Ducke) thanksss por me acompanhar no campo da onça parda, ao Rauuuul por sempre
se preocupar e ser LECAU com todo mundo, continue assimmmm guriiii. A todos os miguxos
(ohhhh) do EFA 2014 (a melhor turma!!), OBRIGADÃMM as gurias do suuuuullllllll (Gabi
Porradinha, Gabi Nóia e Dani pexxte) pelas gordices eternas, risadas e parceria, incrível
pensar que em pouco tempo temos a sensação de nos conhecer a muito mais tempo!! FOI
ÓTXXIMO também passar esse mês com toda a alegria do pessoal (sim vou agradecer um
por um que vamos ser justos!), a Mayara Gata pela empolgação em pessoa, a Dani Sutra pelas
piadas, a Caminpa pela meiguice, ao Isógina pela preocupação e cuidados pós PT, ao Pinto
(Meeow!) pelas brincadeiras, a Larica pela palavras de impacto, a Mila pelas dicas e
conversas, ao Stalooooooooooooone pela amizade e convívio diário em Manaus city, ao Boto
Fé pelos perrengues dos POs, ao Vomiitor pela ajuda e conhecimento, a Issa pelo bom humor
e jeito fofa de ser, ao Profeta pelas zueiras, ao Bandidim por ter um dos sotaques mais
engraçados que já conheci, a Júúlia lindinha pela cabeça malicioooosa, ao Ronronzinho
(PAALMAS) por ter as mensagem mais épicas nos recadinhos do coração e ao Bitoca pela
gentileza! Obrigado a todos envolvidos na organizaaation do curso! E valeu gente, ficarão
eternos na minha memória e no meu coração! (Momento breguice! Hahah) beijooooooooooo
Referências
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eds.). Chapman & Hall, London.
251
Risco de predação reduz a movimentação de girinos em diferentes estágios
ontogenéticos
Isabel C. Barragán
Introdução
O risco de predação é um dos principais moduladores do comportamento animal (Sih 1992).
Presas podem adotar diversas estratégias de defesa, como adaptações fenotípicas (Ruxton et
al. 2004, Svanbäck & Eklöv 2012), modificações no ciclo de vida (De Block et al. 2007) e
comportamentais (Lima & Dill 1990, McPeek 1990, Wooster & Sih 1995, Losos et al. 2004,
Samsom et al. 2009). Na natureza, comportamentos que maximizam a sobrevivência dos
organismos são favorecidos evolutivamente, destes, dois podem estar relacionados à evitação
do ataque de predadores: diminuir a chance de encontro ou escape após ser detectado
(Langerhans 2006).
Dentro das estratégias comportamentais, o agrupamento das presas pode diminuir o
risco de predação de diferentes maneiras (Krebs & Davies 1993). Uma delas é o aumento da
eficiência da vigilância do grupo, uma vez que indivíduos agrupados conseguem perceber a
aproximação de predadores mais eficientemente que indivíduos solitários. Outra estratégia é
a intimidação do predador através de movimentos coordenados de grupo que simulam a
silhueta de um animal maior. Algumas espécies de presa podem, ainda, se organizar para se
defender ativamente do predador (mobing). Outra estratégia é o efeito de diluição, no qual, ao
se agregar, um indivíduo tem sua probabilidade de ser predado diluída em função do tamanho
do grupo (Krebs & Davies 1993).
Outra estratégia antipredação está relacionada com o padrão de movimento das presas.
Na presença de predador, as presas podem aumentar, diminuir ou não alterar seu movimento.
Presas rápidas tendem a fugir ativamente porque têm uma alta chance de escape.
Adicionalmente, presas rápidas podem desenvolver outras estratégias associadas, como
252
movimentos erráticos de fuga, colorações que desviem a atenção do ataque a membros não
vitais, ou perda induzida de membros atingidos e autotomia (Ruxton et al. 2004). Por outro
lado, presas com mobilidade limitada, devem adotar estratégias distintas, como por exemplo,
a tanatose, onde os animais se fingem de mortos para tentar que o predador perca o interesse
por elas (Del-Claro 2004).
O tipo de estratégia comportamental contra predação depende das características
morfológicas e fisiológicas da presa. Apesar de usualmente estudadas entre espécies, essas
características podem mudar também ao longo da ontogenia. Assim, um mesmo indivíduo que
sofre transformações de suas habilidades motoras e sensoriais pode responder de diferentes
maneiras aos riscos de predação ao longo do seu ciclo de vida. Um exemplo são os anuros,
que sofrem mudanças drásticas durante seu desenvolvimento. Nos primeiros estágios de
girinos, os indivíduos têm tamanho menor e as estruturas natatórias ainda não estão totalmente
desenvolvidas, logo sua mobilidade é reduzida. Na medida em que o estágio ontogenético
avança, as estruturas natatórias e respiratórias dos girinos se desenvolvem, aumentando suas
habilidades motoras. Esse incremento na capacidade de movimentação ao longo da ontogenia
pode levar a variações nas estratégias para diminuir o risco de predação durante a fase de
girino.
Observei girinos da mesma espécie em diferentes estágios ontogenéticos em poças
temporárias. Nas poças, os girinos em fases iniciais de desenvolvimento mantêm uma
distribuição agregada. Quando ocorre algum distúrbio, como por exemplo, uma vibração na
água, os girinos se dispersam momentaneamente e, em seguida, se reagrupam e permanecem
parados. Porém, girinos em estágios mais tardios de desenvolvimento parecem permanecer
dispersos nas poças, se movimentando ativamente quando ocorre algum distúrbio na água.
Dado que nestas poças, predadores de girinos são abundantes (como baratas d’água, aranhas
e larvas de odonata) procurei responder como os predadores determinam a distribuição e a
movimentação de girinos em diferentes fases ontogenéticas. Considerando que os girinos dos
253
primeiros estágios têm uma mobilidade limitada, e que essa mobilidade aumenta nos estágios
mais avançados, minha hipótese é que a estratégia antipredação mude ao longo da ontogenia
dos girinos. Assim, espero que os girinos de estágios mais iniciais respondam ao risco de
predação se agregando e diminuindo sua movimentação para se proteger via efeito de diluição.
Por outro lado, espero que os girinos nos estágios mais avançados respondam se dispersando
e aumentando sua movimentação via efeito fuga.
Métodos
Área de estudo
Realizei o estudo em poças temporárias formadas numa estrada arenosa que dá acesso ao km
41 da reserva do Projeto Dinâmica Biológica de Fragmentos Florestais (PDBFF) e é declarada
Área de Relevante Interesse Ecológico (ARIE). As poças apresentam tamanho variável, desde
1 m por 0,3 m de largura até de 7 m por 3 m.
Delineamento amostral
Capturei os girinos em 4 poças temporárias utilizando uma peneira de 2 mm de malha.
Considerei quatro estágios ontogenéticos consecutivos de uma mesma espécie (família
Leptodactylidae), que variam no nível de desenvolvimento de estruturas motoras e tamanho
(estágio 1: 0,27 ± 0,05 cm, estágio 2: 0,73 ± 0,07 cm, estágio 3: 0,92 ± 0,15, e estágio 4: 2,03
± 0,39 cm; média ± DP do comprimento).
Para quantificar o efeito do risco de predação na distribuição e movimentação das
quatro classes ontogenéticas dos girinos, montei um bloco experimental para cada uma das
classes. Cada bloco consistia em 16 pratos plásticos de 20 cm de diâmetro e 2 cm de
profundidade com aproximadamente 100 mL de água das poças por prato para cada estágio
ontogenético (n=32). Coloquei seis girinos do mesmo estágio em cada prato e esperei por 30
254
minutos para sua aclimatação. Para simular o risco de predação, preparei o extrato de predador
mantendo baratas d’água (Bellastomatidae) em um recipiente com água, por um período de
24 horas.
Em seguida, eu filmei durante 30 segundos e, logo depois, fotografei a lâmina d’água
com vista ortogonal para registrar a disposição inicial e a movimentação dos girinos sem
estímulo. Após o registro inicial de cada prato, inoculei 2,0 mL de solução em cada um, sendo
oito com o extrato de predador (tratamento) e os oito demais com água (controle). Em seguida,
para registrar a disposição e a movimentação dos girinos pós-tratamento, filmei durante 30
segundos e fotografei a lâmina d’água. Repeti esses procedimentos para cada um dos blocos
experimentais dos quatro estágios ontogenéticos.
Cálculo de Agregação
Para estimar a variação na agregação dos girinos, mensurei a diferença entre a área dos
polígonos antes e depois da inoculação do tratamento. Para isso, usei as fotos para calcular a
área do polígono formado pelas posições dos girinos usando o programa ImageJ (versão
1.48v, Rasband 2014). Quando a diferença da área entre o polígono pré tratamento e pós
tratamento é positiva, significa que os girinos se aproximaram, indicando agregação. Se a
diferença da área entre o polígono pré e pós tratamento for negativa, quer dizer que os girinos
se afastaram após do tratamento, logo houve um efeito de dispersão.
Dado que minha expectativa é que ao longo da ontogenia os girinos respondem ao
risco de predação se agregando menos, espero encontrar diferença positiva entre as áreas dos
polígonos pré e pós-aplicação do extrato de predador quando comparados à aplicação de água
em todas as classes ontogenéticas, mas espero também que a magnitude dessa agregação
diminua ao longo da ontogenia.
255
Cálculo do tempo de movimentação
Para estimar o tempo de movimentação dos girinos, mensurei a diferença entre o tempo
acumulado de movimento em 30 segundos de observação antes e depois da aplicação dos
tratamentos. Considerei movimento quando ao menos um dos 6 indivíduos do prato se
deslocava.
Dado que minha expectativa é que ao longo da ontogenia os girinos respondem ao
risco de predação aumentando sua movimentação, espero que a diferença entre os tempos
acumulado de movimentação pré e pós-aplicação do extrato de predador diminua ao longo da
ontogenia, indicando uma maior movimentação.
Analises estatísticas
Para testar minhas previsões, realizei uma ANOVA fatorial. Usei como fatores o estágio
ontogenético do girino (4 níveis), o tratamento (com predador e controle), e sua interação,
para avaliar se houve diferença na agregação dos girinos (diferença de área dos polígonos
formados pre e pós-tratamento) e na movimentação dos girinos (diferença do tempo
acumulado de movimentação).
Resultados
Após o tratamento com extrato de predadores a área média formada pela distribuição dos
girinos contraiu 23,9 ± 0,47 (média ± DP) vezes, independentemente de seu estágio
ontogenético (Fig. 1). Esse resultado indica que os girinos submetidos ao extrato de predador
agregam-se independentemente de seu estágio ontogenético (F(1,66)=3,843, p=0,054). No
entanto, esse efeito deve ser interpretado com cautela devido ao valor de significância indicar
que há 5,4% de probabilidade desse resultado ter acontecido ao acaso. O tempo acumulado de
movimentação dos girinos, após o tratamento com extrato de predadores diminuiu, em 6,72 ±
6,47 (média ± DP) segundos, enquanto no tratamento com água esse tempo aumentou em
256
0,29±9,74 segundos (Fig. 2), indicando que os girinos submetidos ao extrato de predador
diminuem sua movimentação independentemente de seu estágio ontogenético (F(1,39)=9,479,
p=0,003).
Tabela 1. ANOVA fatorial com os efeitos do estágio ontogênico do girino (tamanho, 4 níveis),
do risco de predação (tratamento: 2 níveis) e da interação desses 2 fatores sobre a agregação
dos girinos (diferença de área dos polígonos formados pré e pós-tratamento) e a movimentação
dos girinos (diferença do tempo acumulado de movimentação).
Resposta Efeito gl F P
Δ área de agregação
Estágio Ontogenético (O) 3 0,471 0,703
Tratamento (Tr) 1 3,843 0,054
Interação (OxTr) 3 0,377 0,769
Resíduo 66
Δ tempo acumulado
de movimento
Estágio Ontogenético (O) 2 2,409 0,103
Tratamento (Tr) 1 9,479 0,003
Interação (OxTr) 2 0,290 0,749
Resíduo 39
257
Figura 1. Média das diferenças de área de agregação de girinos submetidos ao extrato de
predador (barras cinza) e controle (barras pretas) em estágios consecutivos de
desenvolvimento ontogenético em poças temporárias de uma área de mata contínua na
Amazônia Central, Brasil. Linhas verticais sobre as barras representam o erro padrão.
Figura 2. Média das diferenças de tempo acumulado de movimentação de girinos submetidos
ao extrato de predador (barras cinza) e água (barras pretas) em estágios consecutivos de
desenvolvimento ontogenético em poças temporárias de uma área de mata contínua na
Amazônia Central, Brasil. Linhas verticais sobre as barras representam o erro padrão.
258
Discussão
Os girinos responderam ao risco de predação diminuindo sua movimentação
independentemente de seu estágio ontogenético. Ao contrário do esperado, os girinos de
estágios ontogenéticos mais avançados parecem não buscar a fuga frente ao risco de predação,
embora tenham uma maior capacidade natatória.
No contexto das poças temporárias, os potenciais predadores, principalmente baratas
d’água e larvas de odonata, são mais rápidos que os girinos. Por isso, uma maior capacidade
natatória pode não necessariamente levar a um aumento na sobrevivência em tentativas de
fuga. Além disso, poças de água estão sujeitas a dessecação, que frequentemente resultam em
uma diminuição drástica do volume de água, e, consequentemente, na redução de espaço
disponível para fuga (De Block et al. 2007). Assim, os girinos parecem não utilizar estratégias
de escape do predador associadas a movimentação em poças temporárias, indicando que
devem investir em outras estratégias que não a fuga.
Uma alternativa às estratégias relacionadas com a movimentação pode ser o ajuste da
disposição dos girinos no espaço. Se aceitarmos que o risco de predação induz a um padrão
de agregação independentemente de seu estágio ontogenético (p=0,054), há evidências que o
efeito de diluição é uma estratégia de evitação ao predador consistente ao longo do ciclo de
vida dos girinos. Conforme a estratégia do efeito de diluição, o aumento do número de
indivíduos no grupo leva a uma diminuição na probabilidade individual de predação
(Hamilton 1971, Del-Claro 2004). Especificamente para os girinos estudados, podemos
descartar as outras estratégias pelas quais a presa pode diminuir o risco de predação formando
grupos. Ao observarmos que o risco de predação induz à diminuição de movimento, podemos
descartar o efeito de tamanho de grupo na intimidação do predador, pois este frequentemente
está associado à movimentação. Girinos também não apresentam defesa de grupo (mobing),
uma vez que não têm estruturas especializadas para a defesa (McDiarmid & Altig 2000). O
259
efeito de vigilância também não é uma via plausível, já que os girinos são visualmente mal
orientados (McDiarmid & Altig 2000) e a água das poças é turva, o que dificulta a vigilância.
Entretanto, levando em consideração que predadores abundantes nas poças
temporárias são visualmente orientados, como baratas d’agua e larvas de odonata, ou se
orientam pelas vibrações na água, como aranhas (Silva et al. 2005), é provável que os girinos
diminuam a probabilidade de detecção permanecendo parados. Assim, se aceitarmos que o
acaso determinou o padrão de agregação nos girinos sujeitos ao risco de predação (p=0,054),
podemos concluir que os girinos se distribuem aleatoriamente independentemente do estágio
ontogenético e da pressão de predação. Uma distribuição aleatória pode ser vantajosa para
diminuir os custos associados com a agregação, como a competição intraespecífica por
recursos (Begon et al. 2006).
As possíveis estratégias antipredação inferidas neste trabalho podem estar associadas
com características específicas do sistema, como a limitação de espaço das poças temporárias.
Nesse sentido, é possível que a estratégia antipredador de girinos varie em função do tipo de
ambiente. Anuros podem desovar em diferentes sistemas, desde poças até riachos de águas
correntes (Del-Claro 2004). Assim, num ambiente onde o espaço não é limitante, como em
riachos, pode ser que a capacidade de movimentação seja uma vantagem que aumenta a
probabilidade de sobrevivência frente ao risco de predação. Então, é interessante pensar que
nesses ambientes girinos de estágios ontogenéticos mais avançados, e, portanto, com maiores
capacidades motoras, escolham o efeito de fuga como resposta ao risco de predação, já que a
área disponível é maior nesses sistemas.
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O aumento do tamanho melhora a eficiência de captura de presas de aranhas
pescadoras (Aracnida: Trechaleidae)
Júlia F. dos Santos
Introdução
O recurso alimentar geralmente está distribuído de forma não uniforme no ambiente (Pulliam
& Danielson 1991). Essa variação na distribuição de recurso pode determinar a adoção de
diferentes comportamentos de forrageio pelos animais. Tais comportamentos estão associados
aos tipos de itens alimentares consumidos, bem como o local e o momento do consumo (Scott
2005). No caso de predadores, características das presas como o comportamento e a
abundância também interferem no comportamento de caça (Barbosa & Castellanos 2005).
A eficiência de predação depende principalmente de características intrínsecas dos
indivíduos, como o aprendizado, tamanho corpóreo e idade. Por exemplo, a capacidade de
escolher e capturar a presa pode ser adquirida através de aprendizado ao longo da vida (Scott
2005). À medida que um indivíduo vai acumulando experiência, ele aumenta a capacidade de
discernir entre alimentos palatáveis e impalatáveis (Scott 2005). O tamanho do corpo é outro
fator que pode influenciar na eficiência de captura das presas, já que predadores grandes de
uma mesma população podem ser mais capazes de acessar presas maiores que predadores
pequenos (Trillmich & Trillmich 1986). A idade dos organismos também pode influenciar o
comportamento de forrageio (Brown & Chivers 2005, Uma & Weiss 2012). Indivíduos jovens
tendem a ter uma menor atividade cerebral, podendo prejudicar a realização de
comportamentos comuns em adultos (Durst et al. 1994; Seid et al. 2005). Assim, a eficiência
de predação pode variar com o estágio ontogenético.
As aranhas possuem vários comportamentos de forrageamento, como a busca ativa e
a estratégia de caça do tipo senta-e-espera. Muitas das espécies que usam a estratégia de caça
do tipo senta-e-espera fazem isso com a utilização de teias, sendo um mecanismo que aumenta
263
a capacidade de detecção e subjugação das presas (Vieira et al. 2007). Por outro lado, a
estratégia de senta-e-espera depende da aproximação da presa e da capacidade da aranha de
percebê-la. Nesse caso, o tamanho da aranha pode ser um fator importante que influencia no
sucesso de predação. Dessa forma, minha hipótese é que quanto maior o tamanho de aranhas
que forrageiam adotando a estratégia de caça do tipo senta-e-espera sem o uso de teias, maior
a sua eficiência de captura de presas. Se essa hipótese for verdadeira, eu espero uma relação
positiva do comprimento das aranhas com a ocorrência de capturas de presas.
Métodos
Realizei este estudo em uma floresta de terra firme contínua, na Área de Relevante Interesse
Ecológico Projeto Dinâmica Biológica de Fragmentos Florestais (ARIE-PDBFF), no
acampamento do Km 41 (02°24’ S e 59°44’ O), Amazônia Central. O clima da região é
tropical úmido, com temperatura média anual de 26,7 ºC e pluviosidade anual de
aproximadamente 2186 mm (Lovejoy & Bierregaard 1990).
Como sistema de estudo, escolhi uma espécie de aranha pescadora da família
Trechaleidae. Indivíduos dessa espécie vivem associados a corpos de água e são caçadores
que utilizam a estratégia de caça do tipo senta-e-espera sem o uso de teias. Essas aranhas
caçam encostando o primeiro par de pernas na superfície da água e atacam quando percebem
as oscilações das presas na superfície (Silva et al. 2005).
Para avaliar minha hipótese desenvolvi um experimento oferecendo presas a aranhas
de diversos tamanhos. Como presas utilizei hemípteros pertencentes à família Hydrometridae
com comprimento médio de 14 mm. Escolhi esses insetos, por fazerem parte da dieta das
aranhas e terem a capacidade de escapar das mesmas (obs. pess.).
Em cada observação eu induzi uma presa se deslocar a uma distância máxima de 4 cm
da aranha e registrei a ocorrência ou não de captura. Após oferecer o hemíptero, medi o
comprimento (cefalotórax + abdômen) da aranha ao posicionar o paquímetro sobre a mesma
264
(precisão das medidas foi de 1 mm). Realizei todas as medições do mesmo modo de forma
que o erro nas medidas de tamanho deve ser similar em todos os indivíduos amostrados. Nos
casos em que as aranhas se movimentaram ou fugiram, eu medi novamente a aranha.
Para realizar o experimento, eu percorri aproximadamente 30 m ao longo do igarapé
procurando aranhas pescadoras nas duas margens. Realizei o experimento em um único dia,
entre 8:20 h e 16:00 h. Obtive 30 aranhas amostradas. Durante a amostragem, as aranhas
observadas estavam caçando e não se deslocavam. Mantive uma distância de 1 m entre cada
aranha, assegurando a independência entre as observações. Para testar se o tamanho das
aranhas foi relacionado com o sucesso de captura, eu usei uma regressão logística. Utilizei o
comprimento do corpo das aranhas como variável preditora e a ocorrência de captura como
variável resposta.
Resultados
O tamanho das aranhas variou de 4 mm a 13 mm (7,26±2,51 mm; média±DP). Metade das
aranhas capturaram a presa oferecida (n=15 aranhas). O sucesso de captura aumentou com o
tamanho do corpo das aranhas (χ2=5,26; n=30; p=0,02; Fig. 1).
265
Figura 1. Probabilidade de ocorrência de capturas das presas em relação ao tamanho de
aranhas da família Trechaleidae na Área de Relevante Interesse Ecológico Projeto Dinâmica
Biológica de Fragmentos Florestais, Amazônia. O valor “zero” representa aranhas que não
capturaram a presa ofertada e “um”, aranhas que capturaram a presa. O valor acima de cada
ponto indica o número de observações superpostas.
Discussão
Os resultados desse trabalho indicam que existe uma relação entre o tamanho das aranhas e o
sucesso de captura de presas, uma vez que quanto maior o comprimento da aranha, maior a
chance de captura. Os hemípteros que ofertei foram até três vezes maiores que as menores
aranhas observadas. Entretanto, considerando o tamanho total das aranhas (incluindo as
pernas), a diferença de tamanho entre elas e as presas se torna menor. Desta forma, aranhas
pequenas parecem ser capazes de capturar os insetos oferecidos, os quais tem comprimento
longo, mas em torno de 1 mm de largura. Dado que para aranhas é bem documentada a captura
de presas maiores que elas (Gonzaga et al. 2007), é pouco provável que apenas a capacidade
física associada ao tamanho do corpo tenha influenciado a eficiência de captura.
Uma explicação para os resultados do presente estudo pode estar relacionada com a
estratégia de caça da aranha pescadora. Para o sucesso na captura das presas, a aranha precisa
ter uma alta sensibilidade no primeiro par de pernas, pois isso permite distinguir o tamanho e
266
tipo de presa pela forma e intensidade da oscilações na água (Silva et al. 2005). Dessa forma,
a aranha pode primeiro decidir se o ataque é compensatório e, caso seja, definir a força e
velocidade do ataque. Caso a aranha não tenha precisão na tentativa de captura, ela pode
desperdiçar energia se lançando precipitadamente sobre a presa, como foi observado durante
as amostragens. Assim, aranhas grandes e consequentemente com o sistema motor mais
desenvolvido seriam capazes de ter um sucesso maior de captura devido à maior precisão no
ataque. Alternativamente, essas aranhas podem ser mais velhas e experientes. Isso poderia
assegurar maior exatidão no ataque devido ao maior tempo de aprendizado.
Dado que existe uma relação entre o desenvolvimento ontogenético e a capacidade de
capturar determinadas presas, é possível que exista uma variação na dieta das aranhas ao longo
da vida. Aranhas mais jovens devem predar predominantemente presas mais fáceis de serem
capturadas, restringindo a amplitude do nicho alimentar. Essa diferença entre os tipos de presa
pode aliviar a competição intraespecífica, permitindo a coexistência de indivíduos jovens e
adultos.
Agradecimentos
Agradeço aos Paulinhos, professores convidados e monitores pelas aulas, palestras e correções
de relatórios. Aprendi muito mais sobre o método hipotético-dedutivo com vocês e a ciência
passou a fazer mais sentido.
Ao Seu Jorge e à Dona Eduarda pela comida, limpeza e carinho.
À galera pelas risadas, trocas de ideias, oficinas circenses, yoga, forró, cafés da manhã
acompanhado dos botos rosa e tucuxis, aos banhos coletivos de igarapé, às festas, à
criatividade (ou não) nos bilhetinhos do coração. Esses momentos foram essenciais pra aliviar
as tensões e revigorar as energias pra trabalhar nos relatórios. No final compartilhamos muito
mais que apenas conhecimento.
267
Agradeço mais ainda aos lugares que passamos. Às estrelas refletidas nas águas calmas
do Rio Solimões. Ao céu incrível de Anavilhanas. Á floresta e seu dossel gigante. Muita
energia boa. Fontes de inspiração.
Foi ruim? Foi óóótemo.
Referências
Barbosa, P. & I. Castellanos. 2005. Ecology of predator-prey interactions. Oxford: Oxford
University Press.
Brown, G.E. & D.P. Chivers. 2005. Learning as an adaptive response to predation, pp. 34-54.
In: Ecology of predator-prey interactions (P. Barbosa & I. Castellano, eds.). Oxford:
Oxford University Press.
Durst, C., S. Eichmüller & R. Menzel. 1994. Development and experience lead to increased
volumes of sub compartments of the honeybee mushroom body. Behavioural Neural
Biology, 62:259-263.
Gonzaga, M.O., A.J. Santos & H.F. Japyassú. 2007. Ecologia e comportamento de aranhas.
Rio de Janeiro: Interciência.
Lovejoy, T.E. & R.O. Bierregaard. 1990. Central Amazonian forests and the minimal critical
size of ecosystems project, pp 60-71. In: Four Neotropical rainforests (A.H. Gentry,
ed.). New Haven: Yale University Press.
Pulliam, H.R. & B.J. Danielson. 1991. Sources, sinks and habitat selection: a landscape
perspective on population dynamics. The American Naturalist, 137:50-66.
Scott, G. 2005. Essentials of animal behavior. Oxford: Backwell Publishing.
Seid, M.A., K.M. Harris & J.F. Traniello. 2005. Age-related changes in the number and
structure of synapses in the lip region of the mushroom bodies in the ant Pheidole
dentata. Journal of Comparative Neurobiology, 488:269-277.
268
Silva, E.L.C., J.B. Picanco & A.A. Lise. 2005. Notes on the predatory behavior and habitat of
Trechalea biocellata (Araneae, Lycosoidea, Trechaleidae). Biociências, 3:85-88.
Trillmich, K.G.K. & F. Trillmich. 1986. Foraging strategies of marine iguana Amblyrhynchus
cristatus. Behavioral Ecology and Sociobiology, 18:259-266.
Uma, D.B. & M.R. Weiss. 2012. Flee or fight: ontogenetic changes in the behavior of cobweb
spiders in encounters with spider-hunting wasps. Environmental Entomology, 41:1474-
1480.
Vieira, C., H.F. Japyassú, A.J. Santos & M.O. Gonzaga. 2007. Teias e forrageamento, pp 45-
65. In: Ecologia e comportamento de aranhas (M.O. Gonzaga, A.J. Santos & H.F.
Japyassú, eds.). Rio de Janeiro: Interciência.
269
A mancha abdominal em machos de Micrathyria hesperis (Odonata: Libellulidae) e
a sinalização de qualidade do macho
Larissa P. Lemes
Introdução
Indivíduos de uma população que estejam sob pressão de seleção devem possuir
características distintas que confiram maior sobrevivência e reprodução em relação aos
demais indivíduos (Sober 2006). Caso essas características sejam hereditárias, espera-se que
as vantagens também sejam conferidas à prole. A teoria da seleção sexual explica como
caracteres sexuais conferem vantagens para indivíduos que os possuem (Darwin 1871). Com
base nesses caracteres sexuais fenotípicos, a fêmea seleciona os parceiros sexuais de melhor
qualidade (Futuyma 1997). Esses caracteres sexuais visualmente selecionados pela fêmea são
geralmente ornamentações de cores vivas e chamativas. Essas ornamentações dos machos
facilitam sua detecção pelo predador e aumentam seu risco de predação. Assim, um macho de
coloração chamativa que foi capaz de escapar dos predadores e alcançar a idade reprodutiva
deve ser um macho de melhor qualidade (Zahavi 1975).
As fêmeas são recursos escassos em ambientes naturais, enquanto os machos são
abundantes (Oliveira 2008). Em odonatas, as fêmeas copulam com um macho e ovipõem logo
após a cópula. O parceiro sexual da fêmea a defende contra outros machos até a oviposição
terminar, tornando-a indisponível para outras cópulas até o fim da oviposição. Isso faz com
que a competição intrasexual por fêmeas seja alta. Como fêmeas procuram por territórios para
reprodução que ofereçam condições para nutrir sua prole, os machos competem por esses
territórios para obter cópulas (Rowe 1988). Dessa forma, características fenotípicas que
confiram vantagem para conseguir um bom território, e consequentemente aumentar o número
de cópulas, também aumentarão a aptidão do macho (Plaistow & Tsubaki 2000). Assim, essas
características deverão ser fixadas na população pela seleção sexual.
270
A posse de um território aumenta a aptidão dos machos. Entretanto, a competição por
território é custosa, acarretando em gasto energético, possíveis injúrias e risco de predação,
principalmente quando a competição é por meio de conflito físico (Briffa & Elwood 2004).
Dessa forma, características fenotípicas também podem ter evoluído como sinais da condição
física entre machos coespecíficos. Neste caso, a seleção favoreceria indivíduos capazes de
avaliar a condição física do oponente através de suas características fenotípicas. A avaliação
do oponente permite ao competidor balancear os custos e benefícios no conflito, e assim tomar
decisões em relação a sua continuidade ou interrupção (Parker 1974).
Os machos de Micrathyria hesperis (Odonata: Libellulidae) defendem territórios em
ambientes aquáticos para atrair fêmeas e copularem. Os machos dessa espécie também
possuem manchas amarelas na parte posterior do abdôme, cuja função ainda não é conhecida.
Como na maioria das espécies de odonata, poucos machos de M. hesperis conseguem
territórios (Contreras-Garduño et al. 2006), e a baixa disponibilidade de território aumenta a
competição intrasexual por esse recurso. Os machos de M. hesperis disputam os territórios
por meio de conflitos físicos. Sendo assim, em situações de alta competição intrasexual, a
seleção de algum sinal visual de qualidade do macho deve ser favorecida (Glass &
Huntingford 1988). Minha hipótese é que as manchas abdominais em machos de M. hesperis
são sinais da qualidade do indivíduo em caso de conflitos com outros machos. Caso isto
ocorra, espero que quanto maior a mancha no abdôme do oponente, menor será o tempo de
duração do ataque.
Métodos
Área de estudo
Realizei o estudo na ARIE (Área de Relevante Interesse Ecológico) do km 41 (02°24’S /
59°44’O), administrada pelo Projeto Dinâmica Biológica de Fragmentos Florestais (PDBFF).
271
A ARIE é formada por um floresta contínua de terra firme, situada a aproximadamente 80 km
ao norte de Manaus, na Amazônia Central. Realizei as coletas em duas poças temporárias
adjacentes à estrada que dá acesso à reserva.
Coleta e análise de dados
Para avaliar se o tempo de investimento em ataque de um macho (variável resposta) depende
do tamanho da mancha abdominal do macho rival (variável preditora), observei um macho
territorial de M. hesperis durante dez minutos. Assim, obtive o número de ataques e o tempo
de duração dos ataques investidos a cada macho territorial. Posteriormente, calculei o tempo
médio de ataques investidos sobre cada macho territorial. Ao total, observei e coletei 14
machos territoriais de M. hesperis. Fotografei dorsalmente e lateralmente cada macho
coletado, e utilizei o programa de análises gráficas ImageJ (versão 1.44; Rasband 1997) para
medir a área de sua mancha abdominal e seu comprimento.
Utilizei o resíduo da regressão entre o tamanho do macho (variável preditora) e o
tamanho de sua mancha abdominal (variável resposta) para controlar o efeito do tamanho do
macho territorial no tempo de ataque à ele investido. Realizei uma regressão linear ponderada
pelo número de brigas investido sobre cada macho territorial. Como machos que tiveram
maior número de ataques possuem tempo médio de ataques mais confiável que machos que
foram atacados poucas vezes, utilizei a ponderação para atribuir maior peso aos machos com
maior número de ataques.
Resultados
O tamanho da mancha abdominal em machos de M. hesperis variou de 0,01 cm² a 0,023 cm²,
e o tempo médio de ataque variou de 1,67 s a 4,14 s. O tempo médio de duração dos ataques
sofridos por um macho territorial não depende do tamanho de sua mancha abdominal (F(1,14)
= 2,35; p = 0,81; Fig. 1).
272
Figura 1. Tempo médio de duração dos ataques investidos sobre machos territoriais em relação
ao resíduo do tamanho da mancha abdominal do respectivo macho independente de seu
tamanho corpóreo.
Um dos machos coletados representa um ponto extremo, já que sua mancha abdominal
é pequena para seu tamanho corpóreo. Por isso, realizei novamente a análise sem o ponto
extremo, para verificar se esse macho estaria mascarando um possível padrão. Entretanto,
mesmo após a remoção do ponto extremo, o tempo médio de duração dos ataques a um macho
não dependeu do tamanho de sua mancha abdominal (F(1,13) = 2,35; p = 0,12; Fig. 2).
Figura 2. Tempo médio de duração dos ataques investidos sobre machos territoriais em relação
ao resíduo do tamanho da mancha abdominal do respectivo macho independente de seu
tamanho corpóreo. Análise realizada excluindo o ponto extremo.
273
Discussão
A sinalização de qualidade entre indivíduos coespecíficos através de características
fenotípicas ja foi demonstrada em vários grupos (Arnott & Elwood), incluindo odonatas
(Contreras-Garduño et al. 2006). No entanto, o tempo médio de ataques investidos contra
machos territoriais de M. hesperis não depende do tamanho de sua mancha abdominal.
Portanto, essas manchas em machos de M. hesperis não servem como sinais de sua condição
física para seus oponentes, e não devem ter evoluído como sinal de qualidade entre machos.
A relação entre a mancha abdominal em machos de M. hesperis e seu sucesso reprodutivo
também é conhecida: tamanhos maiores da mancha não levam a um maior número de cópulas
(Lins 2009). Então, temos que essa mancha também não evoluiu como um sinal de qualidade
do macho para a fêmea.
As manchas abdominais caracterizam um dimorfismo sexual entre machos e fêmeas
de M. hesperis, sendo que a seleção sexual é o processo responsável pela evolução dessas
características (Darwin 1871). É improvável que características fenotípicas evoluam por
deriva genética, principalmente quando essa característica é presente em apenas um dos sexos,
como as manchas abdominais em M. hesperis. Portanto, as manchas abdominais nos machos
devem exercer uma função relacionada ao processo de seleção sexual. Apesar de não existir
relação com a seleção intrasexual, as manchas dos machos podem estar relacionadas com a
sinalização intersexual.
Caso a função da mancha seja intersexual, ela deve orientar a relação fêmea-macho,
sendo que possivelmente a fêmea muda seu comportamento em relação a mancha do macho.
Machos de odonata são capazes de remover da genitália da fêmea o esperma acumulado em
cópulas anteriores (Córdoba-Aguilar 2008). Assim, é possível que as fêmeas de M. hesperis
optem por não ovipor após copularem com machos cuja mancha abdominal é pequena.
Consequentemente, o esperma desses machos será retirado pelo próximo parceiro sexual da
fêmea e não fecundará seus ovos. Assim, é possível que a ausência de relação entre o tamanho
274
da mancha abdominal e o tempo de duração dos ataques seja provocada pela seleção
intersexual após a cópula.
Agradecimentos
Agradeço ao INPA (Instituto Nacional de Pesquisa da Amazônia) e ao PDBFF por me
proporcionar a oportunidade de desenvolver esse projeto e aumentar meu conhecimento
científico. Agradeço aos coordenadores Paulo Enrique Cardoso Peixoto e Paulo Estefano
Dineli Bobrowiec, assim como a todos os professores que participaram do curso, por todo o
conhecimento a mim passado. Agradeço ao Paulo Enrique Bunita pelas piadas e gracinhas
divertidissimas. Agradeço também aos monitores Raul Pereira e Lucas Paolucci pela eterna
disposição em ajudar. Agradeço novamente ao Raul por todas as palavras de encorajamento
durante todo o curso. Agradeço a todos os amigos EFA (Dani Peste, RonRonzim, Porradinha,
Paulo Bitoca, Gabi Black & Decker, AndroGiuna, Pinto, Piroka, Staloooone, Vomítor, Meu
nome não é Mayara, Fáuvo, Dani uma, Bandidinho, Queen, Jú, Profeta, CamINPA e Íssa)
pelo companherismo, amizade, ajuda e por todos os momentos felizes que passamos nas
festas, momentos de coleta, durante as conversas à noite e no almoço. Agradeço ao Seu Jorge
e Dona Eduarda pela comida de todos os dias e pelos doces que fizeram de mim uma pessoa
mais feliz. E finalmente, agradeço ao Lucas Paolucci e Thiago Kloss pela paciência em
corrigir as besteiras que escrevi neste trabalho.
Referências
Arnott, G. & R.W. Elwood. 2010. Startle durations reveal visual assessment abilities during
contests between convict cichlids. Behavioural Processes, 84:750-756.
Briffa, M. & R.W. Elwood. 2004. Use of energy reserves in fighting hermit crabs. Science,
271:373-379.
275
Contreras-Garduño, J., J. Canales-Lazcano & A. Córdoba-Aguilar. 2006. Wing pigmentation,
immune ability, fat reserves and territorial status in males of the rubyspot damselfly,
Hetaerina americana. Journal of Ethology, 24:165-173.
Córdoba-Aguilar, A. 2008. Dragonflies and Damselflies: Model organisms for ecological and
evolutionary research. Oxford: Oxford University Press
Darwin, C. 1871. The descent of man and selection in relation to sex. London: John Murray.
Futuyma, D.J. 1997. Biologia evolutiva. Brasília: Sociedade Brasileira de Genética.
Glass, C.W. & F.A. Huntingford. 1988. Initiation and resolution of fights between swimming
crabs (Liocarcinus depurator). Ethology, 77:237-249.
Lins, L.S.F. 2009. Relação entre a qualidade dos machos da libélula Micrathyria sp. (Odonata:
Libellulidae) e a aquisição de cópulas. In: Livro do curso de campo “Ecologia da
Floresta Amazônica”. Manaus: PDBFF/INPA.
Oliveira, R.F. 2008. Alternative reproductive tactics: an integrative approach. Cambridge:
Cambridge University Press.
Parker, G.A. 1974. Assessment strategy and evolution of fighting behavior. Journal of
Theoretical Biology, 47:223-243.
Plaistow, S.J. & Y. Tsubaki. 2000. A selective trade-off forterritoriality and non-territoriality
in the polymorphic damselfly Mnais costalis. Biological Sciences, 267:969-975.
Rasband, W.S. ImageJ, U.S. National Institutes of Health, Bethesda, Maryland, USA,
http://imagej.nih.gov/ij/, 1997-2011.
Rowe, R.J. 1988. Alternative oviposition behaviours in three New Zealand corduliid
dragonflies: their adaptive significance and implications for male mating tactics.
Journal of the Linnean Society, 92:43-66.
Sober, E. 2006. Conceptual issues in evolutionary biology. London: The MIT Press.
Zahavi, A. 1975. Mate selection: a selection for handicap. Journal of Theoretical Biology,
53:205-214.
276
Atributos do substrato não determinam a riqueza de fungos
Maíra D. Sagnori
Introdução
A riqueza de espécies é um componente da diversidade que pode ser explicada tanto por
fatores bióticos quanto abióticos. Em particular, a disponibilidade de recursos alimentares e a
estabilidade de condições microclimáticas são essenciais para determinação de padrões locais
de riqueza. Por exemplo, o aumento da produtividade primária e da variabilidade climática,
em geral, determinam o aumento da riqueza por afetarem a quantidade de recursos disponíveis
para diferentes espécies e determinar onde indivíduos de diferentes espécies podem se
estabelecer (Gaston & Blackburn 2000).
Regiões que apresentam condições microclimáticas menos extremas (e.g. elevada
pluviosidade, temperaturas mais estáveis e constante incidência solar), devem representar
habitats mais adequados para o estabelecimento de diferentes espécies. Desta forma, locais
com uma gama mais ampla de condições estáveis apresentarão maior riqueza de espécies
(Gaston 2000). Por outro lado, ambientes menos estáveis devem apresentar menor riqueza, já
que exigem adaptações das espécies a uma amplitude de condições extremas.
Além das características microclimáticas, a disponibilidade de recursos também pode
afetar padrões de riqueza. As espécies possuem diferentes requerimentos alimentares e um
aumento na disponibilidade e variedade destes recursos permite maior amplitude de
exploração destes recursos por diferentes espécies (Thompson & Townsend 2005). Sendo
assim, o aumento da disponibilidade de recursos deve permitir a coexistência de maior número
de espécies no local (Begon et al. 2006). Por exemplo, espécies de formigas predadoras podem
não encontrar nas clareiras a mesma disponibilidade de alimento oferecido na mata,
restringindo sua distribuição à mata (Puida 2011). Portanto, locais com maior disponibilidade
277
e variedade de recursos alimentares permitem a coexistência de maior número de espécies
com diferentes requerimentos.
Apesar de condições microclimáticas e disponibilidade de recursos serem bem
documentados como determinantes de padrões de riqueza em escala local para plantas e
animais, tais aspectos ainda não foram bem documentados para microorganismos como os
fungos (Green & Bohanan 2006). Estes organismos, decompositores ou saprotróficos,
possuem requerimentos muito específicos e são constantemente afetados pelas variações no
microclima e na disponibilidade de nutrientes. Logo, condições ambientais locais tem um
papel determinante no estabelecimento e manutenção da riqueza de espécies desse grupo de
microorganismos (Hedlund & Öhrn 2000).
Em florestas tropicais, a umidade relativa retida no substrato (e.g. serapilheira e solo)
é um dos fatores abióticos que favorecem a ocorrência de fungos (Read 2007). A
disponibilidade de nutrientes (e.g. carbono e nitrogênio), o potencial hídrico, e a diversidade
dos substratos (e.g. tipos de solo, tronco e serapilheira), são fatores importantes que
influenciam o estabelecimento destes organismos (Braga-Neto 2008). Assim, minha hipótese
é que atributos do tronco (umidade e estágio de decomposição) são determinantes na riqueza
de fungos em uma floresta tropical.
Métodos
Área de estudo
Realizei este estudo na Reserva Florestal do Km 41 (02º 24’ S, 59º43’ O), localizado cerca de
80 km ao norte de Manaus, na Área de Relevante Interesse Ecológico Projeto Dinâmica
Biológica de Fragmentos Florestais (ARIE - PDBFF), Amazônia Central. O sítio de estudo
tem cerca de 10.000 ha de vegetação classificada como floresta de terra firme (Laurance et al.
278
2010). O clima da região é tropical úmido, com temperatura média anual de 26,7 °C e
pluviosidade média de 2000 mm por ano (Lovejoy & Bierregaard 1990).
Coleta de dados
Amostrei corpos de frutificação em 30 troncos caídos ao longo de um transecto de 400 m. Em
cada tronco, coletei um representante de cada morfoespécie de fungo basidiomicetos que
classifiquei de acordo com características do estipe, píleo e superfície himenal (ver Braga-
Neto 2006). Medi a circunferência de cada tronco como um indicativo da área disponível para
ser ocupada e retirei uma amostra da madeira de tamanhos diferentes.
Para determinar o nível de decomposição do tronco, fixei um prego na madeira e soltei
um peso de 450 g de uma altura de 30 cm, em cada tronco. A profundidade que o prego
penetrou na madeira foi considerada como um indicativo do nível de decomposição. Troncos
com maior penetrabilidade foram considerados em estágio de decomposição mais avançado.
Para calcular a umidade de cada tronco, pesei a amostra de madeira fresca em uma balança de
precisão. Em seguida, as amostras foram secas no forno durante 40 min e posteriormente pesei
novamente as amostras a fim de obter o peso seco. Com esses valores calculei o percentual de
umidade de cada tronco da seguinte forma: peso úmido-peso seco/peso úmido.
Análise estatística
Devido à baixa variação da riqueza de morfoespécies por tronco, os dados não apresentaram
uma distribuição normal. Por isso, categorizei os dados de riqueza para que se ajustassem a
uma distribuição binomial, onde 0 representou os troncos com apenas uma morfoespécie e 1
representou troncos com duas ou mais morfoespécies. Realizei um teste de correlação entre
as variáveis explicativas para me certificar de que a umidade não é um fator correlacionado
com o nível de decomposição do tronco. Observei que as variáveis explicativas estão
correlacionadas (r=0,32; p<0,05). Contudo, a correlação foi gerada pela ocorrência de três
279
pontos extremos. Após a remoção desses pontos, as variáveis não estiveram correlacionadas.
Por essa razão, realizei as análises usando o conjunto de dados onde removi esses pontos.
Realizei uma regressão logística múltipla, usando como variável resposta a ocorrência de
morfoespécies, como variáveis explicativas o percentual de umidade e profundidade de
penetração. Utilizei a circunferência do tronco como uma covariável em cada modelo de
regressão, uma vez que a área do tronco pode afetar a riqueza de espécies. Espero que troncos
com maiores percentuais de umidade e menores profundidades de penetração apresentem
maior número de morfoespécies de fungos basidiomicetos.
Resultados
Coletei 50 fungos classificados em 34 morfotipos. O morfotipo mais comum foi encontrado
em oito troncos (23,52%). Grande parte dos troncos (N=23) apresentou apenas um morfotipo
cada (67,64%). O tronco que abrigou a maior riqueza de fungos continha representantes de
oito morfotipos. As características dos troncos apresentaram grandes variações. O nível de
penetração médio foi 1,79 cm±1,40 cm. Troncos em níveis iniciais de decomposição, nos
quais a profundidade de penetração no foi menor que 2 cm, foram mais comuns (Fig. 1a). O
percentual médio de umidade foi 59,31±16,31 (média±desvio padrão), com maior parte dos
troncos apresentando umidade superior a 50% e apenas uma morfoespécies ocorrendo sobre
eles (Fig. 1b). O tronco com a maior riqueza de morfoespécies (N=8) encontrava-se no estágio
mais avançado de decomposição, e apresentou alto percentual de umidade (74,73%). A
circunferência média foi 73,85 cm±57,0 cm. Não houve relação entre a riqueza de
morfoespécies e os atributos avaliados nos troncos (χ2=3,75; gl=26; p=0,28, Fig. 1).
280
Figura 1. Relação entre a ocorrência de morfoespécies de fungos basidiomicetos e a
profundidade de penetração (a) e o percentual de umidade de troncos caídos (b) em uma área
de floresta tropical, Amazônia Central, AM. No eixo das ordenadas, 0 representa uma
morfoespécies por tronco e 1 representa duas ou mais morfoespécies por tronco. Gráfico
referente ao conjunto de dados dos quais foram excluídos três pontos extremos.
Discussão
A riqueza de fungos em troncos caídos não foi determinada pelo percentual de umidade e
dureza de cada tronco. Apesar da riqueza por tronco ter sido muito baixa, a riqueza de corpos
de frutificação de basidiomicetos foi alta (N=34 morfoespécies). A seletividade por recursos
a)
b)
281
específicos, como fósforo, nitrogênio e carbono, pode explicar a maior ocorrência de algumas
morfoespécies. Espécies competitivamente dominantes investem mais em dispersão através
da extensão dos micélios em busca de alcançar estes recursos. Por isso, essas espécies têm
maior probabilidade de colonizar o substrato e evitar que outras espécies se estabeleçam
(Setala & McLean 2004). Isto pode justificar o padrão que observei em campo, de que a
grande maioria dos troncos (67,64%) estava ocupada por apenas um tipo de fungo
basidiomicetos.
A baixa riqueza de morfoespécies por troncos também pode estar relacionada com a
distribuição heterogênea de matéria orgânica no tempo e no espaço (i.e. substratos diferentes
apresentam processos distintos de decomposição; Braga-Neto 2008). Em florestas tropicais,
nutrientes provenientes de matéria orgânica normalmente se encontram em diferentes estágios
de decomposição, o que significa que estes podem não estar prontos para consumo (quando
os envoltórios de lignina ainda estão presentes na célula vegetal). Além disso, a concentração
de nutrientes disponíveis para serem metabolizados por fungos pode não ser suficiente para
suprir a demanda de mais de uma morfoespécies por tronco. Isto, por sua vez, pode gerar
competição entre organismos decompositores que desenvolvem estratégias semelhantes para
buscar e monopolizar tais recursos (Boddy & Jones 2007).
Observei neste trabalho que a umidade e estágio de decomposição do tronco não são
determinantes da riqueza de fungos. Contudo, a ocorrência de uma única morfoespécie na
maioria dos troncos amostrados pode indicar que existe algum tipo de preferência pelos fungos
ao substrato disponível. Portanto, sugiro que próximos estudos incorporem dados de
distribuição relacionados à disponibilidade de recursos em diferentes substratos e níveis de
especificidade entre espécies de basidiomicetos e substratos distintos, ajudando a entender
melhor o que determina a ocorrência destes fungos.
282
Agradecimentos
Antes de mais nada, agradeço a oportunidade de fazer parte da turma EFA 2014. Obrigada
Paulinhos pai e mãe pelos ensinamentos, conversas informais e esclarecedoras, pelas dúvidas
e respostas colocadas na minha cabeça. Vocês são um casal top! Obrigada amigos e amigas!
Nada teria sido igual se não fosse a presença, energia, encanto, personalidade de cada um de
vocês. Me sinto especial por ter tido a chance de conviver e viver com todos. Obrigada Raul
e Lucas pela companhia em momentos de nervosismo, de calma, de descontração, ócio
produtivo ou brainstorm. Vocês são grandes inspirações para nós que estamos na mesma
caminhada, e alguns passinhos atrás. Obrigada Seu Jorge e Dona Eduarda pelo carinho direto
ou indireto, pelas piadas e agrados, respectivamente. Não menos importantes, agradeço a
todos os professores agregados que ajudaram a renovar os ares a cada semana e também
contribuíram com novos conhecimentos. Obrigada Floresta Amazônica por ter me acolhido e
me dado inspiração, respiração e piração por todos esses dias (gostaria que fosse por tempo
ilimitado). Tudo e todos são igualmente importantes, insubstituíveis e inesquecíveis.
Obrigada, obrigada e obrigada!!!
Referências
Braga-Neto, R. 2006. Guia de morfoespécies de fungos de liteira da Reserva Ducke.
Manaus:INPA/CPEC.
Braga-Neto, R., R.C.C. Luizão, W.E. Magnusson, G. Zuquim & C.V. de Castilho. 2008. Leaf
litter fungi in a Central Amazonian forest: the influence of rainfall, soil, and
topography on the distribution of fruiting bodies. Biodiversity Conservation, 17:2701-
2712.
Boddy, L. & T. H. Jones. 2007. Functional ecology of saprotrophic fungi. pp. 74-141. In:
Fungi in the Environment (G. Gadd, S. C. Watkinson & P. S. Dyer, eds.). Cambridge:
University Press.
283
Gadd, G.M., E.P. Burford, M. Fomina & K. Melville. 2007. Functional ecology of
saprotrophic fungi, pp. 75-141. In: Fungi in the environment. (Gadd, G.M., S.C.
Watkinson & P.S. Dyer, eds). Cambridge:University Press.
Gaston, K.J. 2000. Global patterns biodiversity. Nature, 405:220-227.
Gaston, K.J. & T.M. Blackburn.2000. Patters and process in macroecology. Oxford:Blackwell
Publishing.
Green, J. & B.J.M. Bohannan. 2006. Spatial scalig of microbial biodiversity. Trends in
Ecology and Evolution, 21:501-507.
Hedlund, K. & M.S. Öhrn. 2000. Tritrophic interactions in a soil community enhance
decomposition rates. Oikos, 88:585-591.
Laurance, S.G.W., W.F. Laurance, A. Andrade, P.M. & Fearnside, K.E. Harms, A. Vicentini
& R.C.C Luizão. 2010. Influence of soils and topography on Amazonian tree diversity:
a landscape-scale study. Journal of Vegetation Science, 21:96-106.
Lovejoy, T.E. & R.O. Bierregaard. 1990. Central amazonian forests and the minimal critical
size of ecosystems project, pp. 60‐71. In: Four neotropical rainforests (A.H. Gentry,
ed.). London: Yale University Press.
Puida, D.B.C. 2011. Quem são, quantos são e quanto se parecem: composição, riqueza e
similaridade da assembléia de formigas em clareiras e mata primária em uma floresta
de terra firme na Amazônia Central. In: Ecologia da Floresta Amazônica (Camargo,
J.L.C, P.E.D. Bobrowiec & P.E.C, Peixoto, eds.). Manaus:INPA.
Setala, H. & M.A. McLean. 2004. Decomposition rate of organic substrates in relation to the
species diversity of soil saprophytic fungi. Oecologia, 139:98-107.
Thompson, R.M. & C.R. Townsend. 2005. Food-web topology varies with spatial scale in a
patchy environment. Ecology, 86:1916-1925.
284
O cuidado parental não afeta o investimento nas estruturas de captura da aranha
Hingstepeira folisecens
Nelson S. Pinto
Introdução
O cuidado parental é uma relação na qual um dos indivíduos parentais ou ambos cuidam da
prole. Este cuidado pode aumentar a sobrevivência da prole e, consequentemente, a aptidão
do parental (Krebs & Davies 1993). Este comportamento deve ter sido selecionado em
ambientes com grande risco de predação dos filhotes, escassez de recursos, menor
disponibilidade de abrigos ou de indivíduos do sexo oposto (Tallamy & Brown 1999). Dessa
forma, os custos de abandonar a prole seriam muito altos, uma vez que os filhotes poderiam
ser predados ou não conseguir recursos suficientes para seu desenvolvimento (Tallamy &
Brown 1999; Reznick et al. 2000).
As formas mais comuns de cuidado parental incluem o cuidado com os ovos, defesa
direta contra predadores ou fungos, captura e manipulação de alimento e construção de abrigo
para os filhotes (Tallamy & Brown 1999; Boos et al. 2014). Entretanto, essas formas de
cuidado representam custos energéticos para o parental. Por exemplo, fêmeas do opilião
Acutisoma proximum que investem na proteção dos ovos tem menor probabilidade de ovipor
novamente, provavelmente por conta do investimento na reprodução (Buzatto et al. 2007).
Em algumas espécies de aranhas, as mães podem defender ativamente a ooteca o que aumenta
o risco de injúria ou predação (Gonzaga 2007a). Durante o período de cuidado, os parentais
podem diminuir a frequência com que se alimentam, o que diminui a quantidade de reservas
energéticas do indivíduo (Requena et al. 2009). Portanto, o custo energético para os pais
aumenta proporcionalmente ao investimento no comportamento de cuidado.
Em aranhas o comportamento de cuidado parental varia muito, com espécies que
protegem apenas a ooteca e outras que cuidam dos filhotes até chegarem a idade adulta
285
(Gonzaga 2007a). Além da proteção, as aranhas podem oferecer presas para os filhotes
(Gonzaga 2007a). Durante este período a aranha mãe pode diminuir a quantidade de presas
consumidas, priorizando a alimentação dos filhotes (Gonzaga 2007a,b). Mesmo privada de
nutrientes a mãe investe na produção de teias para a captura de presas para a prole. Entretanto,
o impacto de presas de maior porte contra os fios adesivos pode arremessar os filhotes para
fora da teia ou colapsar totalmente a estrutura, resultando na queda do abrigo. Além disso, o
investimento na área de captura pode facilitar o acesso de predadores que podem atacar tanto
a mãe quanto os filhotes. Neste caso, espera-se que as fêmeas diminuam a área de captura da
teia.
Os indivíduos da espécie de aranha Hingstepeira folisecens constroem teias e fixam
uma pequena folha enrolada na região central que é usada como abrigo (Hanashiro 2009). No
período reprodutivo, as fêmeas mantêm os filhotes neste abrigo. Ao coletar alguma presa, a
mãe posiciona a presa na abertura da folha para que os filhotes possam se alimentar.
Presumindo que a estrutura da teia pode aumentar os riscos de predação ou de que os filhotes
morram pela quebra da teia, avaliei se o cuidado parental afeta a arquitetura das teias em H.
folisecens. Minha hipótese é de que as aranhas investem menos na estrutura de captura quando
estão no período de cuidado parental. Minha previsão é de que o número de espiras será menor
em teias de aranhas com filhotes.
Métodos
Eu realizei este estudo no acampamento do km 41 da Área de Relevante Interesse Ecológico
Projeto Dinâmica Biológica de Fragmentos Florestais (02º 24’ S, 59º43’ O), localizada a 80
km da cidade de Manaus, Amazonas, Brasil. A vegetação do local é classificada como floresta
tropical úmida de terra firme (Laurance et al. 2010).
Fotografei 19 teias de H. folisecens, oito com aranhas cuidando de filhotes e 11 com
aranhas sem filhotes. Para avaliar o investimento diferencial na construção da teia durante o
286
período de cuidado parental e o período não reprodutivo, contei o número de espiras no maior
raio da teia. Este número representa o investimento da aranha na construção da teia (Vieira et
al. 2007).
Para avaliar a previsão de que o número de espiras seria menor em aranhas com filhotes
usei uma Análise de Covariância (ANCOVA). Considerei como variável resposta o número
de espiras e a presença/ausência de filhotes como variável independente categórica. Como o
tamanho da aranha pode estar positivamente relacionado com o tamanho da teia, usei o
comprimento do cefalotórax da aranha como co-variável para controlar o efeito do tamanho
da aranha sobre o número de espiras.
Resultados
O número médio de espiras nas teias com filhotes foi de 28,4±20,4 (média±DP) e de 30,8±16,8
nas teias sem a presença de filhotes. Não houve diferença entre o número de espiras em teias
de aranhas com filhotes e sem filhotes (F=0,72; gl=1,15; p =0,41; Fig. 1).
Figura 1. Número de espiras em teias de H. folisecens com e sem filhotes. O comprimento do
cefalotórax sobre o número de espiras foi usado como co-variável para controlar o efeito do
tamanho da aranha sobre a produção de teias. Linhas representam o desvio padrão.
287
Discussão
Neste estudo observei que não houve diferença no investimento em estrutura de captura nas
teias de H. folisecens com e sem filhotes. Como essas aranhas apresentam cuidado parental,
este resultado indica que a manutenção da teia não representa um grande custo energético para
as aranhas durante o período reprodutivo. Além disso, a probabilidade de que a teia quebre
pelo impacto de presas deve ser baixa, o que pode reduzir o número de vezes que a teia precisa
de manutenção.
Os filhotes possivelmente são protegidos pelo abrigo, pela resistência da teia e
presença da mãe. O abrigo diminui a exposição dos filhotes. Os fios do quadro, a estrutura na
qual o abrigo é fixado, são muito resistentes e isto pode reduzir o risco de quebra no caso de
impactos de presas grandes. Esta proteção também permite que a aranha mãe invista na área
de captura de presas durante o período de cuidado parental. A defesa direta proporcionada
pela mãe contra predadores também parece ser muito importante nessa espécie, uma vez que
observei em campo a predação dos filhotes por outra espécie de aranha, quando a mãe estava
na periferia da teia e os filhotes estavam fora do abrigo.
Apesar do investimento similar em estruturas de captura de presas durante a fase de
cuidado parental, as aranhas com filhotes possuem condição nutricional menor que as aranhas
sem filhotes (Melati 2014). Isto indica que existe um custo energético para a aranha mãe
associado ao cuidado parental, uma vez que as fêmeas ofertam presas aos filhotes. Logo, a
baixa condição nutricional deve estar ligada ao menor número de presas consumidas pela
aranha mãe. Contudo, para aranhas orbitelas o custo da teia é baixo (Vieira et al. 2007) e o
investimento na reconstrução da teia não deve representar um gasto energético alto. Por isso,
mesmo aranhas com altos gastos energéticos provocados pelo cuidado parental, como
observado em H. folicesens, conseguem investir em estruturas de captura da teia, o que
justifica o investimento similar nessas estruturas durante o cuidado parental.
288
O cuidado parental não reduz o investimento na estrutura de captura em H. folicesens.
É possível que a presença do abrigo confira uma proteção adicional aos filhotes, mesmo diante
da quebra das teias. Como a estrutura do abrigo está fixada em fios mais resistentes, grandes
impactos não devem quebrar a estrutura. Outro fator importante é que a teia tem baixo custo.
Isso permite que mesmo aranhas com poucas reservas energéticas, resultante do cuidado
parental, possam investir na construção e manutenção das estruturas de captura.
Agradecimentos
A todos os colaboradores que fazem esse curso possível. Aos coordenadores, em especial ao
Paulinho Morcegão e ao Paulinho Bola Del Fuego (Painha) por tornar nossos dias engraçados
e tão cheios de trabalho. Aos monitores, Raul (o cara mais gentil do mundo!) e Lucas (grande
parceiro e ombro amigo!). Ao Seu Jorge e Dona Eduarda, por tudo. Aos professores, pela
convivência e ensinamentos. Em especial ao Thiago (Xexéu, Chaw-Chaw, Michel, e todos os
“el” possíveis!) Kloss, pela paciência no campo, ensinamentos e risadas. Valeu meu brother,
você é show!!! Aos colegas de curso, pela convivência. Em especial, para a AndroGIUna, te
adoro! Obrigado pelas risadas! Abração do Ginógina procê! Um abração para a Camila,
companheira de projetos e risadas! Valeu, moça! Ao Bruno, pela amizade (Lembre-se: Pinto
e Piroka desbravando a Amazonha em busca das aranhas!!!). Saiba que você é um irmão para
mim. Valeu galera, um abraço do Pinto/Ginógina procês!
Referências
Boos, S., J. Meunier, S. Pichon & M. Kolliker. 2014. Maternal care provides antifungal
protection to eggs in the European earwig. Behavioral Ecology, 25:754-761.
Buzatto, B.A., G.S. Requena, E.G. Martins & G. Machado. 2007. Effects of maternal care on
the lifetime reproductive success of females in a neotropical harvestman. Journal of
Animal Ecology, 76:937-945.
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Gonzaga, M.O. 2007a. Socialidade e cuidado parental, pp. 185-208. In: Ecologia e
comportamento de aranhas (M.O. Gonzaga, A.J. Santos & H.F. Japyassú, eds.) Rio de
Janeiro: Interciência.
Gonzaga, M.O. 2007b. Inimigos naturais e defesas contra predação e parasitismo em aranhas,
pp. 209-238. In: Ecologia e comportamento de aranhas (M.O. Gonzaga, A.J. Santos &
H.F. Japyassú, eds.) Rio de Janeiro: Interciência.
Hanashiro, F.T.T. 2009. O inimigo está do lado de fora: indivíduos de Micrepeira(Araneae:
Araneidae) forrageiam de dentro do abrigo, pp. 1-8. In: Livro do curso de Ecologia da
Floresta Amazônica (J.L.C. Camargo, P.E.D. Bobrowiec & P.E.C. Peixoto, eds).
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Krebs, J.R. & N.B. Davies. 1993. An introduction to behavioural ecology. Oxford: Blackwell
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Laurance, S.G.W., W.F. Laurance, A. Andrade, P.M. Fearnside, K.E. Harms, A. Vicentini &
R.C.C Luizão. 2010. Influence of soils and topography on Amazonian tree diversity: a
landscape-scale study. Journal of Vegetation Science, 21:96-106.
Melati, B.G. 2014. Ter filho sai caro: o gasto energético associado ao cuidado parental na
aranha Hingstepeira folisences, pp. a definir. In: Livro do curso de Ecologia da Floresta
Amazônica (J.L.C. Camargo, P.E.D. Bobrowiec & P.E.C. Peixoto, eds). Manaus:
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Requena, G.S., B.A. Buzatto, R. Munguía-Steyer & G. Machado. 2009. Efficiency of
uniparental male and female care against egg predators in two closely related syntopic
harvestmen. Animal Behaviour, 78:1169-1176.
Reznick, D., L. Nunney & A. Tessier. 2000. Big houses, big cars, superfleas and the costs of
reproduction. TREE, 15:421-425.
Tallamy, D.W. & W.P. Brown. 1999. Semelparity and the evolution of maternal care in
insects. Animal Behaviour, 57:727-730.
290
Vieira, C., H.F. Japyassú, A.J. Santos & M.O. Gonzaga. 2007. Teias e forrageamento, pp. 45-
66. In: Ecologia e comportamento de aranhas (M.O. Gonzaga, A.J. Santos & H.F.
Japyassú, eds.) Rio de Janeiro: Interciência.
291
Formigas subordinadas se arriscam mais quando o recurso é mais valioso
Paulo H. Araujo-Camargo
Introdução
A competição entre espécies tem papel fundamental na dinâmica das populações e na estrutura
de comunidades (Begon et al. 2006). Essa interação pode alterar as taxas de crescimento e
sobrevivência de populações, além de determinar a coexistência de espécies na comunidade
(Tilman 1994, Mayfield & Levine 2010). A competição entre duas espécies é moldada pela
disponibilidade de recursos e habilidade das espécies em acessá-los (Parr & Gibb 2010).
Assim, as espécies devem competir mais por recursos limitantes (Davidson 1998). Nessas
condições, espécies competitivamente superiores têm maior vantagem na exploração dos
recursos, o que limita a coocorrência de espécies competitivamente inferiores (Andersen
1992, Tilman 1982). Todavia, espécies com menor habilidade competitiva podem ocorrer no
ambiente se apresentarem estratégias que as permitam acessar esses recursos limitados. Por
exemplo, algumas espécies de peixes de linhagens mais recentes exibem a estratégia de
forragear recursos de baixa qualidade energética para escapar da pressão competitiva sobre
recursos mais valiosos (Lobato et al. 2014).
As formigas constituem um dos grupos mais bem sucedidos entre os animais,
representando a maior parte da biomassa animal de vários ambientes (Hölldobler & Wilson
1990). Estes organismos apresentam requerimentos de nicho bastante similares e por isso têm
seu comportamento moldado em resposta à forte pressão competitiva (Andersen 2008). No
caso da competição por recursos alimentares, esses organismos podem adotar diferentes
estratégias comportamentais. Por exemplo, algumas espécies dominantes podem dominar
numericamente o recurso e/ou adotar comportamento agressivo ao expulsar outras espécies
de formigas (Hölldobler & Wilson 1990, Andersen 1992). Por outro lado, formigas
subordinadas podem forragear em condições menos favoráveis, como sob altas temperaturas
292
(Cerdá et al. 1998) ou ainda, inserir-se de forma inconspícua e capturar parte de recursos
dominados por outras espécies (Hölldobler & Wilson 1990). Assim, mesmo que haja o
domínio do recurso por alguma espécie dominante, espécies de formigas subordinadas podem
apresentar estratégias para acessá-lo, mesmo que isso envolva um alto risco de mortalidade
(Cerdá et al. 1998, Parr & Gibb 2010).
Formigas possuem uma dieta baseada em alimentos ricos em carboidratos e proteínas
(Hölldobler & Wilson 1990). Contudo, a disponibilidade desses recursos pode variar no
ambiente. Por exemplo, formigas arborícolas têm uma grande disponibilidade de alimentos
ricos em carboidratos oriundos de exudatos de homópteros e nectários extraflorais (Yonoviak
& Kaspari 2000). Porém, encontram escassez de alimentos proteicos (Yonoviak & Kaspari
2000). Por outro lado, a presença de carcaças de animais, fezes e fungos são recursos de alto
valor proteico abundantes para formigas que habitam o solo. No entanto, neste ambiente,
existe baixa disponibilidade de recursos ricos em carboidratos (Yonoviak & Kaspari 2000).
Sendo assim, alimentos proteicos são recursos valiosos para formigas arborícolas, ao passo
que, alimentos ricos em carboidratos são mais valiosos para formigas de solo.
Dado que a competição é modulada pela disponibilidade do recurso e que espécies
subordinadas podem ajustar suas estratégias frente ao aumento da pressão competitiva, avaliei
como o valor relativo do recurso afeta a estratégia de forrageio de formigas subordinadas.
Minha hipótese é que formigas subordinadas arriscam mais na obtenção de recursos mais
escassos.
Métodos
Área de estudo
Realizei o estudo em uma floresta contínua de terra firme na Área de Relevante Interesse
Ecológico do km 41 (ARIE-PDBFF), localizada a aproximadamente 80 km ao norte de
293
Manaus, Amazonas, Brasil (2º30’ S, 60º O). A área pertence ao Projeto Dinâmica Biológica
de Fragmentos Florestais – PDBFF cogerido pelo Instituto Nacional de Pesquisas da
Amazônia (INPA) e Smithsonian Institution. A temperatura média anual na região é de 26 ºC,
com mínima de 19 ºC e máxima de 39 ºC, e a precipitação anual varia entre 1.900 e 3.500
mm, com uma estação seca de junho a novembro (Gagnon et al. 2011).
Coleta de dados
Para amostrar as formigas, coloquei 10 iscas de sardinha (rica em proteína) e 10 iscas de
goiabada (rica em carboidrato) sobre papel filtro de forma intercalada, separadas por 10 m às
8:00 h. Da mesma forma, coloquei 10 iscas de sardinhas e 10 de goiabada em interseções de
galhos de árvores localizados a no mínimo 4 m de altura. As árvores estavam separadas por
pelo menos 10 m, e cada árvore recebeu apenas uma das iscas. Após 10 min da colocação das
iscas, iniciei seções de observação com duração de 2 min em cada isca. Repeti as observações
mais duas vezes na mesma isca, com um intervalo de 10 min entre cada observação,
totalizando 6 min de observação por isca. Durante cada seção de observação, verifiquei o
número de pilhagem nas iscas realizadas por formigas subordinadas. Uma pilhagem foi
definida como a investida de uma formiga em uma isca monopolizada, que resultava em
sucesso de captura de parte da isca e posterior fuga. Considerei como dominantes espécies
com comportamento agressivo em relação à outra espécie e com maior abundância relativa
nas iscas. Já as subordinadas não dominavam e geralmente eram expulsas do recurso pelas
dominantes. Ao fim das seções de observação, coletei todas as espécies presentes em cada
isca (dominantes e subordinadas). As formigas foram separadas e identificadas por
especialistas.
294
Análise de dados
Para avaliar a estratégia de forrageio de formigas subordinadas no solo e em árvores, realizei
um modelo linear generalizado com distribuição de erros Poisson, tendo como variáveis
preditoras o local (solo e árvore) e o tipo de isca (sardinha e goiabada), e como variável
resposta o número de pilhagens realizadas por formigas subordinadas. Avaliei a significância
de cada variável por comparação de modelos (Quinn & Keouh 2002). Caso minha hipótese
esteja correta, espero encontrar um maior número de pilhagens por formigas subordinadas de
solo em iscas de goiabada e um maior número de pilhagens por formigas subordinadas
arborícolas em iscas de sardinha. As análises foram realizadas no programa R (R Development
Core Team 2013).
Resultados
Registrei 26 espécies de formigas divididas em cinco subfamílias (Tabela 1). Desse total, nove
espécies ocorreram nas árvores, sendo três dominantes e seis subordinadas. Dentre estas, cinco
espécies foram atraídas exclusivamente às iscas de sardinha, e quatro espécies foram atraídas
exclusivamente às iscas de goiabada. Registrei 19 espécies no solo, sendo 12 espécies
dominantes e sete espécies subordinadas. Quatro espécies foram atraídas exclusivamente às
iscas de sardinha no solo e 11 foram atraídas exclusivamente às iscas de goiabada (Tabela 1).
Tabela 1. Espécies de formigas atraídas por iscas de goiabada e sardinha no solo e em árvores
em uma área de floresta contínua de terra firme próxima a Manaus, AM, Brasil.
Formigas Local Hierarquia de
dominância Isca
Ectatomminae
Ectatomma sp. 01 solo subordinada goiabada
Ectatomma sp. 02 árvore subordinada sardinha
Formicinae
Brachymyrmex sp. árvore subordinada goiabada
295
Formigas Local Hierarquia de
dominância Isca
Camponotus sp. 01 solo, árvore subordinada goiabada, sardinha
Camponotus sp. 02 árvore subordinada sardinha
Gigantiops destructor solo subordinada goiabada, sardinha
Pseudomyrmicinae
Pseudomyrmex sp. árvore subordinada goiabada
Myrmicinae
Crematogaster sp. 01 solo, árvore dominante goiabada, sardinha
Crematogaster sp. 02 solo dominante goiabada, sardinha
Daceton sp. solo subordinada sardinha
Pheidole sp. 01 solo dominante sardinha
Pheidole sp. 02 solo dominante sardinha
Pheidole sp. 03 solo dominante goiabada
Pheidole sp. 04 árvore dominante goiabada
Pheidole sp. 05 árvore dominante goiabada
Solenopsis sp. 01 solo dominante goiabada
Solenopsis sp. 02 solo dominante goiabada, sardinha
Solenopsis sp. 03 solo dominante goiabada
Solenopsis sp. 04 solo dominante sardinha
Solenopsis sp. 05 solo dominante goiabada
Trachymyrmex sp. solo subordinada goiabada
Wasmannia sp. 01 solo dominante goiabada, sardinha
Wasmannia sp. 02 solo dominante goiabada
Ponerinae
Neoponera sp. solo subordinada goiabada
Odontomachus sp. solo subordinada goiabada
Pachycondyla sp. solo subordinada sardinha
O modelo completo indica que o número de pilhagens de formigas subordinadas varia
em função do local e do tipo de isca (χ²=49,00; gl=3; p<0,001). A comparação entre o modelo
completo e o modelo em que removi apenas a interação entre o local e o tipo de isca indica
que a interação entre essas variáveis explica melhor o número de pilhagens por formigas
subordinadas (χ²=32,72; gl=1; p<0,001). O número de pilhagens de formigas subordinadas no
296
solo em iscas de goiabada foi em média, 5,3 vezes maior que o número de pilhagens em iscas
de sardinha. Por outro lado, o número de pilhagens de formigas arborícolas subordinadas em
iscas de sardinha foi em média, oito vezes maior que o número de pilhagens em iscas de
goiabada (Fig. 1).
Figura 1. Efeito do local e do tipo de isca no número de pilhagens realizadas por formigas
subordinadas em uma área de floresta contínua de terra firme próximo à Manaus, AM, Brasil.
Pontos representam médias e as barras verticais os erros-padrão.
Discussão
Formigas subordinadas arborícolas se arriscam mais no forrageio de recursos proteicos, ao
passo que formigas de solo se arriscam mais em recursos açucarados. Portanto, as formigas
subordinadas se arriscam mais em forrageio quando o recurso é mais escasso. Quando o
recurso é limitante, formigas dominantes investem mais na aquisição desses recursos ao
monopolizá-los (Andersen 1992, Yonoviak & Kaspari 2000). Da mesma forma, meu resultado
indica que esse padrão também é semelhante para formigas subordinadas, sugerindo que a
hierarquia competitiva entre diferentes espécies de formigas pode ser quebrada diante da
escassez de recurso.
Verifiquei que espécies competitivamente inferiores podem exibir estratégias
diferentes, e ajustar o comportamento diante de recursos escassos. De fato, espécies
297
subordinadas quebram o monopólio das espécies dominantes ao inserir-se no meio delas e
capturar o alimento (Parr & Gibb 2010). Esse padrão de comportamento já foi observado em
outras espécies que apresentam hierarquia de dominância como beija-flores e peixes (Parr &
Gibb 2010). Nesses organismos, onde a habilidade competitiva determina a posição na
hierarquia de dominância de recursos (Parr & Gibb 2010), desenvolver estratégias para
acessar o recurso possibilta o estabelecimento das espécies menos competitivas (Cerdá et al.
1998). Por exemplo, em beija-flores, espécies territorialistas monopolizam o recurso e
impedem o acesso de outras espécies a ele (Piratelli 1997). Neste sentido, algumas espécies
exibem a estratégia de invadir vários territórios para capturar seu alimento (Piratelli 1997).
Essa diferenciação de estratégias em escala evolutiva provavelmente permitiu o sucesso de
ambos os grupos de espécies em diferentes ambientes.
A escassez de recurso ou a qualidade do mesmo em termos energéticos pode gerar
variações na pressão de competição à qual as espécies estão submetidas, podendo determinar
a exclusão competitivas de espécies que tenham menor habilidade em utilizar os recursos
(Andersen 1992). Todavia, ao quebrar o monopólio e utilizar-se de recursos dominados por
outras espécies, formigas subordinadas promovem uma segregação do nicho alimentar. Uma
das consequências dessa segregação é a possibilidade de coexistência entre espécies
dominantes e subordinadas (Andersen 2008). Em ambientes limitados em proteína e
carboidrato como o arbóreo e o solo, respectivamente (Yonoviak & Kaspari 2000), seria
esperado a exclusão de espécies menos competitivas, e o monopólio de espécies dominantes
(Andersen 1992). Contudo, o ajuste de comportamento de forrageio de formigas subordinadas
deve permitir a coexistência dessas espécies com as dominantes.
Este trabalho suporta a ideia que a disponibilidade de recursos além da habilidade das
espécies em acessá-los, são importantes estruturadores de comunidades de formigas. Embora
seja bem estabelecido que espécies dominantes investem mais em forrageio de recursos de
boa qualidade, este padrão era pouco documentado para formigas subordinadas. Neste sentido,
298
se uma pressão competitiva por recursos está modulando este tipo de comportamento em
formigas, pode-se esperar um ajuste de comportamento para outros grupos de organismos que
apresentem hierarquia de dominância.
Agradecimentos
Gostaria de agradecer imensamente aos Paulinhos por todo suporte e orientação ao longo
desse um mês de curso. Gostaria de agradecer a Laura Leal por todas as ideias, ajuda na
discussão, por aguentar minhas “encheção de saco” e pela identificação das formigas.
Agradeço também ao monitor Raul, por ser “forte” e suportar o peso de carregar minha escada
em campo, e ao monitor Lucas pela ajuda na identificação das formigas e leitura crítica e
comentários ao trabalho. Queria agradecer também à Daniele Moreno, por ser minha
namorada e amiga, e por me levantar em momentos de cansaço durante o curso. E a todos
meus colegas de EFA, obrigado por esse mês de convivência e de troca de experiências.
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300
Propriedades estruturais e químicas das folhas não estão associadas à ocorrência
de epífilas em plântulas de uma floresta tropical úmida
Paulo Roberto de Lima Bittencourt
Introdução
Uma grande parte da superfície terrestre é coberta por folhas. Na floresta amazônica, por
exemplo, existem em média 6 m2 de área foliar para cada metro quadrado de solo (Bréda
2008). Em função disso, uma série de processos e padrões associados às plantas dependem de
efeitos que ocorrem no nível da folha. Elas, ao transpirar, conectam, através de caule e raízes,
diferentes profundidades do solo com a atmosfera (Tyree & Ewers 1991), realizam a
transformação de energia solar em energia química (Chapin III et al. 2002), influenciam na
entrada e saída de radiação do planeta (Campbell & Norman 1998) e são um dos principais
determinantes do acoplamento da camada de ar da superfície terrestre com a atmosfera
(Penman 1948; Gentine et al. 2011).
Um dos fatores que pode afetar fortemente o funcionamento das folhas e,
consequentemente, os processos e padrões associados às plantas é a quantidade de água que
fica retida na superfície das folhas após eventos de chuva, neblina ou formação de orvalho
(Rosado & Holder 2012). A camada de água que fica retida na lâmina foliar afeta as trocas
gasosas das plantas, visto que o CO2 difunde 10000 vezes mais lentamente na água do que no
ar (Brewer et al. 1991). Plantas com a superfície foliar molhada reduzem a abertura estomática
e a fotossíntese (Ishibashi & Terashima 1995). Além disso, a retenção de água na superfície
das folhas também leva à maior ocorrência de doenças foliares (Djurle et al. 1996). Por outro
lado, folhas que passam mais tempo molhadas transpiram menos (Eller et al. 2013) e,
possivelmente, absorvem mais água pelas folhas (Oliveira et al. 2014). Assim, propriedades
estruturais (como morfologia e ângulo da folha), propriedades químicas das ceras na cutícula
foliar e características microestruturais foliares (como tricomas e projeções da cutícula)
301
ligadas à retenção de água (Holder 2012), podem estar sob pressão seletiva nas plantas. Esse
pode ser, por exemplo, um dos motivos de plantas de ambientes mais úmidos apresentarem
menor retenção de água nas folhas que plantas de ambientes mais secos (Brewer & Smith
1997).
Em florestas tropicais úmidas, a alta frequência de chuvas faz com que as folhas de
plantas do sub-bosque permaneçam muito tempo molhadas. Isso favorece o crescimento de
organismos epífilos sobre a superfície das folhas. A epifilia em florestas tropicais úmidas pode
chegar a 45% em folhas com dois anos de idade, reduzindo a interceptação de luz entre 55-
85% e a fotossíntese em no mínimo 20% (Coley et al. 1993). O prejuízo causado às plantas
pelas epífilas pode inclusive estar relacionado ao surgimento de adaptações foliares, como os
bicos de gotejamento, que reduzem a retenção de água na folha (Burd 2007; Tokumoto et al.
2013).
Tokumoto (2013) não encontrou a relação entre epifilia e dois fatores que favorecem
o escoamento de água da folha: a eficiência de diferentes bicos de gotejamento e a inclinação
das folhas. Eventualmente, os mecanismos de defesa contra epifilia podem estar associados a
outros atributos foliares. Desta forma, busquei entender se há relação entre propriedades da
superfície foliar e a ocorrência de organismos epífilos. Minha hipótese é que a epifilia é menor
em folhas que retém menos água.
Métodos
Realizei esse estudo em uma floresta tropical úmida de terra firme contínua na Área de
Relevante Interesse Ecológico Projeto Dinâmica Biológica de Fragmentos Florestais (ARIE-
PDBFF; 2°24’ S; 59°44’ O), localizada a aproximadamente 80 km ao norte de Manaus, Brasil.
A região apresenta temperatura anual média de 26,7 oC, sazonalidade de precipitação e
pluviosidade anual variando entre 1900 e 2400 mm. A estação seca é de julho a setembro e
apresenta, em média, menos de 100 mm de chuva por mês (Lovejoy & Bierregaard 1990).
302
Para medir a cobertura de epífilas, a retenção de água da folha e estimar a aderência
de água na folha, coletei folhas de 30 morfotipos diferentes de plântulas entre 0,5 e 1,5 m de
altura, sendo que nenhuma das plântulas apresentava ramos laterais. Para medir a cobertura
de epífilas, coletei três folhas em alturas diferentes de cada planta. Coletei a primeira, terceira
e quinta folha de cada morfotipo, contando da base para o ápice. Presumi que quanto mais
basal a folha, maior sua idade. Para medir a cobertura de epífilas, coloquei uma grade
transparente de 9 cm2 dividida em 144 células de mesmo tamanho sobre a folha. Contei o
número de células da grade com epífilas e dividi pelo número total de células sobre a folha
para obter a porcentagem de área foliar coberta por epífilas. Utilizei a média da porcentagem
de área coberta por epífilas das três folhas como indicador de cobertura de epífilas de cada
morfotipo.
Estimei as propriedades químicas e estruturais da folha que promovem aderência à
água ao medir o ângulo de retenção da gota de água na lâmina foliar (AR; Rosado & Holder
2012). Para isso, fixei uma folha adulta sem epífilas em uma base plana na horizontal e, usando
uma pipeta pasteaur, coloquei uma gota de água de aproximadamente 40 μL sobre a lâmina
foliar. Inclinei essa base com a folha até a gota de água se deslocar. Medi o ângulo de
inclinação da base em relação à horizontal com um transferidor no momento em que a gota se
deslocou (Brewer et al. 1991). De acordo com esse procedimento, quanto mais fortemente a
água se aderir à folha, maior será seu AR.
Estimei a retenção de água da folha (RF) medindo a massa de água na folha após
simular um evento de chuva que sature a folha de água. A RF depende tanto da aderência da
folha para a água quanto da morfologia e do ângulo da folha (Holder 2012). Por essa razão,
medi a inclinação em relação à horizontal de uma folha adulta sem epífilas ainda na planta
com um transferidor e coletei essa folha. Em seguida, medi sua massa, fixei a folha na mesma
inclinação que medi na planta e a molhei com um regador. Posteriormente medi a massa da
folha com a água que permaneceu nela. Subtraí a massa da folha antes desse procedimento
303
pela massa da folha molhada para obter a RF. Dividi a RF pela área da folha para obter a RF
por unidade de área foliar e poder comparar folhas de diferentes tamanhos. Para estimar a área
das folhas, considerei que as folhas possuem a forma de uma elipse e calculei sua área
considerando o comprimento como o raio maior e a largura como o raio menor.
Para testar minha hipótese de que a epifilia é menor em folhas que retém menos água,
verifiquei (i) se folhas com menor AR apresentam menor cobertura de epífilas; e (ii) se folhas
com menor RF apresentam menor cobertura de epífilas. Utilizei uma regressão linear múltipla
para verificar se há relação entre AR e RF (variáveis preditoras) e a porcentagem de cobertura
de epífilas (variável resposta). Realizei as análises no programa R (versão 2.15.1; R Core
Team 2012).
Resultados
A área das folhas amostradas foi de 245±164 cm2 (média±desvio padrão). A inclinação das
folhas dos diferentes morfotipos na planta foi de -4,1±17,0o, enquanto o AR foi de 39,7±17,6o.
Os resultados indicam que a cobertura de epífilas aumentou com a idade da folha (Kruskal-
Wallis H=16,9, gl=2, p<0,001; Fig. 1).
Figura 1. Cobertura de epífilas (%) em folhas de diferentes idades nos morfotipos amostrados
em uma floresta tropical úmida da Amazônia Central. A folha basal é a mais velha e folhas
acima da basal são folhas progressivamente mais jovens (basal+2 e basal+4 indicando o
304
número de folhas acima da folha basal). A linha horizontal representa a mediana, as caixas
representam os percentis 25 e 75 e as barras verticais representam ±2 desvio padrões.
O AR foi maior que a inclinação das folhas na planta em todos os morfotipos. No
entanto, não encontrei relação entre AR (F(1,26)=0,59,p=0,44), RF (F(1,26)=0,002,p=0,96) e a
interação de AR e RF (F(1,26)=0,79,p=0,79) com a cobertura de epífilas (Fig. 2).
Figura 2. Relação entre ângulo de retenção de gota de água (o) e porcentagem de cobertura de
epifilas (a); e relação entre retenção de água na folha (g m-2) e porcentagem de cobertura de
epífilas (b) em plântulas de uma floresta tropical úmida da Amazônia Central.
Discussão
A ausência de relação entre AR e cobertura de epífilas indica que as propriedades
microestruturais e químicas da folha consideradas nesse estudo não estão associadas à
305
ocorrência de epífilas. Já a ausência de relação entre RF e a cobertura de epífilas indica que a
morfologia da folha também não está associada à ocorrência de epífilas. Todas as folhas
apresentaram inclinação natural menor que o AR, indicando que o escoamento de água devido
à inclinação da folha possui uma baixa eficiência.
A cobertura de epífilas foi maior em folhas mais velhas (basais) que em folhas mais
jovens (apicais; Fig. 1). Conforme as folhas envelhecem, sua capacidade fotossintética
diminui (Rodriguez-Calcerrada 2012) e elas recebem menos luz por serem sombreadas pelas
folhas mais jovens. Isso pode fazer com que folhas velhas contribuam pouco para a capacidade
fotossintética total da planta e tenham pouca importância adaptativa. Dessa forma, não haveria
uma forte pressão seletiva para a retenção de água na folha.
Outra possibilidade é que a ocorrência de epífilas não tenha uma relação direta com a
retenção de água da folha, mas dependa de uma quantia mínima de umidade no ambiente,
acima da qual elas podem ocorrer independentemente da água acumulada na lâmina foliar.
Isso é possível considerando que florestas tropicais úmidas têm alta umidade (Mendes e
Marenco 2014), principalmente no sub-bosque (De Frenne et al. 2013). Além disso, folhas
com epífilas retêm mais água que folhas sem epífilas por aumentarem a tridimensionalidade
da superfície da folha (Lücking 1999). Portanto, mesmo que haja períodos secos, o
estabelecimento eventual de uma epífila em um período particularmente úmido pode facilitar
a ocorrência de outras epífilas ao modificar as propriedades de retenção de água da folha.
Apesar da epifilia implicar em uma redução na capacidade fotossintética da planta, é
possível que as adaptações para reduzir essa interação sejam mais custosas para a planta que
os prejuízos causados por ela. Para a superfície foliar permanecer pouco aderente é necessária
a manutenção de uma camada de ceras que é constantemente lixiviada pela chuva (Neinhuis
& Barthlott 1997). Essa camada é feita de lipídios (Raven et al. 2007) e o custo energético
para mantê-la pode ser alto para plântulas do sub-bosque. Além disso, a luz do sub-bosque é
um fator limitante para o crescimento de plântulas (Craine & Dybzinski 2013) e a manutenção
306
de folhas mais inclinadas para reduzir a retenção de água pode levar a uma redução na
interceptação de luz e, consequentemente, na capacidade fotossintética. A soma desses custos
pode fazer com que seja menos custoso ter epífilas do que evitá-las.
A epifilia foi quase ubíqua nos morfotipos analisados. Apesar dos possíveis prejuízos
que a epifilia pode causar (Coley et al. 1993), o custo de evitá-la pode ser muito alto. Nesse
sentido, é possível que as plantas utilizem a produção contínua de novas folhas como
estratégia de escape da epifilia. Assim, a epifilia pode não estar associada à retenção de água
na folha, mas à longevidade foliar. Em uma situação extrema, como casos em que as plântulas
são incapazes de produzir novas folhas, a epifilia pode ser um fator importante de mortalidade
por reduzir a capacidade fotossintética.
Agradecimentos
Agradeço ao Paulinho pelas idéias e orientações. Agradeço ao Paulinho e à Joana por
revisarem este trabalho. Agradeço à meus amigos do EFA pelo carinho, companhia e
guloseimas. Agradeço ao Seu Jorge e Dona Eduarda pela comida gostosa. Agradeço às
pessoas invisíveis da equipe logística do EFA. Agradeço ao café, sem o qual nada disso seria
possível. Agradeço às festas, sem as quais tudo seria pela metade. Agradeço ao Igarapé.
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310
Influência da heterogeneidade ambiental sobre a riqueza e abundância de
aracnídeos em uma floresta de terra firme na Amazônia Central
Ronildo Alves Benício
Introdução
A heterogeneidade de hábitats é um importante mecanismo estruturador das comunidades
(Tews et al. 2004). No geral, ambientes estruturalmente mais complexos fornecem um número
maior de nichos (Allouche et al. 2012). Isso possibilita a coexistência de espécies com
diferentes requerimentos de recursos e condições, permitindo o aumento do número de
espécies (Townsend et al. 2006).
Em ambientes onde muitos hábitats podem suportar diferentes populações de espécies,
a diversidade pode ser alta por causa da presença de espécies especialistas que exibem
distintas preferências de hábitats. Esta associação entre hábitats e espécies com requerimentos
específicos sugere que a diversidade é afetada pela heterogeneidade do hábitat (Cramer &
Willig 2002). A heterogeneidade do hábitat geralmente é associada à vegetação, que tem sido
considerada como uma dos principais fatores estruturadores da comunidade de artrópodes
(Scheidler 1990). Locais com vegetação mais densa pode proporcionar mais locais de refúgio,
sítios de nidificação e maior variedade de alimento, favorecendo a ocorrência de mais
espécies.
Os aracnídeos estão entre os organismos mais comuns que habitam a vegetação. Estes
organismos apresentam diferentes estratégias para forragear e capturar presas nesses
ambientes (Santos et al. 2003). Por exemplo, enquanto alguns grupos adotaram a estratégia
do tipo de senta-e-espera, outros grupos forrageiam ativamente na vegetação. Além disso,
muitas espécies estão associadas a flores, folhas, e troncos de várias espécies de plantas, que
podem representar diferentes recursos e condições para estes organismos (Nentwing et al.
311
1993). Logo, quanto maior a variedade destes recursos nos hábitats maior o número de locais
potenciais de forrageamento, abrigo e captura de presas para os aracnídeos.
Meu objetivo foi avaliar como a heterogeneidade de hábitat, medida por atributos da
estrutura da vegetação, afeta as comunidades de aracnídeos do sub-bosque. Acredito que a
riqueza e abundância de aracnídeos será maior em ambientes mais heterogêneos.
Métodos
Realizei este estudo na Reserva Florestal do Km 41 (02º 24’ S, 59º43’ O), localizada cerca de
80 km ao norte de Manaus, na Área de Relevante Interesse Ecológico Projeto Dinâmica
Biológica de Fragmentos Florestais (ARIE - PDBFF), Amazônia Central. A reserva tem cerca
de 10.000 ha de vegetação classificada como floresta de terra firme (Laurance et al. 2010). O
clima da região é tropical úmido, com temperatura média anual de 26,7 °C e pluviosidade
média de 2000 mm por ano (Lovejoy & Bierregaard 1990).
Para avaliar a influencia da heterogeneidade sobre a riqueza e abundância de aracnídeos,
amostrei 30 parcelas de 3 x 3 m do sub-bosque em uma área no interior da floresta primária.
Cada parcela distava pelo menos 20 m entre si. Selecionei parcelas em diferentes ambientes
para captar uma maior variação de hábitats, e consequentemente uma maior heterogeneidade.
Selecionei 15 componentes do sub-bosque e utilizei a abundância de cada um para medir a
heterogeneidade de cada parcela (Tabela 1). Esses 16 componentes representam locais
potenciais de forrageamento, abrigo e captura de presas de escorpiões, opiliões, amplipígeos
e para a construção de teias de aranhas (Dias 2004).
312
Tabela 1. Categorias selecionadas para estimar a heterogeneidade em parcelas de 3 x 3 m em
uma floresta de terra firme, Amazônia Central. DAP = Diâmetro à altura do peito.
Categorias Abundância total
Araceas no solo 15
Árvores (DAP 10 – 30 cm) 71
Árvores (DAP 31 – 50 cm) 18
Árvores (DAP 51 – 70 cm) 3
Árvores (DAP 71 – 90 cm) 6
Árvores (DAP > 91 cm) 8
Árvores com lianas 25
Árvores com epífitas 3
Árvores mortas (não tombada) 9
Bromélias no solo 4
Cipós 38
Plântulas (altura 1 cm – 50 cm) 622
Plântulas (altura 51 cm – 2 m) 2091
Palmeiras 51
Troncos caídos 43
Coletei os aracnídeos no sub-bosque entre o solo e 2 m de altura do solo. As coletas
duraram três dias, e foram conduzidas entre 20:00 h e 1:00 h. Exemplares sobre a serapilheira
não foram coletados. Os espécimes coletados foram separados em morfoespécie.
Para quantificar a heterogeneidade da parcela usei o índice de diversidade de Simpson
(S). Como valores mais altos do índice de Simpson representam menor diversidade, usei o
inverso do índice de Simpson (1/S) como medida de heterogeneidade. Assim, valores mais
altos do inverso do índice de Simpson indicam um maior número e equabilidade de
componentes da vegetação por parcela. Fiz uma regressão linear simples da riqueza e
abundância dos aracnídeos (variáveis respostas) em função da heterogeneidade do hábitat
(1/S), usando distribuição de Poisson. Comparei cada regressão com o modelo nulo. As
análises foram feitas no programa R (The R Development Core Team 2009).
313
Resultados
Contabilizei 3007 componentes estruturais da vegetação do sub-bosque. E as plântulas (altura
51 cm – 2 m) foram as mais abundantes (n = 2091; Tabela 1). A abundância dos componentes
variou de 3 a 2091 (200±527; média±DP)
Coletei 192 indivíduos de aracnídeos de 105 espécies, sendo 94 da família Araneae, oito
de Opilionida, uma espécie de Amblypygi (Heterophrynus longicornis), uma espécie de
Scorpionida (Tityus obscurus) e uma de Pseudoscorpionida. O número de espécie por parcela
variou de 1 a 13 (6±4 espécies). A maioria das espécies (82%, n = 86) só foi capturada uma
vez. Apenas uma espécie (Opilionida) foi amplamente distribuída na área de estudo,
ocorrendo em 11 parcelas. Encontrei uma relação positiva da riqueza (χ2= 79,77; gl. = 28; p <
0,01; Fig. 1) e abundância (χ2 = 110,67; gl. = 28; p < 0,01; Fig. 2) dos aracnídeos com a
heterogeneidade do sub-bosque.
Figura 1. Relação entre riqueza de espécies de aracnídeos e a heterogeneidade (1/S) do sub-
bosque em uma área de floresta primária de terra firme na Amazônia Central.
314
Figura 2. Relação entre abundância de aracnídeos e a heterogeneidade (1/S) do sub-bosque
em uma área de floresta primária de terra firme na Amazônia Central.
Discussão
Neste estudo encontrei uma relação positiva da riqueza e abundância de aracnídeos com a
heterogeneidade do sub-bosque. Essa relação provavelmente deve-se à maior disponibilidade
de locais para refúgio, nidificação e obtenção de alimento, o que permite a coexistência de um
maior número de espécies (Scognamillo et al. 2003, Tews et al. 2004).
A complexidade estrutural, medida pelo número de ramificações, tamanho e forma das
folhas, tem sido considerada um dos principais fatores na determinação da abundância de
aranhas (Robinson 1981, Gunnarsson 1990, Scheidler 1990, Evans 1997). A vegetação
aumenta os pontos de ancoragem das teias, locais para construção de abrigo e captura de
presas para esses organismos. Para opiliões e amblipígeos, o número de árvores e troncos
caídos têm sido determinantes para a ocorrência das espécies (Dias 2004, Pinto-da-Rocha &
Bonaldo 2006). No presente estudo, os ambientes mais heterogêneos foram aqueles que
apresentaram o maior número de componentes da vegetação. A ocorrência dos aracnídeos é
determinada pelo maior número de atributos do hábitat (Battirola et al. 2004, 2005). Algumas
espécies de aranhas, por exemplo, ocorrem preferencialmente sobre bromélias, e outras vivem
315
estritamente associadas a flores, folhas, e troncos de várias espécies de plantas (Nentwing et
al. 1993, Romero & Vasconcellos-Neto 2007).
Com um aumento da heterogeneidade, mais espécies e indivíduos podem coexistir.
Como as espécies possuem diferentes requerimentos, quanto maior a heterogeneidade maior
será a variedade de nichos, logo diferentes espécies podem ocupar os espaços disponíveis
(Pianka 1994). Indivíduos territorialistas que selecionam melhores hábitats podem obter
abrigos de melhor qualidade e ter mais sucesso na captura de presas. O padrão encontrado
neste estudo demonstra que o aumento da heterogeneidade local pode aumentar a riqueza e
abundância das espécies de aracnídeos do sub-bosque. Logo, uma maior heterogeneidade
pode proporcionar uma gama maior de territórios adequados para ocupação das espécies e
uma menor competição por espaço.
Agradecimentos
À Paulo Estefano Bobrowiec e Paulo Enrique Peixoto pelas orientações e discussões
esclarecedoras. À Gabriela Hass, Isa Barragan e Maíra Sagnori pelo auxílio em campo. Aos
monitores Lucas Paolucci e Raul Costa-Pereira por toda ajuda. E, finalmente, a todos que
formaram a turma EFA 2014 pela alegria e companheirismo.
Referências
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319
É das flores que elas gostam mais? Comparação da eficiência de defesa das
estruturas vegetativas e reprodutivas por formigas do gênero Crematogaster em
Palicourea guianensis (Rubiaceae)
Vítor de C. Rocha
Introdução
Interações entre pares de espécies que geram benefícios para as espécies envolvidas são
chamadas de mutualismo (Bronstein 2009). Quando essa interação não exige obrigatoriedade
entre as espécies associadas é denominada de mutualismo difuso. Nesse caso, os benefícios
para as espécies envolvidas variam de acordo com quais espécies fazem parte da associação
(Bronstein 1994).
A interação entre diferentes espécies de formigas e diferentes espécies de plantas
(mirmecófilas) é um exemplo de mutualismo difuso, sendo comumente encontrado em
ecossistemas tropicais (Keeler 1980). A associação formiga-planta pode acontecer devido à
presença de estruturas nas plantas que são atrativas para as formigas, como, por exemplo, os
nectários extraflorais (NEFs). As formigas são atraídas pelo néctar produzido pelos NEFs e
em contra partida podem acabar atuando como agentes de defesa contra herbívoros (Miller
2014).
NEFs podem ser encontradas em partes da planta como folhas, flores e frutos e não
estão diretamente ligadas à reprodução das plantas (Elias 1983). O néctar secretado pelos
NEFs é uma substância rica em açúcares e aminoácidos que requer um custo energético
elevado para sua produção (Heil 2011). Estima-se que 37% da energia provinda da
fotossíntese seja alocada para a produção do néctar (Bronstein 1998).
Acredita-se que existe uma relação de custo-benefício entre a produção do néctar e a
defesa promovida pelas formigas, o que justificaria a manutenção desse mutualismo ao longo
do processo evolutivo (Del-Claro & Santos 2000, Leal et al. 2006). Algumas plantas podem
320
apresentar maior número de NEFs nas partes reprodutivas do que nas vegetativas (Ribeiro et
al. 1999). Maior número de NEFs pode elevar o número de formigas forrageando nas partes
reprodutivas das plantas, uma vez que a disponibilidade de recurso aumenta (Shenoy et al.
2012). Assim, os locais que apresentam maior número de NEFs podem apresentar uma defesa
promovida pelas formigas mais eficiente contra herbívoros (Subedi et al. 2011).
As formigas do gênero Crematogaster são frequentemente encontradas forrageando
em plantas que apresentam NEFs. A dieta dessas formigas é composta principalmente de
recursos ricos em açúcares, o que faz os NEFs uma fonte altamente atrativa (Brandão et al.
2009). As formigas do gênero Crematogaster podem nidificar ao redor dos NEFs das folhas
(obs. pess.) e impedir que outras espécies de formiga acessem os nectários. Além disso, essas
formigas podem expelir ácido fórmico contra predadores ou competidores quando ameaçadas
(Hölldobler & Wilson 2005). Essas características fazem com que essas formigas ao
forragearem a planta acabem expulsando possíveis herbívoros, dominando e defendendo seu
recurso de forma eficiente (Brandão et al. 2009).
Formigas do gênero Crematogaster já foram registradas visitando os NEFs de
Palicourea guianensis (Rubiaceae; obs. pess.). Essa planta é uma espécie arbustiva que
apresenta NEFs na base de suas folhas e na base das flores de sua inflorescência (Ribeiro et
al. 1999). Nesse sentido, meu objetivo foi comparar a eficiência da defesa das estruturas
reprodutivas e vegetativas de P. guianensis por formigas do gênero Crematogaster. Minha
hipótese é que as inflorescências de P. guianensis serão defendidas de maneira mais eficiente
por formigas do gênero Crematogaster do que as folhas.
Métodos
Realizei este estudo em uma floresta de terra firme da Área de Relevante Interesse Ecológico
Projeto Dinâmica Biológica de Fragmentos Florestais (02º24’S e 59º44’O), região central da
321
Amazônia Brasileira (Bierregaard et al. 2001). O clima da região é tropical do tipo Am -
tropical úmido de monções, conforme classificação de Köppen-Geiger (Peel et al. 2007).
Selecionei 26 indivíduos de P. guianensis com inflorescência visitadas por formigas
do gênero Crematogaster. Apliquei dois tipos de tratamento utilizando os mesmos indivíduos
de P. guianensis. No primeiro tratamento, cortei um botão floral localizado na parte mais
apical da inflorescência para promover estímulos mecânicos e químicos, de modo a simular o
dano causado por um herbívoro. Utilizei como indicativo de recrutamento o aparecimento de
duas ou mais formigas no local do estímulo. O recrutamento das formigas operárias foi o
indicativo da eficiência da defesa contra herbívoros. Após o corte, contei o número de
formigas recrutadas no local após um intervalo de dois minutos, tempo suficiente para o
recrutamento das formigas (obs. pess.). No segundo tratamento cortei uma folha da parte mais
apical das mesmas plantas que tiveram a inflorescência danificada para promover estímulos
mecânicos e químicos assim como no primeiro experimento. Após o corte, contei o número
de formigas recrutadas no local do corte após um intervalo de dois minutos. Cada tratamento
foi realizado uma única vez por indivíduo, em dias consecutivos e no mesmo horário. Realizei
um teste-t pareado para comparar a taxa de recrutamento das formigas nas inflorescências e
nas folhas cortadas.
Resultados
Dos 26 indivíduos de P. guianensis observados, apenas um indivíduo não apresentou
recrutamento na inflorescência e três indivíduos não apresentaram recrutamento na folha.
Nenhuma planta não apresentou recrutamento nas duas estruturas observadas. O número de
formigas recrutadas foi muito variável em cada estrutura. Nas inflorescências o número de
formigas variou de zero a 29, enquanto que na folha a variação foi de zero a 33 formigas. O
valor médio da taxa de recrutamento das operárias nas inflorescências foi de 4,37 ± 3,34
formigas por minuto (média ± desvio padrão) enquanto que nas folhas foi de 3,21 ± 4,01. A
322
taxa de recrutamento de operárias foi semelhante nas inflorescências e nas folhas (t = 1,32; gl
= 25; p = 0,099; Fig. 1).
Figura 1. Recrutamento de operárias de Crematogaster (nº formigas/min) em inflorescências
e folhas danificadas de Palicourea guianensis em uma floresta de terra firme na Amazônia
Central. As linhas conectam os valores da taxa de recrutamento da inflorescência e da folha
de um mesmo indivíduo.
Discussão
O resultado demonstrou que as formigas do gênero Crematogaster defendem com a mesma
intensidade as folhas e as inflorescências de P. guianensis, indicando não haver ajuste de
defesa pelas formigas em função do tipo de estrutura da planta. Possivelmente, a planta investe
igualmente na produção de NEFs nas estruturas vegetativas e reprodutivas. Esse investimento
parece ser suficiente para garantir a atração e a defesa das formigas por toda a planta.
Embora a planta invista de forma fixa na atração das formigas, os benefícios que cada
indivíduo recebe vai depender das características intrínsecas das formigas que a visitam
(Miller 2014). A frequência de patrulha das formigas na planta está diretamente relacionada
com a qualidade do benefício (Vázquez et al. 2005). Plantas que são patrulhadas com maior
frequência pelas formigas, acabam sendo melhor defendidas, uma vez que aumenta a
probabilidade de uma formiga encontrar um possível herbívoro na planta.
323
Em P. guianensis, o recrutamento das formigas foi muito variável entre os indivíduos.
Isso pode ter sido um reflexo da variação na qualidade e quantidade do néctar nos NEFs.
Plantas que disponibilizam pouco néctar ou de baixa qualidade possivelmente atraem poucas
formigas. Além da qualidade dos NEFs, a disponibilidade de alimento próximo ao ninho pode
determinar a qualidade de defesa na planta, mesmo que todos os indivíduos de P. guianensis
tenham formigas do gênero Crematogaster. Ninhos com déficit de recursos açucarados
provavelmente irão alocar mais operárias para visitar a planta em busca de néctar (Hölldobler
& Wilson 2005). Isso pode aumentar a taxa de recrutamento, conferindo maior defesa para o
indivíduo de P. guianensis.
A variação dos benefícios recebidos pela planta pode trazer implicações evolutivas
(Kessler & Heil 2011). Os NEFs tem sido indicado como um atributo importante para a
proteção da planta contra herbívoros (Quintero et al. 2013). Indivíduos com NEFs de melhor
qualidade podem ser selecionados principalmente em locais onde a taxa de herbivoria exerce
alta pressão na sobrevivência e reprodução dos indivíduos. Aqueles indivíduos que
conseguem se associar com formigas melhor defensoras contra herbívoros podem ter maior
sucesso reprodutivo. Deixando mais descendentes, os atributos desses indivíduos podem
acabar sendo selecionados.
Agradecimentos
Agradeço à coordenação e a comissão organizadora do curso de Ecologia da Floresta
Amazônica pela qualidade do curso e por propiciar experiências únicas e inesquecíveis de
alegria e aprendizado no meio da “Amazônha biodiversíti”. Agradeço também todos os meus
orientadores dos POs: Rodrigo “rabisco” pela chuva de formigas, Danilo “axpira” pelo plano
b de barata, Fabrício “chapado” por nos fazer entrar pelo cano e a Tia Laura pelas incontáveis
infinitas formigas. E claro, agradeço também a eles pelas ideias, dicas e ensinamentos. Meu
obrigado a todos os professores que passaram pelo curso e aos revisores dos trabalhos. A
324
contribuição de vocês foi essencial para ampliar o conhecimento da galera, e para nos fazer
rir com as besteiras que escrevemos. Um salve também pros monitores, Lucas e Raul, pela
ajuda nas “correição” dos trabalhos e nas parcerias já de manhã logo cedo.
Um agradecimento especial para Paulinho “bonita” e Paulinho “morcego” que sempre
se certificavam que eu ainda estava respirando durante minha semana de zica no barco. E
também pela ajuda na contagem de quantas vezes eu tinha vomitado por dia. Mas não só por
isso mas também pelos medicamentos e pela ajuda nas contribuições em todos os trabalhos.
Cabe aqui também mencionar a Tia Laura, pois sem seus conhecimentos mutualísticos, eu
ainda estaria andando em círculos no meu projeto individual.
Valeu pela companhia de todos coleguinhas de EFA! Mais de uns do que de outros,
mas faz parte né!! Citar a contribuição de cada um de vocês não caberia aqui. Mas o importante
é que graças a vocês, tivemos momentos hilários, depressivos, surreais, assustadores,
nostálgicos e alucinantes!!!
Referências
Bierregaard, R.O.Jr., C. Gascon, T.E. Lovejoy & R.C.G. Mesquita. 2001. Lessons from
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