Newton Da Costa

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  • 8/3/2019 Newton Da Costa

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    LIVROS REEDITADOS

    Introduo aos Fundamentosda Matemtica- 91 pgs., 1961,revisadoem 1976

    Ensaiosobre os FundamentosdaLgica- 291pgs.,1979

    LgicaIndutiva e Probabilidade- 89 pgs.,1990

    Todos em reediopela Hucitec,

    comlanamentoprevisto paramaro de 2008

    Preosaindanodefinidos

    Umavez recebi abraosefusivos deum italiano,quedisseque minhateoria (da lgicaparaconsistente)tinha mudadoavida dele.Depois li o livrodosujeito e aquilono tinha nada avercom o quepenso.

    Sema induono seramosnada. Na pr-histria, depoisqueo tigre-de-dente-de-sabre atacouum homem pela terceira vez,eles

    concluram:tigres-de-dente-de-sabresoperigosos.E saram correndo(risos). Semisso nohaveriaracionalidade.

    Pensador brasileiro com mais reconhecimento no exterior, Newton da Costa tem seus livros reeditados

    Daniel PizaENVIADO ESPECIALFLORIANPOLIS

    Nofinal dos anos 50,NewtondaCosta j era formado em Enge-nhariae Matemticae colabora-dor de publicaes francesasquandoprocurouoreitordaUni-

    versidade Federal do Paran(UFPR)comumaproposta.Que-riatrazerprofessoresestrangei-ros, como seu mentor MarcelGuillaume,paraajudaramontarumcentrodepesquisadelgicaematemtica em Curitiba. O rei-tor vetou o projeto e justificou:Pode citar qualquer especialis-ta estrangeiro em qualquer as-sunto, e lhe dou o nome de al-gum aqui melhor do que ele.Newton pensou em replicar:Einstein?Preferiuficarquieto.

    Em 2002, o respeitado jornalalemo Frankfurter Allgemeine

    Zeitungpublicouumamatriaso-breele.Ttulo:Newtonistbrasi-lianer.Eraumtrocadilhocomonome de Isaac Newton, o fsicoingls:Newtonbrasileiro.

    As duas histrias mostramuma constante na vida deNewtondaCosta,hojeaposenta-do,prestes a completar 79 anos,

    vivendoem Florianpoliscomosevivessenumailhadafantasia.Ele o pensador brasileiro maisrespeitado mundialmente, reco-nhecido pelo desenvolvimentoda lgica paraconsistente, hojeutilizada em diversos sistemascomputadorizados. Mas pouco

    conhecido no Brasil, onde hquemdigaquenemsequerexisteum filsofo brasileiro (ou entose chama de filsofo qualquerprofessor de filosofia).

    Isso,noentanto,comeaamu-dar.Emmaro,aeditoraHuciteclanaasreediesdetrsdeseuslivros:Introduoaos Fundamen-tosdaMatemtica,de1961,revisa-doem1976;EnsaiosobreosFunda-mentos da Lgica, de 1979,consi-derado seu livro maisimportan-te;eLgicaIndutivaeProbabilida-de,de1990.NewtondaCosta,ementrevista ao Estado, tambmdizterficadocontentecomacita-odeseunomepelocineastaJo-sPadilha,diretordeTropadeEli-tee engenheiro de formao,co-mo uma das personalidades

    mais influentes doBrasil em en-quetedarevistapoca.O curioso que Newton Car-

    neiro Affonso da Costa nuncaprecisou deixar o Pas para de-senvolver uma teoria de famamundial. Nascido em Curitibaem 16 de setembro de 1929, ele,maualuno,atribuiaoambientefamiliar sua curiosidade e inde-pendncia.Ameeraprofessoradeliteraturafrancesa;atia,deli-teraturainglesa;outratia,delite-ratura portuguesa. Um tio, Mil-tonCarneiro,davaaulasdefiloso-fia. O pai, funcionrio pblico,gostavadematemticaedoposi-tivistafrancsAugusteComte.OirmomaisvelhodeNewton,Ha-roldo,setornariagemetra.

    Nahoradarefeio,sfalva-

    mos sobre esses assuntos, lem-braNewton.Minhameproibiausar a primeira pessoa, ficar fa-landoo que tinhafeito durante odia. Ela queria que se falasseso-

    bre idias, sobre poltica, filoso-fia,literatura.Foinumaconver-sacom o tioquesurgiu a dvidaqueembasariatodasuacarreira:oqueoconhecimentoemespe-cial, o conhecimento cientfico?Aconversaerasobreaimpossibi-lidadedeumapessoaprovarqueexisteequeaexistncianopas-sa de iluso dos sentidos. E umlivro logo daria impulso a essasquestes:Discursodo Mtodo, deDescartes,queNewtonleuaos15anos.Li,reli,lierelidenovo.

    AUTORES

    Brotava ali o filsofo da lgica,um caso raro entre intelectuais

    brasileiros de pensador metdi-co,sistemtico.Ainda naadoles-cncia,Newtondescobriuoscin-co autores que at hoje diz quemais o influenciaram: W.V.Qui-ne,RudolfCarnap, Karl Popper,BertrandRusselleLudwigWitt-genstein. Sotodosda escolaco-nhecida como filosofia analti-ca, que nas primeiras dcadasdosculo20sededicouaabordarquestes filosficas com auxlio

    da matemtica. No Brasil, pou-cosforamos seguidoresdessali-nha de pensamento. O maior detodos , sem dvida, Newton daCosta, professor da Universida-dedeSoPaulopor30anos.

    Mas foi para a UniversidadeEstadual de Campinas que eledoouquasetodasuabibliotecadelgica e matemtica, incluindodocumentos importantesde suacarreira. Num cmodo meucubculo, como chama de seuapartamentonocentrodeFloria-npolis,onde vive h cinco anos,

    restamapenasoslivrosdosauto-resquemais o marcaram. Les-toquintetoanaltico,comdesta-queemnmerodevolumesparaRussell. Numa prateleira, v-seuma montagem feita por alunosdeumafotodeNewtondiantedeRussellumencontroquenuncahouvena realidade, embora fos-seumdosmaioressonhosdobra-sileiro.Russellfoi,delonge,oau-tor que mais li, mesmo semcon-cordarcomtudo.Eraumgnioeescreviacomo ningum.

    Com quem, ento, mais con-cordou? Com Wittgenstein,sem dvida. O Wittgenstein doTractatus Logico-Philosophicus(1921),nodosoutroslivros.Issoporqueopensadoraustracovis-lumbravaumalgicacomcontra-dies, diferente da verso orto-doxa e essa foi uma aberturafundamental para o conceito deparaconsistncia. Russell,quando leu o tratado de Witt-genstein, decretou: Ou voc umloucoouumgnio.Wittgens-teintambmtevediscussesagu-das com Popper, outro autor aquemNewtondevemuito,nospor uma filosofia da cincia que

    diz que nenhuma explicao suficiente, mas tambm por li-

    vros como A Sociedade Aberta eseus Inimigos, uma crtica liberalaomarxismo.

    Almdoquinteto,estoaliau-torescomoKurtGdel,oaustra-co naturalizado americano cujateoriada incompletudeabalouosalicercesdamatemticaclssi-ca em 1931, ao mostrar que umsistema de valores no pode serconsistentesesepretendercom-pleto. Semele, como semoutrosgrandesmatemticoscomoHen-

    riPoincareF.Enriques,algicaparaconsistentenoexistiria.Asdemaisestantesdoescritriotra-zem algumas centenas de livrosque tratam justamente dasidiasdeNewton,almdastradu-esdos dezvolumesque escre-

    veu at agora. So livros emchi-ns, russo, romeno, alemo...No h Mangabeira Unger quepossa disputar com ele em ter-mosdereferncianoexterior.

    COMPLEXOMas nosoapenaslivrosde filo-sofia que Newton conserva. Edi-esdeShakespeareedoDomQui-

    xotedeCervantesestoemdesta-que.Agrandeliteraturaeamsi-caclssicaSoudostrsBs,Ba-ch,BeethoveneBrahmssoosprazeres culturais de Newton,que nas horas de folga tambmgosta de escrever poemas com osobrenomedinamarqusdame,Eriksen. Ao lado, v-se um livroemespanholsobreascampanhasmilitaresde Napoleo.Leiotudosobre Napoleo desde criana,conta Newton. Como toda pes-soacom complexode inferiorida-de,souf deNapoleo.Elefoiumgniodaestratgia.

    Comoassim,complexodeinfe-rioridade? Um pensador queconstruiu uma obra slida numpasperifrico e ganhou reputa-o mundial, da qual no hesitaem demonstrar orgulho, temcomplexo de inferioridade?Pois , eu tenho. como unha

    encravada, voc tem e pronto.Umavezconverseicomumami-go psicanalista sobre isso e per-gunteiaele:Seeunotivessees-se complexo, teria feito a minhaobra? Ele respondeu: Isso nodpara dizer.Ento,se assim,nopossofazernada. E tomeli-

    vrossobre Napoleo.Engenheiro formado, Newton

    comeouatrabalharnaconstru-tora do sogro, que lhe disse queemdezanoselegarantiriasuain-dependncia financeira.Newtonno suportou ficar mais de um

    ano. Dinheiro noimporta paramim; nunca importou. O des-prendimentomaterialnoimpe-diu esse professor com aparn-cia de professor que passa osdiasdentrodecasalendoeescre-

    vendo e d uma palestra por se-manadeterumavidaconfort-

    vel, de ter criado dois filhos, umeconomista e uma qumica, e deser um avcarinhoso,queapre-senta sorridente uma das netas,Isabela. Um pedestre que cruzeporNewtonda Costa numades-sasruasdocentrodeFlorianpo-lis com nomes de matemticos(Praa Benjamin Constant, RuaTrompowski, etc.) no imaginaqueesseafvelsenhordecamisasocial e calade elsticosejaumdosmaiores lgicosdo mundo.

    OquetiraNewtondosriooatrasodoBrasil,especialmenteodesprezoaotrabalhointelectual.HojevocligaardioouaTVes ouve debilides, diz. Crticodo governo Lula, que acha quetem sorte de acontecer numpe-rodo de prosperidade mundial,elediscorda em especialdo pen-samento socialista, citando Po-pper e economistas como Lu-dwig von Mises. S o capitalis-mopermitemobilidadesocial.Seaeconomiaforimpulsionada,tu-doomaisseajeita,diz.Masago-ra o Lula de centro-direita...,ironiza, declarando-se de cen-tro-esquerda e afirmando que

    votariademocratanos EUA.Em 1957, Newtonse licenciou

    em Matemtica pela UFPR; em1960, se doutorou. Nessa pocacomeouaseproporodesafiodedesenvolver um sistema formalquelevasseemcontaascontradi-es, embora o nome paracon-sistncia s fosse surgir em1974. O termo at ento era in-

    consistncia, e desde Gdelumasrie de matemticosmun-do afora tentava chegar a essateoria. Foi quando Newton to-mou contato com a lgica fu-zzy, tambmchamada dedifu-saoubooleana,quedamesmaformalida comestados interme-diriosentreoverdadeiroeofal-so. Ela foi estruturada em 1965porumprofessordaUniversida-de da Califrnia, Lofti Zadeh,cujos trabalhos Newton rese-nhou para publicaes alems e

    brasileiras.

    NOMESA fuzzy pode ser vista comoumaversomaisespecficadal-gica paraconsistente, afirmaNewton. Eu j provei isso. Oqueelealegaquesuateoriavaialmdeummodelomatemtico;umsistemafilosfico,quediscu-te conceitos a fundoe tenta, porexemplo,resolverproblemas dadialtica de Hegel. Newton tam-

    bmdiztersidoinspiradopelalei-tura de Marx e Freud. O termoparaconsistncia foi sugeridoporum amigo peruano, tambmfilsofodalgica,FranciscoMirQuesada. Significa ao lado daconsistncia,algocomoquase-consistncia. Na viso deNewton,arazonopodeprovarnenhumaverdadeabsoluta,maspodedemonstraraexistnciade

    uma quase-verdade, uma des-

    crio mais prxima aos fatos.Se explodir uma bomba atmi-ca no prdio vizinho, exemplifi-ca,muitoprovvelquevocse-

    javarridoparalonge.Masessepragmatismonosig-

    nifica que nosso conhecimentopossa determinar muitas coisascom preciso. Nem mesmo ocontornodoseucorpodefinido.Algum a anos-luz daqui s vumamanchano lugar ondevocest.Voc umamanchadeel-trons,eheltronsescapandode

    voc o tempo todo. Newton fazumgestorpidocomamo.Viu,acabeidepegarumeltronseu.E soltaoutrade suasrisadas,to

    velozes quanto sua fala. Se vocachaqueumlgicodeveserumapessoa fria ou impassvel, por-que no conheceu Newton daCosta.

    A palavra paraconsistncia,assim como fuzzy, comeou aganharvida prpriade unstem-posparac.odestinodemuitasteorias, como a Relatividade deEinstein noraroexplicadaco-motudorelativo,oqueofsicoalemojamais afirmou. No casoda paraconsistncia, passou a

    ser utilizada como uma espciedeafirmao da irracionalidade,darejeioaomtodo,daimpos-sibilidade de qualquer forma deconhecimento. Uma vez recebiabraos efusivos de um italiano,quedisseque minha teoriatinhamudado a vida dele. Depois li olivrodosujeitoeaquilonotinhanadaavercomoquepenso.

    SISTEMASNewtondaCosta,afinal,umde-fensordarazo,quedefinecomounio da faculdade lgica com osensocrtico;edizquesualgicacomplementaa clssica. Emsi-tuaes de comportamento pa-dro,a paraconsistentese reduz lgica clssica. porissoquedecises em computadores de

    robs e sistemas de controle devo, paracitarduas reas quejutilizamlgicadifusae/ou para-consistente podem de fato sertomadas.

    Os processadores trabalhamcomumsistemabinrio,0(desa-tivado) ou 1 (ativado), mas, gra-as a esses modelos matemti-cosmaiscomplexos,seguemfun-cionando mesmo quando rece-

    bem inputs opostos (pare eavance,por exemplo).A lgicaparaconsistentenoeliminaaop-oentreduas alternativas, maspossibilitaquemaisvariveisse-

    jamavaliadasnoprocessodede-ciso, trabalhando com o queNewton chama de probabilida-de pragmtica. A experincia quepearazoprova.

    Newton critica os que usamapalavralgicanumaacepofal-sa, como Futebol no tem lgi-casignificandoquenoprevi-svel. Para ele, a razo trabalhacomalgicaaomenosparasiste-matizaras experincias. Ocha-to da irracionalidade que elanotemcritrios,resume,acen-tuando queseu trabalho volta-do para o conhecimentocientfi-co.Dizatqueainduofazpar-tedaracionalidade:Semaindu-o no seramos nada. Na pr-histria, depois que o tigre-de-dente-de-sabre atacou um ho-mempelaterceira vez, eles con-cluram: tigres-de-dente-de-sa-

    breso perigosos. E saram cor-rendo(risos).Semissonohave-riaracionalidade.

    Issono significa queNewtonno reconhea que haja eventosalm da racionalidade. Por isso,diz no serateue acreditar, co-moEinstein,numaforadanatu-reza; e gosta de citar uma frasedeGabrielMarcel:Filosofaran-tes participarde um mistriodoqueresolverumproblema.Nema cincia escapa. Os resultadoscientficossosempreaproxima-dos,escrevenolivroLgicaIndu-tivaeProbabilidade.Averdadesempre parcial e provisria.Masarazopodefuncionar,sim;o conhecimentoexiste. Nemeumesmoimaginavaquealgicapa-raconsistente pudesse ter tantaaplicao no mundo real. Hoje,nadaparecemaislgico.

    Um lgico na ilha da fantasia

    FRASES

    PENSAMENTOSISTEMTICOO professor Newtonda Costano quechamade meucubculoem seuapartamento nocentrode Florianpolis

    DOLO- Montagem feita poralunos de Newtoncom Bertrand Russell

    FILOSOFIA

    No h MangabeiraUnger que possadisputar com ele

    em referncias

    Um pedestre noimagina que ele sejaum dos maioreslgicos do mundo

    Se voc acha queum lgico umapessoa fria, porqueno o conheceu

    FOTOS FELIPE CHRIST/AE

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    A24 VIDA& DOMINGO, 10 DE FEVEREIRO DE 2008O ESTADO DE S.PAULO