ENLACES E DESENLACES IDENTIFICATÓRIOS DO POLICIAL …§ão... · sobre o que é ser policial...
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UNIVERSIDADEFEDERALDOAMAZONAS
FACULDADEDEPSICOLOGIA
PROGRAMADEPÓS-GRADUAÇÃOEMPSICOLOGIA
ENLACESEDESENLACESIDENTIFICATÓRIOSDOPOLICIALMILITAREM
PROCESSODERESERVA
FLÁVIACAMPOSLUCENADIAS
MANAUS
2017
UNIVESIDADEFEDERALDOAMAZONAS
FACULDADEDEPSICOLOGIA
PROGRAMADEPÓS-GRADUAÇÃOEMPSICOLOGIA
FLÁVIACAMPOSLUCENADIAS
ENLACESEDESENLACESIDENTIFICATÓRIOSDOPOLICIALMILITAREM
PROCESSODERESERVA
Dissertação apresentada ao Programa de
Pós-graduação em Psicologia da
Universidade Federal do Amazonas, como
requisitoparcialparaaobtençãodo título
de Mestre em Psicologia, área de
concentração Processos Psicológicos e
Saúde.
OrientadoraProfa.Dra.DeniseMachadoDuranGutierrez
MANAUS
2017
FLÁVIACAMPOSLUCENADIAS
ENLACESEDESENLACESIDENTIFICATÓRIOSDOPOLICIALMILITAREMPROCESSODERESERVA
DissertaçãoapresentadaaoProgramadePós-graduação
em Psicologia da Universidade Federal do Amazonas,
comorequisitoparaaobtençãodotítulodeMestreem
Psicologia,naLinhaProcessosPsicológicoseSaúde.
Aprovadaem05dedezembrode2016.
BANCAEXAMINADORA
Dedicoestetrabalhoatodosospoliciaismilitaresque
literalmente“vestemafarda”esaemparatrabalhar
diariamentesemacertezadeseuregresso.Àquelesque
participaramdapesquisa,obrigadaporcompartilharem
umpoucodoseucotidiano,experiênciasedesafios
sobreoqueéserpolicialmilitar.Queaaposentadoria
devocêssejavividadeformaplenaesaudável!
AGRADECIMENTOS
AgradeçoprimeiramenteaDeus,porsefazerpresenteemtodasascaminhadas
deminhavidaeserfontedeforçaeiluminaçãodiária.SemaSuacompanhia,nadadisso
seriapossível.
Agradeçoaosmeuspais,grandesincentivadoresemtodososaspectosdeminha
vidaeaquemdevomuitodaquiloquemetornei.Ameupai,pelacompreensãoeapoio
emtodasashorasquebusquei.Àminhamãe,sempreacolhedoraesinônimodeforça
edeterminaçãoparamim.
Agradeço ao meu marido, companheiro de todas as horas. Seu amor e
compreensãometransformaramemeestimulamaserumapessoamelhortodosos
dias.
Agradeçoaosmeusirmãos,porentenderemaminhaausênciaaolongodesse
períodoememotivaremacrescersempre.
AgradeçoàminhasobrinhaCecília,minhaafilhada,fontedealegria,equeme
mostrasempreoladolúdicodavida.Obrigadaporcompreenderaminhafalta.
Agradeço à minha orientadora, pelo seu incentivo e por suas contribuições
primorosas. Essa caminhada ao seu lado proporcionaram várias (re)descobertas,
inclusiveamimmesma.Minhaadmiraçãoporsuapessoaeporsuaspalavras,sempre
preciosasehonestas.
Agradeço aos membros da banca examinadora, professores a quem devoto
respeitoeadmiração,equecontribuemdeformanobreaomeutrabalho.
AgradeçoainstituiçãoPolíciaMilitar,porviabilizarapesquisa.
Agradeçoaosparticipantesdapesquisa,quedispuseramdoseutempodefolga
preciosíssimoesepropuseramgentilmenteacontribuircomigosuaspercepções.
Agradeço aos amigos mestrandos Fabiane e Josafá, pela amizade e parceria
firmada ao longo de todo o curso. Suas contribuições foram fantásticas e o apoio
fundamentalparaamanutençãodasaúdementalaolongodarealizaçãodotrabalho.
Agradeço aos amigos que me incentivaram ao longo desse percurso e que
puderamcompreenderasminhasausências.
AgradeçoàamigaRenata,profissionalexemplar,comquemjuntoidealizamosa
possibilidadedediscutiraaposentadoriaemumainstituiçãopolicialmilitar.
Euvivosemsaberatéquandoaindaestouvivo
Semsaberocalibredoperigo
Eunãosei,daondevemotiro
Porquecaminhosvocêvaievolta?
aondevocênuncavai
equeesquinasvocênuncapara?
àquehorasvocênuncasai?
Háquantotempovocêsentemedo?
Quantosamigosvocêjaperdeu?
Entrincheiradovivendoemsegredo
eaindadizquenãoéproblemaseu
Eavidajánãoémaisvida
nocaosninguémécidadão
aspromessasforamesquecidas
NãoháEstado,nãohámaisnação
perdidoemnúmerosdeguerra
rezandopordiasdepaz
nãovêqueasuavidaaquiseencerra
comumanotacurtanosjornais
ParalamasdoSucesso
RESUMO
O trabalho permeia a história de vida dos sujeitos, promovendo sentidos para suas
existências. Quando há uma interrupção dessa dinâmica, é possível que o sujeito
percebaumacrise,comonaaposentadoria.Nomeiomilitar,oservidorapresentauma
intensavinculaçãoàinstituição,oquepodedificultaravivênciadaReserva.Apesquisa
teve comoobjetivo investigar os vínculos e os processos de identificaçãodopolicial
militar no momento de sua passagem para a reserva a partir da interpretação
psicanalíticadosdiscursos.Esteestudopropôs-setambéma:analisarnosdiscursosde
policiais militares o vínculo que os mesmos estabelecem com o trabalho e suas
implicações na passagem para a reserva; identificar que mecanismos de defesa os
policiaismilitaresemprocessodereservafazemusoduranteestaetapadetransição;e
problematizarospossíveisreflexosqueomomentodepassagemparaaReservatem
sobre os processos identificatórios dos sujeitos e suas implicações sobre suas
subjetividades. A pesquisa, de nível descritivo e exploratório, é de abordagem
qualitativa. Utilizou-se da técnica de entrevista semidirigida, do procedimento de
Desenhos-EstóriacomTema.Osparticipantessãopoliciaismilitares,queestãoacontar
dedois anospara aposentaria.Osdados coletadosnas entrevistas foramanalisados
segundoométododaAnálisedoDiscurso(AD),seguindo-seapropostadeSouza(2014).
Quanto ao dispositivo de interpretação, utilizou-se o referencial psicanalítico. O
ProcedimentodeDesenhos-Estórias comTema foi analisado combasenas teorias e
práticas da Psicanálise, das Técnicas Projetivas e da entrevista clínica.Os resultados
demonstraramqueossujeitospercebemareservacomoumavitória,emvirtudedos
riscoscotidianamenteenfrentadosnaprofissãoeporqueestaassinalaocumprimento
deseujuramento.Àmedidaqueassimilamistoeseaproximamdocumprimentodos
trinta anos de serviço, esses profissionais vão se desvinculando da instituição e se
abrindo para a possibilidade de exercerem outras funções, assumindo novas
identidades. Entretanto, o processo é permeadopor algunsmecanismos defensivos,
compredominância,aofinaldaetapadetransição,dacapacidadesublimatória.
Palavras-chave: Aposentadoria, Reserva, Policial Militar, Psicanálise, Análise do
Discurso.
ABSTRACT
The work permeates the life story of the subjects, promoting meanings for their
existences.Whenthereisaninterruptionofthisdynamic,itispossiblethatthesubject
realizes a crisis, as in retirement. In the militarism, the
governmentemployeeisstronglylinkedtotheinstitution,whichmaymakeitdifficult
forlivingtheretirement.Theresearchhadasobjectivetoinvestigatethelinksandthe
processesofidentificationofthemilitarypoliceofficeratthemomentoftheirpassage
to the military retirement considering the psychoanalytical interpretation of the
speeches.Thisstudyalsoaimsto:analyzeinmilitarypolicespeechesthelinkthatthey
establishwiththeworkanditsimplicationsinthepassagetotheretirement;identify
whichdefensemechanismspoliceofficerinmilitaryretirementmakeuseofduringthis
transition stage; and to problematize the possible reflections that the moment of
passagetotheretirementhasontheidentificationprocessesofthesubjectsandtheir
implicationsontheirsubjectivities.Theresearch,inadescriptiveandexploratorylevel,
isofqualitativeapproach.Thesemi-directedinterviewtechnique,theDrawings-Story
withStoryprocedurewereused.Participantsaremilitarypoliceofficers,whoaretwo
yearsawaytoretirement.Thedatacollectedintheinterviewswereanalyzedaccording
totheDiscourseAnalysis(DA)method,followedbytheproposalofSouza(2014).For
the interpretation, thepsychoanalytic frameworkwasused.TheDrawings-Storywith
StoryprocedurewasanalyzedbasedonthetheoriesandpracticesofPsychoanalysis,
ProjectiveTechniquesandclinicalinterview.Theresultsdemonstratedthatthesubjects
perceive themilitary retirement as a victory, because of the risks faced daily in the
careerandbecauseitindicatesthefulfillmentoftheiroath.Astheyassimilatethisand
approachthefulfillmentofthethirtyyearsofservice,theseprofessionalsaremoving
awayfromtheinstitutionandopeninguptothepossibilityofexercisingotherfunctions,
assumingnewidentities.Theprocessispermeatedbysomedefensemechanismswith
predominanceofthesublimationcapacityattheendofthistransitionstage.
Keywords: retirement, military retirement, military police officer, psychoanalysis,
discourseanalysis.
LISTADEQUADROS
Quadro1-Informaçõesgeraissobreossujeitos................................................... 50
Quadro2-QuadroAnalíticodaDiscursividadedaAtiva....................................... 65
Quadro3-QuadroAnalíticodaDiscursividadedaAtivaparaaReserva.............. 81
Quadro4-QuadroAnalíticodaDiscursividadedaReserva.................................. 93
LISTADEILUSTRAÇÕES
Figura01-Passoamissãoparaospróximos............................................................ 76
Figura02-Famíliaunida........................................................................................... 77
Figura03-Planosfuturos......................................................................................... 78
Figura04-Transformação........................................................................................ 79
Figura05-Brilho...................................................................................................... 79
Figura06-Nãoàsdrogasesimàsaúde................................................................... 80
Figura07-Vidasegura............................................................................................. 91
Figura08-Satisfeitoporterestadoaqui................................................................. 92
Figura09-Buscandofelicidade................................................................................ 100
Figura10-Perseverança.......................................................................................... 100
Figura11-Voltandoàsociedade.............................................................................. 101
Figura12-Retornoàfamília.................................................................................... 101
SUMÁRIO
1INTRODUÇÃO.......................................................................................................12
2MARCOTEÓRICO..................................................................................................19
2.1VÍNCULO...............................................................................................................20
2.2IDENTIFICAÇÃO.....................................................................................................27
2.3MECANISMOSDEDEFESA.....................................................................................34
3MARCOMETODOLÓGICO.....................................................................................46
3.1NATUREZADAPESQUISA......................................................................................46
3.2CONTEXTUALIZAÇÃO............................................................................................48
3.3OPERACIONALIZAÇÃO..........................................................................................49
3.4CONSIDERAÇÕESACERCADOMÉTODODAANÁLISEDEDISCURSOFRANCESA....58
3.5CUIDADOSÉTICOS................................................................................................63
4DISCUSSÃOEANÁLISEDOSRESULTADOS.............................................................64
4.1CONTEXTUALIZAÇÃO............................................................................................64
4.2DISCURSIVIDADEDAATIVA...................................................................................65
4.3DISCURSIVIDADEDAPASSAGEMDAATIVAPARAARESERVA...............................81
4.4DISCURSIVIDADEDARESERVA..............................................................................93
5CONSIDERAÇÕESFINAIS.....................................................................................103
6REFERÊNCIAS......................................................................................................107
APÊNDICE..............................................................................................................114
I–ROTEIROPARAAENTREVISTASEMIDIRIGIDA......................................................114
II–MODELODOTERMODECONSENTIMENTOLIVREEESCLARECIDO.....................115
ANEXOS.................................................................................................................116
I–ANUÊNCIAINSTITUCIONAL..................................................................................116
II–PARECERDOCEP.................................................................................................117
12
1INTRODUÇÃO
Determinadas características podem ser destacadas ao longo das etapas do
desenvolvimentohumano,sendoestasetapaspertinentesaumdadomomentodevida
dosujeito.Navidaadulta,emuitasvezesduranteavelhicetambém,deformageral,o
trabalho aparece comumente como uma particularidade. Ele desempenha papel
fundamentalnomodocomooindivíduoseinserenomundoeinteragecomeste.
Freud cita trabalhar e amar como importantes fontes de satisfação libidinal
(FREUD,1930).EmoMal-EstardaCivilização,aoabordaralternativasparafontesde
satisfaçãoefelicidadenavidaquepudessemasseguraraohomemoempregodasua
libidoegarantiadeumlugarseguronumapartedacomunidadehumana.
Comoresultadodeprocessossublimatóriosdosujeito,otrabalhoexercefator
determinante para a manutenção do equilíbrio psíquico. É o trabalho que garante
diferentesdestinospulsionaistaiscomoacriaçãoe,principalmente,ainserçãosocial
deste,pormeiodosrelacionamentoshumanosaelevinculados(FREUD,1930).
Nesse sentido, o trabalho pode se constituir como forte componente na
configuração de identidade do sujeito. Ao permear sua história de vida singular e
coletiva, elepromove sentidospara suaexistência.Damesma forma,oprocessode
subjetivaçãohumanaestáimersonarelaçãoqueohomemmantémcomseutrabalho.
Essepapelestruturantequeotrabalhodesempenhaseaprofundamaisàmedidaqueo
trabalhotemsuafunçãocadavezmaisvalorizadasocialmente(SANTOS,1990).
Quandoháuma interrupçãonodirecionamentodesse investimento,osujeito
vê-sediantedeumacrise,comopodeserocasodaaposentadoria.Aoserexcluídodo
espaçodeproduçãoededesempenhodesuascapacidadeslaborativas,osujeitofica
situado à margem do imaginário de homem ativo, ou seja, do modelo de sujeito
produtivo,quecaracterizaoidealvalorizadopelasociedadenaqualvivemos(SANTOS,
1990).
Atransformaçãomodernadosignificadodapalavratrabalho,representandoa
mais valorizada das atividades humanas, aponta para o ato de trabalhar enquanto
positividade. Essa construção histórica pode conferir registros dicotômicos na
representação coletiva entre trabalho e não trabalho. Representando a ausência de
13
trabalho, a aposentadoria remete-se também à ideia de separação entre o espaço
domésticoeoespaçodotrabalho, reforçando,assim,odesvalorque lheéatribuído
(CARLOS,JACQUES,LARRATÉAeHEREDIA,1999).
Aliadoaessecenário,adependerdaformacomoosujeitodesempenhouoseu
papel profissional, a sua percepção acerca da chegada da aposentadoria pode ser
consideravelmente diferente. Nessa perspectiva, a maneira como se identificou no
interjogo entre aquilo o que ele é e aquilo o que faz terá papel determinante nas
consequênciasvivenciadasnoprocessodetransiçãoparaaaposentadoria.
A temática da aposentadoria vem sendo amplamente discutida na literatura
científica.Épossívelperceberumaumentononúmerodeestudos(nasmaisdiversas
abordagens) focados na compreensão do funcionamento da vida psíquica dos
trabalhadores inseridos nas organizações, denotando assim a complexidade de
circunstânciasenvolvidasnesseprocesso (CARLOSetal,1999;LEÃO&GIGLIO,2002;
SELIG & VALORE, 2010; KEGLER, 2011; SCHMIDT & MAGNABOSCO-MARTINS, 2011;
CAPUTO,2013;CRUZ,2013;KEGLER&MACEDO,2015;MARTINS&RECH,2016).
Esseincrementonaspesquisaspareceestarestreitamenteligadoaocrescimento
daexpectativadevidadapopulaçãode idosos,problematizações referentesanovas
formasdeorganizaçãosocialeoconsequenteaumentononúmerodeaposentadorias
(CARLOSetal,1999;SELIG&VALORE,2010;LEÃO&GIGLIO,2002).
Some-seaissoacrescentepreocupaçãodasinstituiçõescomodesenvolvimento
de programas de preparação para a aposentadoria. Esses trabalhos têm movido
esforçosno sentidode facilitaromomentode transiçãodoprofissional, negociando
para a manutenção de seu equilíbrio biopsicossocial mesmo após o desligamento
institucional.
Algumas pesquisas brasileiras que abordam a questão da aposentadoria têm
retratadoessemomentocomoumsímboloderupturacomotrabalhoecomoidealde
homemprodutivo,característicodassociedadesatuais.Essamudançadoritmodevida,
segundoosestudos,podegerarumaexperiênciatraumáticaoumesmopreditorade
crise,adependerdecisivamentedosentidoedaimportânciaqueotrabalhoocupana
construçãoda imagemqueosujeito temdelepróprio (SANTOS,1990;FELIPPEetal,
1999;BERTONCINI,2002;SIQUEIRA,2007;SCHMIDT&MAGNABOSCO-MARTINS,2011;
SELIG&VALORE,2010;LEÃO&GIGLIO,2002;CRUZ,2013;KEGLER&MACEDO,2015).
14
Dialogandocomautoresquetrabalhamessatemática,aoabordaremimagens
concernentesàaposentadorianodiscursodepré-aposentados,SeligeValore (2010)
retratam-nacomosendofrequentementesentidacomoaperdadoprópriosignificado
davida,gerandoprejuízosquantoaosreferenciaisnaorganizaçãopessoal.Vê-se,assim,
comoapossibilidadedeseaposentaracenaparaumcenáriodeperdassignificativas,
emespecialdeumpapelouimagemqueporumlongoperíododetempointegrou-seà
definiçãodosujeito,fazendopartedesuaimagem(LIMA,2013).
Osensocomumfrequentementerelacionaaaposentadoriaàvelhice,aoócioe
àinutilidade.Essacompreensãopodecorroborarparaumaintensificaçãonossujeitos
pré-aposentadosdeumsentimentodemedoederejeiçãoparacomoafastamentoda
vidalaboral.Segundoosestudiososdessatemática,dopontodevistahistórico,sempre
houveumarelaçãoentreaaposentadoria,otrabalhoeavelhice,sendoocritérioda
idademuitas vezes utilizado como determinante para definição desta etapa da vida
(LEÃO&GIGLIO,2002;SCHMIDT&MAGNABOSCO-MARTINS,2011;KEGLER&MACEDO,
2015;MARTINS&RECH,2016).
Para Lima, Viana e Lima (2015), a aposentadoria e, muitas vezes, a própria
condiçãodeservelhoprivamosujeitodeatividadesquelheproporcionavamprazere
vínculossociais.Socialmentesãocomunssituaçõesdiscriminatóriasemqueseobserva
que o envelhecimento torna os sujeitos – inclusive os próprios trabalhadores –
obsoletos,encarando-oscomobiológicoeintelectualmenteincapazesdeacompanhar
asmudançasnomundodotrabalho(SCHMIDT&MAGNABOSCO-MARTINS,2011).
Com base na produção bibliográfica a respeito da aposentadoria, é possível
constataroimpactodorompimentocomopapelprofissionalnasmaisdiversasclasses
trabalhistas.Aindaquesereconheçaoimpactodofatorfinanceiro(naformadobaixo
valor pecuniário das aposentadorias), parecem ser os fatores de ordem subjetiva os
principaisresponsáveispelamanutençãodovínculodotrabalhadorcomainstituição.
SegundoCarlos,Jacques,LarratéaeHeredia(1999),odesejodereconhecimento
edecontinuarsesentindoútilsãoasprincipaisjustificativas.Paraosautores,oespaço
detrabalhoeascategoriasprofissionais,emgeralassociadosaprestígiooudesprestígio
social,podemproporcionaratributosdequalificaçãooudesqualificaçãodoeu.Issotrará
implicaçõesparaacargaafetivaqueovínculoproporcionaaosentimentodepertença
dotrabalhadorjuntoàinstituiçãoemquetrabalha.
15
Em se tratando da realidade militar, Kegler (2011) retrata esse cenário ao
constatar um alto índice de complicações sociais de militares que passaram para a
reserva,inclusivecomaumentodeocorrênciadequeixasmédicase/oupsicológicas.O
queseobservaéquenarealidadedaatividademilitaressatemáticaseapresentade
formabastanteespecífica,dadoocaráterdarelaçãodoservidorcomsuaatividadee
paracomainstituição.
Aautoraressaltaque,devidoàtipicidadedoserviço,otrabalhadorapresentará
umaintensavinculaçãocomainstituição.Isso,porsuavez,dificultaráasaídadomilitar
doserviçoativoemdireçãoàvidanareserva.Aquiaaposentadorianãoseencontra
atrelada ao envelhecer ou a perdas financeiras, mas sim ao tempo de serviço,
diferenciando-sedeoutrasatividadeslaborais(KEGLER,2011).
Emvirtudedisso,aformacomoesseprocessoéconduzidopelosmilitaresmuitas
vezesindicaapresençademotivaçõescircunscritasparaalémdaracionalidade.Emum
dospoucosestudosvoltadosparaasespecificidadesdo trabalhoedaaposentadoria
militar, Kegler eMacedo (2015) identificaram a utilização demecanismos psíquicos
pelos profissionais, com a finalidade de afastar de si mesmo a percepção da
aposentadoriacomoumavivênciadecrise.
Arelaçãodomilitarcomotrabalhoépermeadaporumaatividadecontinuadae
inteiramentedevotadaassuasfinalidades.EmsetratandodainstituiçãoPolíciaMilitar
doAmazonas – PMAM, esse compromisso é seladonomomentoda entradapara o
serviço,prestadopormeiodejuramentoemsolenidadeoficial.SegundooEstatutoda
instituição,opolicialmilitardeveapresentaramorasuaprofissão,espíritodecorpo,fé
naelevadamissãoeumnecessáriosentimentodeserviràcomunidade,traduzidopela
vontade inabalávelde cumpriro seudever,mesmoquecomo riscodaprópria vida
(AMAZONAS,1975).
Calcado nos pilares da hierarquia e da disciplina, o regime militar difunde
determinados comportamentos e filosofias para esses trabalhadores. Eles devem
exercer suas funções de forma ininterrupta, respeitando e seguindo os preceitos
institucionaismesmoquenosmomentosdefolga.Adedicaçãoeafidelidadeperpassam
aquioespaçoprivado,migrandoparasuasvidaspessoaisdeformabastanteintensa.
Nessa perspectiva, dado o regime de dedicação exclusiva requerido pelo
trabalho,ospoliciaismilitares,muitasvezes,distanciam-sedeoutrosgrupossociais.É
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frequenteoafastamentoatémesmodomeiofamiliar,emfunçãodoseguimentodesua
profissão.
NaPMAM,aocompletartrintaanosdeefetivoexercício,independentementede
suafaixaetária,omilitarécompulsoriamenteaposentadoou,comoconhecidonomeio
militar,étransferidoparaareservaremunerada(vulgarmenteintituladadeinatividade).
Aindaquemuitasvezesnoseuplenovigorfísico,jovem(geralmentecomidadesentre
48 e 55 anos), e realizando de forma exemplar suas funções laborais, o servidor é
compelidoasedesligardainstituição.
Constata-se,nessecaso,que inevitavelmenteentrarãoemcenaaquiaspectos
concernentesaopercursoidentificatóriotraçadopelosujeito.Teráigualmentedeser
repensadooseuprocessodevinculaçãoparacomainstituição,demandandodosujeito
amobilizaçãodeimportantesdinâmicaspsíquicas.
Nesse contexto institucional, observou-se o surgimento de uma demanda
organizacional para realizar trabalhos específicos referentes ao público que se
encontravaprestesaseaposentarnosanosseguintes,naPMAM.Comopsicólogado
quadrodeOficiaisdeSaúdedainstituição,apesquisadoraemquestãointegraaequipe
responsávelpelotrabalhointituladoProgramadePreparaçãoparaaReserva–PPR.O
Programa consiste em um conjunto de ações para facilitar a passagem para a
aposentadoria dos policiais militares. A partir dessa atividade, pôde-se perceber a
recorrênciadequeixas,preocupaçõeseconflitososmaisdiversosdessepúblicofrente
aessaetapadesuasvidas.
A própria participação dos policiais militares no programa desde o princípio
mostrou-secomoimportanteindicativoderesistênciaàaposentadoria.Omáximode
participantesqueoprogramajáconseguiualcançaratingiuapenas20%dopúblico-alvo.
Some-sea issoamínimapresençadeoficiaisduranteosmódulos,mostrandoquea
maior parte dos presentes se constitui de praças, sendo eles devidamente
encaminhados(viamemorando)desuasunidades.Alémdisso,háumamovimentação
institucionalquebatalhaparaaextensãodoperíododeefetivoexercíciode30para35
anosdetrabalho,outroclaroexemplodelutaparasemanterdealgumaformaligadoà
instituição.
Apartirdessarealidade,vislumbrou-seapossibilidadederealizarumestudoque
buscasseumamelhorcompreensãodesseproblema.Asreflexõesproporcionadaspela
17
pesquisa, além de seu interesse mais propriamente acadêmico, também poderiam
fornecersubsídiostécnico-científicosparaorientarfuturasdiretrizesparaoPPRedar
contribuiçõesàprópriapolíticainstitucionalnessaárea.
Dadoqueumainstituiçãomilitarécaracterizadapelaausteridade,cunhadapor
normaseregulamentosrígidos,háumaescassezdepesquisasnomeio,emespecialno
que diz respeito à área psicológica. Localizou-se apenas um estudo científico que
apresentou uma análise sobre determinados processos psíquicos relacionados ao
momentodepassagemparaareservaemumainstituiçãopolicialmilitarestadual.Ao
investigarpeculiaridadesinerentesaotrabalhoeàpassagemparaareservanoâmbito
militar,apesquisarealizadaporKegler(2011)aprofundouacercadopapeledotrabalho
na dinâmica e na economia psíquicas, considerando sua função narcísica para o
psiquismohumano.
Essacarênciadeproduçõesapontaaexistênciadeumalacunasignificativabem
comodemonstraa frutíferapossibilidadedeestudos concernentesàspeculiaridades
queenvolvemoprocessodeaposentadorianomeiomilitar.Esseprocessoémarcado
porumaconcepçãobastanteparticulardetrabalhoedanecessáriavinculaçãoqueo
servidordeveestabelecercomainstituiçãoafimdedesempenharsuafunção.
Em face dessas considerações, tem-se como fundamental neste estudo o
propósitodeinvestigarosvínculoseosprocessosdeidentificaçãodopolicialmilitarno
momentodesuapassagemparaareserva.Nessesentido,apesquisanorteia-sepela
seguintequestão: que repercussõespsíquicas oprocessode reserva acarretapara a
constituição subjetiva dos policiais militares, em especial aos seus processos
identificatóriosedevinculação?
Por meio da Análise do Discurso (AD), fazendo uso dos aportes teóricos da
Psicanálise,pretende-secompreenderasvivênciasdossujeitoseossentidosqueeles
atribuemparaesteimportantemomentodesuasvidas.
A partir do questionamento apresentado, busca-se também: analisar nos
discursosdepoliciaismilitaresovínculoqueosmesmosestabelecemcomotrabalhoe
suas implicaçõesdurante suas vivências napassagempara a reserva; identificar que
mecanismosdedefesaospoliciaismilitaresemprocessodereservafazemusodurante
essa etapa de transição; e, problematizar os possíveis reflexos que o momento de
18
passagemparaaReserva têmsobreosprocessos identificatóriosdos sujeitose suas
implicaçõessobresuassubjetividades.
A eleição da teoria psicanalítica se dá em função de que esse referencial
apresenta capacidade bastante robusta no que se refere à compreensão das
manifestaçõesdavidapsíquicadosujeito.Assimsendo,elaéricaaofornecersuporte
pararefletirsobreotrabalhopsíquicoqueopolicialmilitardispendenestemomento,
sendocompetenteparaconjecturaracercadosfenômenosdeidentificação,vínculoe
da subjetividade, propostas deste trabalho. A noção de vínculo, como forma de
enlaçamento afetivo que une as pessoas, inclui uma matriz vincular inconsciente
(CORREA,2002).
Ao trabalharcoma representação,aPsicanálise investigaos sujeitosemsuas
singularidades,atentandoparaosdetalhes,paraquestõesinconscientesedispondode
recursosteóricosetécnicosparapropor leiturasdohomememsua interaçãocomo
meio.
Freud(1930)teceuimportantescontribuiçõesaolongodesuaobraaosereferir
ao trabalhocomo importantecaminho frenteà tarefadeevitaro sofrimento.Sendo
assim, compreender a dinâmica do homem com o seu trabalho e o impacto que o
afastamentodoserviçopodeacarretarparaeleàluzdaPsicanálisepodetrazerreflexões
importanteseauxiliarnomanejodoprocessodepreparaçãoparaareserva.
Nessaperspectiva,aconstruçãodopresentetrabalhosepautoupelaabordagem
dos principais conceitos teórico-metodológicos que nortearam a compreensão do
objeto de estudo. Assim sendo, no primeiro capítulo são apresentados os conceitos
essenciaisparaoentendimentodosaspectospsíquicosdopolicialmilitaremprocesso
dereserva,taiscomo:vínculo,identificaçãoemecanismosdedefesa.
Em seguida, no segundo capítulo, é esmiuçado o percurso metodológico da
pesquisa. Expõe-se a natureza do estudo, o cenário de pesquisa e dos sujeitos,
detalhamentodoprocessodeoperacionalizaçãoe,porfim,abordagemdoreferencial
teórico-analítico dos procedimentos utilizados para tratamento e interpretação dos
dadoscoletados.
Noterceirocapítulo,sãoapresentadasasdiscussõeseanálisesdosresultados.
Essa seção comporta aquilo que foi possível compreender sobre o percurso
identificatório do policial militar em processo de reserva, suas vinculações e os
19
mecanismos de defesa de que se utilizaram nesse momento; todos em função do
discurso produzido pelo mesmo, seja por meio da fala, seja pelas suas produções
representativas.
Nas considerações finais, além de uma breve síntese acerca das conclusões
possibilitadasporesteestudo,assinala-seaimportânciadeampliarosespaçosparaa
fala do profissional. Conclui-se que ele se depara com adversidades não apenas no
momentodeaposentadoria,mas,sobretudoaolongodesuacarreira.Nessesentido,
apesardoevidenteimpactoqueoprocessodereservapodeacarretarparaopolicial
militar,apossibilidadedepoderseaposentardeformaplenaratificaocumprimentode
suamissãoeglorificaavida.
O trabalho de pesquisa empsicanálise parte do singular, busca apreender as
determinaçõesdessasingularidade,valorizandoa falaeaescuta.Aopermitirqueos
sujeitosparticipantesdapesquisadessemvazãoaumagamadesignificadosemocionais
possíveis, os quais se organizam segundo o fio condutor do desejo, a pesquisa em
psicanálise ilumina omomento sublime da emergência do sujeito e do seumundo,
ratificandoaimportânciadadaaoinconsciente(SILVA,1993).
No capítulo seguinte, abordaremos omarco teórico sob o qual se constrói o
trabalho.
2MARCOTEÓRICO
Todo trabalho de pesquisa necessita da teoria para definir os caminhos de
análise do objeto. Os aportes teóricos considerados como fundamentais para o
desenvolvimento deste trabalho foram os estudos a respeito dos processos de
vinculação,ateoriadaidentificaçãoeacompreensãodosurgimento–bemcomoda
funcionalidade–dosmecanismosdedefesa,todosinseridosnoarcabouçopsicanalítico.
Asdiscussõesqueenvolvemaabordagemdovínculoincluemdiversosautores
da Psicanálise. Dentre eles, destacam-se Pichon-Rivière (1988), Bowlby (1988; 1990;
1997),Bion(1973)eKaës(1990;2002;2014).Noqueserefereàteoriadaidentificação,
originada na obra freudiana, esta adquire uma nova dimensão a partir da leitura
lacaniana, sendoambasas concepçõesabordadasneste contexto,masnão somente
20
elas.E,porfim,osmecanismosdedefesa,porsuavez,serãoanalisadosconformeforam
aparecendo na proposta freudiana, abrangendo, inclusive, complementações
posterioresdeAnnaFreud(2006[1946])edeMelanieKlein(1935;1936;1940;1946;
1958).
2.1VÍNCULO
Comorigemnolatim,ovocábuloVínculoremeteatudooqueliga,ataouaperta.
Essa noção é importante para definir o espaço psíquico intrassubjetivo, referido ao
mundo internodecadasujeito,espaçodecirculaçãodesuas fantasias,bemcomoo
espaço intersubjetivo – de enlaçamento – que une as pessoas dentro de uma
continuidadetemporal(CORREA,2002).
SegundoZimerman (2010), aexpressãoprovémdamesma raizqueapalavra
vinco,referindo-setambémaomesmosignificado,aludindoaalgumaformadeligação
entreaspartesqueestãounidaseinseparáveis,emboraelaspermaneçamclaramente
delimitadasentresi.Oautorpontuaquevínculopodeserentendidocomoumestado
mental,quepodeserexpressopormeiodedistintosmodelosecomvariadosvértices
deabordagem.
Nateoriapsicanalíticaémuitocomumutilizaranoçãoderelaçõesdeobjeto.
Contudo,anoçãodevínculoévistacomomaisconcreta.Relaçãodeobjetoéaestrutura
interna do vínculo (PICHON-RIVIÈRE, 1988). Nas palavras do autor, vínculo é algo
diferente,queincluiaconduta.Pode-sedefinirvínculocomoumarelaçãoparticularcom
oobjeto.
Foi por meio do desenvolvimento de uma teoria que propõe o interjogo
estabelecidoentresujeitoeseusobjetosinternoseexternosqueesteautorimprimiu
uma predominante relação de interação dialética, concebendo o vínculo como uma
estruturadinâmicaemcontínuomovimento.
Correa(2002)sinalizaqueépossívelencontraremFreudreferênciasaovínculo
produzidoeinstituídopeloquehojeconhecemoscomoinstituições.Dizaautoraque“o
quelheinteressaé,alémdetudo,aconsciênciapsíquica inconscientedovínculonas
diversasformas,sejamounãoestasinstituídas”.Amesmaautoracontinuadiscorrendo
quenovínculoinstituídoestápresenteodesejodossujeitosdeinscreverovínculonum
21
dadotemporaleasvariadasformassociaisqueosustentam.Aexemplodeumadas
formassociaisquefuncionamcomosustentáculodovínculo,Correa(2002)dispõe:
(...) comomodelo de todo grupo na sua dimensão fantasmática, a família
atravessaosdiversosterritóriosinstitucionaissendoporvezesnecessárioa
explicação e discriminação dos diferentes espaços psíquicos intra e
intersubjetivoscomprometidosnotrabalhopsíquicosolicitadopelapertença
institucional(p.8).
Valeesclarecerqueessasalianças, segundoCorrea (2002), sãopermeadasde
investimentoslibidinaisemútuaproteçãoemtornodosinteressescomunsderivados
da instituiçãodovínculo–vínculoessequeseráorganizadoedefendidoapartirdos
objetivoscomunsedasaliançasconscienteseinconscientes.
JáOliveira(2000)seutilizadeBowlby(1988)paraexporquehánaconstituição
dovínculoaatuaçãodeumapulsãoprimáriadiferentedalibidooudoscomportamentos
dealimentação:apulsãodevinculação.Comoavançardeseusestudosacercadotema,
ele chegou à concepção de comportamento de vinculação para descrever toda e
qualqueraçãodeum indivíduocomoobjetivodemanterproximidadedeumoutro
percebidocomomaisaptoaconduzirsituaçõesdemodogeral.
Contudo,emWinnicott(1965)têm-seestudosquedãoaoscomportamentosde
vinculação um plano secundário à relação propriamente dita, em se tratando de
processodedesenvolvimento.OqueKlein (in J.R.Petot, 1982,p.143) corroboraao
afirmarqueexisteumacomunicaçãodobebêcomamãequeécorporaleanteriorao
comportamentodirecionadoàalimentação,equesetraduznumaexpressãoprecoce
dacapacidadedeserelacionarevincular(OLIVEIRA,2000).
A estrutura dinâmica configurada no vínculo funcionará condicionada por
motivaçõespsicológicas.Daíresultaumadeterminadaconduta,quetenderáaserepetir
tantonarelação internacomonarelaçãoexternacomoobjeto.Ressalte-sequeéo
vínculointernoquecondicionamuitosdosaspectosexternosevisíveisdacondutado
sujeito.
Mas cabe esclarecer que o vínculo dispõe de dois campos psicológicos: um
internoeumexterno.Esseduplocampopossibilitaaosujeitoestabelecerumarelação
com um objeto interno e também com um objeto externo. Do ponto de vista
psicossocial,oquemaisimportaéovínculoexterno;dopontodevistadapsicanálise,
22
aquiloquemais interessaéovínculo interno,a formaparticularqueoeutemdese
relacionarcomaimagemdeumobjetocolocadodentrodosujeito(PICHON-RIVIÈRE,
1988).
Ao perspectivar desta forma os processos de vinculação, deu-se um salto
qualitativo,deuma teoriapredominantemente intrapsíquicaparao social,
considerandoosujeitocomoumresultadodinâmico,nãodameraaçãodos
instintos e dos objetos interiorizados, mas sim do interjogo estabelecido
entreoprópriosujeitoeosobjetosinternoseexternos,numapredominante
relação de interação dialética, que se expressa através de certos
comportamentos(OLIVEIRA,2000,p.164).
Orientadotambémporumcontextosocial,masclaramenteseguindoumviés
evolutivo, o psicanalista Bowlby foi um importante estudioso desta temática. Ele
denominouoriginalmentesuateoriadeattachment,“TeoriadoApego”,nasuatradução
paraoportuguês(BOWLBY,1990).Apósumaextensarevisãodaliteraturapsicanalítica
à época, o autor incluiu uma revisão crítica das principais teorias que versavam a
respeitodanaturezaedaorigemdovínculoinfantil,emespecialàchamadaTeoriado
ImpulsoSecundário.
AabordagemdeBowlby,pormeiodeestudoscomparativosentreohomeme
diversasoutrasespéciesanimais,propõequeovínculodeumacriançacomsuamãeé
umprodutodaatividadedecertonúmerodesistemascomportamentaisquetêmamãe
comoresultadoprevisível(BOWLBY,1990).
Ocomportamentodeapegorefere-seaqualquerformadecomportamentoque
umacriançacomumenteadotaparaconseguire/oumanterumaproximidadedesejada
(BOWLBY, 1990). Dizer que uma criança é apegada ou tem um apego por alguém
significaafirmarqueamesmaestáfortementedispostaabuscarproximidadeecontato
com uma figura em específico, principalmente nas situações em que ela estiver
assustada,cansadaoudoente.
Duranteafasedaadolescência,oapegodeumacriançaaseuspaissofreuma
mudança.Tantooutrosadultospodemassumirumaimportânciaigualoumaiordoque
a dos pais, bem como a atração sexual por companheiros da mesma idade e sexo
começaaampliaroquadro.Consequentemente,avariaçãoindividual,jágrande,torna-
seaindamaior.Paraamaioriadosindivíduos,ovínculocomospaisprosseguenavida
adultaeafetaocomportamentodeinúmerasmaneiras(BOWLBY,1990).
23
Certaproporçãodocomportamentodeapegoécomumentedirigidanãosópara
pessoasforadafamília,mastambémparaoutrosgruposeinstituiçõesalémdafamília,
emespecialduranteaadolescênciaeavidaadulta.
Sabe-sequeocomportamentodeapegonavidaadultaéumacontinuaçãodireta
docomportamentonainfância. Istoédemonstradopelascircunstânciasquelevamo
comportamentodeapegodeumadultoasermaisfacilmenteapresentado.
EmFormaçãoeRompimentodosLaçosAfetivos,Bowlby(1997)chamadeteoria
daligaçãoessatendênciadossereshumanosaestabelecervínculoscomoutros.Oautor
sugerequeosdefensoresdessa teoriaentendemquemuitosdistúrbiospsiquiátricos
derivamdedesviosnodesenvolvimentodocomportamentodeligaçãoouaumafalha
emseudesenvolvimento,semdeixarderessaltarqueamesmateoriatemachaveda
origemedotratamentodessasafecções.
Nomesmotrabalho,Bowlby(1997)retomaaquestãodareproduçãodopadrão
devinculaçãonafaseadultapelosmodelosaprendidosnainfância.Elesustentaqueo
comportamentodeligação,emborasejamaisevidentenainfância,aconteceportodaa
vidadossereshumanos–atéamorte.Eresumeessepontoaoesclarecerqueocerne
desuateseéqueéinquestionávelarelaçãodecausaentreasvivênciasdeumindivíduo
com seus pais e a capacidade que ele apresentará posteriormente para se vincular
afetivamente.Dizquetalcapacidadetendeaserdescortinadapormeiodeproblemas
conjugaisedificuldadescomosfilhos,bemcomoporsintomasneuróticosedistúrbios
depersonalidade.
SegundoZimerman (2010), foiBion,psicanalistabritânico, quemaprofundou,
sistematizouedivulgouasmúltiplasfacetasdosvínculosedasrespectivasconfigurações
vinculares.Paraesseautor,vínculossãoelosdeligação–emocionalerelacional–que
unemduasoumaispessoas,ouduasoumaispartesdentrodeumamesmapessoa.O
conceito de vínculo foi estendido por ele a qualquer função ou órgão que, desde a
condiçãodebebê,estejaencarregadodevincularobjetos,sentimentoseideias,unsaos
outros.
ParaBionhátrêsvínculosfundamentais,doAmor,doÓdioedoConhecimento.
Paracadaumdestesoautordesignouumaletra(respectivamente,L,H,K),sinalizando-
ostantodeformapositivaquantodeformanegativa,adependerdaconfiguraçãodo
vínculoedasemoçõesabarcadasnele(ZIMERMAN,1995).
24
Oautordeuumgrandesaltoqualitativoaopropor,emlugardoclássicoconflito
entreamoreódio,umaênfasenoconflitoentreasemoçõeseasantiemoçõespresentes
emummesmovínculo.Estasúltimasrepresentamascategoriasnegativasdosvínculos
efetivos, diferenciando, por exemplo, “menos amor” (-L) de ódio. Sua contribuição
trouxe grande ampliação e enriquecimento da compreensão das inter-relações
humanasemgeraledasituaçãopsicanalíticaemparticular(ZIMERMAN,2010).
A partir de sua definição, o autor ressalta a importância de três aspectos
subjacentesasuaconcepção:aexistênciaderelaçõesderecíprocasinfluênciasentreas
pessoas,asquaishabitamtantoomundointeriorquantoomundoexteriordosujeito;
anecessáriapresençadealgumtipodeemoçãonoselosdeligaçãoentreduasoumais
pessoas,dentroouforadosujeito;eofatodecomohabitualmenteovínculodesignaas
relaçõeshumanasexteriores(ZIMERMAN,2010).
Além das supracitadas, a conceituação de vínculo para esse autor
necessariamenterequerasseguintescaracterísticas:
(...)3.Elessãoimanentes(istoé,sãoinatos,existemsemprecomoessenciais
emumdadoindivíduoesãoinseparáveisdele);
4. Comportam-se como estrutura (vários elementos, em combinações
variáveis);
5.Sãopolissêmicos(permitemváriossignificados);
6.Comumenteatingemasdimensõesinter-,intra-etranspessoal;
7. Um vínculo estável exige a condição de o sujeito poder pensar as
experiênciasemocionais,naausênciadooutro;
8.Osvínculossãopotencialmentetransformáveis;
9.Devemsercompreendidosatravésdomodelodainter-relaçãoContinente-Conteúdo(p.28).
Bion(apudZIMERMAN,s/d)tambémutilizaaexpressãoconfiguraçõesvinculares
paradesignarofatodequecadapessoacontraicomumaoutra,oucomváriasoutras
pessoas, uma configuração típica de inter-relacionamento, com a participação dos
quatro tipos de vínculos com os seus respectivos derivados, provindos de todos os
participantesnorelacionamento(ZIMERMAN,2010).
Também tratando dos derivados dos vínculos, Correa (2002) cita que uma
“aliança como formação psíquica intersubjetiva é construída pelos integrantes do
vínculo(...).Essaaliançapossibilitaumatrocaafetivaeemocionalintensaecomplexa
quesustentadiversasperspectivasdodesejo”(p.80).
25
ParaPichon-Rivière,épormeiodovínculoquetodaapersonalidadedosujeito
secomunica.Tudodependedocontextosocialemqueessevínculoestáseconfigurando
eenriquecendo.Assimsendo,osconceitosdepapelevínculosãodoisaspectosquese
misturammuito. Issoquerdizerquenasituaçãodovínculosemprese incluiopapel
(PICHON-RIVIÈRE,1988).
Umavezquefoiabordadaaquestãodocontextosocial,convémapontarque
Oliveira (2000) salienta que há nos vínculos de integração social que os sujeitos
estabelecem uma conotação social da identidade que se constitui por meio dos
mecanismosdeidentificaçãoprojetivae introjetiva.Aessarealidadeéatribuídauma
interdependência dos sistemas vinculativos com as características da experiência
relacionaladultadapersonalidadeequeéfundamentalnacompreensãodacapacidade
relacionaletransformativa.
E como se dariam os mecanismos de identificação projetiva e introjetiva?
Oliveira(2000)citaHinshelwood(1991)paraexporque:
(...) os indivíduospodemcolocaros seus conflitos internosempessoasdo
mundo externo, podem inconscientemente seguir o curso do conflito, por
meiodaidentificaçãoprojetivaepodemreinternalizarocursoeoresultado
doconflitoexternamentepercebidopormeiode identificações introjetivas
(p.168).
Cabe,ainda,abordaraquestãodasmudançasnasrelaçõesemétodossociais.
Sãoelasqueimpõemaosmembrosdeumainstituiçãoareestruturaçãodasrelaçõesno
campo das fantasias. Isso porque mudanças em uma instituição colocam para o
indivíduoanecessidadedeproduziremalteraçõesnosseuspadrõesdefensivoscontra
ansiedades.
Kaës(2014)apontaparadoisgrandestiposdeoperaçõesdedefesaconstitutivas
doinconscientequeatuamdiretamentesobreasaliançasinconscientes.Oprimeirotipo
inclui as defesas por meio do recalcamento e o segundo inclui as defesas fora do
recalcamento – a negação (ou desaprovação) e a rejeição (ou forclusão). O autor
caracteriza a necessidade do recalque como condição da aliança. De igual modo, a
negação e a rejeição são constitutivas dos conteúdos inconscientes. O recalque, a
negaçãoouaforclusãosãoexigidasdecadasujeitoparaservirseusprópriosinteresses
eosdeconjuntosdepessoasaoqualelesestiveremvinculados.
26
Para esse mesmo autor, falar de vínculo é tratar de alianças. Os indivíduos
vinculam-se uns aos outros pormeio de alianças, algumas secretas e em parte até
inconscientes.Aaliançapassaaserentendidaaqui,comefeito,comoumaexperiência
fundamental para a vida humana, uma instituição necessária para sua manutenção
(KAES,2014).
Conformeexposto,Kaës(2014)refere-seàexistênciadealiançasinconscientes.
Para ele, trata-se de fenômeno que se inscreve em dois espaços psíquicos, o do
inconscientedosujeitoeodoinconscientenarelaçãocomumoutrooucommaisde
umoutro.Defineoautorquealiançasinconscientessão:
os fenômenos psíquicos comuns e compartilhados que se confundem na
conjunçãoe relações inconscientesqueenvolvem sujeitosdeuma relação
entreelesecomumgrupoaoqualelesestãovinculadosenquantotomam
parteeenquantosãopartesconstituintes(p.43).
Os objetivos dessas alianças seriam assegurar os investimentos vitais para a
manutençãodarelaçãoedaexistênciadecadaumdeseusmembros.Issoexigirá,por
suavez,umareciprocidadeeumacomunidadedeinvestimentosnarcísicoseobjetais.
Assim,ésobreessasaliançasquesãoconfeccionadasasrealidadespsíquicasnarelação
porumlado,earealidadepsíquicainconscientedossujeitoserelação(KAES,2014).
Paraquetenhaeficácia,dizoautor,aaliançadeveserreconhecidaegarantida
porinstituiçõessociais,religiosas,políticasejurídicas.Nessesentido,entende-seque
umavezassumidaasuafinalidade,aaliançaécriadoradeumacordoedeumconsenso
–conscienteouinconsciente.Dessaforma,elanãoapenasune,mantendorelaçõese
evitando conflitos, como também exclui, uma vez que para se estabelecer alianças,
algumas representações, alguns pensamentos devem ser recalcados, negados,
admitindo-sealgumasrenúnciaseatémesmosacrifícios(KAES,2014).
Emvirtudedeelaengendrarumasériede intercâmbiossimbólicos,emquea
palavra é, ao mesmo tempo, condição e expressão, a aliança constitui uma ordem
fundamentalmentehumana.Paraserelacionarunscomosoutros,desdeaorigemde
suavidapsíquicaeposteriormenteviveremfamília,associar-seemgrupo,ossujeitos
põem-sedeacordoentresieestabelecemtrocas.Pormeiodetodosessesprocessos,
elessevinculamunsaosoutros(KAES,2014).
27
Porfim,épossívelresumirotemadizendoque“emtodovínculooinconsciente
se inscrevee seexpressaváriasvezes,emdiversos registroseemvárias linguagens,
tantonadosujeitoquantonadoprópriovínculo” (KAES,2002).Ondehávínculo,há
identificação.
2.2IDENTIFICAÇÃO
Omecanismodaidentificaçãoestárelacionadocomateoriadospapéis.Pichon-
Rivière(1988)analisaoprocessodeidentificação(sejaaintrojetiva,comoresultando
domecanismodeinternalizaçãodeumdeterminadopersonagemcomaassunçãode
seupapel,sejaaprojetiva,resultantedeprojeçãosobreumpersonagemexterno)na
situação do vínculo. Para ele, todas as nossas relações com os outros estão
fundamentadasnointerjogodeassumireadjudicarpapéis.
Aassunçãodessespapéispodeexigirdoistiposdeprocessos,segundooautor.
Porumlado,podemosassumi-losconscienteevoluntariamente.Poroutro,quandoo
ambienteouosoutrosnosadjudicamumdeterminadopapel,podemosassumi-lode
forma inconsciente.Nas relações sociaisocorreum intercâmbiopermanenteentrea
assunçãoeaadjudicaçãodeumdeterminadopapel(PICHON-RIVIÈRE,1988).
Oconceitodeidentificaçãoassumeespecialimportânciaecentralidadenateoria
psicanalítica. Esse termo designa um processo psicológico fundamental, realizado
ativamente pela parte inconsciente do ego, pelo qual o sujeito se constitui e se
transforma, assimilando ou se apropriando, parcial ou totalmente, dos aspectos,
atributosoutraçosdaspessoasmaisíntimasqueocercam(ZIMERMAN,2001).
Segundo Roudinesco e Plon (1998), a definição sistemática desse importante
conceitosófoiconcebidatardiamentenoarcabouçopsicanalítico.Issosedeunoâmbito
deumagrande reformulaçãodesenvolvidapor Freudnadécadade1920, aindaque
preponderante para toda a teoria freudiana do desenvolvimento psicossexual do
indivíduo.
Apesar de utilizar o termo de forma ainda muito descritiva em suas
correspondênciascomWilhelmFliessededaralgumtratamentoteóricoaoconceitoem
AInterpretaçãodosSonhos(1900)–aomencionaraidentificaçãoutilizadanahisteria–
eemSobreoNarcisismo:umaintrodução(1914),éemPsicologiadasMassaseaAnálise
28
do Ego (1921) que Freud dedica um capítulo inteiro à identificação, ressaltando sua
importânciametapsicológica(ROUDINESCO&PLON,1998).
Nessa obra, Freud compreende três modalidades de identificação. Ele inicia,
assim, sua teorização a respeito desse processo, destacando-o como amais remota
expressão de um laço emocional com outra pessoa, segundo a psicanálise (FREUD,
1921).
Em primeiro lugar, a identificação é reconhecida como desempenhando um
papel na história primitiva do complexo de Édipo. É nessemomento que omenino
mostraráinteresseespecialpelopai.Essafiguraserátomadacomoseuideal:omenino
gostariade crescer comoele, ser comoelee tomaro seu lugarem tudo, em suma,
identifica-secomele(FREUD,1921).
Opaiétomadocomomodeloesecomeçaadesenvolverumacatexiadeobjeto
verdadeiraemrelaçãoàmãe,deacordocomotipoanalíticodeligação.Caracteriza-se,
assim,oqueFreudintitulapordoislaçospsicologicamentedistintos.Porserpassívelde
assumirumcoloridohostilcomopassardotempo,Freudclarificaqueaidentificaçãoé
ambivalente desde o início, podendo tornar-se expressão de ternura com tanta
facilidadequantoumdesejodeafastamentodealguém(FREUD,1921).
Essemodelode identificação refere-seaoestádiooral.Éesseomomentoda
incorporaçãodoobjetosegundoomodelocanibalesco.Oautoresclarecequeamesma
coisa se aplica às meninas, feitas as devidas substituições. Por fim, a identificação
esforça-sepormoldaropróprioegodeumapessoasegundooaspectodaquelequefoi
tomadocomomodelo(ROUDINESCO&PLON,1998).
Osegundocasodeidentificaçãoéodaidentificaçãoregressiva.Esseédiscernível
nosintomahistérico,decujasmodalidadesdeformaçãoconstituem-sedaimitaçãonão
da pessoa, mas de um sintoma da pessoa amada. Conforme afirma o autor, a
identificaçãoaparecenolugardaescolhadoobjetoeaescolhadoobjetoregrideno
lugardaidentificação(FREUD,1921).
Freudafirmaaesserespeitoque,nessassituações,aidentificaçãopodetomar
emprestado“apenasumúnicotraçodapessoa-objeto”.Trata-sedofamosotraçoúnico
–oeinzigerZug(ROUDINESCO&PLON,1998).
Existeaindaumaterceiramodalidade,naqualaidentificaçãodeixainteiramente
foradeconsideraçãoqualquerrelaçãodeobjetocomapessoaqueestásendocopiada.
29
Aquia identificaçãoseefetuanaausênciadequalquer investimentosexual.Trata-se
entãodoprodutodacapacidadeoudavontadedesecolocarnumasituaçãoidênticaà
dooutroouadosoutros(ROUDINESCO&PLON,1998).
Particularmente frequente e importante, esse terceiro caso pode surgir com
qualquer nova percepção de uma qualidade comum partilhada com alguma outra
pessoaquenãoéoobjetodeinstintosexual.Quantomaisimportanteéessaqualidade
comum, mais bem-sucedida pode se tornar essa identificação parcial, podendo
representarassimoiníciodeumnovolaço(FREUD,1921).
Contudo, Dias (2009) aponta para um respeitável esclarecimento. Esse
investimentoqueFreudassinaloucomosendolivredequalquerinvestimentosexualé,
naverdade,umaalteraçãodolaçolibidinal,umareservadavidasexual.Dizaautora:
Talvezfossemaisadequadofalarem“vínculolibidinalinibidoemseuobjetivo”,
oumesmoemrecalcamentodasexualidade,emvezdedessexualização,uma
vezqueaspulsões inibidasemseusobjetivos,dasquaisdependemos laços
entreosmembrosdeumgrupo, seoriginamdaquelas diretamente sexuais,
cujasatisfaçãofoiimpedidadeseralcançadadevidoaobstáculosexternosou
internose,portanto,submetidasarecalcamento(p.26).
Ademais,retomandooconceitodeidentificação,tem-sequeeleéenriquecido
pordiversascontribuiçõesdeFreud,comonanoçãodeincorporaçãooral,encontrada
em Totem e Tabu (1913) e Luto eMelancolia (1917); em Sobre o Narcisismo: uma
introdução(1914),oautoratribuiaescolhanarcísicadeobjetoàidentificação.Pode-se
ver também que na elaboração dos efeitos do complexo de Édipo, como no
desenvolvimentodasegundateoriadoaparelhopsíquico,écrescenteaimportânciado
conceitodeidentificaçãocomoestruturadordosujeito(LAPLANCHE&PONTALIS,2001).
Não obstante o reconhecimento da valiosa contribuição de Freud para a
compreensãodoestabelecimentodaidentificaçãoemfacedoenlaçamentosocial,Dias
(2009)dedicou-seaumaminuciosapesquisaportodaaobrapsicanalíticaedefiniua
identificaçãocomooresultadoda ligaçãoafetivacomoOutro1.Eleesclarecequetal
ligaçãosedápelaintrojeçãodoideal,dosignificante(otraçoúnico)edodesejo,todos
originadosnocampodoOutro.
1ParaLacan,oOutroéolugardosignificante,éoregistrodoSimbólico,queoautordenominadeOutro
na medida mesma em que o campo dos significantes é faltoso, é incompleto e nele há sempre a
possibilidadedeintroduzir,pormeiodeumatocriativo,umnovosignificante(JORGE,2008).
30
Paraaautora,esseprocessoétratadocomoumaalteridaderadical,nosentido
emque ela o compreende comoumaalienação aoOutro a serviçodo enlaçamento
social. De maneira muito esclarecedora, ela sugere que essa identificação parte da
premissadodesejodesercomooOutro,enãododesejodetê-lo.Issoporqueesses
processos são, na sua origem, independentes, passam a coexistir em torno de um
mesmoobjeto(eu)nodecorrerdodesenvolvimentolibidinal.Evaisernocomplexode
Édipoqueessesprocessosirãosedirigiràsfigurasparentaisparaentão,aofinaldele,
seremtransportadosparaosocialnoseusentidomaisamplo.Ofinaldocomplexode
Édipomarcao iníciodas identificaçõesquepromoverãooenlaçamento social (DIAS,
2009).
Dias(2009)continuasuaanáliseassinalandoquenaidentificaçãoestápresente
aassimilaçãoeaintrojeção.Aidentificaçãotemumcaráterambivalente,identificado
inicialmentenonarcisismoprimário,comaincorporaçãoedestruiçãodoseiomaterno
(objetoparcial),eposteriormentenocomplexodeÉdipo,comodesejodacriançaem
livrar-sedopaieemassemelhar-seaele.
Seriaentãoaidentificação,segundoDias(2009),oquedáorigemaosujeitoeàs
instâncias do aparelho psíquico, além de ser o que promove os laços que unem os
membrosdeumgrupo.
Assim como para Freud, Jacques Lacan (1961-62) também posiciona a
identificação no centro de seu trabalho teórico. Ao dedicar um ano de Seminário à
questão da identificação, o autor formula importantes conceitos que estruturam o
processo identificatório, como o traço unário e a concepção do um, o esteio da
diferença.
Lacan fundamenta a noção do traço unário no traço único da identificação
regressiva de Freud, avançando, contudo, vastamente em seu conteúdo. É nesse
aspectoqueelefundamentaráasuaconcepçãodeum,queseconstituirácomoabase
daidentidade.Fazendousodaanálisedocogitocartesiano,Lacansituaofundamento
da identificação inaugural, do sujeito distinto do eu, no traço unário, essência do
significante,queéonomepróprio(ROUDINESCO&PLON,1998).
Seguidamente, háuma integraçãoda sua teoria do significante comdois dos
tiposdeidentificaçõeselencadosporFreud,aidentificaçãoprimáriaeaidentificação
histérica.Estaúltima,paraLacan,temporvetorodesejododesejodoOutro,evocado
31
pela pergunta “Que queres?”, marca da dependência incontornável do sujeito
(ROUDINESCO&PLON,1998).
Apoiando-senaLinguística,naAntropologiaenaMatemática,Lacanrevêaobra
deFreude“descobre”trêsregistrosheterogêneosqueconstituemoaparelhopsíquico,
os quais se encontram entrelaçados no chamado nó borromeano, e que estariam
implícitosnateoriafreudiana,sãoeles:oReal,oSimbólicoeoImaginário(JORGE,2005).
O Imaginário é da ordem da imagem, esse registro é entendido como o da
relaçãoespecular,dual,comseuslogroseidentificações,sobretudocomoadventodo
sentido. Já o Simbólico, correspondente às relações entre inconsciente e linguagem,
entende-se como da ordem do duplo sentido. O Real é o não-senso radical (não-
sentido),éonadaqueantecedeoaparecimentodetodaavidaequeresisteaqualquer
simbolização(JORGE,2005;JORGE,2008).
Inicialmente,Lacan(1961-62)posicionaaidentificaçãonoregistrodoImaginário,
duranteafasedoestádiodoespelho.Posteriormente,oautorformulaostrêstempos
da concepção lacaniana do Édipo, sob a forma de uma identificação com o que se
pressupõeserodesejodamãe,depois,sobaformadadescobertadaleidopaie,por
fim,sobadasimbolizaçãodessalei,quetemcomoimplicaçãoatribuiraodesejodamãe
seuverdadeirolugarepermitirasidentificaçõesfuturas,constitutivasdosujeito.
Dias(2009),aoproporumaleituradeLacan,dizqueaproibiçãodoincestoéo
que permite a existência do homem na cultura. A satisfação do desejo pela mãe
marcaria o fim da demanda estruturante do inconsciente do sujeito. Portanto, a
proibiçãodoincestoé,segundoaautora,oqueabreespaçoparaaidentificação,paraa
idealizaçãoeasublimação,bemcomoparaoenlaçamentosocial.Ampliandooquese
refereàcultura,amesmaautorarecorreàseguintecitaçãodeFreud(1930[1929]):
Oamorquefundouafamíliacontinuaaoperarnacultura,tantoemsuaforma
original,emquenãorenunciaàsatisfaçãosexualdireta,quantoemsuaforma
modificada, como afeição inibida em sua finalidade. Em cada uma delas,
continuaarealizarsuafunçãodereunirconsideráveisquantidadesdepessoas,
de um modo mais intensivo do que o que pode ser efetuado através do
interessepelotrabalhocomum.(...)Oamorcomumafinalidadeinibidafoi,de
fato,amorplenamentesensual,eaindaoénoinconscientedohomem.(...)O
amorgenital conduzà formaçãodenovas famílias,eoamor inibidoemsua
finalidade,a“amizades”quesetornamvaliosas,deumpontodevistacultural,
porfugiremaalgumasdaslimitaçõesdoamorgenital,comoporexemplo,àsua
exclusividade(p.100e101).
32
Destaforma,énecessáriomencionaropapeldaagressividadeparaaformação
dacultura. Issoporqueaagressividadeé inerenteaossereshumanoseé tambémo
maiorimpedimentoàcultura.Aagressividadeservedeesteioaqualquerrelaçãoafetiva
edeamorentreaspessoas(DIAS,2009).Eissosignificadizerqueaagressividadeexiste
tantonoindividualquantonocoletivo(cultura).
Dias (2009) entende que não é possível falar em inexistência das pulsões
destrutivas.Oqueháéumacontraposiçãodapulsãodemorte(agressividade,desejo
de destruição) com o seu oposto, o amor. Assim, para a autora, no coletivo a
agressividade do indivíduo é substituída pela violência da comunidade, que está
desenhadanaforçacoercitivadalei.
ParaPedrossian(2008),aestruturaçãodasociedade,balizadanaforçacoerciva
da violência e nas identificações entre seus membros, demandou a instituição de
regulamentos visando à proibição de atos violentos. Ela assente que dessamaneira
aconteceumaalternânciadopodernapráticadeatosviolentos–eladeixadeserdo
indivíduoepassaparaumaunidademaior, queé a sociedadeequeaexercitapela
imposiçãodesuasleis.
RoudinescoePlon(1998)tambémsinalizamaimportânciadaidentificaçãopara
a coletividade ao afirmarem que ela se produz, em especial, no contexto das
comunidadesafetivas.
É essa forma de identificação que liga entre si os membros de uma
coletividade.Elaécomandadapelovínculoestabelecidoentrecadaindivíduo
da coletividade e o condutor das massas. Esse vínculo é constituído pela
instalação deste último na posição de ideal do eu por cada um dos
participantesdacomunidade(p.365).
JáFornari (1991) trazocontextodascomunidadesafetivaseosprocessosde
identificaçãoapartirdosescritosdeFreudemPsicologiadasMassaseaAnálisedoEgo
(1921). De acordo com o autor, nessa obra Freud apresenta a identificação como
mecanismodedefesadoEgo,mastambémcomoresultadodasublimaçãodoErosentre
osconstrutosdosocial,impressanoslaçoslibidinaisqueconectamosmembrosdeum
grupoaoseuchefeoumesmodosprópriosmembrosdogrupoentresi.
33
Deacordo comPedrossian (2008), os elosde identificaçãoque são formados
entreosmembrosdogrupoeolídersãoinstituídospormeiodarenúnciadoindivíduo
aoseuidealdoegoqueé,então,substituídapeloidealdogrupo(líder).
Dialogando,então,comapropostadeLacanqueapresentaoaparelhopsíquico
constituídopeloReal,peloSimbólicoepeloImaginário,aponta-seaquiparaEnriquez
(1989),que,emseuartigosobreOTrabalhodaMortenasInstituições,propõequeas
instituiçõesexistemapartirdeconjuntosquesãoculturais,simbólicoseimaginários.
Aotratardosimbólico,Enriquez(1991)afirmaqueumainstituiçãonãovivese
nãoproduzumoumaismitosunificadores(mitos,ritos,heróis,sagas)quefuncionarão
para a legitimação da ação dos membros da instituição, atribuindo sentido às suas
práticaseàssuasvidas.Oautorsegueesclarecendoque:
A instituiçãopodeentãoseoferecercomoobjeto idealaser interiorizado,
quedávida,aoqualtodosdevemmanifestarasualealdade,eatémesmose
sacrificar. Ela apresenta exigências e obriga a todos a se moverem pelo
orgulhodo trabalhoa realizar:verdadeiramissãodevocaçãosalvadora (p.
78).
Assim como Lacan, Enriquez (1991) apresenta a identificação no âmbito do
Imaginário.Segundoele,oImagináriose imprimenaquiloqueresultadosdesejosde
afirmaçãoedeidentificaçãonarcísicosdosindivíduosversusumadeclaradacapacidade
das instituiçõesdeoferecerrespostassatisfatóriasataisdesejos.Esse interjogotem,
portanto,deumlado,os indivíduoscomsuaspossibilidadesdeperturbaçãodassuas
identidades, dos seus medos de aniquilamento, da angústia de fragmentação
despertadapelavidaemcomunidade;e,dooutrolado,nessejogoreinaainstituição
emsuacapacidadedeofertarproteçãocontratodosessesperigos.Contudo,oautor
seguesuadiscussãochamandoatençãoparaumaexistênciaambivalentedainstituição
noquetangeàsuaposturaprotetiva,mastambémaniquiladora,quetemporobjetivo
o apoderamento de todo o espaço psíquico dos indivíduos incapazes de se
diferenciaremdela.
Porfim,recorremosaKaës(2014),quediscuteacercadasidentificaçõesaotratar
da formação das alianças inconscientes. Para ele esse processo de formação aciona
processosidentificatórioscomuns,mútuosecompartilhados.
34
Asidentificaçõesmútuassãoaomesmotempoascondiçõeseosresultadosdas
alianças. Elas se desenvolvem em diferentes registros: são narcísicas,
imaginárias,objetais,simbólicasouedipianas.Asfunçõesqueelasrealizamou
satisfazem a serviço da aliança são também diversas: experiência básica de
segurança,realizaçãodedesejos,aceitaçãodeinterditosouproibições,reforço
dedefesasoufacilitaçãodetransgressões(p.48).
Convém salientar que outros importantes psicanalistas, não elencados aqui,
deramdistintoscontornosaoconceitodeidentificação,ampliandosuacompreensão,
inclusivesuautilizaçãonatécnicaenaclínicadaPsicanálise.Paraefeitodesseestudo,
porém, assume-se que os autores expostos acima aportam referencial bastante
adequadoparaadiscussãodacategoriateórico-analíticadosprocessosidentificatórios.
2.3MECANISMOSDEDEFESA
Ao longo da obra psicanalítica, o conceito de defesa ganhou um papel
discriminador entre as diversas afecções neuróticas mantendo-se, assim, ligado aos
processosdeestruturaçãopsíquica.
EssanoçãofoiposteriormentesofisticadaporAnnaFreud(2006[1946]).Aautora
trouxe como finalidade a realização de operações mentais destinadas a reduzir as
tensõespsíquicasinternas(angústias)que,apesardeprocessadaspeloego,configuram
defesas inconscientes, manifestadas visando à proteção do eu contra as agressões
internas(deordempulsional)eexternas.
SegundoLaplancheePontalis(2001),foipormeiodaobradeAnnaFreudqueo
estudodosmecanismossetornouumtemaimportanteda investigaçãopsicanalítica.
Ela enfatizou a complexidade das operações de defesa e a partir daímuitos outros
processosdefensivosforamdescritos.
Contudo, antes de entrar na compreensão de cada um dos mecanismos de
defesa,segue-seumasucintaapresentaçãodaorigemedasfinalidadesdotermoDefesa
apartirdeFreud.
35
2.3.1AOrigemeasfinalidadesdotermoDefesa
NaPsicanálise,apalavra‘defesa’foiempregadainicialmenteporFreud(1893).
Eleofeznatentativadeexplicaromecanismodahisteriaeposteriormenteodeoutras
psiconeurosesdedefesa.Portanto,paracompreenderaorigemdotermodefesaem
Freudéimprescindívelquesefaçaumaleituraacercadashipótesessobreaetiologia
daspsiconeuroses.Afinal,oprimeiroregistrodeutilizaçãodotermo‘defesa’ocorreuno
texto “Neuropsicoses de defesa” e o estudo da origem do termo aparece ligada às
investigaçõesdeFreudsobreotrauma(MONTEIROSILVA&FONTENELE,2013).
Aoapresentaraquestãodotrauma,Freud(1893)explicaqueeleéinvestidode
afetoaflitivoeque,poressanaturezaaflitiva,umavezqueelegeradesprazer,osujeito
voluntário(pelaatuaçãodaconsciência)optaporafastá-lo.Seoinvestimentofeitopelo
sujeitonosentidodoafastamentoforbem-sucedido,entãooprocessonãopodeser
consideradopatológico.Oquetornaesseprocessopatológicoéodeslocamentooua
fugaparaapsicose,emrazãodoinvestimentodosujeitotersidorealizadopormeioda
fuga da realidade, e não em face do distanciamento do afeto aflitivo advindo pelo
trauma.
Asdiferençasnamaneiradevivenciarederesolverotraumaforamobservadas
por Freud,mas, inicialmente, a compreensão da determinação dosmecanismos das
patologiassedavapelaviadapredisposição,talcomoamedicinadaépocalidavacom
o tema. Contudo, essa ideia não semanteve porque Freud logo entendeu que para
compreendertaismecanismosserianecessárioexplicartodoofuncionamentopsíquico.
A partir daí o autor passou a apontar a sexualidade como fator determinante no
desenvolvimentodasneurosesatuaisedaspsiconeurosesdedefesa(MONTEIROSILVA
&FONTENELE,2013).
Sabendo,pois,queasexualidadeéofatordesemelhançaentreosdoisgrupos
deneuroses,valesalientarque:
36
Adiferençaéquenasneurosesatuaisnãohaveriaaparticipaçãodeprocessos
mnêmicos,massuaetiologia seriaconsequênciadiretada inadequaçãoou
ausênciadesatisfaçãosexual;ossintomassemanifestamtambémdeoutra
forma,caracterizandoumaduplaoposiçãoentreosdoisgruposdeneuroses.
Por mais que o problema dos dois tipos de neuroses continue sendo os
destinosdaexcitaçãosexual,nasneurosesatuaisessaexcitaçãoésomáticae
nasneurosesdedefesaépsíquica(FENICHEL,2005,p.51).
Também importa destacar que ao atribuir às psiconeuroses de defesa os
processosmnêmicos,Freudquisdizerqueelas representamaaçãodopsiquismona
defesacontraasrecordaçõessexuaistraumáticasvividaspeloindivíduoprecocemente.
Oindivíduoexperimentaoteoraflitivoemdecorrênciadeumacenapsíquicasersentida
comoalguma representaçãodesprazerosaanterior (MONTEIROSILVA&FONTENELE,
2013).
Nesse ponto, houve uma aproximação da censura ao recalque, pois foi
reconhecida a sua função na manutenção da integridade do eu. Mais tarde, na
apresentaçãodasegundatópica,Freudexpandiuopapeldacensura,colocando-a,de
umlado,nosentidomaisamplodadefesa,aomesmotempoemdeuaelaumafunção
similaradoeueadosupereu,poroutroviés(MONTEIROSILVA&FONTENELE,2013).
Esse investimento de Freud na compreensão do funcionamento psíquico
possibilitou o entendimento sobre os mecanismos inconscientes e suas formas de
expressão.Issopossibilitouadiminuiçãodopressupostoantagônicoentreonormaleo
patológico, comumente simplificado pela linguística e que até certo momento foi
consideradopelosaberanalítico.
Freud,então,seguiudemonstrandoqueoconteúdolatenteéativonamedida
em que produz efeitos observáveis, embora não esteja circunscrito ao campo da
consciência.Essaproposiçãoconcorreuparaa justificativadeum inconscienteativo,
que impôs à defesa um caráter contínuo e remeteu ao conceito de pulsão – aqui
também ele reconheceu a resistência como expressão desse inconsciente ativo
(VALENTE,2013).
Parasomar-seaisso,noiníciodoséculoXX,aintroduçãodoconceitodepulsão
reforçouopoderdoefeitodorecalqueeateoriadadefesapassouaserpotencialmente
influenciadapelanovavisãodasexualidade.Oresultadodessesavançosfoioabandono
da teoria do traumae a emergência das fantasias infantis como cernedasbasesde
formaçãodaneurose(MONTEIROSILVA&FONTENELE,2013).
37
APsicanálise,emtodooseupercursocomvistasaotratodasafecçõespsíquicas,
seutilizoude inúmeras técnicas.Entreelas,ométodocatártico,aassociação livre,a
transferência, a interpretação das resistências e a elaboração. Todas essas técnicas
concorreramparadesvendara libidoque,naformaçãodeumapsiconeurose,ageno
sentidodaregressãoereinvestimentodefixaçõesinfantis.E,nesseponto,éimportante
salientarqueFreudreconheceuqueexisteumaatraçãocontínuadoinconscientesobre
a libido devido ao recalque das pulsões e suas produções (MONTEIRO SILVA &
FONTENELE,2013).
Fenichel(2005),porfim,resumeosmotivosdedefesadizendo:
No conflito neurótico (entre o ego e o id), um impulso instintivo busca
descarga,lutandocontraangústiaoposta(...).Oimpulsotendeparaomundo;
ascontraforçastendemparaaretiradadomundo.Oqueparecegovernaro
impulsoéasuafomedeobjetos;oqueparecegovernarascontraforçaséum
desejodeevitarosobjetos(p.129).
Foi também Anna Freud quem deu maiores contornos ao conceito de
mecanismosdedefesa.Issofoifeitoapósapublicaçãodesuaobrasobreotema,OEgo
eosMecanismosdeDefesa(2006[1946]).Entretanto,observou-sequeaautoraatribuiu
um papel de destaque especialmente ao ego, conferindo-lhe status de instância de
adaptaçãoàrealidade.
DiferentementedoqueformularaocriadordaPsicanálise,paraAnnaFreud,a
repressãonãoocupalugarúnicoentreosprocessospsíquicos.Outranotáveldiferença
apontadaporestaautoraéacompreensãodequeosmecanismosdedefesasepassam
emmaisdeumaesferapsíquica.Emsuaobrasãodescritosoutrosprocessosqueservem
à mesma finalidade de proteção do ego contra as chamadas exigências instintivas,
lembrando ainda ligações habituais de certos métodos defensivos a determinados
quadrosmentais(FREUD,1946).
Anna Freud contabilizou dez mecanismos diferentes, todos tidos como à
disposiçãodoego.Aautorarealizaumaenumeraçãodosmétodosdefensivosdoegotal
comodescritosnostrabalhosdeFreudeacrescentaumdécimo,que,emsuaopinião,
pertencemaisaoestudodamentenormaldoqueaodaneurose–asublimaçãoou
deslocamentodosanseiosinstintivos(FREUD,1946).
38
Osoutrosnovemétodosdiferentesàdisposiçãodoegoemseusconflitoscom
osrepresentantes instintivoseosafetossão:regressão,repressão,formaçãoreativa,
isolamento,anulação,projeção,introjeção,inversãocontraoeuereversão.AnnaFreud
tambémtrazemsuaobramecanismoscomo:negaçãoemfantasia,identificaçãocomo
agressor e altruísmo. Competiria ao analista verificar até que ponto essesmétodos
podemsereficazesnosprocessosderesistênciadoegoedeformaçãodesintomasque
eletemoportunidadedeobservarnosindivíduos(FREUD,1946).
Outraautoraqueapresentavastaproduçãonoqueconcerneadescriçãoeao
desenvolvimentodamenteprimitivaéMelanieKlein,renomadapsicanalistabritânica.
ModificandoeampliandoalgumasdasconcepçõesoriginaispontuadasporFreud,Klein
tambémdescreveuecaracterizouosmecanismosdedefesa,apartirdeumcontexto
próprioeoriginal.
Ao abordar o desenvolvimento emocional primitivo da criança, Klein (1935)
identificounovasformasdefuncionamentomental.Saindodaideiadefaseouestágio,
Klein inaugura a ideia deposição, comounidadedodesenvolvimento, nomeando-as
como posição esquizo-paranóide e posição depressiva. Essas noções trouxeram
contribuiçõesrelevantesparaanoçãodedefesanaPsicanálise.
Paraaautora,aindaquenoiníciodavidaobebênãotenhaumegoconstituído,
há uma estrutura precursora deste. Esse ego incipiente é capaz de sentir angústia,
utilizarmecanismosdedefesaeestabelecerrelaçõesdeobjetoprimitivas,narealidade
enafantasia(KLEIN,1958).Assimsendo,aconcepçãodemecanismosdedefesaéuma
noçãoqueexplicitaasoperaçõesdoegocomointuitodesedefender.
Noperíodoinicial,denominadoposiçãoesquizo-paranóide,queseestendeaté
oscincomesesdeidadedacriança,háumademandacrescentedobebêemlidarcom
a angústia paranoide. Essa angústia foi nomeada posteriormente de angústia
persecutória, e decorre da projeção do sadismo do bebê sobre o objeto. A autora
observouquehá,porpartedobebê,omedodesofrerosmesmosataquessádicosque
imaginouterdirigidoaoobjeto,sentindo-se,dessaforma,perseguido(KLEIN,1935).
Klein(1935)intitulouessaangústiacomomedodoaniquilamento,umavezque
épercebidacomoameaçaàprópriavidadobebê.Assimsendo,paraquepudessese
sentir seguroeencontraruma formadeorganizar-se internamente,oego incipiente
39
recorreamecanismosdedefesaprimitivos,taiscomo:aprojeção,aintrojeção,acisão
eaidentificaçãoprojetiva.
Jápróximoaosseismesesdeidade,passaaseestabeleceraposiçãodepressiva.
Elarepresentaumavançoemtermospsíquicos,jáqueoobjetopassaaserpercebido
emsuatotalidadenessaetapadodesenvolvimento,assimcomoopróprioego.Nessa
fase, segundo a autora, a angústia predominante é entendida como a da perda do
objeto. Há uma superação da dicotomia até então estabelecida entre mau e bom,
acenandoparaaintegraçãodoobjeto(KLEIN,1935).
Apartirdomomentoemqueacriançapercebequeomesmoobjetoquefrustra
(mau) é aquele que também gratifica (bom), mostra-se necessário elaborar a culpa
decorrentedoataqueaoobjeto.Daínasceanecessidadederepararosdanosquese
fantasiatercausadoaoobjeto.ParaKlein(1935),“oresultadodaposiçãodepressiva,
(...)posiçãocentraldodesenvolvimentodacriança,daqualdependemtantoasaúde
mental,quantoacapacidadedeamar,éafirmeinternalizaçãodoobjetobom”(p.1).
Aautorapostulaquequandosetornafrequente,areparaçãoassumeumgrau
patológico,sendoentãonomeadodedefesamaníaca.Essasúltimassãoutilizadascom
oobjetivodeseremanuladososataquessádicosrealizadoscontraoobjetonaposição
esquizo-paranóide,oquelivrariaopsiquismodaperseguiçãodoobjeto.Algumasformas
dedefesasutilizadasparanegarotemoràperseguiçãoeaculpaporterlesadooobjeto
sãoaonipotênciaeanegação(KLEIN,1935).
Porfim,aelaboraçãodaposiçãodepressivaéopontomaisimportanteparao
desenvolvimentopsíquicodacriança,segundoKlein(1935).Esseprocessoassinalapara
uma consistente introjeçãodoobjeto bom, o que, por sua vez, será decisivo para a
capacidadedeamarereparar.
ExpostosaquiaorigemeosmotivosdotermoDefesaapartirdaobraFreudiana,
somando-seàscontribuiçõesdeAnnaFreudeMelanieKleinacercadatemática,segue-
secomadescriçãodosdezmecanismosdedefesa,queserãoclassificadosem:bem-
sucedidos,vistoqueinterrompemaquilodequeseesquiva;epatogênicos,umavezque
se caracterizam por repetição ou perpetuação do processo de rejeição (FENICHEL,
2006).
40
2.3.2Osmecanismosbem-sucedidos
De acordo com Fenichel (2005), a sublimação é a representação das defesas
bem-sucedidas.Segundoele,emboranãoserestrinjaaummecanismoespecífico.Isso
implicadizerque,porinfluênciadoego,afinalidadee/ouoobjetosemodificamsem
bloquearadescargaadequada.
A sublimação decorre da adaptação lógica e ativa das pulsões que, após
escolheremumanovafinalidade,passamasesatisfazertantoemproveitodoaparelho
psíquicoquantodasnormasqueregemocontextosocial(KUSNETZOFF,1982).
Fenichel(2005)explicacomoseprocedeasublimaçãodaseguintemaneira:
(...) as forças defensivas do ego não se opõem frontalmente aos impulsos
originais, conforme ocorre no caso das contracatexias, mas incidem
angularmente;daíumaresultanteemqueseunificamaenergia instintiva,
com liberdade para atuar. Distinguem-se as sublimações das gratificações
substitutivasneuróticaspelasuadessexualização,ouseja,agratificaçãodo
egojánãoéfundamentalmenteinstintiva(p.132).
ParaAnnaFreud(1946),asublimaçãosecaracterizacomoodeslocamentoda
finalidadeinstintiva,estandoemconformidadecomvaloressociaismaiselevados.Essa
atividade pressupõe a aceitação ou, pelo menos, o conhecimento de tais valores,
pressupondoaexistênciadeumsuperego.Poressarazão,omecanismodedefesada
sublimação,segundoaautora,sórelativamentemaistardepoderiaserempregadono
processodedesenvolvimento.
Emsetratandodasconcepçõeskleinianas,seriamasrepetidasexperiênciasde
perdaedereparaçãopelasquaispassaobebêquetornariaseuegoenriquecidoeapto
alidarcomasexperiênciasdefrustração.Àmedidaqueelasocorrem,proporcionam-
lhe confiança para o estabelecimento de um objeto seguro, que o proteja e lhe dê
condiçõesdesuportaraangústia,semrecorreraoadoecimento.
A partir do surgimento de sentimentos como omedo damorte damãe, e o
sentimentodeculpa,háumimportanteefeitonofuturobem-estardacriança,nasua
capacidade amar e no seu desenvolvimento social. É deles que surge o desejo de
restaurar,queseexpressaemdiversasfantasiasondeacriançasalvaamãeefaztodo
tipodereparação(KLEIN,1936).
ParaKlein(1936),
41
tudoaquiloquetornaaperdadeumobjetobomexternomenosdolorosae
diminuiomedodeserpunida,ajudaacriançaamanterconfiançanoobjeto
bomqueguardadentrodesi.Aomesmotempo,issoabriráocaminhopara
queacriançamantenhaumaboarelaçãocomamãe,apesardafrustraçãoe
estabeleçarelaçõesprazerosascomoutraspessoasalémdospais.Assim,ela
poderá obter outras satisfações que substituirão aquela que é tão
importante,equeestáprestesaperder(p.4).
Entende-se, assim, que tudo aquilo que faz com que o bebê sinta que está
cercadodeobjetosamistosospreparaoterrenoparaumaboarelaçãocomamãe,e,
maistarde,comoutraspessoasàsuavolta.Odesenvolvimentosadiodacriançaesua
capacidadedeamarvãodependeremgrandepartedamaneiracomooegopassapor
essaposiçãocrucial(KLEIN,1936).
2.3.3Osmecanismospatológicos
Alguns mecanismos de defesa possuem íntima relação com a noção de
identificação, a exemploda introjeçãoedaprojeção.Na realidade, as identificações
propriamenteditasresultamdeumprocessoconstantedeintrojeçãodefiguras,dentro
do ego sob a forma de representações objetais, e no superego. A incorporação e a
introjeçãopodemserconsideradascomoprotótiposdaidentificação,ouaomenosde
algumasmodalidades em que o processomental é vivido e simbolizado como uma
operaçãocorporal(ingerir,devorar,guardardentrodesi,etc.)(LAPLANCHE&PONTALIS,
2001;ZIMERMAN,2001).
SegundoLaplancheePontalis(2001),deummodogeral,adefesaincidirásobre
situações capazes de desencadear a excitação interna na medida em que for
incompatívelcomaideiadeequilíbrio,e,portanto,desagradávelparaoego.
Oprocessodefensivoespecifica-seemmecanismosdedefesamaisoumenos
integrados ao ego. Os mecanismos de defesa mais comumente encontrados na
literatura psicanalítica são: recalque, deslocamento, anulação, isolamento,
condensação,racionalização,formaçãoreativa,projeção,sublimação,negação.
42
Orecalqueéoprimeirograndemecanismo investigadopela teoria freudiana.
Consistenoatodedespejodonívelconscienteda representação ligadaàpulsão,de
forma que aquela permaneça no inconsciente, já que a entrada da mesma na
consciênciapoderiaprovocardesprazer.Jáaprojeção,porsuavez,subentende-secomo
a atribuição a objetos externos de propriedades ou características que,
simultaneamente,osujeitodesconhecedesimesmo(KUSNETZOFF,1982).
DeacordocomRoudinescoePlon(1998),osmecanismosdedeslocamentoede
condensaçãoforamteorizadosporFreud,sobretudonocontextodaanálisedossonhos.
O deslocamento, por meio de um deslizamento associativo, transforma elementos
primordiais de um conteúdo latente em detalhes secundários de um conteúdo
manifesto.Acondensaçãoefetuaafusãodediversasideiasdopensamentoinconsciente
paradesembocarnumaúnicaimagemnoconteúdomanifesto,consciente.
Os mecanismos de isolamento, anulação e formação reativa foram
especialmenteabordadosnacaracterizaçãodaneuroseobsessiva.SegundoLaplanche
ePontalis(2001),aanulaçãoéoprocessopeloqualosujeitoseesforçaporfazercom
quepensamentos,palavras,gestoseatospassadosnãotenhamacontecido,utilizando,
paraisso,umpensamentooucomportamentocomsignificaçãooposta.ParaKusnetzoff
(1982),oisolamentoéomecanismoqueconsisteemevitaracontaminaçãocomum
objetoperigoso,dissociandoapossibilidadedetocararepresentaçãomentalligadaao
afeto desagradável que traria o toque do objeto. Conforme esse autor, a formação
reativacaracteriza-sepor levaro sujeitoaefetuaroqueé totalmenteopostoàquilo
inconscientequesequerrejeitar.
Dois processos comuns, que abrangem um extenso campo no tratamento
psicanalítico,sãoaracionalizaçãoeanegação.Aracionalizaçãoéoprocessopeloqual
o sujeito procura apresentar uma explicação coerente do ponto de vista lógico, ou
aceitávelmoralmente, para uma atitude, uma ação, uma ideia, um sentimento etc.
(LAPLANCHE & PONTALIS, 2001). Para Kusnetzoff (1982), na negação determinado
conteúdorecalcadoéadmitidonaconsciênciacomacondiçãodenegá-lo,implicauma
funçãoderejeiçãodaquiloquesimultaneamenteseadmite.
Conforme exposto, nas obras de Anna Freud e de Melanie Klein é possível
localizarumaimportantecontribuiçãoàteoriadosmecanismosdedefesaassociadosao
43
níveldeorganizaçãoalcançadopeloaparelhomental.Emsetratandodaproduçãoda
primeira,aautoraacrescentouanegaçãoemfantasiaeaidentificaçãocomoagressor.
Segundo Anna Freud (1946), o mecanismo da negação pertence a uma fase
normal do desenvolvimento do ego infantil. No entanto, se ele se repetir em fases
ulterioresdavida,indicaumestágioavançadodedoençapsíquica.Issoocorre,afirmaa
autora,porqueacapacidadedoegodenegaçãodarealidadeéinteiramenteincoerente
com outra função altamente apreciada pelo ego, qual seja, a sua capacidade de
reconhecerecomprovarcriticamentearealidadedosobjetos.
Noquedizrespeitoaomecanismodeidentificaçãocomoagressor,segundoa
autora,esteoperanosentidodeacriançapersonificaroagressor,diantedesituações
geradorasdeangústiaparaacriança,nasquaiselaintrojetacaracterísticasdoobjeto
quelhecausouangústia,nointuitodeassimilaroevento.Assimsendo,acriançaquando
personificaoagressor, assume seusatributos,ou imita a suaagressão,passandodo
lugardeameaçadaparaodeameaçadora(FREUD,1946).
Comprometida também coma psicanálise infantil, Anna Freud se dedicou ao
desenvolvimentodanoçãodemecanismodedefesacontraaangústia,demarcandoum
esforçodeorganizaçãoeclassificaçãodaobradeseupai,SigmundFreud.
ApresentandoalgumasdivergênciascomrelaçãoàsproposiçõesdeAnnaFreud,
MelanieKleincriouumateoriaprópriaparaexplicarosprocessospsíquicos.Conforme
exposto,suacontribuição,noqueserefereacompreensãodosmecanismosdedefesa,
seremeteaoesforçofeitopeloegoparasedefender,variandoconformeaetapado
desenvolvimentoemqueseencontra.
Emsetratandodosmecanismosconsideradosmenossaudáveis,segundoKlein
(1935),asdefesasmaisprimitivassãoprincipalmenteaquelasempregadasaolongoda
posição esquizo-paranóide, momento em que o bebê tem de lidar com a angústia
persecutória. A autora elenca como mecanismos de defesa mais primitivos,
característicos desse momento, a projeção, a introjeção, a cisão e a identificação
introjetiva.
De acordo com Klein (1935), o desenvolvimento do bebê é governado por
mecanismosdeintrojeçãoeprojeção.Paraaliviarasensaçãodeaniquilamentocausada
pela angústia. O ego infantil se defende projetando para o exterior os aspectos
destrutivosdessaexperiênciaelocalizandoforadesioqueéruim.Dessaforma,oobjeto
44
passaaser revestido,emalgunsmomentos,poressasqualidadesdestrutivas, sendo
introjetadocomumatonalidadeameaçadoraetornando-seumobjetopersecutório.
Entretanto,aosatisfazerasnecessidadesdobebê,oegorecorreà introjeção.
Desdeoinício,oegointrojetaobjetosbonsemaus,sendoconsideradoumobjetobom
quandoacriançaconsegueobtê-loemauquandoelaoperde.Segundoaautora,acisão
napercepçãodoobjeto,queoraétidocomobom,oraévistocomomau,demonstra
queoegoaindanãotemaconcepçãodoobjetototal,massimparcial.Comoacisão
incidetantosobreoobjetoexterno,comosobreointerno,consequentementeimplicará
emumacisãodopróprioego(KLEIN,1935).
Omecanismoda identificação projetiva foi introduzido a partir de seu artigo
Notassobrealgunsmecanismosesquizoides(1946).Neleaautorapropõequeessaseja
uma defesa típica para lidar com a angústia de aniquilamento. Segundo Klein, esse
mecanismoéligadoàcisãoeàprojeção,caracterizando-sepelaintrodução,emparte
ounotodo,doprópriomundointernodentrodopsiquismodeumobjetoexternocom
oobjetivodedanificá-lo,controla-looupossuí-lo(KLEIN,1946).
Retomando as defesas consideradas maníacas, a autora pontua novamente
sobreabuscadoegoemselivrardasperseguiçõesdoobjeto,assumindoestasumgrau
patológico. São consideradas defesas maníacas: a onipotência e a negação, sendo
utilizadasparanegarotemoràperseguiçãodoobjetoeaculpaportê-lolesado(KLEIN,
1935).
Osentimentodeonipotênciaéentendidocomooelementomaiscaracterístico
da mania, sendo procurado pelo ego incessantemente como forma de dominar e
controlar todosos seusobjetos. Amania também temcomobaseomecanismoda
negação,oqualseoriginanaquelafasemuitoinicialemqueoegoprocurasedefender
da mais séria e profunda de todas as ansiedades: o medo dos perseguidores
internalizadosedoid(KLEIN,1935).
Emsetratandodasdefesas,ascontribuiçõesdeKleinsãomuitaseemsuaobra
há uma grande importância às experiências iniciais da criança. Em especial, são
valorizadasanaturezaeoconteúdodasansiedadesarcaicaspelasquaispassaobebê,
eaconstanteinteraçãoentresuasexperiênciasreaisesuavidadefantasia.
45
Finalmente, visando atingir os objetivos elencados, pretende-se articular os
conceitos teóricos acima destacados em consonância com o percursometodológico
percorrido,oqualseráapresentadonopróximocapítulo.
46
3MARCOMETODOLÓGICO
3.1NATUREZADAPESQUISA
Esteestudo,deníveldescritivoeexploratório,édecunhoqualitativo.Segundo
Gil (2008), as pesquisas descritivas têm como objetivo primordial a descrição das
característicasdedeterminadofenômeno.Oautortambémpostulaqueapesquisade
nívelexploratóriotemcomofinalidadedesenvolver,esclareceroumodificarconceitos
eideias,proporcionandoassimumavisãodetipoaproximativadeumdadofato.
Nesse sentido, ao propor uma investigação acerca dedeterminados aspectos
subjacentes ao processo de reserva do policial militar, procurou-se aprofundar o
entendimentodealgumasdascaracterísticasinerentesaessefenômeno.Namedida
em que se buscou elucidar como ocorrem as dinâmicas psíquicas envolvidas,
aproximou-sedoentendimentodamaneiracomoospoliciaismilitaressevinculamà
instituição e de que identificações se utilizaram no momento de passagem para a
reserva.
Seguiu-se o paradigma de pesquisa qualitativa por se perceber como
fundamental para o entendimento de determinados aspectos intra e interpsíquicos
relacionados ao processo de aposentadoria (ou de reserva) um pressuposto que
buscasseinterpretarosfenômenossociais.Nessaperspectiva,aabordagemqualitativa
ajusta-se precisamente: ela se volta à compreensão dos significados que as pessoas
atribuemàssuasexperiênciasdomundosocialeàmaneiracomoestasinterpretameste
mundo(POPE&MAYS,2009).
Aesserespeito,Rey(2002)assinalaqueoparadigmaqualitativoéumaproposta
que satisfaz as exigências epistemológicas inerentes ao estudo da subjetividade,
percebidacomoparteconstitutivadoindivíduoedasdiferentesformasdeorganização
social. Além disso, constitui-se como uma das formas diferentes de produção de
conhecimento em psicologia que permitem a criação teórica acerca da realidade
plurideterminada, diferenciada, irregular, interativa e histórica que representa a
subjetividadehumana.
Apropósitodaquestãoda interpretaçãodos fenômenos sociais,Victoraetal
(2000)afirmamqueomundorealsóexistedefatonamedidaemquesetomaparte
47
deleequeelefazsentidoparacadaumdenós,ouseja,oconhecimentoévistocomo
umaconstruçãosocialeconjuntaqueenvolvepesquisadorepesquisado.
Partindo desse pressuposto, assumiu-se uma epistemologia não positivista,
tampoucoobjetivista.Entende-sequeoprocessodereservaéumfenômenocomplexo,
multifacetado,querequerumolharaprofundadoparaaexperiênciadossujeitosqueo
vivenciam,comvistasacompreendê-lo.
Além da natureza socialmente construída da realidade supracitada, outras
características indissociáveis da pesquisa qualitativa são a íntima relação entre o
pesquisador e o que é estudado, e as limitações situacionais que influenciam a
investigação(DENZIN&LINCOLN,1998).
Para os autores, como a realidade objetiva nunca pode ser captada em sua
plenitude,natentativadeassegurarumacompreensãoemprofundidadedofenômeno
em questão, o pesquisador lançamão de uma variedade de práticas interpretativas
interligadas,istoé,ousodemúltiplosmétodos(DENZIN&LINCOLN,1998).
Nesse sentido, não existirá uma realidade independente do observador; esta
estratégiadecombinaçãodemétodosacrescentarigor,fôlego,complexidade,riqueza
eprofundidadeaqualquerinvestigação(DENZIN&LINCOLN,1998).
Trabalhou-secomométodoclínicodepesquisapostoquesecorroboracomsua
visãocaracterísticadehomemedeconcepçãodepesquisapormeiodeseustrêspilares
sustentadores. São eles: o entendimento do homem como portador de angústias e
ansiedades;umaatitudeclínicadeacolhidadossofrimentosemocionaisdapessoa,com
inclinaçãoparaaescutaeparaoolhar,movidopelodesejoehábitodeproporcionar
ajudaaosujeito;eaatitudepsicanalítica,frutodeumavisãodehomemcomoportador
deuminconsciente,oquerepercutirádiretamentenaconstruçãoenaaplicaçãodos
instrumentos, assim como no referencial teórico para a discussão dos resultados
(TURATO,2010).
Paraesteestudo,buscou-seumacompreensãodosfenômenosdevínculoede
identificaçãoquepermeiamopolicialmilitaremprocessodereservaapartirdeseus
relatos.Visou-se,assim,entenderosignificadodoprocessoparaosmesmosenãoa
pretensãodesechegaraconclusõesgeneralistasedereplicação.
Neste sentido, acredita-se que a teoria psicanalítica permite um olhar
aprofundadodossentidosedasvivênciasdossujeitosemsuassingularidades,parasuas
48
questões inconscientes, atentandoparaodetalheedispondode recursos teóricose
técnicosparaproporleiturasdohomememsuainteraçãocomoseumeio.
3.2CONTEXTUALIZAÇÃO
OestudofoirealizadonomunicípiodeManaus,capitaldoEstadodoAmazonas,
noComandoGeraldaPolíciaMilitardoEstadodoAmazonas-PMAM.Ainstituição,hoje
com179anos,éumdosórgãosquecompõemoSistemadeDefesaSocialdoEstado,
tendoabrangênciaemtodooEstadodoAmazonas.
APolíciaMilitarseorganizaemfunçãodesuamissãoconstitucional,constante
noArt.144,incisoIV,daConstituiçãoFederalde1988.DeacordocomaCartaMagna,é
dever também das policias militares a segurança pública, sendo exercida para a
preservaçãodaordempúblicaedaspessoasedopatrimônio.Segundoosparágrafos4º
e5º,àspolíciasmilitarescabemapolíciaostensivaeapreservaçãodaordempública,
além de constituírem-se como forças auxiliares e reservas do Exército, tendo
subordinaçãodiretaaoGovernadordoEstado(BRASIL,1988).
Ospoliciaismilitares,consideradoscomoumacategoriaespecialdeservidores
públicos estaduais, seguem legislação específica, na forma do Estatuto dos Policiais
MilitaresdoEstadodoAmazonas,Leinº1.154de09dedezembrode1975.
Essamesmanormativadispõearespeitodocargoedafunçãopoliciaismilitares,
apresenta as obrigações e os deveres desses servidores e fixa os círculos e a escala
hierárquicos na Polícia Militar. O mesmo documento refere que a hierarquia e a
disciplinasãoabaseinstitucionaldaCorporação,sendoestes:
§ 1º - A hierarquia policial-militar é a ordenação da autoridade em níveis
diferentes, dentro da estrutura da PolíciaMilitar. A ordenação se faz por
postos ou graduações; dentro de um mesmo posto ou de uma mesma
graduaçãose fazpelaantiguidadenopostoounagraduação.Orespeitoà
hierarquia é consubstanciado no espírito de acatamento à sequência de
autoridade.
§2º -Disciplinaéa rigorosaobservânciaeoacatamento integraldas leis,
regulamentos,normasedisposiçõesquefundamentamoorganismopolicial-
militare coordenamseu funcionamento regulareharmônico traduzindo-o
peloperfeitocumprimentododeverporparte
49
de todos e de cada umdos componentes desse organismo (AMAZONAS,
1975,p.5).
Valeressaltarque,segundooEstatuto,essesvaloresdevemsermantidosem
todasascircunstânciasdavidadopolicialmilitar.
EmtermosdeestruturahierárquicanaPMAM,omaiorpostoéodeCoronel,
seguidododeTenente-Coronel,Major,Capitão,1ºTenente,2ºTenente,seguidodas
praçasespeciais–Aspirante–a–Oficialedasgraduaçõesdaspraças–Subtenente,1º
Sargento,2ºSargento,3ºSargento,CaboeSoldado.
3.3OPERACIONALIZAÇÃO
A)Sujeitos
Os sujeitos, participantes deste estudo pertencem ao efetivo de policiais
militares oriundos dos quadros de pessoal da PolíciaMilitar do Amazonas - PMAM,
fixadosaocírculotantodeOficiaiscomodePraças.
Foramabordadosseissujeitosaotodo.Foitrabalhadoocritériodeamostrapor
saturação.Esseprocessodeseleçãodaamostragemconsistenofatodeopesquisador
encerrar a coleta de dados quando, após as informações obtidas a partir de certo
número de sujeitos, novas entrevistas passarem a apresentar uma quantidade de
repetiçõesemseuconteúdo(TURATO,2010).
As informações gerais a respeito de cada sujeito podem ser visualizadas na
Tabela1.Paramanterosigilosobreossujeitos, identificou-secadaentrevistadopela
letra“S”,seguindo-seaordememqueasentrevistasocorreram.
50
Quadro1–Informaçõesgeraissobreossujeitos
Informações
gerais
Sujeitos
S1 S2 S3 S4 S5 S6
Sexo M M M M M M
Idade 49 52 51 49 49 51
Estadocivil Casado Casado Casado Divorciado Outros Casado
Cargo2º
Tenente
1º
Tenente
Sargento
1ºSargento
2º
Sargento
2º
Sargento
Tempodeserviço29anos 28anose
04meses
28 anos e
09meses
29anose01
mês
28anose
10meses
29anose
11meses
Graude
escolaridade
Ensino
Médio
Ensino
Médio
Ensino
Médio
Ensino
Médio
Ensino
Médio
Ensino
Médio
Fonte:Dadosdepesquisa,2016.
Comocritériode inclusão, foramabordadosospoliciaismilitaresqueestãoa
contardedoisanosparaingressaremnareservaremunerada.Dentrodessegrupona
instituiçãoexisteumuniversode223policiaismilitares,dosquais137militares têm
previsãodeseaposentaremnoanode2015e86policiaisentrarãoparaareservaaté
dezembrode2016.
O ingresso do servidor na instituição se dá pormeio de concurso público. O
concurso limita as idades máxima e mínima para acesso à Instituição. Para o
combatente, só é permitida a entrada na carreira policial militar ao candidato que
estivernafaixaetáriaquevaide18a28anosdeidade.Esseartifíciofazcomque,muitas
vezes,opolicialmilitarsaiadaInstituiçãoaindajovem,vistoqueháaobrigaçãodese
aposentarcom30anosdeefetivoexercício.Ouseja,opolicialmilitaraposenta-senas
idades entre 48 e 58 anos, numa média de 53 anos. Esse panorama demonstra-se
distintodavidadeumservidorcivil,porexemplo.
Optou-seporesse recorte temporalvistoseromomentoemqueo indivíduo
visualiza de forma mais iminente a realidade da aposentadoria. Também, há na
Instituição atualmente um Programa que visa a facilitar a passagem dos policiais
51
militares para a reserva, o qual tem como seu público-alvo policiais que irão se
aposentarnospróximosdoisanos,oquepermitiuummaisfácilacessoaossujeitosda
pesquisa.
Foramdesconsideradosparaesteestudoospoliciaismilitaresqueingressamna
reservaremuneradaapedido.Taldecisãofoitomadahajavistoquesesubentendeque
estesestãoháalgumtempoemprocessodedesvinculaçãodainstituição.Aquelesque
estiverempassandopeloprocessodereforma(aposentadoriapor invalidez) também
foramdispensados,jáquequestõesreferentesaoprocessodoadoecimentoperpassam
obrigatoriamenteseuafastamentodainstituição,nãosendoconsideradoesseofocodo
estudo.
B)Instrumentos
Foiutilizadacomoprincipalfontededadosatécnicadaentrevistasemidirigida.
Pretendeu-sedarliberdadeaosujeitopesquisado,deformaqueomesmopudessese
expressar livremente.SegundoTurato(2010),naentrevistasemidirigida,osujeitoda
entrevistadeveráfalarsegundoaocorrênciadachamadalivreassociaçãodeideias,a
qualconsistiránaexpressãoindiscriminadadepensamentosqueocorreremaoespírito,
querapartirdeumelementodado,querdeformaespontânea.
Essedirecionamentoconfigurou-sepelomotivodequeambososintegrantesda
relaçãotêmoportunidadededaralgumadireção,representandoganhonomomento
de reunir os dados segundo os objetivos propostos (TURATO, 2010). Questões
norteadorasparaaentrevistaconstamnoAnexoI,noformatodeumroteiro.
Como fonte complementar para os dados, foi utilizado o procedimento de
Desenhos-EstóriascomTema(D-E).Essatécnicaenvolveaelaboraçãodedesenhosefoi
desenvolvidahámais deumadécadaporAiello-Vaisberg. Ela derivadiretamenteda
propostaoriginaldoProcedimentodeDesenhos-EstóriapropostoporWalterTrincaem
1972.
A técnica do Procedimento de Desenhos-Estória foi pensada no sentido de
possibilitaraosujeitoaoportunidadeparaqueseexpressasselivremente,damaneira
menos defensiva possível. Essa modalidade de comunicação lúdica visa alcançar o
escopo da comunicação, proporcionando acesso à dinâmica emocional latente e à
52
linguagemdoinconsciente,permitindoassimaverificaçãodeconteúdosinconscientes
detodotipo(TRINCA,2013).
Como na versão elementar, esta técnica é composta por cinco unidades de
produção, sendocadaqual compostapordesenho livre,estória, “inquérito”e título.
Caracteriza-se também num procedimento semiestruturado, que tem por base a
associação livre e por finalidade revelar os conteúdos psicodinâmicos, pondo em
evidênciadeterminadosaspectosinconscientes(TRINCA,2013).
Aiello-VaisbergapudTrinca(2013)afirmatratar-sedeumprocedimentoclínico
que contempla uma estratégia investigativa destinada a facilitar a comunicação
emocionaldoinconscienterelativodeumindivíduo.Aoevidenciareacolheraspectos
inconscientesdoexaminando, a técnicadeDesenhos-Estória comTemaproporciona
excelentecontatocomomundomentaldoexaminando.
Optou-se por esse instrumento, pois se acredita que ele possibilita captar os
aspectoslatentessubjacentesaopsiquismo,permitindoacompreensãodeprocessos
psicológicos–emespecial,mecanismosdedefesa,processosdeidentificaçãoevínculo
–relacionadosaomomentodepassagemparaareservadopolicialmilitar.
C)Procedimentosparaacoletadedados
Em se tratandoda revisãoda literatura, preliminarmenteprocedeu-se a uma
buscapelaproduçãobibliográficadetodomaterialconcernenteàtemáticanasdiversas
plataformasdepublicaçõescientíficas.Apartirdaspalavras-chave“Aposentadoria”,e
“Psicanálise”foramselecionadosdozeartigos,duasdissertaçõeseumatese,osquais
detinhamestritarelaçãocomaproblemáticaaserpesquisada.
Para a eleição dos sujeitos da pesquisa, a partir de uma listagem obtida no
DepartamentodePessoalInativodospoliciaismilitaresqueestãoacontardedoisanos
paraingressaremnaReserva,foiestabelecidacomunicaçãocomalgunsprofissionais.O
contato se deu via telefone e/ou diretamente, junto àqueles que participaram do
Programainstitucionaldepreparaçãoparaaaposentadoria.Nessasoportunidadesfoi
realizadooconviteparaparticiparemdapesquisa.
A coleta de dados ocorreu, inicialmente, emuma sala dentro doOratório da
PolíciaMilitar,seminterferênciasexternas.Essaunidadefoipensadahajavistasero
53
local onde ocorrem os módulos do Programa (ou seja, os participantes estão
ambientadoscomasinstalações)edadoquesuamovimentaçãoocorredeacordocom
agendamentospréviosrealizadospelaDiretoriaresponsável.OOratóriositua-senaRua
BenjaminConstant,s/n,Petrópolis(dentrodoComplexodoComandoGeral).
Nosmomentosemqueareferidasalanãoestevedisponível,acoletaocorreu
nas dependências da Policlínica da Polícia Militar, também livre de ingerências. A
Policlínicaéumespaçodeconhecimentodetodosospoliciaismilitares,representando
a unidade responsável pelo acompanhamento da saúde do servidor. Esse setor é
igualmentesituadonoCompletodoComandoGeral.
Nos dias previstos para a coleta dos dados, inicialmente se procedeu a uma
reapresentação mútua entrevistador-entrevistado, objetivando estabelecimento do
rapport,seguidadaapresentaçãodoTermodeConsentimentoLivreeEsclarecido–TCLE
(videApêndice II).Nessemomento, foramexpostosdetalhadamenteosobjetivosda
pesquisa,eseassegurouosigiloeaconfidencialidadedasinformações,comoobjetivo
deseobteraconcordânciadossujeitos.
Foi realizada a entrevista semidirigida, com questões abertas. Para Turato
(2010),oatodedirigirsignificaapossibilidadededaradireção,apontarparaondea
entrevista caminhará. Ressalte-seque a direçãopode ser dada alternadamentepelo
entrevistadoremalgunsmomentos,mascomumaflexibilidadequepermitatambém
aoentrevistadoassumiro comando. Issoocorre segundoumaordem livrede temas
particulares que o informante vai associando ao assunto geral proposto pelo
pesquisador.Asentrevistasforamgravadasetranscritasliteralmente.
No caso do procedimento de Desenhos-Estória com Tema, um aspecto
fundamentaldaaplicaçãorefere-seàestruturaçãodatarefasolicitadaaoexaminando.
EssedeveestarcientedoqueseesperadelenoD-EcomTema,bemcomodasrazões
pelas quais a aplicação é realizada. Os esclarecimentos foram oportunizados no
momentodoestabelecimentodorapporteapresentaçãodosobjetivosdoestudo.
Foramfornecidosaosexaminandosfolhasdepapelembranco,lápispretoeuma
caixadelápisdecorde12unidades.Foisolicitadoaomesmoquefizesseumdesenho
livre,dando-lheaseguinteconsigna:“Vocêtemesta folhaembrancoepode fazero
desenho que quiser, relacionado à Reserva.” Ao concluir o primeiro desenho o
54
examinadorsolicitouquecontasseumahistóriaassociadaaodesenho:“Você,agora,
olhandoodesenho,podeinventarumaestória,dizendooqueacontece.”
Concluídaestaetapa,passou-seaoinquérito.Aquisepodemsolicitarquaisquer
esclarecimentos necessários à compreensão e interpretação do material produzido
tantonodesenhoquantonaestória.Apósaconclusãodaestória,eaindacomodesenho
diantedosujeito,foipedidoaesteotítulodaprodução.
O examinador tomou nota detalhada da estória, verbalizações do sujeito,
perguntas e respostas da fase de inquérito, título, bem como de todas as reações
expressivasdeste.
Pretendeu-seconseguirumasériecomcincounidadesdeprodução.Assimque
concluída a primeira unidade, foram repetidos os mesmos procedimentos para as
demaisunidades.
Para o momento de coleta de dados, foi solicitado aos participantes que se
apresentassemàpaisana,semuniformesouinsígnias,natentativadenãoreproduzir
duranteessemomentoasrelaçõesdedisciplinaehierarquiapertinentesaouniverso
institucional. Nesse sentido, objetivou-se também uma aproximação maior entre
pesquisadorepesquisado.Entretanto,issonemsemprefoipossível.
Comoobjetivodepreparodapesquisadoraparaaconcretizaçãodaentradaem
campo, e visando avaliar a adequação dos instrumentos de pesquisa escolhidos,
procedeu-seàrealizaçãodeentrevistas-piloto.Nessaperspectivaforamabordadosdois
sujeitos,tendo-seseguidoosprotocoloselencados.Diantedoretornofavoráveldesse
processo,asentrevistas-pilotoforamincorporadasaomaterialqueseguiuparaanálise
dosdados.
Umadaspreocupaçõesdapesquisadora,emespecialporfazerpartedoquadro
deOficiaisdaprópria instituição,éadequenãohouvesse interferênciasdiversasou
atravessamentosnapesquisadetemoreseansiedadesrelativasàsvivênciaserelações
depoderdentrodainstituição,deformaqueseminimizassemimpactosnessesentido
nacoletadedados.
Contudo,aindaquetivessesidosolicitadoaosparticipantesquecomparecessem
emtrajescivis,emesmoqueapesquisadoraseapresentassenacondiçãodeestudante,
reconhece-sequecertas limitaçõesforaminevitáveis,vistoqueacoletadedadosfoi
realizadanasdependênciasdaprópriainstituição.
55
MuitosdosservidoresobedecemfirmementeaodispostonoEstatuto.Eleprevê
adedicaçãointegraleafidelidadedopolicialmilitaràinstituição.Issodemonstracomo
muitasvezesaculturainstitucionalfaz-seimpregnadanarotinadopolicialmilitar,até
mesmoemseusmomentosdefolga.Esseaspectosefezpresenteduranteacoletade
dados, nas formas de tratamento, no uso do fardamento – para aqueles que não o
dispensaram–,dentreoutros.
No que diz respeito à anuência institucional, formalizada e devidamente
assinada,estaconstanoAnexoI,sinalizandopormeiodosresponsáveispelainstituição
apermissãoparaquefosserealizadaapesquisaequeacoletadedadospudesseocorrer
conformemencionado.
Oconjuntodeinformaçõescoletadas,sejaementrevistasemiestruturada,seja
a partir da técnica de Desenhos-Estória, constituiu o corpus de análise da presente
pesquisa, o qual foi submetido ao tratamento interpretativo. O corpus da pesquisa,
segundoSouza(2014),sedefinenopróprioprocessodedescriçãoeanálise,sendoeste
escolhidoàmedidaqueaanáliseacontece.
D)Procedimentoparaaanálisedosdados
Os dados coletados nas entrevistas foram analisados segundo o método da
AnálisedoDiscursodematrizfrancesa(AD).Aestruturadeanáliseseguiuapropostade
Souza(2014),aqualpropõedoismomentosdistintosecomplementaresdestafase:a
análiseemsieaescritadaanálise.Paraoautor,aanáliseemsienvolveacircunscrição
do conceito-análise e a escolha, interpretação, e análise do corpus por meio de
perguntas heurísticas. O segundo momento, de escrita da análise, consiste na
formataçãodorelatodeanáliseparaadivulgação.Éatextualizaçãodoqueoanalista
fezeencontrou.
Asperguntasheurísticassemostramcomoasnorteadorasparaauxiliaroanalista
aevidenciarossentidospresentesnostextos.Sãoelas:
1.Qualéoconceito-análisepresentenotexto?
2.Comootextoconstróioconceito-análise?
3.Aquediscursopertenceoconceito-análiseconstruídodaformaqueotextoconstrói?
56
Aconstruçãodoconceito-análisepodesedardeduasformas,segundooautor:
peladefiniçãodointeressedoanalista(conceito-análiseapriori)oupelosurgimentodo
mesmoduranteopróprioprocessodeanálise(conceito-análiseaposteriori).
Osconceitos-análisedestetrabalhoforamdefinidosapriori,convergindoparao
alcance dos objetivos elencados, são eles: os vínculos que os policiais militares
estabelecemcomotrabalho,asimplicaçõesdestesnomomentodepassagemparaa
reserva,osmecanismosdedefesaqueessesprofissionaisfazemusoduranteestaetapa
de transição, eos reflexosquea vivênciadapassagempara a reserva tem sobreos
processosidentificatóriosdopolicialmilitar.
SeguindoapropostadeSouza(2014),numapróximaetapa,foramidentificadas
as marcas textuais (distinguidas aqui como “recortes textuais”) que permitiram a
construçãodesentidoparaoconceito-análiseproposto,respondendo,assim,àsegunda
pergunta heurística: “Como o conceito-análise está sendo construído?”. Depois de
verificar a recorrência dessasmarcas, seguiu-se para a terceira pergunta heurística:
“Quediscursosustentaessesentido?”,objetivandorelacionarosentidoconstruídoàs
formaçõesdiscursivaseideológicas.
DeacordocomSouza(2014)ainda,paraquesepossafazeraanálisedediscurso,
énecessárioconhecercomosedáoprocessodeproduçãodalinguagem.Nestesentido,
érelevanteentendercomoossentidossãoproduzidosnaenunciação.
Os sentidos originam-se a partir das Formações Ideológicas (FI), as quais são
amparadaspelaideologia.Aquelas,porsuavez,sãoresponsáveispeloassujeitamento
do indivíduo. A ideologia não é acessível diretamente, se organizando na língua em
FormaçõesDiscursivas (FDs).AsFDssãomanifestaçõesdasformações ideológicasno
discursoemumasituaçãodeenunciaçãoespecífica(SOUZA,2014).
Sãoasformaçõesdiscursivasquevãodeterminaraquiloqueépossívelserditoe
aquilo que fica fora, caracterizando o processo discursivo. Uma vez determinado o
enunciadopossível,osujeitoenuncia,produzindoumtextoquesetornaasuperfície
linguísticadodiscurso,apartevisíveldalinguagem.Emumprocessoinconscienteda
produçãodesentidosnalinguagem,osujeitotemaimpressãodequeotextonasceno
momento exato da enunciação, porém os sentidos já existem no interdiscurso,
esperandoparaserconvocadosnaFI(SOUZA,2014).
57
Aoanalistacabefazerocaminhoinverso.SegundoOrlandi(2015),aanáliseda
textualizaçãoguia-sepelas seguintesetapas:numprimeiromomento,oanalista,em
contatocomotexto,procuravernelesuadiscursividadee,incidindoumprimeirolance
deanálise,–denaturezalinguísticoenunciativa–constróiumobjetodiscursivo.Nessa
etapa,éfundamentalotrabalhocomasparáfrases,sinonímia,relaçãododizerenão-
dizeretc.
Napróximafase,apartirdoobjetodiscursivo,oanalistavaiembuscadeuma
análisequeprocurarelacionarasformaçõesdiscursivasdistintas–quepodemter-se
delineado no jogo de sentidos, observado pela análise do processo de significação
(paráfrase, sinonímia, etc.) – com a formação ideológica que rege essas relações
(ORLANDI,2015).
Assim, o analista consegue atingir a constituição dos processos discursivos
responsáveispelosefeitosdesentidosproduzidosnaquelematerialsimbólico,decuja
formulaçãooanalistapartiu(ORLANDI,2015).
A Análise do Discurso trabalha com maneiras de significar, considerando a
produçãodesentidosenquantopartedavidadosujeito.PormeiodaAD,procura-se
conhecer melhor aquilo que faz do homem um ser especial em sua capacidade de
significaresignificar-se(ORLANDI,2015).
Pretende-se valorizar nesta pesquisa a experiência dos militares em suas
singularidadeseemfunçãodesuasmotivaçõesinconscientes,conformepropõeateoria
psicanalítica, indo ao encontro do que é preconizado pelo método de análise do
discurso.Épormeiodoconstanteirevirdoobjetodeanáliseparaateoria,apartirdos
movimentosdedescriçãoeinterpretação,queoanalistateceasintricadasrelaçõesdo
discurso,dalíngua,dosujeito,dossentidos,articulandoideologiaeinconsciente.
NoquedizrespeitoaoProcedimentodeDesenhos-EstóriascomTema,estetem
sua fundamentação baseada nas teorias e práticas da Psicanálise, das Técnicas
Projetivasedaentrevistaclínica.Trinca(1997)propõeumreferencialdeanálisedosD-
E composto por dez áreas ou categorias, que comportam aspectos ou itens, como
seguem:
I–Atitudebásica:emrelaçãoasipróprioeemrelaçãoaomundo;
58
II – Figuras significativas: figura materna, figura paterna, relacionamento
entreasfigurasparentais,reaçõesdosujeitoparacomasfigurasparentais,
figurasfraternaseoutras;
III – Sentimentos expressivos: tristeza, alegria, culpa, solidão, abandono,
raiva,etc.;
IV – Tendências e desejos: desejos de livrar-se de danificações físicas ou
psíquicas, de sanar carência afetiva, necessidades de proteção, inclusão,
afiliação,hostilidade,domínio,etc.;
V–Impulsos:amorososoudestrutivos;
VI–Ansiedades:paranoidesoudepressivas;
VII – Mecanismos de defesa: cisão, negação, repressão, regressão,
racionalização,etc.;
VIII–Sintomasexpressivos:hipercinesias,ideiasdelirantesetc.;
IX–Simbolismosapresentados:símbolosdereligião,folclore,mitos,etc.;
X–Outrasáreasdaexperiência(p117).
AanálisedosD-Eseguiuoesquemaproposto,focalizando-seprincipalmentena
identificaçãodosmecanismosdedefesapresentesnasproduçõesdosexaminandose
osprocessosidentificatóriossubjacentes(relaçãocomasfigurassignificativas).
3.4CONSIDERAÇÕESACERCADOMÉTODODAANÁLISEDEDISCURSOFRANCESA
A disciplina ou área de conhecimento da Análise do Discurso (AD) teve sua
origemnaFrança,nadécadade1960, tendocomoseuprincipal fundadoro filósofo
MichelPêcheux.OprojetodaADsurgiuapartirdoencontrodealgumasáreasdosaber:
apsicanálise,omaterialismohistóricoe,fundamentalmente,alinguística.
Pormeiodaarticulaçãodosconceitosdelíngua,sujeito,discursoeideologia,a
AD se posiciona criticamente por uma não-neutralidade da linguagem e assume a
importânciacentraldodiscursonavidasocial.Nessesentido,estadisciplinareconhece
queacompreensãodomundopelossujeitossedádemaneirahistóricaeculturalmente
relativa,tendoosprocessossociaispapeldeterminantenesteaspecto(GILL,2002).
AADseinscrevenoespaçolinguísticoporcaminharnoterrenodalinguagem.
Entretanto, a Análise do Discurso fundada por Pêcheux exigiu uma ruptura
epistemológicaaodemandarodeslocamentodanoçãode línguaparaadediscurso,
ondeintervêmquestõesteóricasrelativasàideologiaeaosujeito(MUSSALIM,2012).O
funcionamentodalinguagemfazsentidoquandoemrelaçãocomossujeitosecomos
sentidosproduzidos,osquaissãoafetadospelalínguaepelahistória.Éestadinâmica
queproporcionaráosurgimentodossujeitosedaproduçãodesentidos.
59
A influênciaexercidapelaPsicanálise inscreve-senasuaconcepçãodesujeito
proposta, a qual, a partir da descoberta do inconsciente, rejeita a noção de sujeito
unificado e coerente. Na abordagem lacaniana, a AD encontra subsídios para a
compreensãodasubjetividade,porentenderqueoinconscienteseestruturacomouma
linguagem,comocadeiadesignificanteslatentesqueserepeteeinterferenodiscurso
efetivo(MUSSALIM,2012).
EmsetratandodoMarxismo,aanálisedodiscursonãosóretomaaideiadeque
ahistóriaémovidapela lutadeclassescomotambémincorporaasuaconcepçãode
ideologia,partindodopressupostodequeas ideologiassãoumconjuntodepráticas
materiaisquereproduzemasrelaçõesdeproduçãoequetrazemimplicaçõesdiretas
paraosujeito(MUSSALIM,2012).
Noentanto,Orlandi(2015)apontaparaumareflexãomuitoimportanteacerca
doarcabouçoteóricodaAD,dizaautora:
SeaADéherdeiradastrêsregiõesdeconhecimento–Psicanálise,Linguística
eMarxismo–nãooédemodoserviletrabalhaumanoção–adediscurso–
quenãosereduzaoobjetodalinguística,nemsedeixaabsorverpelateoria
marxistaetampoucocorrespondeaoqueteorizaaPsicanálise.AADinterroga
a Linguística pela historicidade que ela deixa de lado, questiona o
MaterialismopelosimbólicoesedemarcadaPsicanálisepelomodocomo,
considerando a historicidade, trabalha a ideologia como materialmente
relacionadaaoinconscientesemserabsorvidaporele(p.18).
Comoimplicaçãocríticadaanálisedodiscursonobojodestasáreasdosaber,
concebe-seumsujeitoque,segundoPêcheuxocupaumlugarnasociedade,masnãoé
livreparadizeroquequer,enemtemaconsciênciadisso.Aocontrário,o sujeitoé
levadoaocuparseulugaremdeterminadaformaçãosocialeaenunciar2oquelheé
possível,apartirdolugarqueocupa(MUSSALIM,2012).
O discurso, segundo Orlandi (2015), é estudado relacionando o indivíduo
inseridonasuahistória,umavezque,
consideraosprocessoseascondiçõesdeproduçãodalinguagem,pelaanálise
darelaçãoestabelecidapelalínguacomossujeitosqueafalameassituações
emqueseproduzodizer.Dessemodo,paraencontrarasregularidadesda
2Trabalhandocomaconcepçãofoucaultianadeenunciado,aADcompreendeessecomosendomais
queumaformaçãolinguística,interessando-lheasregrasqueregulamaproduçãodeenunciadoseos
limitesdoquepodeserexpresso.
60
linguagememsuaprodução,oanalistadodiscursorelacionaalinguagemà
suaexterioridade(p.14).
Nessaacepção,tem-seumsujeitoqueacabapornãodecidiroquefazsentido
paraele,surgindoentãoanoçãodesteenquantorepresentantedasideologiasdomeio
socialnoqualestáinseridoenãooseuprópriopensamento.
Umavezqueoconceitodeideologiaévariado,abriganoçõesmuitodiversasa
partirdematrizesdesentidosdeterminadas.Naanálisedediscursofrancesa,Pêcheux
seapropriadoconceitoalthusserianoparapensara ideologiaemsua relaçãocoma
linguagem,masvaialém.SegundoAlthusser(1974):aideologiaébemumsistemade
representações:masestasrepresentaçõesnãotêm,namaiorpartedotempo,nadaa
vercoma“consciência”:elassãonamaiorpartedasvezesimagens,àsvezesconceitos,
maséantesdetudocomoestruturasqueelasseimpõemàmaioriadoshomens,sem
passarporsuasconsciências.
Para o autor, não há sujeito sem linguagem nem há linguagem sem sujeito.
Portanto,nãohásujeitosemideologia.Destaforma,odiscursoseráarelaçãodalíngua
comaideologia,determinandoosujeitoeossentidos(SOUZA,2014).
Naperspectivadiscursiva,MichelPêcheuxassinalaqueodiscursoémaisdoque
transmissãodeinformação,significaefeitodesentidoentrelocutores.Háefeitosque
resultam da relação de sujeitos simbólicos que participam do discurso, dentro de
circunstânciasdadas(ORLANDIeLAGAZZI-RODRIGUES,2006).Daíarazãoparaafirmar
quenãosepodedeixarderelacionarodiscursocomsuascondiçõesdeprodução.
Michel Foucault foi um filósofo que exerceu grande influência na obra de
Pêcheux.Paraaqueleautor,discursos sãopráticasdepensamento.Seus conceitose
mecanismosacercadofuncionamentododiscursoestãoinscritosnoedifícioteóricoda
análisedediscurso francesa,atravessando tambémas concepçõesmetodológicasda
disciplina.
Dentro do conceito de discurso, existe ainda o entendimento acerca das
formaçõesdiscursivas(FD).EssanoçãoédefinidaporFoucaultcomo“umconjuntode
regrasanônimas,históricas,sempredeterminadasnotempoenoespaçoquedefiniram
emumaépocadada,eparaumaáreasocial,econômica,geográficaoulinguísticadada,
ascondiçõesdeexercíciodafunçãoenunciativa”(FOUCAULT,1969apudMUSSALIM,
2012).
61
Ditodeoutramaneira,aFDassinalaaquiloquepodee/oudeveserditoapartir
deumdeterminadolugardefinidosocialmente.UmaFD,segundoMussalim(2012),é
marcada por regularidades, ou seja, por regras de formação, concebidas como
mecanismosdecontrole(internoseexterno),queirãodeterminaraquiloquepertence
ounãoaumaformaçãodiscursiva.
Nesseâmbito,háumatravessamentodediscursosqueprocedemdeoutrolugar.
Assim,umaFDpassaaservistacomoumsistemadeparáfrases,comoumespaçoonde
osenunciados3sãoretomadosereformuladossemprenumesforçodefechamentode
seuslimiteseembuscadamanutençãodasuaidentidade(SOUZA,2014).
Essecenáriocaracterizaoobjetodetrabalhodaanálisedodiscurso.Opapeldo
analistadodiscursosemostrapormeiodaexplicitaçãodosprocessosdesignificaçãode
um texto. Isso se dá pela compreensão dos sentidos produzidos pelo texto e pela
demonstraçãododiscursomedianteseusmecanismosdefuncionamento.
DeacordocomOrlandi(2015),naAnálisedeDiscurso,procura-secompreender
alínguafazendosentido,enquantotrabalhosimbólico,partedotrabalhosocialgeral,
constitutivodohomemedasuahistória.Assimsendo,aanálisevaiparaalémdotexto
propriamente dito, visando à compreensão da produção de sentidos de um objeto
simbólicoeexplicitandoasuasignificânciaparaepelossujeitos.
SegundoSouza(2006),oanalistadodiscursoprecisatrabalharcomapresença
do interdiscurso, fazeraanálisedamemóriadiscursivapresentenasconstelaçõesde
enunciadosque,movimentando-seentreasformaçõesdiscursivas,reconfiguramsuas
fronteiraseconstituemmonumentostextuaisdasformaçõeseordenssociaisemseus
diversostemposhistóricos.
A noção de interdiscurso, introduzida por Foucault, atenta para uma
heterogeneidadequeconstituiosdiscursos.Ouseja,osujeitoseconstituipormeiodo
discursodosoutros,caracterizadoporumsaberprévio,quefalaantesemoutrolugare
de forma independente. É a memória discursiva o espaço ideológico onde se
desenvolvem as formações discursivas em função das relações de dominação,
subordinaçãoecontradição(SOUZA,2006).
3Aquiloqueserepetenasenunciações,namedidaemque,dealgumaforma,umdiscursoconstróiuma
espéciede“mesmo”quepossaserconstantementeretomado.
62
Entende-secomofundamentalanoçãodeInterdiscursoparaacompreensãodo
discurso.O fatodehaverumsaberanterior, já-dito,daráembasamentoparatodoo
dizer do sujeito. Essa percepção vai facilitar o entendimento do analista quanto à
estreitarelaçãoexistenteentresujeito,discursoeideologia.
Orlandi(2015)entendequeodizertemavercomascondiçõesemqueseproduz
e,comooutrossaberes,-odizertemasuahistória.Aproduçãododiscursosemostrará
naarticulaçãoconstantedeumprocessoparafrástico–oqualpermiteaproduçãodo
mesmosentidosobváriasdassuasformas,eoprocessopolissêmico–responsávelpelo
fatodeseremsemprepossíveisnovosemúltiplossentidos.
As formações discursivas envolvem um conjunto demarcas textuais que lhe
caracterizam.ParaOrlandi(2015),aoolharumtexto,oanalistadodiscursodefronta-se
com a necessidade de reconhecer, em sua materialidade discursiva, os indícios
(vestígios,pistas)dosprocessosdesignificaçãoaíinscritos.Elepartedessesindícios.
Essa noção de discurso com a qual a AD trabalha acolhe o jogo entre o
estabilizado e o sujeito a equívoco. Esse cenário caracteriza-se por um espaço de
deslimites e de indistinções, convivendo com um movimento indeciso das
interpretações.Nessaperspectiva,ossentidoseossujeitosseconstituememprocessos
emquehátransferências, jogossimbólicosdosquaisnãosedetémocontroleenos
quais o equívoco, ou seja a ideologia e o inconsciente, está largamente presente
(ORLANDI,1998).
No que se refere ao lugar da interpretação, para a AD todo enunciado é
intrinsecamentesuscetíveldetornar-seoutro.Podederivaretornar-seoutro,diferente
desimesmo,deslocando-sediscursivamentedeseusentidoparaoutro.Énasderivas
que o sujeito desloca sentidos já estabelecidos e postos e dá lugar à interpretação
(PÊCHEUX,1990).
Segundo o autor, todo enunciado, toda sequência de enunciados, é, pois,
linguisticamentedescritívelcomoumasériedepontosdederivapossíveis,oferecendo
lugarà interpretação.Aderivapodeserentendidacomoumaproduçãoapartirdos
efeitosmetafóricosda transferência,odeslizamentodosentidooutronasdiferentes
posições do sujeito. O analista do discurso vai incidir seu olhar sobre esse espaço
(PÊCHEUX,1990).
63
SegundoOrlandi(2015),parasepensaraanálisedediscurso,umdosprimeiros
aspectosase levaremconsideraçãoéaconstituiçãodocorpus,queseguirácritérios
teóricos. A construção do corpus e a análise estão intimamente ligadas, posto que
decidiroquefazercomocorpusjáédecidiracercadepropriedadesdiscursivas.Paraa
autora,naatualidadeamelhormaneiradeatenderàquestãodaconstituiçãodocorpus
éconstruirmontagensdiscursivasqueobedeçamacritériosquedecorremdeprincípios
teóricosdaanálisedediscurso,faceaosobjetivosdaanálise,equepermitamchegarà
suacompreensão.
Vale ressaltar que sempre se fará necessário considerar a importância de
compreender as condições de produção dos discursos a partir da possibilidade de
interpretar em condições específicas. Esta compreensão requer do analista um
confrontoconstantecomomaterial,interpelando-sesobreossentidosquesedãocomo
evidência. Este movimento requer, necessariamente, que se compreendam as
condiçõesemqueelesseproduziram.
3.5CUIDADOSÉTICOS
Visandogarantiraprobidadeeocaráteréticodapesquisa,corroborandocomo
dispostonaResoluçãonº466/12,aqualdiscorresobrearealizaçãodepesquisasque
envolvem sereshumanos, foi asseguradoousodoTermodeConsentimento Livre e
Esclarecidoparatodoopolicialmilitarqueassentiuemparticipardoestudo(CONSELHO
NACIONALDESAÚDE,2012).
Conforme a normativa, a participação se deu exclusivamente em caráter
voluntário, livre de vícios (simulação, fraude ou erro), bem como de relações de
dependência,subordinaçãoouintimidação(CONSELHONACIONALDESAÚDE,2012).
Por vezes a aposentadoria pode ser entendida como um momento de
vulnerabilidade.Nestecaso,se,dealgumamaneira,qualquerdosparticipantestivesse
sesentidotocadooumobilizadoporalgumaspectodaentrevista,ouduranteaprática
datécnicacomplementar,foiabordadosobreapossibilidadedeencaminhamentoao
próprio serviço de Psicologia da PMAM,ououtro serviço de referência (conformeo
caso)garantindo-seplenaassistênciaaoparticipantedapesquisa.Entretanto,nenhum
dosparticipantesdemandouessaprovidência.
64
OprotocolodoestudofoiaprovadopeloComitêdeÉticaemPesquisa(CEP)da
UniversidadeFederaldoAmazonas(UFAM)em21deoutubrode2015,soboregistro
CAAEn.º50061415.0.0000.5020,intituladoENLACESEDESENLACESIDENTIFICATÓRIOS
DOPOLICIALMILITAREMPROCESSODERESERVA(ApêndiceII).
4DISCUSSÃOEANÁLISEDOSRESULTADOS
4.1CONTEXTUALIZAÇÃO
Faz-senecessárioapresentaralgumasconsideraçõespertinentesaométododa
AnálisedoDiscurso–ADantesdeiniciaraexposiçãodasfalasdossujeitosqueembasam
asdiscussõeseinterpretaçõesconsideradasparaestecontexto.
DeacordocomapropostasugeridaporSouza(2014),observou-seaformacomo
osconceitos-análiseelencadosserelacionaramcomaquestãodaaposentadoria.Esse
processo foi fundamentalparaoentendimentodossentidosconstruídosapartirdas
produçõesdossujeitos,bemcomodascondiçõesdeproduçãodessediscurso.
Nessesentido,argumenta-sequeparapensaropolicialmilitarquecaminhaem
direção à reserva, a apresentação deste profissional enquanto servidor da ativa é
extremamente pertinente. Somente após pensar a representação deste trabalhador
enquantosujeitopertencenteàativa,produtoeprodutordesentidosnestecenário,é
que a caracterização de seu processo de transição para aposentadoria se mostra
possível.
Apartirdestaproposta,surgirãodoissujeitosdodiscurso:osujeitomilitarda
ativaeosujeitomilitarqueestánareserva.Adependerdolugardeondeessesujeito
iráproduzirseudiscurso,seusdizeresirãoproduzirdiferentessentidos,bemcomosua
faladirárespeitoadoisespaçosquesãosimbolicamenteeideologicamentediferentes.
Damesmaforma,aoretrataropolicialmilitarematividadepróximoàentrada
na reserva, observou-se que a passagem para a aposentadoria repercute em um
processo adaptativo e de elaboração, o que culmina no surgimento de um discurso
marcadopelatransitoriedade,pelamaterializaçãodeumanovafasequeestáporvir.
Assimsendo,surgeumaterceiradiscursividade,queabordaamudançadestatusno
vínculoinstitucionalenaidentidadeprofissional.
65
Épormeiodadiscursividadequeseapresentaapossibilidadedeentendertanto
a visão de mundo quanto o posicionamento histórico e ideológico dos sujeitos. O
métododaAnálisedoDiscurso,aoentenderqueumaformaçãodiscursivaserásempre
compostaporum interdiscurso,operano sentidodeevidenciaradiscursividadedos
enunciadoresdesteestudo.
Aexploraçãodomaterialcoletadoapartirdapropostadométododaanálisedo
discurso levouà identificaçãode regularidades (recortes textuais),oquepossibilitou
reflexõesapartirdessesdiscursosoriginadosdelugaressociaisdeterminados,deonde
seproduziramasdiferentesformulações.
4.2DISCURSIVIDADEDAATIVA
Quadro2–QuadroAnalíticodaDiscursividadedaAtiva
Conceito-Análiseapriori
Recortestextuais Paráfrases
Vínculo
Aquele pique, dobrava serviço, saía de um ia pro outro.Tinha esse negócio não, eu lembro que tinha muitaprontidão.Queagenteaguentava,prontidãodeoitodias,dequinzedias(S6).
Praticamentenãotinhalazer,sairmuitocomosfilhos,comaesposa,foisó...trabalho,trabalho,trabalho(S2).
Agentetemqueabrirmãodemuitacoisa,paraseguiroofícioeserpolicialmilitar(S6).
Foi importanteaminha vidaem termosde, é, educação,respeito...muitobomatéhoje...educaçãoerespeito,muitoútilpramim(S4).
Passado essas missões mais positivas você adquireconhecimento, você ganha a confiança dos seussubordinados,porcomandar,vocêintegraosserviçosládolocal...ecumpresuamissão,entendeu?Aíissovocêganhacrédito, junto ao comando. Em outras situações, pramandar... “mandaalguémpraesse localaqui”, aí já tem“não, vou mandar o ciclano, que ele dá conta dorecado”(S2).
Minha vida é
meutrabalho
Sou
reconhecido a
partir do meu
trabalho
A caserna é a
minhacasa
66
Nãodeixadeserumafamília,né.Nósmilitaresconvivemoscomcertaspessoas...setornaumafamília(S5).
Agenteencontramuitaspessoasboas,companheirosbons,praticamentecomoirmãos,oucomopais(S6).
Conceito-Análiseapriori
Recortestextuais Paráfrases
Identificação
Vem de um histórico familiar, né.Meu pai eramilitar, agentereúneaí,digamos,queumcódigogenético.Meupai,meuirmão...(S1)
Me deu vontade da farda. Meu pai era cabo da políciatambém(S4).
Eumeespelheinomeuirmãomaisvelho,queeletambémerapolicialmilitar,osdoisnaverdade,maisvelhosqueeu(S6).
Aquelesonhoquetodomundotemdelimparasruas,né?Do que não presta, né? Quando a gente vai propatrulhamentoquenãopegaumaocorrência,bomdemais,né? Significa que não teve... que amaldade não tava ali(S3).
Tirar o pessoal àmargem da lei, pra ter uma sociedademelhor,né(S5).
É prestar um serviço à comunidade, à sociedade, de umserviçoassimdepraticamenteexcelência(S5).
Avontadedemelhoraravidadaspessoas(S6).
Servir. Servir as pessoas e ver que elas se sentem felizesquandoagentetomaumaatitudequeserveaelas(S4).
Queroserigual
aomeupai
Sou um super-
herói
Obrigação
social
Conceito-Análiseapriori
Recortestextuais Paráfrases
MecanismosdeDefesa
Enquantoeuestavaaquidentro,eu...aminhamentalidadeerasómesmocomando,sótrabalho,era“sim,senhor”(S2).
O militar ele é fanático, o militar, ele não vai aceitarfacilmenteirprareserva(S2).
[...]nãoseentregartotalmente.Assim,nolazertotalmente,né.Sempreprocurarseocupar[...]Porquealiouvaivirarum
Não quero me
aposentar
Não consigo
me ver na
reserva
Ficar sem o
meutrabalhoé
difícil
67
alcoólatra,né,ou,seilá,ouvaicairemdepressão.Algumacoisaassim.Temqueseocupar(S5).
Trintaanosdepolíciaquandoagenteentra,queénovo,umalunosoldadoesoldado,agentenãopensaemtrintaanos(S2).
Areservanãoé
boa
Fonte:Dadosdepesquisa,2016.
Faz-senecessárioexplicitaradescriçãoformaldoaparatodasegurançapública
edanormativaemqueseencontraopolicialmilitarnocenárioorganizacional.Esse
interessesefundamentanoprincípiodequeessecenáriosustentaolugarnoqualesse
servidorseencontra,exigindo-lherequisitospessoaiseprofissionaissignificativospara
odesempenhodocargo.
A Constituição Federal apresenta em seu capítulo III, no Art. 144, os órgãos
responsáveispelasegurançapública,osquaistêmafinalidadedepreservaraordem
públicaea incolumidadedaspessoasedopatrimônio, sendoos seguintes: apolícia
federal, a polícia rodoviária federal, a polícia ferroviária federal, as polícias civis, as
políciasmilitares e o corpo de bombeirosmilitares (BRASIL, 1988). As atribuições e
finalidadesdecadacorporaçãoestãoestabelecidasnoordenamentojurídicoconforme
aespecificidadedecadaórgão.
Segundo a Carta Magna, às polícias militares cabem a polícia ostensiva e a
preservaçãodaordempública,alémde,emcasosdeguerradeclarada,serviremcomo
forças auxiliares e reservadoExército, subordinando-se, juntamente comaspolícias
civis,aosGovernadoresdosEstados,doDistritoFederaledosTerritórios(BRASIL,1988).
Alémdessanormatização,ospoliciaispertencentesaosquadrosdepessoalda
PolíciaMilitardoEstadodoAmazonassãoregidospelaLeinº1.154de09dedezembro
de1975,oEstatutodosPoliciaisMilitaresdoEstadodoAmazonas. Essedispositivo
regula a situação, obrigações, deveres, direitos e prerrogativas desses profissionais,
caracterizando-os,emseuArt.3,comoconstituintesdecategoriaespecialdeservidores
públicosestaduaisedistinguindo-osentrepoliciaismilitaresdaativaeaquelesquese
encontramnainatividade(AMAZONAS,1975).
Acarreirapolicialmilitarécaracterizadaporatividadecontinuadaeinteiramente
devotadaàsfinalidadesdapolíciamilitar,sendocalcadanospilaresdahierarquiaeda
disciplina. Ao policial militar é requerido que apresente: o sentimento de servir à
68
comunidadeestadual, traduzidopelavontade inabaláveldecumprirodeverpolicial-
militarepelo integraldevotamentoàmanutençãodeordempública,mesmocomo
riscodaprópriavida;ocivismoeocultodastradiçõeshistóricas;afénaelevadamissão
daPolíciaMilitar;oespíritodecorpo,orgulhodopolicial-militarpelaorganizaçãoonde
serve; o amor à profissão policial-militar e o entusiasmo com que é exercida; e o
aprimoramentotécnico-profissional(AMAZONAS,1975).
Essaapresentaçãotambémsefaznecessáriaparamarcarolugardeancoragem
dessesujeito,querepercutiránaproduçãodeumalinguageminstitucionalespecíficae
determinada pelas condições elencadas (formações discursivas). As condições de
produção desse discurso dizem respeito a um sujeito que dedica uma parcela
significativadesuavidaàatividadeprofissional,sendopertencenteaumadeterminada
posição na cadeira hierárquica institucional e, em razão disso, obrigado a seguir
condutasfixadaspelaideologiadacorporação.
Alegislaçãocontinuaaapresentarcondiçõesimpostaspeloexercíciodocargo,
demandandocondutasqueobservemospreceitosdaéticapolicialmilitar,como,por
exemplo:exercercomautoridade,eficiênciaeprobidadeasfunçõesquelhecouberem
emdecorrênciadocargo;cumprirefazercumprirasleis,osregulamentos,asinstruções
easordensdasautoridadescompetentes;zelarpelopreparopróprio,moral,intelectual
físico e, também, pelo dos subordinados, tendo em vista o cumprimento damissão
comum; empregar todas as suas energias em benefício do serviço; praticar a
camaradagemedesenvolverpermanentementeoespíritodecooperação.
Todosessesprincípiossãopertinentesàsobrigaçõesedeveresqueumservidor
militardaativadeveapresentar,osquaissãoaceitosdeformasolene,prestadospor
meiode juramento,sobpenadecometercrimeoutransgressãodadisciplinaaquele
quepraticarqualquerviolação.
Oníveldeenvolvimentodestesprofissionaiscomainstituiçãoéseladopeloque
Kaës(2014) intitulaporsinaldereconhecimento.Essesinalseriaumato,umamarca
distintiva,umaassinaturaouumsinal–nestecasoconfigurando-senarealizaçãodo
compromisso de honra e na prestação do juramento – que tem um grande valor
sintomáticoousimbólicoparaosujeito.
Esseatoservecomoregistrodaaceitaçãodaideologiadacorporaçãoporparte
dos policiais militares. Eles manifestam, desta forma, sua firme disposição no
69
cumprimentodas suasobrigações edeveres, atentandoparao eventual riscoqueo
exercíciodaprofissãopodeimporàprópriavidadotrabalhador.
Aoretrataraconstruçãohistóricadacategoriasocial ‘polícia’,emsetratando
especificamentedapolíciacivil,Minayo(2003)apontaque
[...] a educação, o treinamento, a persuasão, a mobilização de certos
sentimentossociais(éticadotrabalho,lealdadeaoscompanheiros,orgulho
da corporaçãoedo serviçoprestado) epropensõespsicológicas (buscada
identidadepormeiodotrabalho,iniciativaindividualousolidariedadesocial)
desempenhamumpapel importantenaconstituiçãodestacategoria[...] (p.
68).
A posição destinada ao policial militar da ativa demanda dele uma devoção
institucional e exige um direcionamento de suas capacidades físicas e mentais ao
serviço.Esseservidornecessariamentedeverámanterumvínculomuito fortecoma
instituição, o que trará fortes implicações para a construção de sua identidade
profissional.
Adiscursividadedossujeitosentrevistadosdemonstraclaramenteasexigências
impostas pelo trabalhopolicialmilitar, o que acabapor ocasionar umaaproximação
muitointensadestejuntoàinstituição,favorecendoaconstruçãodeumfortevínculo:
Aquele pique, dobrava serviço, saía de um ia pro outro. Tinha esse negócio não, eu
lembroquetinhamuitaprontidão.Queagenteaguentava,prontidãodeoitodias,de
quinzedias(S6).
Ofragmentodediscursoqueseseguemostraqueamanutençãodovínculovai
demandandomaisinvestimentosfísicos/psíquicosdopolicialmilitarnamedidaemque
esse profissional abre mão de compromissos pessoais e sociais para dedicar-se ao
trabalho:Praticamentenãotinhalazer,sairmuitocomosfilhos,comaesposa,foisó...
trabalho,trabalho,trabalho(S2).
Nestecontexto,aatençãodispensadaaoserviçonaformadeumdevotamento
podesercompreendidanaquiloqueKaës(2014)assinalaaofalardopoderdeexclusão
queasaliançasdetêm,paraalémdeseuvalorinclusivo.Segundooautor,aaliançatanto
unecomoexclui.Algunsafetosesatisfaçõespulsionaisdeverãoserreprimidosedevem-
seadmitirtambémalgumasrenúnciasemesmosacrifíciosconsentidos.
70
Essas restrições podem ser facilmente localizadas nos discursos dos sujeitos,
comoafirmaoentrevistado:agentetemqueabrirmãodemuitacoisa,paraseguiro
ofícioeserpolicialmilitar(S6);essafalaregistraograudeexigênciaeoconsequente
investimentoqueaquelesquealmejamsemanternaprofissãodevemapresentar.
Poroutrolado,adedicaçãotambémencontraamparonoreconhecimentosocial
einstitucional,oquesesomaaosvaloresadquiridosprofissionalmente,emvirtudedo
aperfeiçoamentodoofício,conformeseobservanosdiscursosaseguir:foiimportante
aminhavidaemtermosde,é,educação,respeito...muitobomatéhoje...educaçãoe
respeito,muitoútilpramim (S4).Passadoessasmissõesmaispositivasvocêadquire
conhecimento, você ganha a confiança dos seus subordinados, por comandar, você
integraos serviços lá do local... e cumpre suamissão, entendeu?Aí isso vocêganha
crédito,juntoaocomando.Emoutrassituações,pramandar...“mandaalguémpraesse
localaqui”,aíjátem“não,voumandarociclano,queeledácontadorecado”(S2).
Evidencia-se,assim,asgratificaçõesqueesseprofissionalvaiexperimentandoa
partir do lugar que ele pertence institucionalmente. Ressalta-se, sobretudo, a
importância que o vínculo tem no processo de subjetivação, conforme aponta Kaës
(2011):
asalianças inconscientessãoabaseeocimentodarealidadepsíquicaque
nosligaunsaosoutros,formamamatériadarealidadepsíquicaprópriaaum
vínculo intersubjetivo: um casal, uma família, um grupo, um conjunto
institucional.Asalianças inconscientessãoeficazesemoutronível:sãoum
dosmodos de produção do inconsciente recalcado e do inconsciente não
recalcadoexigidoparafazerpartedovínculo(p.221).
Oquesepodeperceberéque,nocasodosmilitaresentrevistados,osvalores
institucionaispassamaserintegradosnaformadeumambienteestruturanteparaesses
sujeitos,constituindo-secomoumfortesistemapsíquicodereferência.Namedidaem
queessemilitarsemostramaisassociadoaesseconjuntodeelementos,osefeitosdessa
aliançasemanifestarãonaformaçãodoprópriosujeitodoinconsciente.
Essevínculorepercutenosprocessospelosquaisosujeitopodesepensarese
dizercomoumEu.Produz-se,assim,apartirdaidentificaçãodoseulugaredasposições
assumidasporessasalianças,oreconhecimentoqueessasformaçõespsíquicastêmno
processodesubjetivação.
71
Para esses militares, as referências institucionais medeiam não apenas as
relações laborais,mas encontram-se alicerçadas nos laços emocionais que o sujeito
estabelece com a família e demais relações pessoais. Por conta da profissão, esse
servidorassumedeterminadospapéisnoimaginárioindividualesocial,passandoaser
reconhecido socialmente e, institucionalmente, conforme ascende na carreira e
mantémrelaçõesdehierarquiacomseussubordinados.
Essaquestãoéclaramenteobservadanosdiscursosdossujeitos:Nãodeixade
serumafamília,né.Nósmilitaresconvivemoscomcertaspessoas...setornaumafamília
(S5).Observa-se,assim,oefeitoqueasparticularidadesdasvivênciasnacarreirapolicial
militartrazemparaavidadessessujeitos.
Para Kaës (2014), os sujeitos de uma relação tambémpodemesperar dessas
aliançasoutrasespéciesdecontrapartidasedebenefícios:
acontinuidadedesuarelaçãoeasegurançaquesevinculaaisso,algumas
realizaçõespessoaisquenãopodemseralcançadassenãodentrodarelação
pormeiodaaliança,porexemplo,uminvestimentonarcísicorecíproco,uma
relaçãoamorosabastanteestável,umaproteçãocontraperigos– reaisou
fantasiados-,umgozoquenãopodeseradquiridoanãoseratravésdeum
acordoinconscientecomooutro(p.14).
Nesse contexto, observa-se que, para os sujeitos entrevistados, de forma
inconsciente o trabalho assume uma característica protetiva muito importante. A
atividade laborativa representa não apenas a prevenção contra a possibilidade de
desenvolvervícios,masconstitui-secomosímbolodevirtude,contribuindoparaque
esses sujeitos reforcemuma imagemdehonradez emoralidade. Evidencia-se, desta
forma,aimportânciadotrabalhocomofatordeequilíbrioparaessessujeitos.
Aexpectativageradapelasaliançasocorreporqueainstituiçãoéolugardeuma
duplarelação:dosujeitocomainstituiçãoedeumconjuntodesujeitosligadospelae
nainstituição(KAËSetal,1991).Paraospoliciaismilitares,quedestinamumagrande
parceladeseutempoàvidalaboral,esseslaçossãoestreitados,nutrindo-sejuntoaos
companheirosdefardaumvínculodefamiliaridade.Issopodeserobservadonodiscurso
dos entrevistados:Não deixa de ser uma família, né. Nósmilitares convivemos com
certas pessoas... se torna uma família (S5). A gente encontra muitas pessoas boas,
companheirosbons,praticamentecomoirmãos,oucomopais(S6).
72
Freud(1921)tambémabordaessaquestãoemPsicologiadasMassaseaAnálise
doEgoaotratarsobreosgruposartificiaisdaIgrejaedoExército.Oautorapontaque
nessesdoisgruposcadaindivíduoestáligadoaooutroporlaçoslibidinaisporumlado
aolídereporoutroaosdemaismembrosdogrupo.
Odesenvolvimentoderelaçõesdecamaradagem,apresentadocomorequisito
éticonoEstatutodosPoliciaisMilitares,pode serentendidoapartirdoqueoautor
sugereaotratardasrelaçõesestabelecidasentreosmembrosdessegrupo.Aexpressão
afetivaqueossoldadosdevemapresentarunscomosoutrossurgecomofrutodoamor
dispensadopelocomandanteparacomestes(FREUD,1921).
Nesse contexto, entram em cena aspectos concernentes aos processos de
identificação,operadorpsíquiconecessárioparaamanutençãodovínculo.Emseutexto
quetrataespecificamentesobreesteassunto,Freud(1921)afirmaqueo laçomútuo
existenteentreosmembrosdeumgrupoédanaturezadaidentificaçãoparcial,aqual
surgeapartir dapercepçãodeumaqualidade comumpartilhada comalgumaoutra
pessoa(quenãosejaobjetodeinstintosexual).
Pode-se observar, no fio dos discursos, que os sujeitos entrevistados
estabelecemumaidentificaçãocomafigurahonradadeumhomemdafamília(paiou
irmãomais velho, geralmente). Essa figura tevepapel importantena suavidae cuja
trajetória,portanto,deveserassimilada:Vemdeumhistóricofamiliar,né.Meupaiera
militar,agentereúneaí,digamos,queumcódigogenético.Meupai,meuirmão...(S1)
Medeuvontadedafarda.Meupaieracabodapolíciatambém(S4).Eumeespelheino
meu irmãomaisvelho,queele tambémerapolicialmilitar,osdoisnaverdade,mais
velhosqueeu(S6).
Alémdisso,ilustrou-senasentrevistasaideiadequeooperadordasegurança
públicaseaproximariaàimagemdeumindivíduodotadodepoderesextraordinários,
semelhantes ao de um super-homem. A ele competiria a missão de defender a
sociedadeelivrá-ladetodoomal.Essarepresentaçãotemdiversasnuancesesedestaca
nasmarcastextuaisqueseseguem:Aquelesonhoquetodomundotemde limparas
ruas,né?Doquenãopresta,né?Quandoagentevaipropatrulhamentoquenãopega
umaocorrência,bomdemais,né?Significaquenãoteve...queamaldadenãotavaali
(S3).Tiraropessoalàmargemdalei,praterumasociedademelhor,né(S5).
73
Sobreaidentificaçãoparcial,Kaës(2014)apontaqueossujeitosseidentificam
entresiporumtraçocomum,ouseja,porumempréstimomútuodeumtraçodiferente,
mascapazdeterumvalordeprazeremseusrespectivosespaçospsíquicos.
Constatam-se,nocasodossujeitosentrevistados,queospilaresinstitucionaisda
hierarquiaedadisciplina,bemcomoospreceitosdaéticapolicialmilitar, são traços
absorvidos pelos profissionais, configurando-se como aspectos importantes na sua
constituiçãoidentitária.
Osentimentodeserviràcomunidade,odevotamentointegralamanutençãoda
ordempúblicaeavontadeinabaláveldecumprirodeverforammarcasfrequentesnos
discursos dos profissionais: É prestar um serviço à comunidade, à sociedade, de um
serviçoassimdepraticamenteexcelência(S5).Avontadedemelhoraravidadaspessoas
(S6).Servir.Serviraspessoaseverqueelassesentemfelizesquandoagentetomauma
atitudequeserveaelas(S4).
Aorefletirarespeitodolugarqueseinscreveainstituiçãonarealidadepsíquica,
Kaësetal(1991)assinalaqueainstituiçãoestruturaossujeitosequecomelaelecontrai
relaçõesquesustentamasua identidade.Deacordocomoautor,as instituiçõessão
criadoras de normas particulares e de sistemas de referência que servem como lei
organizadora,tantodavidafísicaquantodavidamentalesocialdosindivíduosquedela
participam.
Aconstituiçãodesseaparatoorganizaráespaçospsíquicoscomuns,queencontra
comoseucorrespondenteinternoumdoscomponentesdoinconsciente.Freud,apartir
deduasdesuasobras,TotemeTabu(1914)ePsicologiadasMassaseaAnálisedoEgo
(1921), vai sustentar a tese de que o inconsciente é, em parte, constituído pela
transmissãodasformaçõesedosprocessospsíquicos,geraçãoapósgeração(KAËSetal,
1991).
Observa-se, então, que a realidade desses profissionais é ancorada no forte
vínculo que estabelecem junto à instituição, com vistas a atender a todas as suas
exigênciasedeterminações,sendobalizadaporumaimagemdehomemtrabalhador,
viril, responsável pela manutenção da ordem e da segurança da população. Essa
representaçãoémuitasvezesintensificadapelaimagopaterna,nafiguradeumirmão
oudoprópriopai,exemplodeautoridadedomésticaesocial.
74
Esse cenário é reforçado constantemente, no desempenho das escalas e no
cotidianodaatividade.Apróprialegislaçãoapontaparaoempregodetodasasenergias
dosujeitoembenefíciodoserviço.Assimsendo,imaginar-seafastadodessarealidade
podeconfigurar-seemumprocessoárduoparaopolicialmilitardaativa.
Nessesentido,areservaremuneradanãosóéumarealidadedistanteparaesse
profissional como também impensada, como bem representa o discurso do
entrevistado:Enquantoeuestavaaquidentro,eu...aminhamentalidadeerasómesmo
comando,sótrabalho,era“sim,senhor”(S2).
Ao analisar a normativa institucional, é possível explicitar os sentidos e os
significadosquesãoatribuídosàReservaRemunerada.Acaracterizaçãodessacategoria,
segundoo Estatuto do PolicialMilitar, é entendida como “inatividade”, distinguindo
aquelesquepertencemàreservadacorporaçãoepercebemremuneraçãodoEstado,
porém, sujeitos, ainda, à prestação de serviço na ativa, mediante convocação
(AMAZONAS,1975).
Emoutrotrecho,areferidalegislaçãomencionaqueaquelespoliciaismilitares
componentes da reserva remunerada serão considerados como “ativos” quando
convocados(AMAZONAS,1975).
Observa-sequeháumdiscursoconstruídoapartirdodispositivonormativoque
ésustentadoporumafiliaçãoideológicadequalidadedistintiva.Aquelequeé“daativa”
detématitularidade,estáaptoaexercerafunção,aagir.Àqueledareserva,cabeser
poupado,serguardadoparaumasubstituiçãooucomplementação,quandonecessária.
Essa relação é reforçada pelo discurso institucional, que reconhece a reserva
remunerada também como “inatividade”. Segundo o Dicionário Aurélio (FERREIRA,
2010),umadasdefiniçõesdovocábuloinatividaderemeteàqualidadedeinativo,inerte.
Nessesentido,osujeitoqueseencontranareservaserávistocomoaquelequenão
reage,quenãorealizaatividades.Sugere-seentãoumacarênciadevigor,ouperdada
vivacidade, insinuando uma ideia de morte (simbólica?), visto que a ausência de
atividadepodeconduziraestainterpretação.
De acordo com o Ruffino (2000), o papel desempenhado pelo trabalho na
constituição da subjetividade humana configura-se como um importante veículo de
transformaçãodanaturezae,aomesmotempo,situaahumanidadeemumaposição
ativanaconstruçãodesuaprópriahistória.Nessesentido,Costa(2000),assinalaqueo
75
trabalhoserefereaumcamporelacional,portanto,ocampodoinconsciente.Paraa
autora,notrabalhoestão implicadasa realidadepsíquica,adimensãosimbólicaeas
trocasafetivasinterpessoais.Assimsendo,oespaçolaborativorepercutenasrelações
sociaisproduzindoefeitosquemodificamoâmbitosocial,alimentadopelainscriçãode
cadasujeito.
OpróprioFreud(1930),emoMal-EstarnaCivilização,faladaimportânciaqueo
trabalhotemparaohomem, indicandoqueeleéum importantemeioparaa tarefa
humanadeevitarosofrimento.Alémdoamor,oautorcitaqueétrabalhoquepode
asseguraraohomem,pormeiodoempregodesualibido,umlugarseguronumaparte
dacomunidadehumana.
A teoria freudiana mostra que o papel do trabalho é determinante para a
manutençãodoequilíbriopsíquico,vezquegaranteaosujeitonãoapenasalternativas
de destinos pulsionais,mas também a coesão social, pormeio dos relacionamentos
humanosqueestãovinculadospelavialaboral(FREUD,1930).
A discursividadedos sujeitos desse estudo, enquanto policiaismilitares ainda
“ematividade”,evidenciaadificuldadequeé,paraessesprofissionais,pensarareserva
remunerada:Omilitar ele é fanático, omilitar, ele não vai aceitar facilmente ir pra
reserva(S2).
Afigura1ilustracompropriedadeafalaacimadestacada.Oprofissionalprecisou
dispordeumabarreirafísicaparaafastá-lodainstituição–naformadeumaplacade
trânsito–,indicandoqueoúnicotráfegopossívelnocaminhoparaareservaéolharna
direçãoopostaadainstituição.Entretanto,aindaquesugiraumsujeitoemmovimento,
referencia-se a partir do cargo (sargento “X”), indicando que a identidade funcional
aindaéomodocomosepercebe.
Esta passagem indica as dificuldades de elaboração do processo de
aposentadoria, com negação do desligamento institucional bem como das
consequentesrepercussõesidentitárias.
76
Figura01–Passoamissãoparaospróximos
Fonte:Dadosdepesquisa,2016.
Essessujeitosdemonstramqueareservaremuneradaaindaéalgoimpensado,
tãodistantedesuasrealidadesquesefaznecessárioexpressar-sedeformadefensiva,
reportando-se a ela na terceira pessoa, como se fosse um outro profissional a se
assujeitaràpossibilidadedeviraseaposentar.
Aaposentadoriasemostraparaessessujeitoscomoumcenáriomarcadopelo
vazio, pela insegurança, e que por isso tem que ser devidamente preenchido com
atividadesecomumaagendacheia(‘coincidentemente’deformasimilaraocotidiano
profissional, sempre repleto de escalas e missões).Muitos dos sujeitos emitem um
discursomarcadopelo funcionamentodefensivo,expondosuasdificuldadesem lidar
com a rotina livre: [...] não se entregar totalmente. Assim, no lazer totalmente, né.
Sempreprocurarseocupar[...]Porquealiouvaivirarumalcoólatra,né,ou,seilá,ouvai
cairemdepressão.Algumacoisaassim.Temqueseocupar(S5).Trintaanosdepolícia
quandoagenteentra,queénovo,umalunosoldadoesoldado,agentenãopensaem
trintaanos(S2).
A análise discursiva do fragmento permite inferir que, com o intuito de se
defenderdaperda,osujeitoseutilizadeváriosmecanismosquesemanifestamcomo
formadesustentaroegoafimdequeestepossasuperaraperda.
Klein(1940),aofalardoprocessodeluto,apontaqueadortraziapeloprocesso
deperdaéampliadapelasfantasiasinconscientesdosujeito,oqualacreditaterperdido
seusobjetosinternos“bons”também.Ouseja,adordaperdaexteriorsesomaada
perdainterioreoindivíduosevêimersoemumasériedeansiedades.
77
Nessesentido,aautoraressaltaqueduranteoestágiodelutoécomumqueo
sujeitopasseporumestadomaníaco-depressivomodificadoetransitório(KLEIN,1940).
Comopassardotempo,noentanto,esseestadoévencido.Comocaracterísticados
processos defensivos da posição maníaca, tem-se a negação, a onipotência e a
idealização. Neste caso, vê-se que os sujeitos desenvolvem uma negação parcial e
temporáriadarealidade,semaqualpareceserdifícilparaoegosuportarasameaças
percebidas.
Figura02–Famíliaunida
Fonte:Dadosdepesquisa,2016.
78
Figura03–Planosfuturos
Fonte:Dadosdepesquisa,2016.
As produções representadas nas Figuras 2 e 3 destacam a dificuldade acima
elencada.Aoproporaosujeitoquedesenhasse,deformalivre,qualquercoisaquese
relacionasse com o tema da reserva, na Figura 2 o intento foi o de realizar o
preenchimentodafolhacomumaamplagamadeatividades.
Inclusive,autilizaçãodafolhanasuaintegralidadedemonstraafaltadebordas,
consequentemente,de limitação.Ofatodeestesujeitoocupartodaafolhacomsua
produçãopodeserentendidocomoum indicativodedefesaqueomesmoseutiliza
contraoesvaziamentoqueestáexperimentando.
Na figura 3 pode-se observar que o sujeito se mostra representado por um
sujeitopensante,que,domesmomodo,tratadesobreporumasériedeideiasparaao
período da reserva, ocupando plenamente os pensamentos, deslocando sua energia
psíquicaparaaelaboraçãodeumaagendapós-aposentadoria.
Tal fenômeno pode ser compreendido como uma forma de racionalizar a
aposentadoria,mantendoumaagendarepletadecompromissos,similarmenteàquela
adotadaquandoaindanaativa.
Segundo Kaës et al (1991), o desenvolvimento de mecanismos de defesa é
importanteemumaexperiênciaderompimento.Paraoautor,afaltademecanismos
79
dedefesaedesublimaçãoleva,aocontrário,àdestruiçãodosujeito–noseucorpoou
navidapsíquica–eàdestruiçãodoobjetoedovínculo.
Nas figuras 4 e 5 tem-se ilustrado aquilo que o sujeito indicou como
representaçõesdareserva.Apartirdessasproduções,infere-seapercepçãodeafetos
opostos àqueles sugeridos pelos títulos das mesmas, “Transformação” e “Brilho”,
respectivamente.Observa-se,assim,queoprocessodereservaproporcionaavivência
deemoçõesantagônicas,revelandoomecanismodefensivoutilizadopeloprofissional,
naexpressãodeformaçõesreativas.
Figura04–Transformação
Fonte:Dadosdepesquisa,2016.
Figura05–Brilho
Fonte:Dadosdepesquisa,2016.
80
Outroaspectoquemerecedestaquenessasduasproduçõeséofatodeosujeito
significaressemomentodesuavidasemarepresentaçãodalinhadesolo.Ouseja,a
produção sugere que o brilho e a transformação da vivência da reserva são
apresentados sem uma sustentação, baseados em uma realidade que o sujeito
demonstradificuldadesemperceberevivenciar.
Essesmateriais registram a representação da discursividade da ativa sobre a
reserva. Ao analisar os sentidos e significados que esses sujeitos atribuem à
aposentadoria,apreende-sequeelesrepresentamaquiloquenaAnálisedeDiscursose
entendeporderiva.Ouseja,essesprofissionaissofremcomoafastamentoinstitucional,
comoconsequênciadoadventodaaposentadoria,indicandodificuldadesnoprocesso
deelaboraçãodessaperda.
Aproduçãorepresentadanafigura06reforçaesseaspecto.Otemaapresentado
fazalusãoaoproibido,aquestãodainterdição,indicandoqueaangústiaquepermeia
oprocessodepassagemparaareservaétambémadaprivação.Osujeitoéprivado
daquiloqueelenãopodemaisvivenciar–elenãopodeficarmaisnainstituição–sendo
colocadoàmargemdesuavidaprofissionaledasdemaisvivênciaslaborativas.
Figura06–Nãoàsdrogasesimàsaúde
Fonte:Dadosdepesquisa,2016.
Emvezdeumacompreensãomaispositivaequedêaosujeitoalternativaspara
vislumbrar possibilidades no horizonte da reserva, esse militar sofre, apresenta
81
saudade,podendoatémesmocaminharparaapatologia -na figuradadependência
química(conformeilustraafigura6).
Assim,paraaquelesquenãoépossível seguiropercurso idealizado,oqualé
permeado por todo um processo de elaboração e superação do desligamento da
corporaçãoedavidalaborativa,surgeumoutrosentido,oesvaziamento,aderiva.
A deriva se caracteriza comoodeslizamentodo sentidooutro nas diferentes
posiçõesdo sujeito. ParaOrlandi (1998),os sentidoseos sujeitos se constituemem
processos emque há transferências, na figura de jogos simbólicos dos quais não se
detêmocontroleenosquaisoequívoco–aideologiaeoinconsciente–estálargamente
presente.
Essas transferênciasnão sãomeras interações,masdemonstramaalteridade
constitutiva, a presença do outro no linguageiro discursivo. É nessa relação que há
espaço para a ligação, para a identificação e para a transferência, denunciando a
existênciadeumarelaçãoabrindoapossibilidadedeinterpretar(ORLANDI,1998).
Nocasodospoliciaismilitaresqueenfrentamdificuldadesemseuprocessode
passagem para a reserva, trata-se então de um não-sentido, vez que o sujeito não
consegue representar um sentido para esse processo. Ao contrário, o sentido e os
sujeitosnãosãoosmesmos,elesescorregam,derivandoparaoutrossentidosepara
outrasposições.
Assimohomem (se) significa. Sujeitoà falha, ao jogo, aoacaso, e tambémà
regra,aosaber,ànecessidade(ORLANDI,2015).Eessaéadiscursividadedaativasobre
areservaremunerada.
4.3DISCURSIVIDADEDAPASSAGEMDAATIVAPARAARESERVA
Quadro3–QuadroAnalíticodaDiscursividadedaAtivaparaaReserva
Conceito-Análiseapriori
Recortestextuais Paráfrases
Vínculo
Já vislumbro esse momento com a certeza do devercumpridoe...reiniciar(S1).
Eujápensodeoutraforma.Euvoupralá,voucuidardoqueémeu,dasminhascoisas...agentesedistraidetudoqueé
A instituição
teve um papel
importanteem
minhavida.
82
ruim.Entãoagentetemqueterumadistração,nãoésóotrabalho(S3).
Devercumprido[...]erespeito,acimadetudo,dequemtáentrandoatédequemjátáindoembora(S4).
O que eu tenho como cidadão, foi através dos bonsexemplos que eu tive dentro da instituiçãopolíciamilitar(S6).
Acho que fiz a
minhaparte.
Conceito-Análiseapriori
Recortestextuais Paráfrases
Identificação
Agradável porque é... como você ter desenvolvido essaatividade,essaarte...ninguémdeixaelapelosimplesfatodeirparaareserva(S1).
Vocêjáestánareserva,vocêquersermilitar...tuécivil(S2).
GraçasaDeuseutenhobastanteselogiosnaminhaficha.Possodizerquesouumbompolicial,né?Porquechegueiatéaqui(S3).
Oqueeuqueroéfazerissoaí...cuidardeumapropriedademinhaqueeupossateraquiloqueeugosto,né?(S3).
Possomejuntarcommeuirmãoeajudarele,queeletemumaoficinamecânica(S4).
Apesar daminha idade, tenho 51 anos hoje, quero fazeruma...terminarumafaculdade,certo?(S2).
Continuo
sendo o que
sou.
Posso ser
outrascoisas.
Conceito-Análiseapriori
Recortestextuais Paráfrases
MecanismosdeDefesa
Esqueceromundofora,omundoPolíciaMilitar,esquecer(S2).
Agentetemquetirarissodamente.Viverumaoutravida.Étipoassim,umoutronascimento,né.Vocêsairdaquelecotidianodomilitarismo,paraoutravida.Umoutronascimentoaí(S5).
Euainda,àsvezesdefolga,agentesonha.Euachoqueosonhovai vir com mais frequência. Provavelmente virá com maisfrequência(S6).
Preciso pensar
emoutrascoisas
Entendo que
tenho que me
desligar
Fonte:Dadosdepesquisa,2016.
Comojádescritoanteriormente,apartirdoquefoiobservadonasfalasenas
produçõesdospoliciaismilitaresemprocessodeaposentadoria,notou-seosurgimento
83
de três discursividades acerca da reserva, indicando os sentidos e significados
produzidospelossujeitosfrenteaesteprocesso.
Observou-sequeconformeopolicialmilitarvaiseaproximandodomomentoem
quecompletatrintaanosdeserviço–estando,assim,aptoaseaposentar–seudiscurso
vaiproduzindomarcas.Essesregistrossugeremumprocessodetransiçãoentreafigura
doprofissionalvinculadoà instituição,ematividadeedotadodasprerrogativasede
todaasimbologiainerentesàcarreirapolicialmilitar,aoservidoraposentado,queagora
podesededicaraoutrosfazeres,edesligar-sedacorporação,umavezquejácumpriua
suamissão.
Nessaperspectiva,namedidaemqueseavizinhamaocumprimentodostrinta
anosde efetivo exercício, nota-seque, para amaioria dos sujeitos entrevistados, os
militaresqueseencontrammaispertodessacircunstânciasãoaquelescujosplanospara
a reserva aparentam estar bem estruturados, com atividades extrainstitucionais
planejadas,construídasdeformamenosdefensiva.
Assim,nodiscursodosmilitaresquecontamcomatéumanoparaingressarem
na reserva, é possível identificar de forma eminente a incorporação dos aspectos
positivosdainstituiçãosomadoao(re)conhecimentoqueaatividadepôdelheoferecer.
Essa dinâmica proporciona a sensação do dever cumprido e parece possibilitar a
consequentedesobrigaçãocomovínculo institucional,conformeosdiscursosquese
seguem:Oqueeutenhocomocidadão,foiatravésdosbonsexemplosqueeutivedentro
dainstituiçãopolíciamilitar(S6).Devercumprido[...]erespeito,acimadetudo,dequem
táentrandoatédequem já tá indoembora (S4). Já vislumbroessemomento coma
certezadodevercumpridoe...reiniciar(S1).
Bowlby (1997) discorre a respeito da experiência de ruptura ao retratar o
processodeformaçãoerompimentodevínculos,indicandoqueocomportamentode
ligação caracteriza todos os seres humanos. A ansiedade gerada em torno de uma
separação, afirma o autor, pode ser perfeitamente normal e saudável, produzindo
diferentesintensidades.Aquelesquesãocapazesdeavaliarassuasrelaçõescomfiguras
significativas enquanto bases seguras, caracterizando-se pela capacidade de se
autonomizarem,sãoosindivíduosquedesenvolveramumpadrãodeapegoseguro.
Adependerdomodelodeapegodesenvolvidocomasfigurasprimordiaisnavida
dosujeito,haveráumaadaptabilidadenaconstruçãodesucessivosciclosnavida.Este
84
processoteráinfluênciadiretanaetapadediferenciaçãofeitaentreospares,levando-
seemcontaaesferadotrabalhoedacarreira.
Nesse contexto, no caso dos policiais militares entrevistados, por meio do
processoparafrástico,infere-sequeessessujeitosdemonstramumprocessopsíquico
dereconhecimentodopapelqueainstituiçãodesempenhouemsuasvidas,bemcomo
desuaparceladecontribuiçãoperanteessadinâmica.Essacompreensãoparecetersido
fundamental para o processo de diferenciação (da instituição, da carreira, etc.) e
exploraçãodeoutraspossibilidadesnomomentodeaposentadoria.
Deoutrolado,observa-sequeosurgimentodeumcenárioexternoàqueledo
ambientedetrabalhosurgecomoformadedistração,ouseja,comoalgoqueaparece
paradesviaraatençãooumesmoopensamentodaatividadelaboral.Otrabalhoaquié
o cernede todadedicaçãodesse servidor, fontedevirtude, sendoaagendapessoal
entendidacomouma formade lazer,ouatividadequeproporcioneumafastamento
daquelecotidianopesado.
Odiscursodosentrevistadospermitefazeressainferência:euvoucuidardoque
émeu,dasminhascoisas...agentesedistraidetudoqueéruim.Entãoagentetemque
terumadistração,nãoésóotrabalho(S3).Agentetemquetirarissodamente.Viver
umaoutravida.Étipoassim,umoutronascimento,né.Vocêsairdaquelecotidianodo
militarismo,paraoutravida.Umoutronascimentoaí...Procurarseocupar(S5).
Emumartigopublicadoem1916,Freudtrataacercadatransitoriedade(FREUD,
1916).Nessetexto,oautorapresentaaperspectivadedoisamigos–umpoetaeum
amigo–que,apósumacaminhadaatravésdoscampos,emumdiadeverão,apesarde
admiraremocenárioqueoscercava,nãoconseguiamextrairaalegriadisso.Oqueos
perturbava era o pensamento de que toda aquela beleza estava fadada à extinção.
SegundoFreud,aosolhosdopoeta,tudoaquilopareceudespojadodeseuvalor,por
estarsujeitoàtransitoriedade.
Aindaquepara o autor a noçãoda transitoriedadenão conferisse a ideia de
perda,muitopelocontrário,aumentariaovalordoobjetoemquestão,talconstatação
nãocausounenhumaimpressãonosseusamigos.Esseepisódioo levoua inferirque
algum fator emocional se encontrava em ação, conferindo ao luto a causa da
perturbaçãododiscernimentodosamigos,levando-osantecipadamenteaestragarseu
gostodeapreciarabelezaàsuavolta(FREUD,1916).
85
Da mesma forma, observa-se que o processo de passagem para a reserva
desperta nos militares sentimentos diversos frente à questão da transitoriedade,
significada nessa obra pelo autor como sentimento de desamparo motivado pela
experiênciadeperda(FREUD,1916).
Vê-se, assim, como o ingresso na aposentadoria requer desses sujeitos a
mobilização de importantes dinâmicas psíquicas. Igualmente ao tema da
transitoriedade,esseprocessomostra-serepresentadopelapassagem,pelamudança,
pela renovação, pela esperança e pela clara presença de temporalidade e finitude,
demarcadasnosentimentodeperdas,destruiçãoemorte.
Apartirdessaobra,Freudanunciaseusensaiossobreo luto.Nessecontexto,
entende-se que, assim como na vivência do luto, há um movimento natural de
desinvestimentolibidinaldeobjetossignificativosparaosujeito,passandoarealidade
aexigirquetodaalibidosejaretiradadesuasligaçõescomaqueleobjeto.Paraoautor,
olutonãopatológicoimplicaránumprocessodereconstruçãodomododeviver,como
encontrodenovasfontesdesatisfaçãolibidinal(FREUD,1917).
Verifica-se que os sujeitos em processo de aposentadoria encontram-se em
elaboração desse momento. Gradativamente, há um deslocamento de libido
direcionadaatéentãoaoobjetodetrabalhoparaumoutroobjeto(outrosafazeres,a
família,asatividadesdelazer).Alémdisso,areaçãonormaldedesinvestimentoévivida
com certa penosidade, já que se subentende que a mudança na posição libidinal
demandamuitodosujeito,aindaquesetenhaumsubstituto.
Olutonãoprevêumacronologiaexata,oqueexigedosujeitoquedisponhade
umnovomododeviveremconformidadecomaausênciadoobjetoeasuaconstante
representação.Nocasodosmilitares,essafaseacarretaotrabalhodelutodediversas
perdas.Paraalémdovínculocomotrabalho,essesujeitoperdegrandepartedeseus
laçossociais(queestãoatreladosaocotidianodoambientedetrabalho),trazmudanças
contundentes em sua identidade e assinala a perda da juventude, vez que a
aposentadoriaédeterminadapelachegadaaos trintaanosdeexercício,mesmoque
essesujeitoaindadisponhadevigorfísicoparacontinuartrabalhando.
ParaBowlby(1997),osvínculosafetivoseosestadossubjetivosdeforteemoção
tendemaocorrerjuntos.Muitasdasmaisintensasemoçõeshumanassurgemdurante
aformação,manutenção,rompimentoerenovaçãodevínculosemocionais.
86
Emsetratandodepoliciaismilitares,essarupturapodeservivenciadadeforma
maisconflituosa.Paraalémdasquestõesjámencionadas,istopodeocorreremrazão
desetratardeumprofissionalqueseaposentaquandoaindaseencontranoaugedo
seuvigorfísico(porvoltadoscinquentaanosdeidade).Ainstituição,noentanto,nãoo
vêdamesmaforma,prevendonanormativa institucionaloafastamentodotrabalho
paraaquelesquecompletamtrintaanosdeserviço.
Dessaforma,oquesepodepercebersãoservidoresquesãocompelidosase
aposentarem precocemente. Em virtude da legislação específica que os rege, são
levados a encerrar as possibilidades para o exercício profissional enquanto policial,
tendo em vista que, após se aposentarem, não poderão continuar exercendo esta
atividade.
OEstatutoprevêalgumasdistinçõesclarasparaaqueleservidorqueseguepara
a reserva remunerada. Alémde a carreira policialmilitar ser privativa daqueles que
estãonaativa,hámudançasnoque concerneaousodeuniformes, apercepçãoda
remuneração(comacentuadadiminuição),enadiferenciaçãoentrepostos,jáqueem
igualdade de posto ou graduação, os policiais militares da ativa têm precedência
(AMAZONAS,1975).
O discurso institucional demonstra, assim, um posicionamento ideológico de
desvalorização acerca da reserva. Isso corrobora para intensificar a conotação social
depreciativadesseprocessobemcomoexercendopapelsignificativosobreapercepção
dessesprofissionaisfrenteàsemoçõesoriundasdapassagemparaareserva.
Soares,LunaeLima(2010)apontamparaosentimentodeambivalênciacomque
os policiais enfrentam a aposentadoria. Os autores apresentam questionamentos
trazidos pelos sujeitos em processo de afastamento que suscitam reflexões sobre a
importância da identidade profissional para esta classe e geram dúvidas quanto à
manutençãode seucompromisso sociale juramento,aspectosque representaramo
imagináriodaprofissãoequeconduziramtodasuavidapessoaleprofissional.
Nocasodosmilitares,asdificuldadespercebidasnesseprocessogeralmentesão
compreendidasdeformamaisacentuadatendoemvistaarelaçãoqueesteservidor
estabeleceucomseupapelprofissionaleseutempolivre–emregra,escasso.Separa
esse sujeito o trabalho é entendido como um dos meios mais importantes de
constituição de sua identidade, então a aposentadoria poderá produzir uma
87
reorganizaçãoglobaldasuasubjetividade,suscitandoefeitossignificativosemseumodo
devida.
Um discurso que registra essa problemática, demonstrando o movimento
oscilatóriodosujeitofrenteaoprocessoidentificatórioéoquesesegue:Vocêjáestá
nareserva,vocêquersermilitar...tuécivil(S2).
Observa-seque,assimcomonoluto,essadinâmicademandaráqueaospoucos
esse servidor vá encontrando outras fontes de satisfação libidinal, para onde possa
empregarsuasenergias,encerrandogradualmenteosinvestimentosatéentãodirigidos
aomundodotrabalho,nestecaso,àcorporaçãopolicialmilitar.
Em se tratando dos policiais militares deste estudo, esse movimento de
distanciamentosugereentãoqueesseprofissionalsedesliguegradualmentedaimagem
de sujeito trabalhador, protetor da sociedade, considerado muitas vezes como um
super-herói. Esse desinvestimento, ao mesmo tempo em que importante, se faz
necessárioparaqueessesujeitoconsigaseidentificarcomaideiadaaposentadoria,se
ajustandoaosnovospapéissociaisqueareservalheimpõe.
Oprocessoparafrásticooriundodossentidosproduzidospelos sujeitos indica
queessesmilitares,namedidaemqueseaproximamdareservaremunerada,percebem
oencerramentodoseupapelprofissionalde formafuncional.Ouseja,oadventoda
aposentadoriaassinalaparaessessujeitosocumprimentodeseupapelsocial, tendo
realizadooqueforaimpostopelocompromissoassumido,comoafirmaoentrevistado:
GraçasaDeuseutenhobastanteselogiosnaminhaficha.Possodizerquesouumbom
policial,né?Porquechegueiatéaqui(S3).
Observa-se que o fato de o sujeito ter cumprido os trinta anos de efetivo
exercícioindicaparaomesmoquealémdeterdesempenhadosuasfunções/obrigações
sociais, encontra-se isento desses encargos, advindo uma sensação de orgulho pelo
dever cumprido e de liberdade para focar-se no desempenho de outros papéis,
representadosparafrasticamente,napossibilidadedeseroutrascoisas.
SegundoSantos(1990),omodopeloqualosujeitoviveráasuaaposentadoriaé
influenciadopelahistóriadevidadosujeito,suasrelaçõescomasociedade,sobretudo
comopapelprofissionaleseumododeenfrentarasperdasedeseadaptaràsnovas
situações.
88
Algunssujeitosapontamemseusdiscursosapossibilidadedemanejaremessa
circunstância de forma otimista, conforme registra a fala do policial que se segue:
Agradávelporqueé...comovocêterdesenvolvidoessaatividade,essaarte...ninguém
deixaelapelosimplesfatodeirparaareserva(S1).
O discurso produzido pelo sujeito entrevistado remete-se à possibilidade de,
duranteoperíododeaposentadoria,podersededicaraumaatividadedesenvolvida
paralelamenteaolongodotempodacarreirapolicialmilitar.
Osenunciadorespassamavislumbrarapossibilidadededesenvolveremnovas
carreirasoumesmodarcontinuidadeaumtrabalhoiniciadoduranteotempodeserviço
na instituição indicando que aos poucos esse servidor pode ir reconfigurando sua
identidadeprofissional.Afaladossujeitosilustraessacolocação:Oqueeuqueroéfazer
issoaí...cuidardeumapropriedademinhaqueeupossateraquiloqueeugosto,né?
(S3).Possomejuntarcommeuirmãoeajudarele,queeletemumaoficinamecânica
(S4). Apesar daminha idade, tenho 51 anos hoje, quero fazer uma... terminar uma
faculdade,certo?(S2).
Emsetratandodaconstituiçãopsíquicadoeu,Hornstein(1989)assinalaqueesta
se encontra subordinada aos objetos pela via da identificação, ressaltando que “a
identidadenãoseconstituideumavez,parasempre.Novasidentificaçõescontinuam
definindo,complexificandooeuaoqualonarcisismoaponta”.
Nesse sentido, infere-se que o militar passa por um processo de
“desidentificação” com o sujeito da ativa, percebendo-se como portador de novas
perspectivas – consequentemente, novas identificações. Essa dinâmica vai
proporcionandoa esse sujeito a possibilidadededesenvolver ligações libidinais com
novosobjetos,ensejando-lheamanutençãodoseuequilíbriopulsional.
Afaladosentrevistadostambémindicaparaumimportanteprocessopsíquico
quepermiteaosujeitooredirecionamentodesuaspotencialidades,encontrandoassim
novaspossibilidadescriativaseprodutorasdesatisfação,qualseja,asublimação.
EmMal-Estar na Civilização, Freud (1930) aborda de forma ampla a respeito
destaquestão,apontandooselementosqueorganizamessemecanismo.Paraoautor,
háumamudançanosobjetosounosalvosdapulsãoeseusdestinos, inclinandoum
afastamentodosexual.Apulsãoseriaentãoderivadaparaumnovoalvonãosexual,ou
emquevisaobjetossocialmentevalorizados.
89
Em se tratandodos sujeitos deste estudo, observa-se que amanifestação da
capacidade psíquica para buscar novas e fecundas formas de inserções na cultura,
sinalizadas na figura da retomada dos estudos, na possibilidade de iniciar um novo
trabalhoounodesenvolvimentodehabilidadesagráriasregistramaimpressãodeum
atobem-sucedido,propostadomovimentosublimatório.
Consideradapormuitosautorescomoadefesamaisbem-sucedida,observa-se
queasublimaçãodecorredaadaptaçãológicaeativadaspulsõesque,apósescolherem
umanova finalidade,passama satisfazer-se tantoemproveitodoaparelhopsíquico
quantodasnormasqueregemocontextosocial(KUSNETZOFF,1982).
Deoutrolado,adiscursividadedossujeitosdesteestudoindicaque,frenteàs
dinâmicasquesurgememdecorrênciadoprocessodepassagemparaareserva,alguns
dessesprofissionaisfazemusodeoutrosmétodosdequeseserveoegopararesolver
osseusconflitos,nafiguradosmecanismosdedefesa.
Conforme exposto acima, o advento da aposentadoria suscita diferentes
sentimentosnessesujeito,avivênciadesseprocessovairegistrando–paraamaioria
dosprofissionais–apassagempordiferentesdinâmicas,atéachegadadomomentode
elaboraçãodessamudançasignificativadevida.Nessacircunstância,observou-seque
anteriormenteaosdeslocamentos sublimatórios, osmilitaresutilizaram-sedeoutros
mecanismospsíquicosdefensivos,como,porexemplo,orecalque,aracionalização,a
formaçãoreativa,dentreoutros.
Kaës (2014) assinala o funcionamento das operações de defesa pormeio do
recalcamento:
o recalcamento efetua-se sob o efeito de duas exigências. Segundo a
primeira,classicamentedirecionadasoboânguloestritamenteintrapsíquico,
orecalcamentoestáassociadoàsexperiênciasdedesprazeroudeexcessode
prazer,detransbordamentopulsionalederepresentaçõesintoleráveispara
oego.Éummecanismodedefesaintrapsíquico:suaespecificidadeconsiste
na operação pela qual o sujeito reprime e mantém no inconsciente,
representações vinculadas a pulsões inaceitáveis para sua integridade e
constância(p.44).
Afaladosentrevistadosdemonstraumimportantetrabalhopsíquicoqueesses
profissionais se veem compelidos a realizar para a manutenção de seu equilíbrio
psíquico no período após a aposentadoria, empregando o mecanismo
90
supramencionado:Esquecer omundo fora, omundoPolíciaMilitar, esquecer (S2). A
gente tem que tirar isso da mente. Viver uma outra vida. É tipo assim, um outro
nascimento,né.Vocêsairdaquelecotidianodomilitarismo,paraoutravida.Umoutro
nascimentoaí(S5).
Infere-se que para esses sujeitos as representações relacionadas a qualquer
vivênciavoltadaparaainstituiçãoouparaacarreirapolicialmilitardevesersuprimida,
equeavidaforadocotidianolaboraldeveserpautadaporprincípiosdistintosdaqueles
queregeramsuacarreiraprofissional.
SegundoKaës(2014),osconteúdosreprimidosregem-sepelosmecanismosdos
processosprimários(condensação,deslocamento,multiplicaçãodeelementoidêntico,
difração). Há uma constante busca destes em retornar à consciência, à ação ou
formaçãodecompromisso,oquevaimanifestar-separaosujeitonaformadesintomas,
sonhos,etc.
Odiscursoproduzidopelosenunciadoresdesteestudoevidenciaesseprocesso,
comodemonstraafaladoentrevistado:Euainda,àsvezesdefolga,agentesonha.Eu
achoqueosonhovaivircommaisfrequência.Provavelmentevirácommaisfrequência
(S6).
Oretornoàvidacivil,conformeregistraafaladossujeitos,émarcadoporum
recomeço,comumaconcepçãodevidamuitodistintadabiografiaprofissional.Nesse
sentido, observa-se que para os policiais militares deste estudo há uma espécie de
construçãodedoismundos,eapassagemparaareservaapresentaessacisão.
Ao retratar acerca domecanismo da cisão,Melanie Klein (1946) pontua que
nessemecanismoos sentimentosamorosos se voltamparaoobjetogratificador, ao
passoquenosestadosde frustração,oódioe a ansiedadepersecutória se ligamao
objeto frustrador. Esse seria o modo que o ego encontra para que sentimentos e
fantasiassobreoestadodoobjetointernofiquemisoladosunsdosoutros.
Ao utilizar esse mecanismo defensivo, os policiais militares encontram um
caminhoparalidaremcomosimpulsossentidoscomofontedeperigodentrodopróprio
ego.Destaforma,amenizamosestadosdefrustraçãoeansiedade,despertadosapartir
doadventodaaposentadoriaeaspossíveismudançasqueessemomentodesperta.
Afigura7demonstraclaramenteautilizaçãodessemecanismo,vezqueosujeito
seutilizadeumalinhadivisóriapararepresentaressemomento.Nodesenho,exibe-se
91
opassadocomovoltadoparaotrabalhoeparaainstituição;ofuturoéindicadocomo
“vida nova”, aparentando maior proximidade dos familiares; e, na forma de uma
terceira instância, a saúde surge como um aspecto que caminha à parte desses
momentosdevida.
Figura07–Vidasegura
Fonte:Dadosdepesquisa,2016.
Apartirdasproduçõesrealizadaspelossujeitos,constata-sequeháumaquebra,
umarupturaquedeveserrealizadacomachegadadaaposentadoria.Essasensaçãode
separação vem sendo expressa numa atitude básica de oposição, demonstrando a
distinçãoqueéfeitapelospoliciaismilitaresdesteestudoentreavidalaboral(militar)e
avidanomeiocivil.
Asrepresentaçõesconstruídaspelossujeitos,noqueserefereaodesenhoda
figura humana, apontam claramente para essa questão. Ao exibir a figura do
profissional,noformatodosujeitodopassado,odesenhoéapresentadocomomais
complexo (e completo). Sua montagem apresenta mais detalhes, mais cores; é um
92
sujeitouniformizado,queaindadispõedosaparatosdaprofissão.Jáasrepresentações
dossujeitosqueconstamnavidanovaenasaúdesãoelementosmaispobresesimples.
Essasconstruçõesexpõemasdefesasqueessesprofissionaisaindadispõemhoje
(apresençadouniforme reforça isso)emcontraposiçãoàsdefesasqueelenão terá
quando se aposentar. Anteriormente dispunham de uniformes, armas, viaturas, ao
passoquenaaposentadorianãocontarãocomesseaparato,expondooqueirãoperder
apartirdessamudançaprofissional.
Afigura8tambémevidenciaesseafastamento,masexpressaimpulsosamorosos
de reconhecimento e agradecimento à instituição e ao trabalho. A escolha dos
enunciadospostadosnaproduçãoapontaparaareaçãodosujeitodiantedessanova
fase de vida, sendo intitulada como “novos campos de batalha”. Ou seja, evoca a
percepçãodequepossíveisconflitospodemsurgircomoadventodestafase.
Figura08–Satisfeitoporterestadoaqui
Fonte:Dadosdepesquisa,2016.
Ficamregistradosassim,apartirdasproduçõesrealizadaspelossujeitos,como
a vivência da passagem para a reserva desperta uma diversidade de emoções. Para
tanto,essesprofissionaisseveemsujeitosàutilizaçãoderecursospsíquicos–muitas
vezesdefensivos–comoformadeatravessarasdificuldadesoriundasdesseprocesso.
93
4.4DISCURSIVIDADEDARESERVA
Quadro4–QuadroAnalíticodaDiscursividadedaReserva
Conceito-Análiseapriori
Recortestextuais Paráfrases
Vínculo
Eudeixodeterovínculocomainstituição,digamosassim...mas, consequentemente, há uma continuidade pós-vidaparaareserva(S1).
Tenho o serviço de música que eu não pude exercer, euentendo, foi em função do meu emprego do serviço depolicialmilitaretalvezagoracoloqueemprática,né(S6).
Eunãovoumaisquerercumprirumhorário,né?(S3).Bem,continuar,né?Sóquedeforma,digamos,espontânea.É...criar já outro calendário de horários, enfim, essas coisasassim.Mudançadehábito(S6).
É,assim,umaamplitudedotempo,né?Porqueeunãovoutercumprirmaisessehorário(S4)
Avidacontinua
Vou
desenvolver
outras
atividades
Vou tocar a
minhavida
Conceito-Análiseapriori
Recortestextuais Paráfrases
Identificação
Éumagrandevitória...semnemumbraçoquebrado,semnemum...né.Tudointeirinho(S3).
É uma vitória... então às vezes, faltando dias acontecealgumacoisa,comoumareportagem...faltavaumdiaparaele irpra reserva... aconteceuum tirodeumaAR15,queatravessou ele. Isso faz... você tem que rezar pra nãoacontecerissocomagente,né(S5).
Euachoqueemfunçãodemuitoscolegasjovensquevinafrenteaí,naminhafrentequeàsvezessentapraalmoçareencheamãoderemédio,etomaummonteeeu,graçasaDeus,nãopassoporisso,não(S6).
Trintaanoséumajornada.Entãosevocêvaiestarvivo,sevocê vai pegar algumamoléstia, alguma coisa, ninguémsabe. Felizes daqueles que chegarama trinta anos sã desaúde(S2).
Sobrevivi
Consegui sair
vivo
Conquistei
meuobjetivo
Conceito-Análiseapriori
Recortestextuais Paráfrases
94
MecanismosdeDefesa
Eudeixodeterovínculocomainstituição,digamosassim...mas, consequentemente, há uma continuidade pós-vidaparaareserva(S1).
Tenho o serviço de música que eu não pude exercer, euentendo, foi em função do meu emprego do serviço depolicialmilitaretalvezagoracoloqueemprática,né(S6).
Aposentei-me
Vou fazer o
quedesejo
Fonte:Dadosdepesquisa,2016.
Namedida emque foramdesenvolvendo suas ideias acerca domomentoda
aposentadoria, notou-se na fala dos sujeitos entrevistados a elaboração de uma
discursividadedistintadaquelaproduzidaenquantoainda servidoresvoltadosparao
cotidiano do serviço, imersos na rotina da atividade policial militar. Esses registros
apontaramparaperspectivasdiferentescomrelaçãoàaposentadoria,caracterizandoo
queseintituloupordiscursividadedareserva.
Nesse contexto, pode-se constatar que, aindaquenão se tenhaobservado a
homogeneidade encontrada no discurso da ativa – o qual vislumbrou a Reserva
Remuneradadeformanegativae,porvezes,pejorativa–passamasurgirevidênciasque
conduzem a uma nova expectativa para essa fase, sugerindo um realinhamento de
significadosquetornemplausíveiseaceitáveisosdiversosaspectosligadosasuanova
condiçãolaboral.
Háumadiscursividadecomconotaçãonegativaacercadareservaoriundanão
apenasdaconcepçãoinstitucional,aqualentendeaaposentadoriacomosinônimode
inatividade,mastambémemvirtudedopapelatribuídoaotrabalhonasociedadeatual,
entendidocomooprincipalveículodeengatesocialecomoimportanteinstânciaque
agregavaloresaosujeito(JERUSALINSKY,2000).
Além de proporcionar ao sujeito a possibilidade de extrair o seu sustento, o
trabalhoéaatividadecaracterísticapelaqualaquelesqueoexercem inscrevemsua
marcanomundoeseexpressamapartirdele(RUFFINO,2000).Dessaforma,constitui-
sesímbolodeautonomiaeportadeentradaparaaascensãosocial.
Nessa perspectiva, a aposentadoria pode ser entendida como uma condição
desqualificanteparaosujeito,vistoquemuitasvezessurgeacompanhadadeaspectos
95
avaliadosdeformanegativa,comoaincapacidade,ainutilidade,eatémesmoopróprio
processodeenvelhecimento.
Ideologicamente,observa-sequeossujeitosestãoimersosemumasociedade
orientadaporrelaçõesdeproduçãocapitalista,sendoosmesmosmoldadosaviverem
nessesistema.Umavezqueaaposentadoriaremeteàcondiçãodeterquepararde
trabalhar, é possível que represente uma perda de prestígio e, portanto, um
afastamentodomundosocial.
Nocasodospoliciaismilitares,porconstituir-sedeumacarreiracomlimitação
deidadeparaoingressonacorporação,geralmenteoservidorentraparaosquadrosde
pessoal da instituição ainda muito jovem. Ao completar os trinta anos de efetivo
exercício, esseprofissional não só está distanteda faixa etária para ser considerado
idoso(girandoemtornodos50anosdeidade),comodispõeplenamentedeseuvigor
físicoeintelectual.
Essa circunstância pode originar sentimentos como culpa, insegurança, e
contribuir para reforçar a sensação de inutilidade, tendo em vista que esse sujeito
encontrar-se-á desvinculadoda atividadeprofissional desdemuito cedo e, portanto,
semproduzir.Asfalasdosentrevistadosreproduzemesseestado:Euvouestudaroquê?
Né?Euprecisomeformarpraalgumacoisa?Umafaculdadepraquê?(S3).Tunãopode
ficarfechado,nointeriordatuacasa,ficarlá,sóolhandopratuaesposa,verosfilhos
chegardaaula,aquelacoisa(S5).
Emcontrapartida,paraamaiorpartedosentrevistados,aideiadeingressarna
reserva soa conscientemente de forma muito positiva. No decorrer das entrevistas
pode-se observar na fala dos sujeitos que a concepção favorável deste momento
repercutenoprocessodedesvinculaçãojuntoàinstituição,comotambémnaimagem
dosujeitoaposentado.
Osdesafiosenfrentadosnocotidianodaprofissão,osquaiscolocamemriscoa
integridadedoprofissionaleameaçamconstantementeatémesmoamanutençãoda
vidafazemcomqueareservasejapensadacomoformadeprêmio,comoumavitória.
Aaposentadoriapassaaservistanostermosdeumaconquistaparaessessujeitos,que
emmeio a tantos embates profissionais se mantiveram firmes e cumpriram com o
juramentorealizadonoiníciodacarreira.
96
As falasdossujeitos ilustramclaramenteestecenário:Éumagrandevitória...
semnemumbraçoquebrado,semnemum...né.Tudointeirinho(S3).Éumavitória...
entãoàsvezes,faltandodiasacontecealgumacoisa,comoumareportagem...faltava
umdiaparaeleirprareserva...aconteceuumtirodeumaAR15,queatravessouele.Isso
faz...vocêtemquerezarpranãoacontecerissocomagente,né(S5).
Observa-sequeavivênciadassituaçõesderiscoéumaconstantedaatividade
policialmilitar.Assimsendo,oprofissionalquealcançaostrintaanosdeserviçoileso
passaaserconsideradocomorecompensadopeloadventodaaposentadoriaemfunção
dadevoçãoaotrabalhoeàinstituição.
Outrofatorquecorroboraparaoestadodeespíritopropícionoqueconcerneao
entendimentodaaposentadoriaéapossibilidadedeessesujeitodispordeumtempo
para organizar a sua vida de forma livre, conforme suas vontades e anseios. Nesse
sentido,deixamdeincidirasrelaçõespautadaspelahierarquiaedisciplina,quetanto
permearamaorganizaçãodeseushorárioseagenda.
Osprofissionaisapontamparaessamudança,indicandoarepercussãoqueserá
promovidaemsuasvidas:Eunãovoumaisquerercumprirumhorário,né?(S3).Bem,
continuar,né?Sóquedeforma,digamos,espontânea.É...criarjáoutrocalendáriode
horários,enfim,essascoisasassim.Mudançadehábito(S6).É,assim,umaamplitudedo
tempo,né?Porqueeunãovouterdecumprirmaisessehorário(S4).
No que se refere aos laços vinculares estabelecidos junto à instituição e à
carreirapolicial,conformepontuadoacima,observa-sequeaaproximaçãodomomento
da aposentadoria e a oportunidade de construir uma agenda pessoal de forma
voluntáriavãodandoaberturaparaomovimentodedesvinculaçãodosujeito,acenando
paraoaparecimentodeoutrosvínculoseatividades.Osfragmentosdiscursivosquese
seguemdemonstramessecenário:Eudeixodeterovínculocomainstituição,digamos
assim...mas, consequentemente, há uma continuidade pós-vida para a reserva (S1).
Tenhooserviçodemúsicaqueeunãopudeexercer,euentendo,foiemfunçãodomeu
empregodoserviçodepolicialmilitaretalvezagoracoloqueemprática,né?(S6).
Nessaperspectiva,Kaës(2014)apontaparaoespaçodereconhecimentoqueé
dadonoprazerdainvençãodenovosespaçosdevinculação,naemergênciadenovas
formasdevínculosedepensamento,nousodenovosdepósitosepelareconstituição
dospanosdefundopsíquicos.
97
Infere-se, assim, a partir do processo parafrástico construído por meio da
sequênciadiscursiva,otrabalhodeelaboraçãovivenciadoporessessujeitos.Àmedida
quesinalizamparaumadiversidadedeinvestimentospsíquicosquevislumbramcoma
passagemparaareserva,essesprofissionais indicamacontinuidadedesuasvidas,o
desenvolvimentosdeoutrasatividades,caminhando,portanto,paraamanutençãode
suasaúdepsíquica.
Observa-seaindaqueasmodificaçõesprovocadas comachegadadestanova
etapadevidavãoconduziraumareconfiguraçãodacondiçãoexistencialdessessujeitos,
demandandoapromoçãodenovossentidosidentificatórios,naformadeumprocesso
singularderessignificação.
No que concerne à representação da imagem do policial militar na
aposentadoria,evidenciou-se,deumaformageral,umaperspectivasatisfatóriaquanto
ànoçãodaReservaRemunerada.Aideiadequeessesprofissionaiscumpriramcomo
seupapel, seguindoacaboo juramento realizado,proporcionaparaesses sujeitosa
possibilidadedeseaposentaremhonradamente,comocumpridoresdeumimportante
papelsocial.
Assim, a reserva representa a vida, sobretudo, a sobrevida, no sentido da
possibilidadedesobreviver.Asfalasdosentrevistadosdemonstramcomclarezaessa
concepção:Éumagrandevitória... semnemumbraçoquebrado, semnemum...né.
Tudo inteirinho (S3). É uma vitória... então às vezes, faltando dias acontece alguma
coisa,comoumareportagem...faltavaumdiaparaeleirprareserva...aconteceuum
tirodeumaAR15,queatravessouele.Issofaz...vocêtemquerezarpranãoacontecer
issocomagente,né(S5).Euachoqueemfunçãodemuitoscolegasjovensquevina
frenteaí,naminhafrentequeàsvezessentapraalmoçareencheamãoderemédio,e
tomaummonteeeu,graçasaDeus,nãopassoporisso,não(S6).Trintaanoséuma
jornada.Entãosevocêvaiestarvivo,sevocêvaipegaralgumamoléstia,algumacoisa,
ninguémsabe.Felizesdaquelesquechegaramatrintaanossãdesaúde(S2).
Oquesepodecompreenderentãoéque,paraamaioriadospoliciaismilitares
entrevistados, a aposentadoria é o atestado oficial de um grande mérito. Esse
entendimento corrobora para a construção de uma unidade discursiva, tendo como
produtoaimagemdeumsujeitolivre,quepodegozardaaposentadoriadeformamais
saudável.
98
Nointuitodedarsentidoaumaimposiçãoexterna–comonocasodoluto–o
sujeitovê-seobrigadoabuscapelaredenção,comoemumaespéciederealinhamento
psicológico para lidar com as tensões. Nessa direção, é possível que os sujeitos se
utilizemdomecanismoda racionalização, como forma de encontrar uma explicação
lógicaeaceitávelparaenfrentarcomcertapositividadeessemomentodevida.
Ao tratar a respeito das mudanças psicológicas referentes ao momento da
aposentadoria,Santos(1990)postulaquea inatividadepodesersinônimodevazioe
ser,assim, representadapela ideiademorte.Porestar ligadaa ideiadacessaçãoda
atividadeprincipaldosujeito,aaposentadoriapoderiaserconfundidacomofimdavida,
reforçaaautora.
Nocasodossujeitosentrevistados,compreende-sequejustamentepelofatode
assuasvidasprofissionaisrepresentaremumaameaçafísicaepsicológica,submetendo-
osconstantementeaoriscodaprópriamorte,aaposentadoriaaquiassumevaloração
positiva.
Parafrasticamente, considera-se que os sentidos produzidos por esses
profissionaisproduzemformulaçõesdaquiloquerepresentaaelaboraçãodareserva:a
sobrevivência,aconquistadoobjetivo.
Apartirdomomentoemqueaaposentadoria vai adquirindoessa conotação
paraosujeito,passamasemanifestardeformamaisinsidiosa,mecanismospsíquicos
quesugeremalternativassaudáveisparafacilitaravivênciadarupturacomotrabalho.
Nesse sentido, observou-se o exercício da capacidade sublimatória dos sujeitos. Por
meiodessemecanismo,osujeitoatravessaumprocessodeelaboração,garantindoa
suasaúdepsíquica.
SegundoLaplanche&Pontalis(2001),aelaboraçãoéumaexpressãoquedesigna
um“trabalhorealizadopeloaparelhopsíquicocomofimdedominarasexcitaçõesque
chegam até ele e cuja acumulação corre o risco de ser patogênica”. Esse processo
consistiránumaintegraçãodasexcitaçõesquechegamatéopsiquismocomobjetivode
estabelecerentreelasconexõesassociativas.
Apesar de os autores definirem esse processo como um mecanismo
característico do tratamento analítico, observa-se que a elaboração se apresenta no
cotidiano, como um “modo de funcionamento espontâneo do aparelho psíquico”
(LAPLANCHE&PONTALIS,2001).
99
Entende-se que o estabelecimento de caminhos associativos surge como
condiçãoparaatransformaçãodaquantidadefísica(excitações)emqualidadepsíquica,
constituindo-secomoumaimportanteviaparaaassimilaçãodassituaçõesconflitivas.
MelanieKlein(1946),aoassinalaracercadaposiçãodepressiva, indicaquehá
nesse período uma consistente introjeção do objeto bom, o que, por sua vez, será
decisivoparaacapacidadedeamarereparar.Observa-seaquioimpulsopararepararo
objetopreparaocaminhopararelaçõesdeobjetomaissatisfatóriaseparasublimações.
Nessesentido,apreende-sequeoprocessodeaposentadoriaparaospoliciais
militares constitui-se num cenário de possível exercício da função reparadora. Na
medida em que esses sujeitos se encontram bem próximos do advento da reserva,
aparentam internalizar a profissão e a instituição como objeto bom. Esse processo
mostrou-sefundamentalparaamanutençãodesuasaúdemental.
Osdiscursosproduzidospelossujeitosdemonstramnãoapenasacompreensão
do desligamento institucional, como também a possibilidade de instituir novas e
criativaspossibilidadesprodutorasdesatisfação,conformesesegue:Eudeixodetero
vínculo com a instituição, digamos assim... mas, consequentemente, há uma
continuidadepós-vidaparaareserva(S1).Tenhooserviçodemúsicaqueeunãopude
exercer,euentendo,foiemfunçãodomeuempregodoserviçodepolicialmilitaretalvez
agoracoloqueemprática,né(S6).
Essemovimentorefere-seàcapacidadesublimatóriadosujeito, indicandoum
processo de elaboração da situação vivenciada. As produções feitas pelos sujeitos
evidenciam claramente esse processo, apontando para novas possibilidades de
empregodasualibido.Asfiguras9e10ilustramesseprocesso.
100
Figura09–Buscandofelicidade
Fonte:Dadosdepesquisa,2016
Infere-se que a proximidade da reserva desperta para esses sujeitos a
possibilidadede vislumbrar um recomeço. Esse reinício acenaparanovas formasde
exerceremsuascapacidadessublimatórias.
Figura10–Perseverança
Fonte:Dadosdepesquisa,2016.
101
Umoutroaspectomuitocomumnasproduçõesdossujeitoséapossibilidadede
retomadados laços familiares e demais relações sociais.Uma vez que a vidamilitar
demandoucertoafastamentodesseservidoremrelaçãoàfamíliaedemaisespaçosde
convívio, observa-se que a reserva se apresenta como possibilidade de reconquista
dessasrelações,facilitadopelotempolivreproporcionadopelaaposentadoria.
Figura11–Voltandoasociedade
Fonte:Dadosdepesquisa,2016.
Asfiguras11e12ilustramcomrobustezesseaspecto.Valeressaltarqueessefoi
um ponto apresentado por todos os sujeitos entrevistados, apresentando-se a
passagem para a reserva como uma oportunidade para maior envolvimento com a
família.
Figura12–Retornoàfamília
102
Fonte:Dadosdepesquisa,2016.
Asproduçõesdemonstramumaatitudebásicadessessujeitosdepreocupação
comosvínculosfamiliaresecompessoassignificativasdesuasvidas.Observa-sequehá
umaintegraçãodadinâmicafamiliarànovarealidadedevida(aposentadoria),oque
sugereodesejodessesprofissionaisemestabelecercomoprioridadeaunidadefamiliar,
porvezesdistanciadaporcontadocotidianodaprofissão.
Essas relaçõesadquirem importâncianamedidaemqueesses servidoresvão
elaborandoseuafastamentodavidalaboral,indicandoassimnovosdirecionamentosda
energialibidinal.Essecenáriodemonstraumaformaapropriadadeenfrentamentoede
elaboraçãodasperdas,tendocomopontodechegadaofortalecimentodacapacidade
sublimatóriadessessujeitos.
103
5CONSIDERAÇÕESFINAIS
A partir do momento em que se possibilitou um espaço de discussão e,
sobretudo, de fala, ao policialmilitar emprocesso de reserva, obteve-se acesso aos
diversos sentidos e significados que esse sujeito atribui a esta fase de sua vida.
Inicialmenteesselugarconfigurou-sepormeiodeumprogramainstitucional.Foipor
meiodesseestudoquesepôdeampliaraatençãoparaessediscurso,proporcionando
umaescutaqualificadaàspercepçõesdesseservidor.
AAnálisedeDiscursomostrou-seumcampobastante fértil para a realização
deste intento, localizando esse sujeito na cadeia discursiva e alcançando suas falas
dentretantosdizeres.Nessesentido,observou-sea impossibilidadedese isolaruma
falaseparadamentedasdemais.Pelocontrário,analisaram-seosdiscursosproduzidos
pelos sujeitos, identificando-se os sentidos construídos ideologicamente. Para isso,
objetivando-secompreenderqualarepercussãodoadventodaaposentadoriaparaessa
classeprofissional,foirealizadaumadiscussãotransversaldoconjuntodesujeitos.O
trabalhoteveointuitodecompreenderquaisasrepercussõespsíquicasqueoprocesso
de reserva acarreta para a subjetividade dos policiais militares, pondo em foco a
investigaçãodovínculoedosprocessosdeidentificaçãodessesservidoresnomomento
desuapassagemparaareserva.Ateoriapsicanalítica,utilizadacomopanodefundo,
valorizouaexperiênciasubjetivadessesprofissionais,atendo-seàssuassingularidades
frenteàvivênciadaexperiênciahumana.
É inegável que o afastamento das funções laborais causa um impacto
significativonostrabalhadores. Issoocorreporqueotrabalhodesempenhaumpapel
muitoimportantenaconstituiçãosubjetivaenoprocessoidentificatório,especialmente
nos dias atuais. Assim sendo, o advento da aposentadoria influencia as relações
profissionaisepessoais,aformacomosegerenciaotempoeaidentidadedecadaum.
A experiência do trabalho emmeiomilitar, emvirtudede suas exigências de
dedicaçãoedosubmetimentoàsrelaçõesdehierarquiaedisciplina,mostraqueesse
processoévivenciadodemaneiraumpoucodistintadomeiocivil.Háumaintensidade
maior no estabelecimento do vínculo junto à instituição e umpeso significativo dos
preceitosinstitucionaisedaatividadenotrajetoidentificatóriodossujeitosaolongoda
carreira.
104
Apassagemparaareservaapresenta-secomoumprocessodemudançadesses
referenciais.Ovínculoqueoservidormantémcomotrabalhoecomainstituiçãomuda
consideravelmente. Com o advento da aposentadoria, o profissional começa a
vislumbrar que cumpriu com o juramento realizado no início da carreira, o que
consentirácomoseudistanciamentodeformadigna.Namedidaemquevaiassimilando
essastransformações,osujeitopassaasevoltaraoutrosafazeres,encontrandooutros
objetosparainvestimentolibidinal.
No que concerne aos processos identificatórios, observou-se ao longo do
exercícioprofissionala construçãodeuma imagemdeprotetorda sociedade, sendo
valorizadososaspectosdahonradezedamoralidade,característicosdacarreirapolicial
militar. A entrada na reserva possibilita que esse sujeito reafirme seu compromisso
social,vezqueassinalaocumprimentodeseudever,porterprestado,aolongocarreira,
umserviçodeexcelênciaàsociedade.
Para essa classe profissional, a aposentadoria mostrou-se de forma positiva,
ganhandostatusdeprêmio,qualidadeatribuídaparaaquelesquealcançaramofinalda
carreira.Issoocorredevidoaosriscosaqueessesmilitaressãosubmetidosdiariamente,
fruto do exercício profissional. Ou seja, feliz daquele policial militar que pode se
aposentarcomasaúdeconservada,tendocumpridoseupapel.
Entretanto,essesprocessosocorreramnãosemaexperimentaçãodeconflitose
dificuldades.Nessesentido,pormeiodametodologiaempregadafoipossívelobservar
osurgimentodediversosmecanismospsíquicosqueessessujeitosfizeramusoaolongo
desseprocesso,muitosdessesemcaráterdefensivo.
Nointuitodeidentificarquaisosmecanismosdedefesaqueospoliciaismilitares
fizeram uso durante essa etapa de transição, objetivo secundário deste estudo,
constatou-seautilizaçãodedefesascomo:anegação,aformaçãoreativa,orecalque,a
racionalização e a cisão. Diante das exigências da administração da conflitiva, esses
profissionais lançarammãodessesrecursoscomoformadereduziratensãopsíquica
interna.
Esseprocessopersistiuatéomomentoemquefoipossívelvislumbrarformas
maissaudáveisparaoempregodesualibido.Issosedeuàmedidaqueseaproximavam
do momento de passagem para a reserva, oportunidade em que, a partir de uma
105
perspectiva favorável da aposentadoria, os profissionais colocaram em prática suas
capacidadessublimatórias.
Conforme indicam Camargo apud Turato (2010), a fala é um ato criativo.
Entende-se que a proposta desse estudo proporcionou a esses sujeitos que
exercitassemoatodefalar–porvezesestranguladonocampoinstitucional.Oautor
assinalaquefalarsobreaprópriavidapodelevaroentrevistadoareorganizá-la,fazendo
comqueomesmorepenseoseventosdavida,dando-lhesentido.
Ao explorar o percurso profissional dos sujeitos, abordando aspectos
concernentesdesdeseuingressonacarreiraatéomomentodeentradaparaareserva,
dá-seaosujeitoapossibilidadedepoderrepensaracercaseupapelprofissionaleolugar
atribuídoao (não) trabalho.Autilizaçãodos instrumentospara a coletadedados, a
entrevistae,posteriormente,oProcedimentodeDesenhos-Estória,forampensadosno
intuitodeproporcionaraessessujeitosqueseapresentemdeformamenosdefensiva,
contribuindoparaoseuprocessodeelaboraçãodoafastamentolaboral.
Noquedizrespeitoaoaspectoorganizacional,enfatiza-seopapeldopsicólogo,
emespecialo institucional (assumidopelapesquisadoraemquestão),queseriaode
facilitar o processo de transição para a reserva desses sujeitos. Observou-se a
importânciadessasquestõesseremtrabalhadasdesdeaativa,apartirdaperspectiva
doprogramainstitucional,repensando-seemnovaslinhasdeatuação,etambémpor
meio de uma intervenção cada vezmais precoce junto aosmilitares, favorecendo o
trabalhopsíquicosingularfrenteaesseprocesso.
No tocante às contribuições da pesquisa ao Programa de Preparação para a
Reserva-PPR,entende-sequeesseestudoapontouparaalgumasimplicaçõespossíveis
paraaspróximasediçõesdotrabalho.Emprimeirolugar,sugere-sequeaapresentação
dos resultadosdapesquisa pode auxiliar o processode elaboraçãodos profissionais
frenteaocontextodaaposentadoria.Aoperceberaformacomodiferentescolegasde
profissão vêm lidando com esse processo, o sujeito pode vislumbrar cenários mais
positivoseentendermelhorosprocessospsíquicospelosquaisvematravessando.
Alémdisso,aampliaçãodeoportunidadesparaafalaédegrandevalorparaos
profissionaisqueestãoimersosaesseprocesso.Nessesentido,oaumentodosespaços
de discussão e de produção dos policiais militares no programa (no momento das
oficinas, por exemplo) é um aspecto que pode contribuir fundamentalmente para o
106
exercíciodacapacidadesublimatóriadessessujeitos,mostrando-lhesassimestratégias
defensivasmaissaudáveisparavivenciaressemomentodetransição.
Paraaquelesqueencontraramdificuldadesemencontrarumsentidoparaesse
momento, exemplificado ao longo do estudo pela deriva, surge um espaço para a
realização de um trabalho psicológico de suporte. É na deriva que o profissional da
Psicologia deve estabelecer possibilidades de tratamento para aqueles que
encontraramnapatologiadestinoparaoseusofrimentopsíquico.
Esseestudoapontatambémparaaimportânciadeseolhardeformacriticaa
toda a normativa e cultura institucional. Ambos têm grande responsabilidade na
construçãodeuma imagemacercadaReservaRemunerada.Apartir das influências
percebidas pelo militar advindas dos preceitos institucionais, observa-se que uma
concepçãomaisfavorávelacercada“Inatividade”poderiacontribuirsignificativamente
paraesseprocesso.
A pesquisa possibilitou lançar luz a um universo pouco estudado. Contribuiu
tambémparaconsolidarolugardaPsicologianessetipodeinstituição.Ossentidosque
se produziram com esses resultados foram relevantes para o universo das Ciências
HumanasContudo,sabemosquenãoencerramaspossibilidadesdeleituraseanálises.
Conforme afirma Orlandi (2015), todo enunciado é sempre suscetível de
ser/tornar-seoutro.Oobjetopermaneceparanovasabordagens,nãoseesgotandoem
uma única descrição. Assim compreende a Análise doDiscurso. Assim se dá o fazer
psicológico.
107
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APÊNDICE
I–ROTEIROPARAAENTREVISTASEMIDIRIGIDA
Entrevistanº:__________________________________________________________
Local:________________________________________________________________
Cidadeedata:_________________________________________________________
Início:____________________________Término:__________________________
Duraçãoemmin:_______________________________________________________
DADOSPESSOAISDEIDENTIFICAÇÃODOENTREVISTADO
1)Iniciais:_____________________________________________________________
2)Sexo:()M()F
3)Datadenascimento:____/____/________
4)EstadoCivil:()Casado()Solteiro()Divorciado()Outros
5)Cargo:______________________________________________________________
6)Tempodeserviço:____________________________________________________
7)Graudeescolaridade:_________________________________________________
8)Religião:____________________________________________________________
1. Doseupontodevista,comosurgiuaideiadeentrarparaumainstituiçãopolicial
miliar?
2. Poderiamecontaroquesignificouparaasuavidaotrabalhopolicialmilitar?
3. Aseuver,oquelherepresentaapassagemparaaReserva?
4. ComovocêentendequeficaráasuavidaapósaReservaRemunerada?
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II–MODELODOTERMODECONSENTIMENTOLIVREEESCLARECIDO
Caro(a)Senhor(a),
Eu,FláviaCamposLucenaDias,mestrandadoProgramadePós-Graduaçãoem
Psicologia pela UFAM, orientada pela Profa. Dra. DeniseMachado Duran Gutierrez,
docentedaUFAM,FaculdadedePsicologia,estoudesenvolvendoumapesquisacujo
título é “Enlaces e desenlaces identificatórios do policial militar em processo de
Reserva”,realizadanaPolíciaMilitardoEstadodoAmazonas–PMAM.
Apesquisa temcomoobjetivoaveriguarvivências referentesaomomentoda
passagemparaareservadopolicialmilitar.Nestesentido,asuaparticipaçãoémuito
importante,poisapesquisavisaàcompreensãodosprocessosintrapsíquicosquesão
subjacentesàentradanaaposentadoria.
Serão utilizados como instrumentos a técnica da entrevista semidirigida e o
procedimentodeDesenhos-EstóriacomTema,oqualconsistenaelaboraçãodecinco
desenhoscomrelaçãoàpalavraReserva.
Todasasinformaçõesserãogravadase/ouregistradas.Osresultadosdapesquisa
serãoanalisadosepublicados.Garantoqueasinformaçõesobtidasserãoanalisadasem
conjuntocomadeoutrosmilitares,nãosendodivulgadaaidentificaçãodenenhumdos
participantes.Osdadosserãoutilizadosparafinsexclusivamentedepesquisa.
Saliento ainda que a qualquer momento o voluntário poderá desistir de
participardapesquisa,semqualquerimplicaçãoouprejuízo.E,ainda,disponibilizar-me-
ei para procura de atendimento psicológico caso a pesquisa mobilize-o a ponto de
acreditarquevocêprecisedeajuda.
InformoqueoSr(a)temagarantiadeacesso,emqualqueretapadoestudo,a
qualqueresclarecimentodeeventuaisdúvidas.
ConsentimentoPós-Informação
Eu,__________________________________________________, fui informado
sobreoqueopesquisadorquerfazereporqueprecisadaminhacolaboração,eentendi
a explicação. Assim sendo, eu concordo em participar do projeto, sem receber
remuneraçãoporisso.Estourecebendoumacópiadestedocumento,assinada.
____________________________________________________
FláviaCamposLucenaDiasNomeeassinatura
Pesquisadoraprincipal
e-mail:[email protected]
Celular:(92)98112-2466