Da violência simbólica nas relações sociais sobre a imagem do corpo

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    Da violncia simblica nas relaes

    sociais sobre a imagem do corpo

    De violencia simblica en las relacionessociales de la imagen corporal

    Of symbolic violence in social

    relations of body image

    Eder Jos dos Santos1

    Gustavo Alves Biasoli2

    Roselene de Ftima Coito3

    Resumo Este trabalho se vale das propostas de Bourdieu (2001), para

    quem o simblico condicionado por formas de poder cuja funo poltica

    atua instrumentalmente na imposio ou na legitimao da dominao

    entre distintas classes (violncia simblica). A respeito da compreenso

    de funcionamento social, parte das propostas da sociologia compreensivadesenvolvida por Max Weber (1991). O objetivo demonstrar como as imagens

    aqui analisadas podem ser relacionadas, enquanto elementos fragmentados

    de uma realidade emprica, a um tipo ideal em torno de uma esttica do

    corpo humano que uma esfera de poder, por meio do simblico (...) enquanto

    instrumento por excelncia da integrao social (BOURDIEU, 2001, p. 10),

    tenciona legitimar.

    Palavras-chave: Sociologia compreensiva. Poder simblico. Imagem do corpo.

    1 Mestre em Letras pelo Programa de Ps-graduao Stricto Sensu em Letras da Universidade Estadual do Oeste doParan (UNIOESTE) Cascavel, PR Brasil. Bolsista CAPES. Endereo eletrnico: [email protected] Professor Doutor do Curso de Cincias Sociais e do PPG Letras da Universidade Estadual do Oeste do Paran.Endereo eletrnico: [email protected] Ps-doutora pela cole des Hautes tudes en Sciences Sociales Paris sob a superviso do Prof. Dr. Roger

    Chartier. Professora da Universidade Estadual do Oeste do Paran (UNIOESTE). Endereo eletrnico: [email protected]

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    o Resumen El presente trabajo analiza las propuestas de Bourdieu (2001),

    para quin, lo simblico est condicionado por las formas de poder cuya

    funcin poltica acta instrumentalmente en la imposicin o en la legitimacinde la dominacin entre las distintas clases (violencia simblica). Sobre la

    comprensin del funcionamiento social, parte de las propuestas de la sociologa

    comprensiva desarrollada por Max Weber (1991). El objetivo es demostrar como

    las imgenes ac analizadas pueden ser relacionadas, en cuanto a los elementos

    fragmentados de una realidad emprica, a un "tipo ideal", ms en torno a una

    esttica del cuerpo humano que a una esfera de poder a travs de lo simblico

    (...) como instrumento de integracin social, por excelencia (BOURDIEU,

    2001, p. 10), que intenta legitimar.

    Palabras-clave: Sociologa comprensiva. El poder simblico. La imagencorporal.

    Abstract This work considers of proposals from Bourdieu (2001), to whom

    the symbolic is conditioned by forms of power whose political function acts

    instrumentally in inflicting or legitimizing the domination between different

    classes (symbolic violence). About the understanding of social functioning,

    part of the proposal of the comprehensive sociology developed by Max Weber

    (1991). The goal is to demonstrate how the images analyzed here can be related,

    while fragmented elements of an empirical reality, an "ideal type" around anaesthetic of the human body as a sphere of power through the symbolic "(...) as

    an instrument of social integration par excellence (BOURDIEU, 2001, p. 10),

    intends to legitimize.

    Keywords: Comprehensive Sociology. Symbolic power. Body Image.

    Data de submisso: 20/12/2010Data de aceite: 04/11/2011

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    Funcionamento Social segundo Weber

    De acordo com Max Weber (1991), o estudo que se ocupa das cinciassociais de modo a analisar cientificamente aspectos e funcionamentos dassociedades deve tomar por princpio a linha mestra da cultura, sendo que,por se tratar de culturas (no plural, por to dspares no modo em que coe-xistem), tal cincia social no pode ignorar seu carter multifacetado e departilha, visto que trata de diferentes significaes culturais para diferen-tes agentes em diferentes momentos e condies histricas. Assim, con-trariamente metodologia do materialismo histrico, em que a instnciaeconmica luta de classes condicionada pela explorao das relaesde produo o motor do funcionamento histrico-social, o olhar socialweberiano apreende o fator econmico como um elemento constituinte,ora condicionante-relevante, ora desnecessrio observao compreensi-va das causas e dos motivos concretos que engenham as aes sociais que,ao se firmarem em maior amplitude de significao, constituem relaessociais podendo, por fim, serem consideradas fenmenos culturais. Para

    Weber, os aspectos econmicos no podem dar conta de explicar o to-do do funcionamento social porque h outras instncias (espirituais, porexemplo, a religiosidade; o gosto artstico) que no podem ser submetidasa um estudo radicalmente materialista por estarem dependentes de dife-rentes significaes culturais e, assim, implicarem em distintas ideias devalor. Para compreender melhor a proposta de Weber, vejamos a seguiralguns de seus conceitos e mtodos de anlise.

    Para compreender a realidade preciso, segundo Weber (1991), em

    meio infinita diversidade de eventos e acontecimentos que constituema vida, apreender um fragmento dessa realidade de modo a mostrar (tor-nar inteligvel) que pela sua regularidade (pela intensidade, repetio)tal fragmento acaba por constituir um contedo de lei por relaocom outras conexes causais. No entanto, e isso muito importante aomtodo na cincia social, no basta constatar os contedos de lei queregularizam os fragmentos, os pequenos recortes do fenmeno; preci-

    so compreender sua significao em meio configurao de um certo

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    o fenmeno cultural. A significao, segundo Weber, no surge de umsistema de conceitos de leis como se a constatao de regularidades fosse

    fonte de explicao para a atribuio dos sentidos das aes, mas ela (asignificao cultural) a ponte entre o fenmeno cultural real e as ideiasde valor, no sentido de que tais ideias so imbricadas sobre componentesda realidade de modo a serem significativas para os sujeitos, dado o valorde importncia que comportam. Nas palavras do autor, a proposta :

    A cincia social que ns pretendemos praticar uma cincia da realidade.Procuramos compreender a realidade da vida que nos rodeia e na qualnos encontramos situados naquilo que tem de especfico; por um lado,as conexes e a significao cultural das suas diversas manifestaes nasua configurao atual e, por outro, as causas pelas quais se desenvolveuhistoricamente assim de no de outro modo. (WEBER, 1991, p. 88).

    Resumidamente, podemos afirmar que para Weber as relaes sociaisso constitudas por meio de desdobramentos em que se efetivam, na me-

    dida em que so aceitas, reconhecidas, legitimadas como boas/verda-deiras por oposio a ms/enganosas, as aes sociais motivadas pelosagentes sociais, pelos sujeitos. Uma ao social no condiz a uma aoparticular ou individual4 regida exclusivamente por aspectos psicolgicos. certo que tal psicologia teria muita pertinncia, mas a preocupao deWeber est sobre a ao que social medida que tal ao, por sua prticaregular, implica uma ordenao de um determinado modo de conduzirprticas recprocas entre os sujeitos. Um exemplo do prprio Weber (1991)

    o de que uma ao social est condicionada conduta imediata de outrosujeito/agente (um aperto de mo, por exemplo), dado que tal ao, emsua repetio dotada de sentido e motivada justamente por essa carga de

    4 A questo da individualidade em Weber no corresponde psicologia unitria do ser, do indivduo. Individua-lidade, para ele, est em contraposio ao carter axiolgico de alguns estudos das cincias sociais que pretende-ram conceber trabalhos cientficos por meio de leis do devir de forma universal. Assim, individualidade histricacorresponde instabilidade e impossibilidade de leis gerais sobre os fenmenos culturais: Os problemas cultu-rais que fazem mover a humanidade renascem a cada instante e sob um aspecto diferente e permanece varivel o

    mbito daquilo que, no fluxo eternamente infinito do individual, adquire para ns importncia e significao (...).(WEBER, 1991, p. 100).

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    sentido, passa a consistir em uma relao social medida que sua regu-larizao concretiza uma significao cultural (a amizade, por exemplo).

    Dessa forma, tanto a ao social como seu desdobramento (a relaosocial) so regidas pelo sentido que os agentes atribuem a essas aes. osentido o que faz que uma ao social se efetive concretamente; o fun-damento da ao, no sentido daquilo que visado, e no uma instnciametafsica que orientaria o modo correto/aceito ou errado/evitado deconduzir a vida. Orientado socialmente, o indivduo tem suas aes (en-quanto ao social) fundamentadas por motivos que so imbricados naquesto do sentido e, assim, constituem a causa (elemento ao qual o ana-lista deve estar atento) de suas aes, de sua atuao em meio ao social.Se uma relao for legitimada, ela se institui como regra orientadora deuma regularidade de conduta efetiva e concreta entre os sujeitos. Porm, oque vai determinar se uma relao legtima ou no a problematizaoem torno de diferentes interesses (onde se desenrolaro lutas, conflitos,poderes elementos inerentes vida sociocultural), o que gera, assim, pro-cessos de dominao de modo a certos sujeitos/agentes almejarem obe-

    dincia e poder dominao no no sentido de explorao de produocapitalista, mas no de ordem simblica, no sentido de uma significao servalidada e ter mais valor por relao de condenao/rejeio a outras emque poder significa (...) toda probabilidade de impor a prpria vontade nu-ma relao social, mesmo contra resistncias, seja qual for o fundamentodessa probabilidade. (WEBER, 1991b, p. 33).

    Assim, compreender o sentido da ao social , a partir de um pro-cesso particular de ao (um fenmeno), tentar estabelecer as relaes

    entre os elos embebidos de sentido que fazem esta ao ser social, terfundamento de significncia e ser capaz de gerenciar uma certa condutaconsoante entre os agentes sociais, de forma que essa gerncia (Weberusa o termo cadeia motivacional) se constitua como processo mais am-plo, social, e no particular como se fosse individualista de cada sujeito.

    por isso que, para Weber, a economia (materialismo-histrico) nopode ser a ordem causal de todas as esferas de atividade humana. Esse

    um ponto polmico com o materialismo histrico de Marx e que distancia,

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    o ontolgica e epistemologicamente, estes dois mestres. Segundo Weber, nomximo possvel sublinhar afinidades ou tenses entre diversas reas (ar-

    tes, religio, economia, poltica etc.) de forma que se objetive tornar com-preensvel como se articula a orientao de um determinado modo de vida.Assim, as imagens selecionadas aqui, posteriormente, sero analisadas pelointuito de tentar compreender os sentidos que as movimentam na ao so-cial, seus fundamentos que as permitem atribuio de motivos a uma aosocial a respeito da imagem do corpo. Porm, cabe salientar que a compre-enso dessa ao movida por sentidos, visando sublinhar o carter de umaexplicao causal, se d por destaque de causas parciais e nunca completas,pois, para Weber, as causas que permitem a ordem de um determinado fe-nmeno so sempre mltiplas, variadas e desequalizadas, cuja investigaode carter cientfico-social deve intencionar (...) o conhecimento da reali-dade concreta segundo seu significado cultural e as suas relaes de causa mediante a busca da repetio regular. (WEBER, 1991, p. 90).

    Um conceito essencial desenvolvido por Weber anlise das signifi-caes e das causas motivacionais que fomentam as relaes sociais o

    de tipo ideal. Este consiste em um instrumento de orientao sobre aobservao de determinados traos da realidade social que, estendido aum grau mximo de concepo, permite elaborar questes sobre os fen-menos e no o fenmeno em si. Logo, est no plano das ideias a respeitodos fenmenos e no nos prprios fenmenos. Na definio de Weber, oconceito de tipo ideal :

    Trata-se de um quadro de pensamento, e no da realidade histrica, e

    muito menos da realidade autntica, e no serve de esquema no qualse pudesse incluir a realidade maneira de exemplar. Tem antes o sig-nificado de um conceito limite puramente ideal, em relao ao qual semede a realidade a fim de esclarecer o contedo emprico de alguns deseus elementos importantes, e com o qual esta comparada. Tais concei-tos so configuraes nas quais construmos relaes, pela utilizao dacategoria de possibilidade objetiva, que a nossa imaginao, formada e

    orientada segundo a realidade, julga adequada. Nesta funo, o tipo ideal

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    acima de tudo uma tentativa para apreender os indivduos histricos ouseus diversos elementos em conceitos genticos. (WEBER, 1991, p. 109)

    Vemos, logo, que o tipo ideal assim no corresponde noo do de-ver ser ou daquilo que exemplar como um modelo a ser seguido eobjetivado. Consiste, antes, em uma reunio de elementos significativosque, compondo um quadro lgico-ideal-homogneo, so comuns, afins formao de uma representao da ideia de um fenmeno concreto,a um quadro mental do fenmeno. pela formao desse quadro que otipo ideal consiste em uma construo rigorosa a respeito dos contedosdos conceitos, no permitindo, assim, que a anlise permanea flutuantena (...) esfera do vagamente sentido (WEBER, 1991, p. 110).

    importante, tambm, no confundir a noo de ideia com o conceitode tipo ideal. Embora a distino entre ideias e tipo ideal seja fundamental, tnue e meticulosa a fronteira entre a ao analtica que deve tomar as ideiascomo meios auxiliares puramente lgicos (conceitos relativos que servem demedida realidade por modo comparativo) e a anlise que acaba por julgar,

    por meio de juzos de valor conscientes ou inconscientemente j permeados,a realidade, avaliando-a. Enquanto a ideia tem carter historicamente com-provvel e de dominao sobre os homens (de modo que elas se manifestamde muitas maneiras distintas nas mentes dos indivduos), o tipo ideal lidacom elementos da realidade histrica que podem ser abstrados formulaode um quadro mental. No entanto, tal conceito instrumental no dado epronto, mas se elabora por uma construo ao prprio momento de anlise:

    Obtm-se um tipo ideal mediante a acentuao unilateral de um ou v-rios pontos de vista, e mediante o encadeamento de grande quantidadede fenmenos isoladamente dados, difusos e discretos, que se podem darem maior ou menor nmero ou mesmo faltar por completo, e que seordenam segundo os pontos de vista unilateralmente acentuados, a fimde se formar um quadro homogneo de pensamento. Torna-se impossvelencontrar empiricamente na realidade esse quadro, na sua pureza concei-

    tual, pois trata-se de uma utopia. (WEBER, 1991, p. 106)

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    o importante destacar esse conceito weberiano porque pela tenta-tiva de sua construo na aplicao que poderemos, em meio s obser-

    vaes na terceira parte deste trabalho, compreender uma forma do tipoideal referente beleza do esteretipo, esttica corporal, ao bitipo, scaractersticas fsicas do corpo, que se denuncia nas imagens produzi-das sobre o corpo aqui analisadas.

    Certamente, a proposta terica de Max Weber bem mais complexaque este breve esboo. Entretanto, esperamos ter deixada afinada quala concepo de funcionamento social de que partilhamos, a propsitodas anlises que se seguem. Valendo-nos principalmente dessa ferramen-ta conceitual que o tipo ideal, desenvolveremos nossas anlises sobreas imagens do corpo tambm em relao s relaes de poder simbli-co que atravessam a linguagem considerada aqui, assim como propePierre Bourdieu (2001), uma das formas simblicas. Faz-se, portanto,necessria uma breve explanao sobre como tomamos a relao en-tre funcionamento social (pela perspectiva weberiana) e o simblico/linguagem (pela perspectiva de Bourdieu).

    A linguagem como produo simblica de poder

    Vimos que, para Weber, a sociedade se desenvolve por relaes orienta-das por motivos significantes entre as aes dos sujeitos, de modo quetais significantes constituem um status de significao cultural pelasideias de valores e sentidos que articulam. Dessa forma, se o objeto a ser

    compreendido o da relao de sentido da ao humana, extrair o con-tedo simblico que entretece as aes de um dado fenmeno tarefaprimria que se apresenta a ns sobre a face privilegiada da linguagem,tomada aqui pela perspectiva de Pierre Bourdieu (2001) enquanto umadentre outras formas simblicas. Antes, porm, cabe explicitar de quemodo pretendemos amarrar as propostas weberianas s de Bourdieu.

    Como as relaes sociais so articuladas por sentidos que os agentes im-

    primem s aes, diremos que esses sentidos so regidos pelo que Bourdieu

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    destaca como princpios de viso e diviso que os agentes assumem diantedo espao social em que vivem, de modo que tais princpios, sistematiza-

    dos, constituem simbolicamente o que Bourdieu define como habitus:

    Os habitus so princpios geradores de prticas distintas e distintivas (...),mas tambm esquemas classificatrios, princpios de classificao, princ-pios de viso e de diviso e gostos diferentes. Eles estabelecem as diferen-as entre o bem e o mal, entre o que distinto e o que vulgar etc., maselas no so as mesmas. Assim, por exemplo, o mesmo comportamentoou o mesmo bem pode parecer distinto para um, pretensioso ou ostenta-trio para outro e vulgar para um terceiro.

    Mas o essencial que, ao serem percebidas por meio dessas categoriassociais de percepo, desses princpios de viso e de diviso, as diferenasnas prticas, nos bens possudos, nas opinies expressas tornam-se diferen-as simblicas e constituem uma verdadeira linguagem. As diferenas as-sociadas a posies diferentes, isto , os bens, as prticas e, sobretudo, as

    maneiras, funcionam, em cada sociedade, como as diferenas constitutivasde sistemas simblicos, como o conjunto de fonemas de uma lngua ouconjunto de traos distintivos e separaes diferenciais constitutivas de umsistema mtico, isto , como signos distintivos. (BOURDIEU, 1996, p. 22).

    Dessa forma, os sentidos como causa das aes sociais de que falaWeber alcanam significao cultural na medida em que eles surgemdas diferenas prticas (e as constituem) na condio de coexistncia.

    Ou seja, os sentidos que movem as relaes sociais so dados pelo siste-ma complexo atuante que Bourdieu conceitua como espao social5 cons-titudo de um capital global (capital econmico e capital cultural), emque, a partir desse espao, o agente condicionado a certas prticas emaneiras de fazer essas prticas e a determinados modos de pensamen-

    5 Bourdieu define espao social como: (...) conjunto de posies distintas e coexistentes, exteriores umas s ou-tras, definidas uma em relao s outras por sua exterioridade mtua e por relaes de proximidade, de vizinhana

    ou de distanciamento e, tambm, por relaes de ordem, como acima, abaixo e entre; (...). (BOURDIEU, 1996,p. 18-19).

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    o to, de opinies. Dado que no existe, para Bourdieu, um equilbrio decapital global e menos ainda de espao social, so as diferenas imanen-

    tes do espao social, juntamente com as diferentes e variadas formas dedistribuio a respeito dos capitais econmicos (bens, produtos, perten-ces) e culturais (conhecimentos, intelectualismo, saberes), que nortea-ro e daro sentidos s aes dos homens. No entanto, esse complexofuncional de espao social atravessado por sentidos no ocorre esponta-neamente de forma ingnua, e, logo, Bourdieu destacar que esse sim-blico , antes de qualquer coisa, minado de poder em todas as suasvariadas instncias de modo que nenhum agente permanece blindado6 aesse poder simblico. A nosso propsito, daremos destaque apenas lin-guagem verbal-imagtica, mas no esqueamos que para Bourdieu todamercadoria-produto (uma garrafa, por exemplo, no apenas uma gar-rafa) simboliza um determinado poder ligado a certo espao social que,dispondo de distintos habitus, organiza, paradoxalmente, heterogneas ehomogneas condutas de agir e modos de pensar (coexistncias culturaise classes) em que, entre uma e outra, h sempre uma luta de legitimao

    e dominao de interesses.A distino entre capital econmico e capital cultural em Bourdieu fundamental para compreender uma verdadeira economia de trocassimblicas relativamente autnoma em relao ao capital econmico(BOURDIEU, 2007). Pois, ao passo que esta economia simblica de-senvolve um complexo mercado de bens simblicos, o processo que eledenomina como economia dos bens simblicos corresponde tambm aofato de que toda situao lingustica funciona como um mercado onde

    o locutor coloca seus produtos (BOURDIEU, 1983). Segundo Bourdieu,o funcionamento desse mercado simblico gerenciado pela crena en-quanto estrutura mental de categorias de percepo e avaliao, sistemade preferncia em conjunto com as estruturas objetivas. Isso no quer

    6 Bourdieu prope o conceito de illusio para mostrar que no existe uma ao desinteressada, como se um agen-te pudesse viver socialmente ignorando sua prpria condio social de existncia: (...) a illusio essa relao en-cantada com um jogo que produto de uma relao de cumplicidade ontolgica entre estruturas mentais e as

    estruturas objetivas do espao social (...), estar envolvido, investir nos alvos que existem em certo jogo (...).(BOURDIEU, 1996, p. 139-140).

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    dizer que o fator propriamente econmico seja ignorado, mas, assim co-mo em Weber, ora ser relevante, ora condicionante. Assim, por meio

    dessa proposta que podemos amarrar o sentido weberiano que orientauma ao social ao conceito de manifestao lingustica que, para Bour-dieu, um ato simblico em constante movimento de troca, onde o queest em jogo a legitimao, a dominao, de modo que (...) a relaode comunicao no uma simples relao de comunicao, tambmuma relao econmica onde o valor de quem fala est em jogo: ele fa-lou bem ou no? brilhante ou no ? (...) (BOURDIEU, 1983b, p. 78).Contudo, o prprio socilogo em questo adverte que no apenas quemfala est em jogo, mas que O essencial do que se passa na comunica-o (...) est nas condies sociais da possibilidade da comunicao.(BOURDIEU, 1983b, p. 81), o que cabe complementar com a afirmaode que (...) as estruturas mentais so estruturas sociais interiorizadas.(BOURDIEU, 1983b, p. 78) e o que se entende por mercado lingusticoimplica amplamente (...) tanto a relao entre duas donas de casa queconversam na rua, como o espao escolar ou a situao de entrevista da

    qual os executivos so recrutados. (BOURDIEU, 1983b, p. 86).Dito de outra forma, o que procede que toda enunciao atrela porsi uma constituio de poder simblico capaz de manter ou transformaruma certa viso de mundo e a prpria ao sobre o mundo. Contudo,esse poder no prprio do smbolo, da palavra ou, no caso que mais nosimporta agora, da imagem. Ele no est na lngua enquanto forma, nemenquanto estrutura de um lado (objetivismo abstrato) ou estruturante deoutro (subjetivismo idealista), mas na ao do smbolo como instrumen-

    to (estruturante e estruturado, concomitantemente) de comunicao ede conhecimento medida que, sustentado por crenas, funciona poli-ticamente pela capacidade de legitimao e de dominao que articulauma classe sobre outra mediante o confronto de interesses e de defini-es de mundo social; isso tudo conjuntamente natureza especfica desmbolo enquanto instrumento por excelncia de integrao social.

    Sendo assim, a proposta de Bourdieu observao dessa luta simblica

    corresponde a compreender o que ele chama de trabalho de representao

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    o que os agentes continuamente realizam para imporem a sua viso de mun-do, a viso de sua prpria posio no mundo que acaba por afirmar sua

    identidade social (BOURDIEU, 2001). Essa representao constituda demodo especial pela ao contnua da linguagem, sendo o olhar analticodo estudioso inciso sobre sua categorizao compreensiva (explicitao) oque permite sublinhar o estado das relaes de foras e de lutas simblicas:

    De facto, este trabalho de categorizao, quer dizer, de explicitao e declassificao, faz-se sem interrupo, a cada momento da existncia corren-te, a propsito das lutas que opem os agentes acerca do sentido do mundosocial e da sua posio nesse mundo, da sua identidade social, por meio detodas as formas do bem dizer e do mal dizer, da bendio ou da maldio eda maledicncia, elogios, congratulaes, louvores, cumprimentos ou insul-tos, censuras, crticas, acusaes, calnias etc. (BOURDIEU, 2001, p. 142).

    Se, para Bourdieu, uma relao de comunicao uma relao defora simblica (BOURDIEU, 1983a), no interior de todas essas for-

    mas do bendizer e do maldizer que podemos incluir a imagem comoelemento simblico de poder. Ou, melhor, a imagem como elementoestruturado e estruturante de um discurso que permitido e condicio-nado por fatores que extrapolam o plano superficialmente lingustico--imagtico, solicitando um olhar s voltas de seu acontecimento. Nacitao seguinte, Bourdieu se refere fala, enunciao falada do agenteem situao de comunicao, mas pensamos que essa observao sejatambm pertinente ao funcionamento da imagem, haja vista que esta,

    assim como a enunciao falada, lana flechas de significao a mlti-plas e distintas instncias culturais do espao social, o que, acarretandovalores, implica em uma relao de fora simblica:

    A verdade da relao de comunicao nunca est inteiramente no discurso,nem mesmo nas relaes de comunicao; uma verdadeira cincia do dis-curso deve busc-la no discurso, mas tambm fora dele, nas condies sociais

    de produo e de reproduo dos produtores e receptores e da relao en-

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    tre eles (...). Entre os pressupostos da comunicao lingustica que escapamcompletamente aos linguistas, esto as condies de sua instaurao, o con-

    texto social no qual ela se instaura e, em particular, a estrutura do grupo noqual ela se realiza. Para explicar o discurso, preciso conhecer as condiesde constituio do grupo no qual ele funciona. (BOURDIEU, 1983a, p. 164)

    Portanto, ao propormos observaes sobre a imagem do corpo pre-tendemos estender o olhar s suas relaes de significao dadas pelomeio cultural em que elas acontecem. Evidentemente, sua constituiomaterial de forma, no sentido mais estrutural (cores, disposio etc.), bastante relevante e justamente o que orienta uma possibilidade de sig-nificao/interpretao, mas considerando essa extenso da imagem,essa capacidade de simbolizar poderosamente determinadas vises demundo, afirmando uma legitimao ao mesmo tempo em que nega esilencia distinguindo-se de outros signos, que objetivamos delinear seutrabalho de representao, ainda que em partes.

    Significaes imagticas do corpo:

    legitimao e dominao

    No procedimento de anlise de um fenmeno cultural, tanto a ferramentainstrumental tipo ideal de Weber quanto o mtodo modus operandi deBourdieu pretendem agir mais no sentido de constatar, na particularidade ena individualidade histrica do objeto, suas possveis propriedades invarian-

    tes e variantes do que estabelecer, percebidas certas invariantes, pretensasleis genricas das quais se poderiam extrair explicaes gerais e univer-sais a qualquer custo e a todo objeto ou semelhanas entre fenmenosdistintos. Tomando tal perspectiva de apreenso, observemos a Figura 1:

    A respeito de seu contexto de aparecimento, esta imagem veiculadapor um site que se diz exclusivo publicao de propagandas impubli-cveis que no poderiam ser propagandeadas em uma ordem discursiva

    comum, ou, nos termos dos organizadores, um espao virtual para:

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    (...) ideias absurdas que nunca foram e nunca poderiam ser veiculadas. (...)O que vale o humor inteligente, a sacadinha, a propaganda impublicvel.

    (...) a fantasia do J pensou se sai uma campanha assim?. A propagandaque no existe. Imaginria. Engraada. Absurda. Sem compromisso. A pu-blicidade fazendo humor de si mesma. Para brincar e se divertir.7

    Por estar inscrita e materializada na internet, a flexibilidade de acesso visualizao dessa imagem bastante ampla, sendo que, dado seu conte-do humorstico, ela tambm aparece em outros sites que se pretendem en-graados ao disporem de contedos de divertimento. Porm, dificilmente

    apareceria, por exemplo, em uma revista impressa cuja ordem discursivase pretenderia como sria, como veremos na Figura 2 impressa na revistaVeja. Relevar as diferenas dessas ordens discursivas8 , incluindo aqui ne-cessariamente a configurao de produo e de circulao dessas distintas

    7 Disponvel em: http://www.desencannes.com.br/oquesomos. Acesso em: 15 jul. 2010.8 A respeito das diferenas cruciais de produo, circulao e materialidade dos meios de comunicao, partimosdo que expe Roger Chartier, dado o efeito de liquidez da discursividade online pelo: [...] fato de que h uma dife-

    rena radical entre a ordem do discurso lido na textualidade eletrnica e a ordem do discurso na cultura dos objetosimpressos ou dos objetos manuscritos. (CHARTIER, 2005, p. 99).

    Figura 1. E a beleza (Boticrio).Crdito: Raphael Pizzino, www.desenblogue.com.

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    mdias (internet e impresso), elementar compreenso de que a luta sim-blica dependente, inclusive, das condies de constituio e de distri-

    buio desses meios. Entretanto, justamente o fato de a Figura 1 permitirum sentido engraado sua leitura (efeito que Bonnafous define comoderriso9), enquanto a Figura 2 simboliza a seriedade e a verdade aserem tomadas como legtimas, o que nos inquieta e se apresenta a nscomo elementos importantes compreenso do atual esteretipo tpico--ideal sobre o corpo (pelo menos em grande parte da sociedade ocidental).

    Esse efeito derrisrio na Figura 1 criado, parece-nos, pela articulaodo jogo discursivo entre a imagem de um esteretipo que no est ade-quado a um padro convencionado socialmente de beleza corporal e oenunciado O Boticrio: acredite na beleza interior.. Sabe-se, por meio doconhecimento de mundo existente em torno do enunciado O Boticrio,que se trata de uma empresa de produtos destinados ao tratamento e con-servao de cuidados com o corpo, a pele, os cabelos, a maquiagem etc.No entanto, o esteretipo de corpo feminino atrelado segue na contramodo imaginrio que constitui o esteretipo legitimado de beleza feminina,

    pois o esteretipo cuidado com rotineiros tratamentos a diversos produtosde beleza no poderia se apresentar com cabelos despenteados, com pelosnas axilas, sem maquiagem e menos ainda com bigode! O efeito de risoatua justamente nessa contradio e reiterado no slogan pelo verbo acre-dite, que, a nosso ver, tambm diz, derrisoriamente, por mais feia quevoc seja, acredite, voc tem salvao com O Boticrio.

    Nesse sentido, diremos que o efeito de derriso que esconde a purainjria ou a agressividade verbal passvel, inclusive, de medidas jurdicas

    (preconceito, difamao etc.) acoberta tambm uma economia de vio-lncia simblica em que o que est em jogo no so apenas esteretiposou imagens do corpo, mas, antes e mais extensamente, significaes cul-turais que agem diretamente na prpria conduta dos agentes basta pen-sar nas frequentes idas aos sales de beleza, ao cabeleireiro, por exemplo.

    Observemos a Figura 2:

    9

    [...] associao do humor e da agresso que a caracteriza e a distingue, em princpio, da pura injria.(BONNAFOUS, 2003, p. 76).

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    Esta imagem foi extrada de uma revista publicada em setembro de2008 cuja circulao uma das maiores no Brasil. Trata-se tambm deuma propaganda sobre os produtos da empresa O Boticrio, mas o efeitode derriso que se percebe na Figura 1 ausente neste caso. Vejamos,

    portanto, o que permite essa ausncia e suas consequncias.No caso da Figura 2 permanece disposto, no canto inferior direita,o slogan Acredite na beleza de modo composicionalmente semelhante Figura 1. Porm, o que muda radicalmente a imagem do esteretipocorporal que segue em constituio com esse slogan; vemos aqui umesteretipo de beleza feminina de pele maquiada, cabelos louros pen-teados, olhos esverdeados e sem culos, sorriso com dentes alinhados esobrancelhas definidas, ou seja, uma imagtica corporal muito diferente

    em relao anterior. A questo inquietante : por que e do que se ri so-bre o esteretipo na Figura 1 e no sobre o veiculado na Figura 2?

    Outra questo, anterior e bsica a esta, nos interroga no ponto exatode: que espcie de relao pode existir entre as imagens do corpo e oscorpos em si? A Antropologia Visual do Corpo, com base nas propostasde Philippe Dubois (1998), destaca trs instncias do objeto imagem co-mo sendo o ndice (semntica rasa, condizente afirmao de existncia

    isto uma imagem do corpo), o cone (na medida em que se torna

    Figura 2. Crdito: Revista Veja, ed. 2081, n 40, p. 34, 8 set. 2008.

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    parecida /ao) e o smbolo (condio em que adquire sentido). De acor-do com Malysse (2002), a Antropologia Visual do Corpo se esfora para

    passar do ndice (uma imagem do corpo) ao cone (imagem-norma dadauma regularidade da propriedade de se parecer) para abordar o smbolo(o que pode ser visto do corpo em uma cultura), de modo a investigaras diversas iconologias do corpo tomando as imagens do corpo como re-presentaes sociais que ligam diretamente os indivduos sociedade e ondice ao smbolo. Nos termos de Malysse, isso significa que:

    As imagens do corpo no correspondem apenas viso do corpo como en-tidade isolada, pois elas so simultaneamente representaes do ser e domundo, visto que as imagens do corpo so capazes de reproduzir e sugerirsentimentos, crenas e valores, (...) por serem instveis e incontrolveis,[e] escapam s representaes convencionais do corpo e s refernciasculturais unvocas. (MALYSSE, 2002, p. 72)

    Considerando essa perspectiva antropolgica mediante ao que desenvol-

    vemos at aqui, nos parece compreensvel que, ultrapassando o sentido dapiada objetivada que propsito do site Desenblogue, o que est em ao nomeio dessa discursividade, dessa luta simblica ou, nas palavras de Bourdieu,na constatao desse trabalho de representao um processo de economiasimblica a respeito da imagem do corpo, cuja luta se d pela legitimao deesteretipos semelhantes ao exposto na Figura 2, de modo que tal legitima-o constitui uma forma de dominao sobre esteretipos que lhe insurjamcomo adversos. No entanto, possvel afirmar que, apesar do efeito derrisrio

    na Figura 1, no se trata apenas de uma condenao humorstica do este-retipo que esta simboliza, mas, sobretudo, de uma reiterao dos sentidosna Figura 2, mesmo por conta de esta estar materialmente ausente no gestode leitura da Figura 1. Ou seja, no intuito de observar diferentes elementosimagtico-simblicos a respeito do corpo, tomamos a posio de reunir estasduas imagens cuja produo e circulao de meio distinto (revista impres-sa/internet) e, por comparaes, compreend-las em suas significncias; po-

    rm, o fato de a Figura 1 aparecer e circular desvinculadamente da Figura 2

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    o no impede que ela seja, curiosamente, uma forma simblica de reiteraodas significaes culturais construdas na Figura 2, de modo que, ao mesmo

    tempo em que nega derrisoriamente um esteretipo, legitima outro.Essas imagens, consideradas pelas suas propriedades discursivas cujas

    redes se estendem da significao cultural, nos servem de meios concei-tuais para comparar e medir, em relao a elas prprias, a realidade emque ocorrem. Isso significa dizer que a Figura 2 no o tipo ideal, pararetomar Weber, de beleza corporal, de maneira que a beleza na Figura 2seja modelo para a beleza em 01, ou de que a mulher que se identifica naFigura 1 deva se transformar na mulher simbolizada na Figura 2. inten-o de relacion-las a um tipo ideal, o que podemos, no mximo, tom--las como elementos fragmentados de uma realidade emprica (a produode imagens sobre o corpo) e, pelas distines entre uma e outra, elaborarum quadro para sistematizar seus elementos afins que constituem o fun-damento da significao cultural de uma dada individualidade histrica:

    Figura 1 Figura 2

    - Cabelos despenteados. - Cabelos louros penteados.

    - Uso de culos de correo de grau. - Olhos esverdeados e sem culos.

    - Pelos nas axilas. - Pele maquiada.

    - Bigode. - Sorriso / dentes alinhados.

    - Sem sorriso. - Sobrancelhas definidas.

    - Tronco e braos robustos. - Unhas cortadas e pintadas.

    Se o tipo ideal constitui um elenco de elementos comuns entre si poruma linha lgica de pensamento, podemos afirmar que, com base nasimagens destacadas (que so a base dos fragmentos empricos de uma re-alidade), o quadro anterior rene elementos homogneos que indicam demodo fragmentado para um tipo ideal do corpo humano feminino, so-

    bretudo no que tange a questes de aparncia, objeto de olhar que este

    Quadro Elementos comuns que apontam a um tipo ideal de esteretipo corporal

    feminino.

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    corpo. Apenas indicam por que, por um lado, no possvel, como bemdestaca Weber, concluir a apreenso de uma construo do tipo ideal e,

    por outro lado, se d por fragmentos visto que seria preciso (e impossvel)reunir todo o arquivo histrico a propsito do assunto (outras imagens,enunciados, filmes, falas etc.). Destarte, pela instituio de elementoshistricos e reais materializados por uma forma simblica (a imagem), namedida em que tais elementos so essenciais nossa significao cultural,que podemos perceber como um tipo ideal a respeito do esteretipo docorpo feminino define cortes legitimadores e dominadores no seio dessasignificao, regendo, razo da prtica, a conduta de vida dos agentes.

    Outra funo simblica importante a se destacar em nossos exemplos a de que os elementos entre as Figuras 1 e 2 no so radicalmente opostoscomo se um tivesse funo de eliminar o outro. Ao contrrio, a negao doselementos de construo na Figura 1 s funciona medida que o prpriooutro da afirmao dos elementos na Figura 2 e vice-versa. O que ocorrea , como nos alerta Bourdieu, uma luta simblica de legitimao e de do-minao entre interesses diferentes, entre vises de mundo diferentes sobre

    como deve ser e no ser o corpo como prprio smbolo. Ora, se o bitipona Figura 1 fosse equivalente em termos de significao cultural ao bitipona Figura 2, ento no haveria, logicamente, luta simblica. No entanto,apesar de se complementarem paradoxalmente, o que constatamos quese trava, entre uma e outra, uma perceptvel violncia simblica em que oobjeto em questo no se reduz somente imagem ou ao esteretipo corpo-ral, decorrendo da fenmenos mltiplos a respeito da conduta de vida dosagentes, ao passo que suas aes sero mediadas/condicionadas pelas subs-

    tncias significantes resultantes de tal luta. Bastaria proceder a uma obser-vao sociolgica a respeito da funo das diversas clnicas de esttica, dossales de beleza, dos produtos de emagrecimento, das academias de exerc-cios fsicos e de toda uma rede muito extensa de significao cultural que lanada at aos produtos de alimentao nas prateleiras de supermercados(light, diet, mais fibras, menos gordura trans etc.). Fundamentalmente, issoimplica a questo de pensar que o mero corpo biolgico j no apenas um

    funcionamento coeso e evoludo de rgos, pois que, atravessado difusa e

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    o intensamente pelo poder simblico desde o nascimento, se realiza em umaconstante e instvel busca, violenta, coercitiva e simblica, daquilo que se

    luta por legtimo para se sentir dominante ou pelo menos no fora do que tornado legtimo na significao da beleza ou, no mnimo, do no feio.

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