IDEOLOGIA E PROPAGANDA COLONIAL NO ESTADO NOVO: DA ...

780
José Luís Lima Garcia IDEOLOGIA E PROPAGANDA COLONIAL NO ESTADO NOVO: DA AGÊNCIA GERAL DAS COLÓNIAS À AGÊNCIA GERAL DO ULTRAMAR 1924 - 1974 Faculdade de Letras Universidade de Coimbra 2011

Transcript of IDEOLOGIA E PROPAGANDA COLONIAL NO ESTADO NOVO: DA ...

  • Jos Lus Lima Garcia

    IDEOLOGIA E PROPAGANDA COLONIAL NO ESTADO

    NOVO: DA AGNCIA GERAL DAS COLNIAS

    AGNCIA GERAL DO ULTRAMAR

    1924 - 1974

    Faculdade de Letras

    Universidade de Coimbra

    2011

  • Jos Lus Lima Garcia

    IDEOLOGIA E PROPAGANDA COLONIAL NO ESTADO

    NOVO: DA AGNCIA GERAL DAS COLNIAS

    AGNCIA GERAL DO ULTRAMAR

    1924 - 1974

    Tese de doutoramento em Histria, especialidade Histria Contempornea, apresentada

    Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra, sob a orientao do Professor Doutor

    Lus Reis Torgal

    Faculdade de Letras

    Universidade de Coimbra

    2011

  • A todos aqueles, incluindo meu pai, que devotaram cultura

    colonial o saber universitrio do rigor e da objectividade.

  • V

    NDICE

    Palavras Prvias ................................................................................................................... 1

    Introduo ............................................................................................................................ 3

    PARTE I

    O IMPRIO PORTUGUS: IDEIA E INSTITUIO

    Cap. I - As ideias de Imprio no contexto Internacional e Nacional ......................... 13

    1. O Contexto Internacional..................................................................................... 13

    1. 1. A ideia de Imprio no discurso liberal da Frana e da Gr-Bretanha.......... 13

    1. 2. A ideia de Imprio no discurso mussoliniano da Itlia ............................... 46

    2. O Contexto Nacional ........................................................................................... 72

    2.1. A ideia de Imprio no discurso da Primeira Repblica ................................ 72

    2.2. A ideia de Imprio no discurso do Estado Novo .......................................... 86

    Cap. II - A Agncia Geral das Colnias / Ultramar no contexto do final da

    primeira Repblica e do Estado Novo ....................................................... 119

    1. Fundao e evoluo histrica ao longo de meio sculo (1924-1974) .............. 119

    2. Edies e publicaes desta Agncia de Propaganda Colonial ......................... 180

    Cap. III - Os Peridicos sobre as Colnias/Ultramar durante a vigncia da

    agncia geral das colnias/ultramar (1924/1974) ...................................... 215

    1. Caracterizao dos principais peridicos neste perodo .................................... 215

  • VI

    PARTE II

    O BOLETIM GERAL DAS COLNIAS/ BOLETIM GERAL DO ULTRAMAR

    (1925-1970)

    Cap. I - Histria do Boletim ..................................................................................... 231

    1. Directores e suas linhas gerais e programticas ................................................ 231

    2. Evoluo e Fases Histricas .............................................................................. 263

    2. 1. O Boletim da Agncia Geral das Colnias e a sua aco entre o final

    da Repblica e o Estado Novo ................................................................. 263

    Cap. II - Autores e Temticas do Boletim ................................................................ 329

    1. Temas abordados por colnia: autores e artigos ................................................ 329

    2. Contributos para uma prosopografia dos colaboradores do Boletim ................ 440

    Cap. III - A (s) Ideia(s) Do Imprio ......................................................................... 471

    1. No Registo Oficial ............................................................................................. 471

    1.1. Das Exposies Coloniais .......................................................................... 471

    1.2. Da Literatura Imperial ................................................................................ 506

    2. Na Histria do Imprio ...................................................................................... 535

    2.1. Baseada em Acontecimentos ...................................................................... 535

    2. 2. Baseada em Personalidades ....................................................................... 574

    Concluso ......................................................................................................................... 593

    FONTES E BIBLIOGRAFIA ........................................................................................ 599

  • VII

    APNDICE I - Os Peridicos sobre as Colnias/Ultramar durante a vigncia da agncia

    geral das colnias/ultramar (1924/1974) ........................................................................... 631

    APNDICE II - Lista dos principais colaboradores do Boletim Geral das Colnias /

    Boletim Geral do Ultramar entre os anos de 1925 e 1970................................................. 673

    APNDICE III - Principal cronologia da Agncia Geral das Colnias/Agncia Geral do

    Ultramar entre os anos de 1924 e 1974 ............................................................................. 749

    ANEXO I - Prmios literrios da Agncia Geral das Colnias/Agncia Geral do Ultramar

    entre os anos de 1926 e 1974 ............................................................................................. 757

    ANEXO II - Fotografias do Ministrio das Colnias/Ultramar e sedes da Agncia Geral

    das Colnias/Ultramar (1924-1974) .................................................................................. 761

    ANEXO III - Capas de Boletins entre 1925-1970 ........................................................... 763

  • IX

    GRFICOS E QUADROS

    GRFICOS

    Grfico 1: Nmero de leitores que frequentaram a Biblioteca da Agncia Geral das

    Colnias entre 1926 e 1930. ........................................................................... 182

    Grfico 2: Movimento bibliogrfico da Biblioteca da Agncia Geral das Colnias

    no ano de 1930. ............................................................................................... 182

    Grfico 3: Percentagem dos estratos socioprofissionais dos leitores da Biblioteca da

    Agncia Geral das Colnias no ano de 1930. ................................................. 183

    Grfico 4: Caracterizao dos principais Peridicos Coloniais/Ultramarinos entre

    1924/1974. ...................................................................................................... 219

    Grfico 5: Periodicidade dos Jornais/Revistas Coloniais/Ultramarinos entre

    1924/1974. ...................................................................................................... 219

    Grfico 6: Nmero de peridicos fundados entre as dcadas de 20 e 70 do sculo

    XX................................................................................................................... 220

    Grfico 7: Produo editorial no Imprio Colonial Portugus e no Estrangeiro

    entre os anos de 1924 e 1974. ......................................................................... 222

    Grfico 8: Dinamismo editorial em Moambique entre as dcadas de 20 e 70 do

    sculo XX. ...................................................................................................... 223

    Grfico 9: Dinamismo editorial em Angola entre as dcadas de 20 e 70 do sculo

    XX................................................................................................................... 223

    Grfico 10: Dinamismo editorial na Metrpole entre as dcadas de 20 e 70 do

    sculo XX. ...................................................................................................... 224

  • X

    Grfico 11: Dinamismo editorial na Guin, ndia e Macau entre as dcadas de 20

    e70................................................................................................................... 225

    Grfico 12: Dinamismo editorial em Cabo Verde e Estrangeiro entre as dcadas de

    20 e 70............................................................................................................. 225

    Grfico 13: Dinamismo editorial em S. Tom e Prncipe e Timor entre as dcadas

    de 20 e 70. ....................................................................................................... 226

    Grfico 14: Percentagem de temticas por pginas no Boletim da Agncia Geral das

    Colnias entre os anos de 1925 e 1930. .......................................................... 272

    Grfico 15: Percentagem de temticas sobre Angola no Boletim Geral das

    Colnias/Ultramar entre os anos de 1946 e 1961. .......................................... 338

    Grfico 16: Percentagem dos estratos socioprofissionais dos autores que

    escreveram sobre Angola no Boletim Geral das Colnias/Ultramar entre

    os anos de 1946 e 1961. .................................................................................. 339

    Grfico 17: Percentagem de temticas sobre Cabo Verde no Boletim da Agncia

    Geral das Colnias entre os anos de 1926 e 1932. ......................................... 344

    Grfico 18: Percentagem dos estratos socioprofissionais dos autores que

    escreveram sobre Cabo Verde no Boletim da Agncia Geral das

    Colnias entre os anos de 1926 e 1932. .......................................................... 346

    Grfico 19: Percentagem de temticas sobre a Guin no Boletim Geral das

    Colnias/Ultramar entre os anos de 1946 e 1961. .......................................... 358

    Grfico 20: Percentagem dos estratos socioprofissionais dos autores que

    escreveram sobre a Guin no Boletim Geral das Colnias/Ultramar

    entre os anos de 1946 e 1961. ......................................................................... 360

    Grfico 21: Percentagem de exportaes da Guin no ano de 1965 referidas no

    Boletim Geral do Ultramar. ............................................................................ 361

    Grfico 22: Percentagem de exportaes da ndia no ano de 1927 referidas no

    Boletim da Agncia Geral das Colnias. ........................................................ 365

  • XI

    Grfico 23: Percentagem de temticas sobre a ndia no Boletim Geral das

    Colnias/Ultramar entre os anos de 1946 e 1961. .......................................... 377

    Grfico 24: Percentagem dos estratos socioprofissionais dos autores que

    escreveram sobre a ndia no Boletim Geral das Colnias/Ultramar entre

    os anos de 1946 e 1961. .................................................................................. 378

    Grfico 25: Percentagem de temticas sobre Macau no Boletim da Agncia Geral

    das Colnias entre os anos de 1926 e 1932. ................................................... 385

    Grfico 26: Percentagem dos estratos socioprofissionais dos autores que

    escreveram sobre Macau no Boletim da Agncia Geral das Colnias

    entre os anos de 1926 e 1932. ......................................................................... 386

    Grfico 27: Percentagem de temticas sobre Moambique no Boletim Geral das

    Colnias/Ultramar entre os anos de 1946 e 1961. .......................................... 410

    Grfico 28: Percentagem dos estratos socioprofissionais dos autores que

    escreveram sobre Moambique no Boletim Geral das

    Colnias/Ultramar entre os anos de 1946 e 1961. .......................................... 412

    Grfico 29: Exportaes de S. Tom e Prncipe no ano de 1939 referidas no

    Boletim Geral das Colnias. ........................................................................... 423

    Grfico 30: Percentagem de temticas sobre S. Tom e Prncipe no Boletim Geral

    do Ultramar entre os anos de 1962 e 1970. .................................................... 425

    Grfico 31: Evoluo da populao em S. Tom e Prncipe entre os anos 1950 e

    1959. ............................................................................................................... 427

    Grfico 32: Percentagem dos estratos socioprofissionais dos autores que

    escreveram sobre S. Tom e Prncipe no Boletim Geral do Ultramar

    entre os anos de 1962 e 1970. ......................................................................... 428

    Grfico 33: Percentagem de temticas sobre Timor no Boletim Geral das Colnias

    entre os anos de 1932 e 1945. ......................................................................... 435

  • XII

    Grfico 34: Percentagem dos estratos socioprofissionais dos autores que

    escreveram sobre Timor no Boletim Geral das Colnias entre os anos

    de 1932 e 1945. ............................................................................................... 436

    Grfico 35: Naturalidade dos autores por zonas geogrficas. ........................................... 448

    Grfico 36: Autores da Metrpole (Continente+Ilhas), Colnias e Estrangeiro. .............. 449

    Grfico 37: Autores portugueses por distritos. .................................................................. 449

    Grfico 38: Lugares onde se deu o bito dos autores. ....................................................... 451

    Grfico 39: Data de nascimento dos autores. .................................................................... 452

    Grfico 40: Data de bito dos autores. .............................................................................. 454

    Grfico 41: Estratos sociais dos autores. ........................................................................... 455

    Grfico 42: Formao acadmica dos autores. .................................................................. 456

    Grfico 43: Origem da formao acadmica dos autores de acordo com os estratos

    sociais. ............................................................................................................ 457

    Grfico 44: Escolas nacionais e estrangeiras frequentadas pelos autores. ........................ 458

    Grfico 45: Tipo de escolas e faculdade frequentadas pelos autores. ............................... 459

    Grfico 46: Percentagem dos autores licenciados em Direito comparativamente

    com outras licenciaturas. ................................................................................ 462

    Grfico 47: Instituies onde os autores se licenciaram em Direito. ................................ 463

    Grfico 48: reas de licenciatura dos autores. .................................................................. 464

    Grfico 49: Instituies onde os autores se licenciaram em Engenharia .......................... 465

    Grfico 50: Instituies onde os autores se licenciaram em Medicina .............................. 466

    Grfico 51: Filiao ideolgica dos autores. ..................................................................... 468

    Grfico 52: Funes dos autores na alta hierarquia do Estado imperial. .......................... 469

  • XIII

    Grfico 53: Percentagem de artigos de/sobre Mouzinho de Albuquerque e outras

    personalidades histricas. ............................................................................... 575

    Grfico 54: Percentagem de personalidades histricas mais referidas no Boletim

    Geral das Colnias/Ultramar entre os anos 1925 e 1970. ............................... 587

    Grfico 55: Percentagem dos estratos socioprofissionais das personalidades

    histricas referidas no Boletim Geral das Colnias/Ultramar entre os

    anos 1925 e 1970. ........................................................................................... 590

    Grfico 56: Percentagem de artigos sobre personalidades histricas publicados no

    Boletim Geral das Colnias/Ultramar (1925/1970) durante os diferentes

    regimes polticos do sc. XX. ......................................................................... 591

    QUADROS

    Quadro 1: Subscrio para a instalao da sede da Agncia Geral das Colnias. ............ 126

    Quadro 2: Autorizao de pedido de emprstimo para a representao de algumas

    colnias na Exposio Colonial do Porto. ...................................................... 138

    Quadro 3: Peridicos mais antigos criados antes da Agncia Geral das Colnias e

    referenciados no seu Boletim (1924). ............................................................. 221

    Quadro 4: Listagem de personalidades inventariadas como colaboradoras do

    Boletim Geral das Colnias/Ultramar. ........................................................... 446

    Quadro 5: Subscrio entre as principais Colnias para a realizao da Exposio

    Colonial do Porto de 1934. ............................................................................. 473

    Quadro 6: Listagem de personalidades histricas inventariadas nos artigos do

    Boletim Geral das Colnias/Ultramar entre 1925/1970. ................................ 592

  • 1

    PALAVRAS PRVIAS

    Aps termos concludo em 1988 o Mestrado em Histria dos Sculos XIX e XX,

    pela Faculdade de Cincias Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa sobre a

    temtica das relaes de Moambique com os territrios limtrofes, no perodo entre as

    duas Guerras Mundiais1, surgiu a ideia de abordarmos novamente a problemtica colonial

    para um trabalho mais profundo, fruto da experincia acumulada nessa investigao,

    depois de uma vivncia de mais de duas dcadas nas antigas colnias de Angola e

    Moambique. Aliada a esta vivncia, estivera tambm o facto de possuirmos uma razovel

    biblioteca sobre temtica ultramarina, motivo que viria a constituir um bom incentivo para

    nos abalanarmos num projecto acadmico to exaustivo e complexo. O contacto com o

    Professor Lus Reis Torgal, nos finais da dcada de oitenta, e as reflexes posteriormente

    levadas a efeito sobre a questo imperial no contexto do Estado Novo, conjugadas com o

    interesse em desenvolver uma linha de pesquisa sobre os aspectos ideolgicos desse

    regime autoritrio, levaram-nos a solicitar a este docente para que nos orientasse neste

    trabalho, cuja temtica importante para a compreenso do papel desempenhado pelas

    colnias na sociedade portuguesa contempornea.

    Depois de algumas reunies preliminares efectuadas com o orientador para a

    definio da temtica a explorar, decidimos que a mesma versaria A ideologia e a

    propaganda colonial no Estado Novo, a partir da anlise de uma instituio oficial, a

    Agncia Geral das Colnias/ Agncia Geral do Ultramar, no perodo compreendido entre

    1924 e 1974. Aps o levantamento de uma documentao e bibliografia sumria em

    arquivos e bibliotecas de Lisboa e Guarda, entendeu o Professor Torgal que o tema tinha

    condies para ser desenvolvido, pelo que no ano de 2001 resolvemos solicitar ao

    Conselho Cientfico da Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra a inscrio para o

    doutoramento na rea de Histria Contempornea. Assim, esta investigao resultar da

    congregao do contributo de vrias instituies e entidades que ser de justia

    1 Jos Lus Lima Garcia, Moambique e as Relaes com os Territrios Vizinhos (1919 - 1939), Guarda,

    Edio Policopiada, 1987, 657 pp.

  • IDEOLOGIA E PROPAGANDA COLONIAL NO ESTADO NOVO

    2

    destacarmos: primeiramente, queremos agradecer ao Centro de Estudos Interdisciplinares

    do Sculo XX, pelo apoio institucional dos seus membros a esta pesquisa sobre a

    propaganda colonial em Portugal, desde os finais da Primeira Repblica. Grato ainda

    Escola Superior de Educao, Comunicao e Desporto, mormente Unidade Tcnico-

    Cientfica de Cincias Sociais e da Comunicao e ao Conselho Tcnico-Cientfico, pela

    compreenso revelada na concesso de trs dispensas semestrais de servio docente,

    respectivamente nos anos lectivos de 2001-2002, 2004-2005 e 2007-2008.

    Aos directores e funcionrios do Arquivo do Ministrio dos Negcios Estrangeiros,

    da Biblioteca Nacional e da Biblioteca da Sociedade de Geografia de Lisboa, a nossa

    gratido pela simpatia e competncia evidenciadas durante este processo de investigao.

    Gratos ainda Livraria Histrica Ultramarina, na pessoa do senhor Fritz Berkemeier, pela

    possibilidade que nos deram da aquisio do Boletim Geral das Colnias/Ultramar e ainda

    de um outro fundo bibliogrfico valioso, relativo a muitas das publicaes da instituio

    em estudo, nomeadamente as que se referiam s obras relacionadas com o prmio de

    Literatura Colonial, institudo por esse organismo estatal de propaganda. Agradecimento

    ainda ao doutor Jos Jlio Pinheiro e mestre Maria de Ftima Gonalves pela

    disponibilidade e pelo cuidado postos na reviso e na realizao grfica deste trabalho.

    Para a Arlete, Ana e Nuno vo do mesmo modo a nossa gratido pelo estmulo, afecto e

    compreenso manifestados ao longo destes muitos anos de trabalho e pesquisa. No

    quisemos encerrar esta nota preambular sem um reconhecimento especial ao Professor

    Lus Reis Torgal que desde o primeiro momento acedeu orientar esta tese, revelando ao

    longo deste tempo um fino trato humano e uma invulgar competncia cientfica e

    acadmica.

    laia de advertncia e ainda antes de encerrarmos estas palavras prvias,

    gostaramos de declarar que este trabalho acadmico foi escrito nos moldes da antiga

    reviso ortogrfica, pelo facto de se encontrar parcialmente redigido, quando o actual

    acordo entrou em execuo.

  • 3

    INTRODUO

    Ao abordarmos a temtica a que nos propusemos sobre a ideologia e a propaganda

    do Estado Novo atravs do estudo de uma instituio, a Agncia Geral das

    Colnias/Agncia Geral do Ultramar, no perodo compreendido entre 1924 e 1974, ocorre-

    nos formular algumas questes de mbito metodolgico. Parafraseando Quivy e

    Campenhoudt sobre o objectivo de uma investigao em Cincias Sociais, teremos de

    confirmar ...se os resultados observados correspondem aos resultados esperados pela

    hiptese2 ou se necessrio reformular a pesquisa e enunciar outros pressupostos. Como

    incio desta indagao sobre a propaganda colonial, deveramos poder enunciar vrias

    hipteses relacionadas com esta problemtica que s aps o 25 de Abril de 1974, com uma

    pliade de novos estudiosos, puderam com mais objectividade e rigor estudar assuntos at

    ali considerados interditos. Deste modo, ser oportuno colocarmos algumas questes sobre

    o papel desempenhado por uma instituio de propaganda durante meio sculo e se essa

    mesma actuao ajudara a estratgia de vulgarizao imperial dos diversos regimes

    polticos do Estado portugus no sculo XX? Em caso afirmativo, quais foram as

    cambiantes entre a poltica imperial do final da Primeira Repblica e a do Estado Novo?

    Por que motivo, mesmo durante a vigncia do Estado Novo, o regime de Salazar adoptou

    vrias medidas de correco da sua poltica ultramarina?

    Desta forma, o contedo da nossa investigao vai centrar-se na abordagem da

    propaganda colonial veiculada por uma instituio estatal portuguesa durante o meio

    sculo da sua existncia. Segundo Ricardo Chueca, a evoluo e a consolidao dos

    regimes nacionalistas s poderia acabar num regime apotetico de ndole imperial3. Ao

    definir desta maneira o conceito de Imprio como uma hierarquia suprema da nao,

    este investigador considerava o potencial dos regimes autoritrios numa fora centrpeta

    que subjugava os localismos provindos das regies mais diversas4. Logo, uma abordagem

    sobre uma instituio de propaganda dever ser contextualizada sincronicamente para, em

    2 Raymond Quivy e Luc Van Champenhoudt, Anlise das Informaes in Manual de Investigao em

    Cincias Sociais, Lisboa, Gradiva Publicaes, 1992, p. 211. A 5. edio desta obra, sob responsabilidade da

    mesma editora, saiu para o mercado portugurs no ano de 2008, num volume com 284 pp. 3 Ricardo Chueca, El Fascismo en los comienzos del rgimen de Franco, Madrid, Centro de Investigaciones

    Sociolgicas, 1983, 548 pp., especialmente pp. 43 e ss. 4 Fernandz Cuesta citado por Ricardo Chueca, Ibidem, p. 46.

  • IDEOLOGIA E PROPAGANDA COLONIAL NO ESTADO NOVO

    4

    tempo oportuno, se concluir das analogias e diferenas que esta tcnica de Comunicao

    produzira nas conscincias dos cidados, ao longo dos regimes polticos em estudo.

    Concluiremos com a aluso ao plano da dissertao, salientando as razes porque

    dividimos a temtica principal em duas partes distintas: uma primeira relacionada com a

    ideia de Imprio nas principais metrpoles colonizadoras (Frana, Gr-Bretanha e Itlia) e

    a ideia de Imprio ao longo dos regimes portugueses das primeiras dcadas do sculo XX

    (Repblica e Estado Novo), onde procurmos integrar a Agncia Geral das

    Colnias/Ultramar, fazendo a anlise dos peridicos que versavam essa idiossincrasia; uma

    outra, a segunda parte, relacionada com algumas questes sobre a origem do principal

    rgo de difuso da Agncia, o Boletim Geral das Colnias/Boletim Geral do Ultramar,

    nomeadamente a histria, as temticas, os autores, e a ideia de Imprio no registo oficial.

    No respeitante utilizao de fontes primrias nesta pesquisa, os documentos

    estudados provm sobretudo do ministrio dos Negcios Estrangeiros e dos arquivos de

    Armindo Monteiro e do general Freire de Andrade. Neste mbito, ser crucial afirmar que

    a investigao arquivstica em Portugal sobre o Estado Novo e outros perodos da Histria

    recente peca pela dificuldade de acesso s instituies responsveis pela conservao

    desses documentos, seja porque muitos dos manuscritos se encontram dispersos por

    arquivos e bibliotecas do Pas com o inconveniente de muitos dos acervos continuarem por

    inventariar e catalogar, seja por que a espada de interdio de consulta continua a recair

    sobre certos documentos que j ultrapassaram a lei da inacessibilidade. Quanto ao esplio

    da Agncia Geral das Colnias/Ultramar, a maior parte da sua documentao aps Abril de

    1974 foi levada para armazns situados na periferia de Lisboa, nomeadamente em Almada,

    Loures e Queluz, tendo apenas transitado na ntegra para o Arquivo Histrico Ultramarino

    a biblioteca e alguma documentao avulsa, muita dela ainda nem sequer

    convenientemente catalogada. Para o Palcio Foz, antiga sede do Secretariado Nacional de

    Informao, passou apenas a documentao iconogrfica. Quanto documentao

    impressa, a mais utilizada provm essencialmente de bibliotecas e de instituies pblicas,

    para onde a Agncia fazia encaminhar gratuitamente o seu peridico e outras publicaes

    de propaganda entretanto editadas. No caso das instituies metropolitanas para as quais

    eram enviadas estas obras, destacaram-se as bibliotecas das Escolas Secundrias e do

    Magistrio Primrio, e das Faculdades das principais Universidades. Foi, alis, na

    biblioteca do antigo Liceu Afonso de Albuquerque da Guarda que encontrmos disponveis

    muita da bibliografia sobre as Colnias/Ultramar, o que em termos de investigao tornou

    o nosso trabalho muito mais facilitado.

  • INTRODUO

    5

    Um outro aspecto que condicionou a realizao desta dissertao foi a quase

    inexistncia de trabalhos sobre a ideologia colonial, nomeadamente sobre a Agncia Geral

    das Colnias/Ultramar, produzidos pelos historiadores da rea Contempornea. Algumas

    excepes ao que acima afirmmos so os trabalhos de Valentim Alexandre5 que, partindo

    da anlise da ideologia oitocentista, se debruou sobre a questo colonial na implantao

    do Estado Novo. Tambm, Joo Carlos Paulo escreveu sobre a cultura colonial6, referindo-

    se especialmente num dos escritos Agncia Geral das Colnias, numa sntese sobre o

    papel que a mesma desempenhou na construo e difuso das imagens e dos sentidos

    ideolgicos do Imprio7. Necessrio ser ainda referir o trabalho pioneiro de ngela

    Guimares sobre a Sociedade de Geografia de Lisboa8, baseado em material produzido por

    esta instituio a partir do terceiro quartel do sculo XIX e constitudo especialmente por

    actas de sesses, boletins e separatas que ao todo, segundo esta investigadora, formava um

    conjunto de 16.000 pginas de documentos impressos9. A obra em questo baseou-se numa

    anlise scio-econmica do colonialismo portugus da segunda metade do sculo XIX e

    pretendeu reagir contra certos preconceitos instalados na historiografia internacional

    quanto ao facto do imperialismo luso ser caracterizado por uma sequncia de actos

    desorganizados numa atmosfera dormente e arcaica10

    , prpria de um povo latino.

    No seguimento desta ideia R. J. Hammond, num livro sobre o colonialismo em

    frica11

    , salientava que foram factores de ndole histrica que marcaram a presena de

    Portugal nos trpicos e no os factores puramente economicistas. No reforo desta

    perspectiva, da inexistncia de factores econmicos no desenvolvimento do Ultramar no

    sculo XIX, se caracterizou a perspectiva de Jos Capela, mormente quando desvalorizou o

    5 De Valentim Alexandre, entre outras, as seguintes obras: Origens do Colonialismo Portugus Moderno

    1822-1891, Lisboa, S da Costa Editora, 1979, 219 pp; Histria da Expanso Portuguesa (Em Colaborao

    sob a Direco de Francisco Bethencourt e Kirti Chaudhuri), Lisboa, Crculo de Leitores, Volume 4 (Do

    Brasil para frica 1808-1930), 1998, 568 pp; Velho Brasil, Novas fricas Portugal e o Imprio (1808-

    1975), Porto, Edies Afrontamento, 2000, 248 pp; O Imprio Africano Sculos XIX e XX (Coordenao

    Valentim Alexandre), Lisboa, Edies Colibri, 2000, 195 pp; A Questo Colonial no Parlamento 1821

    1910, Lisboa, Editorial D. Quixote, Volume I, 2008, 207 pp. 6 Joo Carlos Paulo, Cultura e Ideologia Colonial in O Imprio Africano 1890-1930, (coordenao de

    Joel Serro e Oliveira Marques), Lisboa, Editorial Estampa, 2001, 863 pp., especialmente pp. 30-94. 7Joo Carlos Paulo, Agncia Geral das Colnias/Ultramar in Fernando Rosas e J. M. Brando de Brito,

    Dicionrio de Histria do Estado Novo, 2 volumes, Lisboa, Crculo de Leitores, 1996, Volume 1, pp. 23-24. 8 ngela Guimares, Uma Corrente do Colonialismo Portugus: a Sociedade de Geografia de Lisboa: 1875-

    1895, Lisboa, Livros Horizonte, 1984, 232 pp. 9 Idem, Bibliografia, Ibidem, p. 229.

    10 Idem, Apresentao, Ibidem, p. 10.

    11 R. J. Hammond, Portugal and Africa 1815-1910. A study in Uneconomic Imperialism, Stanford, Stanford

    University Press, 1966, 384 pp. Em 1996 o livro foi reeditado pela mesma instituio univerrsitria de h

    trinta anos atrs.

  • IDEOLOGIA E PROPAGANDA COLONIAL NO ESTADO NOVO

    6

    papel da burguesia industrial nesse contexto12

    . Fazendo a sntese entre estas interpretaes,

    Valentim Alexandre de opinio que a expanso portuguesa em frica dever ser vista

    numa perspectiva mais globalizante, integrando ao mesmo tempo as teses sobre agentes

    econmicos e ideolgicos num percurso em que o mito nacionalista da herana sagrada

    contribuiu decisivamente para a reivindicao do direito histrico da descoberta, mais do

    que o mito utilitarista do aproveitamento econmico do continente africano, segundo os

    padres do eldorado que foi o Brasil nos sculos XVII e XVIII13

    . ltimamente, em

    2008, Valentim Alexandre, para o perodo da Monarquia Liberal, e Cndida Proena, para

    a Primeira Repblica, luz destes parmetros analisaram a Questo Colonial no

    Parlamento, a partir especialmente dos debates que os deputados travaram para preservar

    e melhorar esse patrimnio territorial herdado dos primrdios da poca Moderna14

    .

    Mutatis mutandis, com a diferena de um sculo, pretenderemos com a anlise que

    estamos a proceder demonstrar que existiu uma linha ideolgica condutora desde o incio

    do sculo XIX, que se acentuou a partir de 1875, com a criao da Sociedade de Geografia

    de Lisboa, no colonialismo portugus hodierno. Assim, esta instituio cientfica

    propugnava pela explorao das possesses ultramarinas, em nome desse direito histrico

    de descoberta, tendo toda a propaganda depois dessa data sido concertada numa aco

    pelos princpios de uma referncia civilizacional nos trpicos, qual esprito de sagrada

    misso. Esse esprito nacionalista de misso culminaria com a criao em 1924 da

    Agncia Geral das Colnias em pleno final da Primeira Repblica, como ideal de

    preservao desses domnios descobertos pelos navegadores quinhentistas e continuado

    como verdade nica pelo regime do Estado Novo. Como reforo dessa tese sobre a

    evoluo estrutural do pensamento colonial portugus, destacou-se a obra de Cludia

    Castelo O Modo Portugus de Estar no Mundo. O luso-tropicalismo e a ideologia

    colonial portuguesa (1933-1961), publicada em 199815

    .

    No prefcio desta obra, Valentim Alexandre considerou que foi no ltimo quartel do

    sculo XIX que essa ideia da preservao do mito da herana sagrada passou a ganhar

    consistncia na opinio pblica portuguesa. Depois da Segunda Guerra Mundial, com o

    12

    Jos Capela, A Navegao e a Burguesia Mercantil do Porto in A Burguesia Mercantil do Porto e as

    Colnias (1834-1900), Porto, Editorial Afrontamento, 1975, pp. 183-205, especialmente p. 187. 13

    Valentim Alexandre, A questo colonial no Portugal... in O Imprio Africano, pp. 23-132,

    especialmente pp. 120-122. 14

    Valentim Alexandre e Cndida Proena, A Questo Colonial no Parlamento, respectivamente Volumes I

    (1821-1910) e II (1910-1926), Lisboa, Publicaes D. Quixote, 2008, respectivamente 208 pp. e 488 pp. 15

    Cludia Castelo, Prefcio, O Modo Portugus de Estar no Mundo. O luso-tropicalismo e a ideologia

    colonial portuguesa (1933-1961), Porto, Editorial Afrontamento, 1998, pp. 5-6, especialmente p. 5.

  • INTRODUO

    7

    aparecimento de uma nova poltica internacional favorvel descolonizao e que punha

    em causa este dogma vindo do sculo XIX, o regime salazarista foi obrigado a lavar a

    face relativamente sua anacrnica lei sobre a administrao das possesses ultramarinas.

    Neste sentido, Cludia Castelo concluiu, da anlise que fez da utilizao do luso-

    tropicalismo pelo Estado Novo, que esta doutrina sociolgica foi intencionalmente

    utilizada por este regime para mudar tudo aquilo que permanecera imutvel na sua

    administrao colonial e desta forma iludir a opinio pblica, como alis ficara

    demonstrado pela data escolhida para a visita a Portugal de Gilberto Freyre, dois meses

    depois da reviso constitucional, em Agosto de 195116

    .

    Posteriormente, as impresses desta viagem seriam passadas a escrito com o

    sugestivo ttulo de Aventura e Rotina. Sugestes de uma viagem procura das constantes

    portuguesas de carcter e aco17

    , procurando o livro em causa descrever as peripcias de

    uma viagem para promover o patrimnio ultramarino e a miscigenao racial. Para alm de

    mero veculo de difuso de um regime providencialista e tutelar como foi o Estado Novo, a

    Agncia Geral das Colnias/Ultramar especialmente na fase de arranque, entre 1924 e

    1932, pretendeu atravs do seu peridico reproduzir alguns dos exemplos hericos da

    memria colectiva oitocentista, num manancial de informao cvica que servia para

    formar uma elite necessria portugalizao de regies e populaes autctones,

    semelhana alis do que acontecera com a propaganda de outras metrpoles da poca18

    .

    Para demonstrar como a Agncia Geral das Colnias foi decisiva na projeco dessa

    conscincia imperial, vinte anos depois da fundao desta instituio, em Outubro de 1944,

    Joo de Castro Osrio realava o papel preponderante que esta Agncia tivera para a total

    reviso dos valores dessa poca19

    .

    E a reviso dos princpios jurdico-polticos a partir de 1951, relativamente ao regime

    de administrao colonial por parte das instituies internacionais, mormente da ONU, no

    que se referia prtica da explorao laboral e discriminao racial, levou o Estado

    portugus a proceder a alteraes na Lei-Bsica de 1933, em especial na substituio da

    16

    Cludia Castelo, Concluso, Ibidem, pp. 137-140, p. 138. 17

    Gilberto Freyre, Aventura e Rotina Sugestes de uma viagem procura das constantes portuguesas de

    carcter e aco, Lisboa, Edies Livros do Brasil, 1954, 453 pp. 18

    Jos Lus Lima Garcia, A Histria do Boletim da Agncia Geral das Colnias-Boletim Geral do Ultramar

    e a Propaganda Colonial: a aco do primeiro director, dr. Armando Corteso (1924-1932), Guarda, Edio

    Policopiada, 1997, 267 pp. 19

    Joo de Castro Osrio, A aco cultural e a obra da Agncia Geral das Colnias in O Mundo Portugus

    Revista de Cultura e Propaganda da Arte e Literaturas Coloniais, n. 130, Outubro de 1944, vol. XI, pp.

    375-380, especialmente p. 379.

  • IDEOLOGIA E PROPAGANDA COLONIAL NO ESTADO NOVO

    8

    terminologia referente aos territrios que at ento utilizavam a denominao de

    Colnias e de Imprio, para Provncias Ultramarinas e Ultramar. Ainda, pelo

    regime do Estado Novo foi aceite a teoria sociolgica do luso-tropicalismo de Gilberto

    Freyre como instrumento de cincia para fins polticos, pressuposto reforado a partir de

    1961 com as reformas introduzidas por Adriano Moreira no ministrio do Ultramar

    relacionadas com a maior participao dos indgenas na administrao local. Mas todas

    estas reformas no foram suficientes para alterar o status quo de uma dominao fora de

    tempo. No princpio da dcada de sessenta, mais concretamente a 4 de Fevereiro de 1961,

    os movimentos emancipalistas das colnias pegaram em armas para alterar pela fora esta

    soberania retrica do discurso salazarista de que Portugal era um Estado uno e

    pluricontinental, do Minho a Timor20

    . Nesta altura comearia tambm a decadncia da

    Agncia Geral do Ultramar, que culminaria com o final da publicao do seu Boletim no

    ano de 1970. Entretanto, tinha passado meio sculo de vigncia desta Agncia e quarenta e

    quatro anos de publicao ininterrupta dos quinhentos e trinta e cinco nmeros do seu

    rgo escrito. Como ia longe o tempo em que o republicano Bernardino Machado, com o

    seu fervor nacionalista, afirmava nas pginas deste mesmo peridico:

    Fazer a propaganda da nossa aco colonial propugnar a causa do grande Portugal do futuro21

    .

    A propsito desta expresso nacionalista, poder-nos-emos interrogar: seria que num

    perodo de cinquenta anos que durou a vigncia da Agncia Geral das Colnias/Ultramar o

    pas procurara propugnar pela causa do Portugal do futuro? E teria sido a propaganda da

    nossa aco colonial durante o sculo XX a melhor forma de projectar esse mesmo

    futuro? Ou, pelo contrrio, a defesa da ideia de Imprio, sobretudo a partir da segunda

    metade do sculo passado, era j uma causa perdida e a preservao da integridade

    territorial uma questo de anacronismo e desfasamento temporal de Portugal face

    comunidade internacional? As respostas a estas interrogaes sero pois os resultados da

    investigao entretanto realizada e consubstanciada nos diversos captulos que se seguiro

    aps esta introduo metodolgica.

    20

    Jos Freire Antunes, O Imprio com Ps de Barro. Colonizao e Descolonizao: as Ideologias em

    Portugal, Lisboa, Publicaes Dom Quixote, 1980, p. 61. Ainda, Amlia Neves do Souto, Caetano e o Ocaso

    do Imprio, Porto, Edies Afrontamento, 2007, 460 pp. 21

    Bernardino Machado, Testemunhos de um ano de existncia in Boletim da Agncia Geral das Colnias,

    Ano II, Junho de 1926, n. 12, p. 4.

  • Sede do Ministrio das Colnias/Ultramar at 1967

    Praa do Comrcio

    Lisboa

  • PARTE I

    O IMPRIO PORTUGUS: IDEIA E INSTITUIO

  • 13

    CAP. I -

    AS IDEIAS DE IMPRIO NO CONTEXTO INTERNACIONAL E NACIONAL

    1. O Contexto Internacional

    1. 1. A ideia de Imprio no discurso liberal da Frana e da Gr-Bretanha

    No incio da Segunda Guerra Mundial os dois imprios coloniais mais importantes

    eram os da Frana e da Gr-Bretanha, muito embora o primeiro no tenha tido a

    preponderncia e a projeco mundial que a dominao inglesa alcanara, pelo facto do

    Governo de Paris se preocupar mais com os assuntos europeus, do que com a questo

    ultramarina. Esta preocupao continental da Frana no deixara de ter consequncias na

    descontinuidade com que administrou os seus territrios de Alm-Mar, a ponto de

    considerarmos, semelhana alis de Portugal, trs complexos histrico-geogrficos ao

    longo da sua dispora expansionista encetada nos alvores da poca Moderna: um primeiro,

    o das descobertas, viagens e sociedades esclavagistas (1534-1789); um segundo, o da

    revoluo, reconquista colonial e abolio da escravatura (1789-1870); um terceiro, o da

    consolidao ultramarina at s independncias (1870-1960)22

    .

    Assim, na primeira fase, ao tempo de Francisco I, as viagens de Giovanni

    Verrazzano em 1524 ao litoral dos Estados Unidos da Amrica e de Jacques Cartier ao

    Canad (1534-1542) catapultariam a Frana para o reconhecimento do Novo Mundo. No

    sculo seguinte essas viagens continuariam, nos reinados de Lus XIII e Lus XIV, com o

    apoio dos negociantes dos principais portos franceses (Bordus, Nantes e Marselha) que

    estabeleceram empresas comerciais que ajudariam colonizao da Nova Frana, actual

    Canad, com a explorao do vale de S. Loureno e a fundao das cidades de Qubec

    (1608) e Montreal (1642) e, mais a sul, no Luisiana, na bacia do rio Mississipi (1682), com

    22

    Nicolas Bancel, Pascal Blanchard e Franoise Vergs, Les trois temps de la colonisation franaise in La

    colonisation franaise, Toulouse, ditions Milan, 2007, pp. 6-7.

  • IDEOLOGIA E PROPAGANDA COLONIAL NO ESTADO NOVO

    14

    a criao da cidade de Nova Orlees, em 1718, hoje integrada na estrutura territorial dos

    Estados Unidos da Amrica23

    . Na regio do Caribe, a Frana acabaria tambm por se fixar

    nalgumas parcelas insulares importantes como eram a Martinica e Guadalupe em 1635,

    Granada em 1650, Guiana em 1677 e S. Domingo em 1697, onde comearam a incentivar

    o plantio de monoculturas estratgicas como o tabaco e a cana-do-acar. Mas, estas

    actividades agrcolas exigiam mo-de-obra com fartura que no existia na zona, pelo que a

    administrao francesa teve necessidade de criar feitorias na costa ocidental de frica,

    nomeadamente no litoral do Senegal, para importar escravos que dessem produtividade a

    essas tarefas agrcolas nos trpicos antilhanos.

    Mas os franceses nesta altura estavam ainda interessados numa rea estratgica de

    especiarias e artigos de luxo exticos que havia sido descoberta pelos portugueses no final

    do sculo XV (1498). Deste modo, a ndia constitua na altura uma zona de procura e

    explorao por partes das metrpoles europeias e a Frana no foi excepo a essa

    concorrncia com a fundao em 1664 da Companhia das Indias Orientais e de entrepostos

    comerciais para tirar proveito desses negcios nas regies de Pondicherry, em 1674, e

    Chandernagor, em 1684. Ainda sem a ligao pelo Mediterrneo para o continente asitico,

    a rota pelo ndico do portugus Vasco da Gama acabava por ser, apesar de mais longnqua,

    a mais frequentada pelos negociantes e marinheiros ocidentais. E por causa da distncia

    haveria que criar portos intercalares de escala, como aconteceu com as armadas lusas aps

    Gama, que tinham no litoral moambicano, desde Inhambane at ilha de Moambique,

    lugares para descansar e recuperar as tripulaes exaustas por viagens to longas e

    atribuladas. O mesmo sucederia com os franceses que para chegarem aos seus entrepostos

    indianos precisavam do apoio de rectaguarda no Oceano ndico, pelo que a ocupao

    criteriosa de duas ilhas, as de Bourbon e Frana, respectivamente rebaptizadas de Reunio

    e Maurcias, resolveriam o problema de logstica da Marinha glica. Entretanto, na ndia, a

    partir de 1720 e 1730, Joseph Franois Dupleix foi nomeado respectivamente membro dos

    Conselhos Superiores de Pondicherry e Chandernagor, culminando a sua ascenso poltica

    com a nomeao em 1742 para governador-geral de todos os estabelecimentos franceses

    nesta regio24

    .

    23

    Hubert Deschamps, L Empire Franais in La Fin des Empires Coloniaux, Paris, Presses Universitaires

    de France, 1969, pp. 33-40, especialmente pp. 33-34. 24

    Jacques Frmeaux, Frana: Imprio e Me Ptria in Robert Aldrich (Coordenao) La Era de los

    Imperios, Barcelona, Editorial Blume, 2007, pp. 152-173, especialmente p. 152.

  • AS IDEIAS DE IMPRIO NO CONTEXTO INTERNACIONAL E NACIONAL

    15

    Segundo J. M. Roberts, o futuro para a hegemonia imperial passava pela poltica das

    superpotncias da altura na ndia, sobretudo o apoio indirecto que estas metrpoles

    pudessem dar aos prncipes hindus rivais25

    . E foi essa poltica do dividir, para reinar com

    os autctones que desembocaria em 1744, em Carnatic, num primeiro confronto armado,

    de mais dois que ocorreriam nesta zona at ao ano de 1763, entre os exrcitos franco-

    britnicos. A rivalidade entre os interesses econmicos das companhias majestticas

    haveria de levar o conflito asitico, para um mais global, a guerra dos Sete Anos (1756-

    1763), entre a Gr-Bretanha e a Frana, onde os interesses por um maior controlo territorial

    estivessem em causa:

    En realidad, antes de su inicio, no haba habido una remisin de los combates en la India, pese a que

    oficialmente, Francia y Gran Bretaa estaban en paz desde 1748. La causa francesa haba prosperado bajo

    un brillante gobernador francs de Carnatic, Dupleix, quien causo una gran alarma entre los britnicos por

    sua ampliacin del poder francs entre los prncipes nativos mediante la fuerza y la diplomacia26

    .

    A ameaa do poder francs na ndia era tal que o governo ingls declarou guerra

    sua rival, guerra que no ano imediato se alastraria Europa, durante sete anos, e que

    acabaria por ser prejudicial aos interesses expansionistas de Paris, pois estes claudicaram

    ao potencial mais forte do exrcito dos generais Clive, na ndia, e Wolfe, no Canad

    (Quebec), e ainda noutras regies como nas Antilhas, no Mediterrneo e no Atlntico

    africano27

    . Um outro factor importante foi, segundo Niall Ferguson, a capacidade de pedir

    emprstimos ao mercado financeiro para custear as despesas entretanto ocasionadas com a

    guerra28

    . Numa posio de vulnerabilidade, a Frana foi obrigada a aceitar as

    reivindicaes territoriais da Gr-Bretanha, dando-se um retrocesso nas posies

    anteriormente tuteladas no xadrez e nas zonas de influncia compartidas nos continentes

    americano e asitico. De acordo com Alejandro Cols, esta guerra assemelhou-se a uma

    espcie de conflito mundial setecentista em que estava em causa a repartio do Mundo

    pelos imprios britnico e francs29

    . Ganhara o imprio de Sua Majestade pelo que o

    Tratado de Paris, de 1763, pusera termo Guerra dos Sete Anos e obrigara a Frana a

    25

    J. M. Roberts, O Asalto de Europa al Mundo in Historia Universal III. La era del imperialismo

    europeo, Madrid/Barcelona, RBA Edipresse, 2009, pp. 73-100, especialmente p. 83. 26

    J. M. Roberts, Idem, Ibidem, p. 83. 27

    David Mountfield, Comrcio e Imprio 1689-1783 in Histria da Gr-Bretanha, Lisboa, Crculo de

    Leitores, 1980, pp. 74-83, especialmente p. 81. 28

    Niall Ferguson, Por qu Gran Bretaa? - Guerreros in El Imperio Britnico Cmo Gran Bretaa forjo

    el orden mundial, Barcelona, Random House Mondadori, 2006, pp. 37-89, especialmente p. 71. 29

    Alejandro Cols, Imperio y Mercado in Imperio, Madrid, Alianza Editorial, 2009, pp. 97-149,

    especialmente p. 110.

  • IDEOLOGIA E PROPAGANDA COLONIAL NO ESTADO NOVO

    16

    renunciar s seguintes possesses: Nova Frana (Quebec e Montreal) e a todos os

    territrios americanos da faixa leste da bacia do Mississipi; s ilhas aucareiras do Caribe,

    designadamente Maria Galante e metade da ilha de S. Domingos, e ao fim do monoplio

    da Companhia das ndias Ocidentais; s ilhas de Cuba e das Filipinas, dos aliados

    espanhis, com a respectiva perda de influncia nestas zonas; aos entrepostos indianos,

    como a fortaleza de Gingee e o entreposto de Pondichry30

    .

    Esta contrariedade no desmoralizaria a elite do Antigo Regime francs, nem a sua

    opinio pblica. Tal como os estrategos hodiernos que para avanar precisam por vezes

    de recuar, as ambies coloniais ficaram subjacentes na conscincia colectiva dos

    polticos, soldados, mercadores e missionrios da Corte Solar, que com Lus XVI

    procuraram nos poucos anos do seu absolutismo decadente, retomar o orgulho ferido da

    nao gaulesa acossada pelo seu vizinho insular mais prximo. Ao aliar-se aos colonos na

    luta pela independncia dos Estados Unidos, a Frana seguraria a oportunidade para a

    desforra mas, tambm, para em nome da igualdade, liberdade e fraternidade

    exportar um conjunto de ferramentas ideolgicas que iria permitir que a primeira colnia

    no Mundo se emancipasse do seu colonizador, iniciando um processo irreversvel que

    culminaria com as primeiras independncias do incio da poca Contempornea.

    Portanto, o fluxo expansionista glico embalado pelo novo aliado americano

    contra a hegemonia britnica iria permitir que a Frana restaurasse a soberania no Tobago

    e no Senegal, em 1782, e recuperasse o trfico com as ndias Ocidentais e Orientais com

    produtos to valiosos como o acar, o algodo e o caf, ocasionando que em 1788, um

    ano antes da Revoluo, a Frana ultrapassasse em lucros a balana comercial da Gr-

    Bretanha, confirmando, contraditoriamente, uma prosperidade econmica sem igual, num

    perodo poltico e social muito conturbado. De acordo com Ccile Vidal, nesta conjuntura

    o imprio francs diferenciava-se de todos os outros na Amrica pelo facto de, muitas das

    vezes, a sua aniquilao no resultar de aces independentistas conduzidas por uma elite

    branca, mas de vendas e desagregaes territoriais, num contexto de rivalidades e

    concorrncias expansionistas pelo controlo estratgico de determinadas reas e regies. Por

    esse facto, esta investigadora considerava que este primeiro perodo da dispora (dos finais

    do sculo XVI ao XVIII), sobretudo no tempo que ia desde o Tratado de Paris, de 1763,

    30

    Niall Ferguson, op. cit., p. 71. Tambm, Jacques Levron, O Rei Sol Os ministros e a sua obra in

    Histria de Frana, Lisboa, Crculo de Leitores, 1978, pp. 61-68, especialmente pp. 65-66.

  • AS IDEIAS DE IMPRIO NO CONTEXTO INTERNACIONAL E NACIONAL

    17

    em que a Frana era obrigada a ceder o Canad Gr-Bretanha, aps a derrota na guerra

    dos Sete Anos, at 1803, altura em que vendeu a Luisiana aos Estados Unidos da

    Amrica, se deveria considerar em termos conceptuais como o de formaes imperiais,

    mais do que propriamente um imprio, pelo facto de que a expresso permite sublinhar

    que os imprios foram edificados pelo reconhecimento de contnuas transformaes e

    negociaes31

    No segundo perodo expansionista, o da revoluo, reconquista colonial e abolio

    da escravatura (1789-1870), como o nome indicava o imprio deixava de estar sobre a

    rbita do Antigo Regime monrquico e absolutista, mas passava a estar associado

    revoluo e repblica bonapartista. No centro da revoluo, aps a destituio de Lus

    XVI, uma Assembleia Constituinte que contraditoriamente aprovaria a Declarao dos

    Direitos do Homem e do Cidado atribuindo uma nova responsabilidade cvica ao

    habitante europeu francs, mas que se negava a abolir o estatuto da escravatura para muitos

    africanos resgatados e enviados para as possesses das Antilhas e da Amrica do Norte.

    Portanto, na prtica os princpios de uma liberdade plena para todos os cidados franceses

    no resultavam, apesar da campanha dos filsofos da Ilustrao como Condorcet, Voltaire

    e Montesquieu e da miltncia dos elementos da Sociedade dos Amigos dos Negros que

    advogavam a abolio da escravatura. Assim, no centro das preocupaes das autoridades

    revolucionrias estavam dois pressupostos que, para o exterior, poderiam consolidar a

    credibilidade da Frana, como metrpole colonial: abolir a escravatura e aplicar as

    mesmas leis no ultramar e na metrpole32

    .

    Estas hesitaes e as medidas titubeantes da Assembleia Legislativa para com os

    direitos cvicos das populaes ultramarinas haveriam de ser fatais para os interesses

    franceses nos trpicos. Somente em 1794, cinco anos depois do Terceiro Estado haver

    sado rua, um parlamento mais radical, sob influncia de Robespierre, decidiu abolir a

    escravatura, mas esta medida j no preveniu a guerra que os britnicos tinham declarado

    ao rival revolucionrio, desde o ano de 1793, com a consequente ocupaode vrias ilhas

    do Caribe e perda dos enclaves da ndia. Como ainda no impediu que numa parte da ilha

    de S. Domingos, actual Haiti, uma rebelio chefiada por Toussaint Louverture pusesse em

    31

    Ccile Vidal, Amriques: la fin de l empire franais in L Histoire La Fin des Empires Coloniaux

    De Jefferson Mandela, Paris, Sophia Publications, Les Collections de lHistoire n. 49, de Octobre-

    Dcembre 2010, pp. 22-25, especialmente p. 23. 32

    Nicolas Bancel, Pascal Blanchard e Franoise Vergs, Les trois temps de la colonisation, op. cit., p. 6.

  • IDEOLOGIA E PROPAGANDA COLONIAL NO ESTADO NOVO

    18

    causa a soberania de Paris naquelas paragens e desse motivo para que se iniciasse um

    movimento que culminaria na independncia daquela possesso em 180433

    .

    Entretanto, entre 1795 e 1799, emergeria em Frana um governo autoritrio,

    denominado Directrio, que em aliana com os militares foi responsvel por uma nova

    Constituio que reforaria os interesses da burguesia e a manteria conjunturalmente livre

    quer do absolutismo, do antigo regime monrquico, quer do jacobinismo republicano

    revolucionrio. Nesse hiato de tempo, mais concretamente em 1798, Napoleo Bonaparte

    preparou uma expedio ao Egipto que tinha em vista intimidar o poderio naval dos

    britnicos, junto do Mediterrneo, e condicionar a influncia que o mesmo exercia junto de

    uma plataforma abarcando o sul da Europa, o norte de frica e o oriente Asitico,

    plataforma alis que, em 1869, com a inaugurao do canal do Suez, desempenharia um

    papel crucial nas ligaes com a ndia, rivalizando em tempo e distncia com a antiga rota

    do Cabo34

    .

    Mas o gesto intimorato do oficial corso redundaria num fracasso, com a destruio

    parcial, um ano depois, da frota francesa pela armada do almirante Nelson e o regresso

    abrupto de Napoleo Europa. A aventura egpcia terminaria, sem honra nem glria, em

    1801, com a rendio das ltimas foras expedicionrias. Em Maro de 1802 seria

    finalmente rubricado com a Gr-Bretanha o tratado de paz de Amiens, que obrigaria a

    Frana a retirar dos estados papais e a delimitar as fronteiras da Guiana. J como cnsul,

    Napoleo no retirara grandes ilaes do desastre em terras do Nilo e contraditoriamente

    ideologia da Revoluo adoptar uma poltica conservadora, semelhante do antigo

    regime monrquico, relativamente ao seu imprio ultramarino. Assim, vai restaurar os

    princpios esclavagistas como suporte laboral para a economia das matrias-primas

    agrcolas tropicais (1802) e voltar a reocupar a ilha de So Domingos, prendendo e

    extraditando para a Europa um dos seus chefes, Toussaint Louverture, e adiando a

    independncia desta possesso para o ano de 1804. A nsia de derrotar os britnicos para

    os expulsar da ndia e as diversas frentes de combate (da Pennsula Ibrica Rssia) vo

    enfraquecendo o domnio napolenico. Mau grado os reconhecimentos e os raids que

    fizera a regies inspitas como Arglia, Sria e Prsia, o imprio ultramarino cair com a

    perda da sua hegemonia na Europa e, em 1814, no restava mais nada, a no ser o

    33

    Ccile Vidal, La Premire Rpublique Noire, op. cit., p. 25. 34

    Jacques Levron, A Revoluo e o Imprio, op. cit., pp. 78-93, especialmente pp. 85-86.

  • AS IDEIAS DE IMPRIO NO CONTEXTO INTERNACIONAL E NACIONAL

    19

    derramamento de sangue e os transtornos que levou a todos os lugares do mapa por

    onde passou essa fantasia neocarolngia de nos tempos contemporneos pretender criar um

    imprio semelhana dos seus antepassados medievais35

    .

    O Tratado de Paris de 1814 dava por terminada a guerra da Frana com a Gr-

    Bretanha e com os outros inimigos desta coligao antinapolenica (ustria, Prssia,

    Rssia e Sucia). Este facto permitia a restaurao da dinastia Bourbon com a subida ao

    poder do rei Lus XVIII e o exlio de Napoleo para a ilha de Elba. O acordo no

    penalizara muito a Frana com reparaes e perdas de territrios, mantendo alis as

    colnias que possua at ao ano de 1789, excepo apenas da ilha de Frana (Maurcias),

    no Oceano ndico, e Santa Lucia e Tobago, no Caribe, que passavam para a posse da Gr-

    Bretanha36

    . A partir de ento e at 1830 os governos franceses procuraram reconstruir o

    seu imprio, recuperando aquelas possesses que consideravam mais importantes a nvel

    estratgico e econmico. A posse desse ncleo central de colnias, muitas delas vindas j

    da poca Moderna, fizera com que a opinio pblica considerasse essas parcelas de

    velhas colnias, incluindo nesse rol territrios como a Martinica e a Guadalupe na

    Amrica Central, o Senegal e a ilha Reunio em frica, e os enclaves indianos de

    Chandernagore e Pondichry na sia.

    Deste modo, entre 1815 e 1830, os esforos dos diversos governos foram o de

    recuperar esse patrimnio que j havia pertencido Frana, diversificando a partir dessa

    ltima data os seus interesses para outros pontos, nomeadamente para o norte de frica,

    onde conseguiram resgatar a cidade de Argel influncia turca otomana. O resto da

    ocupao da Arglia fora feita desde a Monarquia de Lus Filipe at Terceira Repblica,

    tendo o movimento expansionista se estendido a outras regies, nomeadamente, s

    Comores (1841), Taiti (1841), Marquesas (1843) e Nova Calednia (1853) na Oceania,

    Senegal (1854-1865) em frica, Saigo (1859) e Cambodja (1863), na sia. Ainda neste

    perodo, em 1848, durante a vigncia da Segunda Repblica, tinha sido definitivamente

    abolida a escravatura, aps o restabelecimento feito por Napoleo em 1802, contraditando

    a primeira abolio feita logo a seguir Revoluo, em 179437

    .

    35

    J. M. Roberts, Cambio Poltico en una Era de Revolucin, op. cit., pp. 168-195, especialmente pp. 190-

    191. 36

    Jacques Frmeaux, Frana: Reconstruo in Robert Aldrich (Coordenao), La Era de los , p. 155.

    37 Henri Wesseling, La premire moiti du XIX sicle, 1815-1870 La France in Les empires coloniaux

    europens 1815-1919, Paris, ditions Gallimard, 2009, pp. 141-233, especialmente pp. 155-156.

  • IDEOLOGIA E PROPAGANDA COLONIAL NO ESTADO NOVO

    20

    Finalmente, em 1870, entrara-se no ltimo perodo da colonizao francesa com a

    consolidao at s independncias, no ano de 1960, de um imprio que se ia tornar o

    segundo mais amplo e poderoso do Mundo, logo a seguir ao imprio britnico. Para isso

    contribuira, na opinio de Hubert Deschamps, a chegada ao poder de uma burguesia

    oportunista, representante dos interesses comerciais e industriais da poca que induziram

    o maior surto de expansionismo territorial para alm da Europa38

    . A consolidao do

    imprio no fora um projecto unnime que envolvesse toda a nao gaulesa, pois no sculo

    XIX muitos dos seus cidados desconheciam toda a geografia que estava para l do seu

    habitat e no estavam muito habituados a emigrar ou reagiam mal agressividade dos

    climas tropicais e, os poucos que o faziam, muitos deles eram rotulados de inadaptados

    sociais, que no estavam bem em parte alguma e procuravam realizar-se noutros lugares.

    Basta salientar que dos colonos que foram para o norte de frica, principalmente para a

    Arglia, s metade era oriunda de Frana, provindo o restante de territrios da orla

    mediterrnica (Espanha, Itlia, Malta)39

    .

    A Frana acabara de sair de mais uma guerra, agora com o seu vizinho prussiano e o

    tratado de Francfurt assinado em Maio de 1871 no lhe fora favorvel, sobretudo no

    retrocesso de algumas linhas de fronteira na Alscia e Lorena e na avultada indemnizao

    de cinco milhes de francos, pelo que esses factos criaram uma grande animosidade contra

    os alemes, que iria permanecer na conscincia colectiva destes at ao deflagar em 1914 da

    Primeira Guerra Mundial, como forma de contas a ajustar pela humilhao sofrida

    quatro dcadas antes. Da que o novo governo de Defesa Nacional, presidido por Jules

    Ferry, tentasse levantar a moral e galvanizar os humilhados correlegionrios para outras

    tarefas que lhe voltassem a dar o orgulho patritico de outros tempos da descoberta e

    ocupao do Novo Mundo. Logo, a compensao colonial de acrescentar fronteiras a uma

    metrpole delapidada delas poderia ser um bom lenitivo para cicatrizar esta ferida moral,

    pelo que com os governos de Ferry, Gambetta e outros se levou a cabo uma importante

    obra colonial, com a ocupao do Congo, por Brazza (1879), com a formao da colnia

    do Sudo/Mali (1880), com a soberania sobre o protectorado da Tunsia (1881), com a

    instalao na Costa do Marfim (1883), com a ocupao de Aname e do Tonquim (1885),

    38

    Hubert Deschamps, L Empire Franais, op. cit., p.35. 39

    Jacques Frmeaux, O Grupo de Presso Colonial, op. cit., p. 158.

  • AS IDEIAS DE IMPRIO NO CONTEXTO INTERNACIONAL E NACIONAL

    21

    na sia, com o incio da conquista do Daom (1892), com a dominao de Madagscar

    (1895)40

    .

    Jules Ferry no foi s o responsvel pelo boom do expansionismo francs

    contemporneo, mas tambm um dos idelogos do imperialismo, na linha alis de outro

    terico cuja obra foi precursora da aco que este poltico tivera a partir de Setembro de

    1880, quando exerceu pela primeira vez a presidncia do Governo. A obra de Paul Leroy-

    Beaulieu publicada em 1874, sobre De la colonisation chez les peuples modernes41

    , foi

    uma referncia no ltimo quartel do sculo XIX, pois estabelecia vrios pressupostos

    importantes sobre a forma como a Frana administrava e explorava as suas parcelas

    tropicais. Considerava que havia uma distino entre colnias antigas e novas, pois

    relativamente s primeiras haveria uma exportao de pessoas, enquanto nas segundas

    apenas uma exportao de capital. Assim, para o investigador Bernard Lugan a tese de

    Beaulieu era de que a colonizao francesa devia fazer dos colonizados, no sbditos,

    mas parceiros do Progresso com os quais seria possvel partilhar os proveitos econmicos

    da operao. Ainda seria alcanada a sntese entre o universalismo das Luzes e o interesse

    econmico recproco bem abrangido42

    .

    No fim de contas a idiossincrasia imperial francesa na altura pretendia fazer a sntese

    entre colonizao e revoluo, repblica e imprio, situaes que a todos os governantes se

    punham aps os acontecimentos revolucionrios de 1789. E quando Jules Ferry teorizava

    sobre o imprio, no discurso pronunciado na Cmara dos Deputados em 1885, considerava

    trs tipos de razes para fazer a poltica colonial e suplantar esta grande contradio

    ideolgica que o regime por vezes ignorava: a repblica iguala, liberta e confraterniza com

    os cidados na metrpole, mas nas colnias discrimina, oprime e brutaliza os indgenas. E

    os pressupostos acima referidos para fazer uma poltica colonial equilibrada assentavam

    em razes econmicas, humanitrias e polticas: na perspectiva econmica Ferry

    acreditava numa colonizao moderna, orientada para a exportao de capital e de

    mercadorias e no na exportao de pessoas; na humanitria, entendia que as raas

    superiores tinham o dever de civilizar as raas inferiores; na poltica, considerava

    40

    Jacques Levron, da Derrota Vitria in Histria de, Lisboa, pp. 103-104. 41

    Paul Leroy-Beaulieu, De la colonisation chez les peuples modernes, Paris, ditions Guillaumin, 1874, 616

    pp. 42

    Bernard Lugan, Une ide de gauche ralise par la droite in La Nouvelle Revue d Histoire LAfrique

    Des Colonies lindpendence, Paris, Socit Histoire et Mmoire, n. 1, Automne de 2010, pp. 24-26,

    especialmente p. 24.

  • IDEOLOGIA E PROPAGANDA COLONIAL NO ESTADO NOVO

    22

    que a Frana deveria reconquistar a sua antiga glria e recuperar o seu lugar no

    Mundo43

    .

    No movimento expansionista estas ideias de Ferry foram tambm aproveitadas para o

    lanamento em 1890, cinco anos depois da Conferncia de Berlim, de um Partido

    Colonial, no com a acepo de uma organizao para disputar o poder poltico, mas com

    afinidades ideolgicas que permitissem lutar pela causa ultramarina atravs da divulgao

    e da persuaso. Da que, por uma questo de chauvinismo, uma srie de grupos se

    formaram nesta ocasio para cumprir esse desiderato patritico, nomeadamente os

    seguintes: Comit da frica Francesa (1890); Unio Colonial (1893); Comit da sia

    Francesa (1901); Comit de Marrocos (1904). Tambm, na Cmara dos Deputados e no

    Senado havia um grupo colonial para reclamar o expansionismo para terras de Alm-

    Mar. O seu chefe incontestvel foi um francs nascido na Arglia, Eugne Napolon

    tienne, que em 1881 foi eleito deputado por Oran, e aps quarenta anos chegaria mesmo

    ao Senado, em 1919, locais onde como presidente do Grupo Colonial exerceu a sua

    influncia de legislador e de representante dos homens de negcios ultramarinos44

    . A par

    da carreira nas cmaras legislativas, tienne, tambm conhecido pelo Mister Chamberlain

    Francs, ainda desempenhou importantes funes polticas, tendo em 1887 sido nomeado

    subsecretrio de Estado das Colnias, no ministrio da Marinha. Entre 1905 e 1906,

    chegaria a ministro da Guerra e a vice-presidente em 1914, da Comisso de Preparao da

    Frana na Primeira Guerra Mundial45

    .

    Para reforar esse interesse pelo imprio ultramarino46

    , a Frana precisava de

    conquistar a opinio pblica, e, a partir de 1880, esta e o lobby colonial passaram a utilizar

    a propaganda, como uma tcnica de convencimento, que procurava promover sobretudo

    quatro metas: interesse do pas pela ideia colonial; estmulo da juventude para as questes

    ultramarinas; incentivo das trocas comerciais entre a Metrpole e as Colnias; reforo da

    legimitao do princpio da misso civilizadora dos indgenas. Mas at ao incio da

    Primeira Guerra Mundial, mesmo com publicidade e propaganda, a mensagem no passou,

    43

    Henri Wesseling, L imprialisme Moderne: Thorie: Typologie des imprialismes nationaux La France

    in Les empires coloniaux, pp. 247-279, especialmente pp. 256-257. 44

    Daniel Rivet, Le Temps de lAlgrie Franaise, 1870-1930 in Le Maghreb lpreuve de la

    colonisation, Paris, ditions Hachette Littratures, 2002, pp. 173-209, especialmente p. 185. 45

    Marc Lagana, Les Grandes Chefs du Parti Colonial Eugne Napolon tienne in Le Parti Colonial

    Franais: lments dhistoire, Qubec, Presses Universitaires de Qubec, 1990 pp. 37-62, especialmente pp.

    51-62. Reedio em 2005. 46

    Raoul Girardet, LApothose de la plus grande France: L ide impriale et son afirmation in L ide

    coloniale en France de 1871 1962, Paris, Hachette Littratures, 2009, pp. 175-199, especialmente pp.185-

    195.

  • AS IDEIAS DE IMPRIO NO CONTEXTO INTERNACIONAL E NACIONAL

    23

    pelo que os franceses se mostravam desinteressados pelo seu patrimnio colonial. Nesta

    altura, por causa do papel relevante que tivera a fora negra, melhor dizendo, os

    soldados africanos que combateram ao lado da Frana, no confronto com a Alemanha,

    despertara uma onda de interesse e curiosidade sobre tudo o que dizia respeito ao

    Imprio47

    . E, assim, todos os meios serviram para passar a divulgar a paisagem fsica e

    humana desses territrios, designadamente artigos de jornal, cartazes, conferncias,

    documentrios, exposies, filmes, mostrurios, msicas, peas de teatro e postais48

    .

    Remontava tambm a esta altura, 1919, a criao, sob patrocnio do ministrio das

    Colnias, e com a ajuda do lobby da Liga Martima e Colonial, da Agence Gnrale des

    Colonies, departamento estatal encarregue da informao e da divulgao de todos os

    assuntos relacionados com os territrios do Ultramar. Esta instituio serviria alis de

    modelo, cinco anos depois, a uma similar que foi criada em Portugal, em 1924, j no final

    do regime republicano e que por coincidncia tinha tambm a mesma designao, servindo

    de tema de anlise da investigao que realizamos sobre o Imprio Portugus. Depois da

    extino desta primitiva Agncia, em 1934, por questes de funcionamento, foi criada trs

    anos depois uma nova estrutura que se passou a chamar Service Intercolonial d

    Information et de Documentation. Em 1941, durante a ocupao alem e sob as ordens do

    Governo de Vichy, a instituio devotada ao Imprio foi fruto de nova reformulao e

    passou a chamar-se Agence conomique des Colonies, funcionando nos mesmos moldes

    e com os mesmos departamentos e funcionrios at ao final da Segunda Guerra Mundial.

    Aps 1945, este organismo adoptou at descolonizao o nome de Agence conomique

    de la France dOutre-Mer, mantendo a sua actividade propagandstica, num imprio

    ilusoriamente pacificado, em associaes e institutos coloniais, como os de Bordus, Lille,

    Lyon, Marselha, Montpellier e Paris49

    . Sandrine Lemaire, uma investigadora que em 2000

    apresentou uma tese de doutoramento sobre esta Agncia, no Instituto Universitrio

    47

    A ideia da constituio deste corpo de tropas africanas partiu da iniciativa do coronel Mangin, em 1910, e

    foi posta em prtica em 1912 quando a situao poltica da Europa se comeou a agravar. Apesar de o

    recrutamento no ter funcionado da melhor forma, mesmo assim para o conflito de 1914 foram mobilizados

    180.000 atiradores senegaleses e, nos quatro anos em que decorreu o conflito, morreram 30.000, nmero de

    baixas semelhante ao das tropas metropolitanas. Vide Charles Vaugeois, Lieutenants et capitaines in La

    Nouvelle Revue d Histoire LAfrique Des Colonies l, pp. 29-31, especialmente p. 31. 48

    A Exposio Colonial Internacional de Vincennes, realizada em Paris, em 1931, marcava nesta viagem

    imaginria da volta ao Mundo num dia a apoteose da divulgao dos imprios coloniais hodiernos,

    sobretudo do imprio francs. A propsito deste evento vide Catherine Hodeir e Michel Pierre, L Exposition

    Coloniale 1931 la memoire du sicle, Bruxelles, Editions Complexe, 1991, 160 pp. 49

    Nicolas Bancel, Pascal Blanchard e Franoise Vergs, La propagande coloniale en mtropole in La

    colonisation, pp. 38-39.

  • IDEOLOGIA E PROPAGANDA COLONIAL NO ESTADO NOVO

    24

    Europeu de Florena50

    , tinha uma ideia original sobre esta e o mito perene que fora a

    hegemonia francesa no Mundo:

    L omniprsence de lAgence, dans le temps, dans lespace, dans les supports, dans les relais, permet

    de concevoir la cration dun espace mental base sur des lments disponibles au sein de la socit et qui ont

    permis que fonctionne la fiction: supriorit de la culture occidentale, de la civilisation, du systme

    conomique, dtention des cls du progrs. La dimension pdagogique est un bom indicateur de cette

    imprgnation, notamment lorsqu on s attache aux images entres progressivement dans lunivers scolaire

    via manuels, planches pdagogiques, protege-cahiers ou cartes gographiquesLa propagande coloniale

    tenta dassurer la prennit dun systme et, en cela, la censure exerce sur les failles du systme et surtout

    sur les ralits rpressives permettait doffrir un terrain dentente pour tous les partis politiques et toutes les

    strates de la socit. Chacun reconnaissait dans la colonisation, telle quelle tait prsente, la validit du

    systeme rpublicain et surtout sa lgimit et sa gnrosit vouloir tendre ses prncipes civilisateurs dans

    le monde. Grce la tutelle protectrice de la France, les peuples sans histoire, donc sans civilisation,

    pouvaient quitter la barbrie, les tnbres, le paganisme, lignorance51

    .

    Deste modo, o Partido Colonial possua a sua idiossincrasia relativamente aos

    interesses sobre as suas prprias parcelas imperiais, tendo a noo, numa conjuntura em

    que se vivia os efeitos da era das revolues, quais das regies do Globo onde fora

    importante a presena francesa. E no conjunto do imprio at aos finais do sculo XIX, os

    colonialistas, homens de negcios e polticos, sabiam bem que o continente mais

    importante a apostar seria o africano, vindo depois o asitico e, finalmente, o americano

    caribenho. Esta perspectiva de, atravs da frica, a Frana se tornar o maior imprio foi

    passada por estas associaes colonialistas aos prprios governos, de direita e esquerda,

    que comearam a centrar o corao do imprio na frica do Norte, mais concretamente

    no Magreb, atravs de uma muralha de parcelas e protectorados cujo pilar principal era a

    Arglia, a terra de nascimento de Eugne tienne, o elemento mais destacado desse

    movimento de propaganda ultramarina. Ora a soberania junto dessa jia da Revoluo

    deveria ser reforada com a extenso do domnio a leste e a oeste, pelo que a partir de 1881

    os interesses franceses se deveriam alargar respectivamente Tunsia e a Marrocos, como

    50

    Sandrine Lemaire, Lagence conomique des colonies. Instrument de propagande ou creuset de lidologie

    coloniale en France (1870-1960)? , Florence, Institut Universitaire Europen, 2000, 917 pp. 51

    Sandrine Lemaire, Propager: LAgence Gnrale des Colonies in Pascal Blanchard et Sandrine Lemaire,

    Culture Coloniale La France conquise par son Empire 1871 - 1931, Paris, ditions Autrement

    Collection Mmoires n. 86, 2008, pp. 137-147, especialmente pp. 144-147.

  • AS IDEIAS DE IMPRIO NO CONTEXTO INTERNACIONAL E NACIONAL

    25

    consolidao dessa parede mediterrnica que numa plataforma tricontinental estava

    perto da Metrpole52

    .

    Para que o desiderato imperialista se concretizasse havia necessidade de estabelecer

    um plano semelhante ao Mapa Cor-de Rosa portugus, neste caso chamar-lhe-iamos um

    Mapa Tricolor que estendesse a soberania gaulesa desde a frica Setentrional

    Meridional, atravs de um corredor que ligasse a Arglia ao Gabo, mas tambm da parte

    Ocidental Oriental onde estrategicamente o lago Tchad seria o aglutinador entre o

    Senegal, o Mali e esta regio lacustre. Mas estes projectos esbarrariam com a convenincia

    de outros concorrentes, que com a implementao do direito de ocupao iniciado com a

    Conferncia de Berlim j possuam interesses na zona a ocupar, como era o caso dos

    imprios alemo, britnico e portugus, que j eram detentores de territrios

    respectivamente nos Camares, no Sudo e na Guin53

    . O imprio francs coevo fora

    assim construdo pela fora contra os interesses locais dos indgenas e das metrpoles

    europeias. A ocupao da Arglia, entre 1839 e 1857, a de Marrocos, entre 1906 e 1934, a

    da frica Ocidental entre 1880 e 1897, a de Madagascar, entre 1883 e 1895, a da Tunsia,

    entre 1881 e 1883, a de Annam e Tonquim, entre 1882 e 1896, foi conseguida atravs de

    infindveis conflitos onde tomaram parte, sobretudo, os soldados do exrcito de frica e as

    tropas da Marinha54

    .

    As outras armas do Exrcito recusavam-se a ir combater para fora da Europa, pois

    consideravam que era neste continente que se encontrava o verdadeiro perigo com a

    presena to prxima de potncias como a Alemanha e a Gr-Bretanha, que era necessrio

    vigiar e preparar para um eventual conflito escala planetria. E de facto, duas dcadas

    depois, no primeiro quartel do sculo XX, a Frana estava sentada mesa de Versailles,

    repartindo o que ficara de duas antigas hegemonias que se desagregaram com o final da

    Primeira Guerra Mundial. A distribuio sob a forma de mandatos dos despojos dos

    imprios alemes e turcos, nomeadamente de metade do Togo, grande parte dos Camares,

    da Sria e do Libano, fizera com que a Frana reforasse a sua importncia imperial. No

    se confirmavam as palavras premonitrias do nacionalista Maurice Barrs, em 1890, de

    que era necessrio fundar em frica o maior imprio colonial do mundo, mas a Frana,

    no perodo entre as duas Guerras, era seguramente um dos principais imprios europeus55

    .

    52

    Henri Wesseling, L imprialisme Moderne: Thorie: Typologie des imprialismes nationaux - La

    France in Les empires coloniaux, pp. 259-260. 53

    Idem, Ibidem. 54

    Jacques Frmeaux, Como adquiriu a Frana as Colnias, op. cit., pp. 160-164. 55

    Henri Wesseling, L imprialisme Moderne. in Les empires coloniaux, p. 260.

  • IDEOLOGIA E PROPAGANDA COLONIAL NO ESTADO NOVO

    26

    Com a Segunda Guerra Mundial, a questo da preservao da integridade territorial

    do Imprio tornou-se num quebra-cabeas dos dirigentes e da opinio pblica francesa, e

    perante o evoluir da situao, com a Alemanha a crescer cada vez mais militarmente, havia

    quem advogasse que o Governo deveria sair para o exterior, para uma das suas parcelas

    ultramarinas, como acontecera com Portugal, no incio do sculo XIX, quando a Corte com

    o prncipe regente D. Joo trocou Lisboa, pelo Rio de Janeiro, perante o avano das tropas

    napolenicas. Mas a perspectiva de ficar ganhou, pelo que o Governo do almirante Ptain,

    com a desculpa da salvaguarda imperial, assinou um armistcio com a rival Alemanha,

    atitude que caiu mal junto da oposio gaulista e dos aliados de guerra, que entendiam que

    para a salvaguarda da Metrpole e das Colnias era necessrio que toda a nao francesa

    entrasse no conflito. Foi com esta estratgia belicista que o general de Gaulle conseguiu

    que cidados das parcelas da frica Ocidental e Equatorial e dos mandatos asiticos do

    Libano e da Sria engrossassem as fileiras do exrcito britnico para lutar contra a

    coligao franco-germnica de Vichy. Mais tarde, em 1942, os territrios de Arglia e

    Marrocos serviram de base a uma coligao internacionalista de tropas anglo-americanas

    que libertaram a Frana do domnio nazi e reforaram o papel dos Aliados na restante

    Europa e no Mundo, para a reposio de uma entente democrtica, facto que aconteceria a

    8 de Maio de 1945, quando a Alemanha finalmente se rendeu56

    .

    No ps-Guerra, com a constituio da Quarta Repblica, por referendo, em 13 de

    Outubro de 1946, os franceses pressionados pelos parlamentaristas da Resistncia votaram

    uma nova Constituio que apesar de abandonar a terminologia Imprio, continuava a

    salvaguardar a integridade territorial, com uma expresso, Unio Francesa, mais

    adequada aos novos tempos independentistas, mas mantendo no contedo a mesma

    idiossincrasia herdada de h sculos a esta parte. Na discusso, sobre como deveria ficar

    redigido este patrimnio ultramarino e sobre os direitos de cidadania a dar s suas

    populaes, houve mesmo um deputado que perante a Assembleia, em 27 de Agosto de

    1946, fizera uma curiosa afirmao acerca do papel da Frana, face nova conjuntura

    internacional: si nous donnions lgalit des droits aux peuples coloniaux, nous serions la

    colonie de nos colonies57

    .

    56

    Jacques Levron, A poca Contempornea-Segunda Guerra Mundial in Histria de , pp. 114-123,

    especialmente pp. 117-119. 57

    douard Herriot, Intervention du 27 de Aot 1946 transcrita por Bernard Lugan no artigo De l union

    franaise (1946) aux, op. cit., p. 40.

  • AS IDEIAS DE IMPRIO NO CONTEXTO INTERNACIONAL E NACIONAL

    27

    Em 1949, num inqurito feito populao francesa, 81% continuava a pensar que era

    til para os interesses do pas ser detentor de parcelas fora da Europa. Os prprios

    governantes, mormente, em 1953, o ministro do Interior do Governo de Pierre Mends-

    France, Franois Mitterand, com o chauvinismo prprio que lhes era caracterstico,

    considerava que a Frana, logo depois dos Estados Unidos da Amrica e da Unio

    Sovitica, se poderia considerar, em populao e rea, desde o Congo, ao Reno, a

    terceira maior potncia, mas no explicando como nesta autoclassificao se omitia o

    nome da Gr-Bretanha, pas que at ao comeo da Segunda Guerra, com os mandatos

    atribudos pela Sociedade das Naes, era considerado o maior imprio do Mundo58

    . At

    ao comeo do conflito da Arglia, em 1954, o sentimento de uma cultura imperial era

    um dado adquirido e mesmo, em termos polticos, uma realidade imutvel para os

    governantes e a opinio pblica francesa. Mas, o atraso das reformas que s se verificaram

    quatro anos depois do comeo desta guerra, quando Charles de Gaulle entendeu que a via

    reformista da concesso do sufrgio universal e das ajudas econmicas poderiam ser

    medidas que atenuassem o carcter revolucionrio da Frente de Libertao Nacional e

    adiassem por mais algum tempo a independncia daquela colnia, fundamental para o

    controlo do Mediterrneo e da passagem da Europa para a sia.

    O que de facto no acontecera, pois a guerra prolongar-se-ia at 1962, com grande

    desgaste para o exrcito francs que, face ao nacionalismo incendirio da frente argelina,

    teve que usar da represso e tortura, medidas de um belicismo extremo que

    contraditoriamente iam contra os princpios libertrios desta Nao59

    . Todo este clima de

    terror acabaria por empalidecer a descolonizao de frica, apesar de Paris nas outras

    regies a sul do Saara ter dado a liberdade, num espao de tempo que vai de Janeiro a 28

    de Novembro de 1960, a catorze pases que integravam, desde 1958, a comunidade

    francfona de territrios, preciosismo literrio para um patrimnio que at ao final da

    Segunda Guerra Mundial se designava simplesmente por Imprio60

    . Longe vo os

    tempos em que a Frana territorialmente ombreava com a Gr-Bretanha. Sem a Arglia e

    sem a restante frica, o que seria este pas, no limiar da segunda metade do sculo XX?

    Segundo Edgar Faure, presidente do Conselho de Ministros em 1955, a Frana nesse

    58

    Jacques Frmeaux, Frana: Imprio e Me-Ptria: A situao dos colonizados, op. cit., p. 169. 59

    Nicolas Bancel, Pascal Blanchard e Franoise Vergs, 1946-1962: les dcolonisations, op. cit., pp. 22-

    23. 60

    A propsito desta problemtica vide LHistoire (La fin des colonies-Afrique 1960), Paris, Sophia

    Publications, n. 350, Fvrier de 2010, 98 pp, especialmente pp.40-65; L Histoire Les Collections (La Fin

    des Empires Coloniaux De Jefferson Mandela), Paris, n. 49, de Octobre-Dcembre 2010,

    98pp.,especialmente pp. 63-93.

  • IDEOLOGIA E PROPAGANDA COLONIAL NO ESTADO NOVO

    28

    contexto no era mais do que o reflexo, cada dia mais enfraquecido, da sua antiga

    grandeza61

    .

    Mas, outrora, a grandeza imperial da Frana, pelo contrrio, tambm tinha o seu

    custo, nomeadamente no que se referia sua uma administrao. O facto da extenso

    territorial envolver muitos organismos, em mltiplas parcelas, de diversificados

    continentes, tudo isso iria tornar complexo o processo de gesto, designadamente na

    existncia de vrios organismos que por vezes se enredavam entre si na disputa pela tutela

    dos assuntos e negcios ultramarinos. Apesar de estar subjacente uma ideia centralista de

    governao com centro em Paris, o Imprio francs nunca foi governado por uma s

    instituio. Logo, semelhana do Imprio portugus, at ao ano de 1881 a tutela das

    colnias estava entregue ao ministrio da Marinha. A partir dessa data, foi institudo um

    subsecretariado para as colnias que se comportava, at 1894, como um verdadeiro

    ministrio das Colnias, muito embora a sua aco no se estendesse a todas as suas

    parcelas, por causa das especificidades polticas, administrativas e militares de cada uma

    delas. Assim, a Arglia na fase de ocupao esteve sob a alada do ministrio da Guerra,

    tendo, a partir de 1870, essa responsabilidade passado para a congnere do Interior que

    supervisionava os diferentes departamentos com que o territrio se encontrava dividido,

    semelhana alis do que se passava com a Metrpole.

    No caso dos protectorados da Tunsia e de Marrocos e, posteriormente, j no sculo

    XX, aps o tratado de Versailles de 1919, das parcelas sob mandato do Togo e dos

    Camares, na frica, e da Sria e do Libano, na sia, a responsabilidade pelo seu bom

    funcionamento era do ministrio dos Negcios Estrangeiros. Quanto a estas antigas

    possesses do Imprio Otomano, e mandatos de tipo A, mostravam um grau de

    desenvolvimento scio-econmico diferente dos de frica, pelo que o Quai d Orsay fora

    incumbido pela Sociedade das Naes de se responsabilizar pela concesso da

    independncia o mais rapidamente possvel destes territrios62

    .

    Para alm da administrao central, o Imprio era gerido localmente por funcionrios

    que a me-ptria colocava no terreno e que eram da completa confiana do Governo,

    especificamente do rgo que tutelava as colnias, ministrio e/ou subsecretaria de Estado.

    Como representantes locais da longnqua Metrpole, os governadores eram os funcionrios

    61

    Nicolas Bancel, Pascal Blanchard e Franoise Vergs, La France sans lempire-1946-1962: les

    dcolonisations, op. cit., p. 23. 62

    Jacques Frmeaux, A Franae a Me-Ptria: como se administrava o Imprio, op. cit., p. 167.

  • AS IDEIAS DE IMPRIO NO CONTEXTO INTERNACI