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Ano XXVIII • Nº 256 • Março 2018 • R$ 15,00 • www.eco21.com.br facebook.com/revista.eco21 ECO 21 Audrey Azoulay • Philip Fearnside • Carlos Minc • Nádia Rebouças André Trigueiro • Raquel Dodge • José Graziano da Silva • Eva Mach ISSN 0104-0030

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Diretora Lúcia Chayb

Editor

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Redação Regina Bezerra, Rudá Capriles

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Evaristo Eduardo de Mi randa Sergio Trindade

Fotografia Ana Huara

Correspondentes no Brasil

São Paulo: Lea Chaib Belém: Edson Gillet Brasil

Correspondentes no Exterior

Bolívia: Carlos Capriles Farfán México: Carlos Véjar Pérez-Rubio

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Representante Comercial em Brasília

Minas de Ideias

Serviços Infor mativos Argentina: Ecosistema

Brasil: Envolverde, ADITAL, EcoAgência, EcoTerra, O ECO, Ambiente Brasil

França: Valeurs Vertes, La Recherche Itália: ECO (Educazione Sostenibile)

México: Archipiélago

Direção de Arte ARTE ECO 21

CTP e impressão Gráfica Cruzado

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Capa: Fórum Alternativo Mundial da Água, manifestantes em Brasília Foto: Rosilene Miliotti

Gaia viverá! Lúcia Chayb e René Capriles

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Presunção de inocência, desmatamento, agrotóxicos e falta de água No 8º Fórum Mundial da Água, realizado nesses dias com participação de mais de cem mil pessoas, numa Brasília com graves problemas no fornecimento de água, a Procuradora Geral da República, Raquel Dodge, aproveitou o evento para lançar uma iniciativa que é muito mais do que ousada: o Instituto Global do Ministério Público para o Ambiente reunindo membros dos Ministérios Públicos, do Brasil e de outros países, em torno a temas ligados à proteção dos recursos naturais, sobretudo, a água. O ponto culminante foi o lançamento da “Declaração do Ministério Público sobre o Direito à Água” no encerramento do evento “Subprocesso, Juízes e Procuradores na Justiça da Água”. Para Raquel Dodge, os documentos representam o compromisso dos Ministérios Públicos em relação à proteção do meio ambiente e dos recursos hídricos. Segundo ela, a compilação das contribuições entre as partes é histórica “considerando a participação inédita de alguns países no Fórum, bem como a união dos MPs em torno do mesmo ideal”. No mesmo encontro internacional, o Procurador Regional do Ministério Público do Trabalho e Presidente do Fórum Nacional de Combate aos Impactos dos Agrotóxicos, Pedro Serafim, denunciou que o Brasil é “o maior consumidor mundial de agrotóxicos e tem o glifosato como o herbicida mais utilizado, substância que recentemente foi considerada pela Organização Mundial de Saúde como potencialmente cancerígena”. Ele apresentou um projeto inédito com o objetivo de assegurar o direito do trabalhador e do consumidor à água potável sem agrotóxicos ou dentro dos limites máximos fixados pela OMS. “É uma questão de saúde pública nacional”, alertou. A luta da legislação da presunção de inocência mereceu, já em 1954, ser tratada no teatro com a estreia da peça “Twelve Angry Men” de autoria de Reginald Rose. Em 1957, Sidney Lumet realizou a versão cinematográfica dessa obra, lançada no Brasil com o título “Doze Homens e uma Sentença”. Tanto a peça quanto o filme imediatamente se transformaram em obras consideradas clássicas sobre o debate judicial relativo à presunção de inocência. Os fatos políticos dos últimos tempos no Brasil atualizaram esse debate na mais alta corte judicial: o Supremo Tribunal Federal. Mas, o julgamento de um Habeas Corpus solicitado pela defesa do ex-Presidente Lula vai além da sua culpabilidade – ou não – individual. Faz-se necessário um debate muito mais aprofundado sobre a presunção de inocência e a responsabilidade dos últimos governos, desde Fernando Henrique, passando por Lula, Dilma e Temer, em relação à permissividade do uso desenfreado dos agrotóxicos, do tipo de desenvolvimento preconizado pelo agronegócio com graves consequências em relação à saúde dos cidadãos e ao desmatamento, tanto na Amazônia quanto no Cerrado. A descoberta de uma rede de corrupção instalada na Petrobras, o questionável investimento no petróleo do pré-sal, as malfeitorias dos grandes empreendimentos hidroelétricos como Belo Monte, Santo Antônio, Balbina, etc. merecem julgamento que certamente vão além da presunção de inocência. As grandes multinacionais que dominam a produção agrícola, como Monsanto, Bayer, Cargill, Basf, Syngenta, Dow Chemical, não são inocentes. Esse “cartel do veneno” como o denomina a ativista Vandana Shiva disseminaram a ideia de que sem o sistema de alimentação agroindustrial não haveria comida para todos. No seu livro “Quem alimenta realmente o mundo?” ela denuncia que essas corporações fizeram muita gente acreditar que no mundo a comida só pode ser produzida mediante a manipulação genética das sementes chamadas transgênicas e dos agrotóxicos que supostamente controlam as pragas. Da mesma forma, as grandes multinacionais do petróleo, como a Exxon, Shell e outras pagaram cientistas e políticos para espalhar a ideia de que os combustíveis fósseis não eram responsáveis pelo Efeito Estufa. Recentemente, pela pressão dos acionistas e pelas ações de desinvestimento, a Exxon reconheceu que durante anos financiou campanhas publicitárias negacionistas. Nessa linha também devem ser denunciados os “presumíveis inocentes” que geram e despejam 10 milhões de toneladas de plástico nos oceanos. A Agência Espacial Europeia, a partir do espaço, detectou o lixo plástico marinho identificando as maiores concentrações e evidenciando a gigantesca escala do problema. O plástico dividido em micro partículas coloca em risco não só os animais marinhos, mas também está presente na cadeia alimentar global com consequências desconhecidas a longo prazo para a vida animal e para a saúde humana. Felizmente existem vozes e ações que agem contra essas políticas. A luta contra o plástico já levou inúmeras cidades a proibir sacolas, embalagens, garrafas, copos e canudos. No mês passado o supermercado holandês Ekoplaza, apresentou a sua primeira loja livre de plásticos. Lá, os clientes encontram alimentos e diversos produtos empacotados com materiais biodegradáveis, vidro, metal ou papelão. Eles identificaram os culpados e foram a favor dos inocentes consumidores. Já na nossa sociedade, os culpados ainda juram inocência.

4 Audrey Azoulay - Para cultivar a água na natureza 5 André Trigueiro - Legado do Fórum Mundial da Água é excelente 6 Tara Ayuk - Raquel Dodge lança o Instituto Global do MP para o Ambiente10 Nádia Rebouças - O futuro correndo e gritando no Fórum Mundial da Água12 Nicolás Eliades - Brasil sedia maior edição do Fórum Mundial da Água14 Riccardo Petrella - 3 razões para repensar a água17 Nathália Clark - Defender a água é proteger as pessoas e o Planeta18 Lucas Tolentino - Brasil, Bolívia e Paraguai juntos pelo Pantanal20 Eva Mach - Água e migração: implicações para políticas públicas 22 Oswaldo Braga de Souza - Brasil amplia em 16 vezes sua proteção marinha23 Antônio Lopes - Rio Negro é o maior Sítio Ramsar do Planeta24 Claudio Angelo - IPCC chega aos 30 anos28 Karina Toledo - Perda de biodiversidade ameaça o agora e o futuro32 Maurício Guetta - Retrocesso socioambiental33 Fernando Reinach - Matemática da floresta34 João Cunha - Ninhos de jacarés vistos em ilhas fluviais na Amazônia36 Patricia Fachin - Entrevista com Philip Fearnside40 Lúcio Flávio Pinto - Hydro enlameia o mito42 Evaristo E. de Miranda - Uma outra história do cavalo44 Jessyca Trovão - Estudo da UFRJ mostra que plástico reduz emissões de GEE46 José Graziano da Silva - Uma chance para a esperança48 Dimas Ximenes - MPT lança no 8º FMA projeto Água sem Agrotóxicos50 Carlos Minc - Uma carta aberta necessária

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O Brasil é um país que possui uma ampla gama de recursos de água doce, mas ainda segue enfrentando secas, enquanto tempestades tropicais têm um efeito cada vez mais devastador.

Qual seria a conexão? A água e a maneira como

nós gerenciamos esse recurso tão precioso e indispensável.

Por todas as regiões do Pla-neta, rios estão sendo poluídos, florestas estão sendo destruídas, e recursos hídricos estão sobrecarregados, o que significa que, até o ano 2050, poderão haver quatro bilhões de seres humanos ainda sem acesso a água potável e saneamento básico.

Por muito tempo, nós confiamos predominantemente em infraestruturas construídas pelo ser humano para a gestão dos recursos hídricos, mas um novo relatório das Nações Unidas propõe uma solução complementar que, de fato, tem milhares de anos: trabalhar com a natureza, e não contra ela.

O “Relatório Mundial sobre Desenvolvimento dos Recursos Hídricos” deste ano – do UN-Water produzido pela UNESCO – propõe combinar a engenhosidade do ser humano com a engenhosidade da natureza para uma abordagem mais sustentável e harmoniosa quanto à gestão da água.

O Brasil tem dado seu exemplo há mais de dez anos na Bacia do Paraná, no Sul do país.

Para cultivar a água na natureza

Audrey Azoulay | Diretora-Geral da UNESCO

O programa Cultivando Água Boa não apenas melhorou o meio ambiente, como também aumentou a qualidade de vida dos habitantes. Do reflorestamento das florestas ao uso de fertilizantes naturais, da limpeza dos equipamentos agrícolas para que os pesticidas não cheguem aos rios à utilização de técnicas tradicionais de terraceamento para prevenir que solos ricos desapareçam nos rios, o programa mostra de que forma técnicas simples podem fazer uma grande diferença.

Foram plantadas 24 milhões de árvores, vinculando o mundialmente reconhecido Parque Nacional do Iguaçu, um sítio do Patrimônio Mundial Natural da UNESCO, a outras florestas, estimulando o desenvolvimento da diversidade local de espécies. O Canal da Piracema agora segue um curso natural, contornando a Represa de Itaipu e permitindo que os peixes migradores desçam pelo rio até comunidades pesqueiras locais. Fazendeiros que usam métodos mais orgânicos têm visto seus meios de subsistência melhorar, e as crianças que estudam em escolas locais estão tendo refeições mais saudáveis.

Tudo isso é o resultado de se posicionar a importância da água no centro das políticas. Ao redor do mundo, ocorre uma mudança nas abordagens: das autoridades da cidade de Nova York que protegem as reservas naturais adjacentes, pelos benefícios tanto econômicos quanto ambientais, às estruturas de captação de água de pequena escala no Rajastão, na Índia, que levam água de volta a mil povoados atingidos pela seca.

O uso sustentável dos recursos hídricos é essencial para garantir paz e prosperidade no longo prazo, e esse tema se tornará ainda mais importante com o crescimento populacional e a mudança climática. A UNESCO – como a agência da ONU responsável pela cooperação intelectual nas ciências, na educação e na cultura – tem trabalhado há mais de 50 anos na gestão da água.

Nós trabalhamos com os outros membros do UN-Water para entender o mundo natural e o nosso lugar nele. Os rios, lagos e oceanos do Planeta atravessam fronteiras nacionais, e nós trabalhamos junto aos países para assegurar que tais recursos sejam divididos de forma equitativa. As culturas humanas são profundamente moldadas pelo nosso meio ambiente, e a UNESCO trabalha para proteger paisagens de grande importância. Acima de tudo, a educação sobre a mudança climática e o desenvolvimento sustentável são fundamentais.

As lições do Cultivando Água Boa no Brasil têm sido reproduzidas por todo o país, assim como em outros locais na América Latina e na África. Agora é o momento de repensar os nossos recursos hídricos mundialmente, para então equilibrarmos as necessidades humanas com o futuro do nosso Planeta.

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Não se mede o resultado de um evento pelo seu tamanho ou custo, mas pela capacidade de gerar ref lexão e atitude, transformando informação em nutriente para a mudança. Foi o que aconteceu na maior edição da história do Fórum Mundial da Água, que reuniu mais de 100 mil pessoas em Brasília.

Em pleno racionamento de água, o governo do Distrito Federal foi obrigado a admitir que, além da falta de chuva, houve desleixo na proteção das nascentes e mananciais e na contenção das invasões que ocuparam as margens dos reservatórios, algo recorrente em outras partes do país.

O Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) divulgou no Fórum o mais completo estudo já feito sobre a importância da água para o PIB.

Maior demandante dentre os setores, a agropecuária foi apontada como o menos eficiente no uso do recurso, gerando R$ 11 a cada mil litros consumidos (na média, para cada mil litros consumidos pela economia nacional, o retorno é de R$ 169).

Sem priorizar o uso sustentável de água nas lavouras, a Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA) lançou no evento a Comissão Nacional de Irrigação, com o objetivo de dobrar a área irrigada num futuro próximo.

Legado do Fórum Mundial da Água é excelente

André Trigueiro | Jornalista e ambientalista

O problema é que não haverá futuro se as técnicas de irrigação prevalentes (pivô central, aspersores, inundação) não forem modernizadas, ajustando a oferta à demanda de cada planta.

Num país onde as águas são castigadas pelos resíduos de fertilizantes e agrotóxicos, pelos esgotos sem tratamento de quase 100 milhões de pessoas, pelos metais pesados despejados por garimpeiros ilegais, pelas mineradoras, entre outros impactos, o senso de urgência trazido pelo Fórum Mundial da Água gerou novas disposições para enfrentar velhos problemas.

Os bons exemplos de países como Israel, Austrália e Cin-gapura foram inspiradores. A gravíssima crise que hoje passa a Cidade do Cabo, na África do Sul, – primeira metrópole dos tempos modernos a enfrentar o risco real de deixar 4 milhões de pessoas sem água – serve de alerta e aprendizado para os incautos.

Grandes empresas como Coca-Cola e Nestlé (que utilizam gigantescas quantidades de água em seus processos e enten-dem esse bem público como um produto) parecem hoje mais preocupadas em se livrar da mira de ONGs e personalidades influentes que denunciam o risco dos seus negócios ameaçarem o abastecimento de comunidades inteiras.

Em resumo: o país campeão de água doce parece ter per-cebido o ridículo que é ostentar a abundância (concentrada na região Norte, onde residem apenas 8% da população) quando os cenários de escassez por omissão, leniência e imperícia se avizinham perigosamente. O legado do Fórum é excelente. O que realizar a partir disso é o grande desafio.

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A Procuradora-Geral da República e Presidente do Conselho Nacional do Ministério Público, Raquel Dodge, anunciou, durante o 8º Fórum Mundial da Água, a criação do Instituto Global do Ministério Público para o Ambiente. O Instituto vai reunir membros dos Ministérios Públicos do Brasil e do mundo em torno de temas ligados à proteção dos recursos naturais, sobretudo, a água. O documento, classificado pela Presidente como a “pedra fundamental do Instituto”, foi assinado por 9 países, além de associações nacionais e internacionais ligadas ao Ministério Público.

Para Raquel Dodge, a ampla adesão ao documento demonstra a importância de reunir as instituições respon-sáveis por provocar o Judiciário a resolver conflitos em um único organismo internacional, com o objetivo de tratar a água como um direito humano fundamental e garantir a todos o acesso à Justiça. “Precisamos de justiça para todos os defensores dos direitos humanos, para todos os que defendem a água e que são vítimas de sua falta. Precisamos que a água, assim como a Justiça, seja para todos. Queremos ser atores relevantes no papel de assegurar a água como direito humano fundamental”, destacou.

Raquel Dodge cria Instituto Global do MP para o Ambiente

Tara Ayuk | Jornalista (com informaçõs do Coselho Nacional do Ministério Público)

Segundo Raquel Dodge, caberá ao Instituto global estabelecer as bases comuns de atuação dos Ministérios Públicos de diferentes países na proteção ao meio ambiente. “As consequências dos danos ambientais provocados num determinado país se refletem nos outros e na vida humana, como um todo. Por isso, é fundamental que estejamos de acordo sobre o que é importante para a vida desta e das próximas gerações”, concluiu.

Além do Ministério Público brasileiro, assinaram a carta de criação do Instituto representantes de Moçambique, Hon-duras, México, República Dominicana, Costa Rica, Panamá, Belize e França.

Também aderiram ao documento, além da Associação Brasileira dos Membros do Ministério Público de Meio Ambiente (Abrampa), instituições internacionais como a Associação Ibero-Americana de MPs (Aiamp), a Rede Europeia de Ministérios Públicos Ambientais, a Rede Latino-Americana de Ministério Público Ambiental e a Comissão Permanente do Meio Ambiente, Habitação, Urbanismo e Patrimônio Cultural, que integra o Conselho Nacional de Procuradores-Gerais (CNPG).

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“A água é um bem finito e precioso, e o Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP) trabalha para integrar o MP em busca de uma atuação eficiente na defesa dos recursos hídricos” disse Tarcila Gomes, membro auxiliar da Comissão de Meio Ambiente (CMA) do CNMP, no painel “Diálogos com o Ministério Público – Água, Vida e Direitos Humanos”, que integrou a programação do 8º Fórum Mundial da Água. Tarcila Gomes mostrou aos presentes o projeto Ação Nacional em Defesa dos Recursos Hídricos, que consiste em estimular os Ministérios Públicos da União e dos Estados a criarem grupos de atuação integrada por bacias hidrográficas.

As ideias apresentadas tramitam atualmente no Conselho em forma de uma proposta apresentada pelo Conselheiro Pre-sidente da CMA/CNMP, Luciano Nunes Maia. No mesmo painel, o Subprocurador-Geral da República Nívio Freitas apresentou o Projeto “Amazônia Protege – Compromisso com o futuro”. Essa iniciativa do Ministério Público Federal (MPF), que conta com o apoio do Instituto Brasileiro de Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) e do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio), visa à preservação da Floresta Amazônica e de seus recursos, populações e biodiversidade.

Atribuições

O Instituto apoiará membros dos MPs dos países signatários na execução da legislação ambiental nacional e internacional, com o objetivo de proteger a saúde pública, alcançar o desen-volvimento sustentável e evitar a prática de crimes ambientais. O organismo fomentará o intercâmbio de informações entre os países, assim como o compartilhamento de experiências em investigações, processos e sanções na área ambiental.

A instituição vai facilitar a coleta de dados sobre a prática de crimes ambientais em todo o mundo, além de definir diretrizes, ferramentas e normas comuns para a efetiva puni-ção de responsáveis por danos ambientais, a implantação de medidas de compensação, bem como a completa indenização dos atingidos.

Entre as atividades que serão desenvolvidas pelo Instituto Global do Ministério Público para o Ambiente. estão a reali-zação de fóruns e cursos para membros do Ministério Público, assim como a produção de pesquisas, análises e publicações sobre direito ambiental.

A organização internacional do MP tem como inspiração o Instituto Judicial Global do Ambiente, criado por juízes brasileiros para atuar como fórum mundial sobre o assunto. O Ministro do Superior Tribunal de Justiça, Herman Benjamin - que foi um dos incentivadores da proposta de criação de um Instituto global composto por procuradores – elogiou a inicia-tiva, que conferirá um viés preventivo à atuação dos Ministérios Públicos na temática ambiental. “Não podemos proteger o meio ambiente apenas punindo. Por isso a necessidade de o MP olhar para frente, com medidas judiciais de prevenção e precaução dos danos ao meio ambiente”, afirmou.

Debate

Durante o Fórum Mundial da Água, membros de MPs e representantes dos nove países signatários discutiram ajustes para a carta do Instituto Global do Ministério Público para o Ambiente e a “Declaração do Ministério Público sobre o Direito à Água”, incluindo a tradução dos Tratados e das Convenções sobre os princípios de comportamento e respon-sabilidades para a preservação do meio ambiente.

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A “Declaração do Ministério Público sobre o Direito à Água” foi apresentada no dia 21 deste mês, no encerramento do “Subprocesso Juízes e Procuradores na Justiça da Água”. Para a Procuradora-Geral da República, Raquel Dodge, os documentos representam o compromisso público dos Ministé-rios Públicos com a proteção ao meio ambiente e aos recursos hídricos. Segundo ela, a compilação das contribuições entre os países é histórica, considerando a participação inédita de alguns países no fórum, bem como a união dos MPs em torno do mesmo ideal.

“Nossa intenção é tornar conhecido o que nos motivou a participar pela primeira vez do segmento ‘Justiça e Ministério Público’ dentro do Fórum Mundial da Água e tornar conhe-cido para a população e para o mundo o que pensamos como membros do Ministério Público”, reforçou a PGR.

A próxima etapa na criação do Instituto é a realização de uma nova reunião, dentro de um ano, para aprofundar os debates e consolidar o estatuto, bem como criar o Comitê Executivo Temporário e as regras gerais de atuação da enti-dade, com o apoio de mais países.

Declaração do Ministério Público sobre o Direito à Água

A “Declaração do Ministério Público sobre o Direito à Água” segundo a Procuradora-Geral da República Raquel Dodge é um documento que reforça o apoio e potencializa a atuação dos MPs em defesa do meio ambiente, propósito conso-lidado no Instituto Global do MP para o Meio Ambiente.

A Declaração foi assinada pelo MP brasileiro e por insti-tuições de outros oito países.

O documento lista 10 Princípios que devem guiar a atuação do MP na defesa e proteção da água como direito humano fundamental, para que não seja precificada, nem tratada como mercadoria e apropriada de modo abusivo, com a prevalência do poder econômico – com efeito de negar água para quem dela precisa. “É preciso tratar isso juridicamente com a seriedade que o tema requer”, acrescentou Raquel Dodge.

O texto orienta promotores e procuradores a considerar o fato de que o direito à água potável é uma condição para a promoção de outros direitos individuais e sociais. Ele esta-belece a necessidade de melhoria do processo de governança da água, com o intuito de promover o acesso a este bem e com destaque para a criação de mecanismos que assegurem a participação social na tomada de decisões. Também chama atenção para a necessidade de atuação das instituições públicas não só para reparar, mas, principalmente, para evitar danos aos recursos hídricos.

Tratados

O documento foi formulado em consonância com o que estabelecem Normas, Tratados, Convenções e pactos internacionais sobre o assunto, como os princípios da OCDE sobre governança da água e a Declaração Mundial da Inter-national Union for Conservation of Nature (IUCN) sobre o Estado de Direito Ambiental. “Estamos todos de acordo com princípios que têm sido estabelecidos, notadamente, em documentos internacionais, como da ONU e da OEA, mas não ainda em todas as legislações domésticas”, destacou a Procuradora-Geral da República.

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Outro princípio que consta na Declaração estabelece que, em caso de dúvidas, os investigadores devem adotar a solução que mais proteja e garanta a preservação dos recursos hídricos. Assim como no Direito Penal, em que prevalece o “em dúvida, pró réu” mas, neste caso, consolidou-se o: “Em dúvida, pró água”. A carta afirma ainda que os costumes de populações indígenas e tradicionais na lida com os recursos hídricos têm de ser respeitados pelos entes públicos que devem, ainda, atuar para preservar e fortalecer essa cultura.

Reparação

Um dos tópicos do documento também orienta os membros dos Ministérios Públicos para que seja efetivamente aplicado o conceito de Poluidor-Pagador. Resumidamente, isso significa que quem poluir ou desviar um curso de água deve arcar com os custos da reparação, com a indenização para compensar os danos materiais e morais daquela intervenção indevida.

Além do Ministério Público brasileiro, assinaram a carta de Declaração do Ministério Público sobre o Direito à Água representantes de Moçambique, Honduras, México, República Dominicana, Costa Rica, Panamá, Belize e França. Também aderiram ao documento a Associação Brasileira dos Membros do Ministério Público de Meio Ambiente (Abrampa), a Asso-ciação Ibero-Americana de MPs (Aiamp), a Rede Europeia de Ministérios Públicos Ambientais, a Rede Latino-Americana de Ministério Público Ambiental e a Comissão Permanente do Meio Ambiente, Habitação, Urbanismo e Patrimônio Cultural, que integra o Conselho Nacional de Procuradores-Gerais (CNPG).

Subprocesso

Durante a apresentação, Raquel Dodge ressaltou a importância do diálogo entre Judiciário, Ministério Público e Legislativo para colocar em prática as medidas. Ela falou no encerramento do painel “Subprocesso, Juízes e Procuradores na Justiça da Água”, na 8ª edição do Fórum Mundial da Água, em Brasília. “O mundo caminha para um ambiente de maior escassez da água. É preciso antecipar cenários”, alertou. Por sua vez, a Presidente do Superior Tribunal de Justiça (STJ), Ministra Laurita Vaz, destacou a necessidade de atuação firme em prol da consciência ambiental para reforçar que o acesso à água seja um direito humano fundamental. “Devemos construir um regime jurídico eficiente e confiável de acesso e proteção aos recursos naturais que afetam a qualidade de vida de todos, indistintamente”, afirmou.

Igualdade em debate papel da mulher na gestão da água

Debater o papel feminino em relação ao uso sustentável e igualitário dos recursos hídricos foi o objetivo da sessão “Mulheres: Perspectivas e desafios”, realizada âmbito do 8º Fórum Mundial da Água. O painel foi coordenado por Margarida Yassuda, da organização Parceria Mulheres pela Água. Além de Raquel Dodge, que atuou como palestrante, foram painelistas as representantes de organizações brasileiras e estrangeiras que lidam com a função da mulher na gestão dos recursos hídricos: Asha Abdurahm (Quênia); Apzu Ozyol (Turquia); a presidente da Agência Nacional de Águas, Christianne Dias (Brasil); Innan Uruthai (Nova Zelândia); Rosana Gariulli (Brasil); e Nin Thein (Myanmar).

“Aqui, no 8º Fórum Mundial da Água, nós, mulheres, temos uma reivindicação muito específica: queremos parti-cipar do modo como os recursos hídricos do nosso país são geridos”, disse Dodge, durante pronunciamento. Ela lembrou a presença de outras mulheres ocupando cargos de liderança na administração pública, como a Presidente do Supremo Tribunal Federal, Carmen Lúcia; a Presidente do Superior Tribunal de Justiça, Laurita Vaz; e a Advogada-Geral da União, Grace Mendonça. “É um momento especial na história do país e uma feliz coincidência, pois este ano celebramos os trinta anos da Constituição de 1988”, disse Raquel Dodge.

A PGR explicou que a Constituição de 1988 estabeleceu que os direitos humanos são um elemento central de sua estrutura e um eixo do qual derivam todas as outras normas da Carta. Lembrou a luta das mulheres, no último século, por direitos fundamentais e participação na vida pública. la destacou as campanhas femininas, como o movimento sufragista, a busca por cidadania, a conquista do direito a voto, a luta por direitos civis, direitos sexuais e reprodutivos, bem como por direitos econômicos, sociais e culturais. A participação das mulheres na política e a presença delas nas universidades também foram aspectos ressaltados no discurso.

“Precisamos de igualdade de oportunidades, igualdade de participação, igualdade de financiamentos e igualdade na gestão pública”, disse Doge. “Agora, no Século 21, o que nós queremos é direitos humanos”, completou. Para a Presidente do CNMP, a igualdade é o reconhecimento de que se deve tratar homens e mulheres com o mesmo respeito. Na sessão, também foi discutida a Agenda 2030 para o Desenvolvimento Sustentável. Os debates se transformarão num documento orientador, que servirá como um legado pós-Fórum.

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Circulei durante uma semana pelos espaços do Fórum Mundial das Águas encontrando todo tipo de gente. Brasileiros e estrangeiros de muitas partes do mundo. Tipo executivo, carregando pasta, e intenções de negócio, muitas mulheres, algumas executivas, outras com suas roupas hippies, anos 70. Todos e todas com disposição para descobrir como salvar a água, como enfrentar os ataques devastadores a ela. Rezei com índios, para proteger nossas nascentes e escutei promessas tantas vezes repetidas pelas empresas. Muitas soluções tecnológicas. Sebrae incentivando novas ideias e startups.

Nesses tempos de descrédito, caminhou comigo o meu cansaço e a busca de esperança. Nos vários fóruns que par-ticipei ouvi muitos discursos, e menos práticas efetivas para mudanças! Mas ali não é um fórum só para denúncias, mas também para busca de novas soluções. Perceber que a tecnolo-gia avança e que muitas vezes é mais barato para as empresas seguir o caminho da sustentabilidade, nos dá um pouco de esperança. Não basta ser o país campeão de água doce.

Nádia Rebouças | Consultora de Comunicação para Transformação

O futuro correndo e gritando no Fórum Mundial da Água

No entanto, nada substituirá a importância do nosso comportamento frente aos recursos planetários, em especial à água. E, talvez por isso, a correria e gritaria de milhares de crianças pela Vila Cidadã, especialmente nos 2.700 m² ocupados pelo Green Nation Fest, me chamou tanta atenção. Esse projeto, pela primeira vez saiu do Rio, onde nasceu. Ali o que gritava e corria, fazendo muito barulho, era o futuro. E confesso que preciso acreditar nesses pequenos, carregando suas mochilas nas costas, acompanhados de professoras. Talvez eles sejam as novas nascentes do cuidado com a água!

Muitas lutas, para poucas mudanças no nosso comporta-mento. O absoluto abandono dos governos com esgotos, com nossos rios, nossas nascentes, comportamentos absurdos de muitas empresas, o agronegócio, o modelo mental da nossa população, acreditando que água nunca faltará, me intriga. A falta de consciência no uso dos recursos do Planeta é cons-tante, no caso da água é dramático. Ela está em tudo, e sem ela não haverá vida!

Green Nation criou uma metodologia onde através da tecnologia, conscientiza divertindo. Suas instalações ajudavam a perceber como maltratamos os recursos naturais. Nesse ano, o Green Nation Fest participou com nove instalações: Estação Antártica, Submarino, Nave, Asa Delta, Florestas do Mar, Plante Água, (onde virtualmente cada um plantava uma árvore em Alexânia, uma cidade de Goiás).

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Além de uma máquina onde PET virava outro PET, oficinas de cocriação, Festival Multimídia, Mostra de Cinema, oficinas maker, oficinas de design thinking e contação de histórias. A Asa Delta, um voo simulado, com cinto, óculos de realidade virtual, fone de ouvido e um ventilador, encantou a todos, que viajaram pelas águas do Brasil. Na Estação Antártica os visitantes congelavam, para visitar o laboratório e o dormitório dos cientistas brasileiros na Antártica. Na maioria das insta-lações a água era a protagonista. Virtualmente, passeavam de submarino para poder ver e sentir a beleza de nossos oceanos, visitavam corais e recolhiam o lixo no fundo do mar. Em um joguinho virtual, viveram a experiência de estar numa região seca, ter que ir apanhar e transportar água em baldes. Que dificuldade não ter uma torneira que simplesmente verte água! Era possível refletir sobre esse conforto, que não alcança toda a população brasileira ou mundial. A Capital Federal, por exemplo, tem hoje racionamento de água.

O Green Nation, criado pelo geógrafo e produtor de cinema Marcos Didonet, chegará a São Paulo em Novembro, graças às empresas patrocinadoras, que compreenderam o objetivo: trazer consciência ambiental e cidadania por meio de experiências sensoriais, especialmente para crianças e jovens (Ambev, CTG, Tetra Pak, CNC, Globo e apoiadores como Sebrae e ONU).

Calcula-se que cerca de 60.000 crianças visitaram o espaço do Green Nation, e certamente deixou um legado. O Green Nation realizou uma pesquisa sobre sustentabilidade durante o evento. Foram ouvidas 1.141 pessoas que responderam questões sobre temas da água, do lixo e da sustentabilidade O objetivo da pesquisa foi medir o impacto transformador das experiências. O quanto, visitar as instalações, ajudou o engajamento do público para a mudança de atitudes? Dentre o público entrevistado, 49,6% consideram que às vezes suas atitudes são sustentáveis e 63,7% veem como sustentáveis suas ações em relação à água, 60,1% não têm noção da quantidade de litros de água que usam diariamente. Um dado importante da pesquisa foi que 80,6% dos entrevistados acreditam que a experiência que viveram nas instalações do Green Nation mudarão suas atitudes.

A sensorialidade, emocionalidade e interatividade pare-cem ter papel fundamental na promoção de novas formas de engajamento e mudanças de atitudes para a sustentabilidade. Precisamos de transformações urgentes, por isso conheça e aproveite o Portal do Green Nation. E aos que vivem em São Paulo aguardem para visitar as instalações em Novembro e que seja possível construir mais e mais consciência!

site: www.greennation.com.br Facebook: www.facebook.com/greennationbrasil/ Instagram: @greennationbrasil Youtube: https://www.youtube.com/user/GreenNationFest

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Após sete dias de evento, o Fórum Mundial da Água havia recebido 120,2 mil pessoas de 172 países diferentes. Destas, 109,6 mil visitaram a Vila Cidadã e a Feira; e 10,6 mil foram congressistas que participaram das mais de 300 sessões temáticas do Centro de Convenções Ulysses Guimarães e visitaram a Expo.

A abertura contou com a presença de 12 Chefes de Estado, Governo e destacadas autoridades internacionais. O evento teve a participação de representantes de importantes organismos internacionais, como a Organização das Nações Unidas e suas agências, União Europeia, Banco Mundial, BID, CPLP, OCDE entre outros.

O Fórum Mundial da Água teve, nesta 8ª edição, uma importante inovação: a participação do Poder Judiciário, ins-tância a que cabe a decisão final sobre disputas envolvendo os recursos hídricos. A Conferência de Juízes e Promotores teve a presença de 83 juízes, promotores e especialistas de 57 países e emitiu como documento final a “Carta de Brasília”.

Brasil sedia maior edição do Fórum Mundial da Água

Nicolás Eliades | Jornalista do Fórum Mundial da Água (FMA)

O Instituto Global do Ministério Público, que reúne membros de ministérios públicos de diversas nações do mundo em torno de temas ligados à proteção dos recursos naturais, também elaborou a “Declaração do Ministério Público sobre o Direito à Água”, que foi assinada por nove países.

Na Conferência Parlamentar, 134 parlamentares de 20 nações produziram como documento final o “Manifesto dos Parlamentares”, em que reconhecem a importância do esforço dos parlamentares para garantir segurança hídrica, universali-zação do acesso a água potável, eliminação das desigualdades e promoção do desenvolvimento sustentável.

A Conferência de Ministros contou com 56 Ministros e 14 Vice-Ministros de 56 países, que aprovaram a Declaração intitulada “Chamado urgente para uma ação decisiva sobre a água”, fruto das discussões entre Ministros e Chefes de delegação de mais de 100 países. O documento estabelece ações prioritárias para enfrentar os desafios relacionados ao acesso à água e ao saneamento.

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Autoridades locais e regionais lançaram o “Chamado para Ação de Governos Locais e Regionais sobre Água e Saneamento de Brasília”. A Conferência teve a participação de 150 Prefeitos, Governadores e Deputados Estaduais, que pretendem adotar uma visão compartilhada para um futuro melhor e mais sustentável, no qual todas as pessoas terão acesso à água e saneamento, e em que a água seja usada e gerida de forma a assegurar-se um ambiente saudável e sustentável para as gerações futuras.

A “Declaração de Sustentabilidade” faz um chamado pela mobilização de todas as partes para garantir um futuro sustentável para o Planeta e pelo compromisso de enfrentar os crescentes desafios das questões relacionadas à água.

A Expo e a Feira do 8º Fórum Mundial da Água conta-ram com 87 expositores que representaram diferentes setores sociais: pavilhões nacionais, empresas públicas e privadas, organizações e associações da sociedade civil. O 8º Fórum ocupou também outros espaços da cidade, com atividades esportivas e culturais na orla do Lago Paranoá, mostra de cinema no Cine Brasília e atividades ligadas aos Objetivos do Desenvolvimento Sustentável no Planetário.

Nunca se falou tanto sobre água no país. Durante a semana do evento, houve quase 16 mil menções na imprensa escrita e uma ampla cobertura de rádios e TVs, levando o assunto água para a casa das pessoas. Educar, conscientizar e divertir foi o objetivo maior da Vila Cidadã, um sucesso absoluto de público. O espaço ofereceu uma ampla agenda de atividades diariamente para dezenas escolas de todo o Distrito Federal, além de crianças, jovens e famílias que se encantaram com as atividades interativas, as experiências de realidade virtual, oficinas e filmes.

A Vila Cidadã também foi palco de importantes debates sobre crise hídrica, saneamento e gestão participativa de águas, e abriu sua arena para a participação de grupos de jovens, mulheres, indígenas, ONGs e comunidades rurais.

O 8º Fórum Mundial da Água também ajudou a movimen-tar a economia local. Foram cerca de 2500 empregos diretos e outros 5.500 indiretos. O alto engajamento dos participantes e visitantes realmente fez da cidade de Brasília a capital mundial da água durante esta semana. O 8º Fórum Mundial da Água agradece a todos os que participaram e contribuíram para o sucesso deste evento e para que as questões relativas à água pudessem ganhar a relevância que merecem no âmbito do debate público e político no Brasil e no mundo.

8º Fórum Mundial da Água

O 8º Fórum Mundial da Água foi organizado no Brasil pelo Conselho Mundial da Água (WWC), pelo Ministério do Meio Ambiente (MMA), representado pela Agência Nacio-nal de Águas (ANA), e pelo Governo do Distrito Federal, representado pela Agência Reguladora de Águas, Energia e Saneamento Básico do Distrito Federal (Adasa). A Associação Brasileira da Infraestrutura e Indústrias de Base (Abdib) foi integrante do Comitê Organizador Nacional (CON). As 7 edições anteriores foram realizadas em Marrakesh (Marrocos, 1997), Haia (Holanda, 2000), Kyoto (Japão, 2003), Cidade do México (México, 2006), Istambul (Turquia, 2009), Marselha (França, 2012) e Gyeongju e Daegu (Coreia do Sul, 2015). O evento foi patrocinado por: Petrobras, Funasa, Caixa, Fun-dação Banco do Brasil, Eletrobrás, Sabesp, Coca-Cola, AMA (Ambev), BNDES, Itaipu Binacional e BRK Ambiental.

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1. A mercantilização, monetização e privatização

da água e dos serviços hídricos: danos e falhas.

Sob a vaga “triunfante” da chamada “terceira revolução industrial” (tecnologias da informação e da comunicação, biotecnologia, novos mate-riais, transportes e energias renováveis) e da globalização desregulada que emerge da economia capitalista de mercado, todas as formas de vida foram mercantilizadas nos últimos 50 anos, e tudo o que um dia foi considerado como serviço público essencial para a vida e o viver juntos, sob a responsabilidade coletiva das comunidades humanas, foi privatizado e submetido às “regras” dos mercados financeiros mundiais cada vez mais alienados da economia real.

O valor de todos os bens foi definido principalmente em relação ao seu valor mercantil. Os recursos naturais foram reduzidos unicamente a fontes de extração, até seu esgotamento, para a riqueza financeira dos mais fortes, dos mais competiti-vos. Também os bens construídos pelos seres humanos – tais como conhecimento, habitação, saúde, educação, segurança da existência e do futuro, foram monetizados, financeirizados, privatizados. Em 1980 a Corte Suprema dos Estados Unidos legalizou, pela primeira vez na história da humanidade, a privatização da vida para obtenção de lucro (patenteamento da vida) – um escândalo – incluindo a herança genética dos seres humanos, para não mencionar as espécies vivas de ani-mais, plantas e micróbios. Pela Diretiva 98/44/CE, a União Europeia seguiu o exemplo em 1998.

Riccardo Petrella | Cientista político e economista. Secretário-Geral do Comitê Internacional para o Contrato Mundial da Água

3 razões para repensar a águaO monopólio predador da vida não poupou a água e

os serviços hídricos do longo ciclo da água. As autoridades públicas “nacionais”, que ainda têm o poder formal da regu-lação legislativa, política, judiciária e de sanção em todos os domínios da água (doce e salgada), delegaram “a gestão dos recursos hídricos” a empresas privadas, muitas vezes grandes grupos industriais multinacionais como Suez, Vivendi, Tha-mes Water, Águas de Barcelona…). Pior, também impuseram uma concepção de água estritamente econômica, utilitarista e mercantil, consagrada em 1993 pelo Banco Mundial em seu documento-bíblia da política da água denominado “Integrated Water Resources Management”. Essas teses são fundados sobre o princípio (dogmático) de que a água deve ser considerada essencialmente como um bem econômico, submetido às “regras” da rivalidade e da exclusão. Daí a imposição da obri-gação de, para ter acesso à água e aos serviços hídricos, pagar um preço de mercado, segundo o princípio “a água financia a água”: o financiamento da infraestrutura e dos serviços hídricos é obrigatoriamente assegurado pelo pagamento de uma conta pelos consumidores, como para todos os outros bens de controle privado. Segundo essas teses, os usuários dos serviços hídricos não são cidadãos que têm direitos, mas consumidores que têm necessidades, das quais se pode tirar vantagem. Assim nossas sociedades abandonaram a visão da água enquanto um bem comum público e jogaram às urtigas o reconhecimento do direito universal à água potável e ao saneamento ainda assim consagrado em 28 de julho de 2010 por uma resolução da Assembleia Geral da ONU. Isso mostra o respeito que têm os Estados pelas decisões da ONU.

Vendidas como signos da nova era da globalização pla-netária de alta intensidade tecnocientífica, a mercantilização da água (e da natureza) e a privatização dos serviços hídricos são reveladas em suas grandes falhas: depois de quarenta anos conduzidos em nome dos dogmas do capitalismo mundial (selvagem e “renano”), nem os seres humanos, nem o mundo da água (rios com lençóis freáticos, lagos com zonas úmidas, água potável com águas minerais naturais) saem ganhando. As devastações ambientais e humanas são consideráveis. Estima-se que o número de pessoas sem acesso à água em bases regu-lares e contínuas, na quantidade e qualidade essenciais para a vida, é próximo a quatro bilhões (uma violação inaceitável do direito à vida). Há rarefação crescente da água própria para uso humano em razão dos fenômenos persistentes da poluição e da contaminação de todos os corpos hídricos. A água permanece na raiz de muitos conflitos locais como parte de uma nova conquista global pela água, liderada abertamente pela Nestlé, Danone, Coca-Cola, PepsiCola, assim como pelas empresas extrativistas (petroleiras, mineradoras…), químicas e farmacêuticas, de informática e outros grandes consumidores de água de boa qualidade. É outro fracasso do projeto do preço a pagar (as tarifas aumentam em todo o mundo) e da gestão “transparente” e “participativa” (as empresas com ações em bolsas não sabem o que essas palavras significam).

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Mesmo os ingleses – que estiveram entre os mais con-victos promotores da água mercadoria e rentável para o capital privado – começam a falar em remunicipalização e em tornar novamente público o recurso água. A corrida pelo “ouro branco” resulta em um claro fracasso. Mas os custos humanos, sociais e financeiros não foram pagos, e não são ainda hoje, pelos grupos que impuseram a mercantilização e privatização – mas pelas próprias vítimas (os povos indígenas, os camponeses, os estratos sociais empobrecidos das cidades, subúrbios e favelas, crianças menores de seis anos, mulheres, minorias excluídas…).

Não podemos continuar no caminho dos fracassos, dos conflitos, das desigualdades, das exclusões, dos predadores.

2. Os fundamentos do “viver juntos” questionados: o Estado, o público, o bem comum, a segurança coletiva,

a democracia. O que é a humanidade?

A segunda razão que nos obriga a “repensar a água” reside no fato de que o período mencionado colocou igualmente em evidência as profundas mudanças ocorridas na concepção e papel do Estado (e dentro dele, as comunidades locais: muni-cípio, províncias regiões…) e dos poderes públicos em geral. O Estado atual não é mais, ou é cada vez menos, o Estado de direito e dos direitos. Os governos nacionais demoliram em quase toda parte o Estado de bem-estar, o Estado de seguridade social generalizada. A segurança de que os Estados ainda se sentem investidos foi reduzida à segurança militar (contra os inimigos estrangeiros) e de proteção da propriedade privada dos bens e pessoas abastadas (pensemos em “gated cities” ou “cidades trancadas”). A segurança ambiental e a justiça ambien-tal protegendo o bom estado ecológico dos bens e serviços naturais essenciais e insubstituíveis para a vida, assim como a convivência entre grupos sociais, comunidades humanas e povos ainda são conceitos e práticas a ser concretizadas.

Depois das três grandes Cúpulas da Terra (Rio, Joha-nesburgo, Rio) e as 23 COPs (Conferência das Partes da Convenção do Clima) da ONU sobre as mudanças climá-ticas, devemos nos interrogar sobre a perda substancial do sentido que nossas sociedades dão à vida, ao conjunto da comunidade global da vida. Onde está a sacralidade da vida, a sacralidade da água? Nesses últimos anos, as justificadas críticas à abordagem antropocêntrica do mundo e da vida permitiram promover uma visão mais holística e real da vida, ecocêntrica, pós-industrialista, e desenvolver novas teorias sobre os habitantes da terra e os sujeitos titulares de direitos. Movimentos “mundiais” desenvolveram-se em favor dos “Direitos da Natureza”, dos direitos dos animais, das plantas, das espécies microbianas, da integridade dos genomas… Assim, é importante considerar muito positivamente a per-tinência da decisão tomada pelo parlamento neozelandês em 2017 de reconhecer o Rio Whanganui como uma entidade viva, com status de “personalidade jurídica”, e que o mesmo reconhecimento tenha sido atribuído depois de alguns dias na Índia a dois rios, o Ganges e a Yamuna, onde os hindus praticam regularmente suas purificações, qualificados de “entidades vivas com o status de pessoa jurídica” pela alta corte do Estado de Uttarakhand no Himalaia.

Qual o sentido a ser atribuído ao conceito de “habitantes da Terra”? Hoje, os que dominam não pensam que todos têm o direito de habitar a Terra. Basta observar o tratamento aos imigrantes, os chamados “refugiados econômicos”.

Em que medida e como a globalização real da condição humana, no quadro de grandes interdependências e com-plexificação da vida na Terra, muda as visões que se tem dos “bens comuns da humanidade”, de “bens comuns públicos mundiais”?

Que significa hoje concretamente, para bilhões de pessoas, falar de “bem comum da humanidade?” O que realmente entendemos, para além da retórica, quando a Organização das Nações Unidas fala de “nosso futuro comum” e quando, mesmo o Fórum Social Mundial fala de bens comuns, de “Direitos da Humanidade”? Quais são as relações diretas entre “Direitos Humanos Universais” e “Bens Comuns”, “Direitos da Humanidade” e “Direitos da Natureza” e “Bens Comuns Públicos Mundiais”?

Qual é, nesse quadro, o sentido que damos ao Estado: que Estado queremos para o Século 21? Um Estado que se situa na continuidade com a centralidade atribuída até o presente aos Estados soberanos “nacionais” no quadro de um multilateralismo interestatal em escala mundial? Em alternativa, um mundo fundado sobre a auto-organização política das comunidades humanas ou, por outro lado, a auto-organização de grupos espontâneos entre portadores de interesses (os “stakeholders”), caros ao mundo da economia capitalista? Nessa última hipótese, o que seria da democracia, uma vez os que dominam a estão jogando no lixo e continuam a substituí-la pela noção e a prática da “governança”, em que os atores chave são os portadores de interesse? Podemos confiar o governo da água em nível local até o nível mundial/planetário aos jogos de concorrência e às alianças oportunistas entre os stakeholders?

Para além de isso, as questões da água levantam sérias interrogações sobre o sentido do conceito de público, pois as tendências atuais vão na direção de um enfraquecimento estrutural do conceito de público estatal para favorecer o desenvolvimento do papel do público não-estatal. A água enquanto bem (e serviço) comum público pertenceria a quais “esferas” do público? Se sabemos o que pode ser um público estatal local e nacional, quem poderia dizer o que poderia significar um público estatal no plano mundial/planetário? Não podemos deixar essas questões para o jogo do mercado e das finanças. O mundo necessita definir regras comuns. É preciso “repensar a água”, conceber e praticar um novo contrato social mundial da água.

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3. Finalmente, as rupturas sociais, o agravamento das grandes desigualdades diante do direito à vida, em todos os níveis. Não podemos mais fingir que tudo é “natural”.

A terceira “razão” tem uma elevada probabilidade de ser a mais convincente. Diante da amplitude dos desastres climáticos em curso e previsíveis no horizonte de 2050, toma-mos consciência de que a água será a principal vítima desses desastres. Tudo indica que, mesmo se forem respeitados os compromissos (modestos) assumidos em Paris na COP-21 por ações fortes e coordenadas em plano mundial, o Planeta não será poupado pela intensificação em frequência e gravidade dos fenômenos ditos extremos (inundações e secas). Estes irão impactar os regimes da água em todas as regiões do mundo, provocando grandes devastações sobre a quantidade e a qualidade disponível e acessível de água própria para uso humano. Todo o mundo prevê uma intensificação dos processos de rarefação da água.

Os grupos dominantes sofrerão menos com as devastações que as populações de regiões já confrontadas com a penúria de água e a má qualidade das águas. Por isso, as soluções propostas pelos que dominam são concebidas, sobretudo em função de suas aspirações, necessidades e interesses. Face à rarefação, pretende-se reduzir a segurança hídrica à segurança de suas atividades econômicas, de sua riqueza e de seu bem-estar. Os acionistas da Coca-Cola estão muito inquietos por uma situação de crescente carência global de água! Segundo os que dominam, as opções “confiáveis” que eles impuseram nos últimos anos são unicamente em favor de duas estratégias: a estratégia de resiliência (aumentar a capacidade das populações de reduzir os efeitos mais catastróficos das perturbações climáticas e da água), e a estratégia de adaptação (dar a si mesmo os meios para viver bem numa situação em que a temperatura média da atmosfera terrestre subirá 2°C).

Não é necessário ser um especialista na matéria para compreender que resolução e adaptação serão acessíveis, sobretudo aos grupos sociais já favorecidos, poderosos, pos-suidores dos recursos financeiros colossais necessários para realizar as duas estratégias. Considere comparar o provável futuro dos habitantes dos Países Baixos e os de Bangladesh em 2050. E por essa razão, os dominantes continuam a impor uma “gestão” desigual e injusta da vida e da água, enquanto proclamam sua fé no “desenvolvimento sustentável”, dissociando a água de todas as considerações relacionadas aos direitos da e à vida, à justiça social, à boa convivência, à democracia participativa.

O que, afinal, é repensar a água?

Para nós, repensar a água é liberar o futuro da humanidade e da comunidade global da vida de desigualdades e injustiças atuais em face dos direitos; a vida; libertar a humanidade das guerras pela água tantas vezes antecipadas como inevitáveis pelos que dominam e seus intelectuais; libertar o futuro da vida da dominação predatória dos velhos e novos “senhores da água” já em ação em todo o mundo; libertar este mundo do roubo da vida representado pelo empobrecimento e a exclusão; libertar a força criativa da utopia da prisão em que o pragmatismo, o realismo e o cinismo dos atuais dominantes a encerraram. “Repensar a água” é recomeçar a abrir novos horizontes, é construir outros futuros para a humanidade de todos os habitantes da Terra.

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Neste Dia Mundial da Água, representantes da 350.org no Brasil e na África do Sul reali-zaram uma ação pacífica para mostrar que, com as mudanças climáticas agravando seriamente o regime de chuvas em todo o mundo, a crise da água já se tornou uma realidade crítica, que demanda ações urgentes, e que afeta milhões de pessoas em todas as regiões, sem respeitar barreiras étnicas, religiosas, geográficas ou políticas.

Segurando baldes com letras que formavam a frase “Defenda a água”, os ativistas encenaram simbolicamente o compartilhamento da água para lembrar que proteger esse recurso natural tão importante quanto finito é cuidar das pessoas e também do planeta que elas habitam.

“A água é um recurso indispensável para a vida, seja ela humana, animal ou vegetal. A escassez de água já é um dos principais problemas urbanos do nosso tempo. Comunidades na África, Ásia e América do Sul estão sob forte pressão, seja pela inação dos governos locais ou pelas ações retrógradas que beneficiam apenas os interesses das grandes empresas detentoras do capital em detrimento das pessoas. Temos que agir rápido, com a consciência de que é possível viver sem car-vão, petróleo, gás ou mineração, mas é impossível viver sem água”, defendeu Nicole Figueiredo de Oliveira, Diretora da 350.org Brasil e América Latina.

Segundo Glen Tyler, Diretor da 350.org África do Sul, cuja capital é uma das primeiras grandes metrópoles a ter que enfrentar a falta de água potável para sua população, a situação no país é terrível. “Os moradores da Cidade do Cabo já estão enfrentando a dura realidade da diminuição do abastecimento de água. A estiagem já dura mais de três anos e a tendência segue de acordo com as previsões feitas pelos cientistas cli-máticos - estamos recebendo menos chuva e precisamos nos preparar para um novo padrão ‘normal’, em grande parte resultante da indústria de combustíveis fósseis.”

Ao invés de ser um lugar de debate, onde governos e sociedade pudessem compartilhar propostas para políticas públicas que protejam a água e as populações mundo afora, o Fórum Mundial da Água, realizado em Brasília de 17 a 22/3, foi dominado por grandes corporações multinacio-nais e fechado para a maior parte das organizações civis e movimentos sociais.

Defender a água é proteger as pessoas e o Planeta

Nathália Clark | Jornalista da 350.org Brasil e América Latina

Enquanto isso, no evento alternativo, os cidadãos de diversas nacionalidades debateram soluções reais, lideradas pelas próprias comunidades, para combater a escassez hídrica e as ações humanas causadoras das mudanças climáticas.

Nas plenárias e oficinas organizadas por diversas institui-ções foram abordados temas como a contaminação de aquíferos e sistemas subterrâneos pela exploração de combustíveis fósseis e mineração, o barramento de rios para geração de energia hidrelétrica, o uso irracional da água para fins industriais, o desperdício, o mau tratamento dos esgotos urbanos e a negligência de empresas de setores como o agronegócio.

De acordo com estudos da Organização das Nações Unidas, a demanda global por água doce irá superar a oferta em 40 por cento em 2030, e mais de cinco bilhões de seres humanos provavelmente irão sofrer com a escassez de água até o ano 2050, graças a uma combinação de mudanças climáticas, contaminação causada por ação humana e cres-cimento populacional.

De alguns anos para cá, com o regime de chuvas alta-mente impactado pelas mudanças climáticas em todo o Planeta, áreas anteriormente “seguras” agora estão sob-risco de ocorrência de secas severas. Capital financeira do Brasil e uma das 10 cidades mais populosas do mundo, São Paulo passou por situação de calamidade em 2015. A crise da água foi considerada acabada em 2016, mas em Janeiro de 2017 as reservas ficaram novamente abaixo do esperado para o período, colocando mais uma vez em xeque o futuro do abastecimento de água no município.

Os fatos mostram que a necessidade de mudança é urgente e global. É preciso mobilizar e empoderar comunidades em todas as regiões do mundo para lutar por independência hídrica e energética. O movimento climático Zero Fósseis, criado pela 350.org, parte da premissa de que a mudança só pode começar localmente, devolvendo às populações e às comunidades diretamente afetadas, o poder de decisão sobre o futuro que desejam.

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Nathália Clark

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O Pantanal será protegido por ações conjuntas dos três países em que o bioma está presente. Brasil, Bolívia e Paraguai assinaram no 8º Fórum Mundial da Água uma declaração inédita para a conservação e o desenvolvimento social, econômico e sustentável do bioma. O documento foi firmado pelo Ministro do Meio Ambiente, Sarney Filho, e por Ministros das outras duas nações. No evento, também foi anunciado que a região pantaneira será a próxima beneficiada por recursos da conversão de multas ambientais.

A declaração trinacional promove a integração de medidas para o bioma. “O documento trata com destaque a gestão dos recursos hídricos, mas sem esquecer conservação de ecossistemas, áreas úmidas, biodiversidade e conectividade”, declarou Sarney Filho. O Ministro ressaltou a importância de ações que articulem os governos dos países e dos estados brasileiros da região pantaneira. “O Pantanal não é só um patrimônio do Mato Grosso e do Mato Grosso do Sul, é um patrimônio do Brasil e do mundo”, completou.

O documento envolve o respeito aos povos do Pantanal e as ações propostas orientam os diversos usos dos recursos hídricos da região. As medidas incluem o controle da polui-ção, o fortalecimento da governança da água com foco nos ecossistemas, a adoção de sistemas produtivos resilientes para reduzir os efeitos da mudança do clima e a ampliação do conhecimento científico. “Assim, os três países demons-tram ao mundo que a região é líder em sustentabilidade”, afirmou o Ministro do Meio Ambiente da Bolívia, Carlos René Ortuño Yañez.

Os países destacaram a necessidade de mecanismos inter-nacionais com foco na gestão da água. “Os Estados nacionais devem considerar acordos que enfatizem a sustentabilidade dos recursos hídricos”, defendeu o boliviano Ortuño Yañez. O Ministro de Relações Exteriores do Paraguai, Didier Cesar Adorno, acrescentou que protocolos como a declaração trina-cional assinada no Fórum contribuem para melhores resultados. “Juntos, podemos trabalhar de forma pactuada, unidos com responsabilidades compartilhadas”, emendou Adorno.

O compromisso entre Brasil, Bolívia e Paraguai para a cooperação com foco no Pantanal foi assumido em 2015, em reunião da Convenção de Ramsar. Uma resolução aprovada à época enfatizou o importante papel da conservação e do desenvolvimento sustentável da região, para a manutenção das funções dos ecossistemas nos países da Bacia do Prata.

Brasil, Bolívia e Paraguai juntos pelo Pantanal

Lucas Tolentino | Jornalista do MMA

Desde então, passaram a estudar áreas de interesse comum e definir medidas para o desen-volvimento sustentável da região, em um trabalho que culminou na assinatura da declaração trinacio-nal. O WWF apoiou os trabalhos que envolveram as três nações. “Para as áreas naturais, não há fronteiras”, lembrou Maurício Voivodic, Diretor-Executivo do WWF Brasil.

A região do Pantanal será a próxima beneficiada pelo Programa de Conversão de Multas ambientais. Sarney Filho afirmou, no evento, que existe a previsão de que seja publicado, no próximo mês, o chama-mento para seleção de projetos de recuperação na Bacia do Taquari, que faz parte do bioma. “A decisão política já está tomada. O chamamento vai ser colocado e aquele problema histórico da bacia do Taquari, agora, vai ter recursos espe-cíficos”, afirmou.

O Ministro lembrou que o decreto de criação do Programa de Conversão de Multas foi assinado em evento no Pantanal, em decorrência da importância do bioma e da previsão de beneficiá-lo com a medida. A iniciativa permite que o valor arrecadado com o pagamento de infrações ambientais seja aplicado em projetos de recuperação de áreas degradadas. A conversão, porém, não livra o infrator da obrigação de recuperar o dano ambiental que originou a multa.

Além da Declaração e do chamamento, o Governo Fede-ral trabalha em outras frentes para a proteção ambiental na região pantaneira. Estão em curso os estudos para ampliação e criação de novas unidades de conservação e de corredores ecológicos entre o Parque Nacional do Pantanal, a Reserva Particular do Patrimônio Natural (RPPN) Sesc Pantanal e a Estação Ecológica Taiamã. Também está em andamento a criação de um corredor entre os territórios brasileiros, boli-vianos e paraguaios.

O Pantanal

O Pantanal é a maior planície inundável continental do mundo, com cerca de 175 mil km². Segundo o WWF, o bioma abriga 656 espécies de aves, 159 de mamíferos, 325 espécies de peixes, 98 de répteis, 53 de anfíbios e mais de 3,5 mil plantas. No Pantanal, há 10 sítios Ramsar, áreas úmidas reconhecidas pela Convenção. Três deles ficam no Brasil: o Parque Nacional do Pantanal Mato-grossense, a RPPN SESC Pantanal e a RPPN Fazenda do Rio Negro.

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A comunidade internacional tem buscado, por boas razões, enfatizar a importância da migração como uma questão de política global. Com uma maior consciência sobre as múl-tiplas implicações da migração mal administrada, e com os países focados em desenvolver um novo pacto mundial para o tema, a oportunidade de uma abordagem mais sofisticada se apresenta. Veio também a oportunidade de entender melhor a migração e sua ligação com outras questões de políticas públicas, que em um primeiro momento não pareciam estar relacionadas, como, por exemplo, a questão da água.

Tendo centralidade no desenvolvimento sustentável e na vida tal como a conhecemos, a água e sua relação com a migração é um campo de estudo crescente que requer aten-ção e ação. Embora os vínculos nem sempre sejam diretos, pesquisadores começaram a aprofundar estudos no tema para mapear melhor as implicações desses dois domínios de políticas e suas interseções. Trata-se de uma parte importante de uma análise mais ampla sobre a ligação entre migração, meio ambiente e mudança climática.

Eva Mach | Diretora do Programa de Sustentabilidade Ambiental da Organização Internacional para as Migrações OIM

Christopher Richter | Diretor de Políticas de Migração da OIM

Água e migração: implicações para políticas públicas

Conexões entre migração e água

Então, quais são as conexões entre migração e água, e o que os tomadores de decisões podem fazer para considerá-las?

Em geral, a maior parte das análises sobre questões de migração e água focam em dois fatores separados. O primeiro deles é o impacto potencial da escassez de água nos padrões de migração. Colocando de forma simples, a falta d’água – seja como resultado da seca ou por outras causas – é às vezes considerado um fator que leva à migração, particularmente entre países ou entre regiões.

No entanto, é frequentemente difícil citar a escassez de água como um fator único, ou mesmo direto, das migrações. Uma série de outras questões socioeconômicas, políticas e am-bientais, agindo de maneira cumulativa, são mais facilmente identificáveis como decisivas do que um fator sozinho.

Porém, a falta de segurança hídrica aumenta significativa-mente o potencial de migração, principalmente devido a seu impacto no bem-estar e nos meios de subsistência.

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O Relatório Mundial de Desenvolvimento da Água (WWD) de 2016 indicou que a escassez de água resultante da seca e do esgotamento das águas subterrâneas levou ao aumento da migração de populações rurais para as cidades em alguns países árabes, com potencial de movimentos seme-lhantes na África. O estresse hídrico também foi identificado como um dos principais determinantes para a migração na Ásia, com pesquisas disponíveis em Iraque, Bangladesh, Maldivas e Nepal.

Dados da Organização Internacional para as Migrações (OIM) também demonstraram os impactos migratórios da seca em partes da África. A estimativa é de que a última seca tenha provocado mais de 475 mil deslocamentos internos na Etiópia (Dezembro de 2017), mais de 1,2 milhão na Somália (Novembro de 2016 - Novembro de 2017) e mais de 14 mil em Madagascar (Novembro de 2017).

Além dos níveis atuais de migração ligados à água, as previsões de mudança climática sugerem que as pessoas também podem ser forçadas a se mudar devido a alterações no ciclo hidrológico e como resultado do aumento das tem-peraturas globais.

A segunda questão mais abordada nas discussões sobre as conexões entre migração e água é o impacto da migração sobre os recursos de água doce. Isso envolve olhar para os desafios ambientais do crescimento populacional atribuíveis à migração, especialmente no contexto da urbanização, e a pegada ambiental da migração forçada (deslocamento).

Os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) for-necem diversos pontos de entrada para tratar da conexão entre migração e água, em linha com a ambição geral da Agenda 2030 de não deixar ninguém para trás. Em primeiro lugar, diversos ODS dão orientações para lidar com a migração relacionada à escassez de água, construindo resiliência frente a mudanças ambientais e garantindo o direito humano à água.

O ODS Número 1 prevê o fim da pobreza e a construção de resiliência entre as populações vulneráveis frente a even-tos extremos. O ODS Número 2 prevê atingir a segurança alimentar e promover a agricultura sustentável, fortalecendo capacidades de adaptação a mudanças ambientais. Já o ODS número 6 prevê reduzir o número de pessoas que sofrem de escassez de água.

O ODS Número 10 inclui promover a implementação de políticas migratórias bem geridas e planejadas, enquanto o ODS Número 11 prevê reduzir o número de mortes de pessoas afetadas por desastres por meio de práticas de redução de risco e fortalecendo o planejamento para o desenvolvimento de cidades resilientes. Já o ODS Número 13 prevê a construção de capacidades adaptativas face às mudanças climáticas e sua integração nas políticas.

Em segundo lugar, os ODS relacionados a temas am-bientais, especificamente o ODS 6 para a gestão sustentável da água e do saneamento, podem ajudar a alinhar a gestão e governança das migrações com uma abordagem ambiental-mente sensível para garantir que os recursos hídricos sejam administrados de maneira sustentável.

Essa formulação ambientalmente consciente de políticas de migração e a formulação consciente do ponto de vista migratório das políticas de água são essenciais em um mundo em que as taxas de urbanização continuam subindo, onde os níveis de deslocamento são os mais altos de décadas e onde os impactos da mudança climática no ciclo da água começaram a se manifestar.

Os formuladores de políticas públicas têm o poder de agir proativamente para gerenciar a migração no contexto da escassez de água, bem como cuidar dos recursos hídricos onde a migração ocorre. Isso requer um trabalho em todos os ministérios e as instituições públicas e privadas na forma como a Agenda 2030 exige.

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Está confirmado. A área protegida marinha do Brasil foi ampliada em mais de 16 vezes, pulando de 1,5% para 25% da zona costeira-marinha. O anúncio oficial da medida foi feito em Brasília durante o 8º Fórum Mundial da Água.

O Governo Federal publicou o Decreto que cria a Área de Proteção Ambiental (APA) e o Monumento Natural (MONA) do Arquipélago de Trindade e Martim Vaz e Monte Colúmbia, respectivamente com 40,2 milhões de hectares e 6,9 milhões de hectares, no litoral do Estado do Espírito Santo.

Um segundo Decreto institui a Área de Proteção Ambiental e o Monumento Natural do Arquipélago de São Pedro e São Paulo, respectivamente com 40,7 milhões de hectares e 4,2 milhões de hectares, em Pernambuco. A soma das áreas – 92 milhões de hectares – equivale a quase quatro vezes o território do Estado de São Paulo.

Uma parte do Arquipélago de São Pedro e São Paulo foi excluída da MONA. De acordo com o Ministério do Meio Ambiente (MMA), alteração da proposta original foi uma exigência da Marinha. Os militares mantêm uma base no local e, para eles, sua proteção integral não poderia ser conciliada com uma área de segurança nacional. Parte da Ilha de Trindade também foi excluída da Mona criada na região.

A Diretora de Conservação de Ecossistemas da pasta, Ana Paula Prates, avalia, no entanto, que a perda em proteção é pequena. Ela explica que o decreto que cria o MONA de Trindade e Martim Vaz prevê a gestão ambiental do trecho excluído da Unidade de Conservação (UC). Prates avalia que a APA, tipo de UC com menor grau de proteção, funciona bem para conciliar a conservação e ordenamento pesqueiro. “Poderemos dizer onde se pode pescar, qual o tipo de equi-pamento permitido, controlar a entrada de embarcações estrangeiras”, defende.

“É impossível tomar conta dessas áreas marinhas se não for em conjunto com a Marinha do Brasil. Esse não é um projeto do MMA, mas do Ministério do Meio Ambiente, da Defesa, da Marinha”, diz o Secretário de Biodiversidade do MMA, José Pedro de Oliveira Costa. Ele informa que, na prática, o conjunto das áreas é fiscalizada pela Marinha desde os anos 1980. Costa admite que protegê-lo, junto com a Marinha, é um desafio e que seu modelo de gestão ainda será construído.

A expectativa da área ambiental do governo é conseguir recursos para investir nas novas UCs do Global Enviromental Facility (GEF), maior fundo ambiental multilateral do Planeta e que tem uma carteira específica para proteção marinha. A ideia é também obter verbas com a aprovação de uma Medida Provisória, em tramitação no Congresso, que criará um fundo com recursos de compensação de obras de infraestrutura que causam impactos ambientais.

Brasil amplia em 16 vezes sua proteção marinha

Oswaldo Braga de Souza | Jornalista do Instituto Socioambiental (ISA)

Sítio Ramsar

Também ontem, no Fórum Mundial da Água, o Governo confirmou que o Rio Negro, no Noroeste do Amazonas, passa a ter o maior Sítio de áreas úmidas de importância interna-cional do mundo, com 11,2 milhões de hectares. Também foi divulgada a criação de outros dois Sítios no país: o do Parque Nacional de Fernando de Noronha (PE), com 11,2 mil ha, e o dos Manguezais da Foz do Amazonas, abrangendo 3,8 milhões de ha. Com isso, o Brasil salta de 22 Sítios, que somavam 8,8 milhões de ha, para 25 dessas áreas, com quase 23 milhões de hectares. Torna-se, assim, o detentor da maior extensão em áreas com o título de Sítio Ramsar.

A denominação foi instituída pela Convenção sobre Zonas Úmidas de Importância Internacional, na cidade de Ramsar, no Irã, em 1971, para conferir reconhecimento especial a áreas marinhas rasas, de grandes rios, mares, lagos ou pântanos.

A expectativa em relação ao Rio Negro é que o novo Sítio atraia recursos da cooperação internacional para conservação, pesquisa e administração das áreas. Também se espera viabi-lizar a gestão compartilhada das áreas. O desafio é grande, considerando a diversidade de figuras jurídicas das áreas protegidas, instâncias e níveis de governo envolvidos.

O Sítio abrange oito Terras Indígenas (TIs) e 16 UCs, entre áreas federais, estaduais e municipais. “Vemos de forma positiva a criação do Sítio. Um desses aspectos positivos é a necessidade de se criar um comitê gestor com os atores res-ponsáveis por essas áreas. E claro, tendo a participação do movimento indígena nesse processo”, afirmou Marivelton Rodriguês Barroso, Presidente da Federação das Organiza-ções Indígenas do Rio Negro (FOIRN). Barroso defendeu a necessidade de se realizar consultas prévias aos povos indígenas da região para as iniciativas que venham a ocorrer a partir da criação do Sítio Ramsar.

José Pedro de Oliveira Costa aposta que a saída do Minis-tro Sarney Filho do Ministério do Meio Ambiente, em Abril, não travará as negociações para a criação de uma instância de gestão compartilhada do Sítio. Ainda não há detalhes, porém, da agenda das conversas.

Outra dúvida que permanece é sobre a eventual inclusão no Sítio de toda a extensão das Terras Indígenas do Rio Negro. Trechos dessas áreas foram excluídos porque estão na faixa de fronteira do país. A Constituição Federal deter-mina que projetos e empreendimentos situados nessa região sejam analisados pelo Conselho de Defesa Nacional. “Eu já falei com a Secretaria do Conselho e eles estão receptivos. Eles têm sua liturgia, seu tempo. Não estamos com pressa porque o trabalho já pode ser iniciado”, conclui José Pedro de Oliveira Costa.

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A mais extensa bacia de água negra do mundo e a segunda maior em volume de água, o Rio Negro entrou no último dia 20 deste mês (Março) para a Lista de Zonas Úmidas de Importância Internacional conferido pela Convenção Ramsar, durante o 8º Fórum Mundial da Água, que aconteceu em Brasília (DF) até o dia 23 de Março deste ano.

O status de Sítio Ramsar garante ao Estado do Amazonas prioridade no acesso à cooperação técnica internacional e apoio financeiro para promover ações voltadas para a melhoria da qualidade de vida das populações que habitam os 2.250 quilômetros de extensão do rio.

O certificado da Lista Ramsar foi entregue a Marcelo Dutra, Secretário de Estado do Meio Ambiente (SEMA) e Presidente do Instituto de Proteção Ambiental do Amazonas (IPAAM), pela representante da Secretária da Convenção Ramsar nas Américas, Maria Rivera, e pelo Secretário de Biodiversidade do Ministério do Meio Ambiente, José Pedro de Oliveira Costa, no Espaço Brasil, uma das áreas de discussão do Fórum Mundial da Água, montado na parte externa do Estádio Mané Garrincha.

Rio Negro é o maior Sítio Ramsar do Planeta

Antônio Lopes | Jornalista da Secretaria de Meio Ambiente do Amazonas (Sema)

No evento, Marcelo Dutra lembrou que o Ramsar é um reconhecimento internacional e histórico, porque inclui, em uma área 20% maior que Portugal, a diversidade, conhecimento tradicional associado em comunidades e a causa indígena. “A prioridade do Governo do Amazonas a partir do Ramsar é fortalecer o desenvolvimento de políticas púbicas de sustenta-bilidade, turismo e de tomada de conta de todo o patrimônio ambiental da região do Rio Negro”, destacou.

O que é o Ramsar

A Convenção Ramsar é um tratado intergovernamental criado no dia 2 de Fevereiro de 1971 na cidade iraniana de Ramsar. Ela está fundamentada no reconhecimento, pelos signatários, da importância ecológica e do valor social, eco-nômico, cultural, científico e recreativo das zonas úmidas.

A Convenção foi ratificada pelas 18 das nações partici-pantes do evento e entrou em vigor em Dezembro de 1975. Hoje são 169 as nações signatárias do tratado, incluindo o Brasil que assinou o tratado em Setembro de 1993. O Brasil, desde então, contribui para lista com 13 zonas úmidas que coincidem com Unidades de Conservação brasileiras.

A adesão ao tratado exige que o país signatário designe ao menos uma zona úmida de seu território para ser integrado à Lista de Ramsar, que a partir de então será reconhecido como um Sítio Ramsar. A adesão confere ao Ramsar o acesso a benefícios que podem ser de natureza financeira e/ou rela-cionados à assessoria técnica internacional para o desenho de ações orientadas à sua proteção.

Maior do mundo

A Secretária da Convenção Ramsar, Maria Rivera, destacou a importância do Rio Negro que, com o Ramsar, passa a ser a maior área úmida de importância internacional do Planeta, porque congrega em seus 12 milhões de hectares, 17 Unidades de Conservação federais, estaduais e municipais e oito Terras Indígenas. “Com isso, o Brasil desbanca a Bolívia, que tinha até então, o título do maior Ramsar do mundo”, informou.

Desenvolvimento

O Presidente da Federação das Organizações Indígenas do Rio Negro (FOIRN), Marivelton Barroso, destacou a importância do Ramsar e sugeriu a criação de uma agenda de discussão integrada de desenvolvimento para a região do Rio Negro e a criação de um Comitê Gestor composto por representantes da União, Estado e município. “Precisamos criar mecanismos de consulta prévia e discutir a pauta meio ambiente com os povos tracionais e indígenas”, observou.

Marivelton Barroso, Marcelo Dutra, Maria Rivera e José de Oliveira Costa

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O IPCC (Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas) completou 30 anos de criação no dia 13 deste mês (Março). Como toda balzaquiana, a rede de cientistas da ONU chega a essa idade preocupada com duas coisas: com a própria imagem e com sua estabilidade financeira.

O Observatório do Clima (OC) perguntou a 15 cientistas, entre membros e ex-membros do Painel do clima, qual foi a maior contribuição do IPCC e qual é seu maior problema. Eles são unânimes em apontar a detecção da influência humana no clima como maior.

Esta foi marcada pela expressão “influência humana dis-cernível” no sistema climático, escrita no Segundo Relatório de Avaliação do painel (1995), que forneceu a base para a negociação do Protocolo de Kyoto (1997). De lá para cá, mais certeza foi acrescentada a essa afirmação. O consenso em torno da causa humana da mudança do clima forneceu a base para o Acordo de Paris, em 2015, e está provocando (ainda que mais lentamente do que o necessário) uma mudança radical no uso de energia pela humanidade. Hoje, se você compra lâmpadas de LED ou um carro híbrido, está prestando tributo ao trabalho do IPCC.

Justamente por isso, os pesquisadores apontam como um dos principais desafios do IPCC nos próximos anos a manutenção da sua relevância. Com a demonstração, para além de dúvida razoável (ou, como prefere dizer o painel, com “extrema probabilidade”), de que as atividades humanas são a principal força modificadora do clima atualmente, o IPCC precisa evitar o declínio após o sucesso.

A era dos grandes relatórios de avaliação, nos quais 2.000 cientistas passam cinco ou seis anos resenhando toda a literatura científica disponível sobre o assunto, parece ter se esgotado. O AR6 (Sexto Relatório de Avaliação), a ser publicado em 2019 ou 2020, deve ser o último calhamaço da série. “O AR5 [2013] não teve uma fração do impacto do AR4 [2007]”, diz Kevin Trenberth, do Centro Nacional de Pesquisa Atmosférica da Universidade do Colorado, nos EUA. Trenberth e outros cientistas apontam a necessidade de produzir relatórios menores, atacando questões específicas. “Eu acho que o IPCC deveria declarar sucesso e passar a fazer as coisas de um jeito diferente.”

IPCC chega aos 30 anosClaudio Angelo | Jornalista do Observatório do Clima (OC)

“Relatórios especiais, mais temáticos, focando em proble-mas específicos, com uma periodicidade menor, talvez fosse o caminho a seguir, de maneira a andar mais pari passu com os avanços do conhecimento científico, e das urgências que forem surgindo”, concorda Roberto Schaeffer, da COPPE-UFRJ.

Mesmo com todo o sucesso, e 23 anos após a “influência discernível” no clima ter sido decretada, o IPCC e a ciência climática ainda enfrentam um problema de comunicação com a sociedade. Isso leva à persistência de “poderosas forças da desrazão”, nas palavras de Ben Santer, do Laboratório Nacional Lawrence Livermore, nos EUA. Em 1995, Santer foi perseguido por negacionistas climáticos a soldo da indústria fóssil e viveu um inferno pessoal e profissional. Tudo isso para ver, mais de duas décadas depois, o negacionismo triunfar na eleição de Donald Trump para a Presidência dos EUA. “Embora o processo do IPCC seja cientificamente muito forte, ele é fraco quando se trata de uma comunicação eficaz e do engajamento de tomadores de decisão e públicos”, disse Jonathan Overpeck, da Universidade de Michigan.

Suzana Kahn, também da Coppe, diz que o desafio é produzir modelagens (“previsões”) climáticas regionais. Para um prefeito que precisa decidir hoje entre gastar dinheiro para construir um hospital ou uma obra contra enchentes, não basta saber quanto vai chover a mais em seu continente – ele precisa de informação sobre sua cidade. Isso não é possível com o uso de modelos climáticos computacionais como os usados pelo IPCC, que só conseguem “enxergar” áreas maiores que 200 km. “Enquanto os impactos forem apresentados de forma muito agregada, as responsabilidades ficam diluídas”, afirma Kahn. Já existem esforços, inclusive no Brasil, para regionalizar modelos, mas isso demanda mais poder de computação – e dinheiro.

E dinheiro é outra fonte de angústia para o painel do clima. A operação anual do painel custa cerca de 5 milhões de francos suíços (R$ 17 milhões). Só que, apesar de o painel ser intergovernamental, as doações dos governos para mantê-lo são voluntárias. O Brasil, por exemplo, nunca botou um centavo em espécie no IPCC – o Peru já depositou 17 mil francos, o Quênia, 27 mil, e a minúscula Trinidad e Tobago, 50 mil, segundo a prestação de contas do painel.

Com a posse de Trump, em 2017, o IPCC perdeu seu maior doador: de 1,9 milhão de francos no ano anterior, a contribuição americana caiu para zero. “Mas os países aumentaram suas contribuições, e alguns que nunca haviam contribuído passa-ram a fazê-lo”, disse Thelma Krug, vice-presidente do Painel, atualmente co-liderando uma força-tarefa sobre a estabilidade financeira do IPCC. Mesmo com essa compensação, no ano passado o painel teve seu menor orçamento em 12 anos: 3,5 milhões de francos, uma queda de quase 20% em relação a 2016. “Para 2018 o buraco que tínhamos foi coberto com o aumento das contribuições em 2017. Mas isso não assegura a estabilidade financeira, que é o que precisamos. Ou seja, em época de crise, a implementação do plano de trabalho do IPCC pode estar comprometida”, diz Krug.

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Os habitantes das Américas têm acesso a três vezes mais benefícios oferecidos pela natureza do que a média global dos cidadãos, porém, a maioria dos países da grande região que vai do polo Norte ao Sul está fazendo uso desses recursos de forma insustentável – excedendo a capacidade dos ecossistemas de se renovar e promover qualidade de vida.

As Américas abrigam 13% da população mundial e 7 dos 17 países mais biodiversos do planeta. Além disso, detêm 40% da capacidade dos ecossistemas mundiais de produzir materiais que podem ser consumidos pelos humanos. Por outro lado, produzem quase um quarto da pegada ecológica global (quantidade de recursos que necessária para susten-tar a população humana atual) e os recursos naturais estão distribuídos de forma muito desigual entre os habitantes do grande continente.

Tal desequilíbrio tem um impacto mensurável. A comparar a biodiversidade atual da região com a existente no início da colonização europeia, estima-se que em média as populações de 31% das espécies americanas em uma dada área sofreram declínio – número já considerado alto e que pode chegar a 40% até 2050.

Perda de biodiversidade ameaça o agora e o futuro

Karina Toledo | Jornalista da Agência FAPESP

O alerta foi feito por especialistas da Plataforma Intergo-vernamental sobre Biodiversidade e Serviços Ecossistêmicos (IPBES) em Medellín, na Colômbia, onde ocorre até o dia 27 de março a sexta Reunião Plenária da entidade.

O relatório sobre o status atual da Biodiversidade e dos Serviços Ecossistêmicos nas Américas foi um dos quatro relatórios regionais lançados na sexta-feira (23/03) pela IPBES – os outros foram focados em África, Europa/Ásia Central e Ásia/Pacífico. Também foram divulgados quatro sumários para tomadores de decisão com os principais achados dos documentos.

“O Brasil foi um dos países com maior protagonismo na elaboração do diagnóstico das Américas. Além da minha par-ticipação como um dos três coordenadores gerais, quatro dos seis capítulos do relatório contaram com a co-coordenação de brasileiros. Ao todo, entre autores principais e colaboradores, há mais de 30 pessoas do nosso país envolvidas”, destacou Cristiana Simão Seixas, pesquisadora da Universidade Esta-dual de Campinas (Unicamp) e coordenadora do diagnóstico regional das Américas ao lado do canadense Jake Rice e da argentina Maria Elena Zaccagnini.

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Além de Seixas, há outros cinco membros do Programa BIOTA- FAPESP no rol de autores do relatório regional: Jean Pierre Ometto, Juliana Sampaio Farinaci, Jean Paul Metzger, Ricardo Ribeiro Rodrigues e Carlos Alfredo Joly. Este último, como membro do Painel Multidisciplinar de Especialistas (MEP) da IPBES, ajudou a elaborar as diretrizes que guiaram a elaboração dos quatro diagnósticos regionais.

“Todos estão também à frente da Plataforma Brasileira de Biodiversidade e Serviços Ecossistêmicos (BPBES), aplicando a experiência recém adquirida no diagnóstico das Américas na elaboração do Diagnóstico Brasileiro de Biodiversidade e Serviços Ecossistêmicos, que deverá ser lançado em julho durante a 70ª Reunião Anual da Sociedade Brasileira para Progresso da Ciência (SBPC), em Natal”, ressaltou Joly.

Na avaliação do cientista, que também coordena o Programa BIOTA, o Brasil é “sem dúvida” um dos países americanos que fazem uso dos recursos naturais de forma mais intensiva que o desejável.

“Desde o descobrimento nossa economia é extrativista, e a expansão do agronegócio segue nesta linha. O foco hoje é o Cerrado da região denominada Matopiba: Maranhão, Tocantins, Piauí, Bahia. Embora produzam alimentos, gênero de primeira necessidade, e contribuam enormemente para a balança comercial do país, o fazem de forma predatória”, disse Joly. Para o coordenador do BIOTA-FAPESP, em vez de simplesmente expandir as áreas ocupadas pela soja ou pelo gado, deveria se pensar em uma paisagem multifuncional, com extensas superfícies agrícolas, entremeadas por áreas de vegetação nativa (Reserva Legal, por exemplo) e conectadas por largas faixas de matas ciliares (Áreas de Preservação Permanente).

“Todos sairiam ganhando: seria possível manter boas populações de polinizadores, que aumentariam a quantidade e a qualidade dos grãos de soja; manter uma melhor recarga de aquíferos, principalmente nas áreas de Cerrado, evitando a necessidade de racionamento; manter a biodiversidade e a capacidade de conservação otimizada com a conexão entre fragmentos providenciada pelas matas ciliares. A médio prazo seria uma situação ganha-ganha”, destacou Joly.

Para o Presidente da IPBES, Robert Watson, é preciso tornar a agricultura mais sustentável e para isso é preciso acabar com os subsídios governamentais à produção. “Só deve haver subsídio se for para integrar medidas de preservação ambiental à produção, mas não à produção em si. Precisa-mos aprender como usar fertilizantes, agrotóxicos e recursos hídricos de maneira apropriada. Na maioria dos locais há uso excessivo. É necessário uma agricultura de precisão, ou seja, dar à plantação exatamente o que ela precisa. Não é trivial, mas pode ser feito”, defendeu Watson.

Seixas destacou que a mudança no padrão de uso da terra e a consequente degradação dos habitats naturais – promo-vida pela agricultura e pecuária e também pela mineração, pela construção de hidrelétricas e pelo crescimento urbano desordenado – é historicamente e ainda hoje a principal causa de perda de biodiversidade nas Américas e no Brasil.

Outros fatores importantes mencionados no relatório são poluição, espécies invasoras e superexploração dos recursos naturais. “No entanto, a taxa de impacto das mudanças climáticas sobre a biodiversidade vem crescendo de maneira acelerada e as projeções indicam que por volta de 2050 o clima terá um impacto tão grande quanto a destruição de habitats”, apontou Seixas.

Valor estimado das contribuições da natureza

O diagnóstico das Américas estima que o valor econômico das contribuições da natureza às pessoas da região – focando apenas em recursos terrestres – ultrapasse US$ 24 trilhões ao ano – igual ao PIB de toda a região. “Esse cálculo é feito com base em modelagem e extrapolação de dados coletados em diversos trabalhos, mas como não considera os benefícios ima-teriais, promoção de saúde mental, por exemplo, acreditamos ser um número altamente subestimado”, afirmou Seixas.

Os autores do relatório alertam ainda que 65% dessas contribuições oferecidas pelos ecossistemas naturais – o que inclui fatores como polinização, regulação do clima, produção de alimentos e muitos outros – estão em declínio. E 21% estão diminuindo fortemente. Cerca de 50% da população americana, por exemplo, já enfrenta problemas relacionados à segurança hídrica. Seixas chama atenção para o fato de que 61% das línguas americanas das culturas tradicionais a elas associadas estão ameaçadas ou em risco de desaparecerem. “Perde-se com elas toda uma gama de conhecimentos sobre práticas sustentáveis de manejo dos recursos naturais. Temos muito a aprender com as populações indígenas e essa é uma das principais mensagens do documento”, disse.

Para Jake Rice, a principal mensagem é que estamos usando os benefícios da natureza mais rápido do que ela pode repor. “É inevitável esse futuro? Não é a mensagem que queremos passar. Estamos aumentando as áreas protegidas, reabilitando áreas degradadas. Mas temos principalmente que encontrar modelos para tornar nossos meios de subsistência sustentáveis”, disse Rice.

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Para Joly, a questão da biodiversidade e dos serviços ecos-sistêmicos não deve continuar a ser tratada como políticas setoriais da área ambiental. “É fundamental que estas questões saiam deste gueto e permeiem áreas como o Ministério do Planejamento e o Ministério da Fazenda, para que tenhamos políticas econômicas que integrem as questões ambientais com as econômicas e sociais. É este tipo de política multissetorial que pode achar o caminho para um desenvolvimento mais sustentável – não simples crescimento como temos hoje.”

O coordenador do BIOTA-FAPESP afirmou que os custos ambientais e sociais de todas atividades humanas precisam se refletir na economia. “Uma discussão desse tipo, envol-vendo todos os atores – ruralistas, pequenos proprietários, ambientalistas, Secretaria da Agricultura, Secretaria do Meio Ambiente, Ministério Público e pesquisadores – vem sendo conseguida no âmbito de um Projeto Temático do BIOTA”, destacou.

Emprestando do futuro

A elaboração do diagnóstico das Américas contou ao todo com a contribuição de aproximadamente 120 autores. Foi feita uma revisão de toda a literatura científica sobre o tema e também foram considerados relatórios dos governos de todos os países envolvidos – cerca de 30 – e diálogos com representantes de povos indígenas.

O sumário para os tomadores de decisão – tanto políticos na área pública como gestores ambientais no setor privado – foi amplamente debatido durante a reunião plenária da IPBES e aprovado pelos representantes dos governos de todos os países.

De maneira geral, os quatro diagnósticos regionais desta-cam que a biodiversidade está em declínio em todas as regiões do planeta, reduzindo significativamente a capacidade da natureza de promover o bem-estar humano. Essa tendência ameaça as economias, os meios de subsistência, a segurança alimentar, coesão social e a qualidade de vida.

Para Robert Watson, a mensagem geral é que “estamos emprestando das gerações futuras para viver bem hoje. Mas há outras opções”.

“Não podemos ter desenvolvimento sem proteger a biodi-versidade. Podemos fazer melhor criando políticas públicas, parando de usar combustíveis fósseis, reduzindo o consumo de carne, optando pelo transporte público, evitando o des-perdício de recursos e produzindo comida, água e energia de modo mais sustentável. O tempo de agir é ontem”, disse o Presidente da IPBES, Robert Watson.

Os quatro relatórios foram elaborados nos últimos três anos por 550 especialistas de mais de 100 países. “Os docu-mentos representam a mais completa análise do estado do conhecimento atual sobre biodiversidade e esperamos que possam contribuir com a elaboração de políticas públicas e com a agenda de desenvolvimento sustentável. Este é o começo de uma jornada que espero seja longa e frutífera”, disse Anne Larigauderie, Secretária Executiva da IPBES.

Watson destacou que a elaboração dos diagnósticos é apenas a primeira parte de uma longa jornada. Os representantes dos 129 países-membros da IPBES (Intergovernmental Science-Policy Platform on Biodiversity and Ecosystem Services) devem agora levar a mensagem aos ministros de estado relevantes para o tema. “Também precisamos da imprensa e das mídias sociais para divulgar a mensagem”, disse.

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Causou forte repercussão a decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) sobre as ações de inconstitucionalidade contra a Lei 12.651/2012, que revogou o Código Florestal de 1965 e retirou a proteção de vastas áreas destinadas à preservação da vegetação nativa. Apesar de ter corrigido questões pontuais, a Corte manteve a maioria dos dispositivos questionados. Trata-se das ações sobre meio ambiente mais complexas da história do STF, dado o seu elevado conteúdo técnico-científico. Em casos tais, juízes têm incorporado conclusões da comunidade científica para decidir.

Sobre o tema, o relator, Ministro Luiz Fux, explicitou que “há causas que nós julgamos aqui em relação às quais nós não temos capacidade institucional (...) e por outro lado também a deferência ao legislativo, sempre que possível no Estado democrático, também nos protege de uma suposta, digamos assim, afirmação de que o Supremo invade áreas em relação às quais ele não tem competência”.

Talvez isso explique a incongruência entre os fundamentos dos votos dos ministros, em geral progressistas sobre a preser-vação ambiental, e a decisão final da Corte, de manter artigos da lei que reduzem os níveis de proteção do meio ambiente. A maioria dos ministros validou o princípio da vedação de retrocesso em direitos socioambientais ao mesmo tempo em que deixou de reconhecer graves retrocessos impostos pela nova Lei por não vislumbrar ameaça ao equilíbrio ecológico.

Retrocesso socioambientalMaurício Guetta | Advogado do ISA

Também reconheceu a necessidade de restaurar proces-sos ecológicos essenciais, tal como garante a Constituição Federal, mas deixou de declarar a inconstitucionalidade de artigos que dispensam a recuperação de áreas protegidas ilegalmente desmatadas; explicitou que os altos índices de desmatamento no Brasil comprometem a biodiversidade e a qualidade de vida das presentes e futuras gerações e, apesar disso, manteve dispositivos que incentivam o desmatamento, como a anistia.

Em 2012, após a aprovação da Lei, voltaram os altos índi-ces de desmatamento no Brasil, invertendo o decrescimento verificado desde 2004. Ao final, quem descumpriu a lei terá vantagens sobre quem a cumpriu, inclusive em relação ao tamanho da área disponível para produção e à valorização econômica do imóvel.

Considerando as ações judiciais sobre meio ambiente pendentes de apreciação no Supremo Tribunal Federal, bem como o atual cenário de retrocessos legislativos – que pode gerar novas ações de inconstitucionalidade – a incapacidade de assimilar questões técnico-científicas, sempre presentes em matéria ambiental, gera desconfiança sobre a capacidade da Corte de garantir a efetividade do direito de toda a sociedade ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, podendo sig-nificar a consolidação de retrocessos socioambientais vedados pela Constituição Federal.

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Nas últimas três décadas, o Planeta vem perdendo 0,5 por cento de suas florestas a cada ano. Usando fotos de satélites foi possível identificar, contar e medir o tamanho das áreas desmatadas em todas as florestas tropicais espalhadas pela Terra. O número e tamanho das man-chas de floresta remanescente também foram descritos. Para isso, foram fotografados 21 bilhões de quadrados, cada um com 30 por 30 metros, cobrindo as florestas de todos os continentes.

O resultado mostra que hoje nossas florestas estão distri-buídas em 130 milhões de fragmentos florestais, os menores com 100 metros quadrados e o maior, na Amazônia, com 427 milhões de hectares. Analisando esses dados foi possível demonstrar que o desmatamento segue um padrão descrito pela lei da percolação (já explico). Se isso for confirmado, nos próximos 50 anos, ao passarmos de 40 por cento para 50 por cento da área total desmatada, a fragmentação da floresta aumentará abruptamente, o que pode provocar o colapso desse ecossistema.

Na nossa imaginação, o desmatamento ocorre assim: uma área começa a ser cortada pelas beiradas, reduzindo aos poucos a área total da floresta, mas o que sobrevive se mantém como um bloco único. Nada mais errado.

O que acontece é que o homem abre pequenas clareiras dispersas pela floresta. Essas clareiras crescem, se fundem e criam áreas de floresta cercadas por áreas desmatadas. São os fragmentos florestais. Nesses fragmentos surgem novas clareiras e, aos poucos, o número de fragmentos aumenta e seu tamanho diminui. Finalmente, o número de fragmentos diminui e a floresta desaparece. Esse processo pode ser descrito pela Lei da Percolação.

Para entender a Lei da Percolação você tem de imaginar que está em Porto Velho e quer caminhar até Manaus andando somente por clareiras abertas na floresta. O ano é 1500 e você não consegue ir a lugar nenhum sem pisar na floresta (navegar pelos rios não vale).

No início do desmatamento, como as áreas desmatadas são pequenas e espalhadas, você vai começar a se movimen-tar pelas clareiras, mas não vai longe. Na medida em que as clareiras se fundem, você consegue se movimentar por distâncias maiores até que um dia, passando de clareira em clareira, contornando áreas enormes de florestas, você chega a Manaus só pisando em áreas desmatadas. Décadas mais tarde, com o aumento do desmatamento, você vai conseguir fazer o percurso praticamente em linha reta.

Esse processo de caminhar na mata usando as clareiras é semelhante, matematicamente, à percolagem da água através de grãos de café em um coador de papel.

Fernando Reinach | Biólogo e Conselheiro da Fundação SOS Mata Atlântica

Matemática da florestaA capacidade da água de percolar depende de caminhos

entre os grãos, do tamanho dos grãos e do espaço entre eles e assim por diante. Esse fenômeno é descrito por uma teoria matemática chamada Lei da Percolação.

O que os cientistas descobriram agora é que o padrão de desmatamento que vem ocorrendo em todo o Planeta, tanto no Brasil quanto na Indonésia ou na África, segue modelos matemáticos que foram desenvolvidos para descrever a percolação. Usando esses modelos é possível prever o que ocorre com os fragmentos de floresta na medida em que o desmatamento progride.

No início do desmatamento (primeiros 10 por cento desmatados), se formam poucos fragmentos e eles são muito grandes: o que existe são clareiras de diversos tamanhos. Entre 10 e 30 por cento de desmatamento, a quantidade de frag-mentos não cresce muito, mas seu tamanho se reduz bastante. Mas existe um momento crítico nesse processo quando a área desmatada vai de 40 por cento para 50 por cento.

Nesse ponto, o número de fragmentos aumenta violen-tamente e seu tamanho diminui muito (a previsão é que os atuais 130 milhões de fragmentos se multipliquem 33 vezes, se tornando 4,3 bilhões de fragmentos). Essa é a fase em que florestas em todo o mundo estão entrando agora.

Esse estágio é crítico porque, apesar de somente 50 por cento das matas terem sido derrubadas, o grosso da floresta remanescente estará em fragmentos pequenos. E é bem conhecido que, quando um fragmento florestal atinge por volta de 100 hectares, a biodiversidade desaparece e o sistema entra em colapso.

Se o processo de desmatamento tivesse cortado 50% das florestas e o restante estivesse em somente um fragmento, esse fragmento seria saudável e viável. Mas os mesmo 50%, distribuídos em 4,3 bilhões de fragmentos, podem levar rapidamente o sistema ao colapso.

Ou seja, o padrão de desmatamento é tão ou mais impor-tante do que a área total desmatada. Quem diria que uma teoria matemática desenvolvida em 1957 pudesse nos ajudar a entender o que está acontecendo nas florestas.

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Pesquisadores associados do Instituto Mamirauá fizeram a descoberta e acreditam que a baixa ocorrência de predadores dos ninhos nas ilhas pode estar associada a esse comportamento. Para os jacarés, a escolha do lugar para construir o ninho é essencial. É preciso estar atento aos predadores, como macacos e lagartos, que podem estar à espreita dos ovos. Na Amazônia, as ilhas de rio não são conhecidas por serem nascedouros de jacarés, mas uma descoberta recente pode ajudar a rever esse status. Em nota publicada na mais nova edição da revista especializada Herpetological Review, pesquisadores associados do Instituto Mamirauá registraram a ocorrência de 11 ninhos de jacarés em 6 ilhas fluviais. As ilhas estão localizadas nos rios Solimões e Japurá, na Amazônia Central.

O último e, até o momento, único registro dessa natureza foi em 1997, com a descoberta de um ninho de jacaré-açu (Melanosuchus niger) no arquipélago do Parque Nacional de Anavilhanas, Amazonas. A mais recente descoberta, feita pelos pesquisadores Rafael Rabelo e Kelly Torralvo, acon-teceu entre Setembro e Novembro de 2014, durante estudo que desenvolveram pelo Instituto Mamirauá, unidade de pesquisa do Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações (MCTIC).

À época, o grupo percorreu quinze ilhas no entorno e na região da Reserva de Desenvolvimento Sustentável (RDS)Mamirauá, também no estado amazonense. Os ovos encontra-dos pertenciam a répteis das espécies jacaré-açu e jacaretinga (Caiman crocodilus). Do total de ninhos de jacarés-açu, dois apresentaram evidências de terem sido alvos de predação, como escrevem os pesquisadores na nota científica, um deles por uma onça-pintada e o outro por um jacuraru.

Ninhos de jacarés vistos em ilhas fluviais na Amazônia

João Cunha | Jornalista do Instituto Mamirauá

De acordo com a nota científica, uma das causas mais frequentes de mortalidade de jacarés no período de incubação (quando os espécimes estão dentro de ovos) é a predação por outros animais. “A ocorrência de espécies predadoras, como macacos-prego e onças, pode ser menor nas ilhas do que na floresta contínua”, destaca o documento, “então essas ilhas fluviais são locais de nidificação potencialmente bem suce-didos para espécies de jacarés”. Os autores afirmam que esse registro de ninhos de jacarés fornece “novas evidências para o uso de ilhas fluviais como locais de reprodução de espécies de jacarés na Amazônia, destacando a importância destas ilhas para a conservação dessas espécies”.

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Há muitos anos o senhor defende que as hidrelétricas a serem construídas na Amazônia causariam muitos prejuízos à fauna, à flora e à floresta em geral. Hoje, depois da construção de algumas barragens, como Belo Monte e São Manoel, confirma suas hipóteses?

É evidente que os problemas permanecem e o impacto dessas hidrelétricas é muito maior do que geralmente é admitido durante o licenciamento. Os impactos são de ordem ambiental e social, e se eles de fato tivessem sido levados em conta, a decisão sobre a construção das hidrelétricas teria sido outra. O Brasil tem muitas outras opções de energia que não as hidrelétricas, porque essa não é uma energia barata; ela é fortemente subsidiada por impostos. Existem cálculos de que é possível suprir toda a energia do Brasil apostando em outras fontes, como energia eólica e a solar. Obviamente tem que ter algum tipo de energia para suprir a demanda quando não tem vento ou sol, mas para isso existe o sistema elétrico do país. No Nordeste há grandes áreas de sol e, portanto, investir nesses modelos seria viável, mas as hidrelétricas têm prioridade justamente porque suas construções envolvem muito dinheiro, dão oportunidade para a corrupção e susten-tam o lobby das empreiteiras para conseguirem contratos de grandes barragens que têm uma produção pífia de energia. A hidrelétrica de Balbina é um exemplo histórico disso.

Quais diria que foram os principais problemas gerados por conta das hidrelétricas já construídas?

A primeira questão é que é preciso inundar a terra para formar um reservatório e isso leva à expulsão de todas as pessoas que moram próximo a essas áreas, como ribeirinhos e indígenas, que têm pouco poder político para poder lidar com essa questão. As hidrelétricas que aparentemente estão planejadas acima de Belo Monte – que não são oficialmente admitidas no momento, mas pelo menos uma das quais é provável que seja construída – estão previstas em áreas indígenas. A primeira, Babaquara-Altamira, teria um lago do dobro do tamanho de Balbina.

Além disso, as hidrelétricas bloqueiam as migrações dos peixes e geram gases de Efeito Estufa. Esses impactos não são considerados na hora de se tomar a decisão acerca da realização desse tipo de obra.

Patricia Fachin | Jornalista do IHU

Hidrelétricas no Amazonas sustentam empreiteiras

Na verdade, a decisão é tomada sem sequer considerar ou levantar quais são os impactos da construção de uma hidrelétrica. O EIA RIMA (Estudo e Relatório de Impacto Ambiental) é feito depois de ser decidido pela Casa Civil quais são as prioridades de barragens. Então, a decisão real é tomada por pouquíssimas pessoas que não querem e não sabem quais são os impactos desse tipo de obra. Todo o processo de estudo de impactos que é feito posteriormente é apenas para legalizar a decisão que já foi tomada. É preciso mudar esse sistema, para que as decisões sejam tomadas somente depois de ter sido feito um estudo ou debate público.

O senhor tem feito críticas ao modo como os órgãos ambientais concederam licenças de operação para hidrelétricas mesmo existindo problemas no licenciamento, como foi o caso de Belo Monte e São Manoel. Quais os problemas desses órgãos? Por que eles concedem as licenças de operação?

Eles não têm o poder para resistir à pressão na hora de aprovar essas obras. Ao mesmo tempo, com todas as falhas que existem no sistema brasileiro nesse sentido, é muito melhor que existam esses órgãos do que as propostas que estão avançando no Congresso Nacional, como a de pôr fim ao licenciamento ambiental, com a PEC 65, que permite que apenas a entrega do EIA RIMA autorize toda a concessão da obra.

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Entrevista com Philip FearnsidePesquisador do INPA, membro da Academia Brasileira de Ciências e Coordenador do INCT-SERVAMB

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Se essa proposta for aprovada, o papel do Instituto Brasi-leiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (IBAMA) será apenas simbólico. Projetos de Lei avançando no Senado e na Câmara dos Deputados abreviarão o processo de licenciamento ambiental: ao invés de se ter três licenças para liberar uma obra, seria preciso somente uma e o prazo previsto para as análises não permitiria que o IBAMA tivesse tempo hábil de fazê-lo – seria 1/7 do tempo que o Ibama leva hoje. Se o IBAMA não aprovar as licenças dentro desse prazo, a obra será aprovada automaticamente e poderá ser realizada. Trata-se de uma maneira de neutralizar o sistema que existe hoje, mas é evidente que o sistema não está conseguindo resistir às pressões.

Vimos isso com as barragens do Rio Madeira, que tinham pareceres com centenas de páginas oferecendo razões para não autorizar a licença, deixando claro que o setor técnico do IBAMA era contra a aprovação da obra. Mas isso foi resolvido com a substituição do chefe de licenciamentos do IBAMA, que aprovou as licenças prévias. Depois essa pessoa foi promovida a chefe do IBAMA e aprovou a instalação. Isso se repetiu em Belo Monte: em todas as etapas de licença prévia, instalação e operação, centenas de páginas apontaram a inviabilidade da obra, mas no final das contas trocaram o chefe do IBAMA. Recentemente aconteceu o mesmo com a hidrelétrica de São Manoel, que também tinha pareceres do setor de licenciamento do IBAMA para que não fosse aprovada, mas foi. Esses são exemplos graves do que tem sido feito no país.

Depois que hidrelétricas como Belo Monte e São Manoel receberam suas licenças de operações, como fica a questão das condicionantes? Elas serão arquivadas?

Esse sistema de condicionantes iniciou a partir de 2003, porque até então quem estava construindo uma barragem tinha que cumprir com todas as demandas impostas. Entretanto, com o sistema de condicionantes se permitiu que a obra fosse adiante desde que as empresas realizassem as condicionantes posteriormente.

Entretanto, licenças de operação foram concedidas às hidrelétricas de Belo Monte e São Manoel sem terem se cumprido as condicionantes. Isso é gravíssimo, porque depois de se ter a licença de operação, não se tem nenhum meio de fazer com que as empresas cumpram essas condicionantes, porque embora a Justiça tente paralisar a obra, ela já está funcionando, já está gerando energia.

Então, é importante que seja cumprido tudo que for necessário antes de deixar que a barragem se torne um fato consumado. No caso de Belo Monte existiam 40 condicionantes do IBAMA e 26 da Fundação Nacional do Índio (FUNAI), mas quase nenhuma delas foi cumprida. Entretanto, depois de ter a licença de operação, é muito difícil conseguir um efeito, porque a obra já está completa e já está operando.

Qual é o conteúdo dos processos do MPF?

As principais dizem respeito ao fato de os povos indígenas não terem sido consultados, como determina a Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), que foi convertida em Lei no Brasil em 2004. Nenhuma das barragens consultou os índios e isso tem sido contestado repetidamente. As demais condicionantes dizem respeito a questões técnicas que não foram cumpridas.

Qual é o impacto dessas hidrelétricas, especialmente Belo Monte e São Manoel, para as comunidades indígenas?

Abaixo da barragem tem duas áreas na volta do Rio Xingu e uma próxima ao Rio Bacajá, que é o afluente que entra na Volta Grande do Xingu, onde vivem três grupos indígenas que ficaram sem água e são impactados por conta da falta de água.

O Governo alega que eles não são impactados porque não ficaram debaixo d’água, mas a Convenção 169 trata de impactados e não de alagamentos. Logo, ficar sem água também é um impacto. No caso de São Manoel, a Terra Indígena fica a 700 metros da barragem e a barragem está numa área sagrada, a qual não está demarcada.

A proteção indígena vem se enfraquecendo rapidamente e vimos isso em Belo Monte, porque quando a Constituição foi aprovada em 88 se exigiu a aprovação pelo Congresso para qualquer obra que impactasse uma área indígena.

Isso foi visto como um impedimento impossível para a construção da obra e gerou uma revisão dela no sentido de mudá-la de posição, mas depois, quando chegou a “hora H” de aprovar o projeto no Congresso, ele foi aprovado em caráter de urgência e se deixou Belo Monte ir para frente. Isso tirou o medo do setor energético de propor obras em áreas indígenas.

Outra coisa importante são as hidrelétricas que ainda não foram construídas, mas que estão no plano do governo e ninguém está falando nisso. No Rio Xingu será construída a hidrelétrica Babaquara-Altamira, uma enorme barragem acima de Belo Monte, a 11 Km de Altamira. Essa área será inundada e há muitos sinais de que esse será o plano do governo futuramente.

Primeiro, porque Belo Monte é economicamente inviável sem a existência dessas outras barragens, pois o Xingu é um dos rios da Amazônia que tem mais variação sazonal e em alguns meses não tem água para geração de energia. Nesse sentido, essa é uma hidrelétrica difícil de justificar: como justificar 20 mil megawatts ociosos durante esse tempo todo? Não faz sentido econômico. A segunda evidência de que esse será o plano futuro do governo diz respeito ao fato de o pró-prio governo ter investido todo este dinheiro na construção de Belo Monte – 80% da obra foi financiada pelo BNDES, com juros de 4% ao ano.

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Então, o fato de o governo ter investido em Belo Monte é um indicativo de que o plano real é ter grandes reservatórios acima de Belo Monte para armazenar água e poder usar as turbinas de Belo Monte na época de seca.

Outras evidências são, por exemplo, o discurso de Dilma Rousseff em 2013 anunciando uma nova prioridade para barragens com grandes reservatórios e isso foi reconfirmado em Setembro do ano passado pelo atual governo. Essa bar-ragem (Babaquara-Altamira) estava no Plano de Energia do governo até 1994, e a previsão era que fosse construída sete anos depois de Belo Monte, então, ainda estamos dentro do prazo segundo esse cronograma. O Governo nega que se trate de um plano, mas todos os indícios apontam que é.

Outro caso paralelo é a barragem de Chacorão, no Tapa-jós, na Terra Indígena Munduruku, que já está demarcada oficialmente. Nesse caso são 11,7 mil hectares que serão inundados dentro da terra dos Munduruku. Isso está dentro do plano e está dentro do estudo de viabilidade de São Luiz do Tapajós, mas sumiu dos planos da Eletrobras. Existe também no Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) o plano de transporte das hidrovias, e a hidrovia do Tapajós é a prioridade do setor de soja para levar o produto de Mato Grosso a Itaituba por balsa. Então, é evidente que o plano é fazer a barragem. Trata-se de um elefante na sala que simples-mente não é mencionado. Isso é perigoso, porque existe essa estratégia de não falar sobre as coisas mais polêmicas até o último momento para não prejudicar aquelas obras que estão esperando aprovação.

Em um dos seus artigos o senhor afirmou que a empresa China Three Gorges adquiriu uma participação de 33% na barragem de São Manoel. Qual a influência e o interesse da China na construção ou na compra de hidrelétricas na Amazônia, a exemplo da hidrelétrica de São Manoel?

O interesse da China nessas hidrelétricas está aumentando e ela está comprando hidrelétricas existentes ou que estão sendo construídas. Aparentemente estão negociando uma parte de Belo Monte e já comprou o controle de Santo Antônio do Jari, no Amapá. Os chineses também têm contratos de trans-missão de Belo Monte e estão interessados em outras questões relacionadas à energia que não apenas as hidrelétricas. Isso é um problema, porque a China tem um histórico bastante preocupante em termos de meio ambiente.

Além disso, não sei se alguém lembra, mas em 2006, no conflito de Darfur, no Sudão, morreram milhares de pessoas e o Brasil tinha voto dentro da comissão da ONU para decidir se iria enviar suas forças de segurança para parar o genocídio ou não, e o Brasil optou pelo não. A questão é: por quê? O Brasil não tem nenhum interesse no Sudão, mas a China, sim, porque está comprando petróleo do Sudão. Então, aparentemente o Brasil agiu para garantir interesses da China. Que eu saiba ninguém contestou esta explicação de por que da atitude do Brasil, mas isso é um exemplo da influência chinesa no Brasil.

Quando iniciou o interesse chinês nas hidrelétricas brasi-leiras?

Esse é um interesse recente, mas a China tem aumentado sua influência no Brasil há alguns anos. A China tem comprado terras aqui e tem tido influência no comércio de soja e carne. Isso tem gerado um enorme impacto sobre o desmatamento no Brasil. Esse poder de influência da China é muito preo-cupante. No caso das hidrelétricas, a China tem interesse em comprar recursos naturais no mundo inteiro, especialmente em países como o Brasil. Trata-se de uma estratégia para ter esses recursos naturais, que a China não tem, dos quais ela sabe que vai precisar futuramente.

Que outras empresas ou países têm interesse nas hidrelétricas brasileiras?

A França tem um enorme interesse em Jirau e é um dos maiores donos da hidrelétrica. Os portugueses também tinham interesse em São Manoel, mas venderam sua parte na hidrelétrica para a China. No caso da hidrelétrica de Santo Antônio, o Banco Santander, da Espanha, tinha interesse nela, mas depois vendeu sua parte porque deve ter percebido que não seria bom para a sua imagem de “banco verde” estar associado à hidrelétrica. Existem muitos e diferentes países interessados e do mesmo modo o Brasil é um grande ator que tem feito barragens em outros países, e pretende fazer várias barragens no Peru, do mesmo modo que outros países têm fomentado a construção de barragens aqui, como o Canadá, que tem empresas de consultoria que desenham planos de energia. E existem também as indústrias de turbina, onde a França tem um poder enorme e vendeu turbinas para Tucuruí. Uma empresa da França tem uma subsidiária, a Mecânica Pesada, que faz turbinas em Taubaté. Então, esses países têm grande interesse em promover mais barragens no Brasil.

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Nos últimos anos o Brasil tem assistido aos desdobramentos da Lava Jato sobre os casos de corrupção envolvendo empreiteiras e membros do poder público. Como o senhor recebeu as notí-cias sobre os casos de corrupção envolvendo Belo Monte? Foi uma surpresa? Ainda nesse sentido, como avalia a construção de Belo Monte à luz da Lava Jato?

Isso explica, no caso de Belo Monte, o enorme interesse dos Governos de Lula e Dilma por essa barragem. As delações vêm de dois lados: o lado de quem pagou, as empreiteiras, e o lado de quem recebeu. Também tem o caso da Odebrecht no Rio Madeira. Tudo isso ajuda a explicar os mis-térios de por que sempre houve tanto esforço para produzir uma obra que não tem o menor sentido financeiro e terá uma série de implicações por conta das mudanças climáticas. Ou seja, Belo Monte vai ficar menos viável do que é hoje em razão das mudanças climáticas e do desmatamento. Mesmo se presumindo que não haverá mudança na vazão do rio, a obra não será viável.

A Lava Jato tem a oportunidade de amenizar essa doença da corrupção, mas várias coisas estão em movimento nesse sentido. Uma delas é a privatização da Eletrobrás. Tem argumentos dos dois lados, mas em termos de construção de novas hidrelétricas a privatização seria uma vantagem, porque a Eletrobrás sendo do governo, é suscetível a fazer obras como Belo Monte.

Mas se a Eletrobrás fosse uma empresa privada, que fizesse seus cálculos sobre lucros, jamais teria se construído algo como Belo Monte. Claro que também existe o outro lado: uma empresa privada pode fazer muitas obras com grandes danos sociais e ambientais porque gera lucro, mas certamente uma obra como Belo Monte teria sido evitada. Parece que 70% da população estão contra a privatização, mas tem que ver se o governo e o Congresso vão optar por essa saída. Ainda não dá para prever.

Mas o senhor acha que seria melhor para o Brasil privatizar a Eletrobras?

Seria, porque se fariam opções que fazem mais sentido econômico, como investir em energia eólica e solar e não na construção de barragens. Mas o que acontece é que se opta por barragens porque há o lobby das empreiteiras, das construto-ras etc. A privatização diminuiria esse aspecto. Obviamente existiriam outros riscos, mas esse seria um benefício.

Como avalia a aposta política que existe no Brasil, tanto à direita quanto à esquerda, de construir hidrelétricas? Por que diferentes posições ideológicas concordam com esse tipo de projeto?

Isso acontece porque tem uma força embutida na natureza dessas obras: envolve muito dinheiro e cria, por si, um lobby a favor da obra. Isso gera empregos para milhares de pessoas durante alguns meses, gera votos, gera lucros para comerciantes e, automaticamente, há um lobby a favor a obra, mesmo que não faça sentido.

Balbina é um exemplo de uma obra que não faz sentido em termos financeiros e em termos de geração de energia, mas teve lobby de vários setores de Manaus e isso mostra como funciona esse quadro. Então, não é surpresa quais são as razões que são apoiadas pelos diferentes políticos.

Entretanto, isso é algo que precisa mudar, porque não é benéfico para a população brasileira. Embora seja possível criar empregos – no Rio Madeira tinha mais de 20 mil pessoas trabalhando durante as obras – esse trabalho dura dois ou três anos e as pessoas ficam desempregadas, mas a obra gera um impacto no rio para sempre. Tem que se pensar se isso tem lógica ou não.

Deseja acrescentar algo?

É preciso ser claro que o importante em relação a essas obras é a tomada de decisão. Como se chega à decisão de construir essas obras? É preciso discutir isso antes de tomar as decisões reais. Essa decisão é tomada por meia dúzia de pessoas. Isso não é muito diferente da época do regime mili-tar. Muitas vezes escutamos que Balbina jamais aconteceria nos dias de hoje, em que se vive numa democracia, em que existe Estudo de Impacto Ambiental (EIA) e seu respectivo Relatório de Impacto Ambiental (RIMA), audiências públicas etc. No entanto, nada disso mudou o básico do sistema, isto é, o fato de a decisão ser tomada por poucas pessoas que não sabem dos impactos desse tipo de obra.

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A lama vermelha que a multinacional norueguesa Norsk Hydro despejou, sem o devido tratamento, nas águas do estuário do rio Pará, não poluiu apenas o meio ambiente e prejudicou a saúde e a vida da população da área: fulminou também a própria empresa e seu país de origem. Ambos se orgulhavam se dar tratamento diferenciado à natureza e ao ser humano.

Esta tradição, que, na Hydro, tem mais de 100 anos de existência, foi corroída na entrada da região amazônica, que abriga a maior floresta tropical do planeta e a maior bacia hidrográfica da terra, com 8% da sua água doce.

A 40 quilômetros de Belém, a Hydro se tornou proprie-tária do maior polo de alumínio do Brasil e dos maiores do mundo. Em 2011, comprou da Vale, maior mineradora mundial de ferro, a maior jazida de bauxita do Brasil, e das maiores do mundo, a maior fábrica de alumina do mundo e a oitava maior planta de alumínio do mundo, e a maior da América do Sul.

A Hydro pulou vários estágios no ranking mundial, tornando-se das poucas corporações internacionais a atuar desde a origem, na extração do minério, até a última fase do beneficiamento do metal de alumínio.

O polo de Barcarena, no Pará, recebeu o maior investi-mento da Hydro fora da Europa. Uma nota que a empresa divulgou ontem (18) à noite, em Belém, mostrou que o ganho que a empresa obteve com a sua fixação na entrada do maior rio do mundo, o Amazonas, não correspondeu ao tratamento que dispensou a essa região.

No dia 17 do mês passado, quando ocorreu a contaminação de rios e igarapés próximos às unidades industriais da Hydro Alunorte, poluição comprovada pelo Instituto Evandro Cha-gas, a companhia alegou que a penetração de lama vermelha se devia ao excesso de chuvas. Não podia ser por uma falha no seu sistema de captação, tratamento e despejo de resíduos sólidos e efluentes líquidos.

Hydro enlameia o mito

Esse sistema era o mesmo que a empresa adotava na Noruega, com reconhecimento internacional sobre a sua qualidade. Logo, teria sido um acidente imprevisível e inevitável. Em nota recente, a empresa finalmente admitiu que despejou resíduos tóxicos do processo produtivo, com a presença de soda cáustica, produto usado na lavagem do minério. Reconheceu que canais e dutos, que deviam estar desativados ou que funcionavam sem licenciamento ambiental, acabaram levando lama vermelha até o estuário do rio Pará, um dos maiores e mais importantes do litoral brasileiro, em cuja margem está a 10ª maior cidade brasileira.

A Hydro ressalta que se antecipou ao laudo de uma consultoria independente, que só estará concluído em 9 de Abril. Tratou logo de reconhecer as falhas e seu mau procedimento, combinando o fator ocasional com o efeito causal. Um dia, o funcionamento do sistema iria resultar em acidente porque não estava sendo monitorado adequadamente nem pela empresa nem pela Secretaria de Meio Ambiente e Sustentabilidade do Pará, que a licenciou e tinha a obrigação legal de fiscalizá-la.

A negligência é agravada porque só agora a Hydro se compromete (com investimento em torno de meio bilhão de reais, 15 vezes maior do que o orçamento do Instituto Evandro Chagas, que comprovou a contaminação) para implantar o que deveria ter existido desde o início, no projeto da fábrica, ou no cumprimento integral das condicionantes do licenciamento. A Hydro, assim, quer voltar no tempo e corrigir seus erros. Mas essa remissão precisa ser feita por controle externo, apurando as responsabilidades, punindo os responsáveis e garantindo que a natureza e os seres humanos estão adequadamente protegidos de acidentes – e a verdade dos fatos demarcará as relações entre a empresa, o poder público e a sociedade. Ou a moral da história será que, ao invés de ser tratado como uma Noruega, a Amazônia está mais para um Haiti na visão dos donos dos grandes empreendimentos econômicos.

Lúcio Flávio Pinto | Jornalista. Sociólogo Editor do Jornal Pessoal. Eleito um dos 100 jornalistas heróis da liberdade de imprensa pela Repórteres Sem Fronteiras em 2014

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| desastres ambientais |

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“O cavalo é a mais nobre conquista do homem.” A frase é do grande naturalista francês do Século XVIII, Georges-Louis Leclerc, Conde de Buffon. As teorias de Buffon influenciaram duas gerações de naturalistas, entre os quais Jean-Baptiste de Lamarck e Charles Darwin. Agora, a frase tornou-se defini-tiva. A ciência acaba de provar: não existe mais nenhum cavalo selvagem na Terra. Tudo que cavalga por aí foi domesticado pelo homem. Se ama cavalos, leia este artigo. Se não, também. Noblesse oblige.

Um estudo internacional conduzido por geneticistas e arqueólogos, publicado em Fevereiro passado na Nature, alterou os conhecimentos sobre equídeos. Os míticos e ameaçados cavalos de Przewalski, ainda protegidos em reservas naturais de Mongólia. Eles foram descritos pela primeira vez em 1879 e existem apenas 2000 cavalos de Przewalski nas estepes. Até agora, esses pequenos cavalos eram preservados como os últimos representantes de cavalos selvagens no Planeta. Deles descenderiam os cavalos domesticados. Esse estudo, realizado com a participação de 14 países, demonstrou que esse cavalo mongol deixou a vida selvagem há 5.500 anos. Os estudos genômicos são conclusivos: o cavalo de Przewalski descende diretamente do cavalo de Botaï, descoberto nessa localidade do Cazaquistão, e tido como o primeiro equino domesticado. Após 3 anos de trabalho, 47 cientistas mostraram: o cavalo de Przewalski resulta de animais domesticados que voltaram à vida selvagem, há milhares de anos. Mas, os cavalos de Przewalski merecem ser preservados, representam os mais próximos descendentes dos primeiros cavalos domésticos.

Algo parecido ocorreu, mais recentemente, com os mus-tangues dos Estados Unidos. Esses cavalos assilvestrados descendem de animais levados à América por exploradores espanhóis e portugueses no Século XVI. Na ausência de grandes predadores, eles proliferaram nas planícies dos EUA. Eram dois milhões no Século XX. Foram reduzidos pela caça a cerca de 300.000. E hoje tem o estatuto de espécie protegida.

O mesmo ocorreu na origem do cavalo lavradeiro de Roraima. Animais levados por portugueses escaparam e multiplicaram-se livremente nos campos do lavrado nos últi-mos 200 a 300 anos. Hoje, além da natureza, esses animais são conservados em núcleos de criação pela Embrapa. Para os pesquisadores, o cavalo lavradeiro de Roraima sofreu um pro-cesso natural de seleção. Genes desfavoráveis naquele ambiente (clima equatorial, alimentação de baixo valor nutritivo, iso-lamento geográfico e genético) foram eliminados. Apenas os mais fortes e adaptados sobreviveram. Os cavalos lavradeiros são pequenos (1,40 m), com alto índice de fertilidade, muito velozes (podem correr por 30 a 60 km/h), resistentes ao tra-balho árduo e tolerantes a doenças e parasitas.

Evaristo Eduardo de Miranda | Doutor em ecologia, escritor e pesquisador da Embrapa

Uma outra história do cavaloA origem do cavalo tornou-se mais complexa após esse

estudo. O sítio de Boltaï data do Neolítico e foi descoberto em 1980 com milhares de esqueletos de equinos, estruturas de criação, bridões e até resíduos de leite de éguas em antigas ânforas. O local era tido como o berço do cavalo doméstico. O estudo do genoma de 88 indivíduos antigos e contemporâneos mostrou que os cavalos domésticos não descendem do animal cazaque, hoje desaparecido. Os atuais cavalos domésticos têm apenas 2,7% de genes de Boltaï. Enquanto os cavalos de Przewalski descendem deles diretamente.

Os cavalos domésticos, sejam árabes, puro sangue inglês ou percherons, estão órfãos. De quem descendem então? As pesquisas apontam para novos sítios arqueológicos a Oeste dos montes Urais, do lado dos rios Volga e Dom. E mais a Oeste ainda para o sítio arqueológico de Dereivka na Ucrânia, de 4.500 a.C. e para outros locais em volta do Mar Cáspio, na Anatólia, na Romênia e na Hungria. Há muita pesquisa ainda pela frente até se ter clareza sobre a verdadeira origem dos cavalos.

Para o professor de arqueologia molecular da Universidade de Copenhague, Ludovic Orlando, o cavalo fez a história da humanidade. De Alexandre o Grande a Gengis Khan, ele portou nossas conquistas e ritmou nossas batalhas. E permitiu disseminar genes, línguas, culturas e doenças. Sua domesticação constituiu um instante fundamental. O que se acaba de descobrir com essa pesquisa sobre a origem do cavalo é um pouco como se percebêssemos que o homem não surgiu na África.

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| opinião |

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Um estudo inédito no Brasil revelou os benefícios dos plásticos para o meio ambiente quando são utilizados em setores industriais estratégicos para a economia brasileira: automotivo, construção civil e têxtil. Desenvolvido pelo Laboratório de Sistemas Avançados de Gestão de Produção (SAGE/COPPE), da Universidade Federal do Rio de Janeiro, a pedido da Braskem e revisado pela KPMG, o estudo cal-culou as emissões de CO2 equivalentes (CO2-eq) evitadas e evitáveis pelo uso de produtos plásticos em substituição a outros materiais tradicionais. Iniciada em 2013, a pesquisa utilizou como base a metodologia de Avaliação de Ciclo de Vida (ACV) para constatar que o plástico pode contribuir para a redução das emissões de CO2 na atmosfera.

“Após o Acordo de Paris, a redução de emissões de Gases do Efeito Estufa entrou para a agenda de todos os setores. Usamos a Avaliação do Ciclo de Vida, de modo a compararmos não apenas as emissões relativas à fabricação do plástico e dos outros materiais, mas também as emissões em outras etapas, como o uso dos produtos, o seu transporte e sua destinação final. Com os resultados de nosso estudo, cada setor saberá em que ponto da cadeia de suprimentos deve introduzir melhorias”, comenta Virgílio José Martins Ferreira Filho, professor titular do Programa de Engenharia de Produção da COPPE/UFRJ.

No setor automotivo, a adoção do plástico promoveu a redução do consumo de combustível e, consequentemente, diminuição na emissão de CO2. Isso porque, a substituição de componentes de metais e madeira por resinas plásticas, com menor densidade, tornou os carros mais leves e menos poluentes, além de mais econômicos na linha de produção. Um automóvel médio de mil quilos, por exemplo, tem 11% do seu peso em plástico. Sem polímeros entre as peças, o peso do veículo chega a ser 16,5% maior.

Estudo da UFRJ mostra que plástico reduz emissões de GEE

Jessyca Trovão | Jornalista

Neste cenário, segundo o uso de plásticos na frota brasileira nos últimos dez anos foi responsável por evitar o equivalente a 126.540 kt de CO2-eq, aproximadamente a mesma quanti-dade de Gases de Efeito Estufa emitida pela República Tcheca em 2013, país com cerca de dez milhões de habitantes1. Vale lembrar que grande parte dessas emissões se dará ao longo da vida útil do carro.

Na construção civil, o plástico também ajudou a substi-tuir materiais pesados com mais eficiência. Em residências e edifícios, as tubulações de policloreto de vinila (PVC), utili-zadas para distribuição de água potável, ganharam espaço no mercado. Os principais motivos foram a resistência do PVC à corrosão, sua flexibilidade e fácil manutenção. Na comparação entre os dois materiais, o impacto ambiental da tubulação em PVC é 52% inferior em relação ao aço-galvanizado (em kg de CO2 equivalente).

O uso do PVC é tão importante que, por exemplo, no caso do Programa Minha Casa Minha Vida, que entregou 2,98 milhões de moradias de 2009 a 2016 – média de 372,5 mil por ano – o uso de tubos de PVC na parte hidráulica das casas populares possibilitou ao setor da construção civil evitar a emissão de 30 kt de CO2-eq, anualmente, o que equivale a um carro padrão de passageiros dando 2.908 voltas na Terra2.

A aplicação de laminados sintéticos, feitos de PVC e poliéster, na indústria têxtil também foi destaque do estudo. A comparação foi feita para o revestimento de calçados ori-ginalmente em couro. A partir dos resultados do estudo, ao substituir o revestimento de mil pares de calçado feminino (20 cm x 20 cm por pé) de couro por laminado sintético, evita-se a emissão de 250 kg de CO2-eq. Em 2013 foram pro-duzidos mais de 136 milhões de pares de calçados utilizando laminados sintéticos, o que representa emissões evitadas de mais de 34 mil t de CO2-eq3.

O Diretor de Desenvolvimento Sustentável da Braskem, Jorge Soto, afirmou recentemente que: “o estudo revela uma significativa contribuição do plástico para o meio ambiente e o seu resultado é importante para sensibilizar a sociedade de que o real impacto ambiental de um produto só é revelado quando se considera o ciclo de vida completo”.

Notas:

¹Fonte: United Nations Framework Convention on Cli-mate Change (UNFCCC)

²Fonte: United States Environmental Protection Agency (EPA)

³Fonte: Instituto de Estudos e Marketing Industrial (IEMI)

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Em 2016, depois de mais de uma década de sucessivos recuos que reduziram a população suba-limentada do Planeta, a Organi-zação das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO) constatou uma inflexão ascendente.

No seu último relatório “O Estado da Segurança Alimentar e a Nutrição no Mundo”, a FAO contabilizou um acréscimo de quase 40 milhões de vidas capturadas pela engrenagem da fome, elevando-se o total global de 777 milhões (em 2015) para 815 milhões de pessoas (em 2016). O rebote da fome no mundo não pode ficar sem resposta e a hora de construí-la não admite protelações. Esse jogo não terminou.

Ele está sendo jogado nesse momento em vários pontos do Planeta, com resultados que se alteram a cada minuto. O saldo traduz o ocaso de milhões de vidas humanas.

A omissão diante de um retrocesso ainda reversível, a um custo ainda irrisório, seria descabida em qualquer circunstância. Mais ainda agora, quando finalmente avolumam sinais de uma retomada econômica global. A experiência ensina que um ciclo de alta da economia facilita, mas não corrige sozinho as perdas e danos da etapa negativa que o precedeu.

A qualificação do crescimento em desenvolvimento para toda a sociedade persiste como um apanágio das políticas públicas e da ação coordenada de instituições voltadas à coo-peração internacional. No entanto, o que se passa hoje é mais complicado do que simplesmente resgatar o que se perdeu.

A retomada em curso talvez não produza um novo e abrangente ciclo de expansão do emprego associado a vagas de qualidade, com ganhos reais de poder de compra por um longo período.

Ao declínio do emprego na década crítica iniciada em 2008, soma-se agora um inédito degrau de automação trazido pela quarta revolução industrial.

O conjunto maximizará a produtividade, mas também o desafio histórico de redistribuir a riqueza por ela gerada. É nessa fronteira de múltiplas encruzilhadas que a FAO constrói um repto à inquietante recidiva da fome na atualidade.

Um bilhão de dólares em contribuições internacionais pode salvar 30 milhões de vidas em 26 países e reverter o núcleo duro da insegurança alimentar em nosso tempo. O apelo encerra múltiplas dimensões.

Se a cooperação internacional não for capaz disso, que chance terá a meta do desenvolvimento sustentável na equação do clima no Século 21, como previsto no Acordo de Paris? Que espaço restará à meta daí inseparável de zerar a fome e a pobreza extrema nos próximos doze anos, com base em novos padrões produtivos previstos nos Objetivos do Desen-volvimento Sustentável?

Uma chance para a esperançaJosé Graziano da Silva | Diretor-Geral da FAO

A agenda da FAO em 2018 está integralmente centrada na construção cooperativa das respostas a essas perguntas, que vão selar o destino do Século 21. Não se trata apenas de acudir a emergência. As causas da fome precisam ser compreendidas para que se possa agir com a rapidez necessária no presente e prevenir réplicas no futuro.

A fome no Século 21 deixou de ser um alvo estático. Há tempos não se traduz a fome por escassez de alimento, como foi até meados do Século 20. Tampouco a insegurança ali-mentar atual decorre apenas das dificuldades de acesso dos pobres à abundância conquistada.

Guerras fratricidas, desequilíbrios climáticos recorrentes, vulnerabilidade agrícola e derivas populacionais combinam-se hoje em diferentes pontos do Planeta para impulsionar a regressão detectada pela FAO em 2016.

Infelizmente, os dados preliminares que a Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura está coletando para 2017 apontam para um novo crescimento do número de pessoas com fome no mundo.

Conflitos intermináveis no Iraque, Sudão do Sul, na Síria e no Iêmen, assim como a escalada da violência na República Centro-Africana, no Congo e em Mianmar, tornaram evi-dente a correlação entre a ausência da paz e o desmanche de sistemas alimentares, com impactos irreversíveis na vida das populações locais e de seus meios de subsistência.

Consequências semelhantes acarretam acidentes climá-ticos extremos cada vez mais frequentes. Os furacões no Caribe, ou as secas devastadoras na África, mostram que o custo do desequilíbrio ambiental já está sendo pago pelos mais pobres.

Os recursos que a FAO busca junto à cooperação interna-cional tem o aval de uma bem-sucedida experiência em acudir e semear a resiliência justamente no flanco mais sensível à instabilidade formado pelas comunidades rurais.

Na Nigéria, Somália, Sudão do Sul e Iêmen, mais de 6 milhões de famílias receberam sementes, equipamentos, fertilizantes e capacitação para plantar e colher mesmo em condições adversas.

Outros 2 milhões de agricultores em situação de extrema vulnerabilidade tiveram acesso a recursos financeiros para evitar a venda de suas terras e animais, o que tornaria impossível a sua regeneração produtiva.

Parcerias com a FAO garantiram a vacinação de mais de 43 milhões de cabeças de bovinos e caprinos nesses países, além do abastecimento de água perene, sem o qual seria impraticável dar resiliência à economia comunitária.

A FAO tem experiências, estruturas e vínculos locais para dobrar a aposta nessas iniciativas e converter o repto em um duplo ganho.

De um lado, redimir a segurança alimentar de milhões de seres humanos elevando sua capacidade de produzir em sintonia com a natureza; de outro, provar a nós mesmos que o futuro sustentável continua a ser o nome da esperança no Século 21.O

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O Ministério Público do Trabalho apresenta nesta quarta-feira (21/3/2018), no Fórum Mundial da Água, um projeto inédito, com o objetivo de assegurar o direito do trabalhador e do consumidor à água potável sem agrotóxicos ou dentro dos limites máximos fixados pela Organização Mundial de Saúde (OMS).

“É uma questão de saúde pública nacional”, alerta o Procurador Regional do MPT Pedro Serafim, Presidente do Fórum Nacional de Combate aos Impactos dos Agrotóxicos. A apresentação foi acompanhada por um grande público.

Para tanto, ele defende uma atuação articulada dos ramos do Ministério Público, entre si e com a sociedade civil organi-zada, universidades, governos, órgãos de controle, entidades e empresas responsáveis por captar, fornecer e distribuir a água potável. Segundo o procurador, os limites dispostos nas normas brasileiras para uso dos agrotóxicos estão muito acima daqueles permitidos na Europa.

Atualmente, o Brasil é o maior consumidor mundial de agrotóxicos e tem o glifosato como o herbicida mais utili-zado, substância que foi considerada recentemente pela OMS como potencialmente canceriÌ gena e, por isso, já tem data de banimento na França. “No entanto, os dados de controle ainda são escassos”, conta Pedro Serafim.

MPT lança no 8º FMA projeto Água sem Agrotóxicos

Dimas Ximenes | Jornalista da Procuradoria-Geral do Trabalho - Ministério Público do Trabalho

Apenas 25 por cento dos municípios brasileiros verificam a presença de resíduos químicos contaminantes na água potável, tais como metais pesados, solventes, derivados da desinfecção domestica e agrotóxicos. Mais da metade deles (13% do total), apresentaram resultados da analise de agro-tóxicos em água em valores bem acima do permitido. Tais dados se referem ao ano de 2016 e são do Vigiágua, ligado ao Ministério da Saúde.

As informações do sistema de compilação dos resultados das analises, do cadastro, do controle e da vigilância de resí-duos de agrotóxicos na água não estão acessíveis à sociedade. “Além disso, os boletins são publicados anos após a coleta das amostras, o que dificulta o acompanhamento da situação de cada munícipio e dos impactos do uso indiscriminado para a saúde e o meio ambiente”, destaca.

“Com o fortalecimento dessa atuação conjunta dos órgãos responsáveis pela proteção à saúde e à segurança dos trabalha-dores e dos consumidores, será possível um maior controle e a implementação de políticas públicas para redução do uso e prevenção dos impactos dos agrotóxicos na água”, explica o Procurador Regional do MPT, que deu detalhes do projeto durante a programação do Fórum, que aconteceu no estádio Mané Garrincha, em Brasília.

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| agrotóxicos |

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Saudações Eco-Socialistas e Libertárias!

Amigos(as), companhei-ras(os), parceiros(as), escrevo para informar e explicar a todos a minha decisão de filia-ção no PSB. Estava há 2 anos independente, e fui convidado por Alessandro Molon e outros companheiros.

Antes de tudo, esclareço que o PSB NÃO apoiará Alckmin – decisão do Congresso Nacio-nal (sábado 3/3/2018); que o Romário saiu há 1 ano e está no Podemos; que o Bornhausen e outros 6 deputados direitistas foram afastados, e se filiaram no DEM; que com Molon, Marlos e Julianelli integraremos a direção do PSB/RJ; que o PSB não está envolvido em denún-cias de corrupção; que um dos nossos objetivos é fortalecer uma frente de esquerda e centro esquerda no Rio de Janeiro e no Brasil; que lamentamos as posições equivocadas do PSB quanto ao impeachment e ao apoio a Aécio no 2º turno; e que apoiamos o esforço de seus deputados, senadores e governa-dores de voltarem ao leito progressista, tão importante nestes tempos de ofensiva obscurantista e reacionária.

As razões da minha saída do PT, depois de 27 anos de militância, expliquei amplamente em carta pública que escrevi há 2 anos; não cabe repeti-las. Relato minha luta com Tarso Genro e os companheiros da Mensagem, por 8 anos, para refundar o partido, fazer autocrítica, corrigir desvios éticos, econômicos, políticos, alianças equivocadas. O que não acon-teceu, infelizmente, e foi responsável pelo declínio do PT, que foi abandonado por grande parte do eleitor de opinião (não só). Me orgulho do que fizemos no Ministério do Meio Ambiente, no governo Lula: reduzimos à metade o desmatamento da Amazônia, e o Brasil foi o 1º país em desenvolvimento a ter metas de redução de emissões de CO2. Entendo que o parla-mentar deva ser fiel ao partido, e, sobretudo, a seus eleitores, a quem representa, a seus sonhos e ideais.

Eu já havia informado aos meus companheiros(as) da equipe do mandato, à minha família, aos meus amigos que não mais me candidataria, depois de tantos mandatos, sem nunca ter perdido uma eleição. Ninguém é insubstituível. Eu, felizmente, não preciso disso para sobreviver. Sou professor concursado da UFRJ (licenciado sem vencimentos); meu saudoso pai Luiz me deixou uma situação confortável. Tenho saudades das primeiras campanhas, com festas onde tocaram (na amizade) Cazuza, Evandro Mesquita, Lenine, Luiz Melo-dia, Léo Jaime, Léo Gandelmam e Paulinho da Viola. Onde as pessoas vendiam broches de borboleta e estrelinha para financiar a campanha. Agora você tem que provar que não é bandido! Passei por Ministério, governos, parlamento – e não sou sequer CITADO em um único inquérito.

Uma carta aberta necessáriaCarlos Minc | Geógrafo, ambientalista e político

Corrijo: na peça inicial do MP Federal que pediu a prisão de Picciani e da cúpula corrupta da ALERJ, sou citado 3 vezes: por denúncias fundamentadas que fiz, em 1992, 1997 e 2005, sobre a corrupção do lobby da FETRANSPOR na ALERJ! E foi justamente esta votação importante – em que eu, obvia-mente, fui um dos 19 deputados que votamos para validar a decisão da Justiça Federal pela manutenção das prisões – e sua imensa repercussão – que muda-ram minha posição quanto à não

mais me recandidatar. Os deputados que votaram pela soltura foram massacrados nas redes, tiveram carreatas na porta de casa, não avaliaram a repulsa profunda da população.

E conosco sucedeu o contrário: milhares de pessoas, nas redes e nas ruas, saudavam a posição, e diziam: que bom termos em quem confiar – quem não tem o rabo preso não pode largar a luta agora no meio deste caos econômico, político, moral.

Eu não havia me preparado para mais uma campanha: não tinha partido, recursos ou apoio de vereadores. No entanto, nestes 3 anos, mesmo decidido a não concorrer, tocamos o mandato com a garra e a energia de sempre: aprovamos leis como a Eleição Direta de diretores das escolas, contra a homofobia, pró-sistema cicloviário, pró-energia solar e eólica, pró-catadores, saúde do trabalhador, mulheres, contra a into-lerância religiosa. Realizamos dezenas de audiências públicas e de ações da campanha do CUMPRA-SE!

Fui convidado por vários partidos. Estive em Dezembro, chamado por Chico D Angelo, na filiação de Rodrigo Neves ao PDT, com a presença do combativo Ciro Gomes. Fui feste-jado como signatário da Carta de Lisboa, no exílio, em 1978, com Brizola, Darcy Ribeiro e Betinho. Seria boa opção, pela prioridade à Educação e um retorno à minha história.

Acabei decidindo pelo PSB, depois de ouvir centenas de companheiros(as), e aceitar convite do amigo e parceiro Molon, do senador Capiberibe (AP) – meu companheiro de exílio –, da senadora Lídice da Mata (BA) e de outros éticos e valorosos parlamentares. Pesou o desafio de ajudar a reposi-cionar o PSB no campo da centro-esquerda, sem envolvimento com a Lava Jato, e a cimentar uma frente de esquerda e de centro-esquerda, tanto no Rio de Janeiro quanto no Brasil. Uma necessidade urgente em tempos de retrocesso e de resistência. E também de reforçar no PSB a área da ecologia e da sustentabilidade, à qual dediquei boa parte da minha vida, e também das lutas libertárias, contra preconceitos e intolerâncias raciais, sexuais, religiosas.

Daí o título desta carta e minha mensagem: Saudações Eco-Socialistas e Libertárias do Carlos Minc.

A. Molon vê Carlos Minc e Gláucio Julianelli filiarem-se ao PSB

M a r ç o 2 0 1 8 ECO•2150

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