Dona de La Rosa

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Dona de La Rosa

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DONA DE LA ROSA é uma novela cuja trama se passa em dois movimentos. O primeiro numa cidade junto ao mar, no tempo presente, onde os personagens vivem situações típicas de uma metrópole. A relação destes personagens com o mar vai se aprofundado ao longo do texto. Já o segundo movimento é antevisto em sonhos e vai tomando forma com o desenrolar da história. Ele se passa numa vila de pescadores do passado, onde o mar é o elo que aproxima os dois movimentos...

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São Paulo 2012

Cícero Franco

Dona de La Rosa

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Copyright © 2012 by Editora Baraúna SE Ltda

CapaAF. Capas

Projeto GráficoAline Benitez

Fotos de CapaCarla Gregol

Mascarão de Proa “Duchess of Albany”, Museo del Fin del Mundo, Ushuaia, Argentina

Revisão Jacqueline Lima

CIP-BRASIL. CATALOGAÇÃO-NA-FONTESINDICATO NACIONAL DOS EDITORES DE LIVROS, RJ

_______________________________________________________________F895d Franco, Cícero Dona de La Rosa / Cícero Franco. - São Paulo: Baraúna, 2012. Inclui índice ISBN 978-85-7923-481-1 1. Romance brasileiro. I. Título.

12-2266. CDD: 869.93 CDU: 821.134.3(81)-3 11.04.12 16.04.12 034598

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Impresso no BrasilPrinted in Brazil

DIREITOS CEDIDOS PARA ESTA EDIÇÃO À EDITORA BARAÚNA www.EditoraBarauna.com.br

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Ao Prof. Luiz Niuton de Albuquerque,que despertou em mim a curiosidade eo fascínio pela mais racional das artes.

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Prefácio

Acho que todos concordamos que o mundo dos sonhos é o mais misterioso dos mundos. É através dos sonhos que penetramos profunda-mente no nosso inconsciente (onde tudo arde) e é lá, no sonho, que muitas vezes nos encontra-mos frente a frente conosco mesmos, um encon-tro de transformação e susto.

Carl Jung nos advertiu sobre as possibilida-des do sonho para o entendimento de nossas in-quietações mais obscuras, e os escritores – a lite-ratura de modo geral - se utilizou do sonho para a celebração do lúdico, a busca do ser profundo e a alegria da criação.

Cícero Franco, nesta breve e arrebatadora no-vela, DONA DE LA ROSA, se une a uma tradição literária que explora o inconsciente para a alegria da criação. DONA DE LA ROSA narra com econo-mia de meios, próximo do minimalismo, a jornada de Márcio em direção ao seu inconsciente. O au-tor tem o domínio total da narrativa. Primeiro, faz

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o leitor acreditar em Márcio e em sua mulher Teca como seres humanos (quase podemos tocá-los!) nos dando conta de suas vidas em cenas ágeis, enxutas e sutilmente persuasivas. Depois, nos transporta, aos poucos, sem forçar, ao mundo do fantástico. E então chega o momento, impercep-tível, quando nos sentimos arrebatados pela nar-rativa (e se justifica o que escrevi acima) e des-pojados de defesas ingressamos, sem remissão, no mundo dos sonhos de Márcio. Ou melhor, no sonho de Márcio, esse sonho que o persegue im-placavelmente: uma mulher misteriosa, com uma rosa na mão, e desejo nos olhos. O leitor acredita no que está lendo sem duvidar um segundo. É esse o momento do milagre da literatura, tão raro de realizar quanto enorme é o número dos que tentam inutilmente.

Tributária da rica e longa tradição da narra-tiva fantástica, de Poe a Cortázar, esta novela de Cícero Franco é uma experiência inquietante de leitura (ninguém larga este livro até o final) um reconfortante encontro com um autor outsider e a certeza de que a literatura praticada longe dos grandes centros e das grandes editoras continua viva, graciosa e plena de vitalidade.

Tabajara Ruas

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Parte I

— Por falar em sonho recorrente, eu tenho um.— Conta! — todos pediram.— Mas eu nem me lembro direito como é. Só acor-

do com aquela sensação.Insistiam. As mulheres faziam bocas. Os homens

riam do meu jeito.— Todos contaram. Conta o teu, Márcio. — insistentes.— É verdade. Eu não me lembro.Os encontros da turma eram assim. Uma vez por

mês na casa de cada um. Um jantar, uma boa música, vinho e com a língua já mais solta a conversa seguia até tarde. Ou até acabar o vinho.

Qualquer tema era válido. Surgia por acaso e seguia até brotar outro assunto para continuar o papo. Desta vez, falavam de sonhos recorrentes. Ele mesmo tinha um. Só não se lembrava de quase nada ao acordar, exceto que:

— É com uma mulher.— Te cuida, Teca, — alguém falou — o Márcio não

é um marido confiável.Risos gerais.

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— Mesmo com tanto tempo de casados, a gente nunca conhece bem o marido — Teca também parecia se divertir.

Os homens. Estes já começavam a me chamar de garanhão e coisas do tipo.

— Quem é? — perguntou uma mais afoita.— É do grupo? — outra.— Não sei. Não me lembro mesmo.— Não é a Paula?Márcio gelou. Não era a Paula no sonho. Mas sabia

o que viria para frente. E o assunto passou a ser a Paula. Logo em seguida mudou de novo. Era como o vento. A conversa seguia sem compromisso. Ele percebeu porém que a Teca já não estava mais com aquele seu sorriso aber-to. E tinha gelado por isto. Era só lembrar do nome da Paula para Teca ficar daquele jeito. Continuava se com-portando como se nada tivesse ocorrido, mas o brilho de seu rosto desaparecera. Nunca soube se os outros nota-vam esta mudança, mas ele sim. E isto o fazia gelar.

A reunião prosseguiu. Márcio seguiu pouco falando, bebericando o vinho. A graça de tudo o mais ali desapa-recera. Teca aparentava normalidade.

No final da noite, foram para o carro com ele pen-sando no sonho.

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Já indo para casa buscou algum assunto, enquanto Teca se fingia concentrada em dirigir o carro:

— Poderia se chamar Clube da Serpente.— O quê, Márcio? — Teca aparentava má vontade.— A turma, ora.— E tu te acha o próprio Cortázar — o tom da voz

era ríspido.— Ah, para. O que tu tem?Silêncio durante um constrangedor par de minutos.— É a Paula!— O que é, Teca?— Tu tá sonhando com a Paula! Tá te encontrando

com ela?— Ah, logo a Paula? Eu ainda estava no colégio.— Tu tinha uma queda por ela.— Ah.— Tinha.— Que é isto agora?— Tinha. Confessa.— Tá bom, tinha, mas...— Viu? Eu sempre soube!— Mas isto já faz muito tempo. Eu nem te conhecia.— E tu com esta cara. Por que bebeu tanto?

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— Só tenho esta. Nem bebi muito não!Cinco minutos. Mais constrangedor ainda.— Teca, eu sonho com uma mulher que eu não sei

nem ao menos quem é. Talvez alguém que tenha cruzado na rua. Talvez de algum filme.

— Sei.— É. Ela usa uma roupa estranha e vem caminhan-

do em minha direção. É tudo que me lembro.— Vai na tua direção. E aí tu beija a Paula!— Que Paula, o quê!— Vai me contar agora?— É só isto.— O beijo? Quer dizer que nem em sonho tu con-

segue comer a Paula?— Mas não é a Paula.— Tu acha que eu nasci ontem?O restante do trajeto foi em total silêncio. Márcio

chegou a ligar o rádio para tentar quebrá-lo, mas Teca o desligou de imediato. Engrenou uma marcha mais curta e acelerou com vontade.

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Naquela noite dormiram um para cada lado. Márcio ainda tentou se aproximar. Tocá-la mesmo que com o pé. Assim como alguma coisa casual. Mas ante a repulsa, virou-se e procurou tratar de dormir. Causal.

O sono custou. Aquela mulher permanecia no seu pensamento. Não a Paula. E a melhor coisa para perder o sono e ficar aguardando ele chegar.

Terminou adormecendo. O vinho que tinha to-mado na reunião da turma foi uma ajuda significativa. Acordou na mesma posição. Como se tivessem passado apenas alguns minutos. Não sonhou com mulher algu-ma. Nem com nada.

Alguns dias, e Márcio acabou esquecendo o seu sonho recorrente, a arenga com a Teca e tudo voltou à rotina. Levantar-se, tomar banho. Café. Trabalho. Voltar para casa. Esperar a Teca chegar. Conversar um pouco. Ou ver algum filme na tevê. Ir dormir.

Semanas se passaram até que uma manhã acordou com aquela sensação.

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Apenas uma mulher vindo até mim em algum lugar amplo. Ela está angustiada.

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Havia novamente sonhado com a mulher. Ao acor-dar, procurou logo buscar alguma lembrança do sonho. Nada. Apenas uma angústia.

Procurou lembrar-se de algo. Mas era inútil. O so-nho que havia tanto tempo preenchera suas noites sem mais consequências começou a tomar outra dimensão. Após a conversa com a turma, começou a persegui-lo. A buscar algum significado.

Gostaria de conversar sobre isto. Contar para al-guém. Mas não queria compartilhar com Teca, pois todo aquele papo de Paula voltaria. E daí para ela atar os burros seria um momento.

Ele sempre apresentava as respostas erradas. Se bem que cada vez mais se convencia que nestes ca-sos nenhuma resposta estaria jamais correta. Pensava em tudo isto no banho. Embora de manhã cedo seu cérebro não concatenasse muito bem as ideias, o ba-nho era um bom momento para refletir. Ainda meio dormindo. Mas com o chuveiro o trazendo para o mundo da vigília.

— O que tu tem? — a pergunta da mulher já o pe-gou na mesa do café.

— Nada. Não dormi muito bem.