cena otro teatro de realidad
-
Upload
mariano-dufour -
Category
Documents
-
view
212 -
download
0
description
Transcript of cena otro teatro de realidad
-
20 Revista Cena - Nmero 8
ISSN 1519-275X TEATRO DRAMTICO E PERFORMATIVO: ENTRE O REAL E O FICCIONAL
Daniel Furtado Simes Silva
-
21 Revista Cena - Nmero 8
ISSN 1519-275X TEATRO DRAMTICO E PERFORMATIVO: ENTRE O REAL E O FICCIONAL
Daniel Furtado Simes Silva
RESUMO: O artigo discute alguns aspectos da relao entre o real e o ficcional observados no Teatro Dramtico e no Teatro Performativo, assim como o carter de no-representao e de evento que norteiam a ao do ator no teatro performativo.
PALAVRAS-CHAVE: Teatro Performativo; Teatro Dramtico; Ficcionalidade; Cena Contempornea; Performance.
ABSTRACT: This article discusses some aspects of the relationship between the actual and the fictional observed in the Dramatic Theater and in the Performative Theater, as well as the no-representation character and of event that orientate the actor's action in the performative theater.
KEYWORDS: Performative Theater; Dramatic Theater; Fictionality; Contemporary Scene; Performance.
__________
Pretendo, ao longo desse artigo, fazer algumas reflexes sobre determinados
aspectos da ao realizada em cena pelo ator no teatro contemporneo,
contrapondo alguns aspectos do chamado Teatro Dramtico em relao ao Teatro
Performativo e sua relao com a ficcionalidade que estes teatros propem. Pensar
o Teatro Contemporneo significa, nesse incio do sculo XXI, tentar compreender a
no preponderncia de uma forma e de um estilo, a alternncia e a convivncia
mais ou menos pacfica de tendncias, convices e estticas. O prprio uso do
termo contemporneo j suscita uma srie de controvrsias, alm de instalar uma
certa confuso com os conceitos de ps-moderno e ps-dramtico. Analisando o
que dizem diversos tericos, podemos observar como esses conceitos se
entrelaam e se confundem: para Elinor Fuchs, o teatro ps-moderno caracteriza-se
pelo colapso das fronteiras tradicionais (entre os gneros artsticos, os sexos, as
culturas, etc.) e a absoro do teatro com seus prprios artifcios, seus estilos e
tcnicas (Fuchs, 1996:170); Patrice Pavis v no ps-moderno a combinao de
estilos dspares, a colagem de estilos de atuao heterognea e a desconstruo
dos procedimentos (Pavis, 1999:289); Renato Cohen define a cena contempornea
como aquela que incorpora a no-sequencialidade, a escritura disjuntiva, a emisso
icnica, o mltiplo, a fuso e diluio de gneros (COHEN, 2004:XXV-XXVII); j
Hans-Thies Lehmann v na categoria ps-moderna algo ligado poca em geral, e
prefere trabalhar com o conceito de ps-dramtico, que ele define como aquele no
qual a lgica interna no representa mais o elemento central e engloba a atualidade,
a reprise, a continuidade de estticas antigas, colocando em questo as
-
22 Revista Cena - Nmero 8
ISSN 1519-275X TEATRO DRAMTICO E PERFORMATIVO: ENTRE O REAL E O FICCIONAL
Daniel Furtado Simes Silva
possibilidades do teatro alm do drama, e no necessariamente alm da
modernidade (LEHMANN, 2007:30-37). Vemos ento como trao em comum a todas
essas definies a mistura e interpenetrao de estilos e gneros, o que nos levou
opo do uso do termo contemporneo, justamente para ressaltar a diversidade da
cena teatral que se realiza nesse incio dos anos 2000.
Interessa-me, aqui, discutir se o que distingue o Teatro Dramtico do Teatro
Performativo implica (ou, antes, se funda), por um lado, em alguma mudana de
paradigma no trabalho do ator, na forma como ele se comporta no palco, realizando
aes, e, por outro, numa acentuao da tenso entre o carter de real da cena, de
sua materialidade, e o carter de fico da situao proposta por ela.
O terico alemo Hans-Thies Lehmann pontua que a construo da iluso o
que caracteriza o teatro dramtico. A representao dramtica imitativa que pautou
o teatro europeu baseou-se na construo de universos e de seres ficcionais que
habitavam esses universos (cf. Lehmann, 2007:25-26). Estes seres ficcionalizados
pertencem a uma imagem de mundo ou a uma srie de referncias que remetem ao
mundo e ordem de coisas que vivenciamos, mas que distinto deste pela
irrealidade que reveste os seus atos.
O processo de denegao a base deste processo: por um lado, ele afirma a
realidade da ao, permite que o pblico creia nessa ao, torna- a verdadeira; por
outro, mantm o seu status de fictcia: a ao engendrada, artificial, e a sua
inscrio no mbito do real de uma ordem diversa dos fatos do dia-a-dia, um
discurso no-srio, onde as asseres nele contidas no tm valor de verdade
(PAVIS, 1999:167). Patrice Pavis define denegao como o termo da psicanlise
que designa o processo que traz conscincia elementos reprimidos e que so ao
mesmo tempo negados (PAVIS, 1999:89), ou seja, um processo que afirma uma
circunstncia ou fato para em seguida neg-los. No caso do teatro, a denegao a
maneira pela qual o espectador confere veracidade quilo que v, enquanto nega a
realidade dos fatos que ocorrem em cena.
apenas atravs da permisso do espectador, do acordo tcito que ocorre ao
se instituir a representao, que a cena pode ocorrer. Se ele, espectador, se recusar
a crer no que posto em cena, o teatro no ocorrer; entretanto, se no for mantido
o carter de fico, de irreal, a cena deixar de ser teatro: perder esse carter de
-
23 Revista Cena - Nmero 8
ISSN 1519-275X TEATRO DRAMTICO E PERFORMATIVO: ENTRE O REAL E O FICCIONAL
Daniel Furtado Simes Silva
discurso no-srio, de simulao e se aproximar de um ritual (ver adiante a
discusso sobre efi ccia e entretenimento). Anne Ubersfeld afirma que
caracterstico da comunicao teatral que o receptor considere a mensagem como
no-real, ou mais exatamente como no-verdadeira2. No caso do teatro,
o que figura no lugar cnico um real concreto, objetos e pessoas cuja
existncia concreta ningum pe em dvida. (...) [Porm] tudo o que
ocorre em cena (por pouco delimitado e fechado que seja o lugar
cnico) tem o toque de irrealidade. A revoluo contempornea do lugar
cnico (...) no fere essa distino fundamental: ainda que o ator
estivesse sentado no colo do espectador, uma corrente de cem mil volts
promoveria uma radical segregao entre os dois. (Ubersfeld, 2005:21-
22).
Assim, mesmo um fato real, uma vez teatralizado, assumiria um estatuto de
no-realidade, tornando-se aparentado ao sonho (idem, p.22). Porm se a
irrealidade da cena bem clara no teatro dramtico (enquanto colocao em cena
de seres ficcionais, de um espao e um tempo distintos de espao-tempo do palco),
o teatro performativo coloca em xeque essas fronteiras. Como veremos adiante, a
performance muitas vezes pe em jogo justamente a realidade da ao executada
e da fico criada em cena.
Pavis afirma que a denegao institui a cena como o lugar de uma
manifestao de imitao e de iluso (e, consequentemente, de uma identificao)
(PAVIS, 1999:89). No entanto, creio que, mais do que a iluso, a denegao institui
o lugar do teatro, lugar de onde se v algo que no o real, e sim um evento
especial que se inscreve no mbito do fictcio (que no obrigatoriamente o
ilusrio). A verdade do teatro seria entendida, portanto, como uma verdade artstica,
2 Na sequncia do trecho em que faz essa afirmao, Ubersfeld observa que se isso [o fato de que o
receptor considere a comunicao teatral como no-verdadeira] evidente ou pode ser evidente no caso de uma narrativa ou de um conto (oral ou escrito), em que o relato expressamente denotado como imaginrio, no caso do teatro, a situao diferente (UBERSFELD, 2005:21), afirmando em seguida, como citado no texto, justamente a realidade da cena que aambarca a irrealidade do que posto-em-cena, acentuando o carter de interdio e a separao entre o espectador e a cena, o mundo construdo no palco: uma cadeira em cena no uma cadeira no mundo; o espectador no pode sentar-se nela nem mud-la de lugar, pois uma cadeira proibida, que no tem existncia para ele. (idem, p. 22). Veremos na sequncia que o que boa parte do teatro performativo e da Performance Art faz justamente quebrar essa interdio e separao.
-
24 Revista Cena - Nmero 8
ISSN 1519-275X TEATRO DRAMTICO E PERFORMATIVO: ENTRE O REAL E O FICCIONAL
Daniel Furtado Simes Silva
ligada ao seu aspecto ldico. A iluso criada poderia ser considerada quase como
uma consequncia dessa ficcionalidade, que ocorreria em determinadas
manifestaes teatrais, e no seu pressuposto ou sua exigncia. Como afirma
Lehmann, falando da relao entre ficcionalidade e iluso, o fato de que a cena
criasse iluses pertencendo, portanto, ao reino do engano era considerado
simplesmente como seu modo de verdade; o ludus da iluso podia ser, sem
problema algum, smbolo, metfora, parbola da verdade (LEHMANN, 2007:176).
Esse modo de verdade seria, assim, caracterstico no do Teatro enquanto
arte e enquanto atividade que cria fices representadas em cena por atores, mas
sim do teatro dramtico. Note-se, entretanto, que a iluso proposta pelo teatro
dramtico nunca foi nem poderia ser total. O que se posiciona aqui o status e o
nvel da referencialidade que a forma teatral ir manter3.
O teatro performativo notadamente se coloca de uma forma distinta diante da
questo da iluso e da referencialidade. H um movimento de desconstruo dos
signos, de ampliao da distncia entre eles e seus referentes; joga-se com os
cdigos e com a maneira como eles se inserem na obra teatral, dificultando ou
embaralhando a leitura do espectador, jogando com a sua capacidade de
reconhecimento e interpretao4. Josette Fral destaca que a noo de
performatividade o que est no centro do que ela denomina como teatro
performativo5. Essa noo valoriza a ao em si, mais do que o seu valor de
representao, entendida a no seu sentido mimtico. Como caractersticas desse
teatro, ela aponta a
3 Lehman distingue trs aspectos da iluso, afirmando que o teatro pode passar sem o ilusionismo
sem deixar de ser teatro: o de Espanto diante dos possveis efeitos de realidade (aspecto da magia); de Identificao esttica e sensorial com a intensidade sensorial dos atores e das cenas teatrais, das formas de movimentos danantes e das sugestes verbais (aspecto do Eros, claro ou obscuro); e de Projeo de contedo de uma experincia de mundo prpria sobre os modelos teatrais apresentados, associada aos atos mentais de preencher e esvaziar e empatia com os personagens (cf. Lehmann, 2007:180). Apenas esse ltimo aspecto se refere especificamente questo da ficcionalidade e do ilusionismo do qual o teatro naturalista e burgus se utilizaram fartamente. 4 Como diz Josette Fral, Essa desconstruo passa por um jogo com os signos que se tornam
instveis, fludos, forando o olhar do espectador a se adaptar incessantemente, a migrar de uma referncia outra, e um sistema de representao a outro, inscrevendo sempre a cena no ldico e tentando por a escapar da representao mimtica (Fral, 2008:203). 5 Fral observa que os conceitos de performance e performatividade so amplamente utilizados nos
EUA h mais de duas dcadas e que seu intuito utiliz-los para redefinir o teatro que se faz hoje e carrega em seu cerne estas duas noes. Contrapondo essa noo com a de teatro ps-dramtico, ela afirma que Este teatro, que chamarei de teatro performativo, existe em todos os palcos, mas foi definido como teatro ps-dramtico a partir do livro de Hans-Thies Lehmann, publicado em 2005. Gostaria de lembrar aqui que seria mais justo chamar esse teatro de performativo, pois a noo de performatividade est no centro de seu funcionamento (Fral, 2008:197).
-
25 Revista Cena - Nmero 8
ISSN 1519-275X TEATRO DRAMTICO E PERFORMATIVO: ENTRE O REAL E O FICCIONAL
Daniel Furtado Simes Silva
transformao do ator em performer, descrio dos acontecimentos da
ao cnica em detrimento da representao ou de um jogo de iluso,
espetculo centrado na imagem e na ao e no mais sobre o texto,
apelo uma receptividade do espectador de natureza essencialmente
especular ou aos modos das percepes prprias da tecnologia...
(Fral, 2008:198)
Duas dessas caractersticas, ou dois dos aspectos que constituem o teatro
performativo, nos interessam particularmente: a caracterstica de evento, de um
acontecimento que no se atm ficcionalidade da narrativa; e a no-
representao, ou o jogo com os sistemas que instituem a representao e
instauram a iluso ou que brincam com a questo da referencialidade da cena.
Um dos pontos fundamentais da Performance6 justamente o seu carter de
evento (eventness), de um ato que acontece, de uma experincia do real, como
diz Lehmann, que postula que a imediatidade de toda uma experincia
compartilhada por artistas e pblico se encontra no centro da arte performtica
(LEHMANN, 2007:223). A materialidade dos objetos e/ou do corpo do performer
toma o lugar da fico que a narrativa criava; o que acontece neles e com eles a
narrativa em si, pondo em cena processos em que a autorreferencialidade se afirma
para o espectador. o ato e o momento da comunicao, o processo em si,
processo que fundamentalmente a relao entre a esfera do palco (espao de
atuao, atores, ao) e a esfera do pblico, que se apresenta como obra. Nesse
sentido, Fral, citando Richard Schechner, afirma que as obras performativas no
so verdadeiras nem falsas. Elas simplesmente sobrevm (FRAL, 2008:203).
Quanto no-representao, a Performance, e, por extenso, o teatro
performativo, se coloca claramente ao lado, parte, ou distncia, da noo de
representao. O conceito de representar envolve a ideia de ser a imagem ou a
reproduo de algo, ou de estar no lugar de algum ou alguma coisa. Dentro do
teatro, a ideia da referncia que est em pauta ao falarmos de representao.
Matteo Bonfitto observa que, ao se questionar o conceito de representao, na
6 Entendida aqui como a Performance Art, Arte da Performance. Para evitar confuses, sempre que
estivermos nos referindo a Performance como Arte da Performance, usaremos a maiscula inicial.
-
26 Revista Cena - Nmero 8
ISSN 1519-275X TEATRO DRAMTICO E PERFORMATIVO: ENTRE O REAL E O FICCIONAL
Daniel Furtado Simes Silva
maior parte das vezes a referencialidade do objeto que est em discusso
(BONFITTO, 2009:90). Distinguindo entre uma esfera de representao e uma
esfera de presentao, ele afirma que os processos ou procedimentos de atuao
da primeira remetem a cdigos e convenes reconhecveis culturalmente,
enquanto na segunda os cdigos e convenes culturais comportam um grau
significativo de autorreferencialidade (idem, ibidem)7. Mais do que a presena ou
ausncia desses cdigos, a forma de sua articulao e reinveno que determina
o grau de referencialidade da atuao. A esfera da representao se liga ilustrao
e situaes e circunstncias, enquanto a esfera de presentao se liga
anifestao da presena e coloca em evidncia a corporeidade e suas qualidades
expressivas (idem, p. 92).
No teatro performativo h claramente um jogo onde as noes de real e de
fico se interpenetram e que permeia todo o trabalho do ator. O conceito de
noatuao distancia o ator da noo de personagem e de papel. Lehmann,
baseando-se em Michael Kirby, diz que a no-atuao se refere a uma presena na
qual o ator no faz nada para reforar a informao transmitida por sua atividade
(por exemplo, os auxiliares e cena no teatro japons) (LEHMANN, 2007:224). A
ao do ator destituda de um sentido mimtico, ela no representa nada alm se
si mesma.
Temos, ento, diante de ns a questo de pensar se a ao realizada pelo
ator no teatro performativo instaura ou no uma iluso, e, mais que isso, da fronteira
entre o real e o fictcio. Como sabemos, a distncia entre real e fictcio diminui ou
extremamente tnue em vrias performances realizadas a partir dos anos 60. A lista
de Performances que nos fazem confundir as fronteiras entre realidade e fico
enorme. Por exemplo, Eleonora Fabio cita a Performance de Tehching Hsieh,
realizada entre 1978 e 1979, na qual o performer
construiu uma cela de priso em seu apartamento/studio, trancou-se
nela por um ano (365 dias e noites) e no leu, no falou, no escutou
7 Bonfitto observa que h uma relao de simetria entre a esfera de representao e o teatro
dramtico e a esfera de presentao e o teatro ps-dramtico. Os modos de elaborao, articulao e reinveno dos cdigos, convenes e procedimentos scio-culturais, includas a as convenes teatrais, o que determina o grau de referencialidade da atuao (cf. Bonfitto, 2009:91). Procedimentos no codificados produzem um deslocamento na percepo, uma estranheza que distancia a cena e a ao da esfera do teatro dramtico.
-
27 Revista Cena - Nmero 8
ISSN 1519-275X TEATRO DRAMTICO E PERFORMATIVO: ENTRE O REAL E O FICCIONAL
Daniel Furtado Simes Silva
msica, no se comunicou com ningum. Contratou algum para levar-
lhe comida, bem como um advogado para testemunhar o feito e guardar
a chave. Permitiu visitao pblica de trs em trs semanas, num total
de 18 vezes ao longo do ano (Fabio, 2008:235).
RoseLee Goldberg lembra as Performances realizadas por Chris Burden:
Tiroteio, de 1971, na qual o artista pediu a um amigo para atirar em seu brao, e
Deadman, de 1972, na qual, enrolado em um saco de lona, ficou algum tempo no
meio de uma via de trnsito intenso em Los Angeles (GOLDBERG, 2006:149).
Nestas Performances h uma clara diluio dessas fronteiras, qualquer classificao
se torna limitadora. Observa-se uma tendncia a diminuir ou tentar eliminar as
distncias entre Arte e Vida, uma intencionalidade em borrar ou desmanchar as
fronteiras entre arte-como-vida e o resto da vida (KAPROW, cit. Por SCHECHNER,
2007:166-7).
Se a Performance abala as fronteiras entre real e fictcio, a nfase na ao
que o teatro performativo prope desloca o eixo narrativo das circunstncias para a
presena8. O teatro performativo abarca, portanto, uma regio de fronteiras e de
nfases. O fazer se torna primordial e uma esttica da presena se instaura
(FRAL, 2008:209). Essa tendncia leva o evento teatral a oscilar entre apresentar-
se como um rito ou como teatro, deslocando a forma como se insere e como
recebido pelo pblico. Richard Schechner afirma que uma performance9 chamada
teatro ou ritual dependendo de onde ela realizada, por quem e sob que
circunstncias, isto , do seu contexto e funo. Dois polos determinariam se um
tipo de performance seria considerado um ritual ou teatro: de um lado, a Eficcia, de
outro, o Entretenimento. A eficcia de uma performance se liga sua capacidade de
realizar transformaes: o ritual penderia para o polo da eficcia, e o teatro para o
8 Richard Schechner observa que os happenings, e, por extenso, a Performance, acentua a quebra
entre pessoa (personagem) e tarefa (ao), permitindo que a ao seja mimtica sem tornar-se uma caracterizao: Once action is framed as theater, spectators read meanings into whatever they witness. Orthodox acting and scenic arrangements stress mimeses whit it symbolic time; happening stress the breaks between persons and tasks, thus the thing done may be mimetic whithout being a caracterization. (Schechner, 1988:10) 9 Lembrando que aqui no estamos falando da Performance Art, mas sim que estamos utilizando o
conceito na acepo estendida que Schechner lhe d, que engloba o teatro, os rituais e vrios atos da vida cotidiana. Nessa acepo, as performances afirmam identidades, curvam o tempo, remodelam e adornam corpos, contam histrias. Performances artsticas, rituais ou cotidianas so todas feitas de comportamentos duplamente exercidos, comportamentos restaurados, aes performadas que as pessoas treinam pra desempenhar, que tm de repetir e ensaiar. (Schechner, 2003:27).
-
28 Revista Cena - Nmero 8
ISSN 1519-275X TEATRO DRAMTICO E PERFORMATIVO: ENTRE O REAL E O FICCIONAL
Daniel Furtado Simes Silva
polo do entretenimento, ressalvando o fato de que nenhum tipo de performance
puramente um ou outro10 (SCHECHNER, 2007:130).
Assim, esse distanciar-se da representao, esse rompimento com uma
ficcionalidade que pretende criar um espao e um tempo ilusrios, que o teatro
performativo prope. A ao realizada pelo ator relativiza-se, pelo contexto no qual
inserida e pela aspirao de no remeter a significados exteriores e ilusrios. O
teatro performativo baseia-se numa outra lgica, que exige do ator uma forma
diferente de pensar seu estar-em-cena. Como diz Fral,
Nesta forma artstica o teatro aspira a produzir evento, acontecimento,
reencontrando o presente, mesmo que esse carter de descries de
aes no possa ser atingido. A pea no existe seno por sua lgica
interna que lhe d sentido, liberando-a, com freqncia, de toda
dependncia, exterior a uma mimeses precisa, a uma fico narrativa
construda de maneira linear. O teatro se distanciou da representao.
(Fral, 2008:209)
REFERNCIAS BIBLIOGRFICAS
BONFITTO, Matteo. O ator ps-dramtico: Um catalisador de aporias?, in
GUINSBURG, J. e FERNANDES, S. (orgs). O Ps-dramtico, p. 87-100. So Paulo:
Perspectiva, 2009.
COHEN, Renato. Performance como Linguagem. So Paulo: Perspectiva, 1989.
10
Schechner lista uma srie de qualidades ou caractersticas que definiriam por um lado a Eficcia (ritual) e o Entretenimento (teatro). Do lado da Eficcia teramos: resultados, a ligao com um Outro ausente, o tempo simblico, a possesso ou transe do performer, a participao da audincia, a crena (f) da audincia, o desencorajamento da crtica, a criatividade coletiva; do lado do Entretenimento: a diverso, a realizao apenas para aqueles que esto l, a conscincia do performer de suas aes, a audincia observando, a audincia apreciando, a crtica florescendo, a criatividade individual (Schechner, 1988:130).
-
29 Revista Cena - Nmero 8
ISSN 1519-275X TEATRO DRAMTICO E PERFORMATIVO: ENTRE O REAL E O FICCIONAL
Daniel Furtado Simes Silva
FABIO, Eleonora. Performance e teatro: poticas e polticas da cena
contempornea. In: Sala Preta, Revista de Artes Cnicas, n 8, p. 235 a 246. So
Paulo: Departamento de Artes Cnicas, ECA/USP, 2008.
FRAL, Josette. Por uma potica da performatividade: o teatro performativo, In:
Sala Preta, Revista de Artes Cnicas, n 8, p. 191 a 210. So Paulo: Departamento
de Artes Cnicas, ECA/USP, 2008.
FUCHS, Elinor. The Death of Character. Perspectives on Theater after
Modernism. Bloomington e Indianapolis: Indiana University Press, 1996.
GOLDBERG, RoseLee. A arte da performance, Do futurismo ao presente.
Martins Fontes: So Paulo, 2006.
HOLANDA FERREIRA, Aurlio Buarque. Novo Dicionrio da Lngua Portuguesa.
Editora Nova Fronteira: Rio de Janeiro, 1975.
LEHMANN, Hans-Thies. O teatro ps-dramtico. So Paulo: Cosac Naify, 2007.
PAVIS, Patrice. Dicionrio de Teatro. So Paulo: Perspectiva, 1999.
SCHECHNER, Richard. O que performance, In: LIGIERO, Zeca (org.). O
Percevejo. Revista de Teatro, Crtica e Esttica. Ano II, n 12. Rio de Janeiro:
NEPPA/Unirio, 2003.
______. Performance Theory. Routledge: Londres e Nova York, 1988.
UBERSFELD, Anne. Ler o teatro. So Paulo: Perspectiva, 2005.