Post on 22-Aug-2020
RBEn, 30 : 286-293, 1977
PROGRAMAS EDUCATIVOS EM ENFERMAGEM PERI NATOLóGICA *
Margaret Mein da Costa * *
RBEn/07
COSTA, M.M. - Programas educativos de enfermagem perinatológica. Rev. Bras. Enf.; DF, 30 : 286-293, 1977.
A perina tologia é essencial e básica aos demais ramos da enfermagem, visto que na sua ausência pouco restará para as demais especializações. A perinatologia deverá preocupar as educadoras de enfermagem tanto quanto àquelas enfermeiras cuj o setor de trabalho é a clínica obstétrica e o próprio berçário. O nascimento de uma criança sadia, a sua sobrevivência e desenvolvimento normal constitui o objetivo da enfermagem perinatológica. Os meios utilizados para este fim variam de acordo com as estruturas econômicas, administrativas, os serviços de saúde, o material e equipamento e a mão-de-obra utilizada. Devemos nos conscientizar da inter-relação existente entre os programas educativos de enfermagem e o índice de mortalidade infantil na região. A proporção que o primeiro fator crescer em qualidade, o segundO fator decrescerá em quantidade. Há necessidade da preparação de um profissional especializado em enfermagem perinatológica que possa atuar como membro ativo da equipe de um centro de perina tologia.
Sabemos que a mortalidade infantil varia através do território nacional. Durante esta V Reunião Brasileira de Pe.rinatologia, inúmeros dados estatísticos, gráfiCOS e tabelas têm sido apresentados para esclarecer causas etiológicas e diagnósticos dos mais variados. Neste trabalho desej amos abordar a qualificação da mão-de-obra como um dos fatores etiológicos de maior relevância.
Na Região Nordeste a morbidade e mortalidade · infantil apresentam índices altíssimos, dentre os mais elevados 'do. mundo. Exemplificando, precisamos citar apenas os dados vitais de uma ca-· pital no litoral nordestino para o anOo de 1975 :
Nascidos vívos . . . . . . . . . . . . . . . . . Mortalidade infantil . . . . . . . . . . . .
12.663. 1.398
Tal índice constitui um desgaste humano e uma drenagem econômica de grande vulto para uma região que já s e encontra subdesenvolvida d o ponto de vista da saúde. A mortalidade infantil acima citada representa 1/3 da mortali-
.. Enfermeira-Educadora do Projeto HOPE .-- Natal. • Trabalho apresentado a II Reunião Brasileira de Enfermagem Perinatal - Recife·
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COSTA, M.M. - Programas educativos de enfermagem perinatológica. Rev. Bras. Enf..; DF, 30 : 286-293, 1977.
dade total durante aquele mesmo ano. As principais causas mortis são evitávé'is, visto que 40 % são atribuídas a enterites diarréic·!:s, 20% a causas perinatais, 20% a pneumonias e 20% a causas outras. Entre estas últimas. bem como entre as demais causas, podemos atribuir a alta precoce do recém-nascido como um dos fatores prinCipais.
Como poderemos debelar tão vergonhosa evidência de assistência inadequada ao binómio mãe-filho no período perinatal ? Como pode uma região de saúde idealizar um programa de higiene materno-infantil se não está pronta :'1, confiar a execução do programa a profissionais qualificados? De que adianta aos cofres públicos dispender dinheiro no preparo de mão-de-obra se, um", vez qualificada, as instituições se negam a utilizá-la? De que adianta formar pessoal qualificado se os concursos para serviços de enfermagem ,são abertos para atendentes e pessoas sem qualificação específica? Através de uma matemática errada e cheia de preconceitos, o lápis e o papel são capazes de demonstrar que .,se pode contratar três pessoas (6 ,mãos e 6 pés) pelo salâ,rio de um auxiliar de enfermagem ou mesmo quatro pessoas (8 mãos e 8 pés) pelo salário de um técnico de enfermagem. Já
se foi a época em que o único requisito para se trabalhar em um berçário era possuir mãos leves e delicadas, coração bondoso e colo amplo e macio. Os con sumi dores dos programas de saúde con tinuam a receber atendimento precário devido a esta falsa economia, dizimando v:das e causando desperdícios avultadíssimos para os cofres da Nação. Precisamos conscientizar todos aqueles que administram para a severidade do problema, pois não só é imperativo qualificar a mão-de-obra através de progra, mas educativos, como também utilizar a mão-de-obra qualificada.
Convido a cada pessoa aqui presente a analisar a natalidade, morbidade e mortalidade infantil de sua cidade e de ;;eu Estado à luz dos programas de educa:ção de enfermagem existentes e à luz da utilização correta da mão-de-obra qualificada. Demonstramos no quadro 1 a natalidade e mortalidade infantil do município onde residimos, cobrindo um período de oito anos. No quadro 2 demonstramos os recursos para-médiCOS do Estado, sendo que o município onde residimos constitui a primeira região de saúde. Se justapostos forem quadros desta natureza através de todo território nacional, será óbvio que existe uma interrelação de causa e efeito.
Quadro 1 - Natalidade e Mortalidade Infantil :
Mortalidade Infz.ntil
Causas
Ano Nascidos vivos Enterite Total Perinatal Diarréica Pneumonia
1969 9 . 332 166 . 5 25 . 5 89 . 4 14 . 2 1970 9 . 838 162 . 3 28 . 1 87 . 4 16 . 9
1971 9 . 994 180 . 0 26 . 9 106 . 4 17 . 2
1972 10 . 033 153 . 1 30 . 6 56 . 2 14 . 8
1973 10 . 327 140 . 9 26 . 8 64 . 2 19 . 9 1974 1 1 . 285 102 . 7 19 . 2 49 . 8 16 . 4 1975 12 . 663 1 10 . 4 18 . 16 42 . 8 14 . 45
1976 ( 1/2 ano) 6 . 621 101 . 87 15 . 56 58 . 5 9 . 97
Primeira Região de Saúde
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Quadro 2 - Recursos Para-Médicos
Região Enfermeiro Auxiliar de Enfermagem
Atendente Parteira
1 2 3 4 5 6
TOTAL
30 2
1
33
352 12
3
367
546 114
2 3
73 56
794
90 13
2
13 3
121
Pessoal Para-Médico trabalhando nas Unidades de Saúde dos Municípios por região - 1974.
De outro lado, se analisarmos a in
fluência da educação e do serviço qua
lificado de enfermagem nas taxas da mortalidade infantil no Quadro 1, pode
remos observar um declinio a partir do ingresso das auxiliares de enfermagem (preparadas pelo Curso de AuxUiares
daquela capital) no mercado de trabalho local. O curso superior de enfermagem foi instalado em 1974, portanto
ainda não há enfermeiros diplomados
por aquela instituição. Mesmo assim
nota-se que o declínio é vagaroso e bastante pequeno, não só devido à quan
tidade insuficiente de mão-de-obra qualificada. como pela ausência de outros fatores que compõem um eficiente serviço de perinatologia.
Em 1972 o navio-hospital S. S. HOPE ancorou no porto de Natal, onde permaneceu durante dez meses atendendo convite das autoridades locais. Mediante convênios com a Secretaria de Saúde e a Universidade Federal, 03 profissionais daquele navio colaboraram na prestação de serviços à maternidade e infância da
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região. como também colaboraram paralelamente com programas de educação e treinamento do pessoal de enfermagem.
O navio partiu, porém, mediante solici
tação dos poderes competentes e renovação de convênios, o Projeto HOPE continua a colaborar com os programas de Saúde Materno-Infantil daquela cidade. Médicos obstetras, médicos pediatrEs, enfermeiras educadoras, enfermei
ras de Saúde Pública, nutricionistas e outros trabalham com contrapartes brasileiras nos diversos postos de saúde, maternidades, berçários e hospital infantil assim como também nos programas educativos para qualificação da mão-de-obra. No quadro 1 poderemos verificar evidências desta colaboração.
Ainda ex1ste muito que fazer; um verdadeiro gigante se nos avulta, exigindo para vencê-lo uma coordenação autêntica entre todas as entidades interessadas em realmente resolver tão assolador problema.
Se os dados vitais supra citados con
tinuam constatando a necessidade de
COSTA, M.M. - Programas educativos de enfermagem perinatológica. Rev. Bras. Enf.; DF, 30 : 286-293, 1977.
uma intervenção de alto gabarito para
prevenir contra as elevadas taxas de
morbidade e mortalidade infantn espe
cialmente entre os recém-natos de alto
risco, taxas estas que oneram sobremaneira os cofres públicos e dizlmam vidas
no nosso rincão nordestino, as educado
ras de enfermagem devem dar priorida
de à disciplina de perinatologia.
Ao se planejar os currículos dos vá
rios cursos de enfermagem, devemos re
conhecer que os programas educativos
para qualificação de pessoal para os ser
viços de perinatologia devem ser dife
renciados em conteúdo e duração, de
acordo com os objetivos de cada nível
de execução e categoria de pessoal. No
quadro 3 esboçamos os objetivos, local
de execução, equipamento necessário,
técnicas utilizadas, categoria de pessoal,
educação e treinamento necessário dos
diversos membros da equipe de enfer
magem.
Além dos cursos básicos e especializa
dos, deverá haver oferecimento periódiCO
de cursos de extensão universitária, cur
sos de atualização e reciclagem, progra
mas de treinamento em serviço, etc.,
com o intuito de manter a enfermagem
perinatológica sempre atualizada.
As evidências apontam para a neces
sidade de formarmos enfermeiras espe
cialistas em perinatologia através de
cursos de curta duração. O objetivo do curso é expandir e extender as funções da enfermeira para capacitá-la a atuar como membro de uma equipe especializada que utiliza técnicas específicas visando garantir a sobrevivência dos recém-nascidos de alto risco e dos recémnascidos normais que necessitarem de cuidados especiais.
O programa educativo para formação
dE' Enfermeira Perinatologista qualifica
la-á para participar da equipe perinatológlca na assistência ao binômio mãe-
filho nos serviços secundários e terciá
rios além dos primários. Sua atuação
prinCipal será j unto do paciente, porém
estará também capaCitada para colabo.
rar nos programas de educação e trei
namento da mão-de-obra de neonatolo
gia e para participar da pesquisa apli
cada. Uma sugestão de programa é colo
cada no quadro 4 a fim de situar a
leitora quanto à relação do conteúdo
deste curso em relação a outros já exis
tentes na área materno-infantil .
O curso de enfermagem perinatológica
acima exposto deverá ser ministrado em
um mínimo de quatro meses, em escolas
de enfermagem de âmbito universitário,
por uma equipe multidisciplinar. Uma
base científica servirá como núcleo das disciplinas. O progresso da tecnologia
exigirá r.àaior flexib1l1dade no ensino da
técnica necessitando no entretanto uma
constante revisão para mantê-las sempre atualizadas . A experiênCia clínica
deverá ser realizada em ambiente onde
o cuidado do paciente é ministrado por
uma equipe mult1disciplinar de profis
sionais com o apoio de pessoal aux1l1ar.
Após satisfeitas todas as exigências do
curso, a enfermeira receberá um certi
ficado que deverá ser renovado periodi
camente mediante comprovação de sua
partiCipação em programas de educaçãO'
contínua em perinatologia ou em assun
tos correlatos.
Este programa de espeCialização de
verá adicionar conhecimentos e habilitações àqueles já contidos no curso básico de enfermagem. O conteúdo do programa deverá ser dividido equitativamente entre teoria e prática, com estágio. Tais estágios serão realizados em concentração maior nas unidades de cuidado intensivo neonatal.
Uma mortalidade infantil que apre
senta taxas elevadas como aquelas que se nos deparam diariamente, poderá ser
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COSTA, M.M. - Programas educativos de enfermagem perinatológica. Rev. Bras. Enf.; DF, 30 : 286-293, 1977.
grandemente diminuída pela utilização de um Centro Regional de Perinatologia oRde a Enfermeira Perinatologista desenvolverá papel ativo na equipe. Em outros países, centros deste tipo têm reduzido a mortalidade infantil nas regiões que servem. A sUa missão principal é tripla: elevar a qualidade de cuidados perinatais por meio de serviços especializados, ·· promover a educação dos consumidores (mãe-filho) e dos profissionais mUltidisciplinares, e realizar pesquisa perinatológica.
Um estudo piloto neste sentido poderia ser levado a efeito em nosso meio se interesse houvesse p or parte das entidades publicas e privadas. Necessitaria apenas de liderança · e a união de recursos em
prol de um bem comum de grande efeito para a sociedade. Existein em nossa cidade duas · unidades integradas de saúde que possuem casa de parto anexa, e uma Maternidade Escola. · Um eficiente entrosamento entre aqueles serviços e a colaboração técnico-financeira de entidades privadas j á existentes na comunidade, poderia resultar em um Centro Regional de Perinatologia. Um serviço desta qualidade exigiria material. equi-
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pamento e mão-de-obra. Para transporte rápido e seguro dos recém-natos de hospitais locais para o centro, far-se-ia necessário veiculos munidos de incubadores própriOS e de perinatologistas. Inicialmente seria um investimento dispendiosa, porém possível de ser concret:zado através da união de esforços. Um Centro R?gional de Perinatologia seria o campo ideal para os estágiOS de curso de Enfermagem Perinatológica. Simbiose ideal.
RESUMO
Cada membro da equipe de enfermagem exerce função necessária e importante no cuidado perinatológico. O planejamento do cuidado é feito pela equlpc, a qual determina a distribuição dos deveres e responsabilidades de acordo com a categoria e o preparo de cada membro para realização de obj etivos pré-estabelecidos. A fim de debelar de forma concentrada e acelerada o alto índice de morbidade e mortalidade infantil nesta região sugerimos a introdução da Enfermeira Perinatalogista na equipe, e a criação de Centros Regionais de Perinatologia.
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Quadro 4. Sugestão de currículo para o curso de Enfermagem Perinatológica (de acordo com Schneider, Ziegel e Patterson ) .
1 . Anatomia, fisiologia e bioquímica da saúde e da doença em perinatologia - 4 hs. p/semana.
2 . Exame fisico e anaminése - 3 hs. p/semana.
3 . Avaliação das necessidades de cuidados de saúde perinatal de famílias que não apresentam complicações pré-natais - 2 hs. p/semana.
4 . Método e técnicas de comunicação - 3 hs. p/semana.
5 . Métodos, técnicas e habilidade dos cuidados de enfermagem perinatológica - 2 hs. p/semana.
6 . Teoria de crise e técnicas de intervenção - 2 hs. p/semana.
7 . Conceitos de ensino - aprendizagem - 2 hs. p/semana.
8 . Planejamento e atuação da equipe de enfermagem j unto a mãe - feto e/ou ao neonato de alto risco. 4 hs. p/semana.
9 . Experiência clinica e desenvolvimento da habilidade técnica - 14 hs. p/semana.
Total - 36 hs. semanais. 576 hs. = 16 semanas.
BIBLIOGRAFIA
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