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80 5.Força Eléctrica e Campo Eléctrico Todos nós estamos familiarizados com efeitos eléctricos: faísca que salta do dedo ao tocar numa maçaneta, após ter andado sobre um tapete, choque na porta do carro etc. Muitas das nossas experiências diárias baseiam-se em aparelhos que funcionam com energia transferida através da electricidade, que é fornecida pela companhia de energia eléctrica. Este capítulo inicia com o estudo das propriedades básicas de força electrostática, bem como de algumas propriedades do campo eléctrico associado com partículas carregadas estacionárias. Nosso estudo da electrostática continua, então, com o conceito de um campo eléctrico que está associado a uma distribuição contínua de carga e o efeito desse campo sobre outras partículas carregadas. Aplicaremos os modelos de uma partícula num campo e de uma partícula sob a acção de uma força resultante. Revisão histórica As leis da electricidade e do magnetismo desempenham um papel central na operação de aparelhos, tais como rádios, televisões, motores eléctricos, computadores, aceleradores de partículas de alta energia e em uma série de dispositivos electrónicos usados na medicina. Mais fundamental, entretanto, é o fato de que as forças interatômicas e intermoleculares responsáveis pela formação dos sólidos e dos líquidos têm origem eléctrica. Além disso, forças como as que empurram ou puxam os corpos em contacto e a força elástica em uma mola surgem das forças eléctricas ao nível atómico. Documentos chineses sugerem que o magnetismo já era conhecido por volta de 2000a.C. Os gregos antigos observaram fenómenos eléctricos e magnéticos possivelmente por volta de 700 a.c. Eles descobriram que um pedaço de âmbar, quando friccionado, atraía pedaços de palha ou penas. A existência de forças magnéticas foi conhecida a partir das observações de que as partes de uma pedra natural chamada magnetita (Fe304) eram atraídas pelo ferro. (O termo eléctrico vem da palavra grega para o âmbar, elektron. O termo magnético vem de Magnésia, na costa da Turquia, onde a magnetita foi encontrada.) Em 1600, o inglês William Gilbert descobriu que a electrificação não estava limitada ao âmbar, mas era um fenómeno geral. Os cientistas continuaram electrificando vários corpos, incluindo galinhas e pessoas! As experiências realizadas por Charles Coulomb em 1785 confirmaram a lei do inverso do quadrado para a força electrostática. Apenas na primeira parte do século XIX os cientistas estabeleceram que a electricidade e o magnetismo são fenómenos relacionados. Em 1820, Hans Oersted descobriu que uma agulha de bússola, que é magnética, é desviada quando colocada perto de uma corrente eléctrica. Em 1831, Michael Faraday na Inglaterra e, quase simultaneamente, Tópicos do Capítulo 5.1. Propriedades das Cargas Eléctricas 5.2. Isolantes e Condutores 5.3. Lei de Coulomb 5.4. Campo Eléctrico 5.5. Linhas do Campo Eléctrico 5.6. Movimento de Partículas Carregadas num Campo Eléctrico Uniforme

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5.Força Eléctrica e Campo Eléctrico

Todos nós estamos familiarizados com efeitos eléctricos: faísca que salta do dedo ao tocar numa maçaneta, após ter andado sobre um tapete, choque na porta do carro etc. Muitas das nossas experiências diárias baseiam-se em aparelhos que funcionam com energia transferida através da electricidade, que é fornecida pela companhia de energia eléctrica.

Este capítulo inicia com o estudo das propriedades básicas de força electrostática, bem como de algumas propriedades do campo eléctrico associado com partículas carregadas estacionárias. Nosso estudo da electrostática continua, então, com o conceito de um campo eléctrico que está associado a uma distribuição contínua de carga e o efeito desse campo sobre outras partículas carregadas. Aplicaremos os modelos de uma partícula num campo e de uma partícula sob a acção de uma força resultante. Revisão histórica As leis da electricidade e do magnetismo desempenham um papel central na operação de aparelhos, tais como rádios, televisões, motores eléctricos, computadores, aceleradores de partículas de alta energia e em uma série de dispositivos electrónicos usados na medicina. Mais fundamental, entretanto, é o fato de que as forças interatômicas e intermoleculares responsáveis pela formação dos sólidos e dos líquidos têm origem eléctrica. Além disso, forças como as que empurram ou puxam os corpos em contacto e a força elástica em uma mola surgem das forças eléctricas ao nível atómico.

Documentos chineses sugerem que o magnetismo já era conhecido por volta de 2000a.C. Os gregos antigos observaram fenómenos eléctricos e magnéticos possivelmente por volta de 700 a.c. Eles descobriram que um pedaço de âmbar, quando friccionado, atraía pedaços de palha ou penas. A existência de forças magnéticas foi conhecida a partir das observações de que as partes de uma pedra natural chamada magnetita (Fe304) eram atraídas pelo ferro. (O termo eléctrico vem da palavra grega para o âmbar, elektron. O termo magnético vem de Magnésia, na costa da Turquia, onde a magnetita foi encontrada.)

Em 1600, o inglês William Gilbert descobriu que a electrificação não estava limitada ao âmbar, mas era um fenómeno geral. Os cientistas continuaram electrificando vários corpos, incluindo galinhas e pessoas! As experiências realizadas por Charles Coulomb em 1785 confirmaram a lei do inverso do quadrado para a força electrostática. Apenas na primeira parte do século XIX os cientistas estabeleceram que a electricidade e o magnetismo são fenómenos relacionados. Em 1820, Hans Oersted descobriu que uma agulha de bússola, que é magnética, é desviada quando colocada perto de uma corrente eléctrica. Em 1831, Michael Faraday na Inglaterra e, quase simultaneamente,

Tópicos do Capítulo 5.1. Propriedades das Cargas Eléctricas 5.2. Isolantes e Condutores 5.3. Lei de Coulomb 5.4. Campo Eléctrico 5.5. Linhas do Campo Eléctrico 5.6. Movimento de Partículas Carregadas num Campo Eléctrico Uniforme

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Joseph Henry nos Estados Unidos mostraram que, quando se move um fio condutor perto de um ímã (ou, de maneira equivalente, quando um ímã é movido perto de um fio condutor), uma corrente eléctrica é observada no fio. Em 1873, James Clerk Maxwell baseou-se nessas observações e em outros fatos experimentais para formular as leis do electromagnetismo como as conhecemos hoje. Logo depois disso (por volta de 1888), Heinrich Hertz verificou as previsões de Maxwell produzindo ondas electromagnéticas no laboratório. Essa descoberta foi seguida por desdobramentos práticos como o rádio e a televisão.

As contribuições de Maxwell para a ciência electromagnético foram especialmente significativas porque as leis formuladas são básicas para todas as formas de fenómenos electromagnéticos. Seu trabalho é comparável em importância à descoberta por Newton das leis do movimento e da teoria da gravitação. 5.1. Propriedades das Cargas Eléctricas

São muitas as experiências simples que demonstram a existência das forças electrostáticas. Por exemplo passar o pente pelo cabelo, e verificar que o pente atrai pequenos pedaços de papel. Quando os materiais se comportam dessa maneira, diz-se que estão carregados electricamente. Damos ao nosso corpo uma carga eléctrica ao passar sobre um tapete de lã. Pode-se remover essa carga eléctrica tocando levemente outra pessoa. Num dia mais seco, pode-se ver a faísca transmitida pelo toque e as duas pessoas sentem um pequeno choque. Experiências demonstram que há dois tipos de carga eléctrica, que Benjamin Franklin (1706-1790) denominou de positiva e negativa. A Figura 5.1 mostra as interacções entre duas cargas eléctricas

Figura 5.1 (a) Uma haste de borracha carregada negativamente, suspensa por um fio, é atraída por uma haste de vidro carregada positivamente. (b) Uma haste de borracha carregada negativamente é repelida por outra haste de borracha carregada negativamente.

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A Figura 5.1 ilustra as interacções entre as duas cargas. Uma haste de borracha dura (ou de plástico) que seja friccionada com um material acrílico é suspensa por um fio. Quando uma haste de vidro que tenha sido friccionada com seda é aproximada da haste de borracha, esta é atraída para a haste de vidro (Figura 5.1a). Se forem aproximadas duas hastes de borracha carregadas (ou duas hastes de vidro carregadas), como na Figura 5.1b, a força entre elas é de repulsão. Essa observação demonstra que a borracha e o vidro têm tipos diferentes da carga. Usamos a convenção sugerida por Franklin; a carga eléctrica na haste de vidro é chamada de positiva e a da haste de borracha, de negativa. Com base nessas observações, concluímos que cargas iguais se repelem e cargas diferentes se atraem.

Sabemos que somente dois tipos de carga eléctrica existem porque toda a carga desconhecida que se observa experimentalmente ser atraída por uma carga positiva, é repelida também pela carga negativa. Nunca foi observado um corpo carregado que fosse repelido ou atraído tanto por uma carga positiva como por uma carga negativa. Outra característica importante da carga eléctrica é que a carga resultante num sistema isolado sempre é conservada; é o princípio da conservação da carga eléctrica para um sistema isolado. Quando dois corpos inicialmente neutros são carregados ao ser friccionados um contra o outro, não é criada carga no processo. Os corpos tornam-se carregados porque electrões são transferidos de um corpo para o outro. Um corpo ganha uma quantidade de carga negativa dos electrões que foram transferidos para ele, enquanto o outro perde uma quantidade igual de carga negativa e, consequentemente, fica com uma carga positiva. Por exemplo, quando uma haste de vidro é friccionada contra a seda, esta ganha uma carga negativa cuja magnitude é igual à da carga positiva na haste de vidro porque electrões negativamente carregados são transferidos do vidro para a seda. Do mesmo modo, quando a borracha é friccionada com um material de acrílico, electrões são transferidos do acrílico para a borracha. Um corpo que não está carregado contém um número enorme de electrões (da ordem de 1023). Entretanto, para cada electrão negativo também está presente um protão positivamente carregado; logo, um corpo não carregado é neutro pois não tem nenhuma carga resultante de um ou de outro sinal. 5.2. Isolantes e Condutores Já discutimos a transferência de carga de um corpo para outro. É também possível as cargas eléctricas se deslocarem de uma posição para outra dentro de um corpo – tal movimento da carga é chamado de condução eléctrica. É conveniente classificar as substâncias de acordo com a habilidade das cargas de mover-se dentro da substância: Condutores são materiais nos quais as cargas eléctricas se deslocam de maneira relativamente livre e os isolantes são materiais nos quais as cargas eléctricas não se deslocam livremente.

Materiais como o vidro e a borracha são isolantes. Quando tais materiais são carregados por atrito, apenas a área friccionada torna-se carregada, e a carga não tende a deslocar-se para outras regiões do material. Ao contrário, materiais como o cobre, o alumínio e a prata são bons condutores. Quando tais materiais são carregados em alguma região pequena, a carga distribui-se prontamente sobre toda a superfície do material. Se seguramos uma haste de cobre na mão e friccionamos a haste com lã, ela não atrairá um pedaço pequeno de papel. Isso poderia sugerir que um metal não pode ser carregado. Contudo, se você segurar a haste de cobre por um cabo isolante e então

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friccioná-la, a haste permanece carregada e atrai o pedaço de papel. No primeiro caso, as cargas eléctricas produzidas pelo atrito se movem rapidamente do cobre por intermédio de seu corpo, que é um condutor, indo finalmente para a Terra. No segundo caso, o cabo isolante impede o fluxo de carga para a sua mão.

Semicondutores são uma terceira classe de materiais e suas propriedades eléctricas estão entre as dos isolantes e as dos condutores. Cargas podem deslocar-se um tanto livremente num semicondutor, mas há bem menos cargas deslocando-se por um semicondutor do que por um condutor. O silício e o germânio são exemplos bem conhecidos de semicondutores que são amplamente utilizados na fabricação de vários dispositivos electrónicos. As propriedades eléctricas dos semicondutores podem ser alteradas por várias ordens de grandeza pela adição de quantidades controladas de determinados átomos estranhos aos materiais.

Carga por indução Quando um condutor é conectado à Terra por meio de um fio condutor, ou por um tubo metálico, diz-se que o condutor está aterrado. Para nossos objectivos, a Terra pode ser considerada como um reservatório infinito de electrões, o que significa que pode aceitar ou fornecer um número ilimitado de electrões. Neste caso a Terra tem uma finalidade semelhante à de nossos reservatórios de calor da termodinâmica. Tendo isso em mente, podemos compreender como carregar um condutor por um processo conhecido como carga por indução.

Considere uma esfera condutora neutra (não carregada) que esteja isolada de modo que não haja nenhuma via de condução para o solo (Figura 5.2a). Aproxima-se uma haste de borracha negativamente carregada da esfera. A força de repulsão entre os electrões na haste e na esfera causa uma redistribuição de carga sobre a esfera, de modo que alguns electrões se desloquem para o lado da esfera mais distante da haste (Figura 5.2b). A região da esfera mais próxima da haste tem um excesso de carga positiva por causa da migração dos electrões para fora desse local. Se agora um fio condutor aterrado for conectado à esfera perto da região onde estão os electrões, como na Figura 5.2c, alguns dos electrões deixarão a esfera e irão para a Terra. Se o fio ligado ao solo for removido (Figura 5.2d), a esfera condutora ficará com um excesso de carga positiva induzida. Finalmente, quando a haste de borracha é retirada de perto da esfera (Figura 5.2e), a carga positiva induzida permanece na esfera não aterrada. Essa carga positiva adicional distribui-se de maneira uniforme sobre a superfície da esfera não aterrada por causa das forças de repulsão entre as cargas e da alta mobilidade dos portadores de carga num metal.

No processo de induzir uma carga na esfera, a haste de borracha carregada não perde nada de sua carga negativa, porque não entra em contacto com a esfera. Podemos concluir que carregar um corpo por indução não requer nenhum contacto com o corpo que induz a carga. Isso é diferente de carregar um corpo por meio do atrito, que requer o contacto entre os dois corpos.

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Figura 5.2. Carga de um corpo metálico por indução. (a) Uma esfera metálica neutra, com números iguais de cargas positivas e negativas. (b) A carga na esfera neutra é redistribuída quando uma haste de borracha carregada é colocada próxima da esfera. (c) Quando a esfera é aterrada, alguns de seus electrões saem através do fio aterrado. (d) Quando a conexão com o solo é removida, a esfera tem excesso de carga positiva que está distribuída de maneira não uniforme. (e) Quando a haste de borracha é removida, o excesso de carga positiva torna-se uniformemente distribuído sobre a superfície da esfera. Figura 5.3. (a) Um balão carregado induz cargas sobre a superfície de uma parede. (b) Um pente carregado atrai pequenos pedaços de papel porque as cargas são deslocadas no papel. O papel é neutro mas está polarizado.

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Um processo semelhante à primeira etapa da carga por indução em condutores

ocorre nos isolantes. Na maioria dos átomos e das moléculas neutras, a posição média da carga positiva coincide com a posição média de carga negativa. Contudo, na presença de um corpo carregado, essas posições podem mudar ligeiramente devido às forças de atracção e repulsão do corpo carregado, tendo por resultado uma carga mais positiva num lado da molécula do que no outro.

Esse efeito é conhecido como polarização. A polarização de moléculas individuais produz uma camada de carga na superfície do isolante, como mostrado na Figura 5.3a, na qual um balão carregado que está do lado esquerdo é colocado contra uma parede à direita. Na Figura 5.3a, a camada da carga negativa na parede está mais próxima do balão positivamente carregado do que as cargas positivas nas outras extremidades das moléculas. Assim, a força de atracão entre as cargas positivas e negativas é maior do que a força de repulsão entre as cargas positivas. A consequência é uma força de atracção resultante entre o balão carregado e o isolante neutro. É esse efeito de polarização que explica por que um pente friccionado no cabelo atrai pequenos pedaços de papel neutro (Figura 5.3b). 5.3. Lei de Coulomb

As forças eléctricas entre corpos carregados foram medidas quantitativamente por Charles Coulomb usando a balança de torção, que ele inventou (Figura 5.4). Coulomb confirmou que a força eléctrica entre duas pequenas esferas carregadas é proporcional ao inverso do quadrado da distância r de separação entre elas, isto é, 2/1 rF ∝ . A força eléctrica entre as esferas carregadas A e B, na Figura 5.4, faz com que haja atracção ou repulsão entre as esferas, e o movimento resultante causa a torção da fibra suspensa. Como o torque restaurador da fibra torcida é proporcional ao ângulo de giro, uma medida desse ângulo fornece uma medida quantitativa da força eléctrica de atracção ou repulsão. Uma vez que a esferas são carregadas por fricção, a força eléctrica entre elas é muito grande, comparada com a atracção gravitacional, de maneira que a força gravitacional pode ser desprezada

Figura 5.4. A balança de torção de Coulomb, que foi utilizada para estabelecer a lei do inverso do quadrado para a força electrostática entre duas cargas.

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A força electrostática entre duas partículas carregadas com cargas ql e q2 e separadas por uma distância r é

(5.1)

onde ke (= 8,99 × 109 C2/ 2mN ⋅ ) é a constante de Coulomb e a força é medida em newtons se as cargas estão em coulombs e a distância de separação está em metros. A constante ke também é escrita como

onde a constante 0ε , conhecida como a permitividade do vácuo, vale

É importante observar que a equação 5.1 fornece somente o módulo da força. A direcção da força numa partícula dada tem de ser encontrada considerando-se o lugar onde as partículas estão localizadas umas em relação às outras e o sinal de cada carga. Assim, uma representação pictórica de um problema de electrostática é muito importante para a compreensão do problema.

A menor quantidade de carga isolada encontrada na natureza (até o momento) é a carga de um protão ou do electrão. A carga de um eléctron é q = - e = -1.60 ×10-19 C, e o protão tem uma carga de q = + e = 1.60 10- 19 C; consequentemente, 1 C da carga é igual ao módulo da carga de (1,60× 10-19)-1 = 6,25 × 1018 electrões. Observe que 1 C é uma grande quantidade de carga. Nos experimentos electrostáticos típicos, em que uma haste de borracha ou de vidro é carregada por meio do atrito, obtém-se uma carga resultante da ordem de 10-6 C (= 1 µC). Em outras palavras, somente um número muito pequeno do total de electrões disponíveis (da ordem de 1023 em uma amostra de 1 cm3) é transferido entre a haste e o material com o qual ela está sendo friccionada. Os valores medidos experimentalmente das cargas e das massas do electrão, do protão e do neutrão são dados na Tabela 5.1.

Deve-se lembrar, ao lidar com a lei de Coulomb, que a força é uma quantidade vectorial e deve ser tratada como tal. Além disso, a lei do Coulomb aplica-se exactamente somente a partículas1. A força electrostática exercida por q1 e q2 escrita2

como 12Fr

, pode ser expressa na forma vectorial como

1 A lei de Coulomb também pode ser usada para corpos maiores aos quais o modelo da partícula pode ser aplicado. 2

Observe que usamos "q2"como uma abreviação para "partícula com carga q2". Esse é um uso comum quando se discutem partículas carregadas, semelhante ao uso em mecânica do "m2" para "partícula com massa m2". O contexto da frase lhe dirá se o símbolo representa uma quantidade de carga ou uma partícula com aquela carga.

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12221

12 r̂r

qqkF e

rr= (5.2)

onde 12r

r é um vector unitário orientado de q1 para q2 como na Figura 19.8a. A equação

5.2 pode ser usada para se descobrir a direcção real da força no espaço, embora seja necessária uma representação pictórica desenhada com cuidado a fim de identificar claramente a direcção de 12r

r. A partir da terceira lei de Newton verificamos que a força

eléctrica exercida por q2 sobre q1 tem módulo igual à força exercida por q1 em q2 e

aponta na direcção oposta; isto é, 1221 FFrr

−= . A partir da equação 5.2 vemos que, se q1

e q2 têm o mesmo sinal, o produto q1q2 é positivo e a força é de repulsão, como na Figura 5.5a. A força em q2 está no mesmo sentido que 12r

r, e se afasta de q2, Se q1 e q2

tiverem sinais opostos como na Figura 5.5b, o produto q1q2 é negativo e a força é de atracção. Neste caso, a força em q2 está no sentido oposto a 12r

r, direccionada para q1.

Tabela 5.1. Valores experimentais da carga e massa do: electrão, protão e neutrão.

Figura 5.5. Duas cargas pontuais separadas por uma distância r exerce uma força entre

si dada pela lei de Coulomb. Observe que a força 21Fr

exercida por q2 sobre ql é igual em

magnitude e oposta em sentido à força 12Fr

exercida por q1 sobre q2. (a) Quando as cargas são de mesmo sinal, a força é de repulsão. (b) Quando as cargas são de sinais opostos, a força é de atracção.

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Quando estão presentes mais de duas partículas carregadas, a força entre qualquer par é dada pela equação 5.2. Consequentemente, a força resultante sobre qualquer partícula é igual à soma vectorial das forças individuais devidas a todas as outras partículas. Esse princípio de sobreposição do modo como é aplicado para as forças electrostáticas é um facto observado experimentalmente e representa simplesmente a soma vectorial. Por exemplo, se quatro partículas carregadas estiverem presentes, a força resultante na partícula 1 devida às partículas 2, 3 e 4 é dada pela soma vectorial

4131211 FFFFrrrr

++=

5.4. Campo Eléctrico Na mecânica vimos que o campo gravitacional g

r num ponto no espaço é igual à força

gravitacional gFv

que age sobre uma partícula de prova de massa m0 dividida pela massa

da partícula de prova:

0m

Fg

g

r

r≡

Essa é a versão gravitacional do modelo de uma partícula em um campo. De maneira similar, um campo eléctrico num ponto do espaço pode ser definido em termos da força eléctrica que age em uma partícula de prova com carga q0 colocada nesse ponto. Como existem duas variedades de cargas, (positivas e negativas) temos de escolher uma convenção para a nossa partícula de prova (positiva ou negativa). Escolhemos a convenção de que uma partícula de prova tem sempre uma carga eléctrica positiva. Com essa convenção, podemos introduzir a versão eléctrica do modelo da partícula num campo:

O campo eléctrico Er

num ponto do espaço é definido como a força eléctrica eFr

que age sobre uma partícula de prova, colocada neste ponto, dividida pela carga q0 da partícula de prova. Assim:

0q

FE e

rr

≡ (5.3)

Assim, um campo eléctrico existe num ponto se uma partícula de prova carregada colocada em repouso nesse ponto experimentar uma força eléctrica. Uma vez que força

é um vector, o campo eléctrico também é um vector. Observe que Er

é o campo produzido por alguma(s) partícula(s) carregada(s) separada(s) da partícula de prova que não é o campo produzido pela partícula de prova. Chamamos a(s) partícula(s) que cria(m) o campo eléctrico de partícula(s)-fonte. Isso é análogo ao campo gravitacional criado por algum corpo como a Terra. Esse campo gravitacional existe independentemente de uma partícula de prova de massa m0 estar presente ou não. Da mesma maneira, o campo eléctrico das partículas-fonte está presente se introduzimos ou

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não uma partícula de prova no campo. A partícula de prova é usada apenas para medir a força e detectar, assim, a existência do campo e avaliar sua intensidade.

Ao utilizar a equação 5.3, temos de considerar que a carga de prova q0 é pequena o bastante para não perturbar a distribuição de carga responsável pelo campo eléctrico. Se uma carga de prova infinitesimalmente pequena q0 for colocada perto de uma esfera metálica uniformemente carregada como na Figura 5.6a, a carga sobre a esfera metálica permanecerá distribuída uniformemente. Se a carga de prova for grande o bastante ( 0

'0 »qq ), como na Figura 5.6b, a carga sobre a esfera metálica será redistribuída e a

razão da força para a carga de prova será diferente: 0'0

' // qFqF ee ≠ . Isto é, por causa

dessa redistribuição de carga sobre a esfera metálica, o campo eléctrico criado por ela é

diferente do campo criado na presença da carga q0 que é muito menor. O vector Er

tem as unidades SI de newtons por coulomb (N/C), análogas às unidades N/kg para o campo

gravitacional. A direcção de Er

é a mesma que a direcção de eFr

, porque usamos a

convenção de uma carga positiva na partícula de prova. Uma vez que o campo eléctrico é conhecido em algum ponto, a força sobre

qualquer partícula com carga q colocada nesse ponto pode ser calculada a partir da equação 5.3, na forma:

EqFe

rr= (5.4)

Uma vez que a força eléctrica é calculada, a situação pode ser descrita com o modelo de partícula sob a acção de uma força resultante (a força eléctrica pode precisar ser combinada com outras forças agindo sobre a partícula), e as técnicas desenvolvidas anteriormente na mecânica podem ser utilizadas para encontrar o movimento da partícula.

Figura 5.6 (a) Para uma carga de prova q0 pequena o bastante, a distribuição de carga sobre a esfera não é perturbada. (b) Quando a carga de prova '

0q é bem maior, a

distribuição de carga sobre a esfera é perturbada devido à proximidade de '0q .

Considere uma carga pontual3 q localizada a uma distância r de uma partícula de prova com carga q0. De acordo com a lei do Coulomb, a força exercida na partícula de prova por q é

3 Usamos até aqui as expressões "partícula carregada" ou "partícula com uma carga". A expressão "carga pontual" pode causar confusão porque carga é uma propriedade da partícula, não uma entidade física. Esta expressão é semelhante à usada na mecânica como "a massa m é colocada..." (que evitamos) em vez de "uma partícula com massa m é colocada...". Contudo, esta expressão está tão enraizada no uso da física que iremos usá-la e esperamos que esta nota de rodapé seja suficiente para esclarecer sua utilização.

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rr

qqkF ee

ˆ20 rr

=

Usando a equação 5.3, descobrimos que o campo eléctrico criado por q num ponto P,

que corresponde a posição de q0 é

rr

qkE e

ˆ2

rr= (5.5)

onde rr

é um vector unitário que se orienta de q para P (Figura 5.7). Se q for positiva como na Figura 5.7a, o campo eléctrico estará orientado radialmente para fora a partir dela. Se q for negativa como na Figura 5.7b, o campo se orientará para dentro.

Figura 5.7 Uma carga de prova q0 no ponto P está a uma distância r de uma carga pontual q. (a) Se q é positiva, o campo eléctrico em P devido a q aponta radialmente para fora a partir de q. (b) Se q é negativa, o campo eléctrico em P devido a q aponta radialmente para dentro em direcção a q. O campo eléctrico devido a q existe mesmo na ausência de q0.

Para calcular o campo eléctrico em um ponto P devido a um grupo de cargas pontuais, primeiramente calculamos os vectores do campo eléctrico em P individualmente usando a equação 5.5 e então realizamos sua soma vectorial. Em outras palavras, o campo eléctrico total num ponto no espaço devido a um grupo de partículas carregadas é igual à soma vectorial dos campos eléctricos nesse ponto devido a todas as partículas. Esse princípio de sobreposição aplicado aos campos deriva directamente da propriedade de soma vectorial das forças. Assim, o campo eléctrico no ponto P de um grupo de cargas-fonte pode ser expresso como

i

i i

i

e rr

qkE ˆ

2

rr

∑= (5.6)

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onde ri é a distância da i-ésima carga qi ao ponto P (a posição em que o campo deve ser

calculado) e ir̂r

é um vector unitário dirigido de qi para P.

_____________________________________________________________________ Exemplo 5.1. Campo Eléctrico de um dipolo (A resolução será feita na aula teórica) Um dipolo eléctrico é constituído por uma carga pontual q e por uma carga pontual -q separadas por uma distância de 2a,como na Figura 5.8 Os átomos e as moléculas neutras comportam-se como dipolos quando colocados num campo eléctrico externo. Além disso, muitas moléculas, tais como HCI, são dipolos permanentes. (A molécula de HCI pode ser considerada efectivamente como um ião H+ combinado com um ião Cl-).

(a) Determine o campo eléctrico Er

devido ao dipolo ao longo do eixo y no ponto P, que se encontra a uma distância y da origem. (b) Encontre o campo eléctrico para pontos y » a que estão muito afastados do dipolo.

Figura.5.8. Dipolo eléctrico.

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Charles Coulomb (1736-1806). Físico francês. As principais contribuições de Coulomb para a ciência foram nas áreas de electrostática e magnetismo. Durante sua vida, também investigou as resistências dos materiais e determinou as forças que afectam corpos sobre vigas, contribuindo assim para o campo da mecânica estrutural. No campo da ergonomia, sua pesquisa forneceu uma compreensão fundamental das maneiras pelas quais as pessoas e os animais podem realizar melhor o trabalho.

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Campo eléctrico devido às distribuições contínuas de carga Na maioria das situações práticas (por exemplo, um corpo carregado pela fricção), a separação média entre as cargas-fonte é pequena comparada com suas distâncias do ponto no qual o campo deve ser calculado. Nesses casos, o sistema de cargas-fonte pode ser considerado contínuo. Isto é, imaginamos que o sistema de cargas muito juntas é equivalente a uma carga total que esteja distribuída continuamente em algum volume ou sobre alguma superfície.

Para calcular o campo eléctrico de uma distribuição contínua de carga, utiliza-se o seguinte procedimento: primeiro, dividimos a distribuição de carga em elementos (pedaços) pequenos, cada um contendo um pouco de carga q∆ como na Figura 5.9. Em seguida, supondo o elemento como uma carga pontual, usamos a equação 5.5 para

calcular o campo eléctrico Er

∆ num ponto P devido a um desses elementos. Finalmente, calculamos o campo total em P devido à distribuição de carga fazendo a soma vectorial das contribuições de todos os elementos princípio sobreposição).

Figura 5.9. O campo eléctrico em P devido a uma distribuição contínua de carga é a soma vectorial dos campos devidos a todos os elementos q∆ da distribuição de carga.

O campo eléctrico em P devido a um elemento de carga iq∆ é dado por

i

i

i

ei rr

qkE ˆ

2

rr ∆=∆

onde o índice i refere-se ao i-ésimo elemento na distribuição, ri é a distância do

elemento ao ponto P e ir̂r

é um vector unitário orientado do elemento para P. O campo

eléctrico total em P devido a todos os elementos na distribuição de cargas é aproximadamente

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∑∆

≈i

i

i

i

e rr

qkE ˆ

2

rr

Agora, aplicamos o modelo em que a distribuição de carga é contínua – deixamos os elementos de carga tornarem-se infinitesimalmente pequenos. Com esse modelo, o campo total em P no limite 0→∆ iq torna-se

rr

dqkr

r

qkE

i

e

i

i

i

i

eqi

ˆˆlim220

rrr

∫∑ =∆

=→∆

(5.7)

onde dq é uma quantidade infinitesimal de carga e a integração é sobre toda a carga que cria o campo eléctrico. A integração é uma operação vectorial e deve ser tratada com cuidado. Ela pode ser calculada em termos de componentes individuais, ou talvez argumentos de simetria possam ser usados para reduzi-la a uma integral escalar. Ilustraremos esse tipo de cálculo com diversos exemplos nos quais supomos que a carga está distribuída uniformemente sobre uma linha ou sobre uma superfície ou por algum volume. Ao executar tais cálculos, é conveniente usar o conceito de uma densidade de carga juntamente com as seguintes notações:

• Se uma carga total Q for distribuída uniformemente por todo um volume V, a carga por unidade de volume ρρρρ é definida por

(5.8)

onde ρρρρ tem unidades de coulombs por metro cúbico.

• Se Q for distribuída uniformemente sobre uma superfície de área A, a carga por, unidade de área σσσσ é definida por

(5.9) onde σσσσ tem unidades de coulombs por metro quadrado.

• Se Q for distribuída uniformemente ao longo de uma linha de comprimento l , a

carga por unidade de comprimento λλλλ é definida por

(5.10)

onde λλλλ tem unidades de coulombs por metro.