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A interferncia da catstrofe histrica no espao do corpo. Justia e poltica em
Walter Benjamin
Tereza de Castro Callado1
Resumen:
A interferncia da barbrie ideolgica no espao do corpo do homem com a
exposio da mera vida (blosses Leben) tm sua pr-histria na teoria da soberania
do sistema jurdico do principado barroco, segundo o Trauerspielbuch.
Transgredindo a concepo tradicional de soberania, baseada na funo sacrossanta
da imago Dei da teocracia medieval, a teoria benjaminiana projeta o conflito da
incompatibilidade entre a doutrina sagrada da ordem e a imposio profana da vida,
na representao do Estadista isolado na incapacidade de lidar com os fatos com
base na deciso (Entschlussfhigkeit) na situao de conflito civil-religioso da
reforma luterana. Na encenao da corte, palco desse impasse, fundamentado
politicamente o corpo soberano podia ser despedaado simbolicamente para melhor
significar, na concepo esttica do fragmento alegrico (Bruchstck) no barrocoseiscentista. A situao de deliqescncia moral dessa interface poltica originada
na imanncia histria-natureza em que a degenerao da physis reproduzida na
destruio do ethoshistrico e caracteriza o expediente de desantropomorfizao do
sculo XVII sob a concepo do sentido contraditrio da existncia, mentalidade
reproduzida nas contingncias tecnicistas do progresso (Fortschritt) reproduzindo
em um estado de exceo (Ausnahmezustand), a mera vidacriticada pelo pensador
italiano Giorgio Agamben, no conceito homo sacerdo livro Poder Soberano.
1Universidade Estadual do Cear (UECE).
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A interferncia da catstrofe histrica no espao do corpo. Justia e poltica em
Walter Benjamin
Verhngnis und Affekt - Fatalidade e Afeto
Em Ursprung des deutschen Trauerspiels(Origem do Drama Barroco Alemo) Walter
Benjamin rene o conceito deHistria ao de Catstrofecom o objetivo de despertar a
poltica para a aporia que se instala sobre o poder e passa a constitu-lo. O cenrio do
questionamento, em que a nova metodologia mimtica da cultura de Walter Benjamin
unir empiria e idia, na construo de um novo conceito de histria, a corte do sculo
XVII e a organizao poltica o sistema jurdico do principado barroco. Investigando, no
cenrio da corte principesca, o recurso da alegoria na configurao do Estadista e do
Primeiro Conselheiro, o filsofo traz um modelo do problema que revolve as relaes
entre os homens: a esfera da poltica fornece o exemplo mais cabal da dificuldade de
superao da fatalidade (Verhngnis), que na tica de Benjamin menos deduzida de
um destino implacvel, como o caso da tragdia grega - do que constituda pela
inflexibilidade e intolerncia nutridas no corao dos homens: a fora elementar da
natureza no processo histrico2. Naquela dramaturgia ela se movimenta sobre os papis
fixos que impedem o mnimo sopro de ideal revolucionrio. A queda do prncipe,
vtima da conspirao do corteso faz parte da marcha da historia enquanto catstrofe,
anuncia o Trauerspiel. Uma vez que a semntica desse conceito de destino (Schicksal)
est apoiado nas afeces que conduzem de forma tirnica as rdeas do poder, o sujeito
do destino se tona indeterminvel.3 A fatalidade tem sua origem na atitude
voluntariosa tanto do tirano como do corteso intrigante. Esse ltimo trai por apatia.
No somente a conspirao que assedia a ordem. A poca revolvida por intrigas,
sublevaes como a da Fronda, constituda de nobres insatisfeitos com o poder
absolutista. Desse estofo feita a Histria. Contribui especialmente para a ciso poltica
e o sentimento de desmoronamento, que acode aos personagens do drama, o
desfalecimento dos elos com o divino -desencantamento do mundo (Entzauberung der
2...porque o destino no nem um acontecimento puramente natural, nem puramente histrico. Por maisque tenha um aspecto pago e mitolgico, o destino s se torna inteligvel, como categoroia histrico-
natural, no esprito da teologia restauradora da Contra-Reforma in: Walter Benjamin. Origem do DramaBarroco Alemo (Traduo de Srgio Paulo Rouanet), So Paulo: Brasiliense, 1984, p. 152.3Walter Benjamin. Origem do Drama Barroco Alemo, So Paulo: Brasiliense, 1984, p. 155.
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Welt) - desenvolvido por Max Weber. Paralelo a esse fenmeno, curiosidade no plano
laico, motivando o homem a perscrutar espaos desconhecidos, aliam-se as descobertas
da fsica que destronam a terra, legitimando o novo conceito de heliocentrismo com o
avano das cincias empricas que investigam o universo como um objeto de
laboratrio. O conhecimento tem uma funo nova, de fundamento experimental, no
repousa mais em uma verdade revelada ou dogmas, acatados pela f do penitente.
Assim o Estadista barroco precisa encarnar o Dieu cartesien transpos dans le monde
politique, 4diz Atger. para superar as vicissitudes do poder mtico e as maquinaes do
intrigante, e, antes de tudo mostrar-se fidedigno ao reino, o que ele prope a si mesmo,
mobilizando os afetos na alma, em direo ao outros afetos.5 Com o objetivo de
contornar problemas no sistema organizacional da Monarquia Absolutista, o Direito
Constitucional do sculo XVII prescrevia que, por ocasio das Guerras de Religio, o
Prncipe deveria governar em estado de exceo, e embora a Cria continuasse
insistindo na inviolabilidade do poder real, o conceito barroco de soberania nasce de
uma discusso sobre o estado de exceo e considera impedi-lo a mais nobre funo
do Estadista. Na verdade tinha-se em vista o efeito de um retardamento provocado por
uma superexcitao do desejo de transcendncia6 que a mentalidade do barroco
infelizmente negava com o impacto da moral de Lutero sobre a ao do cristo.Transgredindo a concepo tradicional de soberania vigente no sculo XVII -
estruturada, de certa forma, em remanescentes mtico-msticos da funo sacrossanta
instituda pelo conceito de imago Dei da teocracia medieval - a teoria benjaminiana
projeta o conflito da incompatibilidade entre a doutrina sagrada da ordem e a imposio
profana da vida, na representao do Estadista isolado na incapacidade de lidar com os
fatos com base na deciso (Entschlussfhigkeit) na situao de conflito civil-religioso
da reforma luterana, de onde ela deduz que a dificuldade no est s em dirigir oexterior dos sditos mas tambm sua interioridade. A dimenso poltica declina de seu
epicentro na organizao estatal, ampliando seu espectro para o convvio entre os
4BENJAMIN. Walter. Origem do Drama Barroco Alemo. Opus cit. p. 119. benjamin. Walter.Ursprung.des deutschen TrauerspielsFrankfurt am Main: Surhkamp, 1978. S. 77.5Benjamin comenta sobre uma tendncia, no barroco, para o amortecimento dos afetos e a drenagem parao exterior do fluxo vital responsvel pela presena, no corpo, desses afetos, pode transformar a distnciaentre o sujeito e o mundo numa alienao com relao ao prprio corpo. Na medida em que esse sintomade despersonalizao visto como um estado de luto extremo, o conceito dessa condio patolgica (naqual as coisas mais insignificantes aparecem como cifras de uma sabedoria misteriosa, porque no existe
com elas nenhuma relao natural e criadora) colocado num contexto incomparavelmente fecundo.Origem do Drama Barroco Alemo, So Paulo: Brasiliense, 1984, p. 1646Walter Benjamin. Origem do Drama Barroco Alemo, So Paulo: Brasiliense, 1984, p. 89.
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homens, na superfcie de uma estrutura lato sensu. Desconhecida a idia de cidadania,
ao sdito do sculo XVII s cabia obedecer. A poltica ainda no vislumbrara a
concepo de responsabilidade nas decises pblicas. Nesse tempo infestado de
contradies, a conscincia podia matar, diz Koselleck. Esse fenmeno motiva um foro
ntimo apoltico. A opacidade em que a poltica se d, elege um sdito despolitizado. As
leis so as alavancas acionadas pela vontade absoluta do soberano. Diz Koselleck:
racional o mandamento formal da moral poltica, de obedecer s leis
independentemente de seu contedo.7A corte barroca representada por dramaturgos
luteranos sob os eflvios da restaurao contra-reformista se transforma no laboratrio
da anlise de paixes que circunscrevem o poder mtico. Zur Kritik der Gewalt, de 1921
fala de um poder identificado na violncia que j a partir do Trauerspielbuchde 1928,
conceitua a histria enquanto marcha de catstrofes e onde Benjamin analisa a
concepo absolutista da organizao estatal na imanncia da histria com a natureza.
No palco desse impasse, fundamentado politicamente, o corpo soberano podia ser
despedaado simbolicamente para melhor significar, na concepo esttica do
fragmento alegrico (Bruchstck), na arte seiscentista. Mesmo quando o Iluminismo
tenta classificar o real no anonimato da razo pretendendo eleger um sujeito autnomo
para geri-lo, ele j se encontra estilhaado nas teses de Schlegel e Novalis, 8em tompremonitrio para o que sucederia nas instncias de indefinio da Modernidade, pois o
vocbulo Fragment mantm o fermento da interrogao sobre o que suceder ao sujeito,
uma vez que fragenem alemo significa interrogar, concluindo-se ser Fragment uma
interrogao na esfera do sujeito. Afora um profundo sentido teolgico que exala da tese
de que a filosofia de Benjamin impregnada de teologia,9 encontrando a graa da
redeno para o plano da efemeridade e do imperfeito na esfera do mundano, a reflexo
de Benjamin deixa selada a constatao de que, da mesma forma que se produz adegenerao da physis na natureza, destroem-se igualmente as civilizaes, ou seja, a
histria do homem reproduz, no fenmeno da delinquescncia moral, a morte do corpo
fsico. E degrada-se igualmente a poltica como atividade humana. A fragilidade dessa
7Reinhart Koselleck, Crtica e Crise, Rio de Janeiro: EDUERJ, Contraponto, 1999. p.33.8Novalis constri a metfora plen no momento romntico contemporneo Fenomenologia do Espritode Hegel. Diz Schlegel no fragmento 396 de O Dialeto dos Fragmentos: Caricatura um vnculopassivo de ingnuo e grotesco. O poeta a pode usar tanto trgica quanto comicamente. No foicertamente por acaso que a poca do romantismo alemo (movido pela descoberta deDie Bestimmung
des Menschen( O Destino do Homem) estruturado sobre o Eu absoluto de Fichte inventou o grotescologo aps o aparecimento do conceito kantiano de sujeito do conhecimento.9Walter Benjamin. Obra das Passagens (Trad. Willi Bolle et allii), Belo Horizonte, UFMG, 2006.
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interface compreendida como resultado do sentimento de vulnerabilidade, agregado ao
conceito de physis, distante da concepo clssica grega de uma ordem csmica em
torno do prprio homem. Assim a fatalidade projeo da destruio do ethoshistrico
e caracteriza o expediente de desantropomorfizao do sculo XVII. ...o dialtico no
pode considerar a Histria seno como uma constelao de perigos, que ele - que
acompanha seu desenvolvimento com o pensamento est sempre prestes a desviar.10
O aborto do recm-nascido antropocentrismo renascentista deixa lugar para uma
semntica da contradio. As instituies humanas esto fadadas ao declnio provocado
pelo conflito nas relaes de poder. Essa tenso gerada quando se chocam os
interesses, exacerbados pela paixo. Sobre ela Benjamin concebe o conceito de facies
hippocraticada histria. E detm sua reflexo na zona limtrofe da competncia para
governar que exige, a todo preo, uma tomada de deciso (Entschlussfhigkeit), por
parte daquele que retm o poder nas mos, uma vez que o drama do destino fechado.
O trabalho filolgico da busca de uma origem para o Trauerspiel investiga entre as
figuraes que compem a corte os papis representativos da inteno moral,
encontrando no prncipe a sua reproduo mais fiel.
Estoicismo e Virtude
O Estadista barroco concebido como o expoente da histria. Sobre ele pairam
expectativas de ordem e justia, embora ele tenha conscincia da sua incapacidade de
corresponder a elas. O Trauerspielo julga como mrtir e nesse ponto o drama atinge a
dimenso do drama de martrio e das produes hagiogrficas ou como tirano, de
acordo com as contingncias que o desenrolar das intempries polticas o exijam. J o
conselheiro pode ser esmagado moralmente no papel de intrigante quando a vontadeassume propores demonacas - ou salvo enquanto santo. Aqui o cumprimento da ao
poltica se coaduna mais com uma postura interior, que tenha o dever como
fundamentao da moral, do que aos auspcios de um mero cdigo para governar. A
tarefa poltica exige conhecimento, sabedoria, prudncia, conciliando ato moral e
racional, enfim repousa em uma aproximao ao conceito de phronesis dos antigos,
tanto quanto possvel estrutura antittica do barroco erigida sobre o sacro e o
profano permiti-lo. O anticonvencionalismo barroco no suportaria a intromisso de10Opus cit. p. 511
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elementos dogmticos mesmo que esses estivessem no fundamento de uma prtica
moralmente motivada, o que era inconcebvel para uma realidade de onde tinha sido
radicalmente banida a idia de indulgncia como recompensa pela ao caridosa do
crente. A responsabilidade do cristo desloca-se do plano da ao para o plano da f.
Sob o rigor da moral luterana, no h espao para a expresso imediata e espontnea do
homem. O mundo esvazia-se. No mbito das resolues internas do Estado a teoria do
estado de exceoexige uma postura estica a toda prova para se levar adiante o projeto
de uma estabilizao da histria, pois aquela mentalidade est obcecada pela idia de
catstrofe como contraponto ao ideal de uma Restaurao, herana da poltica
renascentista.11 A mentalidade do sculo XVII que exala do contedo de verdade
(Wahrheitsgehalt) da obra de arte o palco da dramaticidade de uma desolao, que no
tem mais o direito de ser exteriorizado a no ser na arte, pois o luto (Trauer) no atinge
a um indivduo particular mas a todos. Uma vez dissolvida, com a valorizao crescente
da razo, o amparo da espiritualidade no regao divino, vive-se uma poca de
insegurana, onde a existncia se transforma num grande enigma. Crescem as
bibliotecas. Dilata-se o projeto de desvendar o universo. Multiplicam-se teses e teorias
acerca do homem, de Descartes a Pascal, Espinosa a Hobbes. nas investidas em
auscultar os fenmenos. Surge a metfora do livro para o mundo, onde osacontecimentos precisam ser lidos nos detalhes, mas a incgnita permanece e a busca
pela decifrao investe em outros caminhos. As teses de Lutero sobre a Salvao a
reduzem a um desgnio divino. O aflio trespassa o corao do homem buscando
sentido nas manifestaes da magia, cincia e esttica e se alastra pela arte pictrica e
escultural, arquitetura e poesia. O vazio rasga de tal forma a alma do homem, que
mergulha, pela significao, nos exemplos retirados da histria mesmo que ele se
encontre em um nico fragmento dos smbolos e alegorias da linguagem artstica, poisquando se ausculta a interioridade, encontra-se ali a misria da condio humana, que s
pode ser mitigada na certeza de uma existncia finita. No sobrevive a noo de castigo
para essa mentalidade. Diludas as verdades, os signos do barroco encontram-se
deriva diante do alegorista, para serem reunidos em uma forma particular de olhar o
mundo. Intensifica-se a vida interior. Diante da catstrofe da prpria existncia, o
homem barroco se esmera em dar vida s coisas, seja de forma morigerada ou
exuberante. Escreve com maisculas o Bem, a Verdade, a Beleza. O claro-escuro da11Walter Benjamin. Origem do Drama Barroco Alemo, p.89.
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fisiognomia do barroco projeta a inquietao face s polarizaes. Ele descreve a
natureza de que feito o homem, ser de contradio: finito aspirando infinitude,
efmero querendo perenizar o instante. falta da transcendncia, tudo se torna pretexto
para se praticar a virtude: ptria, religio e liberdade so tpicos meramente
intercambiveis no apaziguamento atravs da prtica do Bem acolhida no anonimato da
alma. O herosmo desaparece. Essa constatao conduz desesperana, o que
encontramos na pinturaLaocoonte de El Grego, um heri maculado pela desobedincia
a Apolo, e expiando a falta em um suplcio vivido juntamente aos filhos acorrentados
por serpentes. O desespero no deixa exalar um gemido, pois a dor interior, ela se
exterioriza apenas no olhar dirigido aos cus sem que nenhum apelo seja acolhido. O
homem jaz no estado de natureza. Sob o signo da civilizao, a cidade, recortada no
horizonte ao peso das nuvens enegrecidas, emudece. O conhecimento buscado no
oferece nenhuma sada para a aflio do penitente. Desaparece a idia de similitude
unindo Deus e homem. A categoria do echaton da mstica medieval com a promessa de
felicidade eterna no final dos tempos, d espao fatalidade que conduz morte.
impresso de catstrofe iminente busca-se de alguma forma preencher a vida, a arte se
esmera no esbanjamento (Verschwendung) de adereos e signos da hieroglfica e
emblemtica, pois todo o espao precisa ser preenchido. Mas no h lugar para averdade no palco do barroco. Se ela existe, permanece no sentimento de flutuao
gerado pela perda do sentido. O Tauerspiel no representa a Paixo de Cristo, antes
retorna s Antigas Escrituras, exercita o tom estridente da perfdia de Herodes. A
pintura que representa o sofrimento na cruz a de Holbein, quando Jesus moribundo
exala as ltimas palavras: Pai, por que me abandonaste? A terra sofre o impacto da
catstrofe na inconsistncia das coisas olhadas com taedium vitae. Por isso mesmo, ela
se torna o reduto ltimo de sentido. A nasce a poesia pastoral, tentativa incua de gerarsignificao, com a semeadura do solo materno, quando a simbologia dos gros
lanados traduz a esperana de que germinem. Poesia e mstica, duas articulaes do
aparelho psquico do homem encontram apenas caminhos estreitos para se expressarem
por desvios. A arte do ilusionismo nasce nos artifcios cnicos do palco, com nuvens de
fumaa e alapes para esconder parte do corpo de uma figura rgia cuja cabea rolou
vitima das intempries polticas. Difunde-se o teatro de Marionetes: figuras sugerindo o
humano so comandadas pelos cordes da ideologia.
12
Na cena das aes principais e12As personagens carnavalescas do Pierr, Colombina e do Arlequim, difundidas na poca, escondem o
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de estado, que retorna aos tempos do Velho Testamento o cadver se torna o supremo
adereo cnico (Requisit), reduto ltimo da expresso humana. A fatalidade atinge a
todas as esferas da existncia. Chora o dia que passou, ele no volta mais: o lema do
carpe diem alienao da dor por um instante. Nutre-se a prtica de uma exaltao das
coisas antes que sejam entregues consumao. Por instantes, o sentimento de
fugacidade exorcizado em artifcios e peripetias. Objetos e paixes tm um valor
apriorstico em relao ao homem, o punhal que fere, o travesseiro que sufoca
Desdemona e no o marido enciumado em Otelode Shakespeare. As circunstncias so
cruciais, de tal forma que somente uma natureza divina poderia gerir as situaes
conflituosas, onde o cruzamento de indiscernveis escapa fragilidade da deliberao
humana para contemporiz-lo: Assim como Cristo-Rei sofreu em nome da
humanidade, diz Benjamin, o mesmo ocorre, para o literato barroco, com o monarca
em geral, e complementa que est escrito na folha 71 de Uma centena de emblemas
tico-polticosde Zincgref, a respeito de uma grande coroa : esse fardo parece uma
coisa para aqueles que o carregam e outra para os que se ofuscam com seu brilho
enganador. 13 A nudez da condio de mortal, sem o amparo da transcendncia,
aglutinada ao peso das vicissitudes da Histria e ao cumprimento de um poder
inexeqvel pesam sobre o corpo do monarca: a imposio da deciso, que provoca avertigem. Na arquitetura, os grandes blocos de pedra dos edifcios do a impresso de
rurem a qualquer momento, estruturados como so sobre pilares frgeis. A viso do
barroco emana de trompe loeil, olhar distorcido sobre a realidade: Ai, o homem passa
pela terra sem deixar vestgios, como o riso pelo rosto, ou o canto dos pssaros pelo
bosque.14As figuraes do drama de Lohenstein aparecem como bandeiras soltas ao
vento, diante do impasse entre a iniciativa para recuperar a ordem e a impotncia para
consum-la. Pode-se encontrar no barroco a tentativa que no deixa de ser herica, deconciliar a ordem ao movimento natural do mundo e das coisas. Sua tnica a hesitao
que leva muitas vezes ao desvario e loucura. As paixes funcionam como sismgrafos
da criatura: no drama barroco falta de uma moralidade motivada, a criatura o nico
espelho em que o mundo moral se revelava. Um espelho cncavo, pois somente com
distores essa revelao podia dar-se.(...) a virtude nunca apareceu de forma menos
interessante que nos heris desses dramas barrocos, que somente pela dor fsica do
rosto sulcado pelo sofrimento com a mscara.13Walter Benjamin. Origem do Drama Barroco Alemo, p.96.14Walter Benjamin. Origem do Drama Barroco Alemo. p. 144, Ursprung. Seite. 102.
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martrio podiam responder ao apelo da histria.15 A idia da calculabilidade da
natureza humana antes revela a inutilidade do more geomtrico como medida da
habilidade poltica. o que tenta fazer o conhecimento antropolgico de Maquiavel.
Comentrio semelhante vem de Jean Bodin, nos Seis livros da Repblica sobre a
necessidade de se conhecer os costumes como pr-requisito da arte de governar. No
Trauerspielo resultado de todo clculo um sentimento de inexorabilidade do mundo
como resposta ao apelo, que constitui no plano poltico uma aporia, insolvel at para o
conhecimento lgico. Aparece a melancolia, o pesar: o luto o estado de esprito em
que o sentimento reanima o mundo vazio, sob a forma de uma mscara, para obter da
viso desse mundo uma satisfao enigmtica.16 A alguns esse sentimento poderia
conduzir moral dos humildes: fidelidade nas coisas pequenas, viver com retido.
Naqueles que pairam nas esferas mais altas, gera a reflexo profunda (Tiefsinn), pois a
meditao prpria do enlutado. Nenhum prncipe pode permanecer sozinho por muito
tempo. Por isso se vem sempre abonados por danas e folguedos. Pascal 17que nos
alerta para essa realidade com o conceito de divertissement: No Trauerspiela gravidade
das circunstncias no pode ser contornada a no ser com a represso dos afetos na
alma. O governo do monarca exige uma lucidez moral a toda prova na urgncia das
guerras de religio, somente eficaz com a preparao daquele que puder lanar mo deartifcios, na arte de governar, com a presena de esprito (Geistesgegenwart) provendo
o momento da deciso, com a transformao da dinmica histrica em ao poltica,
para lidar com os fatos, conhecimento que no se encontra ancorado na funo
sacrossanta dada por Deus - conceito incompatvel com a Razo de Estado nascente.
Ao contrrio, ele exige o pulso de uma autoridade ditatorial cuja vocao utpica ser
sempre a de substituir as incertezas da histria pelas leis de ferro da natureza.18Mas
para cumprir o estado de exceo o Estadista no pode abdicar de um comportamentoestico avaliado como pseudo-antigo, isto , que traz a marca do cristianismo nas suas
relaes de alteridade. Sua postura estica considerada exemplar, mesmo que ela se
encontre em apenas um fragmento do Trauerspiel quando a coroa exige-lhe o sacrifcio.
Somente o prncipe exibe o esplendor da dignidade tica (Glanz der ethischen Wrde)
15Walter Benjamin. Opus cit. p. 114.16Walter Benjamin. Opus cit. p. 162.17No captulo divertissement Pascal comenta que os homens procuram mais esquecer essa misria do
que se pem busca da verdadeira felicidade. Atordoam-se pelo divertimento: toda a atividade humana seexplica deste modo. in: Pascal. Pensamentos Trad. Ana Rabaa. Lisboa, Didctica Editora, 2000, p. 33.18Opus cit. p. 97.
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19, ao reprimir as paixes impondo a si o ato moral. Esse comportamento poltico
exemplar descoberto pelo trabalho filolgico de Benjamin em uma cena do
Trauerspiel, justamente onde, falta de um conceito de soberania que preenchesse as
exigncias movidas pelas circunstncias da guerra de religio, a salvao do reino se d
na superfcie da absoluta anomia.
Melancolia e Taedium Vitae
Para Benjamin, na interpretao sobre o drama, a pesada funo de reconduzir o reino
ordem faz do prncipe o paradigma do melanclico. Ele observa a guerra civil e
compreende a sua incapacidade de resolv-la. Nada ilustra melhor sua fragilidade diante
da catstrofe do que a observao de que ele mesmo est sujeito a ela, isto , ele
tambm faz parte do amontoado de runas que constituem a histria. Diante desse
impasse diz Pascal: a alma no encontra nada que a satisfaa. Quando pensa em si
mesma no h nada que no a aflija. Essas palavras mostram a intensidade do
sentimento que aniquila a percepo de uma sada da contradio, a no ser o
esquecimento de seu verdadeiro estado, em Deus. O medo, que rasteja volta recorta a
figura da corte com os traos do inferno, quer da deposio, quer do martrio. Sua
companheira fiel a melancolia. Todo o ouro, prpura e marfim dos palcios noaliviam o sofrimento da realeza, porque o sol da justia brilha bem distante. O
sentimento de catstrofe iminente desperta a melancolia nos abismos da condio da
criatura. Na atmosfera paradoxal dos tempos, o bufo goza de uma superioridade frente
a mais elevada autoridade. Os personagens cmicos so incmodos para o rei, que
no pode absolutamente abrir mo da idia da pardia, que eles encarnam. 20O bufo
sabe que o monarca sucumbe paixo pelo poder, se tornando vtima da melancolia,
diante da qual ele exibe sua superioridade,21
pois, no riso, diz Benjamin, a matria seespiritualiza de forma exuberante distorcida de modo altamente excntrico. Sua
consistncia a conduz para alm da linguagem: Ela quer chegar mais alto e termina na
gargalhada estridente. Benjamin conclui dessa natureza bestial da gargalhada, que para
a loucura interna ela se torna consciente apenas como espiritualidade. O aspecto
demonaco do riso do palhao da corte guarda uma funo corretiva. O Trauerspiel
consegue reunir elementos trgicos aos cmicos. esta sua superioridade frente
19
Opus cit. p. 111,20Benjamin cita Scalinger, p. 14721Idem, p. 250.
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tragdia. Concebe-se sua forma como sua prpria superao: Graas ao mundo antigo
o barroco pde perceber a fora do presente.. A tragdia antiga uma escrava
acorrentada ao carro triunfal do barroco.22Apesar de carregar os trejeitos e caricaturas
da catstrofe histrica - da porque o Trauerspiel concebido como pantomina -
ningum pode negar o aspecto jocoso de um rei, empertigado na gravidade das funes
reais, das quais no abre mo por nada, e portanto rgido na temeridade de que uma
catstrofe possa conduzi-lo a um cadafalso. Enquanto a filosofia da tragdia se articula
sobre a ordem tica do mundo no drama barroco a motivao moral s aparece de
forma altamente mediatizada, uma vez que naquela viso, a catstrofe j consiste na
prpria necessidade de se cumprir um destino individual e nesse fato se reduzia a esfera
moral imposta pela natureza. Por isso a derivao fisiolgica da melancolia no podia
deixar de impressionar o barroco que tinha to presente a misria da criatura, diz
Gryphius. Contrariando uma passagem de Aristteles deDe Divinatione Somnium, onde
a melancolia perpetua o vnculo entre genialidade e loucura, Benjamin enfatiza o
visionarismo que se deduz da figura alada de Albrecht Drer, cujo olhar antecipa a
fragilidade da cincia para resolver os problemas da cultura, a partir da sua
absolutizao no mago da racionalidade e a posterior transformao, atravs da razo
instrumentalizada em tcnica, a servio da guerra imperialista. A idia reaparece nosculo XVII: a tristeza absoluta prenunciadora de todas as catstrofes futuras. Uma
intuio antropolgica parece estar relacionada a esse humor provocado pela blis negra
(atrabilis) que impressionou mltiplos artistas atraindo-os para sua representao. O
que chama a ateno no quadro de Drer o sentimento de inutilidade dos objetos
engendrados pela cincia que no encontram eco no corao do homem. Os trajes
andrajosos que guardam ainda o aspecto original do requinte da nobreza estampam a
ambivalncia que essa poca atribui realidade. A reflexo do Melanclico compreendida na perspectiva de Saturno, planeta pesado que convida a meditao a
abismar-se por caminhos incgnitos, sem que deixe de predispor subitamente a alma s
profecias. Essa concepo s encontra um similar em Cronos, deus das antteses,
encarnao de um dualismo intenso e fundamental, gerando filhos para devor-los. A
experincia com o tempo sofre uma metamorfose. Ele no representa mais o ponto de
referncia dos trabalhos na terra com a finalidade da colheita, e o intervalo de repouso e
espera, mas somente o trajeto da vida em direo a morte. Essa presso leva a busca de22Origem do Drama Barroco Alemo. Opus cit, p. 122
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uma atemporalidade paradisaca, e, ao mesmo tempo proporciona um efeito duplo: a
necessidade de uma perspectiva panoramtica para a Histria onde a cena da
civilizao migra para o palco. Essa fuga tem como objetivo uma compreenso dos
cataclismos que confrontam o homem, especialmente se for observada a reflexo de
Marsilius Ficinus que aponta para uma dialtica. O enobrecimento da melancolia o
tema central de sua obra De Vita Triplice.Lembremos que na gravura da Melencolia I
h um quadrado representando Jpiter. Sua funo neutralizar o impacto da fora
pouco auspiciosa de Saturno, predispondo a concentrao espiritual divinatria. Ela
transforma a melancolia em criao. A alegoria aponta sadas, o nico divertimento
do melanclico, reflete Benjamin: As significaes alegricas esto proibidas, pela
culpa, de encontrar em si mesmas o seu sentido, 23 e conclumos: mas somente na
alteridade. A alegoria disponibiliza sinais para a compreenso das sutilezas que
acometem a dialtica da emblemtica na genialidade exegtica renascentista que tem
sua origem no sagrado: a prtica da geomancia - adivinhao que se faz lanando um
punhado de areia para a leitura do desenho que se forma - uma prtica para confrontar
a melancolia que declina o olhar do homem para a terra: o olhar voltado para o cho
caracteriza o saturnino, que perfura o solo com seus olhos,24pois todo o amparo vindo
do alto lhe negado. Entre a profuso de sinais sobressai-se a figura do co na suafidelidade, para coroar o estado de esprito que no se distancia da imagem de Deus,
Aflora, s suscetibilidades melanclicas, a recorrncia estabilidade dapedra, smbolo
do divino, e igualmente da esfera que d a idia da onipotncia, da fora de
concentrao e da misericrdia estendida a todos, desconhecendo para isso a
hierarquia. A lucidez imanente melancolia dispersa a inrcia, fonte de sofrimento: a
acedia ou indolncia comparvel mordida de um co raivoso, porque quem por ele
mordido imediatamente assaltado por sonhos terrveis, treme durante o sono,encoleriza-se , perde o sentido, rejeita toda bebida, teme a gua, late como um co e tem
tanto medo que cai de pavor. Pessoas assim morrem logo, quando no socorridas. Em
particular, a indeciso do prncipe no outra coisas que a acedia. Saturno torna os
23Benjamin diz que a culpa imanente tanto ao contemplativo alegrico, que trai o mundo por causa dosaber, como aos prprios objetos de sua contemplao. Essa concepo fundada na doutrina da queda dacriatura, que arrasta consigo a natureza, constitui o fermento do profundo alegors ocidental, que se
distingue da retrica oriental dessa forma de expresso. Origem do Drama Barroco Alemo. p. 247.Ursprung. Seite 20024Origem do Drama Barroco Alemo. Opus cit, p. 175.
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homens apticos, indecisos, vagarosos. O tirano destrudo pela inrcia do corao.25
Sua loucura motivada pela inao, causa da catstrofe da histria, que Benjamin
traduz por conformismopara explicar o estado de exceo de Weimar, com a ascenso
de Hitler ao poder. Na tese XI de ber den Begriff der Geschichteo filsofo atribui
passividade da social-democracia o condicionamento, no apenas de suas tticas
polticas, mas tambm suas idias econmicas, 26como veremos no excerto a seguir.
A Catstrofe de Weimar e o Estado de Exceo
Benjamin inicia a tese dez de Sobre o Conceito de Histria (ber den Begriff der
Geschichte) com a frase: o sujeito do conhecimento histrico a classe combatente e
oprimida. A falta de pudor desse pensamento saudvel, visa ironia da perda de um
ethoshistrico na estrutura de uma subjetividade, cuja falncia se d no decorrer de
uma marcha de catstrofes, na civilizao. Benjamin no insiste em uma categoria de
sujeito, antes designa como categoria do ser, a revoluo, que abandona a funo ditada
por um conceito scio-poltico para ampliar seu raio para a ao do homem, que
repousa na prpria constituio da justia (nmos) e no na sua expresso atual - o
sistema jurdico. aceita a alienao de uma autonomia que faliu na representao da
distncia entre fins passveis de universalizao (Verallgemeinerungsfhigkeit) e finscom validade universal (Allgemeingltigfkeit), pois fins que so justos, universalmente
reconhecveis, universalmente vlidos para uma determinada situao, no o so para
nenhuma outra, por parecida que seja sob outros aspectos. 27Isso se deve a um hbito
arraigado de pensar os fins justos como uma conseqncia analtica do elemento justia.
Quem decide sobre a legitimidade dos meios e a justia dos fins no jamais a razo,
mas o poder do destino. Essa distncia aparentemente incua constitui a fenda em que
o direito se distancia da justia. O direito pode se instalar enquanto violncia. Benjaminno precisou acionar seu visionarismo para constatar a transformao da cultura em
barbrie nem para descosturar os liames entre sujeito e objeto. O primeiro j tinha sido
enredado de forma letal na teia de transformaes coroada pelo momento positivista, em
25Walter Benjamin. Origem do Drama Barroco Alemo. Opus cit. p. 178.26Der Konformismus, der, von Anfang an, in der Sozialdemokratie heimisch gewesen ist, haftet nicht nuran ihrer politischen Taktik, sondern auch an ihren konomischen Vorstellungen. S. 256.27Em contraposio ao poder mtico que institui o sistema jurdico na violncia que subverte a lei
(nmos), e a justia, sob o poder divino, que insgnia e chancela, encontra-se a existncia como formaextrema de educar. Cf. BENJAMIN. Zur Kritik der Gewalt in: Gesammelte Schriften, Frankfurt amMain, Suhrkamp, 1977, S.200
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que o elemento cognitivo se objetificou, desencadeando a fragmentao do sujeito. Um
exemplo? No perodo entre-guerras se vem cerceados um a um os direitos da
cidadania de origem semita, sem que nenhum cdigo de tica pudesse revogar os
horrores secularizados, digamos assim, e legitimados no Decreto para a Proteo do
Povo e do Estado, assinado por Hitler em 28 de Fevereiro de 1933. Esse diagnstico se
explica no estado de exceo em que a poltica alem se viu imergir, sedimenta-se na
institucionalizao de um direito novo do que na punio da transgresso de um dos
cdigos do sistema jurdico existente. Essa violncia em forma de leise instala com suas
razes mticas sobre a lei enxovalhando-a com a regulamentao de uma falsa proteo,
pretexto da violncia impregnada do voluntarismo mais abjeto. Onde est a lei para
proteo da cidadania usurpada? Instalada na subjetividade do ato que decreta, que
sanciona, que impe sem voto, e dissimula, ilude, anestesia. Ali o narctico foi o desejo
de Deutschland berall, estimulado at o paroxismo, nos mecanismos psquicos do
poder, focado sobre as hordas alinhadas em excentricidade estril, que combatem,
como autmatos, com o objetivo de suprir a falta de espao vital. A anlise de um
fundamento mstico da autoridade em que reside a fora da lei 28no pode deixar de
ser levado em considerao nessa investigao. Os processos de neutralizao da
cincia em que a metafsica se torna indiferente ao labor que investiga e disseca omundo fazendo vista grossa ao destino da tcnica com a possibilidade de destruio em
massa, bem como, na estrutura poltica, o processo de despolitizao, como resultado de
uma iniciativa que entrega soberania estatal o destino do homem, contam entre as
causas funestas que provocaram a hecatombe do incio do sculo XX. Um rastro de
plvora mtico havia sido lanado aos fundamentos minando-os, sob a aparncia
enganosa de um simples festim. A lei vai a bancarrota. A arte camufla esteticamente
essa falncia, anima , mitiga, seduz, preenche o espao vazio entre ser e existncia,abismo esse sulcado pela ideologia para que seja preenchido de novo sua maneira, nos
jogos de poder, e ao mesmo tempo de seduo da arte. Afinal a violncia mtica, Ela
se concretiza na bioenergia observada por Reich, nas anlises da psicologia de massas29dominada pelo fascismo. O sujeito ideologicamente construdo deixa um vestgio atrs
de si: a subjetividade. E dessa interface subjetiva da lei foi construdo o poder
28DERRIDA, Jaacques. Gesetzeskraft. Der mystische Grund der Autorittbersetzung: Garcia
Dttmann. Frankfurt am Main. Suhrkamp Verlag, 1996.29REICH. Wilhelm. Psicologia de Massas do Fascismo. Trad. Maria da Graa Macedo.So Paulo:Martins Fontes, 2001.
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totalitrio. Ao contrrio, o conceito dos antigos nomos empsychosdesigna a lei oriunda
da vontade soberana, vontade de justia que por ser legtima se torna legal. O soberano
a lei viva. Diz o tratado de Diotogene em parte recuperado por Stobeo: o rei o mais
justo (dikaiotatos), o mais justo o mais legal (nominotatos). Sem justia ningum pode
ser rei. Mas a justia sem lei (aneu nomou dikaiosyne). O justo legtimo e o rei que
a causa do justo uma lei viva.30 Nesse silogismo as proposies justia e lei
coincidem construindo o legal e o legtimo, diferena da poltica representativa
quando o legal diz respeito a um mero cdigo muitas vezes baseado apenas na
conveno. Sobre esta aporia nos ensina Turgot, invocando a conscincia humana: a
legitimidade moral , por assim dizer, o esqueleto poltico invisvel, sobre o qual a
sociedade se ergueu. Como no pode por si mesma, atualizar uma influncia poltica, a
legitimidade da moral imposta ao estado absolutista como fonte de sua verdadeira
legitimao (...) Diretamente apoltica a sociedade deve reinar indiretamente pela
moralizao da poltica. 31Nesse caso o rei est dentro e fora do ordenamento jurdico.
Fora, porque ele no tem obrigao, pela sua prpria funo, de se submeter a um
cdigo (legibus solutus), mas seu respeito lei o torna legibus alligatus, 32porque a
moral prescreve sua fidedignidade ao reino. No estado de exceo de Weimar acontece
justamente o contrrio. A estrutura em que a lei, no estado de exceo, exerce seu poderna prtica do antisemitismo guarda, por mais monstruoso que possa parecer, a
legitimidade, sem possuir vnculo algum com a moral. Sobre este estado de exceo
(Ausnahmezustand) Benjamin discorre em ber den Begriff der Geschichtede 1940. A
tese em que toma a iniciativa de comentar a necessidade de se criar um outro conceito
30Agamben traz a tona o tratado de Diotogene em parte recuperado por Stobeo que explica de que formase pode pensar uma soberania que represente a prpria lei, por encarnar a justia. AGAMBEN, Giorgio.Estado de Exceo, Trad. Iraci D, Poleti, So Paulo: Boitempo, 2004, p. 106. Com base nesse tratado
possvel se compreender os argumentos polticos da interpretao de Benjamin com respeito ao estado deexceo implantado na alma do soberano barroco do drama de martrio, na conciliao do ato moral coma poltica.31Turgot inverte o fundamento do Estado absolutista pois sua posio explicita o segredo da polarizaoentre o direito moral e o direito de violncia (...) as lei devem valer por si mesmas. A legitimidade damoral imposta ao Estado absolutista como fonte de sua verdadeira legitimao. KOSELLECK,Reinhart, Crtica e Crise. Traduo de Luciana Villas-Boas Castelo Branco, Rio de Janeiro: EDUERJ.Contraponto, 1999. p. 12832Benjamin mostra remanescentes teocrticos na teoria do estado de exceo do Trauerspiel quando oprncipe barroco no drama de martrio, se deixa sacrificar pelo reino, em um estado de exceo na alma, semelhana de Cristo na cruz . No plano possvel a nica comparao possvel com o Direito Jurdicoda Teocracia: Em certos captulos do livro Quatro de Policraticus Joo de Salisbury desenvolve suadoutrina do rex imago aequitatisem que mostra a obrigao ex-officiodo rei de venerar a Lei e a
Equidade, por amor prpria justia e no por temor de punio.KANTOROWICZ, Ernst. Os doisCorpos do rei. Um estudo sobre teologia poltica medieval. Traduo de Cid Knipel Moreira, So Paulo,Companhia das Letras. 1998. 76-77
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de histria a tese 8, onde o filsofo nos surpreende com um convite para travar uma
batalha conjunta pela justia. Sugerindo a necessidade de nos unirmos para instaurar um
verdadeiro estado de exceo, adverte que o estado de exceo em que vivemos na
verdade a regra geral, feito de guerras, barbries e abjees cometidas contra a
dignidade do homem. Justifica a iniciativa com a afirmao de que uma tomada de
deciso dessa forma tornar mais forte nossa luta contra o fascismo. Benjamin no se
questiona se o estado de exceo executado nas normas da lei, de acordo com um
cdigo legal ou se institudo em forma de anomia. Benjamin sabia que Hitler havia
assinado em 28 de Fevereiro de 1933 um decreto (Verordnung zum Schutz von Volk und
Staat,) para proteo do povo e do estado que escondia em um nome pomposo uma
verdade infame para o sculo XX: o totalitarismo antisemita. O estado de exceo
modificava o artigo 48, que ditava: o presidente do Reich pode (...)tomar as decises
necessrias para o reestabelecimento da segurana pblica. Os artigos que garantiam as
liberdades pessoais: 114, 115, 117, 123, 124 e 153 foram suspensos no Decreto de 28 de
Fevereiro assinado por Hitler, para dar incio a usurpao dos direitos dos cidados de
origem judia, tendo esse ato infame a garantia da Constituio de um dos sistemas
Parlamentares mais slidos entre as Naes Modernas. Esse estado de exceo duraria
fatidicamente 12 anos sem nunca ter sido revogado nem ter sido chamado ateno pornenhuma iniciativa, fosse de outra Organizao Estatal, fosse pelo Papado do Vaticano
para cercear as atrocidades cometidas pelo preconceito racial contra o povo judeu. O
tema da tese 8 nos chama a ateno em dois pontos. Primeiro, o convencionalismo
parece ser a tnica de uma poltica para um mundo de paradoxos. A poltica
representativa elimina as razes dogmticas, polticas, morais, ticas, porque ela quer
reinar como o prprio dogma. At hoje difcil refletir sobre as circunstncias que
geraram tal atrocidade. Um segundo ponto a nos chamar a ateno nesse fenmeno apassividade de um povo que se auto-sacrificou por uma causa perdida, a perseguio do
direito de cidadania de uma populao que constitua a Alemanha. Sobre esse pecado
Benjamin nos fala na tese 11, atribuindo ao conformismo alm do colapso posterior do
pas, a gerao da prpria catstrofe da Segunda Guerra mundial. O campo
(Konzentrationslager) em parte resultado desse fenmeno o paradigma do espao
poltico no ponto em que a poltica se torna biopoltica e o homo sacer se confunde com
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o cidado, diz Agamben.. 33 Esse fato mostra a iluso de que a lei possa regular e
garantir a justia.
O soberano est dentro e fora do ordenamento jurdico. Ele legibus sollutus, ou seja
est acima da lei. Mas por uma razo prescrita nas teses sobre o Direito Poltico-
Teocrtico de John de Salisbury ele se encontra ligado a lei (legibus alligatus) enquanto
imagem de Christus aequitatis, com a obrigao de respeit-la.
A vulnerabilidade do sujeito - subjectum e o reencontro com o singular no mundo
das diferenas
Para pensar as feridas da dissoluo do sujeito, a filosofia de Benjamin desenvolve a
concepo de singularidade. Diante desse conceito o livro Princpios da Filosofia do
Direito foi fruto de uma percepo equivocada que se extenua, por atalhos ngremes,
para fundar uma sociedade civil Tratava-se antes de um terreno de areia movedia, ideal
na sua aparncia, mas eruptivo na substncia. Na realidade catica em que foi pensado
fazer coincidir o particular com o universal no podia representar o pensamento poltico
a no ser coero, alienao,morte do passado. Da jamais poder advir dele a
perfectibilidade do gnero humano. Do mesmo modo no se poderia deduzir, como no
conceito cartesiano da cadeia de razes (catena), que o real seria o racional, muitomenos que se deduzisse do esprito a liberdade e que da marcha do esprito na Histria
surgisse, como uma passe de mgica surgida de uma varinha de condo, a bela Razo.
Certo seria estudar as gnoses da Modernidade para o entendimento do desenrolar da
subjetividade, nutrida no calor da doutrinao ideolgica, mascarada de poltica.
Marramao alude gnose contemplativa de Hegel, gnose ativista de Marx, Comte e
Hitler reconhecveis no denominador de uma auto-divinizao do mundo. Expandido
para a poltica representativa, nesse processo o Estadista exerce o poder totalitrio.Quando deduzida da conscincia esclarecida pontuamos onde se instalou o grande erro
do formalismo: na abstrao conceitual, objeto de estudo de Benjamin para avaliar a
perda do particular e da diferena em um universal extrado da mdia e que portanto
incapacitou-se a falar em nome da idia e da multiplicidade de fenmenos da empiria. O
processo de secularizao se desenrola por desvios quase imperceptveis em que o
33AGAMBEN. Giorgio. O poder soberano e a vida nua. Traduo de Henrique Burigo. Belo Horizonte,
Editora UFMG, 2002. p. 178. Nesse livro Agamben nos mostra uma figura do direito romano que insacrificvel e matvel ao mesmo tempo: o homo sacer. Agamben diz que nesse sistema jurdico noconstitua nenhum dolo exterminar o homo sacer.
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espao do divino pouco a pouco empurrado pelas topografias de ordem racional. H
sempre uma fenda no sistema, critrios de indeterminao que ignoram o panorama
histrico de leis anmicas. Constituem esses a quintessncia do contexto dinmico da
antinomia, assimilado pela reflexo de Benjamin, que se traduzem em uma dialtica na
imobilidade (Dialektik im Stilstand) . Nas relaes nutridas pela afetividade o
formalismo normativo da cincia no tem condies de gerar referenciais, antes as
esvazia. Para Benjamin existe um espao em que as relaes de corao seriam a
soluo que aboliria a necessidade do direito. As contores do sujeito nas
metamorfoses da conscincia burguesa provam de que maneira a violncia soberana
paira sobre a singularidade. Para Agamben a afirmao de que a regra vive somente da
exceo deve ser tomada ao p da letra. o limiar de indiferena entre natureza e a
civilizao, na cultura, que constitui o poder que violncia, matria prima do sistema
jurdico: o direito no possui outra vida alm daquela que consegue capturar dentro de
si atravs da excluso inclusiva da exceptio: ele se nutre dela e, sem ela, letra morta.
Neste sentido verdadeiramente o direito no possui por si nenhuma existncia, mas o
seu ser a prpria vida dos homens34 A deciso soberana a colocao de um
indecidvel. Ele constitui a motivao do drama de martrio no Trauerspiel. A
exceo soberana a figura em que a singularidade representada como tal, ou seja,enquanto irrepresentvel, pois no existe espao para ela na ordem conceitual. Aquilo
que no pode ser em nenhum caso includo vem a ser includo na forma da exceo 35
Enquanto soberano, o nmos necessariamente conexo tanto com o estado de natureza
quanto com o estado de exceo (...) Estado de natureza e estado de exceo so apenas
as duas faces de um nico processo topolgico no qual, como numa fita de Moebius, o
que era pressuposto como externo (o estado de natureza) ressurge no interior (como
estado de exceo) e o poder soberano justamente esta impossibilidade de discernirexterno e interno, natureza e exceo, physis e nmos.36 Com a biopoltica os
organismos pertencem ao poder pblico. O Trauerspiel havia se antecipado a essa
constatao nas cenas de martrio. Nas democracias modernas nacionaliza-se o corpo:
Nascem os campos de concentrao do estado de exceo e da lei marcial.37
34AGAMBEN. Giorgio. . O poder soberano e a vida nuaTraduo de Henrique Burigo, Belo Horizonte,Editora UFMG, 2002. p. 34.35AGAMBEN. Giorgio. Opus cit. p.32.
36AGAMBEN. Giorgio. Opus cit. p. 4337AGAMBEN. Giorgio. Opus cit. p. 178.
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Confirmando a reflexo de Benjamin emZur Kritik der Gewalt, Agamben conclui que o
sistema jurdico tem, na sua constituio, a prpria violncia e que o habitante do Lager
homo sacer, isto matvel por qualquer um sem que isso constitua crime, ou
sacrificio aos deuses. 38 Concretiza-se a profecia do Trauerspiel, vive-se a vida nua,
vida desqualificada, totalmente controlada pelo outro homem e pela tecnologia, extrema
encarnao do homo sacer. Essa categoria de homo sacer extrada do lodaal do direito
romano encontra seu duplo no corpo do Versuchperson do Lager Nazista, sujeito
biopoltica do totalitarismo.
Gedchnis und Rettung Memria e Salvao
Diz Benjamin da alegoria que ela a armadura da modernidade, pois essa figura a qual
esto agregadas os condicionamentos de uma cultura transformada em barbrie e que
sobrevive s custas da tirania da imagem no pode perder de vista a multiplicidade de
opes que se oferecem ao olhar no universo cada vez mais complexo das sociedades
avanadas. Esse recurso premonitrio da alegoria que era visto no medievo como um
elemento didasclico-mstico no passa despercebido ao olhar perspicaz da filosofia de
Benjamin que a entroniza como chave de decifrao para a esfera ltero-imagtico da
representao profana, em um mundo fragmentado e vtima da tirania da imagem, poisperdido o sagrado, com o fenmeno da secularizao, expropriao dos bens
eclesisticos e entrega ao espao da laicizao, abrem-se encruzilhadas difceis de serem
trilhadas a no ser por um expediente apto a contornar o abismo da conveno em que a
realidade se precipitou. O homem sucumbe a tcnica para sanar a descontinuidade
natural e dar uma reposta ao mundo para salvar as aparncias. A maneira do estuque
ornamental do barroco para preencher o vazio, a manufatura de produes de sentido
investem na abstrao conceitual, inventam um sujeito lgico, analtico, transcendental,baseado nas leis da calculabilidade. Esse sujeito herdeiro de teorias, distanciou o
princpio contemplativo do princpio prtico-ativo. De uma matria abstrata, de
acidentes e fendas abertas entre a matria e o anmico se construiu o pensamento para
descrever a civilizao ocidental. Um dos solos que recepcionaram esse pensamento,
construdos da grandiloqunica fastica do conhecimento se chama justamente
Repblica de Weimar, erigida pela superfcie slida do esprito germnico para
constituir o bero da espiritualidade humanista do eurocentro, irradiada do ideal38AGAMBEN. Giorgio. Opus cit. p. 166.
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renascentista de retorno a cultura clssica greco-romana. A reduo do homem a sdito,
a burgus e a sujeito so projees dessa civilizao e seu entorno que reduziram a
atividade humana aos limites da abstrao da logocracia, 39quando as normas para a
descoberta de uma mathesis universalisdeixa atrs de si um rastro de incoerncia, tal
o mtodo da causalidade da cincia cartesiana, que no permitia a intromisso de
nenhum elemento a no ser aqueles predestinados a serem subsumidos em uma corrente
de dedues conceituais fechadas, eliminando a unidade do singular e a fora das
diferenas. A catstrofe de Weimar a ps-histria da catstrofe do estado de exceo
do sculo XVII encenado no Trauerspiel. A subjetividade que construiu um estadista
como nomos empsychosdecreta um estado de exceo para durar 12 anos.
A habilidade do prncipe no trato com a aes principais e de estado que o barroco
prescrevia como funo do prncipe s se acha autorizada nas manobras exercitadas
com a memria (Eingedenken) histrica, qualificada por Benjamin como a mais pica
das faculdades (das Gedchtnis ist das epische Vermgen vor allen anderen) e com a
sabedoria (die Weisheit), o lado pico da verdade (die epische Seite der Wahrheit).40Conceber que tambm o corpo possui uma memria o ponto de partida
revolucionrio que revolve toda a tica de uma tradio que alijou a matria em prol de
uma hegemonia do esprito, sem o conhecimento de que no corpo repousam asprimeiras funes da faculdade mimtica. o que Benjamin pretende mostrar no
fragmentoZur sthetikem que comenta sobre o conhecimento de que na memria da
mo do homem primitivo na elaborao da pintura rupestre, repousa a habilidade para a
beleza da perfeio pictrica atribuda ao fato de ter sido a mo que segurou o pincel a
mesma que curvou o arco para projetar a flecha no abate do animal representado.41Alm desse aspecto orgnico que aproxima sua teoria deMatria e Memriade Henri
Brgson, constitui a memria o estofo da narrativa, capaz de aglutinar ao longo depocas e geraes um conhecimento destilado na experincia e sedimentado lentamente
no inconsciente coletivo dos povos. Aquele que governa no pode prescindir da
39Benjamin comenta sobre o imprio dos intelectuais no texto Der Irrtum des Ativismus, em quedescreve a falncia do pensamento dos intelectuais no poder in: BENJAMIN. Walter Documento deCultura Documento de BarbrieTraduo: Celeste Ribeiro de Souza e Organizao: Willi Bolle, SoPaulo: Cultrix, 1986. p; 13240Observando nos tempos modernos o declnio da arte de narrar, Benjamin lamenta que, com o fim dessaatividade oral, sempre aliada ao trabalho artesanal, se extinga tambm a sabedoria transmitida de geraoa gerao. Cf. BENJAMIN. Walter. Der Erzhler in:Illuminationen, Ausgewhlte Schriften, Frankfurt
am Main: Suhrkamp Taschenbuch, 1977. S. 388 e 398.41Walter Benjamin. Fragmente Autobiographische Schriften - Gesammelte Schriften, Band VI, Frankfurtam Main: Suhrkamp, 1985, p.127.
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afinidade com esse saber. Seria ele a base da virtude na arte da poltica, nas manobras
para conduzir o reino paz e os sditos harmonia. Mas esse conceito, que no deixa
de exalar o vio do conhecimento espinosano sobre a virtude, virtus, vis, conatus, no
pode prescindir de um sentimento cristo. Aqui interfere a teoria do conhecimento de
Walter Benjamin, na sua especificidade kantiana, renunciando a sntese e optando pelas
antinomias, para sugerir a necessidade da pausa, da parada para se olhar os extremos da
histria. dessa forma que atua a imagem para a crtica da histria: dialtica na
imobilidade. Ela revela o outro lado, a esfera oculta de um sentido poltico encoberto
pela fora da lei (Gesetzeskraft), na estrutura mstica da autoridade, que manipula e
funda a ao do totalitarismo hiertico. Dessa forma Benjamin nos adverte sobre a fora
do mito em gerir a mentalidade dos tempos estimulando uma base ideolgica na
estrutura da poltica representativa. Mostra Benjamin que o barroco est mergulhado
mais em que quererque em um fazer. Para isso discute com Lutero para quem o Mal
estaria na Ao. Para Benjamin ele estar antes no Saber que se transformou em Posse
(ein Haben). A se encontra uma das origens da catstrofe histrica: por um lado, a
manipulao do conhecimento; por outro, a inao dos homens, o conformismo, pois a
ao poltica repousa na convico e ela est na unidade do singular. Na construo do
conceito de sujeito da conscincia esclarecida o particular foi subsumido pelo universalabstrato. Benjamin lamenta que dessa forma: a construo da vida (...) est muito mais
no poder de fatos do que de convices.42E o esprito que poderia ser reivindicado para
essa construo no oferece garantia: o esprito a faculdade de exercer a ditadura. 43
Ele local de erro e de enganos, e dessa forma se realiza no olhar vazio que exclui o
outro. O esprito no mantm o sujeito inclume. O aparecimento na tradio filosfica
de um sujeito lgico, analtico, transcendental comprovou-se uma fraude do
subjetivismo e da alienao. Esse sujeito capaz de autonomia, reflexo e de seautodeterminar decreta a runa histrica pelas foras arquetpicas, que elegeu, como
parmetro, o homem branco, cultivado e cristo da cultura do eurocentro, que para
firmar seu Ego precisou extirpar a beleza da diferena, do sonho, da fantasia e...do
outro... Quanto mais fraco o ego mais forte a ancoragem no idntico, diz Olgria
Matos. Esse mesmo arqutipo mtico se exercita em imanncia com as contingncias
tecnicistas do progresso (Fortschritt), manipulando a existncia atravs de foras
42Walter Benjamin.Rua de Mo nica Obras Escolhidas II, So Paulo: Brasiliense, 1987, p. 11.43Walter Benjamin. Origem do Drama Barroco Alemo, idem. P.120
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institucionalizadas projetadas para fins de controle, neutralizando a riqueza do
particular, nivelando as diferenas e uniformizando o comportamento para o domnio
mais amplo. O mito se mantm atual no sistema jurdico, institudo e mantido pela
violncia mtica. Os vestgios dessa experincia funesta j estavam cunhados na
dramaturgia do sculo XVII reproduzindo o drama de martrio - inspirado na crueldade
de Herodes - e se emancipam em um estado de exceo (Ausnahmezustand) que se
transformou em regra geral para atomizar o poder. Microfisicamente disfarado ele
mina de forma imperceptvel as instalaes do projeto humano, comprovando a fraude
do conceito de marcha do esprito na Histria, no sistema tridico da divindade
concebida por Hegel, em que aquele se tornaria auto-conscincia ao se fazer finito no
mundo. Ao contrrio, o esprito comprovou-se eficaz na sua resoluo de poder-
violncia de um homem sobre o outro homem. Entre seus filamentos invisveis surge a
concepo de mera vida, que atinge a existncia moderna. Aqui experimenta-se
funestamente a atuao da biopoltica sobre o corpo, quando o anmico estatizado diz
a teoria crtica de Adorno e Horkheimer. A concepo de mera vida ( blosses Leben) de
Benjamin desenvolvida pelo pensador italiano Giorgio Agamben, no estudo que faz de
uma categoria do direito romano retirado do lodaal da histria como catstrofe. a
figura do homo sacer analisado no livro Poder Soberano e vida nua, onde ainterferncia da barbrie ideolgica expe o frgil corpo humano a uma existncia
subtrada dinmica poltica, vida ativa inserida no coletivo. Se seu prenncio j se
encontrava na teoria da soberania em solo absolutista, segundo o Trauerspielbuch., em
tempos venais, quando tudo se transforma em mercadoria, o corpo do homem e prpria
histria, ela assume uma dimenso incomensurvel que exige o Grbeln (o meditar).
Concebido como fora da organicidade para a reflexo, este seria colocado em prtica
contra o aviltamento do corpo e da alma no projeto de extermnio em massa no campo(Konzentrationslager), que se cumpriu como um ato proftico contra os tempos
sombriosque iriam perpetuar a injustia. Em O que resta de Auschwitz, Agamben nos
pergunta de que forma abordar o inumano chamado pelo Sonder kommando de
Muselmannse fazem dele o agente de um ordenamento jurdico? De que forma registrar
a inverso do sujeito em objeto, ou mais precisamente, em mercadoria, onde a vida
fatalmente manipulada visando a fins, quando a existncia se esvai nos jogos de poder?
Tal concepo faz Benjamin dizer que o capitalismo uma religio, porque utiliza o
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dogma como forma de persuaso.44Para impactar essa constatao preciso fundar o
conceito de progresso sobre a idia de catstrofe. Que as coisas andem assim. Isto a
catstrofe. Ela no o que est por vir, 45 a prpria realidade. E essa realidade o
inferno da Modernidade, que reproduz um novo que o sempre-igual num crculo
diablico nunca rompido. Para Benjamin necessrio destruir o caleidoscpio, pois nele
cada giro d a impresso de uma outra ordem, quando na verdade o que muda a
aparncia. Se o capitalismo esmaga o trabalhador, ele aliena sua tortura com a promessa
de uma utopia prometida pela cincia ao futuro, o que faz o catolicismo com a
promessa de uma vida eterna, em compensao ao sacrifcio no aqui e agora. A forma
capitalista da troca ilude, agride e extorque para a saciedade de outros, transforma o
sonho em iluso, a individualidade em individualismo, o sujeito em objeto, a
racionalidade em razo instrumentalizada, as raas - belas nas suas diferenas - em
motivo de segregao. Onde se instala o mito nas relaes, o convvio minado pela
estereotipia. A fantasmagoria da cidade uma demonstrao dessa atmosfera. Nela a
conscincia burguesa se avilta ao se metamorfosear em diversos papis, dependendo da
exigncia da ocasio, o que nos narra a poesia de Baudelaire, ele prprio vtima da
mitomania. A conveno estabelece de forma ditatorial o que estar na ordem do dia.
CONCLUSO
Contra a realidade ditada pela conveno Benjamin surpreende a filosofia com a
teologia, recorre ao conceito de criatura, ser no estado de criao (Schpfungsstand)
ofertado pelo sol da graa (Gnadensonne) o que se conclui de La vida es sueo de
Caldern, no contagiado pelo rigor da moral luterana, tornando a existncia aberta
salvao. Nele o soberano tem o poder de redimir com a compaixo (Mitleid) ao se ver
espelhado na condio do sdito. Faze o Bem a recomendao para uma vida melhor,distante de qualquerpreceito doutrinrio imperativo, quando se exterioriza a hegemonia
crist incontestada do barroco, interiorizada na moral do cristo. O Trauerspiel no
mostra tal conhecimento. A causticidade da moral luterana no permite o confronto da
situao principesca entre a funo sacrossanta dada por Deus e a natural misria da
44Kapitalismus als Religion in: Fragmente autobiographische Schriften - Gesammelte SchriftenBand VI,Frankfurt am Main: Suhrkamp Verlag, 1977, Seite 100-104.45
Der Begriff des Fortschritts ist in der Idee der Katastrophe zu fundieren. Dass es so weiter geht istdie Kastastrophe. Sie ist nicht das jeweils Bevorstehende sondern das jeweils Gegebene WalterBenjamin Das Passagen-Werk Erster Band, Frankfurt am Main: Suhrkamp, 1982, p. 592.
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condio humana que assedia o homem com a idia de finitude e destino que se
cumprem na morte do corpo fsico. O drama de martrio tem sempre esse fim. Benjamin
nos alerta para esse resultado. Sabendo que no circuito fechado da ideologia a razo se
torna cativa, Benjamin recorre teologia, frgil fora messinica que existe em cada
um e que se presentifica pela memria. Renuncia teleologia visando a salvao no
agora. O conceito restitutio in integrum do Fragmento teolgico-poltico
(Theologisch-politisches Fragment)46deve corresponder a uma restituio espiritual que
conduza felicidade presente. Ela se encontra na experincia, a qual nem o jovem pode
dispensar, o que diz em Rua de mo nica conjunto de reflexes metafsicas
extradas do cotidiano, precisamente no texto Volte para casa! Tudo perdoado, onde
a fuga de um adolescente rebelde da prpria casa, segundo Benjamin, condio
precpua para se adquirir a experincia da felicidade, no confronto entre conforto e calor
da casa paterna e o abandono, na rua. O texto diz: ...uma coisa nunca pode ser
reparada: ter deixado de fugir da casa de seus pais, pois: de 48 horas de desabrigo
nesses anos condensa-se como numa barrela o cristal da felicidade da vida. O
Fragmento teolgico poltico fala tambm de uma ausncia, da ausncia de Deus
sentida no plano da efemeridade. Aqui trata-se de uma restituio profana, mundana que
conduz eternidade de um declnio. O ritmo dessa passagem, eterna na sua efemeridade o mesmo ritmo da natureza messinica. Ele se chama felicidade, pois conta com o
declnio, condio precpua para a redeno. Messinica a natureza a partir de sua
transitoriedade eterna e total. Sob o signo da mesma ausncia o conceito de mera vida
(blossen Leben) estagnao que no pode prescindir da sua redeno messinica no
espao do corpo (Leibraum). Elidindo o dualismo corpo e esprito da tradio cartesiana
o conceito benjaminiano de espao do corpo (Leibraum) recupera a disposio de uma
devoluo ao homem da sua totalidade no enlace entre bios e zo, vida ativa e vidanatural, ou em outras palavras, vida orgnica e vida politicamente atuante, na
aproximao ao conceito clssico da antiguidade greco-romana: mens sana in corpore
sano. Concebido por Benjamin, o fragmento que restou da runa da civilizao guarda
o sentido maneira da mnada, infinita por natureza, na sua constituio.
46BENJAMIN, Walter. Theologisch-politisches Fragment in:Iluminationen, Frankfurt am Main,Suhrkamp, 1977. S. 262.