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Marilda Capital Fetiche

SERVIO SOCIAL EM TEMPO DE CAPITAL FETICHE CAPITAL FINANCEIRO, TRABALHO E QUESTO SOCIALEditora Cortez, So Paulo, 2007

Autora: Marilda Vilela Iamamotto

Captulo II Capital fetiche, Questo Social e Servio SocialA estruturao da economia capitalista mundial, aps a Guerra Fria e no alvorecer do sculo XXI, sob a hegemonia do imprio norte-americano, sofre profundas mudanas na sua conformao. A efetiva mundializao da sociedade global acionada pelos grandes grupos individuais transnacionais articulados no mundo das finanas. Este tem como suporte as instituies financeiras que passam a operar com o capital que rende juros (bancos, companhias de seguros, fundos de penso, fundos mtuos e sociedades financeiras de investimento), apoiados na dvida pblica e no mercado acionrio das empresas. Esse processo impulsionado pelos organismos multilaterais captura os Estados Nacionais e o espao mundial atribuindo um carter cosmopolita produo e consumo de todos os pases. O capital financeiro assume o comando do processo de acumulao e, mediante inditos processos sociais, envolve a economia e a sociedade, a poltica e a cultura, vincando profundamente as formas de sociabilidade e o jogo das foras sociais.

1) Mundializao da economia, capital financeiro e questo social

A mundializao da economia est ancorada nos grupos individuais transnacionais, resultantes de processos de fuses e aquisies de empresas em um contexto de desregulamentao e liberalizao da economia.Essa denominao impensvel sem a interveno poltica e apoio efetivo dos Estados Nacionais, pois s na vulgata neoliberal o Estado externo aos mercados. Nesse novo estgio de desenvolvimento do capital redefinem-se as soberanias nacionais, com a presena de corporaes transnacionais e organizaes multilaterais o Fundo Monetrio Internacional, o Banco Mundial e a Organizao Mundial do Comrcio, a santssima trindade do capital em geral principais porta vozes das classes dominantes em escala mundial. Vem ocorrendo o fenmeno da homogeneizao dos circuitos do capital, homogeneizao esta apoiada na mais completa heterogeneidade e desigualdade das economias nacionais.

O novo neste contexto de liberalizao e desregulamentao do capital que os bancos perdem o monoplio da criao de crdito e os grandes fundos de investimentos passam a realizar operaes de emprstimos s empresas que eram clientes preferenciais do sistema bancrio, com ele competindo na busca de juros elevados.

Outro elemento indito, que alimenta a mundializao o crescimento da dvida pblica que se converte em fonte de poder dos fundos de investimentos, assoberbando o capital fictcio.Como as taxas de juros so superiores ao crescimento global da economia ao produto interno bruto tais rendimentos crescem como uma bola de neve.

Traduzindo esses mecanismos, tem-se que o capital financeiro avana sobre o que Oliveira (1998) denomina de fundo pblico, formado por parte dos lucros dos empresrios e do trabalho necessrio dos trabalhadores, que so apropriados pelo Estado sob a forma de impostos e taxas.

O investimento especulativo no mercado de aes aposta na extrao da mais valia presente e futura dos trabalhadores para alimentar as expectativas de lucratividade das empresas, segundo padres internacionais que parametram o mercado financeiro.

A mundializao financeira sob distintas vias de efetivao unifica, dentro de um mesmo movimento, processos que vm sendo, tratados pelos intelectuais como se fossem isolados ou autnomos:

- a reforma do Estado, tida como especifica da arena poltica;

- a reestruturao produtiva referente s atividades econmicas empresariais e esfera do trabalho;

- a questo social-reduzida aos chamados processos de excluso e integrao social geralmente circunscrito a dilemas da eficcia da gesto social;

Atribuir visibilidade aos fios intransparentes supra-assinalados, que tecem a totalidade do processo de mundializao, da maior importncia para compreender a gnese da (re)produo da questo social, que se esconde por detrs de suas mltiplas expresses especficas, que condensam uma unidade de diversidades.

Esse processo de mundializao provoca a polarizao da classe trabalhadora. Por um lado, um grupo central, proporcionalmente restrito, de trabalhadores regulares, com cobertura de seguros e direitos de penso, dotados de uma fora de trabalho de maior especializao e salrios relativamente mais elevados. Por outro lado, um amplo grupo perifrico, formado por um contingente de trabalhadores temporrios e/ou de tempo parcial, dotados de habilidades facilmente encontrveis no mercado, sujeitos aos ciclos instveis da produo, e dos mercados. A ampliao de trabalhos temporrios expressa o aumento da subcontratao de pequenas empresas, que agem como escudo protetor de grandes corporaes, enquanto transferem os custos das flutuaes dos mercados externalizao da produo.

Tais mudanas encontram-se na origem do sofrimento do trabalho e da falta deste que conduz ociosidade forada enormes segmentos de trabalhadores aptos ao trabalho, mas alijados do mercado de trabalho, engrossando a superpopulao relativa para as necessidades mdia do capital.

Na direo analtica supracitada, a questo social expressa a subverso do humano prpria da sociedade capitalista contempornea, que se materializa na naturalizao das desigualdades sociais e na submisso das necessidades humanas ao poder das coisas sociais do capital dinheiro e de seu fetiche. Conduz indiferena ante os destinos de enormes contingentes de homens e mulheres trabalhadores resultados de uma pobreza produzida historicamente, universalmente subjugada, abandonada e desprezada, porquanto sobrantes para as necessidades mdias do capital.

2) A questo social no Brasil Contemporneo

Para Wanderley (2000, 2003), discernir a questo social na Amrica Latina exige atentar s particularidades histrico-culturais das relaes sociais na regio em suas dimenses econmicas, polticas, culturais e religiosas, com acento na concentrao de renda e poder e na pobreza das grandes maiorias. Exige tambm atribuir visibilidade aos sujeitos que, por meio de seus esforos, conflitos e lutas atribuem densidade poltica questo social, na cena pblica: indgena, negros, trabalhadores urbanos e rurais, mulheres, entre outros segmentos, que se constroem e se diferenciam nas histrias nacionais.

Na atualidade, identificam-se semelhanas e diferenas na implementao das chamadas polticas de ajuste estrutural na Amrica Latina; elas assumiram diferentes formas e graus de intensidade no vrios pases latino-americanos. Dentre os traos comuns dessas polticas pode-se registrar: maior abertura da economia para o exterior em nome da maior competitividade nas atividades produtivas; racionalizao da presena do Estado na economia liberando o mercado, os preos e as atividades produtivas; estabilizao monetria, como meio de reduo da atividade pblica, com elevado nus para as polticas sociais. Os impactos da reduo dos gastos sociais e a conseqente deteriorao dos servios sociais pblicos dependeram das relaes entre o Estado e a sociedade, das desigualdades e das polticas sociais anteriormente existentes ao programa de Contra-reformas.

Esse quadro de radicalizao da questo social atravessa o cotidiano do assistente social que se defronta com segmentos de trabalhadores duplamente penalizados. De um lado, ampliam-se as necessidades no atendidas da maioria da populao, pressionando as instituies pblicas por uma demanda crescente de servios sociais. De outro lado, esse quadro choca-se com a restrio de recursos para as polticas sociais governamentais, coerente com os postulados neoliberais para a rea social, que provocam o desmonte das polticas pblicas de carter universal, ampliando a seletividade tpica dos programas especiais de combate pobreza e a mercantilizao dos servios sociais, favorecendo a capitalizao do setor privado.

A crtica neoliberal sustenta que os servios pblicos, organizados base de princpios de universalidade e gratuidade, superdimensionam o gasto estatal, assim como a folha salarial dos servidores pblicos. Como o gasto social tido como uma das principais causas da crise fiscal do Estado, a proposta reduzir despesas, diminuir atendimentos, restringir meios financeiros, materiais e humanos para implementao dos projetos. E o assistente social que chamado a implementar e viabilizar direitos sociais e os meios de exerc-lo v-se tolhido em suas aes que dependem de recursos, condies e meios de trabalho cada vez mais escassos para operar as polticas sociais.

Nosso pas apresenta uma das piores distribuies de renda do mundo s superado por Serra Leoa, na frica Ocidental. O desemprego concentra-se nas regies metropolitanas, que registram as taxas mais elevadas de seu crescimento com destaque, por ordem crescente para Salvador, Recife, Rio de Janeiro, So Paulo, alm do Distrito Federal. Nestas regies, a taxa de desemprego elevou-se de 7% para 13% entre 1995 e 2003.

Desde 1993 aumenta a proporo dos empregados sem carteira assinada destitudos dos direitos trabalhistas: 13 salrio, frias, seguro-desemprego, FGTS e benefcios previdencirios: auxlio-doena, auxlio acidente de trabalho, salrio maternidade, penso por morte, aposentadoria. O grupo que trabalha por conta prpria, na sua maioria absoluta encontra-se envolvido em atividades precrias, o que testado pelo no acesso aos benefcios da previdncia: 81,9% no contribuem para a previdncia social na mdia nacional.

A persistncia do trabalho infantil elevada. O Radar Social atesta em 2003, 1,7 milho de crianas entre 10/14 anos trabalhando e outras 184 mil procura de ocupaes, ainda que o trabalho infantil tenha diminudo em termos absolutos e relativos.

3) Sociabilidade capitalista, questo social e Servio Social A feio em que se apresenta a questo social na cena contempornea expressa, sob inditas condies histricas, uma potenciao dos determinantes de sua origem j identificados por Marx expressos na lei geral da acumulao capitalista e na tendncia do crescimento populacional no seu mbito.

A questo social expressa, portanto, desigualdades econmicas, polticas e culturais das classes sociais, mediatizadas por disparidades nas relaes de gnero, caractersticas tnico-raciais e formaes regionais, colocando em causa amplos segmentos da sociedade civil no acesso aos bens da civilizao.

na tenso entre re-produo da desigualdade e produo da rebeldia e da resistncia que atuam os assistentes sociais situados em um terreno movido por interesses sociais distintos e antagnicos, os quais no so possveis de eliminar, ou deles fugir, porque tecem a vida em sociedade.

Assim, apreender a questo social tambm captar as mltiplas formas de presso social, de re-inveno da vida construdas no cotidiano, por meio das quais so recriadas formas novas de viver, que apontam para um futuro que est sendo germinado no presente.

Trata-se, no dizer de Iamamotto, de uma velha questo social inscrita na prpria natureza das relaes sociais capitalistas, mas que na contemporaneidade se reproduz sob novas mediaes histricas e, ao mesmo tempo, assume inditas expresses espraiadas em todas as dimenses da vida em sociedade.

O Servio social tem na questo social a base de sua fundao enquanto especializao do trabalho. Os assistentes sociais, por meio da prestao de servios scio-assistenciais indissociveis de uma dimenso educativa (ou produo ideolgica) realizados nas instituies pblicas e organizaes privadas, interferem nas relaes sociais cotidianas, no atendimento s variadas expresses da questo social, tais como experimentadas pelo indivduos sociais no trabalho, famlia, na luta pela moradia e pela terra, sade, na assistncia social pblica, entre outras dimenses.

Atualmente a questo social passou a ser objeto de um violento processo de criminalizao que atinge as classes subalternas. (Ianni, 1992, 2004 e Guimares, 1979). Recicla-se a noo de classes perigosas no mais laboriosas sujeitas represso e extino.

A tendncia de naturalizar a questo social acompanhada da transformao de suas manifestaes em objeto de programas assistenciais focalizados de combate pobreza ou em expresses de violncia dos pobres, cuja resposta a segurana e a represso oficiais.

3.2.2) O debate na literatura profissional brasileira recente.

A identificao da questo social como elemento transversal formao e ao exerccio profissional no fruto de uma deciso arbitrria ou aleatria. Decorre em primeiro lugar, da necessidade de impregnar a profisso de histria da sociedade presente e, em particular, da realidade brasileira, como caminho necessrio, para superar os dilemas da reiterada defasagem entre teoria e exerccio profissional cotidiano, qualificando as respostas profissionais no enfrentamento das expresses cotidianas da questo social.

Os esforos de atribuir densidade terica ao debate sobre a questo social no Servio Social, no mbito do universo da teoria crtica, a partir da dcada de 90, seguem uma rica trajetria, registrando contribuies que tratam do tema sob ngulos diversos. O acervo dessas produes mostra no existir unicidade na compreenso da questo social no amplo arco da tradio crtica do Servio Social brasileiro, ainda que haja um consenso majoritrio quanto sua centralidade para o Servio Social.

Yasbeck (2001) assinala que na atualidade, a questo social se redefine, mas permanece substantivamente a mesma por se tratar de uma dimenso estrutural. Assume, hoje, novas configuraes e expresses com a transformao nas relaes de trabalho e a perda da proteo social dos trabalhadores e setores mais pauperizados. Em uma sociedade de classes, a questo social um elemento central da relao entre profissional e realidade. O foco da autora incide nas suas resultantes, consubstanciadas na pobreza, excluso e subalternidade, indicadores de uma forma de insero na vida social, de uma condio de classe e de outras condies de reiterao da desigualdade (gnero, etnia, procedncia, etc), expressando as relaes vigentes na sociedade.

Faleiros (1999) reage proposta da ABESS/CEDEPSS concernente s relaes entre Servio Social e questo social. Considera improcedente tomar este conceito abstrato e genrico para definir uma particularidade profissional e reclama uma definio rigorosa da noo. Assevera uma dupla contestao: se a questo social for entendida como as contradies do processo de acumulao capitalista, seria, improcedente coloc-la como objeto particular de uma profisso determinada, pois diz respeito a relaes no passveis de serem tratadas profissionalmente atravs de estratgias institucionais e relacionais tpicas do Servio Social; caso se refira s manifestaes dessas contradies preciso tambm qualific-las para evitar identificar uma heterogeneidade de situaes indiscriminadas como objeto da ao profissional.

O autor defende, em contrapartida, que a particularidade da profisso defini-se no contexto de uma relao de foras como se a questo social no fosse por ela atravessada inscrita nas relaes de poder: uma relao complexa que passa pelos processos de hegemonia e contra hegemonia, de dominao de raa, etnia, gnero, culturas e regies que constituem capitais, na expresso de Bordieu. O autor conclui ser o empowerment o fortalecimento dos sujeitos da interveno profissional o objeto construdo da interveno. Postula tambm a necessidade de se trabalhar com redes multipolares, que articulem atores em torno de uma questo disputada para fortalecer os oprimidos.

O foco central recai sobre a ao em defesa do usurio (cliente) na busca de romper a concepo individualista de seu problema mediante o contrato com profissionais e no contato com outros usurios, que permita acionar o seu poder.

3.3) Servio social e as repostas poltico institucionais questo social

As estratgias para responder questo tm sido tensionadas por projetos poltico institucionais distintos, que presidem a estruturao legal e a implementao das polticas sociais pblicas desde o final dos anos 80, e que convivem em luta no seu interior. Vive-se uma tenso entre a defesa dos direitos sociais universais e a mercantilizao e re-filantropizao do atendimento s necessidades sociais, com claras implicaes nas condies e relaes de trabalho do assistente social. (Oliveira e Salles, 1998. Bravo, 1996).

O primeiro projeto, que norteia os princpios da Seguridade Social na Carta Constitucional de 1988, aposta no avano da democracia, fundada na participao e do controle popular; na universalizao dos direitos e em conseqncia, da cobertura e do atendimento das polticas sociais; na garantia da gratuidade no acesso aos servios, na integralidade das atividades voltadas defesa da cidadania de todos na perspectiva da igualdade.

Pensar a defesa dos direitos requer afirmar a primazia do Estado enquanto instncia fundamental sua universalizao na conduo das polticas pblicas, o respeito ao pacto federativo, estimulando a descentralizao do poder e o impulso ao processo de democratizao das polticas sociais no atendimento s necessidades da maioria. Ela implica partilha e deslocamento de poder (e dos recursos oramentrios) combinando instrumentos de democracia representativa e democracia direta, que ressalta a importncia dos espaos pblicos de representao e negociao. Supe, portanto, politizar a participao, considerando a gesto como arena de interesses que devem ser reconhecidos e negociados.

Este projeto tensionado por um outro que se materializa, a partir dos meados da dcada de 90, na profunda reestruturao do aparelho de Estado, conforme diretrizes estabelecidas no plano diretor do Estado, do Ministrio da Administrao e da Reforma do Estado (MARE) atropelando, no processo de sua regulamentao legal, as normas constitucionais relativas aos direitos sociais, e que atinge profundamente a seguridade social. Essa regulamentao ratifica a subordinao dos direitos sociais lgica oramentria, a poltica social poltica econmica e subverte o preceito constitucional.

exatamente o legado dos direitos conquistados nos ltimos sculos que est sendo desmontado nos governos de orientao neoliberal, em uma ntida regresso da cidadania que tende a ser reduzida s suas dimenses civil e poltica, erodindo a cidadania social.

O Servio Social, ao lidar com as mltiplas e diversificadas expresses da questo social e poltica pblica correspondentes, tem tido uma insero privilegiada neste mbito. No Brasil, da maior importncia o trabalho que vem sendo realizado por assistentes sociais especialmente na esfera da seguridade social: nos processos de sua elaborao, gesto, monitoramento e avaliao, nos diferentes nveis da federao. Destaca-se ainda, a atuao dos assistentes sociais junto aos Conselhos de Poltica com salincia para os Conselhos de Sade e Assistncia Social nos nveis nacionais, estaduais e municipais. Somam-se os Conselhos Tutelares e Conselho de Direito, responsveis pela formulao de polticas pblicas para a criana e o adolescente, para a terceira idade e pessoas portadoras de necessidades especiais.

Os Conselhos, perfilando uma nova institucionalidade nas aes pblicas, so instncias em que se refratam interesses contraditrios e, portanto espaos de lutas e disputas polticas.

Por um lado, eles dispem de potencial para fazer avanar o processo de democratizao das polticas pblicas. Permitem atribuir maior visibilidade s aes e saturar as polticas pblicas das necessidades de diferentes segmentos organizados da sociedade civil, em especial os movimentos das classes trabalhadoras. Por outro lado, so espaos que podem ser capturados por aqueles que apostam na reiterao do conservadorismo poltico, fazendo vicejar as tradicionais prticas clientelistas, a cultura do favor e da apropriao privada da coisa pblica segundo interesses particularistas, que tradicionalmente impregnaram a cultura poltica brasileira.

Outro elemento que merece destaque, no ordenamento poltico institucional vigente da poltica social o aumento da participao no governamental na sua implementao, com a presena do terceiro setor. Na interpretao governamental, ele tido como distinto do Estado (primeiro setor) e do mercado (segundo setor), considerado como um setor no governamental, no lucrativo e voltado ao desenvolvimento social, que daria origem a uma esfera pblica no estatal, constituda para organizao da sociedade civil de interesse pblico.

No marco legal do terceiro setor no Brasil so includos entidades de natureza as mais variadas que estabelecem um termo de parcerias entre entidades de fins pblicos de origem diversa (estatal e social) e de natureza distinta (pblica ou privada). Engloba sob o mesmo ttulo, as tradicionais instituies filantrpicas, o voluntariado e organizaes no governamentais desde aquelas combativas que emergiram no campo dos movimentos sociais quelas com filiaes poltico-ideolgicas as mais distintas, alm da denominada filantropia empresarial.

Chama ateno a tendncia de estabelecer uma identidade entre terceiro setor e sociedade civil, cuja polissemia patente. Esta passa a ser reduzida a um conjunto de organizaes as chamadas entidades sem fins lucrativos - sendo dela excludos os rgos de representao poltica, como sindicatos e partidos, dentro de um amplo processo de despolitizao. A sociedade civil tende a ser interpretada com um conjunto de organizaes distintas e complementares destituda dos conflitos e tenses de classe, onde prevalecem os laos de solidariedade. Salienta-se a coeso social e um forte apoio moral ao bem comum, discurso esse que corre paralelo reproduo ampliada das desigualdades, da pobreza e da violncia. Estas tendem a ser materializadas, e o horizonte a reduo de seus ndices mais alarmantes.

A sociedade civil tem sido usada como instrumento de canalizar o projeto poltico de enfraquecimento do Estado Social e para disfarar o carter de classe de muitos conflitos sociais.

Os projetos levados a efeito por organizaes privadas apresentam uma caracterstica bsica, que os diferencia: no se movem pelo interesse pblico e sim pelo interesse privado de certos grupos e segmentos sociais, reforando a seletividade no atendimento, segundo critrios estabelecidos pelos mantenedores. Portanto, ainda que o trabalho concreto do Assistente Social seja idntico no seu contedo til e formas de processamento - o sentido e resultados sociais desses trabalhos so inteiramente distintos, visto que presidido por lgicas diferentes: a do direito privado e do direito pblico, alternando-se, pois, o significado social do trabalho tcnico-profissional e o seu nvel de abrangncia.

Constata-se uma progressiva mercantilizao do atendimento s necessidades sociais decorrentes da privatizao das polticas sociais. Nesse quadro, os servios sociais deixam de expressar direitos, metamorfoseando-se em atividades de outra natureza, inscrita no circuito de compra e venda de mercadorias. Estas substituem os direitos de cidadania, que, em sua necessria dimenso de universalizao, requerem a ingerncia do Estado. O que passa a vigorar so os direitos atinentes condio de consumidor (Mota, 1995). O grande capital, ao investir nos servios sociais, passa a demonstrar uma preocupao humanitria coadjuvante da ampliao dos nveis de rentabilidade das empresas, moralizando sua imagem social.

Historicamente os assistentes sociais dedicaram-se implementao de polticas pblicas, localizando-se na linha de frente das relaes entre populao e instituies ou, nos termos de Netto (1992), sendo executores terminais de Polticas Sociais. Embora esse seja ainda o perfil predominante, no mais o exclusivo, sendo abertas outras possibilidades. O processo de descentralizao das polticas sociais, com nfase na sua municipalizao, requer dos assistentes sociais como de outros profissionais novas funes e competncias. Os Assistentes sociais esto sendo chamados a atuar na esfera da formulao e avaliao de polticas e do planejamento, gesto e monitoramento, inscritos em equipes multiprofissionais. Ampliam seu espao ocupacional para atividades relacionadas ao controle social, implantao e orientao de conselhos de polticas pblicas, capacitao de conselheiros, elaborao de planos e projetos sociais, ao acompanhamento e avaliao de polticas, programas e projetos.Novas exigncias de qualificao se apresentam ento:

- o domnio de conhecimento para realizar diagnsticos scio-econmicos de municpios; para a leitura e anlise dos oramentos pblicos, identificando seus alvos e compromissos, assim como os recursos disponveis para projetar aes; o domnio do processo de planejamento; a competncia no gerenciamento e a avaliao de programas e projetos sociais; a capacidade de negociao, o conhecimento e o know-how na rea de recursos humanos e relaes de trabalho, entre outros.

Orientar o trabalho nos rumos aludidos, requisita um perfil profissional culto, crtico e capaz de formular, recriar e avaliar propostas que apontem para a progressiva democratizao das relaes sociais. Exige-se, para tanto, compromisso tico-poltico com valores democrticos e competncia terico-metodolgica na teoria crtica em sua lgica de explicao da vida social. Esses elementos, aliados pesquisa da realidade, possibilitam decifrar as situaes particulares com que se defrontam o assistente social no seu trabalho, de modo a conect-las aos processos sociais macroscpicos que as geram e as modificam. Mas, requisita tambm, um profissional versado no instrumental tcnico-operativo, capaz de potencializar as aes nos nveis de assessoria, planejamento, negociao, pesquisa e ao direta, estimuladora da participao dos sujeitos sociais nas decises que lhes dizem respeito na defesa de seus direitos e no acesso aos meios de exerc-los.

Captulo III A produo terico brasileira sobre os fundamentos do trabalho do assistente social

1) Rumos da anlise

O propsito deste captulo estabelecer uma interlocuo crtica com a literatura profissional brasileira no que se refere aos fundamentos do trabalho do assistente social, elaborada nas dcadas de 80 e 90 e aos anos 2000, que alimentou a renovao do Servio Social no Brasil e se reclama no amplo campo da teoria social crtica.

A anlise circunscrita literatura brasileira, visto que a polmica terica e poltico-profissional instaurada no Servio Social, na dcada de 80, tributria da complexificao histrica do Estado e da sociedade no pas com a expanso monopolista capitaneada pela grande capital impulsionado pelas condies criadas com a ditadura militar e sua crise: a ditadura do grande capital (Ianni, 1981). Por outro lado, a posio de proeminncia que o pas dispe hoje, no universo profissional latino americano inconteste.

O ponto de partida do debate , certamente, a concepo de profissional elaborada pela autora na dcada de 80, aqui submetida a um balano crtico ante as novas condies scio-histricas no transito do sculo XX para o XXI. A hiptese que essa anlise da profisso na diviso scio-tecnica do trabalho foi largamente incorporada pela categoria profissional, tornando-se de domnio pblico, o mesmo no ocorrendo com os seus fundamentos referentes ao processo de produo e reproduo das relaes sociais, o que justifica as necessidades de sua retomada e aprofundamento, com foco privilegiado no trabalho e sociabilidade na ordem do capital, como subsdio para se pensar o exerccio profissional na atualidade.

A novidade da incurso, que se prope aqui efetuar, abrir um dilogo fraterno, no interior de um mesmo campo poltico-profissional, com companheiros de longo curso e de muitas batalhas acadmicas e polticas, com claro intuito de fortalecimento e aprimoramento de um mesmo projeto profissional coletivamente partilhado. Assim, a novidade est no fato de que os interlocutores so parceiros e no opositores inscritos em um universo terico soldado pela teoria social crtica ou em reas fronteirias que se aproximam no campo poltico ainda que abordados sob diversas inspiraes tericas que vo desde o anncio do hegelianismo (Hegel), ao amplo campo da tradio marxista: Marx, Lukcs e Gramsci.

Transitar da anlise da profisso para o seu efetivo exerccio agrega um complexo de novas determinaes e mediaes essenciais para elucidar o significado social do trabalho do assistente social considerado na sua unidade contraditria de trabalho concreto e abstrato enquanto o exerccio profissional especializado que se realiza por meio do trabalho assalariado alienado.

1.1) A condio de trabalhador assalariadoO significado social do trabalho profissional do assistente social depende das relaes que estabelece com os sujeitos sociais que o contratam, os quais personificam funes diferenciadas na sociedade. Ainda que a natureza qualitativa dessa especializao do trabalho se preserve nas vrias inseres ocupacionais, o significado social de seu processamento no idntico nas diferenciadas condies em que se realiza esse trabalho porquanto envolvido em relaes sociais distintas.

Portanto, essas relaes interferem decisivamente no exerccio profissional, que supe a mediao do mercado de trabalho por tratar-se de uma atividade assalariada de carter profissional.

Assim, a condio de trabalhador assalariado, regulada por um contrato de trabalho impregna o trabalho profissional de dilemas da alienao e de determinaes sociais que afetam a coletividade dos trabalhadores, ainda que expressem de modo particular no mbito desse trabalho qualificado e complexo.

Quando se negligencia as relaes sociais por meio das quais se d realizao da atividade profissional, considerando apenas a qualidade do trabalho, corre-se o risco de resvalar a explicao para uma anlise a - histrica, ainda que em nome da tradio marxista.

O exerccio profissional no foge dessas determinaes sociais. O assistente social, ao ingressar no mercado de trabalho condio para que possa exercer sua profisso como trabalhador assalariado vende a sua fora de trabalho: uma mercadoria que tem o valor de uso, porque responde a uma necessidade social e um valor de troca expresso no salrio.O dinheiro que ele recebe expressa a equivalncia no valor de sua fora de trabalho com todas as outras mercadorias necessrias sua sobrevivncia material e espiritual, que podem ser adquiridas no mercado at o limite quantitativo de seu equivalente o salrio ou proventos que corresponde a um trabalho complexo que requer formao universitria. por meio dessa relao mercantil que se d a objetivao do valor de uso dessa fora de trabalho, expresso no trabalho concreto exercido pelo assistente social dotado de uma qualidade determinada, fruto de sua especializao no concerto da diviso do trabalho.

A condio assalariada - seja como funcionrio pblico ou assalariado de empregadores privados, empresrio ou no envolve necessariamente, a incorporao de parmetros institucionais e trabalhistas que regulam as relaes de trabalho, consubstanciadas no contrato de trabalho, que estabelece as condies em que esse trabalho se realiza: intensidade, jornada, salrio, controle do trabalho, ndices de produtividade e metas a serem cumpridas.

nesse terreno denso de tenses e contradies sociais que se situa o protagonismo profissional. Ainda que os profissionais disponham no mercado de trabalho, de uma relativa autonomia na conduo de suas atividades, os empregadores articulam um conjunto de condies que informam o processamento da ao e condicionam a possibilidade de realizao dos resultados projetados, estabelecendo as condies sociais em que ocorrem a materializao do projeto profissional em espaos ocupacionais distintos.

Mas a considerao unilateral das imposies do mercado de trabalho conduz a uma nova adequao do trabalho profissional s exigncias alheias, subordinando a profisso ao mercado e sujeitando o assistente social ao trabalho alienado. Resguardar a relativa autonomia na conduo do exerccio profissional supe potenci-la mediante um projeto profissional coletivo impregnado de histria e embasado em princpios e valores radicalmente humanistas, com sustentao de foras reais que partilham de um projeto comum para a sociedade.

Nos espaos ocupacionais, os (as) assistentes sociais exercem suas competncias e atribuies profissionais, resguardadas por lei, que merecem maior ateno por parte da pesquisa acadmica: formulao, gesto, monitoramento, implementao e avaliao de polticas, programas e projetos sociais; estudos socioeconmicos; orientao social a indivduos, grupos e famlias; assessorias, consultorias e superviso tcnica; mobilizao social e prticas educativas; instrues sociais de processos, sentenas e decises; formulao de projeto de trabalho profissional e pesquisa; magistrio, direo e superviso acadmica. Essas atribuies e competncias vm sofrendo um processo de alteraes na sociedade contempornea e conclamam maior investimento por parte da pesquisa na rea de servio social, visto que no dispe da necessria visibilidade na literatura profissional recente.

O assistente social lida, no seu trabalho cotidiano, com situaes singulares vividas por indivduos e suas famlias, grupos e segmentos populacionais, que so atravessadas por determinaes de classes. O profissional desafiado a desentranhar da vida dos sujeitos singulares que atendem, as dimenses universais e particulares que a se concretizam, como condio de transitar suas necessidades sociais da esfera privada para a luta por direitos na cena pblica, potenciando-a em fruns e espaos coletivos. Isso requer tanto competncia terico-metodolgica para ler a realidade e atribuir visibilidade aos fios que integram o singular no coletivo quanto o conhecimento do modo de vida, de trabalho e expresses culturais desses sujeitos sociais, como requisitos essenciais do desempenho profissional, alm da sensibilidade e vontade poltica que movem a ao. Assim, se a profisso dispe de condicionantes sociais, que ultrapassam a vontade e a conscincia de seus agentes individuais, ela tambm fruto dos sujeitos que a constroem coletivamente, forjando respostas profissionais.

1.2) O projeto profissional

Pensar o projeto profissional supe articular uma dupla dimenso: de um lado, as condies macrossocietrias, que estabelecem o terreno scio-histrico em que se exerce a profisso, seus limites e possibilidades; e, de outro, as respostas scio-histricas, tico-polticas e tcnicas de agentes profissionais a esse contexto, as quais traduzem como esses limites e possibilidades so analisados, apropriados e projetados pelos assistentes sociais.

O projeto do Servio Social Brasileiro historicamente datado, fruto e expresso de um amplo movimento de lutas pela redemocratizao da sociedade e do Estado no pas, com forte presena da lutas operrias que impulsionaram a crise da ditadura do grande capital.

Um olhar retrospectivo para as duas ltimas dcadas permite atestar que os assistentes sociais deram um salto em sua qualificao e produo acadmica e na presena poltica na sociedade. A categoria, hoje, tambm pesquisadora, reconhecida pelas agncias oficiais de fomento. Por outro lado, amadureceram suas formas de representao, contando com rgos de representao acadmica e profissional, legitimados e integrados entre si. Parcelas significativas dos assistentes sociais afirmaram-se como sujeitos profissionais, cidados (s), dotados de uma presena viva e ativa na sociedade e determinados a ampliar a autoconscincia crtica das implicaes sociais de seu trabalho. Portanto, esse projeto profissional fruto da organizao social da categoria e de sua qualificao terica e poltica, construda no embate entre distintos projetos de sociedade que se refratam no seu interior. A regulamentao legal do projeto de profisso se materializa no Cdigo de tica Profissional do Assistente Social (1993), na Lei de Regulamentao da profisso de Servio Social (Lei 8.662/93) e na proposta das diretrizes curriculares para a formao profissional em Servio Social (ABEPSS,1996; MEC-SESU/Coness, 1999). A legislao profissional representa uma defesa da autonomia profissional, porque codifica princpios e valores ticos, competncias e atribuies, alm de conhecimentos essenciais, que tm fora de lei, sendo judicialmente reclamveis.

Esse projeto realiza-se em diferentes dimenses do universo da profisso:

a) Nos seus instrumentos legais que asseguram direitos e deveres dos assistentes sociais e representam uma defesa da autonomia profissional na conduo do seu trabalho por direitos. Sendo historicamente condicionados, a legislao est sujeita a aperfeioamentos no curso das mudanas sociais;

b) Nas expresses e manifestaes coletivas da categoria, por meio de suas entidades representativas, que afianam publicamente posies polticas frente ao Estado e sociedade, s polticas pblicas e s profisses;

c) Nas articulaes com outras entidades de Servio Social - ao nvel latino americano e internacional e com outras categorias profissionais e movimentos sociais organizados, integrando esforos e lutas comuns;

d) No trabalho profissional desenvolvido nos diferentes espaos ocupacionais, de forma a preservar a qualidade dos servios prestados e fortalecer junto aos usurios a noo de direito social e a possibilidade da ao coletiva na sua defesa na esfera pblica, o que requer o aprofundamento terico-metodolgico e o cultivo da pesquisa como uma dimenso constitutiva do trabalho do assistente social;

e) No ensino universitrio - responsvel pela qualificao terica de pesquisadores e de profissionais nos nveis de graduao e de ps-graduao latu e stritu sensu, o que supe zelo pelas funes bsicas da universidade, comprometida com a produo de conhecimento e socialmente referenciada.

Exige-se uma posio crtica e vigilante contra reforma universitria em curso que mercantiliza a educao, desqualifica a instituio universitria e a formao de quadros acadmicos e profissionais. O que merece destaque que o projeto profissional no foi construdo numa perspectiva corporativa, voltada autodefesa dos interesses especficos e imediatos desse grupo profissional centrado em si mesmo. No est exclusivamente voltado para a obteno de legitimidade e status da categoria na sociedade inclusiva e no mercado de trabalho em particular de modo a obter vantagens instrumentais (salrios, prestgio, reconhecimento de poder no conceito das profisses). Ainda que abarque a defesa das prerrogativas profissionais e dos trabalhadores especializados, o projeto profissional os ultrapassa, porque histrico e dotado de carter tico-poltico, que eleva esse projeto a uma dimenso de universalidade a qual subordina, ainda que no embace a dimenso tcnico-profissional. Isto porque ele estabelece um norte, quanto forma de operar o trabalho cotidiano, impregnando-o de interesses da coletividade ou da grande poltica, como momento de afirmao da teleologia e da liberdade na prxis social.

Sabe-se que a dimenso poltica da profisso no se confunde com a participao poltica fala-se de uma categoria cravejada por diferenas sociais e ideolgicas e, muito menos, com as relaes de poder entre governados e governantes, ainda que o assistente social tambm possa exercer funes de governo. nesse sentido que se reclama a autonomia do projeto profissional perante partidos e governos. Mas no se trata, tambm, de reduzi-lo pequena poltica ou contra poltica dos tcnicos, que se pretende assptica e neutra, mas afirma o institudo. Outrossim, sua efetivao implica deciso de ultrapassar a pequena poltica do dia-a-dia, tal como se expressa na competncia permitida e autorizada pelas organizaes, restrita prtica manipulatria imediata e recepo passiva das informaes, que se traduz no empirismo nas rotinas, no burocratismo, que frequentemente se repem no trabalho profissional.

Logo, no h uma identidade imediata entre a intencionalidade do projeto profissional e os resultados elevados de sua efetivao . Para decifrar esse processo, necessrio entender as mediaes sociais que atravessam o campo de trabalho do assistente social.

So muitos os desafios atuais. O maior deles tornar esse projeto um guia efetivo para o exerccio profissional e consolid-lo por meio de sua implementao efetiva, ainda que na contramo da mar neoliberal, a partir de suas prprias contradies e das foras polticas que possam somar na direo por ele apontada.

2) Conquistas e desafios da herana recentePoder-se-ia situar o debate quanto aos fundamentos do Servio Social, nas ltimas duas dcadas em trs grandes eixos temticos, estritamente imbricados:

a) O resgate da historicidade da profisso, seja na reconstituio de sua trajetria na formao histrica da sociedade brasileira, seja na explicitao das particularidades histricas de sua insero na diviso social e tcnica do trabalho;

b) A crtica terica-metodolgica tanto do conservadorismo quanto da vulgarizao marxista, introduzindo a polmica em torno das relaes entre histria, teoria e mtodo no Servio Social;c) A nfase na poltica social pblica, no campo das relaes entre o Estado e a sociedade civil, com especial ateno para a seguridade social e, nela, para a poltica de assistncia social.Considerando a aproximao de segmentos significativos da produo acadmica com a tradio marxista, ela se torna alvo de polmica. Urge uma aproximao mais rigorosa s fontes clssicas de modo a evitar interpretaes dos autores que esvaziam a riqueza e complexidade de suas contribuies, destituindo a dimenso de universalidade que preside suas elaboraes. essa dimenso de universalidade que, acoplada pesquisa das particularidades histricas do tempo presente, permite incorporar sugestes contidas naquelas fontes para iluminar a anlise dos processos sociais em curso e vislumbrar as possibilidades de ao nela inscritas, transformando-as em projetos sociais e/ou profissionais.

O fato de o servio social constitui-se uma profisso, traz inerente uma exigncia de ao na sociedade, o que no exclui a possibilidade da necessidade de dedicar-se a investigaes e pesquisas no amplo campo das cincias sociais e da teoria social, adensando o acervo da produo intelectual sobre intercorrncias da questo social e das polticas sociais, contribuindo para o crescimento do patrimnio cientfico das cincias humanas e sociais.

Essas indicaes apontam para uma tripla exigncia:

1- Dar prosseguimento, com o maior rigor e profundidade, apropriao das vertentes tericas que vm marcando presena no debate profissional. Ultrapassando a mera erudio no estudo dessa literatura, essa apropriao deve permitir que o tratamento atribudo s categorias e princpios metodolgicos se converta, de fato, num instrumento de explicao dos processos sociais que circunscrevem o exerccio profissional e das virtualidades que dispe capazes de orientar o direcionamento da ao e a descoberta de novas possibilidades para a ao profissional;

2- Atribuir uma ateno especfica ao processamento do trabalho profissional cotidiano, na efetivao das competncias e atribuies profissionais, e s estratgias para sua implementao como h largo tempo vem sendo requisitado pela categoria uma vez que o assistente social no exclusivamente um analista social;3- Aprofundar os estudos histricos sobre o Brasil contemporneo, que permitem um acompanhamento das mudanas macrossocietrias e suas expresses conjunturais, subsidiando a leitura das foras e sujeitos sociais que incidem no exerccio profissional, condio para elucidar o seu significado social na sociedade nacional.Em outros termos, o Servio Social rompeu com a endogenia na anlise da profisso, defrontou-se com os processos sociais macroscpicos que circunscrevem seu desempenho, sendo necessrio agora realizar a viagem de retorno profisso para reconstru-la nas suas mltiplas relaes e determinaes como concreto pensado.

Outro desafio a integrao entre os fundamentos terico-metodolgicos com a pesquisa concreta de situaes concretas, que figuram como objeto do trabalho desse profissional.

motivo de preocupao o lugar secundrio a que foi, por largo tempo, relegado, na literatura especializada, o conhecimento dos sujeitos, que so alvo do exerccio profissional como revela a carncia de publicaes sobre o modo de vida, de trabalho e respectivas expresses culturais dos segmentos de classes que constituem a populao usuria dos servios profissionais.

Marilda ressalta que nas ltimas duas dcadas, uma das tnicas da produo acadmica tem sido a relao do Servio Social com o Estado, mediada pelas polticas pblicas, enquanto estratgias do bloco de poder no enfrentamento da questo social e, simultaneamente, expresso da luta por direitos. Todavia, o vnculo do servio social com as polticas pblicas como tnica da anlise, redundou em dilema de duas faces: inicialmente, operou um relativo obscurecimento das transformaes operadas na sociedade civil que, na literatura profissional, passou a ser filtrada atravs das estratgias do Estado e aes dos governos; por outro lado, redundou numa relao mimtica entre servio social e poltica social, submergindo a visibilidade das respostas profissionais no mbito dessas polticas, o que repe, em certos nichos profissionais, a regressiva identificao entre Servio Social e assistncia social.

Entretanto, a concentrao unilateral da anlise no campo das respostas governamentais revela-se como parcial, podendo resvalar-se para os dilemas circunscritos gesto mais eficaz da pobreza, se no for acompanhada, com igual vigor, de uma intensa aproximao dos dilemas dos sujeitos sociais que sobrevivem na pobreza e a desafiam se reproduzindo.

3) O debate sobre as particularidades do trabalho do assistente social

O propsito das consideraes que se seguem estabelecer um debate com a literatura especializada brasileira recente sobre o estatuto da profisso, no intuito de identificar os ngulos privilegiados pelos autores no tratamento das particularidades do Servio Social: as principais teses que defendem e os fundamentos histricos e terico-metodolgico de suas elaboraes.

3.1) Um balano crtico deRelaes Sociais e Servio Social no Brasil

(livro da autoria de Marilda Iamamotto e Raul de Carvalho, fruto de pesquisa histrica realizada que abrangeu as dcadas de 30 a 60.

1- Atesto a rigor analtico de exposio de teoria de Marx e da atualidade do eixo metodolgico que trata a tenso necessria entre a realidade e as formas sociais de que se revestem os fenmenos na empiria da vida social

2- Precisa abordagem da mercadoria em suas tenses internas entre valor de uso e valor. O texto articula a ptica da qualidade e da quantidade, da particularidade e da universalidade, do trabalho til e abstrato.

3- interessante verificar que a afirmativa de que o Servio Social se situa na esfera da reproduo social tida como um pressuposto, que dispensaria explicaes. Entretanto, a elucidao dos fundamentos tericos dessa afirmativa um dos ngulos da polmica ainda no enfrentada no universo acadmico do Servio Social.

4- Ao se discutir hoje a relao entre trabalho e Servio Social, possvel identificar na obra em questo os fundamentos do debate sobre o processo capitalista de trabalho, em seus elementos materiais e subjetivos (objetos, meios e a fora viva de trabalho) que so universais, e nas caractersticas particulares que assume sob a tica do capitalismo.

Entretanto, no livro, essa anlise voltada compreenso da lgica que

organizou o trabalho sob o domnio do capital e das relaes que lhe do vida, no se dirige diretamente aos processos de trabalho de que participa o assistente social e, portanto, no explicita as mediaes necessrias para uma reflexo dentro de tais parmetros.

5- A exposio sobre a reproduo das relaes sociais apresenta os fundamentos da questo social no modo de produo especificamente capitalista, ao abordar a populao sobrante no interior mesmo da lei da acumulao. Oferece elementos, da maior atualidade, para compreenso da lei particular de populao na sociedade capitalista e do crescimento da populao sobrante, que se recriam, hoje, nas novas condies histricas.

6- Os registros identificados, no perodo abordado pela pesquisa, mostram um exerccio profissional essencialmente sob a tica do poder institucional dominante, sendo raros os depoimentos de manifestaes explcitas ou veladas de carter contestatrio, ou seja, a rica, documentao analisada no permitiu captar a existncia de possveis tendncias crticas e nem a verso dos usurios sobre as aes dos assistentes sociais. Isso explica a nfase no controle social e na difuso da ideologia dominante presente na anlise do significado social da profisso.

7- A afirmao do carter contraditrio do exerccio profissional foi uma das principais contribuies desta obra no debate sobre o Servio Social Brasileiro. Expressa uma ruptura com as anlises unilaterais que situavam o Servio Social exclusivamente na rbita ora dos interesses do capital, ora dos trabalhadores.

8- Em 1982, j afirmava ser o Servio Social impensvel sem a base organizacional em que se inscreve. Regulamentado como uma profisso liberal, ela dispe de certos traos tpicos, com reivindicao de uma deontologia, o carter no rotineiro da interveno, uma relao singular no contato com os usurios dos servios prestados, com possibilidade de definir a conduo da ao profissional. Todavia o assistente social afirma-se como um trabalhador assalariado, na sociedade brasileira, tendo o Estado como principal empregador, alm do empresariado.

9- Outro aspecto que permanece nesses 20 anos a centralidade atribuda a questo social na profissionalizao do Servio Social na sociedade brasileira, nos marcos da expanso urbana e da progressiva hegemonia do capital industrial e do capital que rende juros.Tais processos so apreendidos sob o mbito da emergncia de novos sujeitos sociais: o proletariado urbano e a burguesia industrial e fraes de classes que compartilham o poder de Estado, em conjunturas histricas determinadas.

10- O Estado, tradicionalmente o maior empregador dos assistentes sociais alvo de um tratamento terico e histrico no texto em foco, que reconhece sua importncia decisiva na reproduo das relaes sociais. Ele condensa interesses conflitantes de fraes da burguesia e dos proprietrios fundirios que expressam alianas do bloco do poder. Embora excluindo as classes subalternas, o poder poltico no pode desconsiderar integralmente o seu poder de presso incorporando, ainda que de forma subordinada, alguns de seus interesses.

11- A tenso entre igualdade e desigualdade, entre classes e cidadania plos de uma mesma unidade conduz a uma interpretao dos servios sociais para alm da igualdade subjacente nos direitos sociais. Inscreve a explicao desses servios na rbita do valor ou, em termos atuais, ao que denominado de fundo pblico, uma metamorfose da mais valia. (Oliveira, 1988).

A explicao parte do fato de que toda riqueza existente fruto do trabalho humano. Ela redistribuda na forma de rendimentos distintos para o capital (lucros industrial, comercial e juros); os proprietrios fundirios (renda da terra) e os trabalhadores (salrio). E parte da riqueza social transferida ao Estado, especialmente sob a forma de impostos e taxas pagas por toda a populao. Assim, parte do valor criado pela classe trabalhadora apropriada pelo Estado e pelos segmentos dominantes e redistribudos sob a forma de servios sociais.

Segundo Yasbeck (1998), o significado desses mesmos servios sociais para o capitalismo se expressa atravs da socializao de parcelas dos custos de reproduo da fora de trabalho, na ampliao de seu campo de investimento no mbito dos servios, na elevao da produtividade do trabalho, alm da manuteno de condies subsidirias sobrevivncia da populao sobrante.

12- O assistente social o agente profissional de linha de frente nas relaes entre os organismos institucionais e a populao que demanda os servios, o que posteriormente, Netto (1992) vai qualificar de executor terminal das polticas sociais. Salienta o poder que delegado ao assistente social de inferir no acesso aos servios, e a requisio de agilizar os atendimentos. Trata-se de uma profisso que centraliza e difunde informaes sobre usurios no mbito institucional e facilita a adeso dos mesmos s exigncias normativas e definies programticas das entidades empregadoras. O carter pessoal, impresso relao profissional, identifica o assistente social como um tcnico em relaes humanas por excelncia. Inscrito nesta relao, a dimenso educativa desse exerccio, que incide sobre valores, comportamentos e atitudes da populao, e a linguagem como instrumento privilegiado de ao do assistente social.

13- A introduo da anlise do pensamento conservador no Servio Social tambm fruto do conjunto da produo do incio dos anos 80, calcada na literatura da sociologia e da psicologia social. A preocupao essa decifrar, criticamente, o universo cultural do qual o Servio Social caudatrio, indicando elementos que permitam elucidar o modo de pensar que informa decisivamente a profisso ao longo da sua trajetria. Certamente, uma abordagem preliminar, que permitiu a incorporao e o aprofundamento do tema por outros autores, a exemplo de Jos Paulo Netto (1991, 1992).

3.2) A tese do sincretismo e da prtica indiferenciadaUma das mais expressivas contribuies para a renovao crtica do Servio Social brasileiro de autoria de Jos Paulo Netto, em especial: Ditadura e Servio Social (1991), Capitalismo monopolista e Servio Social (1992) e Transformaes Societrias e Servio social: notas para uma anlise prospectiva da profisso( Revista Servio Social e Sociedade, nmero 50/ 1996)

O objeto da anlise recai sobre um tema que condensa a maior polmica entre os interlocutores o sincretismo da prtica privilegiado em decorrncia do tema que se pretende adensar: o trabalho do assistente social.O autor considera a natureza scio-profissional medularmente sincrtica, posta a carncia do referencial crtico-dialtico (Netto, 1992). Segundo o autor, o material institucional do assistente social constitudo pelas objetivaes scio-humanas relativas a vida cotidiana, e o horizonte da interveno profissional no ultrapassa esse mbito, no favorecendo suspenso do cotidiano, propiciada pelas objetivaes humanas no trabalho criador, na arte e na cincia (Lukcs, 1963; Netto, 1987).

Sendo a heterogeneidade ontolgica da vida cotidiana a matria institucional e o horizonte da atuao, a funcionalidade histrico-social da profisso sintonizar, reproduzir e sancionar a composio heterognea da vida cotidiana com as refraes da questo social para situ-las novamente no mesmo terreno, mediante uma modalidade especfica de interveno:

a manipulao de variveis empricas, propiciando o reordenamento dessas mesmas variveis, que no so alteradas, resultando numa prtica inconclusa. Restringir o universo da anlise do Servio Social s formas reificadas de manifestao dos processos sociais, ainda que esse procedimento possa prevalecer no universo profissional, denuncia a mistificao, mas no elucida a natureza scio-histrica dessa especializao do trabalho para alm do universo alienado, em que se realiza e se mostra encoberta no sincretismo; em outros termos, o esforo de desvendamento, ainda que essencial, torna-se parcial e inconcluso.

O estranho silncio sobre a poltica como instncia de mediao da relao do homem com sua genericidade na anlise de Netto, torna opaca, neste texto, a luta de classes na resistncia sociedade do capital. Isso deriva em uma viso cerrada da reificao forma assumida pela alienao na idade do monoplio e a alienao. Tende a ser apreendida como um estado e menos como um processo que comporta contra-tndencias, porque as contradies das relaes sociais so obscurecidas na lgica de sua exposio. Essa caracterstica tambm se encontra presente no texto de sua autoria, de maior flego sobre o tema, capitalismo e reificao. (Netto, 1981).

Para o autor, a ruptura da positividade, como o padro geral de emergncia do ser social na sociedade burguesa constituda implicaria a introduo, de uma outra racionalidade comportamental, que ela no pode tolerar ( Netto, 1987). Com isto, o crculo da anlise se fecha, alimentando o fatalismo, pois no permite vislumbrar nem a presena dos movimentos revolucionrios na histria e nem horizontes de ruptura da positividade, em uma anlise aprisionada num pessimismo da razo, que no d lugar ao otimismo da vontade poltica, parafraseando Gramsci.

Netto reconhece que h um novo significado social para o trabalho profissional, uma vez que opera um corte com a filantropia, medida que o Estado, na expanso monopolista, passa a centralizar e administrar as respostas s refraes da questo social, via polticas pblicas. Como todo o esforo analtico do autor comentado est concentrado na desmontagem dessa aparncia de prtica indiferenciada, que tambm parte do trabalho do assistente social, as determinaes scio-histricas das respostas profissionais e suas distintas possibilidades de configurao ficam obscurecidas nessa construo terica.

Em texto mais recente, Netto (1996), sem retornar tese sobre o sincretismo da prtica indiferenciada, apresenta uma anlise primorosa sobre as incidncias das transformaes societrias no capitalismo tardio, sob a hipertrofia do capital financeiro, no contexto das particularidades prtico sociais da profisso. Prope-se a salientar as mediaes que conectam o Servio Social s mudanas macroscpicas, uma vez que as profisses no so apenas resultado dos processos sociais, mas corpus tericos e prticos que, condensando projetos sociais(donde suas ineliminveis dimenses ideopolticas) articulam respostas ( teleolgicas) aos mesmos processos sociais ( Netto, 1996: 89)

Reconhece a profisso, j nos anos 90, consolidada nos planos da formao, da produo cientfica e da organizao corporativa, embora viva uma crise de legitimidade junto s classes subalternas ainda que caucionada pelas classes dominantes. Por outro lado, o Servio Social sofre impactos da disputa de outras especializaes correlatas, o que requer, para alm das regulamentaes formais, o cultivo de novas competncias scio polticas e instrumentais necessrias ao alargamento dos espaos ocupacionais e das bases sociais de legitimao da profisso.

A hiptese central, que preside o referido ensaio, que a ruptura com o conservadorismo no Servio Social foi superdimensionada na sua magnitude, visto que a dinmica das vanguardas altamente politizadas ofuscou a efetividade da persistncia conservadora (Netto, 1996: 112), que dispe de profundas razes na categoria. Em outros termos, a credibilidade da vertente crtica abafou a expresso de resistncia tradio marxista, presente e arraigada em expressivos segmentos da categoria.

O autor lana pioneiramente, neste texto, o importante debate sobre projetos profissionais e projetos societrios, salientando o papel da cultura profissional no sentido de compatibilizar exerccio profissional e dada hegemonia poltica.

Nessa anlise, a preservao dos espaos ocupacionais subordina-se s capacidade demonstrada pelos assistentes sociais de responder s novas competncias: a clareza em como responde-las. Isso remete s responsabilidades da formao acadmica, dotada de um perfil generalista, complementada pelo fomento de especializaes e da formao continuada no campo da ps-graduao( alternativa graduao j especializada), que resulte num intelectual com qualificao operativa para alm do adestramento tcnico.

3.3 A Tese da identidade alienada

Maria Lcia Martinelli (1989) traz pioneiramente ao debate o tema da identidade e alienao no Servio Social, com o propsito ltimo de descobrir os nexos de articulao entre o capitalismo e a profisso, ou seja, compreender o real significado da profisso na sociedade do capital e sua participao no processo de reproduo das relaes sociais.

Sua hiptese que a ausncia de identidade profissional fragiliza a conscincia social da categoria profissional, determinando um percurso alienado, alienante e alienador da prtica profissional, impedindo a categoria de ingressar no universo da conscincia em si e para si do movimento operrio, ou seja, assumir coletivamente o sentido histrico da profisso.

Os resultados foram prticas burocrticas, alienadas e reducionistas, destitudas de referencial histrico-crtico, acompanhadas de ausncia de laos de solidariedade entre pares e com outras categorias profissionais. E como o assistente social no tomava conscincia das contradies que o envolviam, no tinha como super-las. Para a autora comentada, a negao da identidade atribuda e a superao da alienao seriam possveis, pela via de ruptura do Servio Social em suas origens burguesas.

A autora reconhece que, em nvel societrio, aquela ruptura: fruto de um movimento de homens livres e associados na produo de sua existncia social, na busca de compreenso da realidade e na produo de uma prxis humana crtica e revolucionria, o que , para Marx envolve a ultrapassagem da sociedade burguesa.

Marilda sublinha que, em primeiro lugar, h que considerar a poca dessa publicao final dos anos 80 o que condiciona a ambientao da anlise, certamente influenciada pelos dilemas presentes no Cdigo de tica de 1986, que superestima a dimenso poltica da profisso. Sendo esse um possvel fator interveniente, o texto teve ampla difuso posterior na sua forma original, o que impe sua anlise interna.

A autora transfere para o Servio Social, sem as devidas mediaes, os dilemas do papel histrico da classe operria, o que se encontra na raiz de impasses centrais observados no texto.Nele, os agentes profissionais so tratados com parmetros idnticos queles extrados da histria do movimento operrio para pensar o papel poltico da classe trabalhadora na luta pela superao da sociedade capitalista e da alienao do trabalho a ela inerente. Da o suposto idealista, de que caberia necessariamente`a profisso, em sua insero na diviso social do trabalho, assumir a conscincia em si e para si do movimento operrio o que, no texto, parece se aproximar de uma exigncia de ordem moral tida como a forma de ser da identidade verdadeira do assistente social, que lhe permitiria estabelecer os nexos de sua prtica com a totalidade do processo social. Este pressuposto est na base de imputao aos agentes profissionais de uma identidade atribuda pela burguesia, alienada, alienante e alienadora, que se mostra como uma no identidade, dando lugar a um no ser, um ser sem efetividade, que reproduz uma prtica reificada, uma vez que a profisso nasce articulada com um projeto de hegemonia do poder burgus, enquanto uma importante estratgia de controle social, como uma iluso de servir.

Ou seja, a profisso teria uma misso que lhe foi roubada pelo poder dominante, visto que o capitalismo lhe imps uma identidade atribuda de fora . A historicidade da profisso metamorfoseada em perversidade do capital, que produz uma deformao de origem: a incorporao da prtica profissional ao projeto hegemnico da burguesia.

Outro aspecto a destacar na anlise da tese da identidade alienada refere-se ao monolitismo com que tratada a categoria profissional, seja no perodo em que tem vigncia a identidade alienada, seja no assalto ao cu com a (suposta) incorporao, pela categoria, da identidade em si e para si do movimento operrio. O carter contraditrio das relaes sociais, ainda que reiterativamente declarado, no impregna a anlise da identidade. A elaborao descarta a dimenso socialmente contraditria do Servio Social (ainda que declarada no texto), em favor da dualidade: a identidade aparece, num primeiro momento, produzida pela cultura dominante e sem nenhum potencial de transformao da realidade; e, num segundo momento, tendo por suposto a ocorrncia da ruptura com a alienao e com suas prprias marcas burguesas de origem, a identidade profissional surge inteiramente comprometida com a luta social pela transformao da realidade. Ela passa a assumir, como seu fim ltimo, a superao da sociedade capitalista e, em conseqncia, da prpria profisso. Assim comparecem traos ora fatalistas, ora messinicos que obscurecem as tenses e contradies do objeto em questo.

3.4 A tese da correlao de foras

Um dos expoentes de maior peso do movimento de reconceituao do Servio Social latino-americano no embate crtico com a concepo funcionalista no Servio Social foi, sem sombra de dvidas, Vicente de Paula Falleiros, com seu livro Trabajo Social, ideologia y mtodo (1972). Este autor, desde ento, vem contribuindo para a agenda de debates da profisso no Brasil, enriquecendo a com novos temas e inditas abordagens. O perfil desbravador de novas sendas tericas tributrio de sua insero na docncia e no trabalho de campo, enquanto assistente social. Com fina sensibilidade poltica, resultante de compromissos ao longo da vida com as lutas e movimentos sociais, suas preocupaes profissionais no se dissociam de seu engajamento poltico. Mas a literatura profissional de sua autoria apreende as mediaes que conformam o estatuto profissional, cuja interpretao conta com o concurso da literatura especializada internacional, como o revela a sua produo.

Seu trao distintivo a preocupao com as relaes de poder, que se desborda em um importante e pioneira contribuio na temtica da poltica social( Falleiros, 1980; 1986 e 1992).

A reviso do conjunto de sua obra, voltada centralmente ao Servio Social, mostra que os textos mais antigos apresentam uma linha terica mais nitidamente fundada na tradio marxista que as produes mais recentes. Nestas pode-se observar tanto um elo de continuidade com aquela tradio quanto o recurso mais intenso e freqente a um conjunto de autores com filiaes tericas de diferentes matizes.

O assistente social concebido como um intelectual orgnico, podendo contribuir para uma nova correlao de foras, uma nova hegemonia: como conquista do consenso das classes dominadas e capacidade que a classe operria tem de conquistar a conscincia de seus aliados na formao de um novo bloco histrico( Falleiros, 1981). Essa linha de anlise abriu caminho a novas aes, a partir do lugar de trabalho dos profissionais, situando a ao profissional concreta em uma perspectiva poltica( Falleiros, 1980)

Segundo essa acepo, o objeto do trabalho do assistente social uma questo disputada, um objeto de luta formado pelas relaes de fora, de poder e de saber para a conquista pelas classes subalternas de lugares, recursos, normas e espaos ocupados pelas classes dominantes.(Idem)

Nessa anlise, a categoria profissional tratada, no seu conjunto, como intelectual orgnico vinculado aos interesses do trabalho, aquele que opera a mediao entre a representao e a reproduo, elidindo a clivagem de classe que tambm se expressa no interior da categoria. O assistente social visto como o intelectual que opera a mediao entre a representao e a reproduo, embora nesse processo intervenham inmeras outras foras sociais, as quais no tm a devida visibilidade, como os partidos, as igrejas, os sindicatos, as escolas, alm dos aparatos de coero estatal.

Para o autor, a relao do assistente social com a populao se processa no campo da poltica do cotidiano, isto , nas relaes entre mudanas societrias e aquelas que tm lugar na vida cotidiana. Elas implicam relaes de saber e poder voltadas superao de um problema, o que requer estratgias e tticas voltadas articulao de novas relaes dos sujeitos entre si e com a estrutura para operar mudanas na situao apresentada.

A preocupao do autor com as relaes entre sujeito e estrutura desdobra-se, atualmente, para situar, no marco do paradigma da correlao de foras, o empowerment como objeto do Servio Social.

O fortalecimento do oprimido em seu processo de fragilizao/patrimonializao supe uma prxis voltada aos interesses das classes e camadas populares. O autor comentado incorpora as propostas de Maurice Moureau, para quem a noo de empowerment conclama um posicionamento ante as iniqidades da sociedade capitalista, que servem para perpetuar excluses baseadas na classe, no gnero, na raa, na orientao sexual ou na sade fsica e mental. Essa perspectiva compreende aes estratgicas voltadas para a defesa e fortalecimento do cliente, para o estmulo a prticas de coletivizao e para a materializao dos recursos.

Sabe-se que a ambgua e polissmica noo de empowerment que abrange a nfase psicolgica, a comunitria, o discurso a favor do oprimido, entre outros carrega forte conotao liberal, centrada no interesse do indivduo presente nas lutas pelos interesses civis. Ela foi tambm incorporada pelo movimento feminista dos anos 70, nas propostas da ao social e movimentos de auto-ajuda disseminados nos pases desenvolvidos. Constata-se, no autor, um esforo de sua ressignificao, com nfase nas relaes sociais no contexto de foras em presena, noo esta contraposta ao novo contrato social impulsionado pelas polticas neoliberais, porquanto voltada ao fortalecimento da cidadania, da autonomia e da identidade.( Falleiros, 1999)

A noo do empowerment tem sido incorporada pela psicologia comunitria e tambm assumida na perspectiva scio-ambiental de promoo da sade, disseminada pelo Escritrio Europeu de Promoo da Sade e em suas conferncias internacionais. No caleidoscpio de significaes atribudas ao termo, algo certo: trata-se de uma noo terica estranha teoria social crtica e ao mtodo que lhe inerente, ainda que, para Falleiros, o esforo de sua ressignificao se coadune com a inspirao gramsciana, que ele registra como marca de sua obra.

Finalizando esse esforo de sntese da tese da correlao de foras, resta pontuar que Falleiros um dos estudiosos que privilegia as mediaes envolvidas no exerccio profissional: seus determinantes institucionais, as estratgias e tticas na ao profissional, a relao entre profissionais e usurios dos servios, efeitos dessa interveno especializada, entre outros aspectos.

3.5 A Tese da assistncia social

A Poltica pblica de assistncia no marco da seguridade social tem sido um dos mbitos privilegiados de atuao profissional e um dos temas de destaque no Servio Social Brasileiro recente. Nos seus diferentes matizes, o debate sobre o tema vem oferecendo uma slida sustentao terica qualificao da assistncia no mbito das relaes entre o Estado e a sociedade alada, na esfera constitucional, a direito dos cidados que dela necessitam devendo ser provida pelo Estado.

A assistncia foi um tema maldito no movimento de reconceituao do Servio Social latino americano em sua busca de ruptura com as aes de cunho paternalista e assistencialista que proliferaram no passado e denegriam a imagem social e acadmica da profisso. Preconizavam-se poca, em nome da educao e politizao do povo, princpios e sadas polticas globais, freqentemente relegando a um segundo plano a ateno s reivindicaes imediatas da populao e refutando as tarefas assistenciais, identificadas unilateralmente com aes a servio dos interesses dominantes. Elas eram vistas como um mal necessrio ou atividade meio sem nenhuma validade em si mesma dotada de carter provisrio para outra efetivamente relevante: a educao poltica. Essa era uma contraposio verso ingnua do passado em que as aes assistenciais eram lidas tambm unilateralmente, mas com sinal trocado como um benefcio ou bem para os segmentos subalternos que figuravam como a clientela do Servio Social. ( Leila Lima Santo, 1982 ).

Quem apresentou pioneiramente essa reflexo, redimensionado o debate sobre a assistncia no Servio Social Latino americano, foi Leila Lima Santos, no artigo El desarrollo Del trabajo Social em America Latina( 1980), publicado na Revista Accin Crtica n. 8, o qual, posteriormente traduzido, foi incorporado no livro Textos de Servio Social ( Santos, 1982). Essa notao, em nome da fidelidade histria, indispensvel no sentido de atribuir autora o mrito do pioneirismo.

A autora entende que o trabalho assistencial no nem um mal necessrio e nem libertador per si. Chama ateno para o potencial que dispe as tarefas assistenciais de acumular aquelas condies necessrias para a construo de alternativas mais cabveis para a sociedade o que direciona a preocupao em deslindar o significado da assistncia.

Por um lado, os benefcios a que se tem acesso por meio dos servios prestados pelos assistentes sociais devem ser reconhecidos, ainda que limitado e parciais; e, por outro, necessrio fazer um esforo criativo para converter a oferta desses servios em um elemento catalisador de uma conscincia popular mais real, em termos de sua prpria situao e de sua posio na sociedade( Santos, 1982)

Santos ressalta que a ateno aos problemas concretos possui um potencial educativo mostrando a indissociabilidade entre a prestao de servios e a dimenso educativa que preside as aes profissionais o que supe clareza quanto aos limites das aes assistenciais: se estas no oferecem uma resposta global, tambm no interiorizam necessariamente a defesa de interesses monolticos.

No livro Classes Subalternas e Assistncia Social, Yasbeck ( 1993) faz uma interlocuo com estudos sobre a pobreza brasileira e seu enfrentamento pela via das polticas sociais pblicas, com nfase na ao do Estado, privilegiando os impactos dessas polticas sobre a populao alvo dos servios assistenciais ( 1993 ).

A autora traz uma contribuio original para pensar a particularidade do Servio Social tendo como fulcro a assistncia social na conformao da identidade das classes subalternas. A profisso vista como uma interveno mediadora na relao do Estado com os setores excludos e subalternizados da sociedade, situada no campo das polticas sociais e assistenciais na concretizao da funo reguladora do Estado na vida social (Idem).

Denunciando a naturalizao da pobreza como meio de sua despolitizao, a autora mostra que a experincia da pobreza tambm a experincia da desqualificao dos pobres por suas crenas, seu modo de expressar-se e seu comportamento social, sinais indesejveis conferidos por sua procedncia de classe.( idem)

Yasbeck reconhece a posio secundria que a assistncia social vem tradicionalmente ocupando nas polticas pblicas, com aes tangenciais s demais polticas e terreno frtil ao clientelismo e ao das primeiras-damas. Contudo, reafirma que, sendo a assistncia uma das estratgias reguladoras das condies de reproduo social dos subalternos, campo de acesso a bens e servios, podendo ser um espao de reiterao da subalternidade ou meio de avanar na construo da cidadania social. Entretanto, esta afirmativa tensionada pelos depoimentos coligidos pela autora: os narradores afirmam querer o direito ao trabalho e no apenas o direito assistncia(Idem), apesar de tambm reivindicarem servios pblicos e equipamentos comunitrios. Em suas auto-representaes, revelam humilhao e ressentimento ante a incapacidade de proverem sua prpria subsistncia e, simultaneamente, reconhecem a precariedade e insuficincia das respostas do Estado s suas necessidades.

A autora atesta que a insero institucional do assistente social realiza-se por meio de relaes contratuais visto que no se afirma como um profissional liberal, ainda que disponha de relativa autonomia no seu exerccio. no mbito dessas relaes que so estabelecidas as condies em que ocorre o exerccio profissional, demarcando as possibilidades e limites do projeto profissional no processo de reproduo das relaes sociais( Yasbeck, 1999). Ainda que considere tal determinao, o centro de sua reflexo sobre a profisso recai na esfera da poltica social, isto , nas imbricaes entre Servio Social e poltica pblica de Assistncia social.

3.6 A tese da proteo social

No contraponto tese da poltica pblica da assistncia social como distintiva da particularidade da profisso, a tese da proteo social( Sueli Gomes Costa, 1995) marcou presena no debate nacional sobre a formao profissional ( ABESS/CEDEPSS, 1997) com incidncias na aps graduao.

A proteo social, enquanto campo terico de interesse profissional, apresentada por Costa(1995) como fio analtico para o exame do Servio Social e das transformaes operadas na cultura profissional e um norte alternativo quele impresso s diretrizes curriculares da rea em meados dos anos 90.

Segundo Costa(1985), a proteo social envolve mltiplas dimenses dos processos histricos, pois a vida humana no se move apenas por tenses interclassistas, sendo, a luta de classes, um dentre muitos processos que a impulsionam. Essa concepo exige mudanas dos paradigmas envelhecidos, de que parecem tudo explicar como por exemplo, o da polarizao entre classes sociais nos quais no se sustenta a abordagem proposta.

Costa considera rica a sugesto da abordagem marxista que inclui a proteo social no mbito das continuidades dos modos de organizao social e coletiva agrupados no conjunto terico denominado reproduo social.(Idem) Para a autora existem cautelas tericas a serem observadas, uma vez que a noo de reproduo vincula-se teoria da produo em Marx, derivando da um pesado legado economicista que desde os anos 60, est sob crtica veemente.Um dos paradigmas em crise a idia do econmico como determinao em ltima instncia, sendo necessrio entrar em sintonia com os debates mais atuais sobre a produo do conhecimento.( idem)

Costa afirma seu alinhamento corrente do pensamento marxista, mas repele a onipotncia das explicaes genricas. Ela afirma abordar as regularidades histricas de outra forma, mais prxima ao pensamento antropolgico, no veio das indicaes de historiografia marxista inglesa.

Segundo Marilda Iamamotto, atribuir identidade entre Marx e o economicismo entre a densidade histrica que impregna a formao das classes sociais e as determinaes da economia em ltima instncia que desbordam em dualidades simplistas e genricas adensar a fogueira do antimarxismo, ainda que em nome do resgate das particularidades culturais e da experincia dos sujeitos no mbito do pensamento marxista. Portanto, preciso clarificar os interlocutores que se encontram na cena do debate para no confundir caricaturas com os protagonistas desse embate terico e poltico.

A concepo de proteo social, apresentada por Costa, no a considera como poltica pblica, pois no disso que efetivamente se trata. E sim, de experincias autogestionrias ou no de proteo social, que restaurem o aparato assistencial no interior das redes de solidariedade, integrando esfera pblica e privada. A autora prope como estratgia de um novo sistema de proteo social recompor o aparato assistencial com as redes de solidariedade e os grupos de auto-ajuda admitidos como capazes de conduzir as aes de defesa dos interesses coletivos.( Costa, 1995)

Em tempos orquestrados pelas polticas neoliberais, pensar as prticas de proteo social exclusivamente nas chamadas relaes intra-sociais, adstritas s convivncias de indivduos e grupos em situao de no autonomia quanto a sua sobrevivncia, pode servir aos interesses no poder:um alento ao discurso que faz ode restrio da responsabilidade do Estado no campo das polticas pblicas em resposta questo social, em nome das iniciativas solidrias da sociedade civil, para as quais tm sido transferidas funes tpicas do Estado.

Por outro lado, Costa chama ateno para um campo caro ao Servio Social: a sociabilidade cotidiana das classes subalternas, as iniciativas solidrias vigentes do interior das classes trabalhadoras, como estratgias culturais e polticas para a garantia de sua sobrevivncia em uma sociedade profundamente desigual. Esse certamente um terreno de pesquisa frtil e necessrio criao de bases slidas ao fortalecimento de um projeto profissional com vocao cidad e emancipatria.

3.7 A Tese da funo pedaggica do assistente social

A influncia do pensador italiano Antonio Gramsci no Servio Social brasileiro j foi objeto de importantes pesquisas que resgatam dimenses de sua teoria, sua difuso no pas e na literatura profissional, submetendo a um balano crtico a produo do Servio Social de inspirao gramsciana dos anos 80 e meados dos anos 90.

Em decorrncia da delimitao do objeto de estudo desta tese direcionado natureza da profisso e seus desdobramentos no trabalho do assistente social foi eleito o recente trabalho de Marina Abreu (2002) voltado leitura dos perfis pedaggicos da prtica profissional no pas.

O objetivo da obra - O Servio Social e a organizao da cultura - da referida autora, de discutir a funo pedaggica do assistente social mediada pelas polticas pblicas em especial a assistncia social e pelos processos organizativos e lutas das classes subalternas, inscritas nos processos de organizao da cultura por parte das classes sociais. O Servio Social, ao inscrever-se entre as necessidades sociais( mezros, 1987)e os sistemas de controle social, constitui-se integrado afirmao da cultura dominante no campo das estratgias poltico-culturais de subalternizao das classes detentoras da fora de trabalho( Abreu, 2002). Ele apresenta perfis pedaggicos diferenciados ao longo da trajetria profissional: a pedagogia da ajuda, a pedagogia da participao e a pedagogia emancipatria das classes subalternas, que coexistem, refuncionalizadas, em disputa no cenrio profissional contemporneo.

As aes pedaggicas concretizam a ao material e ideolgica no modo de vida, de sentir, pensar e agir das classes subalternas envolvidas nos espaos ocupacionais, interferindo na reproduo fsica e subjetiva dessas classes, ao mesmo tempo que rebatem na constituio do Servio Social como profisso.

A poltica de assistncia social em seu carter ressocializador constitutiva dos processos de organizao da cultura. Ela vista como uma modalidade de acesso do trabalhador a bens e servios no atendimento de suas necessidades bsicas, cujo componente material referncia determinante de determinada pedagogia.( Idem)

O princpio educativo contido na pedagogia emancipatria aponta para a defesa do assistente social como um intelectual orgnico vinculado a um projeto de classe revolucionrio de vocao socialista. Essa perspectiva re-atualiza o debate oriundo dos anos 80, que torna fluidos os limites entre profisso e militncia poltica revolucionria na defesa da sociedade socialista, porque equaliza inseres e dimenses diferenciadas vividas pelo assistente social, enquanto profissional assalariado e enquanto cidado poltico, visto no ser a categoria politicamente, por tratar-se de uma especializao do trabalho na sociedade e no de uma atividade que se inscreva na arena da poltica strictu sensu. Esta ltima observao , certamente, um dos fulcros da diferena de interpretao da profisso com a autora, que tem o Servio Social como uma forma de prxis.

medida que o texto em debate pauta-se pela leitura do exerccio profissional como uma dimenso da prxis, as determinaes que atribuem uma particularidade ao trabalho do assistente social exercido por meio do estatuto assalariado que forja as condies em que essa especializao do trabalho se inscreve na reproduo das relaes sociais so obscurecidas e secundarizadas. Elas estabelecem limites, socialmente objetivos, efetivao dos rumos projetados mais alm da vontade tanto dos profissionais individuais quanto da categoria, enquanto coletividade.

Em termos sintticos, a hiptese que o ncleo do impasse da elaborao comentada est na leitura da profisso na histria da sociedade tratada na sua necessria dimenso poltico-ideolgica que desconsidera as implicaes envolvidas na mercantilizao dessa fora de trabalho especializada.Ou seja, no so privilegiadas nem as implicaes oriundas da inscrio dessa fora de trabalho especializada na esfera do valor de troca pois o salrio faz a sua equivalncia com o mundo das mercadorias e nem as implicaes do trabalho realizado pelo assistente social na rbita da produo e distribuio do valor e da mais valia, porque essa no a linha analtica adotada.

4. Fundamentos do Servio Social: percurso de duas dcadas

O percurso efetuado foi voltado leitura crtica da literatura das duas ltimas dcadas referida aos fundamentos do Servio Social e de seu exerccio, abarcando parte da literatura especializada de ponta e com interferncia no debate recente sobre a profisso. Ela atesta a riqueza e a fecundidade do acervo da produo dessa rea acadmica galvanizada pela ampla e diversificada tradio marxista, confirmando sua vitalidade no Servio Social.

E exatamente nessa diversidade de nfases tericas e poltico-profissionais que se encontra a fertilidade dessa herana acadmica recente, porque ela permite alertar para questes que se complementam na totalizao da leitura da profisso e de seu exerccio: suas particularidades na diviso scio tcnica do trabalho e incidncias na reproduo contraditria das relaes sociais; a crtica da cultura e o sincretismo; os dilemas da construo da identidade; a correlao de foras que molda o poder e o saber profissionais nas relaes entre o ser e o representar-se; as polticas pblicas e a assistncia em seu potencial de confirmao da subalternidade e de luta por direitos; o resgate das prticas de proteo social; os perfis pedaggicos do assistente social na organizao da cultura.

Ainda que a totalidade dos autores reconhea que o exerccio profissional se realiza pela mediao do trabalho assalariado, mediante um contrato de trabalho no circuito do Estado ou de empregadores privados, nenhum deles atribui centralidade outra dimenso desse mesmo trabalho: sua condio de trabalho abstrato envolvida na compra e venda dessa fora de trabalho especializada, porque suas elaboraes no so presididas centralmente pela teoria do valor, tal como proposta por Marx. A omisso dessa linha de anlise no sinnimo do seu desconhecimento, mas de uma escolha por outras angulaes tericas tidas como mais pertinentes.

No tempo do capital fetiche, impensvel tratar o processamento de qualquer trabalho especializado passando por fora dos dilemas decorrentes da produo e distribuio do valor e da mais valia mvel essencial da sociedade do capital e das lutas poltico-ideolgicas delas indissociveis.

Captulo IV O Servio Social em tempo de capital fetiche.

O objetivo deste captulo o de oferecer subsdios terico-metodolgicos concernentes ao trabalho e sociabilidade na sociedade burguesa que permitam adensar e subsidiar a anlise do trabalho do assistente social e de sua formao universitria na sociedade brasileira contempornea. Pretende, ainda, considerar as particularidades do exerccio profissional enfeixada na tensa relao entre projeto profissional e estatuto assalariado, enquanto trabalho concreto e abstrato, num esforo de sntese das chaves tericas que nortearam a exposio ao longo deste livro.

1) Trabalho e Sociabilidade

1.1) O debate sobre o processo de trabalho: o sujeito em cena.

Iamamotto sublinha a tica que preside sua anlise acerca da categoria trabalho o significado do trabalho no processo de constituio do indivduo social e na produo da vida material nos marcos da sociedade capitalista, como base que fundamenta a leitura do trabalho do assistente social em tempo de capital fetiche.

A polmica terica que permeia o campo do trabalho passa, necessariamente, pelo debate com as teses de Braverman (1977), no seu clssico Trabalho e capitalismo monopolista. Este representou um marco decisivo na retomada da anlise do processo de trabalho na expresso monopolista, no mbito da tradio marxista, aps longo perodo em que essa temtica central do pensamento de Marx foi colocada em segundo plano. Seu estudo versa sobre os processos de trabalho no capitalismo e o modo especfico pelo qual eles so construdos por relao de propriedade capitalista. Em outros termos, a maneira pela qual o processo de trabalho dominado e modelado pela acumulao do capital e a forma que atribui estrutura da classe trabalhadora. O foco principal a gerncia, em sua funo de controle e de induo do trabalhador a cooperar no processo de trabalho, tal como organizado pela engenharia industrial, funo essa essencial devido ao antagonismo das relaes sociais.

As restries a Braverman, muitas das quais condicionadas pelo atual estgio de desenvolvimento do processo de trabalho capitalista e sua pesquisa, desdobram-se em um alvo mais central: a teoria do valor trabalho de Marx.A hiptese de que, do ponto de vista terico-metodolgico, os limites identificados na anlise do autor tendem a ser, explicita ou implicitamente, estendidos fonte da qual Braverman extrai os fundamentos mais significativos de sua obra: a teoria social de Marx, tida com uma viso objetivista e determinista do processo social, que privilegiaria a estrutura sobre a ao do sujeito. Tomando o primado da economia como determinao bsica em detrimento dos movimentos polticos e ideolgicos,tal interpretao de Marx considera que sua teoria levaria ao privilgio unilateral do trabalho ante ou trs nas esferas que tecem o cotidiano dos sujeitos sociais.

Em termos mais explcitos: A hiptese de que as restries supraanunciadas teoria social de Marx advm de leituras que descartam a dimenso ontolgica nela presente. Esta acentua o papel do trabalho, enquanto componente distintivo do homem como um ser prtico social e, portanto, histrico, produto e criador da vida em sociedade. Nessa mesma trilha, tm sido secundarizadas as anlises sobre o indivduo social e as formas histricas de sociabilidade e alienao, constantes nos manuscritos econmico- filosficos de 1844, e retomados nos escritos da maturidade de 1857-1958 os Grundisse - aqui privilegiados.

Repor o humanismo marxista no centro da anlise condio necessria para fazer emergir o indivduo social, como sujeito criador, presente no pensamento de Marx.

A pretenso to somente demarcar uma linha de interpretao da vivncia do trabalho que enuncia a fertilidade das sugestes contidas nessa teoria social, as quais tecem os rumos da anlise dos fenmenos identificados na pesquisa emprica. E, assim, reencontr