ARQUITECTURA DE LA VIOLENCIA. 1 LAS REDES EN LA ARQUITECTURA: DE … · ARQUITECTURA DE LA...
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ARQUITECTURA DE LA VIOLENCIA. 1 LAS REDES EN LA ARQUITECTURA: DE L’ARTE A LAS TRAMPAS
FERRAZ, Sonia M T
LIMA, Mayra D
RAMOS, Paula C C M 2
RESUMEN
Este texto está constituido de reflexiones con respecto a los efectos sociales de la arquitectura que les dan
a las ciudades determinados significados, en diversos "tiempos históricos" y tiene como objetivo cuestionar
sobre la deshumanización real y creciente de las ciudades, que la arquitectura contemporánea no se
preocupa en esconder. Los elementos centrales del análisis son los que se interponen entre el espacio
público y el espacio privado, comparando sus formas y funciones desde mediados del siglo XIX al siglo XXI.
A partir de las experimentaciones resultantes de la producción industrial, el hierro se adaptaba a la estética
de su tiempo, subordinando las propiedades naturales del material a la creación de elementos constructivos
que añaden belleza a su función. En Brasil, la crecente ocupación de parcelas en las ciudades, desde la ley
de tierras de 1850, introdujo extensivamente el uso de grades y cancelas en los límites y accesos de las
parcelas residenciales, simbolizando la segregación entre las clases propietarias y las calles. En el siglo XX
el ideal modernista quería crear ciudades más democráticas e igualitarias, sustrayendo elementos de
interposición entre interior y exterior. El espacio físico modernista sería de esta forma, resultado de un
conjunto de valores sociales y preceptos técnicos planificados para proporcionarles mejores condiciones de
vida a todos y no solamente a privilegiados ó áreas urbanas acomodadas, pero que no funcionó. Los
cambios en el mundo contemporáneo, por otra parte y en nombre del miedo y de la seguridad, han
favorecido e inducido formas constructivas y tecnológicas de protección residencial que son símbolos de la
segregación social y económica, lo que elimina la noción de colectividad y ciudadanía.
Palabras claves: construcción, seguridad, simbología, sociabilidad.
1 Pesquisa financiada pela FAPERJ – Fundação Carlos Chagas Fº de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio de Janeiro 2 Profª Drª Sonia Maria Taddei Ferraz: Universidad Federal Fluminense, en Programa de Postgrado en Arquitetura y
Urbanismo. São Pablo. Brasil.
- Mayra Duarte Lima: alumna del Curso de Grado en Arquitetura y Urbanismo de La Universidad Federal Fluminense.
Becaria de Iniciación Científica UFF.
- Paula Ramos de Mendonça: alumna del Curso de Grado en Arquitetura y Urbanismo. Universidad Federal
Fluminense, Becaria de Iniciación Científica FAPERJ.
2
RESUMO
Este texto se constitui de reflexões sobre os reflexos sociais da arquitetura que imprimem determinados
significados simbólicos às cidades, em diversos “tempos históricos”, e pretende levantar a questão sobre a
desumanização real e crescente das cidades que a arquitetura contemporânea não se esquiva de refletir.
Os elementos centrais de análise serão os que se interpõe entre o espaço público e o espaço privado,
comparando suas formas e funções de meados do século XIX ao XXI. A partir de experimentações
determinadas pela produção industrial o ferro se adequava à estética da época, subordinando as
propriedades naturais do material, à criação de elementos construtivos que incorporavam beleza à função.
No Brasil, a evolução da ocupação dos lotes nas cidades, a partir da lei de terras de 1850, introduziu
extensivamente o uso de gradis e portões nos limites e acessos dos terrenos residenciais simbolizando a
segregação entre as classes proprietárias e a rua. No século XX o ideal modernista pretendia criar cidades
mais democráticas e igualitárias, subtraindo elementos de interposição entre interior e exterior. O espaço
físico modernista seria desta forma, resultado de um conjunto de valores sociais e preceitos técnicos
planejados para proporcionar melhores condições de vida a todos e não apenas a grupos privilegiados ou
áreas urbanas abastadas, que não vingou. As mudanças no mundo contemporâneo têm, em contrapartida e
em nome do medo e da segurança, favorecido e induzindo a formas construtivas e tecnológicas de proteção
residencial que simbolizam o apartamento social e econômico, o que suprime a noção de coletividade e
cidadania.
Palavras-Chave: construção, segurança, simbologia, sociabilidade
3
“Caminha-se por vários dias entre árvores e pedras. Raramente o olhar se fixa
numa coisa, e, quando isso acontece, ela é reconhecida pelo símbolo de alguma
outra coisa: a pegada na areia indica a passagem de um tigre; o pântano anuncia
uma veia de água; a flor do hibisco, o fim do inverno.”
(Ítalo Calvino)
Nos últimos 14 anos esta pesquisa consolidou um largo acervo de imagens de Arquitetura da
Violência registrado em diversas cidades brasileiras. O acervo imagético aliado a um acervo jornalístico tem
se oferecido para um sem número de análises das alterações formais e funcionais da arquitetura e das
cidades em nome da segurança. Essas análises têm sido desdobradas e atualizadas, através de novos
textos e com suporte de novos autores.
Trata-se aqui de uma releitura do acervo consolidado, comparando formas e elementos simbólicos
de relações sociais que se realizam nos cidades. Tomaremos as transformações do uso do ferro na
arquitetura como elemento privilegiado de análise. Primeiro como elementos ornamentais, de
embelezamento, e de delimitação territorial, simbolizando de relações sociais que se realizavam na
delimitação propriedade privada em oposição ao espaço público. Contemporaneamente, com formas
agressivas e às vezes repulsivas, como aparente símbolo da acentuada hostilidade que se consolida nas
cidades, tendo como ponto de partida o medo.
Este não é um trabalho no campo das artes, da história da arquitetura, ou da teoria da arquitetura.3
É um trabalho de reflexão sobre os reflexos sociais da arquitetura que imprimem determinados significados
simbólicos às cidades em diversos “tempos históricos”. É um trabalho que pretende levantar a questão
sobre a desumanização real e crescente das cidades que a arquitetura contemporânea não se esquiva de
refletir. Mesmo reconhecendo, como afirma Lukács4, que a decadência da arquitetura não é coincidente
com o capitalismo tardio, mas, que o desenvolvimento capitalista a afetou desde o período barroco, a
“impedindo de experimentar, a exemplo de outras manifestações artísticas, qualquer tipo de
“florescimento”5. Entendemos assim, que a cidade capitalista se constitui privilegiadamente como palco
dessa decadência.
As reflexões sobre as relações entre espaço e sociedade estão calcadas inicialmente nas
afirmações de Santos6 de que todo espaço habitado deve ser considerado:
3 Nesse sentido, o professor Geraldo Gomes da Silva traz, em Arquitetura do Ferro no Brasil, uma análise ilustrada com aporte histórico. 4 Apud Duayer 2003 pg 05 5 Ibdem 6 1978 p. 122
4
"como um conjunto de relações realizadas através de funções e de formas que se
apresentam como testemunho de uma história escrita por processos do passado e
do presente. Isto é, define como um conjunto de formas representativas de
relações sociais do passado e do presente como uma estrutura representada por
relações sociais que estão acontecendo diante dos nossos olhos e que se
manifestam através de processos e funções, constituindo um verdadeiro campo de
forças”
Nesta perspectiva, a cotidianidade vivendi do espaço é constitutiva dessa historicidade sendo um
todo de significação.
Como um dos espaços vivendi da cidade, tomaremos a rua como espaço público, lugar de
passagem, da possível construção da sociabilidade, ladeada de edifícios com diferentes usos, que tem na
definição de seu traçado elementos que podem ser, no seu conjunto, significativos de mudanças históricas,
sociais, políticas e econômicas, que se refletem nas formas de estreita relação entre espaço público e
espaço privado.
A rua, sem dúvida, tem importância essencial na vida das cidades.
João do Rio amava a rua. Em suas reflexões líricas, dizia ele:
“A rua era para eles [dicionários] apenas um alinhado de fachadas por onde se
anda nas povoações. Ora, a rua é mais do que isso, a rua é um fator da vida das
cidades, a rua tem alma! Em Benares ou em Amsterdão, em Londres ou Buenos
Aires, sob os céus mais diversos, nos mais variados climas, a rua é a
agasalhadora da miséria. Os desgraçados não se sentem de todo sem o auxílio
dos deuses enquanto diante dos seus olhos uma rua abre para outra rua. A rua é
o aplauso dos medíocres, dos infelizes, dos miseráveis da arte.(...) A rua é
generosa.”7
No processo histórico de construção das cidades brasileiras pós revolução industrial, procuramos
identificar novos sentidos simbólicos que desenham as ruas, a partir dos elementos de demarcação
territorial e de proteção dos edifícios residenciais, da segunda metade do século XIX ao início do século
XXI, extraindo exemplos significativos em diferentes cidades e diferentes momentos da história urbana.
Em escala internacional, em larga escala o uso do ferro foi decorrente da produção industrial desde
o final do século XVIII.
Já esse período era possível perceber as consequências da industrialização sobre o processo de
urbanização. A construção de edifícios foi impulsionada a fim de atender a novas funções e o ferro forjado já
era utilizado em objetos e elementos construtivos, como afirma Silva8:
“O processo de fundir o ferro divulgou-se lentamente até o fim da idade média.
Devido ao processo artesanal de fazer o ferro em fornalhas, a quantidade
produzida era pequena, o que se refletia, naturalmente, no seu custo. (...) As
civilizações clássicas e medievais somente conheceram o ferro na arquitetura sob
a forma de grades ornamentais.”
7 1908 (1ª ed.) p.01 8 1988. p. 13
5
Inicialmente, houve na Inglaterra uma resistência à subordinação da arte e da arquitetura à
produção fabril e à produção em série, capitaneada, por exemplo, por John Ruskin e Willian Morris que se
revelava na tentativa de mantê-las como atividades artesanais. A tentativa sucumbiu à fúria da produção
maquinista e, assim, nasceu, na segunda metade do século, a arte nova – art nouveau - que utilizava o ferro
e o vidro produzidos industrialmente, como elementos embelezadores da arquitetura, introduzindo motivos
“artísticos” através de formas orgânicas, florais, ondulantes e rebuscadas, de exuberância decorativa, a
exemplo do que fez Vitor Horta (entre outros) em Bruxelas, no final do século XIX, como mostram as
imagens abaixo:
Na virada do século o art nouveau incorporava as
possibilidades que a industrialização gerou, e se
expressava como ornamento em grandes vãos - como a
entrada do pavilhão do metrô de Paris na virada do
século. Sem dúvida eram elementos de rara beleza, com
a particularidade, então, da sua reprodutibilidade técnica.
No Brasil o uso do ferro na arquitetura, como
elemento emoldurador, se deu regularmente após a
chegada da corte portuguesa em 1808.
Ainda no período colonial, como ensina Reis
Filho 9 , as ruas nas cidades brasileiras eram definidas
pelas casas. O sobrado urbano se desenvolveu fechado para a rua e teve como consequência a negação
da mesma. Neste mesmo sentido, Leitão10 afirma que nesse período,
Art Nouveau - Casa Tassel, Vitor Horta – Bruxelas - 1893
6
“(...) nega-se à rua o reconhecimento da sua função de espaço público, de lugar
privilegiado à construção da sociabilidade, à realização do encontro com o outro
em suas múltiplas facetas. A rua brasileira surge, assim, quase à força, um mal
necessário, tendo em vista que por ela se dava o caminhar e as condições
mínimas de acessibilidade a cada uma das edificações que lhe definiam o traçado
físico.”
Esses traçados foram definitivamente alterados depois de 1850, como veremos posteriormente. A
chegada da corte e a “abertura dos portos” possibilitou a entrada de inúmeros produtos industrializados no
porto do Rio de Janeiro. O país importava tudo o que era possível e dentre os produtos estavam os
siderúrgicos, o que posteriormente ganhou lugar de destaque na exportação inglesa. O ferro foi absorvido e
amplamente aceito no sistema de dominação cultural e econômica, aplicada nos edifícios residenciais e
públicos, além de equipamentos urbanos.
Este novo quadro gerou mudanças significativas para o patriarcalismo brasileiro, pois representava
o fim do poder e prestígio econômico e políticos dos patriarcas, além da perda do controle sobre o universo
familiar, como afirma Lúcia Leitão11:
“Decadente social e economicamente, o patriarcalismo brasileiro surpreende-se ao
ver surgir diante de si uma nova paisagem social construída inteiramente à sua
revelia, e com ela, um novo modo de viver, de produzir – e de habitar(...)”
Mas, provavelmente foi a lei de terras de 1850, que deu à terra urbana status de mercadoria a ser
comprada em hasta pública. Esta lei que proporcionou um novo modo de habitar a partir de novo
esquadrinhamento do solo urbano, em que as dimensões dos lotes correspondiam às posses dos novos
proprietários privados da terra. Assim os lotes podiam ter dimensões que excediam em muito, ou pouco, as
dimensões dos imóveis.
Com a criação do mercado de terras e segundo o Reis F12, na segunda metade do século XIX
surgiram novas implantações residenciais utilizando as grades e portões para delimita-las e isolá-las, as
quais faziam a mediação entre público e privado, com componentes plásticos indispensáveis. Essas
implantações afastavam os edifícios dos limites laterais e os gradis de ferro eram caracterizados pela
simplicidade e delicadeza utilizando, via de regra, lanças verticais que significavam proteção e demarcação
de limites, como revelam as imagens abaixo:
9,1983. P.27 10 2009, P. 84 11, 2009 P. 79 12 1983
7
Fonte: Reis Fº, 1983. p.45 Casa de 1862, hoje Museu Janete Costa. Niterói/RJ. Acervo da pesquisa - 2002
Os portões eram simples ou trabalhados com inúmeras possibilidades decorativas usando
referencias visuais orgânicas e florais. Os modelos muitas vezes eram inspirados principalmente em
catálogos ingleses como mostra o conjunto a seguir13:
Essas grades se mantiveram por algum tempo exercendo a mesma função, como as anteriores,
muitas vezes encimadas por lanças verticais como elementos simbólicos de defesa territorial e algumas
outras vezes embelezando o imóvel e a rua, como bem exemplifica a imagem abaixo:
13 RODRIGUES, 1979
Grades de ferro forjado – sacadas, ante portas, gradis. Modelos utilizados no séc. XVIII e
XIX
8
A sequência dos gradis ladeando as ruas, se de um lado as embelezavam, de outro demarcava o
isolamento, o distanciamento entre os de dentro e os de fora, “os ricos e os pobres”. O contato dos
transeuntes comuns com as classes possuidoras seria no máximo visual. Ao mesmo tempo, a transparência
e a beleza, de certo modo, podiam também tornar mais agradável o seu trajeto, já que não simbolizavam
plasticamente qualquer agressividade.
Alguns exemplos ainda sobrevivem, como caso da residência, em Niterói – RJ, cuja construção data
de 1892 e que hoje abriga o Museu Solar do Jambeiro:
Acervo da Pesquisa - 2002
Solar do Jambeiro -Casa e centro Fonte: Reis Fº, 1983. p.51 de terreno e isolada da rua - Acervo da Pesquisa - 2014
Portão do Castelo do Flamengo/RJ – Arq.Gino Copede 1918
Acervo da Pesquisa (2002)
9
Esse modelo se estendeu até as primeiras décadas do século XX e, após a primeira guerra mundial,
“as manifestações culturais e intelectuais foram intensas, e os anos de 1920 e 1930 expressaram o sentido
de renovação artística, política e social que iria marcar profundamente [este] século”14 e, como ensina Reis
Fº15, consolidaram mudanças significativas na relação entre arquitetura e lote urbano.
Segundo Pedro Arantes16 “O Movimento Moderno na arquitetura, desde seus primeiros manifestos
na década de 1920, definiu um programa que elegia como principal aliado e
exemplo a ser seguido o capital industrial – mais adiante, o próprio Estado e, na
periferia, as ‘burguesias nacionais’ e seus governos desenvolvimentistas. Da
engenharia à estética industrial, a inspiração maquinista e racionalista norteou
suas experiências construtivas e urbanísticas. Mesmo em caráter experimental,
eram quase sempre projetos para serem multiplicados em escala de massa. Daí a
afinidade com a seriação industrial, mesmo que pouco realizada na prática.
Concreto, aço, vidro eram os novos materiais empregados nas formas prismáticas,
em geral ortogonais e abstratas, despidas de ornamentos. Tornaram-se objeto de
pesquisa e projeto os edifícios industriais, de escritórios, grandes infraestruturas e
casas operárias (“máquinas de morar”) – componentes do capital fixo e do fundo
de reprodução da força de trabalho que integram o processo produtivo inerente à
acumulação capitalista. A cidade, de seu lado, era pensada como um tecido
urbano relativamente uniforme, organizado de acordo com suas funções, um
modelo no qual a renda diferencial intraurbana tenderia a zero”.
Neste projeto “igualitário”, novas formas e elementos foram interpostos entre os espaços públicos e
privados, ampliando de certo modo o aspecto da transparência como simbolizando uma aproximação e uma
interação social idealizada. Sennett 17 aponta como os elementos arquitetônicos foram utilizados na
perspectiva de materializar ideais:
“Paredes quase inteiramente de vidro, emolduradas por estreitos suportes de aço,
fazem com que o interior e o exterior de um edifício se dissolvam, até o menor
ponto de diferenciação; essa tecnologia permite a realização daquilo que S.
Giedion chama o ideal da parede permeável, o máximo em visibilidade”.
Nesse período, o uso do ferro como emolduramento já se tornara precarizado, vulgarizado e
empobrecido. Seu valor estético deu lugar à simples reprodução em série com ornamentos drasticamente
simplificados, como residências projetadas nas décadas de 1920 e 1930. A ideia modernista da
simplificação dos ornamentos se refletiu na volumetria das construções. O ferro perdeu sua sinuosidade e
deu lugar a esbeltas e geométricas hastes, quando a permeabilidade era regra, como revelam as fotos a
seguir:
14 2000, p. 9 15 1983, p.53 16 2011, p.89
Casa em São Paulo 1 Niterói, acervo da pesquisa foto 1 - 2000 foto 2 - 2004
10
A construção moderna para contrapor todos os resquícios do passado e representar o “novo”, deu
lugar a uma construção composta por estruturas cúbicas de blocos de edifícios. Segundo Harvey, o
compromisso da arquitetura com o aspecto artístico e embelezador das cidades foi, via de regra,
abandonado, transformando a paisagem urbana. Tornou-se apenas uma questão técnica, como afirmou
Camilo Sitte.18
A permeabilidade e os grandes volumes, como que desafiadores da lei da gravidade passaram a
caracterizar a arquitetura, como afirma Argan19: “A casa como um volume erigido sobre pilares (pilotis), de
maneira que se possa circular por baixo dela, sem que o movimento da cidade seja interrompido pelos
blocos maciços das construções”. Ao mesmo tempo, este edifício exemplifica como o gradeamento impede
completamente a sua permeabilidade.
Segundo Schulz 20 , “em geral a concepção do espaço [modernista] concede uma importância
primordial à abertura e à continuidade em contraste com os ‘lugares’ isolados e semi independentes que
constituam a estrutura espacial dos mundos do passado”
As mudanças citadas pelo autor podem ser consideradas simbólicas do pressuposto de que a
arquitetura e a tecnologia industrial pudessem ser as alavancas de mudanças sociais e, por si só,
suficientes e capazes de transformar a sociedade, como revela Rita Artigas:21
“A arquitetura moderna pressupôs que o homem do século vinte iria presenciar o
maior avanço histórico já conseguido pela humanidade, e que o habitat moderno
iria abrigar homens livres, com suas necessidades materiais satisfeitas, num
convívio universal caracterizado pela paz e respeito mútuo entre os povos. Este
17 1988, p. 26 18 1992 p.93 e 94 19 1992 20 2005 21 1984, p.8
Edifício Estrela Brilhante, no Rio de Janeiro -o arquiteto Paulo Casé, de 1959 - Acervo da pesquisa - 2001
11
avanço seria fruto da transformação social e tecnológica como pressupunham o
Construtivismo soviético e a Bauhaus, ou produto do desenvolvimento tecnológico
como pretendia Le Corbusier”.
Os pressupostos não se realizaram, porque a arquitetura, como a palavra, não é suficiente para
alterar os rumos da História. Os edifícios foram paulatinamente assumindo aspectos simbólicos
contemporâneos, da pós modernidade.
A passagem do movimento moderno para o “pós moderno” se deu como bem explica Arantes:22
“Na arquitetura contemporânea, se a aliança é novamente com os setores
dominantes, ou seja, com o polo mais dinâmico e próspero da economia, ela se
verifica dessa vez com o próprio capital em sua forma financeira, e em particular
com a indústria do entretenimento e a nova “economia do acesso”, baseada na
renda. Na verdade, a associação histórica da arquitetura sempre foi com os donos
do poder e do dinheiro, sobretudo com a propriedade privada. (...) Na arquitetura
moderna, havia uma contratendência que procurava minimizar o poder da renda e
das finanças, associando-se aos setores produtivos e governos nacionais
modernizadores, mas na era da mundialização financeira não há mais nenhuma
força que contrarie esse poder. As implicações no plano das dimensões
construtivas e sociais da arquitetura serão profundas: a arquitetura rentista abdica
de certos conteúdos em benefício de usos “improdutivos”5, próprios à esfera da
circulação e do consumo (terminais de transporte, shopping centers, hotéis,
estádios, museus, salas de concerto, parques temáticos etc.). Seu desejo não é
mais de seriação e massificação, mas de diferenciação e exclusividade – produzir
objetos únicos e marcantes que pousam nas cidades, potencializando a renda
diferencial e o capital simbólico.”
Assim, vivemos hoje uma “outra” modernidade. A pontecialização da renda diferencial nas cidades é
simbolizada pelo aprofundamento das diferenças sociais e econômicas e foi determinante no aumento da
“dita” violência urbana. Entendendo, no entanto, que essa violência é antes provocada pela visível
intensificação da concentração de riquezas, do que pela intensa pobreza dela resultante.
Com medo da violência, as classes concentradoras da renda procuram se proteger contra os
possíveis conflitos instados pelas estratégias econômicas que adotam para garantir e ampliar os seus
próprios privilégios de concentradores e consumidores contumazes.
Segundo Zuki23 “os anos 1960 e 1970 foram um divisor de águas na institucionalização dos medos
urbanos” e “o perigo mais tangível para o que chama de “cultura pública” está, para o autor, na “política do
medo cotidiano”.
A preocupação com a violência e o medo contaminou todos as esferas da vida. Diante disso, a
segurança é a preocupação central nos projetos arquitetônicos. E vemos surgir uma nova arquitetura que
não mais se preocupa com uma boa iluminação e ventilação, mas, passar a impressão de “intransponível”,
sem brechas, cantos e aberturas que permitam uma invasão.
22 2011 23 Apud BAUMAN, 2001, p. 110
12
Um exemplo significativo é o “cubo inviolável”, projeto residencial24 que desconsiderou a beleza da
paisagem, para garantir o máximo de segurança:
A
trans
parên
cia e
a
perm
eabili
dade
entre
os
espaços propostos pela Arquitetura Moderna são absolutamente abandonados pelo ideal de auto-
confinamento em favor da segurança. Os baixos muros foram substituídos por altos muros que escondem a
casa e são fechados por portões de ferro, o qual perdeu sua leveza e beleza, simbolizando segurança
“prisional”, como revelam as imagens abaixo:
A polarização acentuada na distribuição das riquezas modifica a cidade gerando fragmentos
fortificados de comunidades muradas e espaços públicos vigiados25.
A partir da incorporação de elementos de proteção como muros altos e torres de vigia, as
construções contemporâneas podem acabar se transformando em presídios e fortalezas, assemelhando-se
muitas vezes à arquitetura produzida em outro período histórico, como a idade média. Hoje os elementos
metálicos são os símbolos contundentes do medo e o ferro delimitador tem na caracterização da rua uma
expressão simbólica de exclusão, individualismo, gentrificação e repulsa pelo “outro”, como revelam os
exemplos abaixo:
24 Revista Arquitetura e Construção, junho de 2006 25 HARVEY, 2014, p. 48
“A preocupação com a segurança definiu as formas desta casa na serra fluminense. Nem por isso o projeto recorreu a grades ou a espaços confinados. Apostou nos ambientes fluidos e luminosos abraçados por este paredão verde”.
Residência Jadir de Souza. Av Visconde Albuquerque, Leblon. Arquiteto: Sérgio Bernardes. Foto 1 - 1951. Foto 2 e 3 -2004
13
A cidade pós-moderna torna-se, então, palco privilegiado dos fenômenos decadentes da arquitetura,
embora eles não coincidam apenas com o período do capitalismo tardio, como afirmou Lukács26. Os tempos
parecem de desalento, de desesperança e de desestímulos. As cidades vivem uma ordem menos humana,
menos solidária e menos generosa. A humanidade se tornou mais impaciente com o tempo e com medo
dos seus semelhantes.
Praticamente, não se encontra mais uma cidade sem espetos, câmeras, muros, cercas eletrificadas
ou rolos de concertina como mostra o exemplo abaixo:
26 Apud DUAYER, 2003, p. 5
Fotos do acervo da pesquisa 2001, 2002 e 2004
Sede da Associação dos Aposentados da Universidade Federal Fluminense Ingá – Niterói/RJ
Fotos comparativas do acervo da pesquisa – 2002 e 2014
Pacaembu - SP São Paulo
Humaitá - RJ
Morumbi - SP Morumbi -SP
Leblon - RJ Niterói - RJ
Jardim Guedala - SP
14
David Harvey, em seu livro Cidades Rebeldes, chama a atenção para o surgimento das novas
cidades que ameaçam engolir as antigas de modo dramático. O autor lembra movimentos parisienses que
se dedicavam a promover, na década de 1970, um modo de vida urbano reanimado por um uma vida
comunitária. A construção da nova paisagem alimentada pelo adensamento, hostil e desintegrado, não
contribui para promover modos de vida marcados por uma vida comunitária e alegre, mas por vidas
enclausuradas e ruas inóspitas.
Assim, Harvey vai apontar uma crise devastadora da vida cotidiana na cidade. A violência como
preocupação dominante tem invadido as cidades que vivem o medo e com medo. As novas formas de
arquitetura e das cidades só contribuem para aumentar o sentimento, a pressão, exclusão e o desespero
dos que estão mantidos fora dos auto enclausuramentos. São formas que simbolizam a extrema
polarização econômica e social, cujos exemplos do uso do ferro as transforma também em gaiolas
semelhantes a solários de presídios, como nas imagens a seguir:
Rio de Janeiro São Paulo São Paulo
Rio de Janeiro São Paulo São Paulo
Fotos do acervo da pesquisa 2001, 2002 e 2004
15
As grades de ferro, os altos muros, e portões de vidro das propriedades privadas passaram a ser
um símbolo do medo da rua como pode ser observado, tanto nas imagens acima, como na alteração no
acesso do edifício residencial em São Paulo, abaixo:
Em seu livro “Modernidade Líquida“ Bauman27 aponta que a nova aparência dos espaços públicos
foi tomada pelas preocupações de seus habitantes com a segurança, podendo-se escolher entre eliminar a
pobreza e integrar a todos a uma instituição pública comum, escolhem ao invés disso investir em segurança
privada, estimulando o aumento da vasta indústria do medo e da segurança. O constante medo de “ruas
inseguras” afasta as pessoas dos espaços públicos e das possibilidades de criação de espaços para a vida
pública.
Desta forma, segundo Harvey28, o direito à cidade é concedido na maior parte dos casos a uma
pequena elite política e econômica que molda a cidade segundo suas necessidades particulares, criando
condomínios fortificados onde podem passar a vida afastados dos riscos e perigos da vida que começa logo
após os portões.
Quando caminhamos pelas cidades podemos observar que, em matéria de segurança, os tempos
mudaram e mudaram as relações entre os espaços públicos e os espaços privados.
Os gradis de ferro forjado e os portões, que no século XIX serviam para definir limites territoriais e
tinham formas orgânicas, florais, com belíssimos desenhos, foram definitivamente substituídos por
elementos também de ferro que mais parecem armadilhas urbanas, como já revelado pelas imagens
apresentadas acima.
O que se assiste é a fragmentação desumana do mundo, onde violência e segurança se tornaram
palavras de ordem, e onde pelo menos 1 bilhão de pessoas moram em favelas. Somente no Brasil ainda há
quase de 20 milhões de miseráveis, enquanto Jorge Paulo Lemann29 foi eleito em 2014 o homem mais rico
do país, com uma fortuna estimada de R$ 49,85 bilhões.
27 BAUMAN, 2001, p. 110 28 HARVEY, 2006, p. 63 29 Principal acionista da ANBEV. Disponível no site: http://economia.uol.com.br/noticias/redacao/2014/08/27/lemann-e-o-mais-rico-do-brasil-pelo-2-ano-seguido-aponta-forbes-brasil.htm e consultado em 07/12/2014
Edificio "Jardim Europa" - São Paulo,
foto 1 - sem grade – 2001 foto 2 – gradeado - 2004 Fotos do acervo da Pesquisa
16
Neste quadro de concentração de riquezas, via de regra os favelados e miseráveis são
cupabilizados pelos índices de violência e criminalidade. A mídia bombardeia sistematicamente seus
leitores e espectadores com notícias que veiculam índices de criminalidade alarmantes localizados, antes
de tudo, nos territórios da pobreza. A repetição, como rajadas, de palavras como assaltos, roubos, perigo,
pânico, terror alimenta o medo que passa a ser simbolizado pela “arquitetura antimendigo” que foi
globalizada e chama a atenção pela agressividade, também simbólica, explicitada pelos diferentes tipos de
esp
eto
s,
garr
as
e
gai
olas
que
impedem a ocupação de espaços nos
passeios públicos, como revelam alguns exemplos abaixo:
Muitas angustias nascem nesse cotidiano, como aponta Harvey30, de experiências superficiais,
fugidias, volateis, instantaneas, que nos privam de relações e experiências duradouras, de boas e sólidas
lembranças, e de reflexões e conhecimentos profundos. Como afirma Zukin, “o espectro arrepiante e
apavorante das ruas inseguras mantém pessoas longe dos espaços públicos e as afasta da arte e das
habilidades necessárias para compartilhar a vida pública”
É possível constatar o desaparecimento de tantas virtudes humanas transformando os indivíduos,
como lembra Sennett31, em sujeitos sem apegos, individualistas e hedonistas e sectários.
Neste campo minado, se desenvolvem os discursos político-urbanísticos que representam a
subordinação aos interesses econômicos dominantes. Neles, aponta Otília Arantes 32 , os termos como
30 Apud BAUMAN, 2001, p. 110 31 2006 32 2011
São Paulo 2004 Salvador 2001 Niterói/RJ 2007
Mondevideo 2005 BuenosAires 2014 Londres 2014
Fotos do acervo da pesquisa
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globalização, gerenciamento, governabilidade, flexibilização, competitividade, paracerias, mercado e plano
estratégico dão suporte ao ideário adotado por boa parte da categoria de arquitetos e urbanistas, com um
consensual entusiasmo no planejamento e na construção de cidades, apresentado como único caminho
possível e real.
Neste contexto as cidades têm como produto um ambiente hostil, no qual o quadro construído não
só reflete o medo da violência, como também os estimula, através de um cenário que apresenta o espaço
público margeado de muros e elementos vulgares e agressivos de pretensa segurança e que delimitam e
“protegem” os espaços privados dos públicos, em flagrante segregação espacial e social.
Conclusivamente e parafraseando Ítalo Calvino, podemos afirmar que, caminha-se hoje pela cidade
e, quando se fixa o olhar sobre as novas “grades armadilhas” que margeiam todas as ruas, se reconhece
que as lanças pontiagudas, as garras, as jaulas, os equipamentos eletrônicos, simbolizam o medo e a
hostilidade de seus moradores, mas simbolizam também o interesse de um vasto mercado de materiais e
tecnologia que se alimenta do crescente pânico social e das práticas de exclusão em nome da proteção e
da segurança.
“O dia em que a vida for mais humana, mais solidária, aí sim
os prédios vão ter um feitio diferente” (Oscar Niemeyer).33
FONTES CONSULTADAS:
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33 Apud DUAYER (2003) p. 2