EU FICANDO BONITO: um questionamento sobre a … · nosotros mismos. Y estos cambios, del tiempo y...
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FAINC – FACULDADES INTEGRADAS
CORAÇÃO DE JESUS
LICENCIATURA
EM EDUCAÇÃO ARTÍSTICA
EU FICANDO BONITO:
um questionamento sobre a beleza
e a estética do corpo na arte
ALEXANDRE BARASINO
SANTO ANDRÉ, 2012
ALEXANDRE BARASINO
EU FICANDO BONITO:
um questionamento sobre a beleza
e a estética do corpo na arte
Trabalho de Conclusão de Curso
como exigência parcial para
obtenção de título de licenciado em
Educação Artística, com habilitação
em Artes Plásticas sob a orientação
do Profa. Ms. Milca Ceccon
Santo André, 2012
Ficha Catalográfica Biblioteca Cecília Meireles - Fainc
701.17 Barasino, Alexandre B18e Eu ficando bonito: um questionamento sobre a beleza e a estética do corpo na arte / Alexandre Barasino. _ _ Santo André: FAINC, 2012. 53 p.; il. Trabalho de Conclusão de Curso. Faculdade de Educação Artística. Faculdades Integradas Coração de Jesus.
1. Estética da arte 2. Belo [Arte] 3. Autorretrato 4. Beleza 5. Corpo Humano I. Barasino, Alexandre II. Título
CDD: 701.17
BANCA EXAMINADORA
Prof. Valdo Rechelo
______________________
Prof. Antônio Valentim Lino
______________________
Orientador (a): Profa. MS. Milca Ceccon
AGRADECIMENTOS
Primeiramente, agradeço ao Grande Arquiteto do Universo pelo dom da vida
e pela luz sempre presente nos caminhos trilhados por mim, na busca
incessante de cumprir satisfatoriamente a missão que me foi designada.
À minha querida família, pelo apoio em todas as horas e pelo encorajamento
nos momentos de dificuldade, seu incentivo e por compreender as ausências
necessárias para que eu pudesse concluir esta importante fase da minha
vida. Especiais agradecimentos: aos meus pais (in memoriam) por sempre
acreditarem no meu potencial; à minha noiva Damiana, por me fazer acreditar
nas minhas próprias capacidades, pela parceria na revisão desse trabalho; e
à minha filha Sabrina, por me estender os braços e me oferecer amor e um
sorriso sincero.
Às Faculdades Integradas Coração de Jesus.
À professora orientadora Milca Ceccon pela orientação pontual.
Ao corpo docente do Curso de Artes Plásticas e em especial aos professores
Valdo Rechelo e Antônio Valentim Lino, sem os quais eu não teria
conseguido as condições necessárias para iniciar esta jornada.
A todos os meus colegas de curso pelo apoio.
“Meu corpo é o templo da minha arte. Eu
exponho-o como altar para adoração da
beleza.”
Isadora Duncan
RESUMO
O tempo deixa marcas em nosso corpo. Nós também provocamos marcas em nós mesmos. E essas mudanças, do tempo e das nossas tentativas de busca pelo belo, nos tornam o que somos hoje. A partir desta inquietação, nasce este projeto de pesquisa, que busca uma resposta para esta busca por beleza estética que remonta dos povos antigos e segue até os dias de hoje. A pesquisa objetiva buscar através da história da arte o porquê da obsessão que temos pela nossa própria imagem. Utilizando a linguagem do autorretrato, foi construída uma linha histórica de fotos do próprio autor em várias fases diferentes, para refletir sobre o que é a vida e também sobre as distintas formas de ser belo. Palavras-chave: beleza; corpo humano; estética; autorretrato
RESUMEN
El tiempo nos deja marcas. Nosotros también provocamos marcas en nosotros mismos. Y estos cambios, del tiempo y de nuestras tentativas de búsqueda por lo que es bello, que nos hace lo que somos hoy. A partir de esta inquietud, nace este proyecto de investigación, que busca una respuesta para esta búsqueda por la belleza estética que remonta desde los pueblos antiguos y sigue hasta hoy. La investigación tiene por objetivo buscar a través de la historia del arte el porqué de la obsesión que tenemos por nuestra propia imagen. Utilizando el lenguaje del autorretrato y, fue construida una línea histórica de fotos del propio autor en diversas fases, para reflexionar sobre lo que es la vida y también sobre las distintas formas de ser bello. Palabras-clave: belleza; cuerpo humano; estética; autorretrato
LISTA DE ILUSTRAÇÕES
Fig. 1- Vênus de Willendorf 14
Fig. 2- Vênus de Malta 14
Fig. 3- Busto de Nerfetiti 15
Fig. 4- Apolo de Belvedere 16
Fig. 5- Georgische Madonna 18
Fig. 6- O homem vetruviano 19
Fig. 7-A Vênus do espelho 20
Fig. 8- La Gamme d’Amour 21
Fig. 9- A maja nua 22
Fig. 10- A maja vestida 22
Fig. 11- A origem do mundo 23
Fig. 12- A bela Rosina 24
Fig. 13- Les demoiselles de Avignon 25
Fig. 14- Cristo carregando a cruz 26
Fig. 15- Sem título 28
Fig. 16- Fulcrum 28
Fig. 17- Reflection 29
Fig. 18- Figure with meat 29
Fig. 19- Performance de Priscilla Davanzo 30
Fig. 20- Performance de Stelarc 30
Fig. 21- Performance de Gina Pane 30
Fig. 22- Vaidade 33
Fig. 23- Vaidade 33
Fig. 24- Permissividade 34
Fig. 25- A espera 34
Fig. 26- Sem título 34
Fig. 27- Sem título 35
Fig. 28- Sem título 35
Fig. 29- Sem título 35
Fig. 30- Sem título 35
Fig. 31- Sem título 35
Fig. 32- Sem título 35
Fig. 33- Sem título 36
Fig. 34- Sem título 36
Fig. 35- Vênus depois de Botticelli 36
Fig. 36- Narciso depois de Caravaggio 37
Fig. 37- Lâminas 37
Fig. 38- Sem título 37
Fig. 39- Projeto inicial 38
Fig. 40- Projeto inicial 38
Fig. 41- Segundo croqui 39
Fig. 42- Terceiro croqui 39
Fig. 43- Quarto croqui 40
Fig. 44- Capa do DVD do filme “A pele que habito” 40
Fig. 45- Quinto croqui 41
Fig. 46- Sexto croqui 41
Fig. 47- Reflection 42
Fig. 48- Man’s head 42
Fig. 49- Painel Tríptico 43
Fig. 50- Coleção de Fotos 3x4 45
Fig. 51- Processo de construção do molde do torso em gaze gessada 47
Fig. 52- Obra final 49
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO............................................................................................... 11
Capítulo 1- Um breve estudo sobre a representação do corpo na arte .. 13
1.1 Arte primitiva .................................................................................................... 13
1.2 Arte greco-romana .......................................................................................... 15
1.3 Arte medieval .................................................................................................. 17
1.4 Renascimento ................................................................................................. 18
1.5 Barroco ............................................................................................................. 19
1.6 Arcadismo ........................................................................................................ 20
1.7 Romantismo .................................................................................................... 21
1.8 Realismo .......................................................................................................... 22
1.9 Simbolismo ...................................................................................................... 23
1.10 Modernismo ................................................................................................... 24
1.11 Arte contemporânea .................................................................................... 25
Capítulo 2 - A concepção do tema da obra ............................................... 32
Capítulo 3 - Os projetos .............................................................................. 38
Capítulo 4 - Autorretrato ............................................................................. 42
Capítulo 5 - A obra ....................................................................................... 44
5.1 O processo da obra ........................................................................................ 44
5.2 A obra ............................................................................................................... 48
CONSIDERAÇÕES FINAIS .......................................................................... 50
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ............................................................. 51
11
INTRODUÇÃO
Falar do corpo humano é assunto que sempre despertou o meu
interesse, mas é um tema muito abrangente. Sempre gostei de desenhar
figuras humanas, mesmo sem pretensão alguma ou até mesmo sem saber o
porquê. Sempre tive uma insatisfação com o meu corpo: achava que para ser
bonito deveria ser forte e ter um corpo definido. Daí nasceu a vontade de
desenvolver o trabalho de conclusão de curso dentro desta temática.
Durante o decorrer dos semestres, eu trabalhei com temas voltados ao
questionamento da beleza e o corpo, fazendo uso de várias técnicas:
têmpera vinílica, têmpera ovo, óleo sobre tela, encáustica fria sobre tela,
assemblage, arte objeto, autorretrato, etc. Partindo desta ideia, quis refletir
em minhas obras a angústia relacionada com a estética do meu corpo.
Não tenho a pretensão neste trabalho de fazer um estudo de história
da arte. Mas fez-se necessário me aprofundar melhor no tema para daí
nascer o meu projeto. Decidi então buscar ao longo da história o ponto de
vista de beleza corporal para ajudar na construção de minhas ideias.
O tempo deixa marcas em nosso corpo. Nós também provocamos
marcas em nós mesmos. E essas mudanças, do tempo e das nossas
tentativas de busca pelo belo, nos tornam o que somos hoje.
A partir de uma inquietação minha, nasce este projeto de pesquisa,
que busca uma resposta para esta busca por beleza estética que remonta
dos povos antigos e segue até os dias de hoje.
O que é ser bonito? Será que eu sou bonito? Será que eu fui bonito?
Será que serei bonito? Essas perguntas nos rodeiam todos os dias, e sempre
foi uma inquietação minha. Daí nascem as mudanças, o corte de cabelo
novo, a roupa nova, etc. Será que as mudanças me deixarão bonito?
Este trabalho busca refletir sobre as mudanças do tempo e as
provocadas por nós mesmos: será a beleza relativa? Será que a beleza “está
nos olhos de quem vê”, como disse o poeta espanhol Ramón de Campoamor
y Campoosorio? O que é beleza afinal?
12
A pesquisa objetiva buscar através da história da arte o porquê da
obsessão que temos pela nossa própria imagem. Através do uso da
linguagem do autorretrato, essa linha do tempo inspirou uma linha histórica
de fotos minhas em várias fases diferentes, para refletir sobre o que é a vida,
as transformações no decorrer dela e as distintas formas de ser belo.
A metodologia utilizada é a pesquisa documental e bibliográfica de
autores clássicos e contemporâneos que refletem sobre a forma que o corpo
é visto e seu papel na sociedade, além de seu papel dentro das artes
plásticas, através da linguagem do autorretrato.
No primeiro capítulo, uma linha temporal é apresentada de forma a
refletir sobre a beleza ao longo da história da arte, passando por todos os
movimentos artísticos, na tentativa de buscar respostas. No segundo
capítulo, é apresentado o processo de concepção da obra. No terceiro
capítulo, estão presentes os esboços dos projetos. No quarto capítulo, é
realizado um estudo sobre a linguagem do autorretrato. E finalmente, no
quinto capítulo é apresentada a obra final e seu processo de construção.
Nas considerações finais será apresentado um conjunto de reflexões
sobre os questionamentos levantados neste trabalho.
13
Capítulo 1
Um breve estudo sobre a representação do corpo na arte
O corpo sempre foi tema de reflexão ao longo da história. Mas nunca
se falou tanto sobre o corpo como na atualidade. “As vanguardas do início do
século XX efetuam uma desintegração da figura humana, questionando a
representação tradicional” (MATESCO, 2009).
Como a temática principal deste trabalho de conclusão trata-se de uma
representação do corpo humano refletindo sobre a beleza e estética do corpo
na atualidade, fez-se necessário buscar ao longo da história da arte o que é
esse conceito de beleza do corpo.
O corpo em si carrega uma dimensão muito abrangente, portanto, a
abordagem para iniciar tal discussão, se fará no âmbito artístico, para situar o
leitor nessa temática tão idealizada pelo ser humano, tendo o corpo como
suporte da arte o espiritual, corpo morada da alma.
1.1 Arte primitiva
Os homens primitivos retratavam seu cotidiano através de pinturas nas
paredes das cavernas. (LAROUSSE, 1998). Através dos tempos, o homem
foi evoluindo e com isso suas técnicas e suportes de pintura foram mudando,
abrindo-se um leque de opções para que retratasse sua época. (LOMEL,
1996). E assim foi, de geração em geração, de movimento em movimento
artístico. Ao retratar seu cotidiano, o homem passou a reproduzir imagens de
pessoas, de deuses, retratando a sua época e a si mesmo.
No período Neolítico, o homem deixou sua vida nômade com o início
do desenvolvimento da agricultura. Isso se refletiu na expressão artística,
onde apareceram os primeiros retratos da figura humana em suas atividades
cotidianas.
14
As mais famosas são as “Vênus”: esculturas em pedra ou marfim que
expressavam a mulher ressaltando a importância da fertilidade. Para tanto,
os seios e os quadris eram retratados de forma avantajada, ou seja: o belo no
corpo de uma mulher era a sua fertilidade.
No livro bíblico de Gênese, o corpo é retratado como criação à
imagem e semelhança de Deus:
Por fim, Deus disse: “façamos o Homem à nossa imagem, como nossa semelhança. Domine ele sobre os peixes do mar, sobre as aves do céu, sobre os animais domésticos, todos os animais selvagens e todos os répteis que rastejam sobre a terra”. E Deus criou o Homem à sua imagem; à imagem de Deus ele o criou. (GÊNESE, 1 : 26,27)
Interessante notar que durante a pré-história o corpo é retratado como
algo perfeito: desde as Vênus que retratam uma mulher perfeita, bela por ser
fértil até a descrição da criação do homem, como imagem e semelhança de
Deus.
Já durante o Egito antigo, o busto de Nerfetiti (nome que significa “a
mais bela chegou”) que foi rainha durante o Egito antigo no século XVIII a.C.,
Fig 2- Vênus de Malta – estatueta de 13 cm encontrada em 1839 no arquipélago de Malta
Fig 1 – Vênus de Willendorf encontrada em 1839 descoberta no sítio arqueológico situado perto de Willendorf, na Áustria.
15
esposa do faraó Amen-hotep IV. Os traços finos, alongados e simétricos
eram o padrão de beleza da época.
O busto de Nefertiti mede 50 cm de altura, tratando-se de
uma obra inacabada. A prova encontra-se no olho esquerdo
da escultura, que não tem córnea incrustada; Ludwig
Borchardt julgou que esta se teria desprendido quando
encontrou o busto, mas estudos posteriores revelaram que
esta nunca foi colocada para não causar inveja às deusas.
(LOMEL, 1996)
Fig 3 – Busto de Nerfetiti encontrado em 1912, em Berlim
É nesta fase que nasce esta preocupação com simetria e traços
alongados, tão em voga nos dias de hoje.
1.2 Arte greco-romana
Os gregos se preocupavam com o corpo, incentivando a prática de
atividades físicas, a ginástica e o esporte.
Na filosofia, Platão afirma que o corpo é um instrumento de
decadência moral: se a alma não soubesse controlar as paixões e os
desejos, o homem seria incapaz de ter um comportamento adequado.
16
O corpo é a condenação ou a denúncia dele como cortina, obstáculo, prisão, peso, túmulo, em suma como uma ocasião de alienação e de constrangimento à exaltação ou a apologia como órgão de prazer, instrumento polivalente de ação e de criação, fonte e arquétipo de beleza, catalisador e espelho das relações sociais, em suma como um meio de libertação individual e coletiva. (BERNARD apud BRAUNSTEIN; PEPIN, 1999)
“O corpo é compreendido como Deus é concebido” (BRAUNSTEIN E
PEPIN, 1999). O ideal de beleza segue sendo o divino. Por isso os artistas da
época davam às estátuas dos deuses “a forma perfeita”, ou seja, a forma
humana, que era o retrato da forma divina. (BRAUNSTEIN E PEPIN, 1999).
Mesmo sendo uma prisão, o corpo seguia sendo belo por ser reflexo da
imagem e semelhança de Deus. Apolo, deus da mitologia grega e romana,
torna-se sinônimo de razão e beleza. Geralmente é representado nu. Durante
o Renascimento, o Apolo de Belvedere passou a ser o modelo de beleza
masculina. (LAROUSSE, 1998)
Fig 4 - Apolo Belvedere, uma das mais célebres representações do deus. Original grego de Leocarés, hoje nos Museus Vaticanos
O corpo belo e são é um corpo equilibrado com a harmonia do
universo, com a paixão e a razão. O corpo é o elo de semelhança dos
17
homens e dos deuses que nos protegem. Daí sua relação com a religião.
(BRAUNSTEIN; PEPIN, 1999).
1.3 Arte medieval
Durante o século VI, nasce a ideia de que o corpo servia aos vícios
humanos, mas acreditava-se que sendo bem utilizado poderia trazer a
salvação das almas. (SCHMITT apud DAMBROS et al, 2008). O corpo
feminino era a representação da tentação e, portanto, era perigoso. Durante
este período a cultura estética e os exercícios físicos eram considerados
pecado. Somente a alma levaria à salvação do homem. (DAMBROS et al,
2008).
Em virtude das doações em terras que recebeu dos nobres, a Igreja acabou por desempenhar importante papel político e econômico durante a Idade Média. (...) Responsável pela vida cultural e religiosa, a Igreja procurava controlar os valores morais, éticos e artísticos, evitando a influência direta das culturas consideradas pagãs - como a grega e a latina – sobre a massa ignorante. (CEREJA E MAGALHÃES, 1994)
O corpo deveria ser escondido e foi reprimido por motivos religiosos.
As pessoas usavam roupas até mesmo durante o banho. A tortura durante a
Idade Média era vista como um ato de purificação do corpo. Para tanto, após
a tortura, o condenado deveria ser cremado, para que seu corpo fosse
destruído junto com os seus pecados. (GARCIA, 1997 apud DAMBROS et al,
2008)
Considerando o corpo como caminho para o pecado, são estimuladas
práticas de purificação, como o jejum, a abstinência e o flagelo, que poderiam
abrir caminho para a realização da virtude moral. (ARANHA E MARTINS,
1994)
18
Nos quadros as pessoas eram retratadas sempre usando roupas que
cobriam todo o corpo e com os olhos voltados para o céu. “O pudor e a
reserva, dominam na Idade Média e no decurso do Renascimento.” O corpo
era mecânico e não um modelo artístico ou psíquico. (BRAUNSTEIN E
PEPIN, 1999).
1.4 Renascimento
No renascimento mudam as concepções que a sociedade tinha sobre
o corpo. Muitas das verdades dogmáticas impostas pela Igreja foram
contestadas pelos humanistas, com o intuito de criar uma nova visão de
mundo.
A arte se volta para a cultura greco-latina, considerando como conceito de beleza a “verdade”: quanto mais a obra fosse uma cópia do real, mais se aproximaria do belo. “Isso possibilita a descoberta do homem através de sua representação artística” (MATESCO, 2009).
Um exemplo disso é o trabalho do artista Leonardo da Vinci, que se
dedica a estudar o fenômeno humano. Daí torna-se um especialista em
anatomia e faz uso dela na sua arte.
Em o Homem de Vitrúvio, Leonardo da Vinci desenha o corpo humano no interior de um círculo e de um quadrado.
Fig. 5 - Georgische Madonna, Meister der Schule von Nowgorod (de 1380 a.C.)
19
Expressão de um homem com as proporções perfeitas no espaço de figuras geométricas perfeitas. (GAYA, 2005)
A geometria, a ciência das formas perfeitas, daria dali em diante a representação correta do real; a perfeição da representação artística estaria assim garantida pela perfeição matemática. (MONTEIRO, 2003)
Fig 6 - O homem vitruviano, Leonardo da Vinci
1.5 Barroco
Durante o barroco, foi produzido o mais famoso nu da história da arte,
“A vênus do espelho”, pelo artista espanhol Diego Velásquez. “Velásquez foi
fiel a sua concepção de humanizar os temas mitológicos e seus
personagens, como fez também em ‘A forja de Vulcano’ e ‘As fiandeiras’”
(GRANDES MESTRES DA PINTURA, 2007).
20
Fig 7 - A Vênus do espelho, Diego Velásquez (1644)
Depois de um período em que o homem tentava imitar os deuses,
temos essa fase em que Velásquez deseja humanizar os deuses. Neste
quadro, o pintor fez uso de um modelo-vivo para obter este efeito humano
que buscava na personagem da mitologia.
1.6 Arcadismo
Antonie Watteau, durante o arcadismo, retratava o homem em sua
atividade social burguesa, sempre com roupas elegantes e requintadas, que
viraram moda na época. (LAROUSSE, 1997). “A moda foi adquirindo
características extremamente rígidas e desconfortáveis” (PIRES, 2005). O
corpo volta a ser aprisionado dentro de padrões, desta vez além de
religiosos, estéticos.
21
Fig. 8 - La Gamme d’Amour, Antoine Wautteau (1710-1720)
1.7 Romantismo
Enquanto a arte clássica pregava um conceito de que o belo era a
cópia dos modelos greco-latinos, durante o romantismo acreditava-se que o
belo era representado pela emoção que o artista sentia no momento de
desenvolver a obra e essa sensação deveria ser reproduzida fidedignamente.
O antigo conceito de belo na arte é abandonado pelos românticos, que defendem a união do grotesco e do sublime, isto é, do feio e do bonito, assim como são as coisas na vida real. (CEREJA E MAGALHÃES, 1994).
Goya, com os quadros “A maja nua” “A maja vestida”, é um exemplo
desta época: obras polêmicas, já que por causa destes quadros, o artista
teve que responder processo aberto pela Inquisição. Não se sabe o nome da
mulher que posou para ele, mas há a certeza de que Goya retratou uma
mulher de carne e osso e não uma deusa grega. (GRANDES MESTRES DA
PINTURA, 2007). A arte romântica põe fim a uma tradição clássica de três
séculos para inaugurar uma nova etapa. (CEREJA E MAGALHÃES, 1994).
22
Fig 9 - A maja nua, Goya (1790-1800)
Fig. 10 - A maja vestida, Goya (1801-1803)
1.8 Realismo
Na segunda metade do século XIX o mundo passa a mudar: lutas
sociais, novas ideias políticas e científicas. O mundo deixa de viver o culto do
eu e de idealizar, precisando de uma arte mais objetiva. Nasce daí o realismo
e um desejo de analisar e criticar as coisas.
23
Fig 11 - A origem do mundo, Gustave Courbet (1866)
Nesta tendência, “A origem do mundo”, quadro pintado pelo
realista Gustave Courbet a pedido do diplomata turco otomano Khalil-Bey,
que solicitou ao artista uma pintura que retratasse o nu feminino na sua forma
mais crua. (MESTRES DA PINTURA, 1978).
1.9 Simbolismo
Já no final do século XIX, o simbolismo chega para contestar toda
essa razão: “a reação da intuição contra a lógica”. (CEREJA E MAGALHÃES,
1994).
Contrariando as expectativas, o título da obra “A bela Rosina” não é o nome do núbio modelo nu, mas do esqueleto cujo crânio tem uma etiqueta a proclamá-lo. (GIBSON, 2000)
24
Fig 12 - A bela Rosina, Antoine Wiertz, 1847
1.10 Modernismo
No início do século XX o mundo passa por transformações profundas:
lutas sociais, guerras, revolução comunista. Há um grande desejo de
libertação. Picasso, por exemplo, “buscou em seus estudos analisar e
simplificar as formas aos elementos básicos, sem perder o contato com a
realidade”. (GRANDES MESTRES DA PINTURA, 2007)
Após mais de nove meses e 809 estudos prévios, nasce “Les
demoiselles de d’Avignon” (1907), quadro que retrata cinco mulheres em uma
cena inspirada no bordel da rua Avignon. Neste quadro, observamos que o
corpo humano começa a ser fragmentado. “Picasso acabou com o conceito
de espaço pictórico imposto no Renascimento”. (GRANDES MESTRES DA
PINTURA, 2007). O artista mostra que a arte não precisa necessariamente
copiar a realidade, e que a forma era tão importante quanto o conteúdo.
25
Fig. 13 - Les demoiselles de Avignon, Picasso (1907)
1.11 Arte contemporânea
“A humanidade urbanizada torna-se uma humanidade sentada" (LE
BRETON apud VIRILO,1999). O ser humano ao longo da história sempre
precisou do corpo para sobreviver. Correr, nadar, caminhar faziam parte da
sobrevivência do homem pré-histórico, assim como na vida da Idade Média.
No mundo contemporâneo, o corpo é passivo e passa a ser apenas um
acessório. A tecnologia termina por transformar o corpo em um rascunho que
deve ser melhorado através de modificações, como por exemplo, a cirurgia
plástica, o body modification, body building, intervenções cirúrgicas para
modificação de sexo, etc. (GAYA, 2005).
O corpo deixou de ser identidade de si, destino da pessoa, para se tornar um kit, uma soma de partes eventualmente destacáveis à disposição de um indivíduo apreendido em uma manipulação de si e para quem justamente o corpo é a peça principal da afirmação pessoal. Hoje o corpo constitui
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um alter ego, um duplo, um outro si mesmo, mas disponível a todas as modificações, prova radical e modulável da existência pessoal e exibição de uma identidade escolhida provisória ou duravelmente. (LE BRETON, 1999)
Fig 14 - Cristo carregando a cruz, Bosch (século XVI)
O conceito de beleza muda drasticamente: há uma ruptura estética.
Umberto Eco apresenta em artigo uma interessante reflexão sobre esta
mudança de conceito. Analisando o quadro de Bosch “Cristo carregando a
cruz”, Eco nos chama a atenção para a presença de dois personagens entre
os carrascos retratados no quadro: um deles com um piercing duplo no
queixo e o segundo com o rosto trespassado por penduricalhos metálicos.
Interessante refletir que esses dois personagens
(...) seriam capazes de matar de inveja muitos astros de rock e seus jovens imitadores (...). A diferença é que Bosch pretendia com isso dar expressão a uma espécie de epifania da malvadeza “antecipando a convicção lombrosiana de que quem se tatua ou altera o próprio corpo só pode ser um delinquente nato”, ao passo que hoje é possível alimentar certo fastio diante de garotos e garotas com uma perolazinha na língua, mas seria no mínimo estatisticamente errado considerá-los portadores de anomalias do ponto de vista genético. (ECO, 2007)
“Escarificações, tatuagens, pinturas e adornos corporais são
recorrentemente identificados por estudiosos como recursos de marcação
identitária e, de modo mais geral, da condição social”. (CASTRO, 2009).
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Vivemos uma pressão da mídia, através dos ideais de beleza e da
moda, para ostentar um corpo perfeito de acordo com padrões pré-
estabelecidos usando como meio a transformação do físico (CASTRO, 2009).
Hoje essa busca pelo corpo perfeito transformou-se em uma obsessão global
e o corpo é apresentado como um objeto de expressão identitária, mas
banalizado.
Segundo Castro (2007), o culto ao corpo
(...) é um tipo de relação entre indivíduos com seus corpos que tem como preocupação básica o seu modelamento, a fim de aproximá-lo o máximo possível do padrão de beleza pré-estabelecido. De modo geral, o culto ao corpo envolve não só a prática de atividade física, mas também as dietas, as cirurgias plásticas, o uso de produtos cosméticos, enfim, tudo que responde à preocupação de se ter um corpo bonito e/ou saudável. (CASTRO, 2007)
Essa obsessão com a aparência faz nascer um desejo de se
diferenciar dos outros buscando construir a sua própria identidade. Essa
busca pela identidade para diferenciar-se acaba levando indivíduos a
buscarem outros que possuem um padrão estético comum que passam a
formar subgrupos.
A atual tendência de cultuar o corpo pode ser entendida como forma de estar na moda, que vem ganhando cada vez mais a adesão de pessoas e criando subgrupos que se diferenciam uns dos outros. (CASTRO, 2007).
Estes grupos são aceitos socialmente em nome da manutenção de um
padrão estético, fazendo com que a sociedade aceite a autocrítica do corpo
exacerbada e até mesmo a submissão a sofrimentos físicos. Cultuar o
próprio corpo passa a ser garantia de pertencimento a um grupo social. Esse
padrão estético pré-estabelecido “coloca a beleza como um conjunto de
traços externos que valorizam as formas retilíneas, a pele clara e limpa, os
cabelos lisos e, sobretudo, a magreza”. (CASTRO, 2007).
Nas artes, algo importante acontece: de tema da obra, o corpo passa a
ser o próprio objeto da criação.
28
Artistas contemporâneos como Yves Klein transformam o corpo nu em
pinceis vivos, nascendo assim a antropometria.
Fig. 15 – Sem título, Yves Klein
Jenny Saville retrata os corpos de uma forma que se assemelham a
montanhas de carne que parecem preencher todo o espaço.
Fig 16 - Fulcrum, Janny Saville (1999)
29
Lucian Freud declara pintar as pessoas não pelo que parecem ser nem
como elas são, mas sim como deveriam ser. Na obra de Francis Bacon o
corpo aparece desfigurado, aterrador, preso em espaços fechados e escuros.
Fig 17 - Reflection, Lucian Freud (1957)
Fig 18 - Figure with meat, Bacon (1954)
Priscilla Davanzo e Stelarc mostram através de suas intervenções em
seus próprios corpos, a insuficiência da anatomia humana. Gina Pane mostra
um corpo mutilado, mortificado. O suporte da arte passa a ser o próprio corpo
do artista, que expressa através de suas intervenções artísticas sua
insatisfação com a condição humana.
Priscilla tatua seu corpo com manchas pretas, deixando sua pele
parecida com a de uma vaca, para mostrar que o ser humano é incompleto,
pois não digere como uma vaca as coisas ao seu redor. “É chato ser
humano”, declarou em entrevista. (PIRES, 2003)
30
Fig. 19 - Performance de Priscilla Davanzo
Fig. 20 - Performance de Stelarc
Fig. 21 - Performance de Gina Pane
Stelarc expressa sua insatisfação com o corpo, por este ser em sua
opinião incompleto, insuficiente. A modificação e inserção de próteses se faz
necessária em sua opinião. (GAYA, 2005).
Gina Pane pretende, através da automutilação, proporcionar uma
reflexão sobre o problema da violência na vida contemporânea.
O corpo não é um instrumento pelo qual o nosso ser íntimo tenta se exprimir: meu corpo sou eu mesmo me expressando. (...) A relação do homem com o seu corpo nunca será objetiva, mas carregada de valores. O corpo nunca é dado ao homem como mera anatomia: o corpo é a expressão dos valores sexuais, amorosos, estéticos, éticos, ligados bem de perto às características da civilização a que pertencemos. (ARANHA, MARTINS, 1994)
Pode-se dizer que a arte, após a máquina fotográfica, perdeu o sentido
em retratar em pintura o que a câmera poderia fazer. Isso ocasionou uma
31
mudança gerando vários movimentos artísticos e despertando nos artistas a
ânsia de procurar novas formas de pintura. Deve-se atentar também ao fato
de que o corpo passou a ser reconhecido como um suporte da expressão de
arte.
Outro fato importante é que a forma de retratar o corpo deixou de estar
enquadrada dentro de uma tela, ou presa em uma escultura, mas ganhou a
flexibilidade de ser representado em uma instalação, em uma performance,
através de objetos como também a ser suporte da arte.
O corpo passa a ser questionado, banalizado, fragmentado. “A arte
relacionada diretamente com o corpo é uma forte vertente da arte
contemporânea” (PIANOWSKI, 2007). Isso fortaleceu a temática da obra
apresentada como trabalho de conclusão e que embasa todas as reflexões
do trabalho desenvolvido durante o curso de Artes Plásticas.
Considerando esta linha do tempo, o conceito de corpo e beleza foi
mudando ao longo da história. Verificar que este conceito foi mudando com o
passar dos séculos foi muito importante para o desenvolvimento deste
trabalho e o ponta pé inicial para compreender melhor este conceito dentro
da arte.
32
Capítulo 2
A concepção do tema da obra
Quando estava no terceiro semestre, fui convidado para participar de
uma exposição em homenagem a São Francisco de Assis, mas eu me sentia
despreparado e imaturo. Conversei sobre isso com um amigo chamado
Thiago Moellas que me ensinou a ver a arte de uma forma diferente.
Até então eu sempre visualizada a ilustração primeiro e depois a ideia.
O Thiago me ensinou a ver que a arte tem que se basear primeiramente em
um conceito e a partir do conceito é que o suporte deve ser elaborado. Aí
consegui desenvolver o trabalho baseado em um conceito e este foi um
objeto: em um suporte circular em mdf, desenvolvi um planeta em argila, com
brocas de furadeira que formavam uma cruz. O conceito foi do esgotamento
do planeta pela ação do homem. Apesar de um projeto simples, me trouxe o
gosto do trabalho dentro da arte-objeto.
Surgiu então o 39º Salão de Arte Contemporânea em que eu
desenvolvi três objetos a partir de um conceito: a beleza e a estética do
corpo, tema este que eu busquei dentro de mim mesmo. Aí nasceu a questão
do corpo: por ser um tema comum a todos na atualidade e por ser uma
questão intrínseca minha. Apesar dos trabalhos terem sido recusados, foi um
grande aprendizado e uma excelente experiência.
O Prof. Valdo Rechelo depois, para minha surpresa, me chamou para
participar do 14ºUrbano exatamente com esses objetos. Este foi o estopim
para eu me sentir no caminho certo. A partir daí comecei a desenvolver
vários trabalhos sobre a efemeridade do corpo e da beleza, sobre os
questionamentos que eu tenho com relação a minha aparência e o meu
corpo, etc.
Nessa época, foram desenvolvidos os trabalhos a seguir:
33
Fig. 22 – Vaidade, Alexandre Barasino (2011) Acrílica s/ gesso e acessórios
O crânio remete ao fim de todos nós, indica o quanto somos iguais e o quanto nossa
aparência é efêmera. Os acessórios indicam o quanto lutamos por nos mantermos joviais e belos através da vaidade, apesar da realidade indicar que a beleza tem um fim.
Fig 23 - Vaidade, Alexandre Barasino (2011) Acrílica s/ gesso e Epóxi
Reflexão sobre a negação e a transformação do corpo.
34
Fig 24 - Permissividade, Alexandre Barasino (2011)
Colagem s/ aparelho telefônico
Reflexão sobre a banalização do corpo, o comércio do corpo. A transformação do corpo em produto.
Este tema, por ser muito rico, começou a nortear os meus trabalhos
dentro dos dois últimos semestres. Fui aproveitando para experimentar
dentro das técnicas desenvolvidas em sala esta reflexão sobre tempo,
juventude, velhice, beleza, feiura e morte, ou seja, tudo que se refere ao
corpo.
Fig. 25 - A espera, Alexandre Barasino (2011)
guache s/ canson
Fig. 26 - s/título, Alexandre Barasino (2011)
têmpera ovo s/ tela
35
Fig. 27 - s/título, Alexandre Barasino (2011)
têmpera ovo s/ tela
Fig. 28 - s/título, Alexandre Barasino (2011)
têmpera vinílica s/ tela
Fig. 29 - s/título, Alexandre Barasino (2011)
têmpera vinílica s/ tela
Fig. 30 - s/título, Alexandre Barasino (2011)
têmpera vinílica s/ tela
Fig. 31 - s/título, Alexandre Barasino (2011)
encáustica fria s/ tela
Fig. 32 - s/título, Alexandre Barasino (2011)
óleo s/ tela
36
Fig. 33 - s/título, Alexandre Barasino (2011)
óleo s/ tela
Fig. 34 - s/título, Alexandre Barasino (2011)
óleo s/ tela
Fig. 35 – Vênus depois de Botticelli, Alexandre Barasino (2011)
têmpera vinílica s/ tela
37
Fig. 36 –Narciso depois de Caravaggio,
Alexandre Barasino (2011)
Objeto
Fig. 37 –Lâminas, Alexandre Barasino
(2012)
Pintura objeto
Fig. 38 – S/ título, Alexandre Barasino (2012)
assemblage
Todos estes exercícios, somados à pesquisa histórica citada no
primeiro capítulo, foram amadurecendo a minha certeza de trabalhar o corpo.
Conversei com o Prof. Antônio Valentim Lino sobre a ideia do tema do TCC e
fui muito incentivado em prosseguir explorando o corpo na minha arte, até
mesmo porque já possuía uma série de trabalhos no tema. Então comecei a
pensar em outras possibilidades e outros suportes dentro da mesma
temática, para que pudesse desenvolver o mesmo conceito.
38
Capítulo 3
Os projetos
Com a temática fechada, comecei a pensar no suporte que usaria para
desenvolver o trabalho. Como tive uma experiência muito positiva dentro da
arte-objeto, pois gostei muito de trabalhar com este suporte, não tive dúvidas
de que o meu trabalho final seria um objeto.
Comecei então a desenvolver alguns croquis dentro deste conceito e
na temática do corpo. A primeira ideia que me veio foi de usar um manequim
masculino como suporte e cobri-lo com argila cor de barro, que representaria
a criação de Deus, já que o processo de criação do homem na bíblia realiza-
se a partir do barro. Também pensei em usar lâminas, representando a
insatisfação do homem com seu próprio corpo, o flagelo, a dor que a
insatisfação consigo mesmo causa, ou seja, o processo de modificação que o
homem passa para mudar a si mesmo.
Fig. 39 e Fig 40- Projeto inicial: o busto que seria utilizado e o croqui da obra concluída
Conversando com a minha orientadora, Profa. Milca Ceccon, fui
orientado a buscar outras possibilidades além desta. Foi aí que nasceu o
segundo croqui:
39
Fig. 41 - Segundo croqui
Baseando-me na pesquisa histórica e estudando a questão de que lá
na Grécia, Platão considerava o corpo a prisão da alma e me baseando na
questão contemporânea de modificar o corpo por considerá-lo insuficiente e
incompleto, considerado um acessório apenas, desenvolvi este croqui
querendo representar a relação do corpo físico com a alma. Nesta mesma
linha de raciocínio nasceu também o terceiro croqui: as faixas simbolizariam
essa prisão que Platão menciona, e a rosa vermelha, o amor dentro desta
prisão. O oratório representaria a busca pela alma.
Fig. 42 - Terceiro croqui
40
Ainda insatisfeito com esses projetos, criei o quarto croqui,
desenvolvendo a ideia de representar o corpo como um ser manipulável e em
todas as possibilidades de mudança corporal presentes na minha pesquisa
histórica: body-art; body-modification, cirurgias plásticas... Pensei em utilizar
o busto que eu já tinha, colocar tinta vermelha nele para simbolizar o sangue
e cobri-lo com papel filme com a intenção de representar essa modificação.
Quando as pessoas fazem uma tatuagem, usam o papel filme para proteger
a pele e o desenho tatuado. Coincidentemente, no mesmo dia da ideia me
deparei com a capa do dvd do filme “A pele que habito”, de Almodóvar, com a
mesma ideia que eu tinha tido:
Fig. 43 e Fig. 44 - Quarto croqui e a capa do DVD do filme “A pele que habito”
41
Aí então tive a ideia de trabalhar com o corpo mutilado, representando
a fragmentação e a banalização do corpo. Surgiram então o quinto e o sexto
croqui:
Fig. 45 e Fig. 46 - Quinto e sexto croqui
Cheguei à conclusão que eu estava com uma ideia fixa de querer
representar o corpo mostrando um corpo, seja ele fragmentado, mutilado, por
inteiro, representando essa ideia da banalização da alma, de valorizar o
efêmero. Percebi que o que me levou a fazer este trabalho foi uma
inquietação que eu tenho com relação ao meu próprio corpo, com a estética
do meu corpo. Pensando nisso e vendo uma coleção de fotos antigas
minhas, pensei que a forma melhor de representar essa questão da
inquietação com o meu próprio corpo seria fazer um autorretrato. A partir daí
começaram os estudos em autorretrato, como veremos no próximo capítulo.
42
Capítulo 4
Autorretrato
O autorretrato sempre acompanhou o ser humano na história. Desde
os homens pré-históricos que deixaram suas mãos marcadas nas paredes
como forma de manter o registro de sua identidade para posteridade até na
atualidade com artistas como Gustavo Rezende, Lucian Freud, Alex Fleming,
etc..“O autorretrato é o espelho do artista Nele se reflete sua imagem
externa, assim como seu estado de espírito e sua própria maneira de ver a
arte conforme vai usando cores, luzes, traços, formas e texturas” (CANTON,
2001).
Registrar sua própria imagem vem da necessidade do homem de
registrar sua própria existência e de pensar e repensar a sua própria
identidade.
O autorretrato acaba tratando de questões tanto físicas quanto
emocionais, já que o retrato além de mostrar a forma, transmite o estado
emocional do momento da imagem.
Dois artistas influenciaram diretamente o meu trabalho: Lucian Freud e
Edgard de Souza.
Lucian Freud ficou conhecido por seus quadros autobiográficos, que
incluíam autorretratos ou retratos de amigos. “O material subjetivo”, diz
Freud, é “autobiográfico e realmente tem tudo a ver com esperança,
lembranças, sensualidade e envolvimento”. (FREUD, 2012)
Fig. 47 - Reflection, Lucian Freud (1985)
Fig. 48 - Man’s Head, Lucian Freud (1963)
43
Edgard de Souza possui um aspecto importante em sua obra: a
temática do corpo humano. No final da década de 1990 o artista produziu
uma série de fotografias nas quais trabalhou sua própria imagem gerando
significados ambíguos, temática presente em suas esculturas e objetos. Nas
fotos sua imagem clonada gera significados opostos de atração e repulsa,
reflexo e estranheza, identidade e alteridade, ruptura e unidade.
Fig. 49 - Painel Tríptico, Edgard de Souza (1998)
Baseado nestes dois artistas, e principalmente em Edgar de Souza,
decidi trabalhar com o autorretrato utilizando a foto como suporte.
44
Capítulo 5
A obra
5.1 O processo da obra
Depois de desenvolver os croquis, comecei a refletir na questão de
deu início a este projeto a partir de uma inquietação minha, do meu próprio
corpo. A partir disso, nasceu uma pesquisa histórica.
Além do mais, olhando meus objetos pessoais, encontrei sem querer
uma coleção de fotos 3x4 minhas que guardava desde criança. Pensando na
questão do busto masculino, decidi fazer o meu próprio busto com gaze
gessada.
Quis então juntar as fotos e o meu busto de uma forma que
representasse toda a minha trajetória estética até os dias de hoje, as
mudanças físicas e emocionais pelas quais passei, de forma a fazer uma
representação da minha vida através das transformações do meu corpo.
O busto traz a ideia de tirar um molde do meu corpo hoje, uma
mumificação, a prisão da alma, como afirmava Platão, uma cópia de mim
mesmo, uma representação de que estou ali.
No início eu quis representar o corpo no manequim. Depois de
conhecer a obra de Edgard de Souza, passei a refletir sobre porque não
trabalhar o meu próprio corpo, ao invés de um manequim pronto? Foi aí que
tive a iniciativa de engessar a mim mesmo e criar a partir do meu corpo uma
casca, um invólucro para que, além das fotos, eu pudesse estar presente
fisicamente.
45
Fig. 50 – Coleção de fotos 3x4
Passei a refletir sobre a inquietação com a estética do meu próprio
corpo (ser magro, meus pelos, a cirurgia do meu nariz, o aparelho nos
dentes, os óculos que tenho que usar).
Essa reflexão mais os estudos feitos sobre estética e corpo ao longo
da história aliou-se aos estudos do simbolismo – já que o quadro “A bela
Rosina”, de Wiertz, em especial, me chamou a atenção desde o ano passado
quando o vi em um livro na biblioteca da faculdade, exatamente por trazer
como tema principal a beleza efêmera. Tudo isso junto com a vontade de
desenvolver um autorretrato (inspirado em Edgard de Souza e Lucian Freud)
no qual eu pudesse trabalhar em um único projeto dentro do tema
autorretrato.
A ideia de juntar as fotos desde quando era criança até agora foi com
a intenção de trabalhar a questão do tempo, das transformações que o corpo
sofre influenciado por padrões estéticos, por influências emocionais.
Construir uma linha do tempo, que represente a vida do artista e o processo
46
de aceitação de si mesmo aliado à efemeridade da própria vida, da beleza,
da estética: “uma ação de tentar escapar da caricatura a que o tempo
inexoravelmente leva as pessoas” (CANTON, 2001). As fotos representam a
necessidade de mudança, as angústias e dúvidas sobre a estética do corpo
humano, um questionamento do que é belo perante a sociedade.
O gesso foi utilizado, pois quis dar a ideia de que esses padrões
estéticos sociais e midiáticos acabam por engessar nossa identidade. As
pessoas buscam uma identidade e por isso se modificam. Só que essa busca
acaba por engessar-nos em padrões pré-estabelecidos:
(...) longe da uniformidade dada pela natureza, os corpos são manipulados culturalmente e usados de maneira particular em cada sociedade, apontando a dimensão instrumental do corpo, objeto passível de uma educação cultural (CASTRO, 2009)
A primeira, a moda, além de suprir essa necessidade que o sujeito tem de se diferenciar dos demais e ser reconhecido por alguma característica particular, pessoal, intrasferível. A segunda se refere ao desejo de se sentir inserido em um grupo social, em um contexto de semelhantes. (PIRES, 2005).
Esse molde em gesso representa a minha própria identidade presa
nos moldes sociais. É um autorretrato. Por isso fui a uma loja tirar uma foto
3x4 vestindo o molde em gesso. Um retrato de mim mesmo como me sinto.
47
Fig. 51: Processo de construção do molde do torso em gaze gessada.
O processo de construção do molde foi realizado envolvendo o meu
próprio corpo com gaze gessada. Foram feitos ajustes necessários no molde.
Depois desse processo foram tiradas fotos 3x4 do molde encaixado em mim
48
mesmo, de modo a dar sequencia nas demais fechando assim o conjunto de
fotos até o momento atual e a sensação que tenho do meu corpo, a forma
com que me vejo.
5.2 A obra
A obra consiste em 19 fotos 20x30 feitas a partir da ampliação de fotos
3x4 de momentos diferentes de minha vida: uma coleção realizada desde a
infância, sendo que no lugar onde haveria uma vigésima foto, há um espaço
vazio, refletindo sobre o que vem depois: o que virá depois do
engessamento? A fotos serão fixadas individualmente em papel Foam Board
formando um painel de 1,30 x 1,15.
Trata-se de um autorretrato construído através de uma série de fotos.
A primeira foto foi tirada em 1985, quando eu tinha 7 anos de idade. Foi uma
foto tirada para a minha carteira escolar quando cursava a primeira série. A
segunda, aos 13, foi para tirar a minha carteira de trabalho e RG. A terceira,
aos 15, foi tirada para a carteirinha da escola , onde fiz meu primeiro curso de
desenho artístico. A quarta foto, com 17 anos, foi para a carteirinha escolar
do primeiro ano colegial. A quinta foto foi tirada também aos 17, mas apareço
utilizando terno. Na sexta, apareço com 18 anos. A foto foi feita para a
carteira de reservista. A sétima foto foi utilizada na carteirinha do meu
segundo ano do colegial. A oitava, com 20 anos, foi usada para a carteirinha
do terceiro ano do colegial. A nona, tirada em 2000, foi utilizada para tirar a
segunda via do RG. Já na de 2004, na décima foto, estava com 26 anos e
esta foi tirada para a renovação da minha carteira de motorista. Em 2006 tirei
a décima primeira foto. Esta foi muito importante para mim porque foi a
primeira foto depois da minha cirurgia de nariz, e a fiz simplesmente para
guardar de recordação esse momento. Em 2008, fiz a décima segunda foto,
que serviu para o crachá da loja em que eu trabalhava. Aos 31 anos tirei a
décima terceira foto, também para o crachá do trabalho. A décima quarta, de
2011, foi tirada para a carteirinha da faculdade. A décima quinta, também de
2011, foi feita para a renovação do meu RG. Em 2012, tirei uma nova foto, a
décima sexta, que serviu para o meu crachá da Prefeitura de São Bernardo,
49
pois fui aprovado em um concurso público. 3 fotos foram feitas especialmente
para este trabalho: na décima sétima, quis retratar meu momento atual, no
qual tenho que usar óculos de grau; na décima oitava quis mostrar além dos
óculos, meu aparelho nos dentes, de forma divertida, pois quis retratar os
dois acessórios de forma lúdica, como uma caricatura de mim mesmo. Na
décima nona, fiz uso do molde de gesso, retratando como me sinto e essa
questão da prisão da alma, da mumificação do corpo, do desejo de manter o
corpo sempre jovem e bonito.
Essas fotos foram distribuídas em ordem cronológica em um painel
(1,30 x 1,15), fazendo uso da linguagem do autorretrato.
Fig. 52- Obra Final, Alexandre Barasino (2012)
50
CONSIDERAÇÕES FINAIS
É evidente na linha do tempo construída a mudança do meu corpo e o
meu crescimento, mesmo não tendo nenhuma interferência no corpo, as
marcas ocasionadas pelo tempo ficaram. É possível observar nas fotos, por
exemplo, a mudança em meu nariz, ocasionada por uma cirurgia de desvio
de septo a qual fui submetido por questões de saúde. O aparelho e os óculos
também foram inseridos pelo mesmo motivo.
Observo nesta obra a fragilidade do corpo humano, pois mesmo não
tendo optado por nenhuma interferência artística ou estética, o meu corpo
com suas imperfeições é igual a qualquer outro corpo humano que sofre
mudanças através do tempo, sejam elas provocadas por si mesmo, ou por
problemas de saúde, ou pela ação do tempo.
Acredito no corpo não como a “prisão da alma” que Platão descreve,
mas sim como um veículo que usamos para realizar algo em vida. Fazemos
parte da natureza, de seu ciclo de nascimento, crescimento, envelhecimento
e morte. A questão da estética e da beleza do corpo na arte sempre existiu e
sempre existirá, eternizando um momento, décadas, uma cultura, sendo
importante para que possamos nos compreender como seres humanos.
A estética e a beleza do corpo estão em todo ser humano,
independente de sua cultura, raça ou nacionalidade. O corpo é um veículo
frágil que um dia envelhece, mas que adquire uma outra beleza, uma outra
estética. Acredito que muitas pessoas veem o corpo de várias formas, até
mesmo banalizando-o, comercializando-o, idolatrando-o, ou até mesmo
desprezando-o.
A sequencia de fotos representa um autorretrato, em que cada foto
representa um momento de minha vida, e a mudança do meu corpo. As três
últimas fotos e o espaço vazio que as segue sugerem uma reflexão sobre
meu momento atual, como me sinto e o futuro, indecifrável. Uma incógnita
que fica em aberto para a leitura do expectador.
51
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