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O ANTIGO SOBRADO (OU OS ANTIDELUVIANOS, ECOS PASSADOS) Por Renato de Medeiro Jota 1 A noite avança tomando o lugar do dia. A luz que iluminava o mundo grita como sempre gritou ao ceder seu domínio à anta- gônica parceira, as trevas. Na janela observa-se o crepúsculo es- maecer pálido perdendo-se no manto escuro da noite. Quando finalmente a escuridão cai, sobre o mundo, as luzes artificiais dos lampiões ou elétricas despertam de seu sono diurno e põem-se a trabalhar na busca de expulsar as trevas, mesmo que sejam em pequenos momentos de suas posses, tentando resgatar do des- conhecido aspectos familiares as pequenas mentes humanas que os fabricou. Elas, as trevas, é motivo do estranho para estas pe- quenas criaturas, que a vêem como uma ameaça a si própria, pois trazem o desconhecido para perto de si. Na verdade é o medo do que pode sobrevir de suas entranhas, de seu gélido in- testino obscuro 1 que tanto os fazem tremer quando o último raio de luz desaparecer no crepúsculo engolido pelas trevas. Em vista disso, não é de estranhar a busca tão frenética pela luz, mesmo sendo esta feita de maneira tão tosca e frágil como quem a in- ventou. Pois estas criaturas sabem que coisas estranhas e gro- tescas caminham á noite. I A forma como cheguei a esta conclusão tem estreito laço com a historia que narrarei agora. Levando em conta, todo os ri- sos e chacotas que tive de agüentar, esta historia é verdadeira. Os personagens, datas e lugares podem ter certo grau de inexa- tidão porque a mente humana como é o costume de acontecer quando submetida a esforços extremos passa a filtrar determi- nados acontecimentos e imagens, submetendo a sanidade o jul- 1 Faço aqui uma modesta homenagem a Alan Moore escritor, metaleiro e roteirista de quadrinhos. Retiro esta citação de liga extraordinária volume 01.

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O ANTIGO SOBRADO (OU OS ANTIDELUVIANOS, ECOS PASSADOS)

Por Renato de Medeiro Jota

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A noite avança tomando o lugar do dia. A luz que iluminava o mundo grita como sempre gritou ao ceder seu domínio à anta-gônica parceira, as trevas. Na janela observa-se o crepúsculo es-maecer pálido perdendo-se no manto escuro da noite. Quando finalmente a escuridão cai, sobre o mundo, as luzes artificiais dos lampiões ou elétricas despertam de seu sono diurno e põem-se a trabalhar na busca de expulsar as trevas, mesmo que sejam em pequenos momentos de suas posses, tentando resgatar do des-conhecido aspectos familiares as pequenas mentes humanas que os fabricou. Elas, as trevas, é motivo do estranho para estas pe-quenas criaturas, que a vêem como uma ameaça a si própria, pois trazem o desconhecido para perto de si. Na verdade é o medo do que pode sobrevir de suas entranhas, de seu gélido in-testino obscuro1 que tanto os fazem tremer quando o último raio de luz desaparecer no crepúsculo engolido pelas trevas. Em vista disso, não é de estranhar a busca tão frenética pela luz, mesmo sendo esta feita de maneira tão tosca e frágil como quem a in-ventou. Pois estas criaturas sabem que coisas estranhas e gro-tescas caminham á noite.

I

A forma como cheguei a esta conclusão tem estreito laço com a historia que narrarei agora. Levando em conta, todo os ri-sos e chacotas que tive de agüentar, esta historia é verdadeira. Os personagens, datas e lugares podem ter certo grau de inexa-tidão porque a mente humana como é o costume de acontecer quando submetida a esforços extremos passa a filtrar determi-nados acontecimentos e imagens, submetendo a sanidade o jul-

1 Faço aqui uma modesta homenagem a Alan Moore escritor, metaleiro e roteirista de quadrinhos. Retiro

esta citação de liga extraordinária volume 01.

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gamento do que é melhor lembrar ou não. Deste modo, levando em consideração isso, me limitarei apenas a recordar. As minhas lembranças me levam direto as imensas planta-ções de cana de açúcar do interior ( ). Naquela época, o inverno predominava na região e a grande plantação canavieira se es-tendia por toda a região. O seu tamanho chegava a assustar. Toda aquela imensidão esmeralda formava uma imensa floresta de gêmeos, por serem tão iguais uns aos outros. Seu avanço só era parado pelas enormes fendas aberta em suas entranhas que formavam a estrada e principal vinculo da fazenda com a cidade. Na época em que se passa a historia, eu estava buscando a tranqüilidade do interior e descanso das atividades da universi-dade. Para isso tinha aceitado o convite do de um amigo de meu pai o senhor Souza, para passar uma temporada na fazenda que tomava conta. As minhas férias na fazenda,tinha um objetivo principal: de ordem mental, pois precisava me afastar de todo o barulho e distração da cidade grande para poder cuidar de minha saúde que exigia cuidados bastantes sérios. Deste modo o convi-te do senhor Souza veio em boa hora e faria muito proveito dele. O caminho que levava a casa do senhor Souza era difícil. A estrada era sinuosa e lamacenta, devido a chuva. A terra úmida pelas chuvas recentes formava poças enormes que dificultavam o caminho do veículo. Muitas vezes, diante da enorme dificulda-de com os atoleiros constantes que de vez em quando acometia o veículo éramos obrigados a descer e empurrá-lo para que pu-déssemos seguir caminho novamente. O senhor Souza explicou que a estrada estava assim, devido os excessos de chuvas que acometeu toda a região, chegando a deixar muitas pessoas ilha-das e desabrigadas, e no decorrer de cada chuva, a formação de lama e dificuldade de transporte da produção e de ajuda as viti-mas do inverno. Subimos uma alta colina que levava para a fazenda. De ci-ma dava para observar uma pequena cidade adiante. Nesta ci-dade, encontrava-se um casarão de aspecto triste e de terreno

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árido, isolada do resto da cidade. Recuando um pouco, a fazen-da, à medida que nos aproximávamos mostrava seu aspecto belo e bucólico. Uma pequena porção descampada servia de pasto para algumas poucas cabeças de gado, que se deslocavam pre-guiçosamente pelo campo. Na entrada, que levava para a gran-de fazenda, uma arvore estranha e desfolhada com um tronco escamado e raízes estranhas davam uma peculiar boa vinda aos visitantes incautos. Esta imagem tétrica me levou a lembrar o es-tranho sobrado localizado no centro da cidade. Sua imagem sim-plesmente não se encaixava com aquela imagem bucólica da re-gião. Era uma mancha cinza na vastidão esmeralda. Seu terreno inóspito e arenoso, cercado por um claro processo de decompo-sição levava a crer não existir ninguém que habitasse lá. As jane-las, apesar de décadas de descuido ainda permaneciam inteiras, com exceção de algumas poucas que estavam quebradas. Per-guntei ao senhor Souza que era o proprietário daquele velho so-brado, e recebi em resposta um estranho alerta. Ele me disse, a-lias me fez jurar, em voz tremula e olhos nervosos, que era me-lhor eu esquecer tudo que se relacionasse a aquele sobrado e deixasse o assunto de lado. Dito isso se calou, e depois de certo tempo conclui ”seja o que for as pessoas preferiam esquecer os moradores daquele lugar” – silenciando logo após. Contudo esse comportamento esquisito só fez aumentar minha curiosidade. Seja o que for que tenha lá residido trazia o medo às pessoas. Todavia era difícil achar que algo de maligno pudesse vir de um sobrado daquele. Porque fica difícil imaginar que existisse vida naquele lugar, onde até as ervas daninhas e mato recusavam a crescer naquele em um local pútrido e horrendo.

II

Os dias transcorreram numa tranqüilidade tumular. Os dias avançaram mansamente naquele lugar de tranqüilidade e paz. As minhas atividades consistiam em ir ao curral visitar o gado

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com os funcionários e passear pelas pastagens cercadas pelos canaviais. Tudo isso sobre um sol tenro e generoso que não lem-brava em nada os dias chuvosos e pesado que trouxessem tanto incomodo na região. Os melhores momentos eram as visitas à cidadezinha e aos colonos próximos constituídos por quilombo-las, descendentes de negros, que penetraram pelo interior do nordeste vindo parar aqui. Visitar a pequena cidade do interior, como de costume se mostrava uma tarefa enfadonha e sem inte-resse; só o que despertava minha curiosidade era a velha man-são colonial e sua triste melancolia. Junto com sua decadência, fora o interesse pelo que despertou tanto receio das pessoas da cidade a ponto de afastar todos de suas imediações uma duvida me perseguia: o que escondia aquele antigo sobrado, qual sua historia? Foi a partir desta curiosidade que passei a perscrutar a estória daquela região em busca de saber que era os moradores daquele lugar sombrio. A primeira coisa a saber era o por que das pessoas evitarem o local do casarão. Mas como fazer isso? Pelo que pude constatar pela reação do senhor Souza não seria fácil encontrar alguém disposto a falar algo sobre os moradores daquele lugar lugubri e soturno, onde a vida parece ter escoado para as entranhas profundas da terra. Então tomei uma deci-são; primeiro faria um tentativa de falar sobre o local, buscando quem sabe, alguém corajoso o suficiente e de língua solta, por uma bela dose de cachaça, que pudesse me prestar uma infor-mação sobre o lugar. Mas como esperado, nem sobre o domínio da embriagues consegui um cristão que me falasse sobre o velho casarão, e era surpreendente que toda vez que mensionava so-bre o lugar as pessoas se afastavam como se tivesse falado o nome do próprio demônio em pessoa, e passavam a evitar minha presença. Procurei informações na região, ainda por dois dias, mas só consegui como resposta o silencio e olhos nervosos bus-cando algo ou alguém que não poderia ser visto pelo menos por mim.

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Vendo que não obteria nenhuma estória do local dos habi-tantes dali, procurei outras formas indiretas de obter informa-ções sobre a cidade e o sobrado. Por isso comecei a visitar cartó-rios e se existisse biblioteca, por menor que fosse, deveriam exis-tir registros sobre a cidade e os principais acontecimentos do lu-gar, talvez como não dependesse de ninguém e supondo que os donos do casarão tinham algum poder e influencia na região, conseguiria os dados mais facilmente, o comprovei estar enga-nado. O cartório foi o primeiro a ser visitado por mim e procu-rando pelos registros do antigo imóvel ao atendente obtive, no-vamente aquele olhar nervoso e uma voz baixa, levando em se-guida um sonoro Não!. A justificativa dada a mim consistia em: como não era familiar, advogado da família e nem algum agente do governo não seria permitido ter acesso aos documentos da mansão, e fechando o livro a minha frente passa a atender ou-tros clientes. Isso me deixou como último recurso a biblioteca da cidade que era minúscula e as chances de encontrar alguma coi-sa lá eram muito pequenas. Entrando no local onde se encon-trava a pequena biblioteca da cidade dava para perceber ser uma pequena casa adaptada para a função presente. O seu acervo era tímido e era comprimido em pequenos espaços nas estantes que eram dez ao total. As prateleiras estavam bem organizadas, deixando um espaço de cerca de trinta e cinco a quarenta centí-metros de uma para outra. No espaço entre elas era muito difícil passar duas pessoas um pouco mais corpulentas, esse pensa-mento apesar de parecer não ter nenhuma relevância me des-pertou para uma estranha constatação, não consegui por todos os cantos da cidade que andei identificar alguém que estivesse acima do peso. Lembro-me de ter pensado no momento que is-so se devesse ao ar do campo e o trabalho duro que fazem man-ter-se em forma até a velhice. Entretanto essa conclusão no fu-turo se mostraria equivocada e perigosa. Não obstante pus de lado este pensamento e procurei vasculhar na biblioteca algum indicio que fosse um recorte de jornal antigo, foto da época ou

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algo parecido, mais como de certa forma já esperava não encon-trei nada lá.

Passei a freqüentar assiduamente aquela pequena bibliote-ca, indo todos os dias, sempre procurando alguma informação sobre o antigo casarão e seus donos. Passei a remexer então os livros antigos que tinham alguma ligação com a historia da cida-de ou da região, as suas crenças, famílias antigas, mas nada rela-cionado ao sobrado a pareceu. Durante esse período de pesquisa notei uma presença de uma outra pessoa a freqüentar a biblio-teca constantemente como eu. Era um rapaz negro, provavel-mente um morador da comunidade quilombola local. Tinha ca-belos iguais aos seus ancestrais, nariz achatado, altura mediana, olhos negros. Parecia procurar algo, assim como eu, e igualmen-te não parecia ter encontrado, mas insistia remexendo livros e papeis com o seu oficio misterioso. Mas, afinal, o que eu ganha-va perdendo meu tempo em observar alguém que me desviava do meu caminho que consistia em encontrar alguma coisa a res-peito dos moradores de uma determinada mansão. Continuei a procurar nos velhos jornais noticias ligadas as sociedades locais, olhando nas páginas dos eventos sociais e de fofocas da época, onde se encontrava a nata social dos senhores de engenho e personalidades regionais. Todavia não foi nestas páginas que encontrei informações sobre os donos do casarão. Foi na parte de obituário que encontrei algum tipo de comunicado aos cida-dãos da cidade que dizia assim “Athur Basill, morto a um ano, amado irmão e amigo, os familiares irão promover uma missa de sua morte”. Pelo anuncio e data parece ter falecido jovem, pois a data indicava pelo menos isso tinha nascido em 1962 e falecido em 1984. Nenhuma nota a mais foi posta depois disso. No fim da nota uma foto do velho sobrado indicando onde seria uma festa após a missa e só.

Absorto em reflexões eu não percebi a aproximação do ra-paz negro que sempre ia a biblioteca. Sua atitude era estranha,

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pois sempre que o vi mantinha uma distância considerável de mim. Neste dia, porém, se aproximou o suficiente para poder pegar um livro de uma estante próxima. Todavia, apesar da que-bra da regularidade de nossos hábitos, não dei muita importân-cia naquele momento para o acontecido. Encontrei um livro que parecia poder me dar aquilo que queria, e me afastei rapidamen-te para ver o seu conteúdo. Levei o livro para a única mesa exis-tente na pequena biblioteca e sentando-me passei a folhear suas páginas. Entretanto, quando já estava para finalizá-lo, fui inter-rompido bruscamente por um volume que caiu em cima da me-sa. Buscando me recuperar do susto, procurei identificar qual o motivo daquilo, e constatei que o rapaz negro o havia posto ali. Quando, porem procurou falar com ele, o mesmo desapareceu tão logo despertou a minha atenção. O livro sobre a mesa era de um tipo de brochura arcaico rudemente feito, e de aparência deteriorada, consumido pelos anos de exposição às intempéries. De entre suas páginas um marcador antigo, um pedaço de fita de ceda, parecia chamar atenção para alguma coisa destacada em seu conteúdo. Abrindo-o encontrei um pedaço de papel velho que continha uma mensagem no mínimo esquisita em letras de forma que dizia:

“CUIDADO, TUDO AQUI SÃO APENAS APARENCIAS, EXISTE PERI-GO”

Assim finalizou a frase, abruptamente sem nenhuma expli-

cação a mais. Procurei o rapaz negro, autor provavelmente da frase, mas não o encontrei. Havia desaparecido de lá. Decepcio-nado, retornei a mesa e observando o bilhete, comecei a manu-sear ao mesmo tempo o livro. Foi em um destes manejos que uma coisa chamou minha atenção. O seu titulo não era conven-cional, era uma palavra que nunca havia entrado em contacto na minha vida “CULTO A HADARIN: a seita do deus da terra” era es-te seu título. Lendo isso um sentimento vívido, uma mistura de

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curiosidade e náusea tomou conta de mim, juntamente com uma ansiedade profunda por descobrir o que um livro com um título tão singular estaria fazendo em uma biblioteca destas do interi-or. Talvez estes sentimentos tenham sigo provocados pela jun-ção de eventos, primeiro um desconhecido me trás um bilhete me alertando de um perigo e por outro lado me entrega um livro com um título estranho que não sabia o que era. Então restava me acalmar e saber o que era o livro, talvez fosse apenas um li-vro que falasse de um folclore local e nada mais do que isso. Portanto, restava me acalmar e consultar o conteúdo do livro. Folheando suas páginas, a primeira impressão que tive foi cons-tatar que algumas páginas haviam sido arrancadas dele. A outra impressão, que é a mais obvia, mostra que parecia ser páginas importantes, porque não pareciam ter sido tiradas aleatoriamen-te, elas seguiam certa seqüência. Pois pela evidência encontrada, dava para se notar que o assunto interessava tanto essa pessoa que as tirou por falta de tempo de copiá-las ou por puro vanda-lismo mesmo. Seja como for as poucas que ficaram diziam res-peito à um pequeno fragmento parecido com linhas de cânticos antigos, mais nada que lembre alguma tradição conhecida pelo folclore brasileiro. Parecia ser dedicados a algum culto agrário que existiu a margem do conhecimento popular. E tinham o propósito de exaltar algo inexato para meu conhecimento, algu-ma coisa desconhecida intitulada HADARIN. Pelo que me lembro do trecho, ele dizia isso:

Hó terra amada, daquilo que teu ventre nos trás, a vida

abunda. Hó gaia, senhora vinda do além horizonte, semeia o pó de

onde viemos e para onde há de retornarmos. Hó trevas do firmamento, que nos encobre em seu manto

abrigando-nos em seus braços e dando sua eternidade a nós.

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Hó que assim seja a tripartide forma nosso senhor, crian-ças e força, nossa vida exposta em ramalhetes da vida; eterni-zada em servidão a vos “HADARIN”.

A conclusão que tive ao ler estes versos foi se tratar de um

culto agrário, muito antigo de um deus ligado a agricultura, que representava elementos da natureza, semelhante a aqueles de origem européia. Pelo que sei estas entidades existiram antes do surgimento de uma concepção de um Deus único, principalmen-te, o judaico-cristão. As poucas informações que tive levam a crer que algumas tradições que remetem estas entidades são lembradas até hoje em alguns paises europeus. Eles, no caso de deuses agrários remetiam geralmente a fertilidade ligada a terra, e tinham características mais femininas do que masculinas, como podemos ver pelas linhas que mencionam o nome de gaia a deu-sa da terra e fertilidade. Mas Hadarin, não consegui encontrar nenhuma menção deste nome nos poucos anos de estudo sobre o folclore brasileiro. Vendo que não conseguiria chegar a um a-cordo satisfatório em relação a origem do culto decidi terminar de folhear as poucas páginas restantes. Ao passar as páginas, va-rias figuras surgiam a minha frente, que tomavam quase todas as páginas, sendo que em várias das gravuras a relação com o nome “HADARIM” era constantemente associado com algum vegetal, ou plantação. Constatando o que antes havia inferido, de existir aqui, em tempos antigos um culto a um deus agrário. Em muitas e muitas páginas apareciam pessoas vestidas com roupas escul-turas, mas não eram mantos propriamente, assemelhavam-se mais a roupas longas, os hábitos dos monges franciscanos, por exemplo. Estas pessoas estavam posicionadas em um circulo tendo um profundo buraco, com plantas em suas bordas. Fica-vam de mãos dadas, como crianças que brincavam de roda. Em outras figuras, pessoas brincavam com crianças pequenas, desta-cando-se nesta imagem, duas garotas ao que aparece loira e de olhos azuis, parecendo que todos os adultos, tinham um cuidado

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especial por elas. Passando as páginas mais a frente, constatei que em algumas partes importantes faltava que pudesse dar uma informação mais detalhada do culto e as informações fica-vam incompletas e as poucas que davam para ler de forma coe-rente falavam da vinda de um deus agrário e da dádiva da imor-talidade a quem o servisse. Falava, também de levar, os escolhi-dos e todos aqueles que vivessem sobre sua proteção nunca so-freriam. Assim terminava as poucas páginas inteiras que davam para ler.

Muitos minutos haviam transcorrido e o cansaço havia se instalado sobre mim, já não conseguia ler, devido a dor do pes-coço pela posição incomoda, e também as costas. Foi quando já estava para finalizar minhas leituras que uma brisa repentina-mente entrou pela biblioteca, e as páginas foram tiradas de sua ordem. Após cessar o ocorrido, notei existir uma gravura que destoava das demais. Eram dois senhores elegantes e de porte austeros, bem vestidos, pelo menos na gravura, a frente do velho casarão que já carregava o seu aspecto lúgubre e árido. Imedia-tamente reconheci o antigo sobrado e conheci seus habitantes. Todavia o que me intrigou depois de tanto procurar informação sobre os donos do sobrado foi de acontecer de encontrá-los em um livro que falava de folclore local, isso era realmente surreal. Entretanto não seria hoje que procuraria respostas para esse as-sunto, porque o bibliotecário ou a pessoa que ostentava esse nome passava a impressão que iria fechar o local para o almoço. Movido por um instinto de curiosidade que só havia aumentado com o transcorrer do tempo, arranquei as páginas restantes, re-lacionadas ao sobrado, longe da vista do jovem bibliotecário, com o propósito de não perder mais nenhuma informação tão difícil sobre o assunto; acreditando com isso não estar cometen-do nenhum pecado com este ato, devido estar faltando tantas ao velho livro. Saindo do local uma pergunta não insistia em per-manecer martelando em minha mente “porquê encontrar os ha-

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bitantes do sobrado em um livro sobre folclore local? As pergun-tas são muitas mas teriam de esperar.

Naquela confusão, já solto não esperei outra oportunidade para sair dali. Pulei pela janela, a única que tinha no quarto e sai correndo, confusamente pela noite. Lembro-me que quando pa-rei estava no meio de uma espécie de vegetação densa, uma ma-ta. Meu desespero levava minhas pernas a executar façanhas que não estava habituada a fazer. Os sons e ruídos da mata não aumentavam ou diminuíam meu terror. Estava anestesiado dos seus efeitos. No interior da mata olhos noturnos me observavam atento a meus movimentos. Não havia pensado em seus peri-gos. Só existia em minha consciência desejo de me afastar o mais longe possível daquela fazenda e de seus empregados.

III

São os olhos a lâmpada do corpo. Se os teus olhos forem bons, todo o teu corpo será lumi-

noso; se, porém os teus olhos forem maus, todo o teu corpo estará em trevas.

Portanto, caso a luz que em ti há sejam trevas, que grandes trevas serão. (Lc, 11, 33-36) ou (Mateus, 6, 22-23).

Os grandes enigmas começam através de pequenos deta-

lhes. São por esses pequenos detalhes que grandes horrores, às vezes, se escondem no intimo de cada um de nós, pois o segredo trás sempre alguma noticia não muito palatável a nosso intesti-no. Estes pensamentos passeavam por minha cabeça o dia todo, principalmente quando os centralizava nos segredos envoltos sobre o ancestral casarão. Passei a ficar obcecado pelo mistério e silêncio envolvidos sobre a casa. Fiquei a meditar durante dias sobre as páginas que falavam sobre um deus agrário, uma lenda folclórica local, e o porquê de mencionar moradores de um anti-go sobrado, eu simplesmente não entendia a ligação entre eles.

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As perguntas eram maiores do que as respostas, o porquê da-queles estarem inseridos nestas páginas continua um enigma e isso ocasionava certa revolta interna minha por não achar as respostas adequadas que solucionassem a minha contenda in-terna. Por fim voltei a pesquisar cada folha, buscando observar se tinha deixado para trás alguma informação despercebida. Ca-da folha continha como constatei anteriormente, apenas men-ções esparsas sobre os moradores locais, e pouquíssimas infor-mações sobre os habitantes do mal falado sobrado. Contudo consegui a muito custo uma pequena conexão de frases mos-trando uma significativa articulação, que no momento, não me trouxe nenhuma elucidação sobre quem era os moradores, mais pelo menos conhecia o seu significado para a população local. As frases continham os dizeres:

“Malditos sejam todo aquele que se intitula Baysil, da di-

nastia intitulada Iluminados. Senhores da podridão e propaga-dores do mal (....) suas mãos trazem a morte, como os vermes que consomem as criaturas mortas, eles são a prova da deterio-ração de todas as coisas (....) a sua presença trás a companhia das trevas, a podridão e os males se abatem sobre tudo o que é vivo e bom (....) a fraquesa, as doenças e a morte são seu manto e sua companhia (....) afastem-se todo aquele que teme por sua alma, da presença destes seres. Desviem seu caminho quando encontrarem-se diante deles. Fujam destes anátemas, verdadei-ros comedores de cadáveres (....)”

A dúvida lendo isso sobre o que era verdadeiro do que era

falso em toda esta mitologia regional só aguçava mais minha cu-riosidade. O escrito não dava como visto, maiores informações sobre os moradores da velha mansão, mais com certeza o povo tinha medo deles como um cristão tem medo do próprio demô-nio em pessoa; algo em meu intimo dizia para abandonar estas buscas e me concentrar mais em minha saúde, do que procurar

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desencavar uma antiga lenda local, que não mudaria em nada minha vida. Passei alguns dias procurando vestígios da existência de alguma coisa a mais que falasse sobre os Baysil, mas não con-segui nada, dando por fim, após algum tempo minhas buscas.

Estávamos na estação da colheita da cana e uma multidão de trabalhadores e máquinas se punha a trabalhar. Tinha gentes de todos os lugares da região. Era a época melhor para se ga-nhar um dinheiro a mais. Eu ficava observando e às vezes atrapa-lhando com minhas perguntas, muitas vezes impertinente, sobre o trabalho e o ganho obtido através dele. A maioria dos traba-lhadores tinha origem humilde, mas nem por isso menos interes-sante. O senhor Jonas, paraibano de pouca escolaridade, mais de espírito arguto e fala mansa, cativava com seus causos a toda a noite, no único período de folga que tenha durante o dia. As mu-lheres, de face sofrida, acentuada pelo sol, escondiam-se duran-te o dia em trajes masculinos desabrochando a noite em todo seu esplendor feminino.

O tempo atua como uma linha continua de acontecimen-tos ininterrupto, as vezes os acontecimentos não seguem imu-tavelmente seu encadeamento de circunstancia. Imagino que nós como indivíduos, perdidos neste mundo estamos inseridos em uma sucessão, muitas vezes, passadas despercebidas por nós. O tempo então jaz como um navio perdido no mar, por-que este perdeu todo o significado para a nau a deriva. Ele esta alheio ao que esta contida nas profundezas ocultas do mar. Os acontecimentos tornam-se uma linha contingente de eventos e as circunstâncias, apenas brilhos distantes, ínfimos de sanida-de.

Assim continuo absorto, envolvido pelas quimeras do coti-diano. Já havia a duas semanas abandonado toda a investigação sobre o sobrado e o folclore da região. Como é doce a ignorân-cia, penso eu. Entretanto, continuava em minha vida, ajudando os trabalhadores visitando a mata, jogando conversa fora com o pessoal da fazenda e alguns cidadãos que já não fugiam mais (pe-

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lo menos quando o assunto não era o sobrado, percebi que de-veria respeitar as pessoas daqui e não lhes perguntar nada a res-peito do assunto). Todavia alguma coisa começou a despertar novamente, a minha sensação para alguma coisa que estava er-rada na fazenda, e especialmente com os trabalhadores e cida-dãos. Eles estavam nas últimas semanas agindo estranhamente, pareciam estarem drogados, se comportando de uma maneira fora do comum no andar e no falar. Faziam as coisas mecanica-mente, pareciam com autômatos, robôs programados, de tão ar-tificial que eram. Mas como não encontrei nenhuma razão para estarem assim resolvi buscar refugio em meus pensamentos, que vez ou outra me recolocavam na direção do sobrado. O tempo, nesta estação do ano estava quente e o sol agia como um dita-dor sobre nossos corpos. A roupa me fazia sentir pesado e im-pedia a minha locomoção com as caixas que me propus levar a sede da fazenda. Não era adequada para o tipo de trabalho no campo. Resolvi trocar para facilitar o serviço, mas como já havia constatado o sol infligia muito calor e como não estava acostu-mado resolvi tirar a parte de cima para poder ficar um pouco mais a vontade. Após ter feito isso não esperava a reação dos empregados locais, estávamos todos no campo, e eles simples-mente se afastaram de mim com um olhar espantado, repenti-namente seus rostos imutáveis passaram a adquirir uma postura de surpresa e assombro que não me fez entender na hora o que havia acontecido.

Foi o senhor Souza quem repentinamente me chamou, e pegando em meu braço me conduziu até a sede da fazenda, a qual me advertiu para não fazer aquilo na frente dos emprega-dos ou de qualquer pessoa da cidade. A religião dali não permi-tia tal atitude, e acrescentou que o calor excessivo poderia queimar minha pele e piorar minha saúde e fez questão de me lembrar o principal motivo de estar ali; para descasar. Depois me deixou caminhando em direção aos empregados e reunindo-os tomou a direção do canavial. Quanto a mim, não procurei re-

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plicar com o senhor Souza, porque ele entendia aquela gente melhor do que eu, e naquele momento seria melhor ficar calado e seguir seu conselho. Isso não queria dizer que não fiquei im-pressionado e porque não dizer, intrigado com a reação daquela gente.

Foi neste momento que um pensamento me ocorreu na-quele instante: eu não tinha observado ninguém, apesar do clima extremamente quente, com camisas regatas, vestidos mais leves ou roupa mais casual. Todos sem exceção vestiam roupas pesa-das que cobrisse todo o seu corpo sem deixar nenhuma parte de seu corpo exposto. Ora parecia ser bastante esquisito isso, mas talvez fosse apenas esquisito para mim e não para eles. Seja lá como for, tudo voltaria ao normal, pelo menos era o que pensei naquele momento.

IV

Penso agora no que me aconteceu naquela noite e um ar-

repio sobe por minha coluna até minha nuca; tremo só de pensar quando percebo a noite se avizinhar no horizonte e o dia ser en-golido pelas trevas noturnas. Lembro-me de estar cansado e contrariado por ter ficado dentro da casa e longe dos funcioná-rios da fazenda devido o ocorrido. Mas não havia nada mais a fazer, de resto tinha de me conformar e procurei me deitar um pouco até chegar à hora da janta. Retirei a camisa para diminuir um pouco o calor e me deitei, cansado pelo esforço feito pegan-do ração para as poucas cabeças de gado da fazenda. O sono veio lentamente, como acontece com as chuvas invernais que caminham mansamente em direção a terra para semear seu ven-tre, parecida com um amante que tem todo o tempo do mundo acariciar sua amada. Entretanto o resto do sono não tinha nada de agradável. Ele foi agitado por sonhos estranhos e bizarros que se revezavam entre tentáculos que se fixavam o meu corpo e pinças que buscavam perfurar meu peito. Esse acontecimento

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não era normal, raramente sonhava e muito menos ainda tinha pesadelos. Contudo naquela noite, tive impressão durante o so-no, de escutar barulhos estranhos, de ouvir chiados e sons muito baixos que não conseguia distinguir entre um e outro. Apavorado com isso tentei me levantar e notei que alguma coisa me impe-dia de erguer-me. Foi quando sai daquele semi-sono e entrei no mundo dos despertos só para constatar o horror que me aguar-dava. Neste instante soube o verdadeiro significado de “que não deveria buscar saber mais do que o mundo nos apresenta”.

Se pudesse descrever com minhas palavras a cena que pre-senciei, acredito que ninguém conceberia imaginação mais fértil do que a minha, não obstante ser verdade. Tentarei explicar mi-nuciosamente o que aconteceu. A primeira imagem que tive foi de um sujeito que mal dava para se distinguir na escuridão, pois ela já avançava rapidamente, de dentes irregulares. Estava de frente para mim e segurava uma estranha sombra que depois ve-rifiquei ser uma planta ou algo semelhante a um repolho com pequenos cipós que balançavam freneticamente de um lado para outro. A seu lado homens vestindo os hábitos, iguais as figuras do livro, me seguravam tanto a parte dos pés quanto das mãos. “Enquanto faziam isso cantavam ou emitiam um som que parecia uma mistura de letras impronunciáveis do tipo ”zzzzummbalabe-lef hadarim cun hayrwq”. Era um som funesto e lúgubre que fez minha espinha gelar só de lembrar aquele som. Tentei erguer minhas mãos para buscar sair dali, mas como havia constatado estavam presas. Neste instante comecei a perceber que estava em perigo e comecei a gritar, mas uma mão fechou-me a boca. E uma voz rouca parecido vir do fundo de um abismo falou “que poderia gritar quanto quisesse porque ninguém me escutaria, todos são de Hadarim”, disse. Passado alguns segundos, com-plementou “Hadarim o espírito de Gaia deusa da terra esta entre nós, logo você será uno com o ser”, finalizando esta sentença começou a aproximar o misterioso vegetal, parecido com um re-polho esverdeado, com seus tentáculos de mim, mais precisa-

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mente de meu peito nu. A planta era uma forma circular, tinha uma forma parecida com um repolho, como já disse, só que os cipós eram constituídos por ventosas que agarravam-se ao corpo ao menos constato. Estas, ventosas, localizavam-se logo abaixo, na parte inferior do circular vegetal. Na parte de baixo se escon-dia a coisa mais hedionda existente no corpo da criatura. Uma boca ou algo parecido, abria-se perigosamente em minha dire-ção. Parecia feita, por seu formato, para se aderir a mais escor-regadia superfície, devido a enorme quantidade de dentes que possuía.

A aproximação daquilo me fez buscar a libertação o mais rápido possível. Não queria virar refeição de um vegetal carnívo-ro. Todavia estava preso, tanto meus pés como mãos estavam imobilizadas por dois homens de cada lado dos membros e por mais que fizesse força não conseguiria sair. Parecia ser meu fim, diante da impossibilidade de fuga; a única coisa que restava para preservar minha vida era lutar até o fim, mesmo que não adian-tasse de nada. Entretanto, algo atingiu o local tão rápido que até os meus inquisidores não esperavam o acontecido. Um clarão imenso iluminou o quarto, seguindo-se por um calor repentino que invadiu o local com muita intensidade. Era fogo e estava consumindo tudo. Logo todo o quarto estava em chamas. Os homens de hábito começaram a ser consumidos pelo fogo, assim como tabuas, madeiras, moveis e tudo que era possível entrar em combustão. Observei muitos de meus algozes sair do quarto, como tochas vivas, como verdadeiros baluartes da morte. Al-guns deles se debatiam em movimentos irregulares, frenéticos, arrancando os hábitos e suas carnes com as próprias mãos, reve-lando em seus peitos o terrível destino que me aguardava, eu se-ria igual a eles. Agora entendia o porquê da roupa antiquada e espessa sobre o corpo. Ela servia para ocultar sua condição de escravo de uma parasita que vivia do fluido de seus corpos, loca-lizada em seu peito.

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Naquela confusão, consegui me soltar, e pulei pela única janela do meu quarto. Corri em meio à escuridão da noite, con-fusamente e desorientado, não sabia a direção que havia toma-do. Só um pensamento percorria minha mente naquela hora, sobreviver a qualquer custo. Não me lembro quanto tempo pas-sei correndo a esmo pela fazenda. Mas a única forma de me fa-zer parar naquela hora seria me agarrando ou se meu corpo não agüentasse mais o esforço. Venceu a segunda opção. Por que alguns minutos de intensa correria me fez perder o fôlego, e uma raiz exposta de uma arvore, contribuiu, também para que paras-se. Eu havia tropeçado nela e precipitei-me ao chão, caindo pe-sadamente na folhagem que o cobria. Foi neste instante que percebi onde estava; havia corrido tanto que me embreei na ma-ta próxima a fazenda e nem havia percebido. Meu desespero im-pulsionaram minhas pernas a vencer palmo a palmo os metros que separava a fazenda da mata. Agora, neste momento, eu me encontrava sozinho e perdido na mata. Os sons, ruídos contribu-íam para aumentar minha ansiedade e sentimento de pavor. Criaturas noturnas surgiam para mim, através de olhos de fogo que me observavam como um voyeur através das trevas da noi-te. Em meio aos sons vomitado pela floresta, noto destacada-mente um ruído familiar que me fez distrair e elevar mais ainda o nível de alerta em que estava. O som era indistinguível; alguém estava me seguindo pela mata. Dava para se ouvir o barulho aba-fado de passos nas folhas secas, apesar do cuidado que o perse-guidor buscava ter. Os passos começavam a se aproximar peri-gosamente de mim. E a medida que se aproximavam, crescia i-gualmente o meu desespero. Devo dizer que várias coisas passa-ram por minha cabeça naquela hora, mas o que mais temia, era que os empregados da fazenda vestidos com seus hábitos, ve-nham com parasitas atrás de mim e isso definitivamente não queria. Então recobrando o fôlego comecei a entrar cada vez mais dentro da mata. Os animais e seus perigos naquela hora, já não significavam mais nada. Foi que em uma pequena clareira,

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depois de já estar bem próximo dela, notei a presença de uma sombra a minha frente. Ela carregava uma lanterna na mão que iluminava parte do chão coberto de folhas da mata. Depois de recuperado do susto, lembrei quem era; o rapaz que freqüentava a mesma biblioteca da cidade. Era o mesmo rapaz de pele negra e olhos espertos que havia me avisado do perigo que estava cor-rendo. Mas o que ele queria agora será que faz parte deles? Re-pentinamente ergue o facho da lanterna em minha direção e me reconhecendo apaga-a em seguida. E falando curtamente diz “venha eles ainda estão procurando você”.

Dito isto se embrenhou na mata rapidamente. Balançando pelos acontecimentos recentes o segui, como uma criança deso-rientada, tentando não perdê-lo de vista. Através da vegetação espessa. A escuridão, os sons gritados pelos estalidos de galhos e a luz denunciadora de uma lua cheia – causavam a mim um mal estar que chegava a embrulhar meu estomago. O homem de pe-le negra vencia os obstáculos velozmente, o mesmo não poderia dizer de mim. Os galhos de arvores e arbustos pareciam à noite um atacante invisível que só percebia sua presença quando já era tarde demais. Sofri muito para não me perder do meu guia. Os pensamentos começavam a dominar a minha alma. Comecei a mergulhar em uma tempestade de devaneios e delírios en-quanto corria. Sonhava com a casa dos meus pais, com os telha-dos de casas da cidade e com prédios e monumentos de suas ar-quitetura. A comida também misteriosamente aparecia nestes delírios. Pizzas gigantes giravam como um carrossel sob minha cabeça, potes de sorvete com frutas cristalizadas faziam evolu-ções, parecido com as baianas no carnaval ao meu redor. A mi-nha frente, um escorregador de chocolate me levava a uma pis-cina de chocolate; era tudo muito gostoso, sentia vontade de pa-rar e descansar, mas me lembrei do ocorrido e voltei à realidade. Estava fugindo de um pesadelo, havia trocado um pesadelo por um sonho; um bom sonho, mas sonho. Agora, na realidade, sei que o pesadelo é real, gostaria que não fosse, mas é. Constatei

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ao parar, também, que havia me perdido do homem negro. Pas-sei algum tempo tentando acha-lo, mas escuro como estava seria difícil encontra-lo. Todavia consegui localiza-lo pelo barulho e por sua silhueta, ele me levava direto para fora da fazenda e per-to da cidade. Há esta hora, provavelmente, todos estavam dor-mindo e será que ele tinha a intenção de pedir socorro as autori-dades locais? O que constatei que não, porque ele foi justamente para o lugar, mais improvável que imaginava. O homem de tez negra seguia direto para o sobrado abandonado.

V

Chegamos ao antigo casarão, sua porta maciça feita de ma-

deira nobre jazia impávida desafiando o tempo e cupins. Parece ter sido feita para agüentar qualquer tentativa externa de entrar. O meu misterioso guia, estava procurando algo nela que pudesse fazê-lo entrar. Observei que a porta não possuía maçaneta ou abertura para uma chave. Pensei que os donos não gostassem de sair da casa, no mínimo, pois geralmente as pessoas de poder e fortuna sempre gostam de abrir a porta de suas casas para os-tentar sua classe e posição social o que é o contrariamente cons-tatado aqui. Parece que não gostavam de visitas, sejam quais fo-rem estas. A porta da frente, pelo menos, parece um muro de contenção a qualquer contato externo. Fiquei pensando como chegaríamos a entrar naquele local, o homem de pele negra ha-via sumido a procura de uma entrada que pudesse nos levar para dentro da casa. Achei naquela hora apesar de tudo, o lugar mais indicado para me esconder. Ninguém chega muito perto das i-mediações do sobrado há muito tempo. E sempre evitam passar nas ruas que faz divisa com suas posses. Em suma, é o esconderi-jo perfeito para uma pessoa se ocultar até achar uma solução pa-ra sair do problema. Além do mais sempre quis visitar o interior deste sobrado para ver como viviam seus moradores. Finalmen-te depois de algum tempo o homem negro me falou que havia

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encontrado uma entrada na parte lateral da casa e me mostrou mais não acreditei, na hora muito. Ao lado da casa jazia uma pe-dra enorme por sinal impossível para um único homem remove-la. Entretanto vi o homem remove-la facilmente e revelar um pequeno túnel abaixo dela. Descemos por ele com a lanterna como guia. O túnel passava por baixo do antigo sobrado e levava até um relógio antigo que servia de saída oculta para caso de al-guma coisa ruim acontecesse a seus donos.

Passamos alguns minutos observando o interior do casarão e uma dúvida havia durante o percurso surgido. Porque ele nos levou até lá e qual o motivo de me salvar e a qual me respondeu que foi mandado pelos anciões os moradores do local para ver se encontrava alguém que não era um parasitado. Fez isso durante semanas e não encontrou ninguém a não ser eu que houvesse escapado ao ataque dos parasitas a mando de Hadarim. Ele me explicou que a criatura, como constatei era uma entidade que não era deste mundo, ela veio através de uma luz no céu, prova-velmente um meteoro que chocando-se a terra começou a infes-tar as pessoas e faze-las agirem sobre seu comando. Disse-me, ainda que descende de ex escravos e habitava uma comunidade quilombola que foi uma das que sofreu ataque da criatura e co-meçou a falar a pos algum tempo o acontecido.

- Em uma noite escura, um clarão luminoso riscou o céu. Os mais velhos pensaram ser uma estrela que havia caído, e a explicação parecia muito plausível na época. Morávamos a vá-rios quilômetros do acontecido e a muitos mais dos brancos mais próximos. Não queriam nossa presença por perto. Ainda viviam sob o domínio do preconceito. Os grilhões como dizem nossos antepassados quando não prendem os pulsos de um lado pren-dem de outro. Entretanto certa noite ocorreu da lua espalhar-se pelo céu e a aldeia foi vitima de ataque, sem nenhum aviso, ape-nas começaram nos agredir e capturar os nossos irmãos. Em meio ao ataque uma palavra se distingue do silêncio dos atacan-tes “HADARIM” o senhor da colheita, pronunciada veemente-

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mente pelos habitantes da cidade, eram eles sob o domínio da criatura que haviam se apoderado de seus moradores. Após al-gum tempo fomos derrotados, não havia como resistir estáva-mos desarmados e éramos poucos. Todos foram capturados, e poucos foram os que fugiram para longe, felizmente eu fui um deles e como já havia notado que durante o dia as criaturas não conseguem identificar, a primeira vista, os seus daqueles que não estão infectados pelos parasitos. Eu podia transitar pela ci-dade em busca de um lugar para ficar. O problema era à noite, quando o sol se punha e a escuridão chegava. Eles poderiam lhe caçar e parasitar, e seria, portanto, o fim. Procurei então durante o dia um lugar que pudesse me defender e me abrigar e encon-trei o lugar ideal nesta velha mansão. Só não esperava encon-tra-la habitada por dois anciões, os donos do lugar. - anciões, neste casarão? - sim, também pensei o mesmo quando os encontrei, mas era verdade. Porque quando estava observando todo o lugar para saber onde me esconder foi que encontrei os dois. Eles são os donos deste sobrado. - você esta querendo me dizer que estes dois velhos são o que restou da família Baysil? Interrompi.

O homem fez um gesto afirmativo com a cabeça que logo entendi. Em seguida segurando meu braço ele me guiou até o quarto onde poderia encontrá-los. Passamos por corredores longos e sinuosos, poderia dizer até surreais. Eles eram ora lon-gos, ora estreitos, baixos e altos. Entramos e saímos de tantos quarto como corredores que dava a impressão de estarmos per-didos dentro daquele sobrado. Alem de passar a impressão de cada cômodo mudar sua estrutura, assim como seu ambiente. Alguns corredores eram ricamente ornamentados com pequenas estátuas em pedestais, pinturas e talhes de madeira que se en-contrava hora pregada na parede ou em um canto do corredor. Existia ainda uma enorme biblioteca em uma imensa sala. Sobre ela, erguia-se uma abobada enorme que lhe iluminava todos os

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cantos da sala. E estantes de livros, igualmente, gigantes encon-travam-se comodamente encostadas nos cantos da sala em uma eterna espera por aqueles que desejam o conhecimento. Livros se amontoavam sobre as mesas como se estivesse à espera de alguém. Entretanto apesar de maravilhoso para quem adora ler como eu, o momento não era propicio para me deleitar com o seu acervo. Tinha que seguir o homem a minha frente e ele não estava disposto a parar por nada. Tive que perguntar para onde estávamos nos dirigindo, a qual respondeu que “estávamos indo encontrá-los” e continuou a andar. Caminhamos por alguns mi-nutos pelo sobrado e parecia que fazia horas que estávamos lá. Entretanto comecei a duvidar se aquele sujeito sabia realmente para onde estava indo. Entramos e saímos de corredores que pa-reciam ora iguais e ora diferentes e não conseguia ver nada que pudesse identificar se caminhávamos corretamente na direção dos velhos.

Por fim chegamos em frente a porta de um quarto. Ela pa-recia ser gêmea a da porta da entrada do sobrado devido a sua constituição maciça. Também não tinha chave ou maçaneta. Mas aquele ser de ébano disse não ser necessário, eles já nos aguar-davam e dito isso as portas lentamente se abriram. O quarto dentro, era mal iluminado, uma escuridão profunda parecia to-mar conta de todos os seus recantos. Um ar de tristeza e solidão remetia para pensamentos sombrios sobre o lugar. Não obstante era ricamente mobiliado, composto por estantes enormes cheios de livros, perdia só para a sala anterior a este quarto. Mais ao fundo, um feixe de luz rasgava a escuridão. Parecia a principio, um fio de prata iluminado por algum objeto exterior ao lugar que não dava para ser identificado sua origem. Este fio terminava por formar um circulo pequeno de luz. Aproximando-se mais um pouco dava para ver a origem do feixe que projetava o circulo. Vinha de uma pequena abertura na abobada do casarão. Parecia agora fazer sentido. Esta parte da casa era uma capela improvi-sada. Mas o que era estranho que apesar de estar escura lá fora

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agora á luz continuava na mesma intensidade, mas porque isso? A pergunta ficaria sem resposta, pois do centro do circulo come-cei a ver dois velhos que estavam nos aguardando. Um deles es-tava em pé, por trás de um outro que estava no que parecia ser uma cadeira de rodas. Por sua aparência dava para estimar suas idades entre oitenta a noventa e tantos anos, não saberia dizer precisamente. Ambos vestiam terno antiquados para nossa épo-ca, eram figuras esquias e franzinas apesar de sua idade. O so-brevivente quilombola e eu nos aproximamos dos dois, mas quando estava para chegar mais perto deles fui impedido pelo braço de meu guia. Os dois renascentes da família Baysil eram portadores de uma estranha simbiose com o sobrado. Porque o casarão apesar de sua aparência decadente, mostrava-se porta-dor de uma dignidade incomum com seu perfil. O casarão, assim como os velhos, parecia emanar poder e uma vitalidade que não se perdeu com o passar do tempo. Parecia ao contrário, a qual-quer momento aflorar novamente semelhante a um vulcão a-dormecido que após anos de volições volta com sua força máxi-ma. A pesar de ser da mesma família os dois anciões possuiam diferenças físicas marcantes. O primeiro o que estava de pé por trás do ancião de cadeira de rodas possuía cabelos negros ondu-lados com pequenos fios brancos parecidos com riscos de giz. Ti-nha altura media entre um e setenta e seis a um e oitenta, era magro mas apesar da idade parecia estar conservado. O outro o velho de cadeira de rodas, tinha cabelo totalmente branco pare-cia com a espuma do mar após se chocar com as pedras da en-costa da praia. Também era magro, mas sua altura era incerta. Talvez fosse maior que o ancião em pé, devido sua cabeça quase tocar seu queixo. Também era magro, mas possuía uma pequena diferença com o outro que estava de pé, seus olhos possuíam um estranho brilho, só encontrado naqueles sujeitos que trabalham mais com a sapiência e ladinagem do que com os músculos e a força bruta. Parecia ser o cérebro da dupla.

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Estas foram as impressões que ficaram claras quando fui apresentado a dupla de anciões. Mais vale uma ressalva para aqueles que se confiam na aparência das coisas como são e es-quecem que muitas coisas estão ocultas naquilo que não são. As virtudes ou desvirtudes dos nomes de pessoas pode ser verdadeiro como falsos, afinal, tudo é relativo como o são nos-sas opiniões. Sobre nossas percepções, estas podem ser verda-deiras, desde que acreditemos nelas, mas isso não significa na-da se as pormos sobre um escrutineo maior. Como saber se o sol que sustenta-se no horizonte continuará lá independente de nós? Não temos nenhuma garantia quanto a isso. Só podemos confiar no que nossos olhos e sentidos nos diz. Saber se o sol vai ou não vai surgir ou sustentar-se sob nossas cabeças encon-tra-se além de nossas capacidades empíricas. Dizer ou sustentar uma teoria de que a gravidade é quem garante isso parece du-vidável, igualmente. Em resumo não há como saber. Somo de-pendentes da imaginação a qual baseamos a maior parte de nosso conhecimento em um produto dela que são as hipóteses. E os cálculos não são igualmente abstratos, isso não seria uma loucura, tão grande quanto confiarmos nossa fé em deuses e não em nós mesmos. Mas afinal, quem somos nós? Estas ques-tões como outras vêem assombrando nossa imaginação a mi-lhares de anos e isto o que ficou guardado de toda a historia humana tem no medo do desconhecido seu algoz. A inocência uma vez perdida não há como ser resgatada. E os nossos peca-dos não podem ser tirados por mais penitencias que façamos sem o perdão que podemos dar antes a nós mesmos. Sem isto nada é perdoado ou remediado em nossas vidas. O dialogo que segue vem naturalmente trazer mais dúvi-das do que certezas. Alias tem sido assim durante tudo o que digo aqui, entretanto acredito que algo de bom posso tirar dis-so tudo para que não se enlouqueça.

VI

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Os dois anciões permaneciam imóveis na grande sala. Nes-

ta posição eles tornavam-se uma estranha visão. Iluminados pe-lo circulo de luz, pareciam duas estátuas brancas de mármore. Os seus rostos permaneciam estáticos, não dava para notar os sinais que caracterizam emoções em uma pessoa normal. Eles não demonstravam nenhum movimento que desse o menor in-dicio de vida ou existir alguém ali, em seus corpos. Sua face era como mascaras imóveis que não se comprimiam ou submetiam a emoções. Os seus olhos eram igualmente estranhos; emitiam um brilho escarlate de suas órbitas, alienígena, não parecia huma-nos, pesar de sê-los. A imagem dos velhos parecia remetê-los para uma existência em um mundo que não era este de tão a-morfa e disforme. Parecia existir em um mundo cheio de para-doxos, de onde a primeira vista seria imagens humanas decaden-tes e alquebradas; a um passo da morte diria. Por outro lado vasculhando além de sua aparência, mostrava em seu olhar uma vontade titânica, poderosa o suficiente de resistir ao tempo e a toda tentativa de compreensão e enquadramento. Eles estavam fora de qualquer categorização que pudesse ser dada pela sim-ples razão humana. Todavia de irregular e incomodo emanava de seu olhar. Parecia existir uma tenacidade sobre humana, algo que concentrasse uma força inexplicável capaz de emergir a qualquer momento daqueles anciões.

Contudo o seu silêncio era incomodo, fazia minutos que es-távamos ali e eles estavam estáticos, parecia não respirar. Toda-via um gesto da parte do senhor sentado veio quebrar o protoco-lo. Sua cabeça ergueu-se para cima, dirigindo seu olhar para o ancião de cabelos negros. Parecia procurar, através desta estra-nha linguagem mímica, traduzir o mundo de seus pensamentos para nós. O silêncio parecia ser o único prazer que tinham, e se-ria a muito custo que abdicariam de sua companhia. Eu já havia notado que seu domínio no sobrado era incontestável. Ela era a

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magnânima neste lugar e nada até então os fez querer deixar sua companhia, entretanto hoje:

- muito bem Matias o que o fez voltar aqui? - perguntou o

senhor na cadeira - fiz o que mandaram fui a cidade procurar alguém que pu-

desse nos ajudar e encontrei esse rapaz aqui – respondeu o ne-gro Matias.

Matias, então era esse seu nome. Tinha me esquecido de

perguntar qual era o nome do meu misterioso guia. Novamente ficamos em silêncio. Os velhos pareciam não

estar dispostos a falar. Entretanto, notei um interesse da parte dos dois por mim, pois ficavam me observando de longe procu-rando alguma coisa que não sabia dizer o que. Algumas vezes no-tei gestos do ancião sentado apontando seu braço com os dedos erguidos em minha direção como se quisesse tocar-me, mas per-cebendo que os observava recuava a mão e voltava a seu estado imóvel de antes. Aquele silêncio e imobilidade já estavam me in-comodando e não via com isso, nenhum sentido prático que pu-desse nos tirar daquela cidade o quanto antes. Então fui tomado por impulso e aproximando-me de Matias falei baixinho: - então estes são os últimos da família Baysil?? Disse. - sim, são – respondeu Matias e voltou a se calar. Enquanto ficávamos observado os velhos, eles estavam i-gualmente interessados em nós, mas certamente o seu interesse era bem diferente do nosso naquele momento.

- então conseguiu encontrar ajuda em algum lugar Mati-as??? – disse o ancião sentado.

- não, todos devem estar sob o domínio de Hadarim, o úni-co que escapou foi este rapaz aqui, ele quase foi infectado pelos monstros da criatura??? Falou .

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- então é o fim eles conseguiram nos isolar – setenciou o ancião em pé.

- o que vocês estão querendo dizer, que vão se entregar sem lutar por suas vidas?? Falou asperamente Matias.

- olhe para nós criança, você esta na flor da idade, enquan-to nós estamos no inverno de nossos dias, estamos quase no fim da jornada – falou o velho na cadeira de roda.

- então é assim vocês vão se entregar, enquanto a nós o que vai acontecer???

- tentarão sobreviver a qualquer custo. Disse bruscamente o velho em pé

- e nosso acordo como é que fica – Matias estava desespe-rado.

- não tem mais acordo jovem é o fim entendeu??? Falou o ancião sentado.

- vo-vocês são dois egoístas é o que são – disse furiosamen-te o quilombola.

- o que você, menino entende por egoísmo. Para nós a questão se aplica particularmente a uma metáfora chamada de tempo. Esta metáfora só faz sentido através dele. Observe o que acontece para nós são duas opiniões distintas sobre ele. Uma tem um longo caminho ainda a seguir o outro já esta no limite deste caminho. Mas observe na ótica dos velhos, uma vez só e não sobre seu ponto de vista. Para dois velhos que já não pos-suem tanto tempo a esperar, o medo da juventude, de se apegar a vida adquire outro sentido. A morte com o tempo passa a ser uma realidade e um fato, não há como escapar a este destino. O encontro derradeiro como este arauto do fim, encontra-se na mera formalidade. Do mergulho derradeiro na subjetividade. Saímos do nada e talvez para lá retornemos, enfim o medo da morte deve habitar nos jovens e não nos velhos, pois enquanto os primeiros se agarram com todas as suas forças a areia do tempo de sua jovialidade os segundos buscam que o vento espa-

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lhe o pó de suas existências e adquiram a tão aguardada paz do fim... sem medo. Disse finalmente o ancião sentado.

-e agora o que vamos fazer??? Perguntei a Matias - eu não sei, estamos perdidos!!! – respondeu. O silêncio instala-se novamente na sala. Matias olha para

mim desolado como se estivesse dizendo “ estamos perdidos sem eles” mas parece que os dois anciões já haviam chegado a uma decisão e parecia não haver nada que pudesse altera-la. Então repentinamente um ancião em pé fala:

- quem é este jovem Matias??? - é um moço que estava na toca do leão, perto da cratera

na fazenda daquele que era o senhor Souza – respondeu surpre-so Matias.

- era, quando aconteceu??? Disse espantado. - uma noite após o acontecimento daquele distúrbio provo-

cado por você quando não se verificou de você ser um parasita-do. Isso os levou a concluir que o senhor Souza também não era. Você deu sorte minha missão a princípio era salvar Souza, mas havia chegado tarde demais e então salvei você. Falou formal-mente Matias.

Coitado do senhor Souza, provavelmente não sábia o que estava acontecendo pensei. E se soube foi tarde demais. Nova-mente sou interrompido por um dos anciões, o que esta sentado na cadeira de roda.

- meu jovem, qual a sua impressão de tudo o que viu até agora???

- devo dizer que não sei bem o que esta acontecendo, mas no pouco visto por mim, descobri que está região é dominada por uma seita agrária que venera um deus das plantas responsá-vel pela boa colheita na região, seu nome é Hadarim. Que se-gundo descobri as pessoas, da cidade e do campo estão sob seu domínio através de alguma coisa parecida com uma planta repo-lhosa que possui tentáculos parecidos com cipós, tendo em suas

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pontas ventosas que agarradas ao peito ou outra parte do corpo parece colar-se a ele como se dele fosse parte. Bem... é, só isso que sei. E volto a meu silêncio.

O ancião de cadeira de roda apóia sua mão sobre a do ou-tro, como uma se desse uma ordem silenciosa para que este o levasse para mais perto de mim. Logo em seguida ergue sua ca-beça e seus grandes olhos azuis passeiam pela sala vasculhando cada recanto da sala viciado em antiguidade, tendo nas partes superiores, o principal centro de seu interesse. Por fim, os olhos azuis do idoso ficam estáticos vislumbrando um ponto escondido da janela que mostrava a rua lá fora, o que constatava que sua visão era perfeita bem o contrário do resto do corpo do idoso. Depois de longo período em silêncio ele fala.

- o que você sabe é pouco e provavelmente Matias deve ter lhe contado o que aconteceu na aldeia quilombola antes das cri-atura vir para a cidade. Você deve ter em mente uma coisa meu rapaz, Hadarim é uma aberração alienígena, vinda do gélido es-paço estelar. Onde antigas abominações que existiam aqui na terra foram expulsas em uma guerra antiga entre seres abissais. Esta criatura se alimentava de coisas vivas, pelo que ficamos sa-bendo, que não fosse de origem vegetal. Em seu mundo a qual ficou exilada durante muitas e muitas eras, as plantas eram os únicos organismos vivos existentes lá. Não havia em seu mundo outra forma de vida além delas. Talvez por isso que seu mundo começou a se exaurir. Creio que depois de ter consumido toda a vida de seu planeta, esta criatura migrou para outros mundos em busca de manter sua existência. Por onde esteve nenhuma cria-tura ou ser permaneceu vivo e nem o planeta sobreviveu, foi su-gado até virar um deserto árido e sem vida. Diante destas infor-mações, não é preciso fazer grande esforço para saber qual o nosso destino. Todos aqueles que ficaram a mercê de tal criatura morreram diante da fome incontrolável da criatura. Hadarim é o nemesis, o arauto da destruição de toda a vida que existe e até agora não sabemos de nada que tenha poder de dete-lo. Isso é

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necessariamente o que temos aqui meu jovem. Um problema muito grande para vocês enfrentarem, se isso for possível e a qual não temos nenhum esperança de vitória. Assim termina a sentença.

Uma revolta cresce dentro de mim, eu não compreendia a atitude daqueles velhos, eles simplesmente não se preocupam com o resto da humanidade. Quer dizer que o importante é ape-nas eles e o resto pode perecer, e como eu haveria de esperar que dois anciões fossem capazes de deter tal criatura, já que, talvez, outras civilizações mais avançadas do que nós tentaram e não conseguiram deter a criatura. Tudo isso me fez falar ou me-lhor berrar para aqueles dois diante de tanta impotência.

- então é isso, não há como deter a criatura. E vocês não podem fazer nada, não é. Sendo assim não há nada mais o que fazemos aqui. Vamos Matias acho melhor encontrarmos outra forma de deter Hadarim já que os anciões não tem forças para fazer frente à criatura.

Dizendo isso caminho em direção a saída da sala. Confesso que os velhos me irritaram e estava decidido a encontrar uma outra saída para nós, ou seja, eu e Matias. Sigo firme em direção a porta de mogno. E fico a pensar em como conseguiria escapar dali, esta era a verdade, eu não queria lutar contra ninguém quanto mais colidir com fanáticos parasitados que veneravam um ser alien. O meu único desejo era que tinha de sair dali o mais rápido possível. Já estava perto da saída da sala quando o ancião na sentado interrompeu-me dizendo.

- eu não disse que não ajudaríamos. Disse que sozinhos não teriam chance. E caso estejam pensando em sair, vão constatar que Hadarim já providenciou o cerco a casa para evitar a saída de qualquer um de nós. Dito isso olhou pela fresta da janela, que estava um pouco livre do pó e poeira acumulada durante os anos de falta de zelo.

Olhamos, pela mesma fresta e constatamos existir várias sombras na rua cercando o velho casarão. Formavam um circulo

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enorme ao redor da casa tomando todas as ruas adjacentes. Chamas brilhantes saltava de seus olhos. Dava para ver na escu-ridão, pareciam, seus olhos semelhantes a aqueles reflexos que vemos nos animais; tipo gatos, cachorros ou outros quaisquer. Todos estavam parados, rígidos como rochas, olhando para o so-brado, buscando quem sabe alguma coisa ou aguardando algo, talvez uma ordem para atacar tudo que viesse a sair da antiga mansão. Repentinamente, todos abrem sua boca ao mesmo tempo e um acontecimento medonho e terrível, coisa que nunca tinha visto antes aconteceu. De suas bocas uma estranha fumaça verde começou a sair em direção do casarão. Depois de algum tempo todo o imóvel ficaria sobre sua cobertura. Isso nos levou ao pânico o que eles queriam com aquilo? Eu não consegui evitar de chamar a atenção de todos para o que estava acontecendo.

- Matias, anciões, eles estão expelindo de suas bocas uma fumaça em nossa direção, temos de sair daqui – gritei isso para todos, buscando chamar sua atenção para o perigo.

A qual Matias olhando para mim e para os velhos falou mansamente:

- não há como sair daqui, ela já nos cercou – setenciou o negro.

VII

Estávamos presos no casarão cercados por uma es-

tranha nuvem verde que havia saído da boca dos habitantes da cidade. Parecia não haver saída. Estávamos em silêncio vendo a nuvem avançar em nossa direção sem saber qual seria o efeito aquilo em nós quando viesse por acaso entrar em contacto co-nosco. Entretanto em nossa imobilidade uma voz se fez ouvir era um ancião sentado em sua cadeira que nos chamou a atenção: “venham, conhecemos uma saída”. Disse isso e voltou-se para perto o mais que podiam da borda do circulo, e apontando para um grande relógio disseram existir uma saída oculta por lá que

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leva para longe dali, era a saída de emergência caso alguém vies-se atentar contra a vida da família, a qual segundo eles nunca foi usada até agora. Matias intrigado perguntou: “como eles não haviam dito nada a ele, a qual responderam “que não julgaram necessário dizer” e voltando a seu silêncio costumeiro silêncio retornaram a posição anterior. Todavia quando estávamos para atravessar disseram:

- dissemos a vocês anteriormente que nada poderia ser fei-to contra a criatura, mas acredito que existe uma forma de a de-termos. O seu ponto fraco são as meninas gêmeas, loiras de o-lhos azuis. Elas são a principal fonte de ligação de Hadarim com o nosso mundo. A criatura vê o que as crianças vêem, sente o que as crianças sentem, em resumo, existe um elo estreito entre as crianças e o monstro estelar e somente as tendo aqui é que podemos fazer alguma coisa contra a criatura.

- mas por que aqui, porque não lá fora? Interroumpeu Ma-tias.

- muito simples, nenhuma tecnologia conseguiu deter a cri-atura, ela vive da energia do planeta e como faz isso. Através de hospedeiros, que pouco a pouco vai transformando toda a vida em seu substrato, sugando a energia e força do planeta trans-formando-o em uma rocha fumegante. O seu elo com toda esta cadeia de acontecimentos reside nos seus hospedeiros de ori-gem que em nosso caso são as meninas gêmeas. Como a tecno-logia não ajuda nós temos uma maneira de fazer com que atra-vés das crianças e seu elo com o ser alienígena, conseguíamos extermina-la, mas para que isso ocorra temos que ter o material necessário que por acaso só nós temos aqui, observem e apon-tando para duas mesas, vêem em uma delas, na segunda especi-ficamente frascos e muitas outras plantas raízes e vidros dispos-tos sobre ela. Tendo visto isso é Matias que os interrompe. - como chegaremos perto das crianças sem atrair a atenção de todos para nós – disse preocupado.

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- quanto a não atrair a atenção dos parasitados nós não pode-mos lhes dar nenhuma resposta ou auxilio estamos como sabe exilados aqui dentro se não saímos antes e por nossa inteira de-bilidade física, entretanto vocês podem pegar as gêmeas de o-lhos azuis sem correr muitos riscos através do festival da colhei-ta, será neste evento que a vigilância sobre as jovens será fraca e talvez agora seja mais fraca ainda – conclui o ancião. - como assim mais fraca - insiste Matias - ora a criatura, bem como os parasitados, acham que nós su-cumbimos a nevoa esmeralda que vocês bem observaram vir em nossa direção!! - por falar nela, como vocês pensam em sair daqui para evita-la?? Falei - quem disse que nós sairemos, à mansão irá nos proteger??? Sentenciou os dois anciões. - velhos as portas tem frestas, todo este lugar deve estar caindo os pedaços como vocês acham que vão escapar – disse Matias ir-ritado com as evasivas dos anciões. - basta, nós sabemos nos defender e esta estrutura agüenta mais coisas do que imaginam, quando saírem sigam uma luz parecido com um vaga lume será este o seu guia até a passagem definitiva da casa, agora partam – disseram finalmente e retornaram para o centro do misterioso circulo de luz. Naquele mesmo momento atravessamos a estreita passa-gem do relógio que dava para largo corredor sobrado e imedia-tamente percebemos o globo de luz indicado pelos anciões que seria nosso guia naquele labirinto. Todavia, antes de sairmos pu-semos o relógio no lugar e seguimos caminho. Andamos alguns minutos atravessamos vários cômodos da casa. Tínhamos encon-trado um dos corredores empoeirado como todo o restante da casa, entretanto, este estava coberto por um velho tapete com temas diversos, pareciam árabes. Em suas pontas figuras surgiam em formato triangular mesclada com círculos e elipses, dando

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uma agradável aparência ao tapete. Nas paredes quadros velhos se perfilavam em uma procissão de temas. Eles estavam cober-tos por uma fina camada de pó, como tudo no velho sobrado es-tava. Pareciam ser em sua maioria foto da família, misturadas com personagens que provavelmente faleceram a muito tempo atrás. Contudo duas figuras em particular pareciam insistir em participar dos temas em quase todos eles. Dois homens, um alti-vo e magro de cabelos loiros e outro de cabelos negros e volu-mosos igualmente altos e fortes pareciam colaborar na composi-ção dos quadros pintados, não como tema principal, mas como pano de fundo para toda a cena da composição. Os quadros re-presentavam várias décadas diferentes assim como temas sobre elas. Passei a me distrair por certo tempo e um por um momen-to um retrato em particular parecia destacar-se dos demais. Em um deles, os dois sujeitos ao que parece semelhante aos outros temas não são a principal fonte de atenção, porque estando de pé no fundo da pintura, pareciam estar observando duas crian-ças que se destacavam como tema do estudo. Eram duas meni-nas loiras de olho azul exatamente parecida com a descrição fei-ta pelos anciões. No entanto essas observações não consistia o meu principal objetivo que era sair da casa antes que aquela ne-voa verde chegasse até nós , por isso sai de meu estado contem-plativo e retornei o meu caminho. Avançamos alguns corredores sempre na espectátiva de finalmente encontrar o caminho que nos levaria a sair do casarão por fim a luz parou em frente a uma porta de madeira que fazia lembrar uma pequena dispensa. Abrindo-a com cuidado, dava para sentir de seu interior um odor horrível de abandono pelos anos fechado. Parecia levar a um estreito corredor composto por uma escada feita na própria rocha em declive levando para parte mais baixa da mansão. Suas laterais eram coberta de tijolos antigos, eles eram bem verme-lhos. Antes de descermos acendemos uma espécie de candeeiro que nos proporcionasse o mínimo de visibilidade. O corredor nos conduzia através dos alicerces da mansão a parte mais antiga de-

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la. Andamos por alguns minutos, o suficiente para toda a cena do local mudar. Agora compreendo o porque não existir muita plan-ta sobre a mansão, não há como alguma arvore ou arbusto so-breviver a um terreno rochoso como este. O subsolo do sobrado dava para uma pequena caverna infestada de morcegos. Ela era formada por corredores tortuosos que pareciam levar rumo ao abismo de tão escuros e úmidos que eram. Finalmente depois de muito caminhar, vimos um pequeno ponto de luz ao fim do cor-redor que constatamos ser a saída do estomago da mansão que era aquela caverna. Estávamos abaixo da saída na realidade, pois o pequeno facho de luz era na realidade as aberturas circu-lares que eram três do bueiro. A saída da caverna nos conduziu até o corredor dos esgotos da cidade que eram enormes, eu simplesmente não entendia isso, entretanto não seria a hora de discutir questões sanitárias tínhamos que sair dali, o cheiro já es-tava pra lá de desagradável. Portanto subimos rapidamente, am-bos porem, verificamos se as ruas nos davam passagem segura para a superfície.

Elas estavam vazias verificamos, provavelmente porquê to-dos se encontravam no cerco do sobrado. Um pensamento pas-sa por minha cabeça “qual o motivo de Hadarim não ter invadido o sobrado e retirado os anciões de lá, alguma coisa naquele lugar o impedia só podia ser” não havia naquele momento como res-ponder, não obstante só que podíamos fazer neste momento era seguir em frente e localizar as meninas. O que posso confessar é que não gosto de por crianças em perigo, apesar de não ter jeito com elas, mas sempre me fazem quando choram amolecer o co-ração. Todavia por tudo aqui exposto a única coisa que quero é sair o quanto antes daqui, se possível vivo e são.

Corremos para um beco escuro e silencioso. Não havia nin-guém lá. Tudo estava calmo, nenhum som nem os pássaros ou animais próximos manifestavam qualquer ruído que desse a me-nor percepção de vida na cidade. As ruas igualmente encontra-vam-se quietas, silenciosas com exceção de um pequeno movi-

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mento de vento rebelde que emprestava certo sentido a vida no local. A estática era a única coisa que fazia sentido na cidade. Aquilo parecia um sonho, poderíamos agora nos dirigir ao local onde se realizará a cerimônia segundo os anciões. Todavia não sabíamos onde seria; tínhamos de encontrar alguma pista de sua realização. Ficamos parados observando as ruas vendo se alguma coisa dava uma pista de onde seria a cerimônia, por menor que ela fosse. Esta estática só fez aumentar nossa tensão e sensação do perigo e ficamos assim por muito tempo. Subitamente quando estávamos nos acostumando ao silêncio e imobilidade das ruas, começamos a divisar vozes vindas da rua principal. A princípio surgia muito baixas, difícil de serem ouvidas e aos pou-cos começavam a aumentar elas vinham da rua principal. A escu-ridão do beco onde estávamos não nos deixava ter uma boa visi-bilidade da rua, e por isso ficava difícil saber quem era os donos das vozes. Tentamos nos aproximar um pouco mais, sempre evi-tando as luzes projetadas pelos postes, não queríamos que nin-guém nos visse.

Nesse momento, quando já havíamos nos aproximado de

um enorme amontoado de sacos de lixo, com o objetivo de nos escondermos. Foi que vimos à procissão, eram várias pessoas caminhando em fila cercando muitas crianças que ficavam em seu centro. Algumas pessoas estavam presas, amarradas umas as outras, pareciam não ter sido parasitadas. Elas estavam à frente da multidão que seguia em romaria. As crianças assim como todos aqueles que estavam soltos, possuíam sobre sua ca-beça uma espécie de coroa em forma esférica semelhante a um grande bulbo. Esta coisa tinha o objetivo de controlar suas men-te a fim de fazerem o que o viajante alienígena desejasse. Pode-ríamos dizer que o formato do bulbo em suas cabeças lembrava um buda gordo sentado sobre ela que saindo dos lados bulbosos, ventosas se conectavam com a parte anterior e frontal da vitima.

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Estranhos tremores de vez em quando atingiam as vitimas pare-ciam ser marionetes comandadas por linhas invisíveis. Todavia alguns entre os parasitados se destacavam dos demais. Alguns deles possuíam além destas características ditas anteriormente, seus olhos possuíam uma coloração medonhamente avermelha-da, sendo acompanhado por pupilas dilatadas o que dava um ar a eles de fanáticos extremistas. Além das pupilas delatadas, es-tranhas imagens surgiam nelas descrevendo desenhos desco-nhecidos que não dava para saber o que eram. A estes que se dava o nome de ceifadores, pois era os olhos e mãos da entidade estelar. Sua tarefa consistia em preparar a grande colheita. Já mais atrás cercando as crianças, ficavam outros com característi-cas parecidas, mas diferentes, por possuir os parasitas no peito e também tinham uma função diferente, serviam de proteção para as crianças. Entre as crianças observamos estarem lá as duas meninas gêmeas, o elo entre Hadarim e o nosso mundo. Levando em consideração toda a proteção que tinham aquele não era o local apropriado para podermos pega-las, tínhamos de esperar mais um pouco.

Observando aquela estranha procissão dava para ver sons de pessoas pedindo ajuda e socorro vindo da direção dos que es-tavam amarrados a troncos de arvores espessas que as carre-gando pareciam um Jesus em seu calvario. Em sua constituição era de jovens, pessoas de idades das mais variadas e mulheres. Uma entre elas se debatia horrivelmente em desespero até rom-per suas amarras e correr em direção as crianças. Ela conseguiu driblar os seus protetores, chegando perto de uma delas começa a gritar e abraçá-la, chorando pedindo que fugisse com ela, toda-via o que viu não deve tê-la agradado. A criança lhe dirigiu um olhar que fez a mulher afastar-se rapidamente, de seus olhos uma negritude medonha dominava-lhe todo o globo ocular, suas pupilas estavam dilatadas dando uma aparência a criança mons-truosa, um detalhe chamava atenção, as crianças não possuíam parasitas em nenhuma parte de seu corpo, entretanto a criatura

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parecia exercer o seu poder mais soberanamente sobre elas do que nos adultos. Talvez por isso a mãe se afastasse, percebeu que a criança estava irremediavelmente perdida; foi nesta hora que o horror só havia iniciado. Pois os olhos da criança explodi-ram, dando lugar a dois gigantescos cipós que foram rapidamen-te em sua direção, que se enrolando em sua cabeça e garganta, a sufocaram em questão de segundos, deixando por fim seu corpo cair ao chão sem vida. Isso só fez aumentar a quantidade de la-mentações e pedidos de ajuda que nunca seriam atendidas. De-pois disso, continuaram sua caminhada como se nada tivesse a-contecido, mansamente em meio a soluços e lamentações, en-quanto a nós só restava segui-los sorrateiramente pedindo aos céus para que ninguém nos visse.

VIII

A noite avançava em suas horas. Os animais corriam para longe pressentindo, talvez, o mal que se aproximava representa-da por aquela comitiva hedionda. Os passos de cada um produzi-am sons ritmados em contato com o chão, parecia a cadência de uma melodia medonha que reunia em uma composição só, uma mistura de letras fúnebres esquecidas e ruídos indecifráveis. O andar vacilante dos peregrinos sombrios, parecia o de fantoches de tão mecânico que era. Ao longe notamos uma trilha feita por inúmeros anos de caminhada por entre a mata, ela seguia mata a dentro. Este caminho provavelmente levava para aquilo o que os anciões chamaram de festa da colheita, eu naquele momento não ousei perguntar e nem precisava, porque diante do visto an-teriormente já dava para termos uma idéia do que seria. Seguimos por algum tempo a procissão nefasta; sempre tomando cuidado para não sermos vistos. Matias e eu buscáva-mos sempre, nos ocultar por entre a vegetação para evitar de chamar a atenção para nossa presença. Ficamos ali, observando todo aquele macabro caminhar. A multidão neste momento, ca-

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minhava para uma pequena clareira aberta precariamente na floresta. As pessoas, chegando perto deste local, são postas per-to de um buraco que expelia uma densa fumaça de cor esmeral-da, eram postas amarradas em grandes postes de madeira que se encontravam em forma de meia lua diante do buraco circular. Do outro lado ficaram na mesma posição os ceifadores. Uma ar-vore gigantesca me chamou à atenção, ela ficava ao lado do bu-raco, entre as pessoas e os ceifadores. Ela tinha uma aparência medonha de galhos retorcido e tronco descomunal, tendo em seu dorso, escamas de uma cor púrpura e folhas cor de âmbar. No centro de seu tronco, dava para se notar sair de seu interior, um liquido pegajoso que emprestava a sua aparência um aspecto terrível. Além disso, ela se destacava das demais por sua solidão e proximidade com a enorme cratera o que só contribuía para por medo em quem chegasse perto deste vegetal. Na parte infe-rior, de suas raízes, dava para se notar que estas eram longas e de tamanho descomunal que se dirigia até a borda do buraco e perdiam-se na escuridão do mesmo. As fileiras de galhos que davam suporte a folhagem eram coberta por espinhos, gigantescos por sinal que tinham alguma função desconhecida em sua composição. Os espinhos nos ga-lhos eram finos e por seu tamanho pareciam estacas de empalar. Estes se estendiam não só a seus galhos mas cobriam todo o corpo da arvore indo até suas raízes. As folhas que a revestia, também não tinham uma aparência normal, porque destoa das demais arvore por sua cor que era vermelha arroxeada. Essa a-parência parecia emprestar-lhe um tom expressionista a toda a sua composição, pois era uma mistura bastante diferente e luná-tica, fruto de uma mente totalmente esquizofrênica por sua composição. Ela nos remetia a um nível de loucura totalmente impossível de alcançar parecendo mais como o fruto de um pin-tor, que sendo escravo da cocaína e crack produziu uma das ce-nas de quadro mais hediondas que já se viu. A imagem da arvore parecia uma tela borrada pelo pincel, devido sua estrutura já es-

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tar definida, antes mesmo de qualquer preparação previa. Não havia como explicar o que era aquela quimera do mundo vegetal, ela simplesmente era uma incógnita, indefinível. Matias me tirou de meu transe, tocando-me no ombro e apontava com o dedo indicador para o que estava acontecendo a minha frente. Neste intervalo, em que estava absorto na obser-vação do estranho vegetal, as pessoas agora, presas nas estacas, formavam uma meia lua e as crianças, estavam agora, próximas a grande arvore. Elas passaram um grande tempo parado, obser-vando as pessoas amarradas. Seus olhos estavam no mesmo es-tado, com as pupilas delatadas, tomadas por uma escuridão me-donha que denotava perigo iminente. Todo o local onde esta-vam, começava a ser envolvido por uma bruma cor esmeralda que espalhava-se toda vez que o vento passava. A sua origem era da cratera , porque havia muita fumaça daquele tipo saindo por ela. Todavia um som vindo da direção da arvore perto da borda da cratera, prendeu nossas atenções. Neste momento, de seu in-terior escuro, uma forma luminosa parecido com fogo fátuo, vi-nha pendurada por linhas invisíveis. Eles balançavam ao sabor do vento. Ruídos dissonantes saiam de seu interior. Eram vozes gra-ves, primitivas e seres completamente hediondos surgiam do bu-raco, no centro da arvore, parecia estar a arvore parindo tais coi-sas de seu ventre. Seus corpos eram completamente desprovi-dos de estética conhecida. Apesar de existir algo que lembre a forma humana, esta era apenas aparente, porque suas formas era composta de uma estrutura vegetal de plantas com madeira e casca que formava cabeça, membros e algo parecido com per-nas ou calda. Tinham membros que lembravam, por estar de la-do, nossos braços, só que sua forma se assemelhava mais a tromba de um elefante do que com qualquer coisa parecida. Não era de estranhar de visto tudo o que vimos um terror atravessar nossas espinhas, fazendo congelar nossas almas. Ob-servando aquelas coisas ficava difícil pensar que tudo aquilo não era um pesadelo. Todavia os mosquitos, as batidas desacelera-

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das de nosso coração, o suor parecia dizer o contrário. Ficamos ali, olhando as criaturas, vendo seus ramos se distenderem pro-curando imitar os mesmos movimentos humanos. Procuravam reproduzir os movimentos com os pés e coxas do andar humano, contudo o conjunto poderia lembrar qualquer coisa, menos um ser humano. O rosto daquelas coisas parecia saído de um pesa-delo, daqueles provocado pelos consumidores de ópio. Onde deveria existir olhos, via-se surgir tentáculos enormes que bati-am até seu dorso. Na parte do que seria braços, localizado como já vimos, no que seria o tronco das criaturas, membros parecido com trombas de elefante despencavam, balançando espasmodi-camente de um lado para outro. A boca destas criaturas parecia a de um inseto, uma aranha, por exemplo, era extremamente anormal, devido seu tamanho, tomava a maior parte do rosto e fazia um som ao estalar uma extremidade com a outra. Entretanto, fomos despertados deste pesadelo por um es-tranho ruído produzido pelos ceifadores que gesticulavam frene-ticamente para as criaturas, a qual estas respondiam com estali-dos, emitidos por aquelas mandíbulas. No momento seguinte, os ceifadores passam por trás daqueles seres abissais, que agora es-tavam em fila, e passaram a movimentar-se lateralmente até fi-car em uma posição entre as crianças e os ceifadores. O movi-mento seguinte, executado pelas criaturas, consistiu em levantar os membros parecidos com trombas, e emitir aquele som carac-terístico que faziam. Em seguida, ouviram-se estalidos vindos da arvore na beira da cratera e cipós surgiam de suas folhagens e prenderam as pessoas, tanto pelos pés como pescoços. Houve da parte destas, gritos e pedido de auxilio parecia adivinharem o que estava por vir. Alheios a isto as crianças e os ceifadores per-maneciam em silêncio, sendo quebrado apenas, por estalidos dos cipós que quebravam pescoços das pessoas e as suspendiam como corda de forca, pressionando seus pescoços, fazendo-as se contorcerem em espasmos mortais. A arvore escarlate que as suspendia começou, então, a tremer e todos os galhos começa-

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ram a mexer-se, as folhas começaram a cair rapidamente dei-xando-a totalmente nua, expondo de forma mais nítida os seus espinhos que estavam espalhados por todo o seu troco. Os ga-lhos maiores começaram a se mover lentamente a principio, indo em direção as pessoas suspensas pelos cipós. Estas começaram a dirigir-se até elas levadas por seus cipós que punham a cabeça das vitimas em exposição. Em seguida por meio de um movimen-to rápido os galhos penetram sem obstáculos seus crânios, feito lanças, dando um fim a todo o ritual.

Por um instante eterno, pelo menos para mim e Matias, tu-do permaneceu em silêncio letárgico, insuportável, que nos fez pensar em desistir de tudo e ir embora dali. Entretanto, passado algum tempo, sons vindos da direção da arvore que lembrava vagamente um aspirador de pó, chamou a nossa atenção para o trágico destino daqueles que não se submetiam a criatura, a for-ça dos seus corpos era sugada pela criatura até virarem uma car-caça seca e quebradiça. Os galhos cravados em seus crânios ti-nham a função de sugar das vitimas sua força vital, era este a sentença para aqueles que não seguiam ou se opunham a Hada-rim e servia para nós como aviso, para redobrarmos nosso cui-dado se tivesse um mínimo de apego a nossas vidas. Os corpos a nossa frente, então, retorcidos, começava um processo de dete-rioração passando a ficar seco e quebradiço parecido a uma fo-lha seca. Isso acontecia diante de nossos olhos, e a horrível cena dava lugar a constatação terrível de que tudo sucumbiria ao ver-de, ao mundo vegetal. Não obstante, tanto eu como Matias já tinha visto o sufici-ente para decidirmos agir o mais rápido possível. Portanto, seria necessário encontrar o momento mais propicio para levarmos as crianças o mais rápido possível dali para os anciões, para que e-les conseguissem acabar com aquele pesadelo. A única dúvida que pairava em minha cabeça naquela hora era “o que os dois velhos fariam com elas?” Provavelmente, não seria nada agradá-

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vel, e eu não quero nem pensar o que vai acontecer com elas nas mãos daqueles dois. Mas não havia tempo para deliberar sobre o assunto, pois tínhamos de procurá-las, e esperar uma oportuni-dade para executar nosso plano. Ficamos várias horas observan-do as garotas e as outras crianças estáticas observando a vida das vitimas se esvair. Após o termino do ritual, as crianças come-çaram a aproximar-se da velha arvore, escoltadas pelos ceifado-res. Elas ficaram de frente e começaram a formar um circulo pe-rante a disforme vegetal. Parecia a arvore, nessa hora, um enor-me gárgula de boca aberta como se quisesse engolir a noite. A seguir após o circulo formado, começaram a emitir um estranho cântico, que parecia mais uma mistura de gritos do que musica, pararam, depois estáticas, com as bocas abertas que depois de alguns minutos começaram a expelir de suas entranhas cipós. Es-tes seguiam de suas bocas até orifícios, próximos a seus galhos que chegando lá se conectavam por pequenos orifícios, encai-xando perfeitamente nelas. Depois disso, começaram a mexer-se freneticamente como se fosse os movimentos de uma bomba. Todas as crianças ficaram perfiladas naquela cena trágica e me-donha. Não havia palavras para descrever o indescritível “as crianças também podem ser tragadas pelo mal”. Suas almas não eram resguardadas pela inocência. Antes são mais sujeitas a obsessão maléfica do que o mais pervertido ancião. A ino-cência, por não saber, sujeita-se a podridão, mergulhada na la-ma da eterna condição humana a que a faz tender no pendulo da balança mais para o mal do que qualquer tendência inerente a ela. Tudo isso mostra-se como uma triste constatação; os ve-lhos parescem ter razão “ o tempo pertence a uma condição es-sencial na transformação da coisas, pois tudo o que é, passado o tempo já não é mais, passou é uma lembrança desatualizada e caduca. Portanto, basta estarmos parados e aguardar que suas garras nos estrangule em seu movimento perpetuo ou busque-mos inutilmente atrasar sua marcha inevitável em busca de re-

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tardar o máximo possível, caso sejamos prudentes, o pendulo do tempo. Enquanto mergulhava em reflexões, Matias procurava por alguma coisa perto de um velho casebre abandonado,depois de algum tempo, finalmente retorna e agarrando meu braço me faz despertar de meu sono, de minhas reflexões. - vamos, temos que segui-las, elas estão indo embora. -para onde – pergunto -naquela direção....estão entrando na mata novamente – diz Ma-tias. Seguimos por entre as arvores e arbustos, procurando, sempre nos manter ocultos. Eles caminhavam em fila pela flo-resta, passando por trilhas abertas a pouco tempo. Depois de certo tempo dava para se divisar ao longe uma casa, antiga, pa-recia ser a sede um engenho, tomada, agora, pela densa mata. A casa era de cor cinza, e estava certada por uma densa vegetação. As portas encontravam-se fechadas, assim como janelas. Após a fileira de indivíduos que protegiam as crianças, aparecerem per-to do sobrado, as portas como mágica abrem-se acolhendo as crianças que desaparecendo dentro dela, se fecha, logo em se-guida. Os ceifadores, todavia, ficaram do lado de fora, prote-gendo-as, provavelmente. Eles mergulharam, após isso, em uma espécie de sono profundo. Seus rostos ficaram pálidos e esbran-quiçados, e passaram a erguer a cabeça em direção ao céu, pro-curando, talvez, captar com a luz solar quando esta surgir. Tal era a simbiose entre a carne e planta, que podíamos chamá-los de “homens planta”. Mas aquilo não podia nos deter, as gêmeas eram o nosso único objetivo, e nada nos impediria de pelo me-nos acabar com toda aquela loucura. Passamos escondidos, algum tempo, esperando aparecer uma boa oportunidade, e ela chegou através de uma janela loca-lizada por Matias atrás da casa. Segundo o próprio, a janela pa-recia estar oculta e intransponível pela vegetação, as criaturas não precisavam guardá-la, devido achar difícil alguém localizar sua entrada. Ele sabia disso pois a mesma servia na antiguidade

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de pousada do povo de sua vila para descanso. Prosseguimos, então, até atrás da casa e encontrando a janela, conseguimos a-brir uma pequena brecha nela que muito mal dava para passar eu e Matias. A janela dava para uma sala de jantar imensa. Tudo estava conforme havíamos previsto, até agora não encontramos nenhum problema, o que não significava que eles não aparesces-sem. Para evitar contratempo Matias havia arranjado uma ar-ma, bastante estranha para o momento. Ele havia tomado em-prestado, a moto serra de uma madeireira, perto de onde estava acontecendo o ritual macabro, foi por isso que tive a sensação de que ele havia desaparecido em certo momento do local. Disse que diante do que estávamos enfrentando toda ajuda seria de bom grado. Estranha resposta foi a que tive quando o perguntei sobre devolver, depois de tudo terminado, o instrumento a qual me respondeu que Hadarim não deixou vivo aquele que amea-çassem tudo o que era vegetal, e como os madeireiros era uma dessas ameaças, não estão mais vivos. Depois me deu uma arma, era uma escopeta e disse em seguida para não perguntar onde tinha arranjado. Disse, finalmente, que tudo isso visava sair de lá com segurança. Andamos com cuidado redobrado pela casa, in-vestigando todos os locais possíveis em que poderíamos encon-trar as crianças. Chegamos, finalmente a uma grande sala escura, pois ainda era de madrugada, onde encontramos todas as crian-ças. Elas estavam do mesmo jeito que os ceifadores, suas faces, também, ficavam voltadas para o céu a procura de captar os primeiros raios solares. De seus pequeninos corpos cipós, pare-cidos com enormes raízes penetravam até a terra. Estas raízes fi-cavam cravadas em suas omoplatas e abaixo das costelas. As gêmeas pareciam ser as que recebiam atenção especial em ter-mos das raízes. No que nos interessava, tínhamos de pegar as gêmeas, loira de olhos azuis e sair dali o mais rápido possível. E foi sem perder um segundo sequer, que Matias com um facão que trazia na cin-tura, desferiu um golpe nas raízes que prendiam as meninas loi-

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ras e amordaçando-as derramou água sobre elas, eu soube de-pois, que isso as deixaria paralisada, porque à noite o metabo-lismo das plantas fica mais lento, segundo disseram os anciões. E parecia que o que os velhos tinham razão, pois mesmo desco-nectadas das raízes, as gêmeas não saíram de seu estado catatô-nico. Isso foi melhor para nós que permitiu que saíssemos por onde entramos e nos distanciasse o mais rápido possível daquele lugar em direção ao sobrado. Percorremos a floresta com as gê-meas sobre os ombros com a atenção redobrada, não confiáva-mos em nada que tivesse sua origem de um vegetal. Todos neste momento era um espião em potencial do monstro vegetal e nos corríamos um imenso perigo estando no caminho da criatura. Quando digo nós, falo não só por nossa espécie, a classe dos mamíferos, mas falo de todas as demais. Ora todos os seres vi-vem em menor ou maior grau, precisa quase essencialmente, de alimentar-se de vegetais, frutos, sementes, de tudo que tenha sua origem nas plantas. E é através delas que Hadarim parece falar, ele seria por acaso o seu porta voz, eu não tinha como sa-ber, a única coisa certa é que analisando o comportamento, tan-to de seres humanos como de animais; e deles agirem com medo a simples presença de um vegetal que em vez de se embrenha-rem na mata se afasta dela é que tenho a nítida impressão de es-tarmos condenados à morte. Nós para não nos tornarmos pre-sas fáceis da criatura, passamos a evitar o consumo direto de ve-getais, imagine se a criatura não faz crescer em nossos estôma-gos as sementes que por lá possam estar. Por isso paramos de come-las, mas isso terá um custo que não gosto de nem imagi-nar. Atravessamos a floresta desesperados, correndo, ora cain-do, ora se levantando, enrroscados nos arbustos e nas raízes a mostra das arvores. Nos braços levávamos as gêmeas de olhos azuis para os anciões. O peso das duas já começava a se tornar fatigante para nossos corpos debilitados pelo esforço. Estranho era os pensamentos que começaram a surgir em nossa imagina-

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ção. Comecei a imaginar uma grande mesa com alimentação a-bundante, onde melão, pão, café, suco de diversas frutas estvam me esperando. Vi também, maças vermelhas brilhando através da luz que atravessava a janela de meu quarto em casa na cida-de, e podia sentir o cheiro de manteiga derretida em uma linda espiga de milho que me fez salivar e chorar em desespero pela fome que me consumia. No entanto, tinha que afastar estes pensamentos, se não quisesse fraquejar em meu intento. Alcan-çamos por fim, os limites da floresta e correndo pela margem da estrada que lhe dava limite, nos dirigimos para a cidade, sempre evitando de sermos vistos. Percorremos por alguns minutos, en-trando e saindo de becos, sempre procurando através disso, des-viar qualquer dúvida de ainda estarem nos perseguindo. Após sa-irmos novamente da cidade no limite oposto dela, encontramos por fim o ponto de onde saímos em fuga da mansão.

IX

Descemos rapidamente pelo bueiro próximo a mansão, de onde havíamos escapado anteriormente. Passamos por vários dutos que atravessam a cidade, por baixo, chegando, finalmente no duto que levava a passagem secreta que nos levaria para a mansão. Devo dizer que caminhar por aquele lugar, me fazia pensar que o inferno era algo semelhante a quilo, devido a escu-ridão, umidade e fedentina que exalava em torno de nós. Nesta altura estávamos massacrados tanto no corpo quanto na alma e não era difícil naquele esgoto achar que fomos condenados ao inferno por estar ali. Não dava para vermos nada a nossa frente, a escuridão era tamanha que nos guiávamos apenas pelo tato de nossos dedos, em contato com a parede imunda pelos anos de dejetos e umidade. Nós não havíamos nos preparado para esta parte, por isso não trouxemos nada que nos fizesse guiar pelo corredor, como uma tocha, candeeiro ou lanterna que fosse. Em determinado momento, imerso naquele ventre sujo e imundo, o

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desespero começou a crescer em nosso espírito. Ele estava a-companhado pelo silêncio, que fora o barulho de nossa respira-ção, e os ruídos feitos por nós na água do esgoto, era a única coi-sa que atestava nossa existência, nesse submundo estranho. Percorremos durante minutos a escuridão, e durante algum tempo, pareceu que não chegaríamos a seu final. Por fim, um brilho ao longe veio em nosso auxilio nos resgatar daquele útero obscuro nos fazendo apressar o passo em sua direção. A princi-pio ele surgiu tímido, como se fosse apenas um ponto solitário, longínquo, ora aparecendo, ora desaparecendo como se dissesse ”venham, venham nós aguardamos vocês”. A medida que nos aproximávamos dele, o mesmo passa a aumentar seu brilho e adquerir contornos mais substanciais. Quando faltava cerca de uns três a quatro metros, pudemos constatar ser um velho lam-pião o responsável por aquele brilho. Ele estava suspenso por uma espécie de gancho, que o mantinha ali, iluminando a entra-da que dava para o sobrado. Esta inesperada surpresa nos fez suspeitar de haver alguma coisa a espreita e ficamos parados ob-servando, procurando ali por perto qualquer sinal de perigo. To-davia, passado algum tempo, constatamos não haver nada que indicasse isso e continuamos a percorrer a entrada secreta. En-tretanto, levamos o candeeiro conosco e fechamos a entrada do corredor do esgoto com algumas pedras para que ninguém pas-sasse por lá. Iniciamos o nosso percurso nos afastando pouco a pouco daquele lugar, e caminhando mais um pouco, descobrimos, es-condida em meio as trevas, o caminho subterrâneo entre as pa-redes da velha galeria que dava para o antigo sobrado dos anci-ões. A passagem estava imersa em uma densa escuridão, mas o candeeiro nos ajudou desta vez em nossa caminhada. O lugar onde fica a galeria era de uma arquitetura estranha. Existia em seu interior uma galeria oval com arcos que serviam de suporte para toda a estrutura, capaz de suportar, o peso de toda a rua a-cima de nós. Estes arcos pareciam ser de um estilo de tipo “pór-

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tico” romano, assim como os tijolos lembravam a sua arquitetu-ra. Passarelas se estendiam lado a lado, tendo em seu meio um veio que passava todo o esgoto da cidade. Fiquei perplexo com o tamanho daquela galeria, e mais ainda, como toda aquela es-trutura foi feita sem despertar suspeitas, pois é certo que faz dé-cadas, talvez séculos que aquela galeria existia ali, servindo de passagem secreta para o sobrado. Não havia como fazer aquela estrutura sem que alguém soubesse na cidade. Entretanto, ela estava lá com toda a sua imponência, parecendo sempre ter es-tado naquele local desde sempre. Notei durante este tempo, a medida de nosso avanço, uma peculiaridade nesta parte do esgoto “oculto” dos olhares dos habitantes da cidade para a do esgoto principal. Enquanto está-vamos no esgoto principal da cidade, que recebia todos os seus dejetos, observei crescer um limo esverdeado e abundante que chegava a tomar toda à parede de ambos os lados e que, segun-do observei depois, em lugares úmidos, isso ser comum. No en-tanto, verifiquei ser inexistente nesta parte da entrada. Também notei no esgoto central da cidade, em contraste com este lugar, inexistir qualquer indicio de vida, seja ele insetos como baratas, percevejos ou outros, bem como de roedores como ratos e gabi-rus. No esgoto central, encontrávamos nas passarelas ao lado in-setos e roedores em abundancia, enquanto aqui eles simples-mente não existem. Isso tudo dá a esse lugar um aspecto inquie-tante. Não pensei sentir tanta falta destes bichos nojentos como senti naquele momento. Chagamos por fim, a porta que dá acesso ao sobrado. Está-vamos cansados, fadigados e famintos. As crianças continuavam em seu sono profundo. Seu peso havia aumentado muito desde então, a fadiga faz estas coisas. Não obstante, saber que está-vamos próximos de entregá-las aos anciões e sairmos daquela cidade já trazia alivio para nós, e nos encorajava a continuar.

Deixamos à porta de acesso indo para o interior do sobra-do. Passamos pelas mesmas salas e corredores, em um deles, vi-

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am os quadros na parede do salão, os dois homens que antes vi-ra tão atentamente como parte na constituição deles estavam lá. As impressões que tive igualmente não mudaram, eles pareciam apenas, transmitir um sentido a composição apenas de ingredi-ente para a formação do tema central. Sua participação, no en-tanto, mostrava-se evidente, porque parecia transmitir algo de místico, de misterioso, guardador de um significado oculto que dava margem a várias interpretações. O quadro mostra em um primeiro plano, único plano, várias pessoas sentadas em uma mesa conversando calmamente. São três homens e duas mulhe-res, onde dá para se notar não haver nenhum grau de superiori-dade ou inferioridade de luz, parecendo que se fazer notar, para o apreciador de pintura, talvez, mostrar a igualdade entre os se-xos, tema bastante delicado para uma época como o século XIX. O autor do quadro busca mostrar isso através da distribuição e-qüitativa de cores no quadro, dando uma leveza, geral, ao tema. Através desta distribuição, o autor, busca o equilíbrio entre cores primárias de tons verdes e azul sobre as secundárias vermelha e amarela, estando estas, acima de cores terciárias como o caso do negro e o marrom. Os demais quadros como o que acabei de mostrar, sempre abordavam temas os mais diversos, mas como no caso do quadro a “conversa” li este nome na moldura, mos-trava que apesar de ter no primeiro plano indivíduos anônimos absortos em suas “próprias opiniões”, dava para se notar, a exis-tência de um segundo plano, quase imperceptível, de duas figu-ras em uma mesa distante, duas pequenas figuras que pareciam mais dois pequenos borrões, pareciam pelo jeito que estavam localizados prestando atenção a conversa. Todavia por sua dis-tancia não pareciam interagir com ninguém no local. Parecia e-xistir uma distância a ser respeitada entre eles e os outros. Tal-vez uma distância profunda demais para estabelecer qualquer contato por mais distante que seja. Afinal a distancia era tudo que descrevia, ou validava a existência daqueles dois indivíduos no tema do quadro.

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A grande sala estava imersa nas trevas. Nela ficavam os principais quadros do sobrado, incluindo os que apareciam os dois homens misteriosos. Os temas de cada um deles passeavam por épocas. Dava-se para ver pelo estilo utilizado por cada artis-ta a qual época pertencia tal quadro. Existia um com tema reli-gioso representando uma procissão, provavelmente, da metade da idade média ou como chamavam alta idade media. Sabia dis-so devido o estilo da pintura e da falta de perspectiva contida na elaboração da figura, além da falta de profundidade que só fo-ram descobertas na renascença. Mais adiante temos outro qua-dro, com tema de um auto-retrato de um nobre do século XVI, dava-se para notar pela roupa que estava vestindo. Alguns me-tros adiante davam para se divisar outro tema, desta vez era uma ampla paisagem pintada com um rico colorido caleidoscópio formando um espetáculo de cores, um autentico seguidor do impressionismo francês, já no século XIX. Enfim em todos eles, observava-se a representação de várias épocas, lugares e roupas. Não obstante sentia-se inquietantemente a obsediosa presença marginal daqueles dois indivíduos, inseridos sorrateiramente em cada tema, parecendo estar presentes em cada época e tema tratados pelos mais diversos pintores, qual seria o motivo disso acontecer? Acredito nunca poder responder e parecia estar além de qualquer compreensão dos reais motivos de estarem lá. Continuamos caminhando pelo sobrado. Os imensos cor-redores estendiam-se a nossa frente. Eram verdadeiros labirintos de tão grandes e sinuosos que eram. A sua atmosfera não aju-dava, o ar mais pesado, devido a uma fina poeira que se levanta-va do chão a medida que caminhávamos, tornava a respiração quase impossível. Ela possuía uma cor estranha e variava con-forme se elevava no ar. Ora era de uma cor ora de outra. Em uma hora era verde, em outra roxa. Andávamos pelo corredor escuro e sombrio, com aquela poeira dispersa por todos os cô-modos. Não havia reparado, enquanto caminhávamos o quanto aquele sobrado era grande e triangular. Em algumas partes, era

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ovalado e côncavo, em outros excepcionalmente nos arcos, res-ponsáveis por sustentar toda a estrutura do casarão, exercia uma impressão clara que a estrutura podia cair a qualquer momento, entretanto ela era rigidamente fixa, parecia que o tempo não a tocou deixando-a incólume de sua ação. Esta estranha sensação vinha acompanhada pelo medo, este estranho sentimento é o responsável pela maioria dos disparates que sofremos. Ela nos faz muitas vezes esquecer os detalhes mais pertinentes de nossa vida, que podem fazer a diferença entre a vida e a morte. Matias que ficou toda a caminhada calado virou-se para mim, neste instante, e apontando para um lugar que mal dava para distinguir em meio a poeira, me fez observar, apontando para uma claridade vinda de uma espécie de hall imenso, mergu-lhado em uma perspectiva obliqua no fim do corredor. Seria lá um ótimo lugar para descansarmos, antes de prosseguir nossa busca pelos dois anciões. Avançamos alguns metros, que naquele momento, pareci-am quilômetros. A medida que nos aproximávamos do grande hall, uma neblina espessa despontava em nossa direção se avizi-nhando perto de nós. Era uma imensa nuvem de cor néon, es-quisita que espalhava-se por todos os lugares e cantos. Ficamos parados, observando sua chegada, buscando um meio de evita-la, entretanto depois de passado algum tempo começávamos a achar que seria inevitável deixar de a atravessar. A nuvem co-meçou, depois de certo tempo, a adquirir uma estranha colora-ção esmeralda, tingida por um borrão salpicado por toda a sua extensão de um número sem igual de milhares de pequenos bri-lhos parecidos com pequenos vaga-lumes que apareciam e desa-pareciam, movimentando-se velozmente dentro da nuvem, dan-do uma aparência assustadora a aquela coisa. Chegamos a con-clusão que aquilo não era natural, o casarão não estava deste jei-to quando a deixamos. Alguma coisa havia mudado ali e não foi para melhor. Decidimos, portanto, sair daquele lugar o quanto antes, o sobrado já não era tão seguro e precisávamos encontrar

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os anciões. No entanto, não havia como evitarmos passar pelo hall e penetrar na espessa bruma. O hall era o ponto central on-de todos os corredores convergiam e para chegarmos do outro lado do sobrado era necessário passar por lá, já que a passagem que dava para o relógio estava obstruída pela mesma bruma.

Mas por um golpe de sorte conseguimos chegar, antes da bruma a um corredor transversal o que nos poupou um encontro antecipado com ela. O corredor, assim como todo o resto da ca-sa, era de proporções descomunais e formava igualmente arcos, que sustentavam sua estrutura. Em suas paredes brancas, pen-diam quadros com temas pagãos, e em alguns deles evocavam temas panteístas e deidades esquecidas pelas civilizações. Cada quadro tinha uma função especifica ao que parece separar por intercessões as paredes das portas, que davam acesso a cada quarto. Percebia-se que abaixo de cada quadro existia uma esta-tua, de algo parecido com uma mistura de sapo no corpo de uma buda, que dava a estatua um traço levemente demoníaco. Era realmente assustador aquela estatua. Todavia tínhamos de con-tinuar, não podíamos, naquela hora nos dar o luxo de ter medo ou evitar avançar por qualquer motivo que seja. Além disso, tí-nhamos que procurar algum alimento, as nossas forças estavam no limite e não saberia o quanto mais seriamos capazes de a-güentar.

Andamos por alguns minutos a mais pelo corredor, e nota-mos haver uma tênue luz que parecia emanar da bruma que se avolumava por todos os cantos da casa. Uma hora ou outra o-lhávamos para trás, para o inicio do corredor e constatava a evo-lução dramática daquela estranha fumaça que nos perseguia por todos os cantos, tanto de onde víamos para onde íamos, parecia querer nos encurralar. Não havia como evita-la mais cedo ou tarde teríamos que encontra-la a qualquer momento. Em de-terminado momento a nevoa afrouxava sua intensidade dando a esperança de que cederia, mostrando através dela, alguns obje-tos com nitidez. Foi em uma destas raras ocasiões que algo as-

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sustador aconteceu. Estávamos muito cansados, e tendo parado para recuperar o fôlego, escutamos barulhos estranhos vindo a nossa frente. Parecia barulho de passos, vários deles, por todos os lados do corredor. O nevoeiro espesso não dava para saber quem ou o que era. A única idéia que poderia surgir é daqueles passos serem de pessoas, humanos, e pedindo no mais profundo de nosso ser, para não ser nenhum humano sob o poder de Ha-darim. Procuramos identificar entre os intervalos em que a ne-voa ficava mais fraca, algum indicio do que tinha provocado a-quela agitação. Mas era impossível chegar a qualquer conclusão satisfatória que fosse diante da obscuridade indizível provocada pela bruma. Naquela nevoa a visão só nos deixava distinguir al-guma coisa a uns dois a três metros e só. Os barulhos surgiram de novo, mais intensos do que antes. E estes vinham acompa-nhados agora, por sombras, que passavam sorrateiramente por nós, a poucos metros. Em certo momento, algo derrubou uma daquelas estatuas demoníacas que ao cair produziu um enorme barulho. Nós neste momento, paramos e ficamos observando, sentindo, procurando ao mesmo tempo abrir uma porta que desse acesso a um dos quartos. Matias procurava assim como eu fazer a mesma coisa, mais aparentemente não estava conse-guindo nada, elas ainda permaneciam fechadas. Enquanto Mati-as continuava tentando abrir a porta de um dos quartos, eu fi-quei parado em frente a uma das portas do quarto, segurando um dos ídolos com o intuito de utilizá-lo em minha defesa. De-pois de algum tempo, Matias havia desistido de abrir a porta e pensando alto questionou o porquê da porta de um quarto tran-cada. Os barulhos neste momento silenciaram tudo ficou quieto derrepente. E depois de uma ou dois minutos, os barulhos retor-naram, e acompanhando-o uma figura se deslocava por entre a densa bruma rapidamente que mal dava para definir o que era. Ela se deslocava pelo o corredor procurando evitar qualquer con-tato conosco. A certa altura havia tomado a mesma direção que havíamos estabelecido como rota de fuga para evitar contato

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com a bruma, e tomando isso como um bom pressagio seguimos em sua direção.

Chegando mais perto do local onde tínhamos avistado a es-tranha figura pela última vez, começamos a escutar vários baru-lhos de passos, que se aproximavam cada vez mais rápido de nós. Escutando isso, redobramos nossa vigilância, não sabíamos o que estava reservado para nós dentro daquele nevoeiro estra-nho, mas tínhamos de continuar seguindo aquele barulho, talvez existissem outras pessoas como nós, que tenham percebido ser a mansão ser o único local seguro da cidade. Os sons, persistiam e eram cada vez mais presentes. Apesar de nós as seguirmos, fazí-amos isso como muita relutância, dado que o sobrado estava muito estranho, diferente de quando o deixamos. Todavia per-seguir sons e não poder observar o perigo iminente, mostrou-se fatal para nós. A fome e o cansaço foram fatores decisivos para dificultar nosso senso do perigo, seguindo os sons deixamos de ter cuidado, pondo nossas esperanças de encontrar alguém que pudesse nos auxiliar, mas tal descuido foi fundamental para nos-sa queda pois seguindo os passos estávamos indo direto para uma armadilha. Isso se confirmou quando viramos em um dos corredores e ficamos reféns de seis indivíduos. Era três homens e duas mulheres, uma delas era jovem, todos eles saíram de den-tro do nevoeiro e nos atacaram repentinamente, estávamos de-finitivamente perdidos.

X

Todos eles de uma só vez caíram em cima de nós, chutan-do, batendo com os punhos, ora em nossas cabeças, ora em nos-sos estômagos. Fizeram isso durante algum tempo, o quanto não saberia dizer. Não havia como escapar estávamos encurralado por ambos os lados e devido a fraqueza e a fadiga, estávamos in-defesos sem forças para contra-atacar. Fomos agredidos por vá-rios minutos, e a dor vinda dos ferimentos parecia criar uma es-

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pécie de blindagem contra ela própria, o veneno, as vezes, pode ser tanto a morte como a cura, dependendo da quantidade com que se aplica. Entretanto, não saberíamos de mais nada durante certo tempo, pois mergulhamos na profundidade da inconsciên-cia. O tempo passou, mas não para nós. Parecia que havíamos o congelado quando ficamos inconscientes. Não havia porque apressar-se, estávamos imersos afundados em profundo sono, vitimas de nossos próprios erros que devido nossa imprudência nos fez cair em uma armadilha. Ocasionalmente dor nos fazia ter lampejos de consciência, mas depois de alguns segundos volta-mos a nosso estado anterior. Acordamos mais tarde, devido às dores constantes e uma dormência incomoda no corpo. Tentan-do mexer nossos membros tanto inferiores como superiores descobrimos estarmos amarrados, tanto pelos punhos como pe-los pés. Busquei observar o que aconteceu, e constatei que es-távamos não só amarrados como suspensos do chão aproxima-damente a uns quatro metros em uma sala próximo do hall. Tentei sem resultado me libertar das grossas amarras feitas por cordas que me suspendiam, mas não consegui nada. Desistindo por enquanto, tentei procurar uma explicação para aquela situa-ção, todavia só o que encontrei algumas pessoas, amarradas co-mo nós, que estavam lado a lado distribuídas pela sala. Abaixo de nós, uma fina película de bruma desfilava lentamente, e logo se elevaria em nossa direção. Se não saíssemos dali, logo seria-mos pegos por ela. Constatando este acontecimento, tentei reunir o pouco de força que possuía e procurei me libertar ou afrouxar o máximo que pudesse as cordas para ver se conseguiria escorregar as mãos por elas. Mas as primeiras tentativas não surtiram efeito. Grande parte de meu insucesso se deve a fraqueza e o cansaço. As cordas não estavam tão firmes assim que não pudesse escor-regar as minhas mãos por elas. Comecei a fazer varias tentati-vas, sempre procurando faze-las deslizar entre as cordas. Todavia

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parava por falta de forças para concluir o restante da tarefa. Fiz muitas tentativas, mas todas elas paravam tão logo o cansaço e o abatimento se instalassem. Foi a procura insistente pelo caminho que me levasse a libertar-me destes grilhões que uma voz des-pertou minha atenção para sua existência. - não adianta querer se libertar, levando em consideração seu es-tado não conseguirá! O dono da voz, até então não o havia percebido. Era um homem de idade avançada uns 56 ou 62 anos, de olhos casta-nhos, cabelos chamuscados por um branco insolente que insistia em sobrepor-se pouco a pouco sobre a vastidão negra de sua ca-beleira. Vestia-se solenemente com uma camisa de manga com-prida cor azul marinho e calça jeans surrada pelo tempo que es-tava manchada, em suas extremidades, de verde e marrom. Em sua cabeça havia um profundo machucado, um corte feito na di-agonal, que por algum tempo deve ter sangrado. Pois um enor-me risco de sangue se estendia pela lateral de seu rosto, talvez devido em algum momento do impacto, desmaiado, e a cabeça pendida para o lado. Ele me olhava procurando alguma resposta de minha parte. - não custa tentar, mas estou muito fraco para qualquer coisa agora - respondi. -você está a alguns minutos desacordado; você e seu amigo – disse isso e olhou para o lado direito, já que eu estava a sua es-querda. Até então não havia prestado atenção a presença de to-más. Ele estava na mesma situação que eu, só que desacordado ainda. Estava amarrado e pendia no ar amarrado sob uma mesa a esquerda do senhor. Eu estava na ponta no inicio de uma fila de amarrados.

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-Matias você esta acordado? Falei quase gritando. Não houve resposta como era o esperado. Ele estava des-maiado e vários hematomas apareciam em sua face, assim como cortes expostos eram vistos de seu rosto e punhos, devido as for-tes amarras que fizeram nele. -ele não vai acordar agora jovem, está em estado de choque, fi-cou muito tempo ferido – falou o senhor a minha esquerda. -você sabe o que esta acontecendo aqui? Perguntei. Em seguida uma voz feminina veio em resposta a minha pergunta. -se me permite posso lhe dizer alguma coisa sobre isso – silen-ciou em seguida. A autora da intervenção era uma adolescente de uns quin-ze a dezesseis anos. Estava vestida com uma larga camisa de manga comprida e tinha por baixo uma blusa preta que cobria sua frente. Acompanhava um vestido que lhe cobria as partes baixas e completando seu vestuário botas que iam do joelho até os pés. A garota estava na mesma situação que todos ali, quan-tos não sei dizer, mas os poucos que pude ver eram de três a quatro sendo que destes, três eram mulheres, a adolecente uma anciã e uma mulher de cerca de seus trinta e dois a trinta e cinco anos. Os outros pareciam ser um homem de idade indetermina-da, mas não conseguia divisar quem era quem, devido a nevoa. Todavia o meu estado não me impediu de escutar o que a garota tinha para contar. Quisera eu estivesse na mesma situação que Tomas para não ouvi-lá. - bem a única coisa que sabemos é que estamos amarrados para ser o jantar deles.

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-jantar deles, de quem? -dos canibais, das pessoas da cidade que enlouqueceram de fo-me, e agora se alimentam de carne humana. -mas, mas na cidade tem alimento e mesmo que se alimentas-sem de nós cairiam sobre o domínio de Hadarim, pois tudo que se alimente de vegetal pode ser instrumento da criatura. -entretanto, a fome é capaz de despertar os sentidos mais primi-tivos das pessoas – intervém o senhor que esta a meu lado. – e continua. Observe rapaz aquelas plantas a frente no salão central. Você tem de certa razão quando diz que as pessoas ao se alimentarem de carne humana cairia sobre o domínio da criatura, entretanto, não é só isso o que as fazem agir assim. Estive observando aque-las plantas e constatei que elas são a origem da nevoa que se a-proxima. Do interior das rosas sai esta bruma que começou a se espalhar pela mansão. Quando descobrimos a invasão da cidade por Hadarim passamos a procurar um canto seguro e constata-mos que as criaturas evitavam o casarão. Observando isso vie-mos para cá, mas após algum tempo elas cercaram o sobrado e não sei de que forma começaram a surgir estas plantas aqui den-tro. A princípio só nos demos conta do que estava acontecendo quando era tarde demais. A neblina exalada pelas plantas come-çou a percorrer toda a casa e as pessoas que eram pegas por elas começaram a agir anormalmente Alguns dos que estavam co-nosco começaram a atacar-se e matar-se mutuamente. Só esca-pava quem evitava contato com a bruma, mas enquanto evitava ela era caçado pelos outros, chegou certo tempo que fomos en-curralados e agora estamos aqui, esperando virar alimentação deles. Finalizou o senhor. -então são as plantas responsáveis pelo comportamento estra-nho, cristo o que podemos fazer? -acho que nada – disse a jovem. - mas porque nós ainda não nos transformamos em cainbais?

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- talvez porque para isso tivéssemos que ficar expostos durante um longo tempo a ela o que não aconteceu até agora. Se não ca-irmos nas mãos dos antropófagos, logo, logo nos transformare-mos em um deles. Vejam a bruma se aproxima rapidamente.

Dizendo isso olhamos na direção indicada pelo senhor e vimos a ameaça ganhar cada vez mais terreno. Ela esgueirava-se, tomando cada centímetro da casa, ganhando terreno, aproxi-mando-se sorrateiramente em nossa direção. Não havíamos o que fazer para garantir que não se aproximasse. Estávamos a-marrados e exaustos, famintos e com sede. A fraqueza dos membros já era um prisão suficientemente poderosa para nos manter ali parados só observando e constatando nosso fim. En-tretanto uma visão mais amedrontadora e terrível surgia, logo após a bruma. Uma nuvem púrpura negra, sinalizada em seu in-terior por pequenos pontos parecidos com vaga-lumes, devido ora aparecer e desaparecer seguia, com igual obstinação o seu avanço. A bruma fina expelida pelas rosas pareciam damas de honra da grande noiva que era aquela personificação abissal que seguia-se logo após ela.

Diante daquela visão pensei que nossos pecados não eram suficiente para nos levar a viagens tão longas em um universo tão caótico e cheio de alucinações como os que existe neste so-brado. Pensei, fomos e ainda somos criaturas inconseqüentes. Achamos que, apesar de sermos tão evoluídos podíamos conhe-cer todas as coisas, porque tudo estava a nossa mercê. Não le-vamos em conta os enormes danos causados por nós. Nos a-chávamos senhores de nosso destino. Parecia não haver limite para nós, para nossa imaginação. Podíamos agarrar tudo, e a tu-do transformar, sem nos darmos conta que tudo no universo o-bedece a uma ordem pré-estabelecida. Transformar as coisas i-limitadamente sem medir as conseqüências, utilizando a própria natureza sem respeitar seus limites. Os nossos antepassados, talvez fossem desculpados por sua ignorância, mas nós não o somos e portanto somo mais culpados do que eles. Percebemos

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ao longo da historia que podíamos utilizar a natureza, podíamos através da razão modifica-la e utilizar o conhecimento, a razão, para altera-la e utilizar seus recursos a nosso favor. Fazíamos isso com muita naturalidade, pois parecia ser o certo a ser feito. En-tretanto, com o avanço de nosso conhecimento, parece que es-quecíamos a medida que descobríamos novos meios de trans-formar a natureza que nós também fazíamos parte desta mesma natureza. Nos primórdios, não era nós que nos encolhíamos no ventre materno das cavernas em seu útero úmido e obscuro, buscando proteção e abrigo tanto das chuvas como dos fenôme-nos naturais que tanto nos fascinavam e ao mesmo tempo temí-amos. Também não nos fornecia tanto sombra, as arvores por exemplo que hoje destruímos tanto, e em meio a vegetação na-tiva que nos fornecia tanto sombra como proteção e material pa-ra fazermos armas para abater animais maiores que nós.

Parecia que apesar de fazermos parte da natureza, não nos sentíamos como integrante dela, achávamos que ela como tudo mais, existia apenas, para servir como mero instrumento a nosso propósito que na maioria das vezes não era os seus. Não levá-vamos até então, em conta os sinais que a natureza nos enviava. Estávamos cegos creio que ainda estamos, ou a maioria continu-ará nesta cegueira gritante sem haver nenhuma saída aparente para ela. Os poucos que vislumbram sermos um corpo só neste sistema natural, ainda são poucos e aqueles que têm consciência dos estragos feitos por nós a ela calam-se diante de argumentos falsos e suplicas de necessidades teológicas, acima do clamor e sinais de perigo dados pelos fenômenos naturais, principalmen-te, os clamores dados pelo reino vegetal.

As queimadas, nas lavouras de cana de açúcar assim como outras que utilizam este mesmo método, extermina o serrado e destrói aquilo que pode um dia vir a nos salvar. Fazem isso em busca de um verniz econômico que a médio ou longo prazo mos-trará ser muito caro. Esse interesse econômico nos levou a poluir rios destruir matas, tornar o ar irrespirável, calcinando a terra a-

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través das queimadas. Tudo isso, por um mero e absurdo desejo maníaco e fútil, o bem estar de um ser desprezível e sem impor-tância que convencionamos de chamar de homem.

Agora estamos aqui recebendo todas as conseqüências de nossos atos. Estamos em um mundo asfixiante e quente e é jus-to recebermos nossa parte nisso, afinal, somos nós os seus auto-res. Nossas ações foi o que nos trouxe até este momento e não há como voltar? Estamos em uma marcha para o fim que esta nos levando na direção da beira do abismo, e ele vêm em forma de fenômenos que não seguem nenhuma regra estabelecida por nós. Os fenômenos não são controláveis, nós não os controla-mos algo os controla, mas não nós, suas regras são próprias e to-talmente desconhecidas, não há como prever seu próximo mo-vimento. Nosso conhecimento tecnológico, nossa técnica, nestes milênios de experiência ainda mostram-se insuficiente para ex-plicar os fenômenos naturais, sabemos como alguns se formam, mas o porquê esta além de nossos recursos. A natureza segue regras próprias inexplicáveis para a lógica humana. O que dizer então de uma mistura desta natureza que para nós até este momento parecia conhecida e previsível se mostrar agora, des-conhecida e inexplicável diante de suas ações, destrutivas alian-do-se neste momento a uma inteligência interestelar que tam-bém é desconhecida e ilógica para nós? Parece não haver saída, pois para podermos compreender o que realmente são os fenô-menos naturais deveríamos antes, compreender a nós mesmos como parte integrante deste mecanismo, deste mesmo embrião chamado natureza. O que não é o caso aqui estamos a mercê, a deriva, vitimas de nossas próprias atitude.

Neste momento somos como peças desconexas em um

grande quebra cabeça que não sabemos por onde começar a montar. Neste momento, estou aqui com os outros, sem forma de agir ou fazer qualquer coisa em minha defesa, de Tomas ou dos

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outros. Esperando ela...a morte chegar. Sua aparência não tem nada igual como o foi imaginado pela historia. Não vejo nenhu-ma semelhança com um esqueleto ou sexualidade. Nada que foi imaginada pelo homem se iguala a isso, nem a mente mais louca conceberia a morte como um amontoado de gases e brilhos co-brindo-lhe o corpo. Sua aproximação é lenta e nada parece im-pedir seu percurso. Abaixo na sala, escuto gritos e sons terríveis que vinham de gargantas antropófagas. Parece que encontraram alguma coisa que tinha mais fome do que eles. O fog vem lentamente, não precisa de pressa, pois o tempo é seu aliado, seu cúmplice e nada vai detê-lo. Aqueles infectados pelo perfume das flores continuam a sua fuga da bruma assassi-na. Tinham descoberto que ser predador ou presa era apenas uma questão de lado e de poder ser. O desespero começou a se apoderar de mim e juntando as últimas forças que restava comecei a balançar de um lado para outro e fazer força entre as amarras a fim de soltar os meus bra-ços. As cordas, devido serem grossas, não estavam fixas o sufici-ente para impedir que alguém com um braço não muito robusto conseguisse escapar. Depois de muito tentar finalmente conse-gui libertar uma das mãos enquanto a outra segurava-se forte-mente para não deixar o corpo ficar pendurado pelos pés. En-quanto fazia isso comecei a ver várias mãos agarrando um por um os prisioneiros que estavam comigo. O primeiro foi o senhor de cabelos grisalhos que foi baixado rápidamente, em seguida acompanhado de gritos foi a jovem de cabelos negros, depois Tomas e assim todos aos poucos eram descidos, realmente nos-so destino estava selado. Eu fiquei sozinho observando, espe-rando o ser o próximo a ser baixado, entretanto, isso não acon-tecia o que fazer então, o que fazer? Só havia uma alternativa deveria descer assim que o mo-mento propicio se apresentasse e esse momento aparesceu quando a enorme massa néon, a nevoa de muitos olhos brilhan-tes chegou ao local onde estávamos. A principio uma nuvem es-

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pessa, semelhante a um nevoeiro ou uma fumaça pesada provo-cada por um incêndio, tomar todo o lugar onde estávamos. Já não vejo Tomas ou qualquer um dos outros que estavam presos comigo. Olhava para o chão buscando um ponto onde pudesse descer com segurança, mas era difícil, devido a espessa fumaça. Tive que esperar uma brecha naquele nevoeiro que me permitis-se descer com segurança até o chão. Entretanto, ainda estava longe do chão e quando saltei de onde estava, cai com enorme estrondo sobre uma mesa, pois ela era enorme e absorveu todo impacto de minha queda. Mais creio não ser o suficiente para evitar a contusão em meu ombro e pés. Porque cai deitado so-bre sua superfície quebrando-a na seqüência. Quando estava me recuperando do choque da queda, fui surpreendido por varias mãos e braços me agarrando, prenden-do-me, levando para longe dali. Por mais força que procurasse fazer para me libertar eram muitas mãos e em sua força conjunta cedi a terrível união de forças. Uma pancada em minha cabeça desacordou-me durante algum tempo e após um doloroso des-pertar percebi o terrível destino que me aguardava. A minha frente uma cena canibal e profana desvelava-se. Era uma cole-ção de imagens sangrentas e terríveis acompanhadas de ruídos de dentes dilacerando carne e ossos. Eram os cidadão ou ex- ci-dadãos que demonstravam até que ponto podemos pagar por nossa omissão. Era um festim demoníaco, bestas irracionais gui-adas apenas por instintos primitivos. Tendo como único objetivo saciar as necessidades mais básicas do corpo, a fome.

XI

Eram antropófagos no estado mais puro do termo. Diante da mesa, partes de corpos jazem a mostra, espalhados. Alguns inteiros, outros em pedaços. Mãos e pés eram dilacerados por dentes, desacostumados a este serviço, mas que a necessidade o fez se adequar a tal serviço. Corpos desmembrados mostram

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sua anatomia desarticulada, que mostram no fundo não ser dife-rente do gado que levamos para o sacrifício para sanar nossa fome descomunal. Não consigo ver nesta imagem nada de hu-mano e com isso compara-las a maquinas ceifadoras e mastiga-doras, porque o homem não é uma maquina, mas um animal como qualquer um outro. Porque constatando isso, concluímos estarmos mais próximos dos aspectos mais primitivos da nature-za do que ao alcance da lógica das máquinas. Nós somos sim, a-nimais e toda vez que negamos está constatação apenas a afir-mamos como parte de nossa natureza. A minha frente está toda a representação desta evolução atroz. Homens bem vestidos mastigam ossos, vísceras e intesti-nos de uma mulher. Suas bocas se contraem como a mandíbula de um tubarão, em uma mistura de fome e prazer horrenda. Pa-rece que sua humanidade perdeu a importância; ela se foi, fi-nalmente assim como sua identidade. Uma mulher gorda e páli-da que esta ao lado de um homem de aspecto primitivo, talvez exposto ao efeito da bruma expelida pelas rosas gigantes, repre-sentava a encarnação da própria fome. Em suas mãos bocados de cérebro misturados com penugens de cabelos nos levava a ter uma impressão, observando seu rosto, de um conflito de sen-timentos por um lado lagrimas desciam de seu rosto como arté-rias expostas de um coração, por outro, sua expressão denotava medo e aflição; o motivo de tal aflição estava longe de minhas conjectura. Entretanto, as minhas estavam bem presentes e ti-nham sua forma em dentes afiados acompanhado por um desejo de matar irracional, como uma fera a espreitar a presa, prestes a atacar a qualquer hora. E a presa sou eu. O banquete repentinamente parou. A nevoa fina cobria todos os locais, projetando dentro de seu útero sombras obscu-ras que lançavam figuras monstruosas que se aproximaram len-tamente de mim. Procurei me levantar, mas as pernas estavam doloridas por causa da queda e a única coisa capaz de fazer, con-sistia em rastejar para longe dali. Percorri alguns metros, mas

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era insuficiente para afastar o perigo. Lentamente manchas di-fusas pela nevoa caminhavam em minha direção. Olhos rubros emitiam uma energia escarlate de suas órbitas como pontos bri-lhantes, iguais a felinos cobertos de trevas, sob a luz do luar. E eles dirigiam seu olhar para onde eu estava. Eram feras prontas a me despedaçar sem nenhum remorso ou razão, apenas instin-to. São agora, todos eles, bestas enfurecidas prestes a dilacerar e matar sua presa. A multidão de sombras, reunidas aproximavam-se, e eu só podia me arrastar vagarosamente, buscando refugio em algum lugar, mas naquela sala ampla coberta pela nevoa opaca, não conseguiria distinguir nenhum local que fosse seguro. Pois as re-ferências, todas elas, consistiam apenas em sobras perdidas que serviam mais como miragens do que ponto de referência, sua perspectiva dava impressão de aproximidade e não obstante en-ganava. O silêncio que até então persistia solenemente esmae-ceu foi substituída pouco a pouco por ruínas e vozes primitivas que chegavam cada vez mais perto. Eu já podia sentir os seus hálitos viciosos aproximando-se cada vez mais, acompanhado pelo ruído de pés que caminhavam solenemente em minha dire-ção. Já não havia nada mais a ser feito, as minhas forças esvae-ciam assim como minha esperança. Restava-me fechar os olhos e entregar-me aos dentes da turba. Na escuridão do meu eu, mergulho e aguardo o último momento do ataque. Sinto a presença dos chacais; eles estão famintos, sedentos pelo sangue, rugidos primevos ecoam pela sala e talvez por toda a casa. Entretanto o alimento é insuficien-te para todos e alguém terá de ficar sem o seu pedaço. Enten-dendo isso, em um intervalo de tempo que não consigo determi-nar, uma luta selvagem tem inicio entre os habitantes da cidade, agora canibais modernos, que dá outros parâmetros para a pala-vra carnificina. Pelo barulho que escuto por entre a nevoa pude identificar haver uma luta entre eles, semelhante como acontece

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aos tubarões quando tem pouca comida para todos. Aqueles que ficam feridos na contenda são dilacerados pelos demais, vira presa, enquanto outros continuam a briga pelo alimento. Diante de tudo isso fechei os olhos. Eu não queria ter a lembrança dos horrores que antecipavam meu fim. Finalmente, em meio a confusão de sons mãos me agarra-ram e me arrastaram para trás, para longe dali. Pensei que tinha chegado o meu fim. Algum dos antropófagos havia se esgueira-do por trás da confusão e chegou até mim. Tentei gritar, mas já não tinha força suficiente para isso. A força utilizada para me ti-rar do lugar, também sufocou meu grito. Acredito que ele não seria ouvido mesmo que eu o desse diante de tanta confusão de gritos, urros, grunhidos emitidos pelos canibais. Tentei me deba-ter em uma ultima tentativa de me soltar. Mas mãos negras pu-seram fim a me intento. Em seguida uma voz conhecida me trouxe de volta a realidade, era Tomas que me segurava com grande força para não me debater. - calma, calma sou eu Tomas. Vamos sair daqui enquanto eles tão se matando por lá. - Tomas é você. Pensei que estivesse morto. – disse surpreso. - mas não estou, precisamos encontrar uma saída daqui de qual-quer jeito. Novamente afirmou. -não estou vendo nenhuma saída nesta sala. O nevoeiro cobre todos os lugares e as saídas estão difíceis de serem achadas. Tu-do aqui parece tão borrado.- disse finalmente. Ficamos parados por um momento olhando a bruma, bus-cando distinguir entre as sombras projetadas pelo pouco de luz que entrava pela sala, alguma maneira de fugir daquele lugar, daquela jaula. Já que foi isso que me levou a pensar ser nossas ações o principal motivo de chegarmos onde chegamos, a este estado primitivo que tanto lutamos para nega-lo terminamos por afirma-lo. Creio que nunca o esquecemos ou o apagamos, ape-

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nas, o deixamos preso em uma caixa obscura, em um lugar apa-rentemente isolado da nossa psique. Seria parecido com nossa inconsciência, devido esta, ser uma caixa que funcionária como um receptáculo de todos os acontecimentos, ações e pensamen-tos mais funestos e terríveis os quais para nós livrarmos deles poríamos nesta caixa e a jogaríamos em algum lugar obscuro e profundo, que seria esquecido em nossa mente. Seria semelhan-te ao que era feito por piratas em suas incursões pelo oceano quando para não mostrar pistas sobre o local onde estava seu tesouro eliminava todos aqueles que participavam de seu ocul-tamento jogando-os ao mar com pesos presos aos pés. Do mesmo jeito seria como nossos segredos mais ocultos, trancan-do-os achavam que estariam bem seguros e voltariam só quando convocados por nós. Todavia não calculamos todas as variáveis que constituem nossa mente, porque ela estão além de nosso domínio e assim como uma corrente marinha pode por a mostra a caixa ou abri-la, da mesma forma não podemos sufocar ou o-cultar aquilo que tanto lutamos por esconder. Somos tão sujei-tos a natureza como qualquer um outro e nossos segredos são tão capazes de retornar como os mortos voltam a terra trazidas pela corrente do mar. Minhas divagações são interrompidas pelo puxão abrupto de Tomas que me arrastava meu corpo para longe dali, procu-rando com isso, uma saída entre a muralha opaca. O motivo pa-ra isso logo se apresentou, a confusão da luta havia cessado e os habitantes da cidade, agora transformados em antropófagos ca-minham em nossa direção, os vencedores rasgam o véu esfuma-çado, e a medida que avançam, suas sombras se projetam peri-gosamente em nossa direção. Não conseguíamos nos distanciar dos nossos perseguidores, pois Tomas perdia tempo me arras-tando pela casa. Seria uma questão de tempo até eles nos al-cançar. Em certo momento peço, imploro para ele me deixar, mais parecia não me ouvir, porque continuava na mesma em-preitada me levando como uma carga morta. Ora ou outra ergo

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a cabeça para ver a que distância as criaturas estão de nós, e quando constato que falta pouco para nos alcançar, um arrepio medonho sobe por minha espinha e suores frios percorrem meu rosto com a estranha visão do que outrora foi aqueles seres. As roupas esfarrapadas trazem em determinado momento a nítida lembrança de um dia seus donos já foram pessoas, humanos i-guais a nós, o que agora ficaria difícil identificar quaisquer traços de humanidade neles. Esta metamorfose de seres civilizados em monstros canibais não atingiu só a vestimenta. Suas cabeças também sofreram modificações. Elas agora têm uma aparência mais alongada e quadrada, uma estranha simbiose entre o circu-lar e o triangular. As suas mandíbulas parece ser um longo qua-drado e saltam-lhe da boca parecida com dentes de tubarão. Es-tes estão dispostos por toda a boca como fileiras de soldados, só que organizados desordenadamente em tamanhos. Uns são pe-quenos outros grandes, entre estes, estão os médios e há aque-les mais alongados, em fim, não existe uma ordem pré-estabelecida que os dê um nexo na face. Observando outras par-tes do corpo chegamos a seus braços e troncos e verificamos, i-gualmente, destes terem sofrido alterações. Apesar de guarda-rem restos de aparência humana, verifica-se logo de longe uma estranha deformidade entre os membros superiores e os inferio-res. Os braços parecem mais finos enquanto as mãos mostram ser mais alongadas e curvilíneas. O tronco possui uma enverga-dura mais robusta e sinistramente envergada para frente, dei-xando, ao ficar neste estado, aparecer às vértebras e ossos da coluna que lhes emprestam uma aparência horrenda e grotesca. À medida que o tempo se estendia maior ficavam as de-formidades dos canibais. Em suas cabeças começavam a formar-se em alguns cantos da parte frontal bolhas e ulcerações que sin-ceramente eu não sabia o que eram. As pernas era outra particu-laridade não dava para definir se era uma perna humana ou de um animal quadrúpede de tão arqueada e horrenda que eram. Os membros inferiores davam a eles uma estranha mobilidade

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que remetia a um estranho sentimento de aversão a sua presen-ça. Surpreendentemente, quando já sentíamos a presença de-les perto de nós, foi que escutamos gritos vindos de sua direção. A nevoa, agora, convertida em uma fina película, mostrava que o horror era capaz de sobrepor-se a qualquer devaneio da imagi-nação. Do interior da nevoa surgia uma bruma, a mesma que eu tinha visto se aproximar desta sala anteriormente. Ela vinha chegando vagarosamente, e era acompanhada por suas infinitas bocas luminosas que pareciam gigantescos vaga-lumes, agora. Sua aproximação era acompanhada por um murmúrio em coro, que parecia várias pessoas gritando ao mesmo tempo. Das pe-quenas fendas surgia algo parecido com muitas bocas, famintas e sedentas por comida. Dava para saber isso através dos estalidos que faziam em contato com os canibais que agora são sua princi-pal refeição. As luzes que eram emitidas em seu interior pareci-am sair de uma fogueira infernal e incendiavam-se em contato com os corpos. Glândulas gordurosas de carne humana derreti-am como uma bisteca em um churrasco. O cheiro era de quei-mado, mas trazia o odor adocicado de morte de algum animal na casa. O horror daquelas imagens, dos canibais sendo tragados pela bruma carnívora era assustador, e talvez tenha causado a-quelas pobres criaturas um sentimento que não estavam prepa-rados para sentir naquele momento, o medo. Pois uma paralisa-ção geral tomou todos os antropófagos do lugar e poucos foram os que buscaram escapulir ao domínio de tal sentimento, procu-rando fugir a presença do ser brumoso. Mesmo assim, procu-rando fugir para longe daquela entidade, já era tarde demais, porque suas longas formas etéreas tomaram todos os espaços do lugar, deixando pouco ou quase nenhum lugar sem que exista uma parte sua naquele local. Os derradeiros habitantes foram presos no interior de sua carapaça esfumaçante, e após os en-volver dilacerou e derreteu seus corpos como o maçarico faz com um pote plástico, transformando sua carne, ossos e múscu-

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los em formas gelatinosas e liquidas que pouco se assemelhava a um ser humano. Alguns deles ao contrário, em vez de fugirem partiram de encontro a nuvem emitindo gritos selvagens como se tivessem chance de fazer algum mal a aquela coisa. Os últimos vestígios que marcaram sua existência foram os gritos por eles emitidos ao entrar em contato com o ser etéreo. A bruma negra, depois de engoli-los começou a entrar em convulção e passou a expan-dir-se espalhando sua forma brumosa por todos os lugares que entrando em contato com qualquer objeto o derretia imediata-mente, parecia seu toque ser ácido ou algo parecido. Ela era um perigo bem maior para mim e Tomas do que os canibais porque não havia como combater tal coisa. A atividade da bruma ácida fez esmaecer o nevoeiro que encobria o ambiente e já dava para distinguir alguma coisa em meio aos moveis. Meu amigo Tomas percebendo o momento propicio não demourou em nos levar para uma enorme porta próxima a uma coluna, com um arco bastante trabalhado em madeira nobre; mas não sei para onde ele estava nos levando, só sei que era pa-ra longe daquela bruma assassina e já era bem melhor isso do que qualquer outra coisa. Ele claramente procurava chegar a sa-la central do sobrado e a porta dava justamente para ela. A e-norme sala central parecia ser um lugar de descanso e conversa de convidados parecido com aquelas salas só vistas em filmes an-tigos. Busquei me levantar o mais rápido possível depois que veri-fiquei poder me levantar, com um pouco de incomodo, mais era melhor do que ser um estorvo para meu amigo. Enquanto pro-curava me recompor, Tomas buscava a melhor direção por onde pudéssemos escapar sem sermos vistos. Não queríamos, depois daquela experiência assustadora, ficar a mercê de qualquer peri-go que venha a surgir novamente de qualquer uma das salas. Apoiado na parede procurava acompanhar Tomas sempre que possível, mas não conseguia chegar perto. Ele parecia estar bem

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melhor do que eu, e apesar dos seus ferimentos movia-se rapi-damente e com agilidade. Penso que ainda existem pessoas que dizem ser as pessoas de pele negra inferiores as de pele branca, como se cor definisse quem é mais capaz do que outro só porque tem tal cor ou tal raça, pura besteira. Por fim Tomas me chamou apontando para uma porta. O mameluco estava sorrindo como uma criança que acabara de descobrir um brinquedo novo. -Olhe nossa sorte finalmente chegou. As crianças estão neste quarto. Parecem estar ainda desacordadas deitadas em uma e-norme cama. Tentei acompanhar seu otimismo, mas não tinha muita for-ça nem para esboçar um pequeno sorriso, mesmo que fosse for-çado. As crianças não estavam naquele momento em minha lista de interesse. Estava faminto, machucado e fraco e minhas forças estão nas últimas, e achar as crianças me levava a pensar que te-ria que ajudar a carregá-las. -vamos, homem animo. Peque uma das crianças e vamos sair daqui, logo. -eu não tenho forças, estou fraco e machucado não vou conse-guir leva-las. -não você vai ter que conseguir, nós dois vamos entregar as me-ninas aos anciões ouviu nós dois. -não você não precisa de mim, vá à frente, eu estou sendo um estorvo para você Tomas. Sozinho conseguirá chegar mais rápi-do do que comigo. Vá agora, vá e se depois que as deixar com os anciões decidir vir me buscar eu estarei por perto ...... acho que não vou muito longe. -mas, mas .....esta bem, assim que eu encontrar os anciões e dei-xar as crianças com eles volto para pegar você, esta bem?

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Eu balanço a cabeça afirmativamente como se concordasse com ele, mas no fundo sabia que não voltaria, no meu estado provavelmente antes que retornasse eu já teria virado pela fome ou pelos ferimentos um cadáver grotesco e inchado, estirado ao chão. Todavia para que continuasse era necessário que concor-dasse com ele para aliviar sua consciência do peso de um inváli-do como eu. Dizendo isso, partiu com as crianças desacordadas sobre os ombros e entrou pela porta a dentro, desaparecendo por ela. Quanto a mim diante da fraqueza e dos machucados, estou a ponto de desmaiar. E devido a isso, encostando-se a uma porta, a qual se abre imediatamente, caio pesadamente no que parecia ser uma pequena dispensa. O choque com o chão quase me fez desmaiar, mas após alguns minutos consegui, finalmente, me re-cobrar. Levantando-me busco saber onde estou o que era difícil saber, todavia um facho fino de luz que cruzou a escuridão do quarto iluminava o lugar. Aquilo só poderia ser um milagre, será que Tomas estava certo, a sorte começava a virar a nosso favor. Seguindo a pequena linha de luz observava que ela clareava uma pequena parte de uma estante cheia de latas, era comida final-mente. Só poderia ser milagre, todavia não era. Os alimentos es-tavam lá e era só pega-los, o que de fato foi o que fiz. Pequei o que vi pela frente sem pensar se era vegetal, animal, ou seja, lá o que fosse naquele momento eu era um canibal, só queria satisfa-zer minhas necessidades básicas. Alimentei-me fartamente pe-gando várias latas sem me preocupar com o que era. Por fim, depois de começar com o festim particular, terminei desfalecen-do, caindo em um sono profundo e sem sonhos. Acordei muito mau, o corpo dolorido e fadigado. A dispen-sa estava em completa escuridão o que dificultava bastante en-contrar a porta de saída dali. O rastro de luz que dava uma certa visibilidade ao lugar havia desaparecido, provavelmente anoite-cerá. Isso limitou muito as possibilidades de utilizar meus senti-dos para encontrar a saída daquele local. Fiquei só com o tato

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para me orientar a saída. Não obstante ele se mostrou mais útil do que imaginei, porque do meu lado direito uma pequena, qua-se imperceptível brisa cariciava placidamente minha face, dando uma noção agradável de bem estar. Isso foi um indicio de existir uma entrada por ali por onde ela penetrasse. Aproximei o rosto do lugar de origem da tímida brisa e constatei encostando minha mão perto do local aproximado de sua fonte notando que proce-dia sua presença de uma pequena fresta entre as estantes. Co-loquei as mãos na fenda buscando alarga-la, entretanto, não tive êxito na empreitada. Conclui que não era possível através da força, abrir caminho para a liberdade, então mudei minha abor-dagem sobre o problema e passei, em vez de buscar de forçar ambos os lados me concentrei em apenas um deles. Todavia por mais força que fizesse estava muito fraco para conseguir alguma coisa através da utilização dela. Furioso começou a esmurrar e empurrar furiosamente a parede, com tanta força que a mesma surpreendemente cedeu expondo uma pequena porta antiga. Ela era baixa e fina, contudo, poderia passar uma pessoa aga-chada por ela. Esta porta estava escondida atrás de uma falsa parede e esta ficava por sua vez atrás das estantes da dispensa. Provavelmente esta passagem servia para levar com mais agili-dade os alimentos para os outros cômodos da casa. Não espe-rando mais caminhei por ela, engatilhando como uma criança. A luz era inexistente e por isso fui obrigado a me guiar pelo tato. Um corredor era a única coisa que sabia constituir-se a passa-gem. Passei algum tempo engatilhando imerso nas trevas. Em dado momento uma pequena e quase imperceptível luz surgia a minha frente. Isso durou até um pequeno globo oval despertar minha visão adormecida, devido a escuridão, para sua presença, era a pequena e tímida fagulha de luz que agora se mostrava como um globo solar. O globo ficava no fim do corredor agora estava bem nítido isso. Parecia estar esperando alguém, mas naquele momento não saberia dize-lo.

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Mas não iria esperar até o apagar das luzes para descobrir. Aproveitei a claridade para me orientar a direção. O interessante era que à medida que me aproximava o globo de luz se afastava. E toda quando parava a mesma coisa acontecia com ela. O es-tranho comportamento daquele corpo esférico parecia querer imitar-me, entretanto, continuava a se afastar quando me apro-ximava dele. Procurei apenas seguir em frente aproveitando sua claridade. Sua luz expunha o longo corredor estreito a minha frente e uma janela, pequena, parecia revelar-se no final do cor-redor. O seu diâmetro deveria ser de uns 30 a 40 centímetros de altura e possuía uns 50 centímetros de largura. Estava protegida por uma espécie de vidro que era segura por uma moldura de madeira que dava uma visão para alguma parte da casa oculta. Descobri após chegar lá, se tratar aquele corredor não de uma passagem de alimento, mas de uma câmara de espionagem. Se-ja lá quem fez esta casa gostava de estar a par dos acontecimen-tos existentes em cada cômodo dela. Ela também servia para outro propósito, existiam pequenas aberturas próximas da janela que serviam de escoadouro para a água. Esta água passava por esta galeria e provavelmente ligava-se a outras existentes em ou-tros lugares do velho casarão. Chegamos perto da pequena abertura e após algum tempo transcorrido constatei a ausência da pequena esfera. Ela havia desaparecido. o motivo deste acontecimento não sei dizer, mas o interesse por sair dali era mais urgente do que procurar os porquês daquilo acontecer. Procurei me posicionar em um pon-to da pequena janela de modo a procurar uma saída dali através dela, é claro. Quando já estava verificando um pequeno encaixe que poderia viabilizar minha saída dali, pensei escutar vozes co-nhecidas do perto de mim. E observando por entre o vidro vi os dois anciões e Tomas na sala. Os velhos estavam no mesmo can-to em que os deixamos. Pareciam estarem ligados a aquela par-te do quarto, devido nunca sair de seus estreitos limites. Há uma coisa que deste ponto eu não havia observado no comportamen-

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to deles nas ocasiões anteriores. Existe um circulo que a princi-pio não tinha notado feito no chão exatamente onde eles estão agora. Este círculo parece delimitar parte do lugar onde os anci-ões ficam. Ele parece representar uma barreira invisível que os velhos não ousavam atravessar. Era por isso que eu estranhava a falta de mobilidade deles em um quarto tão amplo. Mas porque disso, qual o motivo deles simplesmente não ultrapassarem a-quele circulo ridículo? Provavelmente, tenho certeza, se os per-guntasse desdenhariam de mim como fazem com todos os que fazem perguntas tolas a eles. Todavia esta pergunta mais tarde se revelaria bastante pertinente. Os limites do circulo definiam dois locais específicos do quarto, o dentro onde ficavam os anci-ões e aqueles que estavam fora, ou seja, quase toda a humani-dade e lugares do casarão. No lado de dentro, na parte dos an-ciões, existia uma estante e uma mesa de carvalho de pequeno porte, tendo em sua superfície alguns poucos livros e utensílio como um bule, alguns livros embolorados, bicos de penas, potes de nanquins e várias folhas de papel. Os anciões pareciam esta em péssimo estado agora que os vi desde a última vez, parece que envelheceram a medida que a mansão começou a ser inva-dida. Ambos estavam parados e silenciosos. Tinham um olhar perdido no horizonte observando alguma estranha figura imate-rial. Repentinamente um barulho lhes tirou de seu estado medi-tativo. Era uma porta se abrindo, a passagem que dava para o mundo exterior havia sido ultrapassada por seus inimigos. Toda-via ambos, os velhos pareceram não se surpreender com o acon-tecimento. Invadindo o quarto, que durante tanto tempo serviu de refugio e proteção para os anciões, criaturas horrendas pu-nham seus pés vegetais em seu solo maculando as últimas molé-culas de resistência à loucura que se instaurou naquele pequeno mundo. E saindo por trás das criaturas surge Tomas carregando as duas crianças loiras de olhos azuis, as sacerdotisas de Hada-rim, era ele o judas, o traidor dos anciões?.

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- bem vejo que vocês conseguiram, mas onde esta o outro rapaz? Aquele alto e magro que estava com você, na última vez que os vimos. – falou o ancião sentado. O negro de pele de ébano, parou por um instante, e colo-cando as crianças no chão respirou fundo e disse. -deve estar morto neste momento. Fomos atacados pelos habi-tantes da cidade. Haviam se transformado em canibais e conse-guimos escapar com muita luta, mas ele não agüentou, ficou muito ferido e deve ter sucumbido. Tive de deixá-lo no caminho. -sim imaginamos que sim, entretanto o principal objetivo de suas vidas foi feito às crianças estão com vocês, não estão? - sim, estão. – e pondo-as no chão as mostra para os velhos.

O negro as leva as meninas perto do circulo onde os anci-ões as aguardam. Os velhos ficam imóveis observando-as a dis-tância. Parecem estar hipnotizados com a presença das duas cri-anças. O velho sentado na cadeira de rodas, faz um gesto com a mão para o outro que esta de pé, atrás dele, para que o leve per-to da borda do circulo com o objetivo, explica ele de ver as sa-cerdotisas melhor. Faz isso durante alguns minutos e não parece se importar com a presença dos monstros no quarto. Por fim diz:

-estas crianças não estão mortas estão Tomas? -claro que não, podem ver – e empurra uma delas que es-

boça uma reação imediata de ira contra a hostilidade sofrida. Dizendo isso o negro caminha para a lateral do quarto bus-

cando o flanco esquerdo da parede onde fica um canto obscure-

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cido do ambiente. Enquanto fazia isso os velhos estavam juntos observando as crianças envoltas em um silencioso discurso entre eles. Sua atenção é despertada desta imobilidade, por um gran-de barulho vindo do corredor que dá acesso ao quarto. Sobras negras entram no quarto passando por entre as entidades vege-tais que estão reunidas perto do grande circulo. Estas se posi-cionaram a frente de todos próximas ao circulo e dos anciões. Enquanto isso acontecia, as crianças, as meninas de olhos azuis, começaram a andar de um lado para outro do circulo olhando os velhos atentamente. Seus olhos azuis irradiavam uma luz ofus-cante, azulada, semelhante a aquele brilho fúnebre observada nos gatos a noite. Os anciões parecem estar surpresos com a nova atitude das crianças, mas mantiveram-se calados. Eles con-tinuavam silenciosos analisando o porquê, talvez daquela mu-dança de atitude, mas apesar disso continuavam parados. - os últimos dias de suas existências chegaram finalmente ao fim. – disse as meninas. -e como vocês farão isso crianças? Não sei se perceberam, mas, este circulo – disse apontando para o chão e continuou.- nos protege tanto de seu deus como de vocês, neófitos, crias de Ha-darim. Disseram os velhos. -será ancião? Até quando vocês vão se esconder atrás deste cir-culo protetor já que as ultima barreira que nos impediam de en-trar nesta mansão caíram. Termina por falar a garotinha de o-lhos azuis que estava mais próxima do circulo. -nós somos dois pobres velhos e não temos força física para ir de encontro a vocês, e só não perecemos ainda graças a proteção deste circulo que impede vocês de fazerem algum mal a nós. -se vocês acham realmente isso prova que estão realmente fi-cando senis. Fala a criança à beira do circulo. Dizendo isso à garota faz um pequeno asseno da cabeça dando e olha para a parte escura da sala, onde estava oculto o

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tempo todo Tomas dá o sinal para este. Após verificar o sinal da-do pela criança, o negro quilombola, pula sobre uma estante que se projetava sobre uma parte do circulo, e empurrando-a, a faz cair sobre uma parte que se mostrava falha, porque permitia al-go externo passar para o interno e assim quebrar o circulo mági-co. A estante depois de caída, faz uma ponte que dá acesso para o interior do circulo, deixando os velhos imóveis diante do acon-tecimento. Rapidamente percebendo o acontecido, os dói anci-ões constatam o impossível sua proteção havia fraquejado. Não obstante, os anciões já imaginavam que isso poderia, talvez, a-contecer algum dia. Só existia uma forma de quebrar a proteção do circulo assim como desativar as defesas da casa. Isso só acon-teceria mediante algum dos cidadãos da cidade portador do co-nhecimento necessário para fazer isso. Todavia para poder fazer tal coisa era necessário um conhecimento refinado, quase her-mético, que muitíssimos poucos possuíam e Tomas com certeza não estava incluso neste seleto grupo. Mas, então, como ele o adiquiriu? A resposta era obvia, foram os anciões que o ensinou, pelo menos “quase tudo” de maneira verbal é verdade, mas en-sinaram. A pergunta a ser feita nessa hora é a seguinte: como foi que Tomas conseguiu elaborar todo o encanto já que o lhe foi ensinado apenas metade dele? Ora através dos anciões não foi, porque não confiavam em ninguém, muito menos neles mes-mos. E ainda tem que para saber mais do que sabia ele deveria procurar em determinados livros que só tinham naquela parte protegida do quarto. Mas como aquele quilombola sabia sobre a maneira de acabar com o circulo como. – deviam estar se per-guntando agora os dois velhos. A resposta viria rapidamente da própria boca de Tomas.

- não pensei que dois senhores tão espertos se surpreendesse tanto com a astúcia de um pobre negro como eu. Devem estar se perguntando como consegui destruir o circulo sem que perce-

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bessem? Creio que isso exige uma pequena explicação aos se-nhores. Disse isso, olhando para todos em seu pequeno momento de triunfo, o Judas de ébano, demonstrando certo grau de supe-rioridade devido sua sagacidade, passa a se regalar com o seu momento, breve, de gloria e vilania, perante a desgraça dos po-bres velhos, vitimas de sua pérfida traição. Então depois de cer-to tempo começou a explicar. - eu vivo e nasci na periferia da cidade, mais precisamente na al-deia quilombola, lar de meus ancestrais. Meus antepassados descendiam de escravos, servidores das antigas famílias que fun-daram esta cidade. Sempre vivemos sobre o julgo severo das vontades dos senhores da fazenda. Nós os servimos durante dé-cadas até que a época da fortuna acabou e quase todos perde-ram tudo, ou voltou-se para outras formas de cultivo. Nossa si-tuação mudou com o tempo, pelo menos no que diz respeito à escravidão. Todavia existem muitos meios de ser escravo hoje em dia; uma delas consiste em não receber por seu trabalho um pagamento digno, nós ainda hoje estamos sujeitos a essa situa-ção. Aos poucos com o passar do tempo o preconceito e o traba-lho precisava de mão de obra mais capacitada e como não está-vamos preparados para os novos tempos fomos ficando a mar-gem da sociedade e começamos um processo de exclusão grada-tiva. Depois de algum tempo ficamos inteiramente a margem da sociedade. Só o que nos restou foi nosso pouco conhecimento de agricultura e as terras que ninguém queria perto de grandes pedras a quilômetros da cidade e fazenda. Passamos então a procurar viver da melhor forma que podíamos, e a conviver com o pouco que tínhamos. Levávamos a vida assim, isolados do mundo, mas unidos entre nós, membros quilombolas formada por descendentes de escravos. Esta situação durou até a queda do cometa a partir de então tudo começou a mudar. Fomos os

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primeiros a servir a Hadarim a qual nos prometeu tratamento digno e respeito por nossos serviços em seguida a cidade caiu e tudo que se mostrasse um obstáculo a ele. Entretanto uma bar-reira se mostrava resistente e quase intransponível. O velho ca-sarão mantinha-se incólume a sua investida. Devido a isso Hada-rim elegeu como sua prioridade a completa e total destruição do antigo sobrado e seus moradores. Mas como se constatou com o tempo isso não seria nada fácil. As defesas da mansão antiga se mostraram misteriosamente mais poderosas do que o ser es-telar havia prevido. Fui chamado pelo mestre das estrelas com intuito de buscar alguma brecha nas defesas do casarão, e procu-rar saber quem era assim tão poderoso que conseguia resistir a ele com tanta tenacidade. Durante algum tempo tentei entrar na mansão sem resultado, mas depois de muito tentar encontrar uma abertura, finalmente me deparei com uma passagem secre-ta escondida entre antigas trepadeiras e consegui entrar na man-são. Entrando lá encontrei os senhores e passei a servi-los fiel-mente, sempre buscando satisfazer os seus mínimos caprichos, objetivando ganhar sua confiança. A medida que progredia nes-te intento, notei existir um certo interesse da parte dos senho-res por um determinado livro, e foi com muita satisfação que descobri pela própria boca de vocês, como quebrar as proteções da casa e destruir o circulo mágico, porque era só destruir este último para as defesas da casa caírem conjuntamente. O orgulho de vocês não levou em consideração, quando estavam envoltos com os segredos do livro, possuidor da chave para eliminar o cir-culo protetor, que eu secretamente os observava por atrás da estante apreendendo, aguardando, anotando todas as dicas que vocês davam um ao outro, quando achavam que ninguém mais estava lá. Assim passava o tempo pensando e consultando o vo-lume deixado sobre a mesa aberto a distância, porque o circulo não permitia a entrada de ninguém. Foi depois de muito tempo de estudo, que consegui finalmente encontrar a chave para a destruição do circulo. A proteção mística só podia ser desfeita

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por um dos cidadãos de fora da cidade e como eu certamente não sou da cidade, seria o mais indicado para destruí-lo. Devo confessar que deve existir alguma coisa que gosta de brincar co-nosco, porque caiu a mim, um servo do ser estelar, do deus das matas e florestas, a entidade vegetal inteligente, destruir a única coisa que resistia a ele. Todavia nesta descoberta uma idéia me assolou rapidamente, pois qual o motivo deste encanto de pro-teção mística para dois velhos, porque vocês necessitavam de se proteger dos habitantes da cidade? Durante todo o dialogo os anciões permaneceram calados. Seus rostos estavam rígidos e serenos. Continuavam atentos ob-servando a situação. Ora olhavam para Tomas, ora para as garo-tas que agora tinham adquirido uma aparência mais clara quase fosforescente, pareciam pequenos fantasmas percorrendo o quarto. As duas agora, tinham um aspecto gelatinoso e tremulo, suas imagens pareciam com hologramas projetos sobre a super-fície de uma piscina. Eram aparições, imagens aparentadas a a-quelas que só os drogados vitimas de ALSD tem em seus pesade-los na vigília. As figuras que suas presenças incitavam levavam a imaginação alhures, monstros e aberrações rasgavam véus capi-lares da cabeça, olhos cor néon explodiam em suas órbitas dan-do passagem para cavaleiros e seus corcéis, membros gelatino-sos caiam pelo chão manchado de piche. Todas estas visões e-ram insitadas pela presença daquelas crianças disformes. Diante daquela visão vi minhas ultimas parcelas de coragem ruírem e então me afastei da grade do sumidouro. Agora, definitivamen-te, não havia mais esperança constatei que tanto eu como os an-ciões fomos enganados por alguém que o tempo todo trabalhava para o inimigo. Envolto em todos estes acontecimentos fiquei esgotado e descuidado, igualmente, porque sem perceber encos-tei em um velho gradeado que dava para outra parte da casa que, estando solto, caiu pesadamente ao chão, fazendo um baru-lho medonho e chamando a atenção de todos na sala para minha presença.

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-o que foi isso, existe alguém mais aqui? – fala a garotinha fan-tasma perto do circulo, posessa. -o barulho parece vir daquela direção. – diz Tomas, apontando para baixo na direção do sumidouro onde estou. -parece que tem alguma coisa lá e acho que não são ratos, seja como for eliminem o que estiver causando este barulho – diz isso apontando para baixo na direção do sumidouro. Imediatamente sombras que estavam até então, dando proteção as duas crianças se dirigem na direção do barulho e as-sumindo formas, as mais variadas, deslizam como um emara-nhado de cipós na direção do sumidouro. As sombras descem rapidamente e arrastam-se em minha direção. Eu não poderia permanecer mais tempo ali, tinha de sair rapidamente dali. A única saída que sabia era por onde eu tinha vindo, e portanto deveria retornar por ela imediatamente. Comecei a correr as es-curas e a medida que distanciava-me mergulhava na escuridão. Barulhos de coisas se arrastando atrás de mim faziam com que me apresasse para longe daquela sala. Por fim, depois de algum tempo, arrastando-me pelo estreito corredor, cheguei ao ponto de partida. A pequena passagem que dava para a sala de manti-mentos da casa. Passando por ela, fechei a pequena porta e en-costei a estante nela apoiando-a para que conseguisse resistir a qualquer tentativa de abertura pela parte da estreita passagem que dava para a galeria do sumidouro. Restava-me aguardar o passar dos acontecimentos, cansado fiquei encostado em uma das paredes da dispensa, mergulhado na mais completa escuri-dão naquele minúsculo lugar. Entretanto o momento de descan-so durou pouco, porque um barulho de porta sendo forçada, lo-go despertou-me para o perigo iminente. Mas já era tarde de-mais. Pois sombras enormes com olhos vermelhos cor de sangue me envolveram e grudados em mim me imobilizaram, era inútil esboçar qualquer reação naquele momento.

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Enquanto isso os anciões não estavam em situação melhor, porque antes de me afastar pelo corredor da galeria que dava para o sumidouro, pude escutar, à medida que me distanciava gritos horríveis na sala e pedidos de ajuda ecoavam pelo estreito corredor. Havia muitos pedidos, varias vozes confusas, mas não dava para distinguir o que eram. Em certo momento escutei al-guém falar em “Iluminados”, mas não sabia a que se referiam. Os acontecimentos que narrarei agora não partem de mim, mas de alguém viu com os próprios olhos o que aconteceu naquele quarto. Pois como neste momento que narrarei agora, eu estava ausente, só poderei relatar os acontecido através de Tomas, en-contrado por mim perto de uma grande formação rochosa perto da morte e tendo sobrevivido à chacina no quarto, antes de sua morte, me falou dos momentos terríveis que antecederam a re-velação do verdadeiro perigo que pairava sobre todos nós.

-muito bem velhos seja lá o que for. Já estão condenados – en-quanto falava isso olhava desdenhosamente para o ancião na cadeira de rodas com uma mistura de sentimentos que variavam de desprezo e asco. E fazendo um sinal com o dedo apontando para os dois ve-lhos decreta suas mortes. As criaturas sombrias, que eram pura sombra, esgueiram-se como grandes serpentes e começam a ro-dear os corpos dos dois velhos, eles estavam indefesos. Os adormecidos eram uma espécie de serviçais de Hadarim em sua maioria constituíam-se de homens, mulheres e crianças e todos que possuíam aquela estranha forma de vegetal na cabeça parecida com um repolho. A sua semelhança quando vista de longe podia ser comparada com um capacete, uma estranha forma folhada, mistura de raízes, galhos e folhas. Recebiam o nome de adormecidos, devido estarem em um sono sem sonhos. Porem como iria descobrir mais tarde existia aqueles que servi-

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am ao mostro estelar de livre e espontânea vontade, como To-mas, este pobre judas, ou conveniência como alguns habitantes das imediações como agricultores que para permanecerem vivos aceitaram cuidar das sementes alienígena em troca de sua leal-dade, a entidade alienígena. Quanto a mim pensava que tinha chegado o meu fim, quando vi os guardas sombrios entrarem naquela pequena dispensa e me levarem para fora do casarão. Tal pensamento não se concretizou, devido a um estranho acon-tecimento que veio mudar todo o rumo daquela historia. Já fazia alguns minutos que caminhávamos pelo centro da cidade, nos distanciando do sombrio sobrado, quando repentinamente a-queles seres sombrios, retornaram rapidamente na direção do casarão. Fizeram isso me deixando para trás, sozinho no meio da rua sem ninguém me vigiando. Eu estava completamente sozi-nho, não dava para acreditar naquilo. Estava livre pelo menos naquele momento, pensei, e ficar ali parado não iria me ajudar em nada. Portanto tratei logo de sair daquela cidade, o mais rá-pido possível em busca de ajuda. Naquele momento eu tinha apenas duas opções: a primeira consistia em pegar a estrada que me levaria direto para o mais longe dali, mas que ficava em uma região serrada com vegetação seca e pouca e que seria a decisão para o momento mais acertada, e a segunda opção era caminhar para a boca do tigre, ou seja, pela floresta reduto e refugio da-quele ET miserável, cheio de espiões e perigos, onde seu poder é pleno. Não é preciso dizer qual a direção que tomei, pelo me-nos, quanto menos vegetação menor serão os perigos, e optei pelo serrado e o deserto sertanejo. Eu havia caminhado cerca de uns trinta a quarenta minu-tos, mas ainda estava muito longe de minha meta. Começava a me cansar e estava com fortes dores nas articulações e costas. Mas não podia parar, pensava nisso o tempo todo, porque esta-va, ainda, muito longe do fim do pesadelo. Continuei caminhan-do por mais uns vinte minutos. Tentava a todo custo esquecer o que havia acontecido, mas como ondas em um mar revolto as

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lembranças só voltavam com mais força. Procurei, então, cami-nhar por uma trilha escondida na mata feita de um barro aver-melhado, solto, onde a mais leve brisa causava uma grande nu-vem de poeira pesada que cobrisse todo o céu a meu redor. Esta poeira era densa e sufocante, nunca tinha visto nada igual, o ar estava pesado e difícil para se respirar. Em determinado momen-to tive um pressentimento estranho, e olhando o horizonte vi es-te tomar forma em uma imensa nuvem de poeira que se erguia por vários metros, cobrindo todo o horizonte. Ela vinha em meu sentido, contra mim, e logo, logo me tragaria como uma onde envolve um navio. A nuvem de poeira como disse, era gigantes-ca, parecia um monólito vivo, pronto para cair sobre a terra e tragar tudo a seu redor. Eu não teria nenhuma chance contra ela. Decidi, então, voltar. A principio com muita relutância, mas a tempestade e os fortes ventos que antecederam sua investida me convenceram do contrário. Conclui que deveria voltar e pro-curar abrigo, mas onde? Só a floresta é que poderia me dar esta guarida e para lá não gostaria de voltar. Uma ventania horrível e monstruosa me convenceu do contrário e corri para dentro da vegetação que tanto evitava. E seria por um tempo minha salva-ção da tempestade de areia até que ela passasse. Como já imaginava não seria fácil caminhar entre a vegeta-ção com aquela tempestade medonha. A vegetação, igualmente não ajudava tanto. O arbusto como as arvore e seus galhos ser-viam mais para retardar meu avanço do que servir de barreira e abrigo para a tempestade. Além deste empecilhos tinha o agra-vante da chegada da noite e não havia como evita-la, mas este não era o momento para pensar nisso, pois agora a tempestade havia me engolido e parecia não existir saída para seus ditames; eu estava a sua mercê e não havia nada que pudesse fazer a não ser caminhar cegamente entre as arvores tateando na escuridão em busca de algum abrigo. E em determinado momento no meio dos fortes ventos e poeira, encoberto pela noite densa e fechada, tropecei em uma raiz exposta de uma arvore que me

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fez cair pesadamente ao chão e deslizasse por um barranco que estava ao lado da arvore. O tempo que fiquei escorregando e ro-lando pelo barranco não sei dizer, só o que me lembro é de ter para ao lado de um tronco velho de pau-de-ferro a muito esque-cido ali. Passei algum tempo esperando a tempestade passar, ali, parado, perto do tronco. Os minutos passavam e só o que cons-tatava era a fúria da tempestade aumentar cada vez mais. Espe-rei algum tempo, com esperança de pelo menos os ventos dimi-nuírem um pouco sua intensidade, pare que pudesse sair dali. Todavia, um problema já se anunciava antecipadamente. Eu não sabia onde estava e nem qual caminho poderia tomar devido a isso? A única certeza é que naquele lugar não podia ficar, a flo-resta era reduto daquela coisa, do monstro vegetal do espaço distante. Lá, na floresta estava em desvantagem certamente. Portanto era necessário sair dali o quanto antes e procurar no-vamente o caminho para o sertão como já havia pensado antes. Passei algum tempo caminhado, porque a tempestade havia di-minuído um pouco, entre arvores e arbustos, tentando evitar o máximo fazer barulho ou qualquer ruído, uma tarefa difícil quando se esta pisando em galhos e folhas secas. A noite esta muito escura e sem lua, contribui para ocultar galhos e raízes, deve-se caminhar com muito cuidado durante estas noites, e é o que eu faço. Na escuridão, os raros momentos de claridade que surgem, dá para se discernir silhuetas de pedras, arvores e ar-bustos. A visão neste momento é um dos sentidos mais inúteis quando a luz é insuficiente. O tato, por outro lado, era o sentido mais usado por mim, devido permitir localizar os objetos a minha volta e ele realmente me foi de grande utilidade, pois permitiu minha locomoção, mesmo às cegas, até o ponto em que a visão poderia ser utilizada novamente. E a ocasião disso se fez quando um pequeno brilho rasgou as trevas e resgatou a visão de sua in-dolência.

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Procurei no mesmo instante, um abrigo. Tinha como obje-tivo margear pelo flancos as grandes rochas que se encontravam, posicionadas como um paredão perto de arvores velhas, mortas pelo cupins; talvez a décadas, e que por sua proteção oferecesse abrigo e um ponto de observação para poder ver a origem da-quele facho de luz. Fiquei posicionado sobre a enorme e lisa ro-cha que estava atrás da velha arvore. Daquele local dava para se ter uma visão privilegiada, panorâmica de toda parte baixa da mata, principalmente, de uma pequena clareira responsável pela existência de uma fogueira que dava origem a luz. Buscando e-xatamente uma posição mais estratégica que desse para me po-sicionar melhor, possibilitando, uma melhor visibilidade do lugar foi que um estranho gemido me despertou para o perigo iminen-te que poderia sobrevir desta tentativa. Temendo pelo pior, ter sido descoberto por alguma das criaturas de Hadarim, foi que me muni de toda precaução e de um pedaço de madeira e procurei saber a fonte daquele estranho gemido, esperando é claro, pelo pior, foi que perguntei. - quem , quem esta ai, responda? Houve um momento de silêncio, e em seguida um ruído de galhos e gravetos, misturado a folhas mexidas veio quebrar o si-lêncio vicioso da mata. Em seguida um barulho conhecido, des-pertou rapidamente minha memória de sua letargia. Os barulhos pareciam vir da direção de dois pequenos arbustos que estavam escondidos por trás de uma grande pedra perto da velha arvore e do paredão. Os ruídos eram conhecidos pareciam vir de um ser humano, bastante doente por sinal. Isso me trouxe alivio e reunindo um pouco de coragem fui procurar saber de quem ou o que se tratava. A figura parecia ser um homem, negro e longo. Seu corpo, no entanto, parecia seco e bastante machucado. Seu rosto, porem foi o que me chamou a atenção. Ele parecia ser conhecido por mim e passei certo tempo ate ter a constatação mais terrível que poderia ter. Era Matias, e estava quase morto.

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Ele estava escondido entre dois arbustos, iluminado por um fino facho de luz vindo da direção oposta. Seu estado era assustado-ramente, medonho, algo ou alguma coisa tinha-o deixado seco e acinzentado. Parecia uma velha arvore caída e morta tomada por cupins, como a que servia de esconderijo para mim. Reco-brando a lucidez o negro semi-morto procurou falar algo com muita dificuldade. - mortos os dois são monstros. Eles....eles vieram nos destruir, destruir tudo na terra, as crianças e os monstros plantas acha-vam que tinham poder para destruí-los, mas não tinham.... Ele falava vagarosamente, mas era quase inaudível, sua voz. Apesar de seu estado, ele agitava-se enormemente através de gestos, como se quesesse transmitir todos os seus sentimentos através de sinais que só serviriam, creio como apoio para as la-cunas existentes na linguagem. Apesar de fazer um esforço i-menso, não conseguia entende-lo e isso me obrigou a interferir em seu monologo. - calma homem, fale mais alto um pouco. Diga o que aconteceu para que eu possa compreender você. Estas palavras parecem que fizeram efeito, pois imediata-mente ele parou por um momento, e começou a falar mais alto e vagarosamente. - vo-você sobreviveu, pensei que as criaturas haviam liquidado com você? Fiquei naquele instante, observando o moribundo, o judas que havia traído tanto eu como os dois anciões. Poderia deixá-lo ali para morrer sozinho como a víbora que era, mas a curiosidade foi mais forte do que eu. Novamente ele fala.

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-so-sou eu, Matias? Aquele que o apresentou aos ve-lhos,..aqueles-aqueles monstros. -Matias como você ficou assim? Pensei que Hadarim lhe poupa-ria, afinal você é da mesma escoria que ele, não é? Neste momento, Matias calou-se por algum tempo, e após alguns minutos, continuou. Ele já estava no fim das forças e pelo jeito que se agitava as reunia para relatar alguma coisa impor-tante para mim. - nós, nós não sabíamos o que realmente se encontrava encarce-rado naquele sobrado sombrio. Achávamos que os terrores se resumiam, apenas ao monstro estelar, mas não era assim, não, não era assim. Ninguém sabia, nem mesmo eu, você nem a cria-tura vegetal e muito menos as crianças sacerdotes. Fui manipu-lado pelos dois lados, nós dois fomos, desde o princípio por eles. Eles brincaram conosco. Fez-nos marionetes para sua libertação, o tempo todo. - Matias tente ser mais claro; você não esta falando coisa com coisa. Pensei naquele instante que Matias estava delirando. Não estava em sua sã consciência tudo aquilo me soava sem propósi-to e nexo. Ele esta completamente insano e não é só isso. Sua pele começa a ganhar tons cada vez mais cinzas, e passa a des-camar com muito mais rapidez, parece um tronco podre de arvo-re. Seus braços são verdadeiros galhos retorcidos e seu tronco parece alquebrado e inchado como uma antiga mangueira. O seu estado é bastante degradante, seja o que tenham feito com ele foi terrível. O que levaria um sujeito a este estado? Estas perguntas ficariam para ser respondidas depois. Porque Matias

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tinha silenciado e adequerido um aspecto mais reflexivo. Isso me permitiu formular todas as questões que para mim poderiam ser respondidas diante daquela situação. -me diga Matias quem fez isso com você? Fale quem foi, ho-mem. Aquele que estava ali parecia não me escultar. Sua sanida-de, diante do acontecido parecia tê-lo abandonado. O jovem negro, agora um cadáver semi-vivo, jazia deitado respirando com muita dificuldade. Seus olhas estavam fixos no céu procurando, sabe Deus o que, só ele e o jovem moribundo sabem. Provavel-mente levará este segredo para o tumulo. Passaram-se alguns segundos, até finalmente, adquirir a força necessária para conti-nuar a falar. - os acontecimentos que se seguiram, depois de sua fuga pela ga-leria, é algo inconcebível para qualquer um até mesmo para mim que já vi tanta coisa estranha. Nós ainda no quarto, os anciões estavam derrotados, pelo menos assim parecia. Meu, senhor eu ainda não consigo conceber como teve inicio aquela carnificina, a destruição dos ceifadores, dos homens sombras, das meninas sa-cerdotes, de todos, todos foi tão rápido que não consegui produ-zir imagens que lhes descem algum fundo material de credibili-dade. A população de monstros, foi igualmente aniquilada, foi tudo um verdadeiro massacre. Eu ainda guardo em minha me-mória aquele pequeno apocalipse. As historias contadas oral-mente sobre sacrifícios e horrores sombreadas por deuses ma-lignos narradas pelos velhos escribas, com o fim de atiçar o medo e o terror em uma parte reclusa, inacessível de nossa mente não me preparou para o que viria acontecer ali. Durante séculos de estudos a que se dedicou certos ramos da psicologia humana, com o fim de explicar as indizíveis peripécias a que são submeti-dos à maioria do conhecimento obtido pela experiência, não

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chegamos a lograr êxito no todo sobre o conhecimento. Pois e-xiste diversas lacunas, precisando ser preenchida. Seria natural, portanto, entrarmos em um estado total ou parcial da mais completa insanidade diante de assuntos que ignorávamos até então. Poderíamos perder, a partir deste momento, a qual fica-mos ciente destas lacunas, todo e qualquer cuidado que a razão por ventura venha nos fornecer e passemos a mergulhar no fos-so profundo do desconhecido. É em meio a todo esse sentimen-to, diante do desconhecido, que somos jogados no horror de percorrer trilhas deveras desconhecidas, tendo como compa-nheiro o medo e a solidão de estar inteiramente abandonado no mundo. Sozinho na mais completa escuridão. O que narrarei a você parece absurdo, eu também achava isso até me deparar com os anciões e o velho sobrado. Sei que trai todos aqueles que confiavam em mim, mas paguei caro por isso, portanto saia fuja o mais rápido deste lugar meu amigo, este é meu último conselho. Matias disse isso e começou a tossir ininterruptamen-te. Estava fraco e cansado suas forças o abandonavam, não du-raria muito. Tentei acalma-lo. - te-tenha calma Matias. Eu vou buscar ajuda para você, agüente mais um pouco. Ele me interrompeu dizendo. Não...., não há mais salvação para mim. Eles absorveram todas as minhas forças. Nós não sabemos o que eles são ou preten-dem. Pelo menos com a criatura alienígena sabíamos alguma coisa, mas deles não sabemos nada. Fuja daqui homem, eles não terminaram ainda......, falta o último motivo de sua permanência aqui.... -quem é eles, qual motivo é esse Matias.....o que esta aconte-cendo aqui? Interrompi o jovem moribundo.

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Pa-para lhe contar o que esta acontecendo, precisa me prometer algo; registrará tudo o que lhe disser, entendeu, e espero ter for-ça suficiente para terminar antes de morrer. E não sei sincera-mente se quando termina-la, você vai estar em condições de es-crever algo sobre tudo isso.

XII

Os anciões estavam derrotados, nunca tiveram chance con-tra nós, pelo menos era o que pensávamos. O único obstáculo para o domínio completo de Hadarim sobre a cidade consistia em um estranho circulo dourado que circundava uma pequena sala do sobrado e em dois velhos decrépitos que não possuíam forças nem para andar direito. Eu confesso, nunca entendi por-que uma entidade alienígena tão poderosa como Hadarim não conseguia ter forças suficientes para por abaixo aquele velho ca-sarão com apenas uma parcela de seu poder. As demonstrações de seus poderes eram assombrosas, como o caso, por exemplo, quando fez cair a igreja matriz da cidade, através da vegetação que se instaurou em seus fundamentos a fez desabar. Então porque não utilizar seus poderes para fazer o mesmo com o anti-go sobrado e os velhos, seus moradores? A resposta veio bem depressa, em determinado dia Hadarim anunciou um ataque em massa ao velho casarão e convocando os terríveis elementais ve-getais intitulados, por ele, por “os espinheiros velhos”, tendo a frente os dois mais terríveis chamados por assilikata a roseira venenosa e herbus venenoso, ambos traziam uma grande quan-tidade de servos todos a serviço de Hadarim. Metade destes e-ram constituídos de plantas e a outra metade de ceifadores, to-dos estes foram reunidos com o único objetivo de destruir o an-tigo casarão e seus moradores. Todavia, chegando a frente do sobrado, com todo aquele poder de destruição, imaginei, pela cena que não haveria salva-

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ção para aquela construção. Mas, eu havia me enganado e as criaturas também. A tentativa de destruí-la foi infrutífera, a bus-ca de penetrar suas defesas se mostrou um engano, ela repelia qualquer tentativa, por mais poderosa que fosse de penetrar seus limites. A principio os primeiros ataques foram efetuados pelas entidades vegetais mais poderosas que mandaram cipós gigantes golpearem os muros do sobrado e envolve-los, desde o seu alto até o fundamento, com o objetivo de pô-lo a baixo. O que não chegou a acontecer, pois ao se aproximar dos antigos portões do sobrado os cipós gigantes murcharam incrivelmente rápido, atingindo, igualmente, os seus autores e em conseqüên-cia uma chama enorme vindo do lado da mansão foi conduzida por meio dos cipós até as entidades vegetais, entrando em com-bustão imediatamente, ali mesmo. Depois foi a vez dos ceifado-res efetuarem seus ataques, mas que nada adiantou, serviram apenas, para ter o mesmo destino que os entes vegetais. A ulti-ma bateria de ataque, por parte da medonha horda de Hadarim, era formada por criaturas que eram uma estranha mistura de espinhos e cascas de arvores. Elas lançaram uma chuva de espi-nho sobre o velho casarão. Eram cerdas venenosas, lançadas na direção do casarão, que ao menor toque mataria qualquer cria-tura viva. Contudo foi outro ataque rapidamente evitado, pois, assim que atravessou os limites entre a rua e o grande portão as cerdas, simplesmente, evaporarão como nuvem de fumaça, de-saparecendo no ar. O pútrido sobrado parecia ter uma força que o protegia de qualquer ataque, feito a ele. Observando os ataques a distância, através das crianças sa-cerdotes, Hadarim concluiu: que seja qual for à força protetora do casarão ele só afeta vegetal e não humanos como sagazmen-te o monstro constatou, e, portanto, só através de um humano é que os vegetais conseguiriam a vitória. Foi neste momento que eu entro na historia. A criatura vegetal, a partir deste momento, começou a procurar todo e qualquer humano fora seu domínio que pudesse auxiliá-lo em um audacioso plano de destruição do

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sobrado. Para isso o sujeito escolhido deveria ganhar a confian-ça dos habitantes da casa e descobrir uma maneira de anular a força e que impede os vegetais de entrar em suas fronteiras. Eu como fui o único que sobreviveu a chacina e servia de escravo e refém da criatura, juntamente com os meus pais, me encontrava muito preocupado, pois pelo que soube o monstro tinha alguma coisa planejada para nós, mas não sabia o que era. Não obstante meus pais já de idade era a única coisa que existia para mim, a-lém de mim mesmo, eram minha responsabilidade protege-los, por isso tinha de fazer alguma coisa, eu tinha de ajudá-los. Não quero nesta altura me justificar, mas imagine você fi-car perto das únicas coisas que significam alguma coisa para você e ver que pode perdê-los a qualquer momento. Não poderia deixá-los lá. O pior é que o lugar onde eles estão era inacessí-veis. Sendo chamado pelas criaturas de “o grande útero”. Este lugar era onde ficavam os reféns imersos em um liquido esme-ralda, suas energias vitais serviam de força para grandes embri-ões celulares em forma de tubérculos. Todo o conteúdo vital de seus corpos era sugado para manter estes tubérculos gigantes, e eu não poderia permitir que meus pais terminassem assim, foi por eles que decidi agir da maneira que agi. Procurei, portanto, liberta-los, antes de fazer qualquer acordo. Consegui localiza-los, finalmente, onde estavam. Mas quando já estava a caminho de por meu plano de libertação em prática, fui detido e levado di-ante das crianças sacerdotes que ficavam reunidas em torno de uma grande cratera aberta no chão, onde um fumo cinza esme-ralda erguia-se em direção aos céus. Não dava para ver o que e-xistia lá em baixo, até porque eu estava muito longe da borda. Mas uma dúvida, naquela hora, me assaltou: porque eu es-tava aqui? Qual o motivo de ser trazido diante das crianças sa-cerdotes? Minhas duvidas foram logo respondidas, por uma voz uníssona emitida pelas crianças, foi através delas que o próprio Hadarim falou e disse que havia requisitado minha presença, e o motivo para isso é a necessidade de alguém como eu, para des-

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cobrir como destruir as defesas do místico sobrado. Para fazer este trabalho me prometia restituir minha liberdade, a dos meus pais assim como a do meu povo. Para conseguir isso, bastava apenas, descobrir como anular as defesas do casarão que deti-nham o avanço dos seus exércitos. E foi por isso que me dedi-quei a tal farsa e iniqüidade. Com o tempo descobri como pode-ria anular indiretamente as defesas da mansão. A entrada por baixo dela, era o único lugar em que poderia os exércitos de Ha-darim penetrar sem ter muitos obstáculos. O seqüestro planeja-do pelos anciões das crianças serviu como deixa para podermos encontrar esta passagem e entrarmos sem muitos obstáculos. Entretanto, um outro problema se mostrava mais delicado para o sucesso do monstro estelar, ainda existia a proteção do circulo que evitava o completo extermínio dos anciões. E foi o que me deu mais trabalho, mas no fim, consegui como você viu dar um jeito neles. Todavia quando já estava para completar a parte do pacto feito com a criatura alienígena algo aconteceu errado. Provavelmente você ira me dizer que fui covarde, mas, era os velhos ou meus pais, como poderia decidir por estranhos e não por aqueles que me eram tão queridos. Era uma decisão di-fícil, entretanto isso não serviria para justificar, o que fiz. Toda-via a necessidade para provar minha lealdade, assim estava es-tabelecida. E como poderia eu imaginar que tudo aquilo poderia se voltar contra mim? Que aqueles velhos não eram tão inocen-tes ou fracos assim, pelo contrário, os dois eram mais perigosos do que Hadarim e eu, acreditamos ou imaginávamos. E isso você vai constatar quando eu relatar os acontecimentos passados por mim naquela pequena sala poucas horas atrás. Se me lembro bem até o momento de constatarmos a sua presença no bueiro do sobrado, na sala dos anciões. Ambos es-tavam caídos e aparentemente indefesos. Mas isso só era apa-rência, porque apesar de pegos de surpresa e despojados da pro-teção mística do circulo, suas expressões começaram a mudar, pouco a pouco, à medida que as crianças sacerdotes e os ceifa-

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dores se preparavam para desferir o golpe final que poria fim a suas vidas. A reação deles diante do acontecido nos surpreen-deu. O velho da cadeira de rodas estava caído ao lado do outro ancião. Ambos começaram a mudar de sentimentos lentamente de um estado de medo, para um estado de inexplicável alegria. Começando a partir deste momento, a sorrir; sorriam demonia-camente como se estivessem possuídos, e diante desta cena constrangedora, para nós, porque não esperávamos isto. As cri-anças sacerdotes exigiram que ambos se calassem, mas não foi isso o que aconteceu. Porque eles disseram, entre um sorriso ou outro. -he, he, he, he. Vocês títeres do ser estelar não sabem nada do que esta acontecendo aqui, não é. Disse desdenhosamente o an-cião na cadeira de rodas, e continuou – nem vocês e nem o seu senhor sabe e continuou a rir. As crianças sem saberem o que estava acontecendo fala-ram. - nós somos servos do senhor do verde da vida e sabemos que a única coisa que falta para seu completo sucesso é a eliminação de vocês. E é isso o que nos interessa, portanto humano cumpra a sua palavra e destrua-os agora. A criança diz isso para Matias ao mesmo tempo, que aponta para os dois anciões caídos. Eu, portanto tinha de cumprir a minha parte no acordo, mas a consciência e vergonha me oprimiam imensamente, foi com muita relutância que caminhei em direção aos dois. Apesar de te-los traído, crescia dentro de mim, com o tempo de convi-vência com os dois um sentimento que era uma mistura de pena e simpatia, o que viria a me fazer relutar em eliminar os dois. Se soubesse o perigo que repressentavam não só para Hadarim co-mo para toda a humanidade, creio que não teria pensado duas

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vezes em eliminar os dois. Entretanto, motivado por esta hesita-ção os anciões continuaram a falar. - o que os leva a pensar que nos derrotaram crianças. Diz o anci-ão que já se levantava e erguia o outro, o da cadeira de rodas o colocando em seu assento. E continuou dizendo – ora só porque acabaram com as defesas místicas da mansão e entraram aqui, nesta casa? Quem os garante que estão seguros. Disse final-mente. As crianças sacerdotes silenciam por algum momento. Tor-nam-se, misteriosamente, pensativas; mas transcorridos alguns minutos voltam a falar. -velhos tolos, vocês com seus discursos misteriosos só querem nos confundir e prolongar sua agonia. Não vêem que o seu fim esta próximo. -a palavra tem mais poder do que vocês imaginam e não é por que estamos aqui aparentemente indefesos, diante de vocês que isso signifique termos sido completamente derrotados. Assim diz o ancião, já bem sentado na cadeira de rodas. Uma das crianças observando a face confiante dos velhos e que se mostrava tranqüila, e adiantando-se a frente das outras, desdenhosamente observava os anciões, com certo desprezo. Ela estava parada a frente deles, procurando analisar se existia, em suas palavras, alguma verdade. E fazia gestos com a cabeça, per-correndo de cima a baixo , fazendo notar, procurar algo oculto por trás daquelas duas figuras que não parecia se revelar até a-gora. Depois andou uns dois passos para trás, e sentenciou. -seus ingênuos, será que não percebem, a única coisa que os protegia era este simplório circulo feito por vocês, com objetivo

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de afastar os crédulos habitantes da cidade de os destruírem. E, que igualmente as proteções místicas do casarão já não servem de nada para garantir as suas miseráveis vidas. O único mistério consistia em saber como isso funcionava contra criaturas superi-ores como nós, mas até isso perdeu o significado diante de nossa vitória iminente. -he, he, he, he, ...., ingênuos? Diz maliciosamente o ancião de cadeiras de rodas, se afastando um pouco do seu outro compa-nheiro de idade, e ao mesmo tempo em que se aproximava de Matias, chegando próximo, o suficiente para tocar o braço do negro que tinha um enorme machado que seria utilizado para e-liminar os dois anciões e continua a falar – na verdade de ingê-nuos nós não temos nada senhorita..... o desenrolar dos aconte-cimentos foi meticulosamente planejado, todas as ações até ago-ra ocorreram perfeitamente como haviamos imaginado. E eles não surgiram por mero acaso. Nós somos arquitetos ardilosos, sabe. Conseguimos manipular os eventos e ações que termina-ram neste momento preciso. - o que você quer dizer com isso velho? – interrompe a garota e continuando diz – qual o significado desse discurso para nós? Es-tão querendo ganhar tempo. Pois se for isso estão perdendo seu tempo, o destino de vocês já tem um fim determinado e nada poderá dar um fim diferente do já traçado por nós. Observa a garota sacerdote, a que esta mais adiantada dos demais. -ora, me escultem um momento, talvez aprenda algo de provei-toso, por exemplo, de como tudo isso, dos círculos de proteção, da casa que vocês não conseguiam penetrar, e, principalmente, do porque estarmos tão alegres, mesmo diante da morte iminen-te; não despertou pelo menos uma pontinha de curiosidade so-bre o motivo de nossa alegria inesperada. Creio que todos aqui poderiam esperar um pouco mais para saber a origem de nossa

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alegria, já que somos velhos e indefesos e teremos inevitavel-mente nossas vidas ceifadas por vocês. -bem, diante do silêncio de todos acredito que isso seria um “sim”. Poderia dizer para começar que todos nós que estamos aqui, só estamos devido certa seqüência de acontecimentos, muitas vezes estes acontecimentos não são lineares, mas man-têm determinada ordem, até o mais néscio de nós sabe disso. Não obstante, observando-se o grande número de eventos e sua repetição na natureza, poderíamos inferir com certo grau de precisão a sua constância referente a um principio de causa e e-feito nos baseando, apenas, na constância das ações humanas, tomadas separadamente ou em grupo. Portanto, podemos con-cluir que determinadas ações humanas assim como as observa-das na natureza tendem a repetir-se, seja no acerto ou no erro. Tendo isso em vista podemos achar uma variável comum a quando a tomada de determinados juízos em detrimento de ou-tros. Um bom exemplo disso é o nosso amigo Matias, ele um homem desesperado, pois sua família dependia de determinadas ações e juízos tomados por ele para permanecerem vivos, e foi isso creio que o levou a fazer um pacto com o senhor de vocês. Para que seus pais e seu povo fossem libertados, pelo pacto, bas-tava apenas que ele se infiltrasse no sobrado ganhasse a confi-ança de nós e descobrisse uma forma de eliminar as barreiras místicas que protegiam o sobrado. Observem, todos os aconte-cimentos se encadeiam metodicamente como uma belíssima en-grenagem de um relógio antigo. Um após o outro, causa e efei-to, claro com certas irregularidades, mas nada que venha a ame-açar o computo geral do encadeamento. Todas as ações coorde-nadas convergem para este momento especifico, para esta cir-cunstancia restrita. Novamente intervém a criança sacerdote que esta a frente de todos.

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-mas o que você quer dizer com isso tudo? Por acaso já não falou o suficiente para nós. Termina a criança irritada com o velho que parece não prestar atenção a birra da garota. - as causas – continua o ancião- as conseqüências ou como pre-ferirem, seus efeitos, nada mais são do que uma reunião de e-ventos ou ações seqüenciados, entretanto, existe as exceções que são aquilo onde as ações ou eventos fogem do comum, que não foram levados em consideração e que, portanto, não foram equacionados no computo geral das ações. É justamente estas exceções, o ponto central de todo o problema aqui exposto. Como não conseguimos prevê-los se tornam estranhos e geral-mente nos surpreendem. Nós não conseguimos reuni-los a idéia geral de conseqüência, ao liame de ações seqüenciais que nos dão certa segurança quanto a sua regularidade. Conclui o ancião de cadeira de rodas. -que conversa idiota é essa, qual o motivo de toda este discurso sobre causa e efeito e conseqüência para nós. Porque vocês in-sistem nesta historia de exceções e idéias não computadas e co-mo vocês sabem tanto sobre mim e o pacto se eu nunca falei dis-so para vocês? - ora meu pequeno e ingênuo rapaz, porque meu caro Matias, foi justamente nas exceções que nós trabalhamos. Enquanto vocês seguiam uma seqüência de ações lógicas que formaria esta ca-deia de evento, precisamente. Vocês não levavam em conside-ração as exceções, mas nós pelo contrário sempre trabalhamos com elas, ou seja, as exceções, resumidamente, era tudo o que nós deixávamos para você relatar a seus amiguinhos. Ora saber a seqüência de eventos e utiliza-lo, incluindo as informações dis-poníveis sobre cada passo, faziam com que as peças do xadrez fi-zessem exatamente o que nós precisávamos, para antecipar cada movimento seu e de seus amigos até este momento especifico.

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No tabuleiro, todas as peças seguiam determinada seqüência de eventos, e nós os manipulávamos de acordo com nossos interes-ses, isso nos dava certa vantagem sobre as exceções, nós éramos as exceções para vocês. Da mesma forma, como vocês têm in-formantes, cara garotinha, nós também temos os nossos. E sa-ber sobre o seu pacto com Hadarim nos deu um trunfo para po-dermos utilizar as exceções adequadamente conforme nossos in-teresses. -pelo o que sei velho, vocês só tinha como trunfo está proteção mística, este circulo protetor que servia para sua proteção da população e agora de nós. Agora sem eles o destino de vocês es-ta selado, e não haverá nenhuma exceção que tenha poder sufi-ciente para deter o que já esta consumada, entendeu. Grita a jo-vem sacerdote. -é neste ponto que você e seu senhor se enganam minhas meni-nas – o velho que esta de pé- este circulo mágico, por exemplo, ele é claramente o que chamamos de exceção. Isso porque não pelo seu sentido primeiro, ou seja, servir de proteção para nós dois, mas por aquilo que não esta implícito ou exposto em seu sentido último. Segundo, ou seja, o circulo na realidade não foi feito para nos proteger dos habitantes desta adorável cidade, mas pelo contrário, servia para evitar que um mal maior fosse li-bertado sobre a ela. Mal este, tão hediondo e maléfico que a-meaça não só a vida desta cidadezinha interiorana como tam-bém todo o mundo e o firmamento estelar e seu poder é tão grande que é capaz de suplantar e muito o do seu senhor. Os antigos moradores daqui, a séculos atrás descobriram esta ame-aça , e trataram de enclausura-lo antes que seu poder crecesse de tal maneira que não fosse possível faze-lo depois. Para avisar as gerações futuras registraram esta experiência e seus avisos em um livro que com o decorrer das décadas e a contribuição do tempo e esquecimento público foi paulatinamente desaparecen-

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do sua historia. Estes acontecimentos foram deixados na obscu-ridade, cobertos pela poeira do esquecimento. O que antes era um fato, passou a ser uma memória e finalmente, uma lenda. O desdém e o tempo contribuíram para o nosso pequeno momen-to – sorriu o velho, com um olhar fixo em Matias. -mas é claro, o livro da biblioteca faltando páginas? Foram vocês que as tiraram de propósito, talvez porque falava alguma coisa sobre vocês e não só sobre Hadarim. O tema principal era vocês e não o monstro alienígena. Observa surpreso Matias. -e qual o motivo deste alarde todo sobre este livro. Os fatos es-tão postos, nós vencemos e não será estes velhos idiotas que poderão por fim, aos planos do nosso senhor. Fala decida a cri-ança sacerdote de olhos azuis que esta a frente de todas as de-mais. - ora minha criança, levando em consideração a seqüência de eventos por nós coordenado, o ponto exato do plano, consistia sua dependência, em uma única peça chave que era Matias.... – o rapaz fica espantado com esta afirmativa dos anciões ele não esperava esta afirmação e continuado o ancião dizia- o rapaz fez justamente o que esperavamos ele deveria nos trair, isso era uma necessidade para que tudo o que planejamos desse certo, ou seja, o rapaz deveria, portanto, agir de acordo com o estabe-lecido pelo senhor de vocês, e de nossa parte deveríamos fazer o jovem judas ter toda a confiança e credibilidade do monstro e seu senhor a fim de não desconfiar de nada. Portanto, damos ou melhor fingimos confiar e entregamos todas as formas de como eliminar as barreiras protetoras da mansão, assim como destruir o circulo da pequena sala.

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-o que vocês estão dizendo, é que fomos manipulados o tempo todo, principalmente eu? Porque vocês mesmos não desfizeram a proteção mística? -nós não estamos compreendendo qual o motivo de terem feito tudo isso? Porque acabar com tudo o que os protegia de nós e fi-carem desprotegido, por acaso são suicidas velhos. - He, he, he, he, realmente esta historia é muito confusa e deve ser esclarecida. Na verdade em nenhum momento estávamos em perigo. Na realidade éramos prisioneiros do circulo e não protegidos por ele. A verdade é que vocês nos fizeram um gran-de favor, um favor enorme quando o destruiu. Pois precisáva-mos de um dos antigos descendentes dos principais habitantes da cidade para que pudéssemos nos libertar, porque só o poder místico do circulo como suas defesas por ele poderia ser desar-mado. Matias era um dos descendentes desta família antiga, apesar de há muito tempo seu povo, não morar na cidade, os mesmos não sabiam do voto dos cidadão de não nos libertar e muito tinham conhecimento do ocorrido na mansão. Um dos seus antepassados, assim como os principais lideres das famílias mais antigas da época haviam se reunido e contratado um ne-cromante com poder suficiente para nos aprisionar, e após feito o feitiço, o mesmo disse que só um destes que participaram do ritual teria o poder suficiente para anula-lo. -me, meu senhor, o que eu fiz; os caracteres dos livros, os símbo-los numéricos e os signos. As latitudes e longitudes das estrelas distantes. Os hieróglifos escondidos por trás dos caracteres, tudo era só passos para desfazer o que meus ancestrais levaram suas vidas para poder prendê-los como fui tão ingênuo – disse Matias. -isso mesmo, tudo, absolutamente tudo foi feito....,uma peça após outra, uma concatenação de causas e efeitos meticulosa-

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mente bem dirigidas, que rumaram em uma direção pré-estabelecida por nós, dois velhos insignificantes que manipula-ram os acontecimentos em seu próprio proveito. Disse o ancião que estava em pé, encostado o seu companheiro de cadeira de rodas. -tudo isso é ridículo, estes.....,estes velhos estão apenas tentan-do ganhar tempo. Buscam com toda esta conversa apenas nos atrasar – diz uma das garotas sacerdotes que esta reunida atrás das demais. Os anciões sorriem discretamente enquanto olham-se en-tre si ao mesmo tempo, caminham em posições opostas da sala. O primeiro que esta de pé dirige-se lentamente para a direção onde se encontra as crianças sacerdotes e seus protetores. O se-gundo, o ancião de cadeira de rodas, permanece onde está, per-to de Matias e fica a fita-lo, buscando, quem sabe, penetrar al-gum canto obscuro, escondido da alma do jovem quilombola. Após algum tempo, finalmente, diz o ancião em pé que esta per-to das meninas olhando para o ancião na cadeira de rodas. -muito bem meu velho – diz ancião imóvel na cadeira de rodas, olhando para seu companheiro que esta próxima das crianças sacerdotes, à hora das explicações acabou e é chegado o mo-mento de retomar o tempo perdido. É chegado o momento de nos alimentarmos. Termina finalmente e agarrando o braço de Matias algo de estranho acontece. O ancião de cadeira de rodas passa, então, a segurar for-temente o braço de Matias e uma horrenda transformação co-meça a ocorrer no jovem negro. Seu corpo começa a ficar seco parecido com o tronco de uma arvore ou um ser esquelético mumificado. Uma luz estranha, parecida com uma corrente elé-trica parece percorrer os dois. No ancião, também, ocorre uma

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estranha metamorfose, sua pele murcha e flácida começa a ficar mais firme. Seus braços e pernas adquirem uma maior rigidez e parece pôr, ele em pé. Seu rosto começa, assim como todo o res-to do corpo, a possuir todas as qualidades inerentes a juventude. Enquanto no velho dava-se para notar que a jovialidade retorna-va em todo o seu esplendor no negro Matias pelo brilho opaco de seus olhos poder-se-ia observar a aproximação da morte. Era uma cena maravilhosa ao mesmo tempo em que dantesca. Uma fraqueza terrível parecia se apossar do corpo do jovem africano. Entretanto antes que morresse, uma descarga fantástica atinge seu corpo o jogando longe do ancião de cadeira de rodas, que já de pé dispensava o seu auxilio. Este caminha e atravessa a pe-quena sala, vagarosamente, se juntando ao outro ancião parado de frente as crianças sacerdotes resguardadas por criaturas, va-rias delas que tomam a sala. Parece que apesar de protegidas, elas experimentam um sentimento, estranho e desconhecido até aquele momento, o medo. Seus olhos arregalados e embaçados por lagrimas denunciava isso. Neste ínterim, as crianças obser-vavam com terror nos olhos, o já não mais ancião aleijado, reju-venescido, aproximar-se de seu companheiro e parar ameaçado-ramente a seu lado.

As criaturas obscuras protetoras das crianças não espera-ram o ataque dos dois “antigos”, pois de suas bocas várias aglo-merados de ramos e fibras vegetais saíram, formando entre si um entrelaçado que logo se transformava em titânicos cipós que envolveram os dois velhos de tal forma chegando a esmagar dois homens com grande facilidade. Já o segundo batalhão de mons-tros aproximando-se do emaranhado gigante lançaram de seus bulbos parecidos com olhos sobre um rosto composto por um emaranhado de gavinhas que procuravam imitar um rosto, um liquido verde que caindo sobre o enorme monte de cipós come-ça a dissolvê-lo. O acumulo de cipós e o liquido corrosivo trás um momento de aparente tranqüilidade para o local. Todavia is-so não duraria muito, pois um tímido brilho, seguida após, um

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enorme clarão fez com que todos os cipós e tudo da sala fossem varridos não restando nada que pudesse lhes opor resistência. Ninguém na sala estava preparado para o que viria acontecer em seguida. Os fenômenos continuavam a acontecer, o brilho estra-nho, os barulhos, acompanhado pelo tremor, só fazia aumentar a angustia e o sentimento de pavor diante do inexplicável. Os an-tigos estavam famintos e sua fome era sem limites.

E isso veio se confirmar quando um tremor e um brilho in-tenso tomaram todos os que estavam na sala. Começou os dois anciões a se alimentarem. As crianças foram as primeiras vitimas seguida dos monstros seus protetores, ceifadores e dos cidadãos transformados em monstros. Todos sem exceção são atingidos; as crianças envelheciam ate se tornarem pequenos corpos mu-mificados. Em contra partida, as criaturas que as protegiam fo-ram atingidas por um facho de luz, oriundo do próprio seu pró-prio corpo fazendo-as entrar em combustão. Não havia desde o momento que entraram no casarão chance para eles. Os antigos arquitetaram tudo com perfeição, cada evento, cada momento, foi logicamente pensado. É como os mesmo anciões disseram tudo que nos cerca nada mais é do que uma reunião de peque-nos eventos sucedendo-se uns aos outros, em um processo de causa e efeito, geralmente, relacionados a fenômenos naturais ou efeitos psicológicos existentes, apenas em nossa mente. Nin-guém naquela sala duvidaria do resultado dos seus planos. A maioria das pessoas e monstros que estavam na sala constataria isso através das suas próprias mortes.

Enquanto os corpos das criaturas vegetais ardiam em laba-redas como tochas vivas, as crianças, jaziam caídas ao chão secas como e tesas parecidas com múmias. Após alguns minutos o an-tigo sobrado foi envolto por uma luz que ofuscava tudo e não deixava nada a descoberto. Seu brilho se espalhou por toda a mansão, entrando de quarto em quarto, de sala em sala; tudo, absolutamente tudo era consumido literalmente por seu toque. Nada que possuísse vivo sobrevivia a sua marcha, exceto os obje-

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tos e estruturas inanimadas. A medida que estes eventos acon-teciam, o emaranhado de cipós e galhos cobertos por uma subs-tância corrosiva, diluía-se expondo os dois “antigos” que esta-vam prisioneiros em suas entranhas. O primeiro, deles, tinha ca-belo negros com tiras brancas que penetravam profundamente como uma geleira em um manto negro de trevas que era sua ca-beleira. Esta era composta por três camadas e espalhava-se pela vastidão capilar de forma profunda inserindo-se como uma fen-da na terra. Tinha este, cerca de um metro e setenta e oito. Sua constituição era magra e retilínea. O corpo era bem constituído, mas não musculoso. O segundo homem era de estatura mais al-ta, um metro e noventa e dois aproximadamente, igualmente magros de cabelos totalmente brancos, pareciam estar seus ca-belos sempre em um inverno rígido de tão alva era seus cabelos. Em certas horas a alvura de sua cabeleira, refletidas ao sol, pare-cia com a prata. Parecia, assim, contrastar tanto os cabelos brancos como a alvura gélida de sua pele com a jovialidade re-centemente adquirida. Esta, sua aparência, constituía uma ima-gem medonha e ao mesmo tempo celestial parecia um ser saído de um sonho, de uma densa nevasca; de uma imensidão pálida enevoada, prateada e bucólica.

Nestas duas formas, os antigos emergiram e olharam-se. Uma onda magnética de atração animal os fez vislumbrar seus corpos. Olhando-se um para o outro buscavam nestas figuras constatar a alegria jovem e de terem deixado para trás suas car-caças deterioradas. Seus corpos agora eram belos, duas perolas lácteas brilhantes expostas aos pálidos raios lunares. Eles pare-ciam dois ternos novos de pano virgem celeste, tecido por mãos inumanas, talvez de alguma fada esquecida em um velho armá-rio de estudante. Ela evocava a maciez sedosa da superfície marmórea de catedrais sagradas. A visão de seus corpos era re-almente um sonho fugidio; um vadio onírico que se rebelava contra a beleza, porque isso a tornava inalcançável. Pois até a beleza excessiva, e, portanto, inalcançável, mostrava-se doloro-

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samente estranha e humilhante para quem não a tem. Assim e-ram os antigos agora, duas estatuas perfeitas, que misturavam o melhor de cada parte existente nos homens. Eles ficaram para-dos por algum tempo, observando todo o cenário de seu surgi-mento. Por fim, se aproximaram um do outro e beijaram-se a-paixonadamente, todavia não existia nenhum desejo neste ges-to, mas apenas um sentimento de fraternal libertação. Depois caminharam pelos cômodos da antiga mansão cheia de recorda-ções de seu cárcere e tomando um corredor que levava para a saída rumaram para a esperada liberdade.

XIV

Diante de todos aqueles acontecimentos, apesar de meu

estado, consegui me arrastar pela mesma passagem de sua fuga. Consegui apos algum tempo engatilhando, sair daquela mansão maldita, através da galeria. Não sei se você sabe, havia uma co-nexão lateral a ela que desembocava perto da mata fechada. Sua saída era coberta por um emaranhado de trepadeiras e ar-bustos. Andei algum tempo sob o sol e quando este mergulhava no horizonte, apressei o passo procurando um refugio seguro. Depois de alguns minutos de caminhada, cheguei, finalmente aqui, nesta formação rochosa. Em relação aos anciões ou “anti-gos”, a última coisa que me lembro antes de fugir e deles desa-parecerem foi de ambos mencionarem que iriam atrás de Hada-rim. Todavia um estranho comentário feito por um dos antigos me chamou a atenção eles se denominavam de “iluminados”, mas não saberei dizer, se acaso me perguntares, qual o significa-do desta palavra, mesmo em tudo o que li e pesquisei nos livros cedidos pelos antigos não encontrei nada que mencionasse ou se aprofundasse sobre esta palavra. Mas, talvez, você descubra por si mesmo. Quanto a mim sinto a morte me chamar e creio que devo ir a seu encontro. O rosto de Matias começa a se tornar cada vez mais pálido. Sua voz já quase não dá para ser ouvida. E

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começa a faltar-lhe regularidade na respiração. O negro Matias esta para encontrar-se com seus ancestrais.

Penso que apesar de todo o mar de sujeira e traição pelo qual esteve envolvido, o rapaz ainda me era simpático. Devemos levar em consideração, que somos humanos e imperfeitos, e a capacidade de errar é muitas vezes um privilegio, porque só a-través do erro é que aprendemos necessariamente. Além disso, ele era o único que partilhou comigo dos horrores deste lugar, apesar dele, também, participar destes horrores. Não obstante, quando o rapaz se for eu estarei sozinho imerso neste pesadelo. Será que terei forças para suportar acordar dele? Quanto a isso não sei, apenas tenho certeza que tenho de prestar um último auxilio a este companheiro e ficando ali, ao seu lado, dei o último adeus a Matias.

Mas antes que partisse definitivamente, ele me disse suas últimas palavras. E consistia esta em um pedido. O rapaz me fez prometer, apesar de sua traição comigo, de ajudar seus pais e seu povo a sair dali. Pois, sabia que os antigos viriam e destruiria tudo o que ali estivesse incluindo o seu povo. Disse isso aper-tando fortemente o meu ombro e olhando para meus olhos, buscando uma resposta para suas perguntas. Passei algum tem-po para responder, mas respondi afirmativamente balançando a cabeça e dizendo “que faria o possível para ajudá-los”, após es-cutar isso, morreu.

Todavia não sei se prometi isso de coração. Meu desejo maior era sair dali o mais rápido possível e esquecer tudo o que se passou. Entretanto, uma movimentação estranha na vegeta-ção me alertou e me fez pensar que ali não era seguro. Consta-tando isso sai carregando o corpo de Matias e o enterrei perto de um cemitério rústico que ficava a alguns metros da pequena vila quilombola. Era o jazigo de seus antepassados onde enter-ravam todos que ali morriam. Depois disso, segui o mais rápido que pude indo em direção à floresta. Após ter dado alguns pou-cos passos, escutei ruídos vindos da direção onde enterrei Mati-

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as. Ainda dava para ver as covas e sepulturas enfileiradas cerca-das por um pequeno manto de luz vindo da lua de onde estava. Contudo, os estranhos sons continuavam o que fazia o meu me-do aumentar, devido a cada som vindo de lá. Aproximei-me, um pouco mais, algo em torno de uns quatro a cinco metros das co-vas. E a visão que tive foi de gelar a alma. De lá pude observar a terra ser revolvida de dentro para fora. E mãos ósseas rompiam o ventre da terra em busca do mundo externo. Muitos corpos consumidos por vermes e em estado de decomposição começa-ram a sair de suas covas. Todas aquelas carcaças pareciam to-mar um único rumo. Seguiam como uma procissão de fieis au-tômatos em minha direção. Constatando isso, comecei a correr entrar cada vez mais fundo na mata. Corria cegamente por entre as arvores tomando o caminho a esmo. Só o que me interessava naquele momento, era sair daquela situação, da legião de cadá-veres que rumavam para sei lá a onde.

Depois de muito correr e caminhar, encontrei, por fim, uma enorme arvore e escalando, escondei-me nela daquela medonha procissão. De onde estava dava para ver que entravam cada vez mais no fundo da mata. A direção que tomava naquela hora eu não saberia determinar. A única coisa que sábia era qual direção não deveria tomar.

Passei algum tempo correndo em meio à escuridão na ma-ta. E após um intervalo considerável, observei ao longe uma luz, provavelmente, uma fogueira feita por alguém. Todavia, diante dos acontecimentos minha atenção e redobrou diante de coisas como esta. Não sabia de onde viria a próxima surpresa. Pensei naquele momento, que a fogueira seria algo temerário, devido poder, talvez, atrair tanto os partidários de monstro estelar co-mo os cadáveres. Fiquei algum tempo observando a luz ondu-lante que estava a alguns metros de distancia, e decidi ver, com todo o cuidado, quem ou o que a fez. Percorri com todo o cui-dado a mata, agachado, para não ser notado. Depois de alguns minutos andando em meio às trevas, e tentando me acostuma

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com a claridade no meio do caminho, cheguei a um platô forma-do a parte exterior por pedras e mais abaixo uma clareira era o seu centro. Era lá a origem da luz, que tinha sua origem de uma fogueira. Eu havia retornado à mesma formação rochosa onde tinha encontrado Matias. Mas daquela vez, não existia fogueira e nem pessoas a seu redor.

A clareira, portanto, localizava-se no centro de algo que poderia ter sido um antigo vulcão, extinto durante milhões e mi-lhões de anos. O fino facho de luz que agora havia percebido com mais nitidez, localizava-se a alguns metros de distância de sua borda. O que não tornava fácil ver a movimentação das figu-ras lá em baixo. De cima da encosta, dava para ver a fissura aber-ta na terra, de onde brotava aquele estranho brilho. Descobri, depois de algum, observando as rochas do local, através de par-tes calcinadas que aquilo que se parecia com um vulcão extinto, na realidade era uma enorme cratera feita na terra por um me-teoro caído há anos atrás aqui. Era de dentro daquela rachadura no solo que brotava uma luz rubra que se originava o brilho. A seu redor se reunia várias das bestas de Hadarim, assim como as crianças sacerdotes e tantas outras monstruosidades que não dá para mencionar. Pareciam estar esperando algo surgir das pro-fundezas da fissura e vir comunicar algo a eles. Todavia de mo-mentos a momentos eram encobertos por uma bruma disforme e espessa que sempre acompanhava os momentos de brilho in-tenso da fissura. Decidi, por fim, buscar uma visão mais próxima para observar se localizava os pais de Matias. Esgueirei-me por algumas rochas e pedras, por alguns minutos a fim de encontrar um melhor lugar para ficar. Depois de algum tempo, finalmente encontrei uma saliência em uma pedra gigantesca perto uns qui-nhentos metros do centro da cratera.

Eu tinha um objetivo bastante plausível quando fiz isso. Se por acaso, os andarilhos das covas se dirigisse em nossa direção eles viriam certamente pelo lugar de onde eu vim. O único aces-so a cratera seria por lá. Portanto, tinha de encontrar um modo

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de sair dali sem que me deparasse com os desenterrados do qui-lombo, isso era a minha primeira preocupação. A segunda era como achar os pais de Matias e tira-los de lá o mais rápido possí-vel, levando em conta que ambos eram idosos e eu mal tinha forças para me movimentar. Passei algum tempo tentado solu-cionar todas estas questões sem poder chegar a uma solução possível para a questão.

Todavia, algo inusitado estava para acontecer. A quanti-dade de nevoa que saia da fissura aumentou muito e um vento gélido acompanhava a repentina elevação da nevoa. O fumo sulfuroso ergueu-se aos céus acompanhados de um odor horrí-vel, uma mistura de enxofre e rocha tostada pelo calor. Isso pa-recia anunciar a vinda de algo inominável, seria o próprio demô-nio? Não saberia dizer, contudo após este pequeno espetáculo, tremores começaram a abalar o todo o local e pedras começa-ram a se desprender das rochas e rolavam em direção ao centro da cratera. Durante o tremor, todas as figuras medonhas que circundavam a fissura entoavam cânticos e louvores para Hada-rim. Cada um das figuras estava vestido com uma longa manta e chapéus estranhos feitos, talvez, de folhas largas de bananeira em forma de gorros achatados, que os cobriam a cabeça e for-mava juntamente com suspensos em seus pescoços uma estra-nha composição. Neste momento, cheguei a incrível constata-ção que era ali o lugar onde repousava o lorde estelar da destrui-ção, Hadarim. Eles aguardavam seu mestre, seu despertar para destruição e dali ele deveria surgir. Continuei fascinado, obser-vando toda a movimentação dos seguidores do monstro buscan-do ver se a entidade alienígena aparecia e finalmente se confron-taria com os seus inimigos.

No momento, a criatura estava alheia a estes eventos, eu achava. Entretanto uma sombra imensa parecia surgir de dentro das brumas. Algo semelhante a um enorme tentáculo membra-noso verde acinzentado se estirava para fora da fissura e movi-mentava-se freneticamente de um canto a outro da borda. Da-

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quela fissura, aberta na terra, haveria de surgir um horror cha-mais concebido pelo homem. Algo monstruoso e descomunal vi-ria forçar sua entrada em nosso mundo, e, mostraria através de sua presença, que nossos desejos de grandeza ou fama nada mais são do que pensamentos mesquinhos e fugazes diante do sentimento de medo preso em um grito surdo no espaço. A visão da sombra daquela parte do corpo de Hadarim, revelada na sombra projetada na bruma pela luz da fissura, era realmente fruto do pesadelo mais desvairado que um ser humano possa conceber. Acredito que não haveria como concebê-lo sem se ser louco. Aquela visão projetada pela bruma já dava um sinal de como grotesca era um monstro que haveria de sair da fissura. A sorte ou a providencia, quem sabe, poupou-me de ver aquilo, a bruma havia se adensado e encoberto boa parte da cratera. Não obstante o pouco visto por mim foi o suficiente para me deixar em pânico e me fazer encolher para dentro do buraco na pedra. Todavia, foi neste instante, que pude rapidamente ver os pais de Matias escondidos por duas arvores? Constatei que eram seus pais, devido estar cercados por forte segurança, os capangas de Hadarim. Contudo eu ainda não entendia o porquê da criatura mantê-los vigiados se só serviam como fonte de barganha com Matias. Talvez estejam esperando algum sinal do ser espacial pa-ra tomar alguma atitude com relação a eles.

Entretanto, depois de algum tempo, o casal foi levado para uma entrada localizada atrás de uma arvore gigantesca, parecia ser um baobá secular. Suas ramagens cobriam todo o céu for-mando uma densa proteção do sol, que a noite adquirirá uma forma assustadoramente enorme e suas ramagens se estendiam de um lado a outro da borda da cratera. Ela parecia ser uma das poucas arvore de grande porte que sobreviveu a chegada do me-teoro.

Passados alguns minutos de ausência do casal, eles retor-nam cobertos por alguma coisa arroxeada sobre seus corpos. Os dois, talvez, prevendo o que estava por vir se encontravam as-

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sustados. A obstinação dos dois opunha uma resistência que era notável, e o homem buscava a todo instante, resistir. Todavia era um esforço inútil diante da força maciça de seus carrascos. Ambos foram levados para perto de uma formação localizada perto da fissura que até pouco tempo estava oculta pela fumaça saída da abertura na terra. A formação parecia com uma enorme mesa feita para gigante, devido o seu tamanho descomunal. O casal foi levado para lá e postos, em seguida, deitados sobre a mesa rochosa. Não adiantava resistirem, o seu destino a esta al-tura já era sabido por ambos. Seria dado como alimento ao seu algoz, o emissário plantar das estrelas. Diante deste pensamen-to, a angustia e o desespero só aumentava conforme o tempo passava para eles. Os dois sacrificados estavam em ponto para a expiação e o ar esfumaçado só contribuía como prévia do que vi-ria acontecer ali. Eu não conseguia ver como estava o casal, que agora se encontrava a mercê de toda a sorte de acontecimento inimaginável. Eles estavam para ser exterminados e eu não po-deria fazer nada em seu favor, porque seria rapidamente neutra-lizado, e, talvez, servisse de refeição assim como eles. Neste ins-tante, ambos estavam por sua conta e risco, e só poderia esperar um milagre acontecer.

O cerimonial estava preparado, o alimento posto (no caso o casal). Os cânticos começaram, e a fumaça saída da fissura, a-berta na terra, aumentava à medida que as vozes ficavam mais altas. A silhueta do ser vegetal alienígena, igualmente, ganhava nitidez e contornos, cada vez mais completos. A nevoa, ainda ocultava a visão total da criatura, mas dava para ver sua sombra projetada nas nuvens. Só o vislumbre da idéia do que seria aqui-lo, fez com que o pouco de coragem e sanidade que ainda possu-ía se perdesse dentro de meu estomago. À medida que os mes-tres do sacrifício (homens de longas vestimentas coloridas de verde e folhas enroladas na forma de capacete), responsáveis di-reto pela oferenda, terminavam seus últimos ritos e se prepara-vam para oferecerem seu tributo para aquele deus hediondo.

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O mestre de sacrifício mantinha os braços erguidos em forma de cruz, ao mesmo tempo, que entoava cânticos parecidos com os ruídos de grilos e coaxar de sapos. Ele fazia isso esperan-do a investida final de seu mestre contra as vitimas indefesas na mesa de pedra. Mas isso não chegaria a acontecer. Porque um som horrível vindo de dentro da fissura chamou para si todas as atenções dos indivíduos e monstros presentes. Com um dos ten-táculos, manoplas ou membros. Observava-se o frenético agito da criatura e ninguém sabia o porquê deste estranho comporta-mento. Foi em meio a seu agito que constantemente virava-se para a entrada da cratera que dava para ver o motivo que a le-vou a aquele estado. Sombras se projetavam iluminadas pelo fogo emanado das entranhas da fissura que clareava toda a cra-tera e a entrada da mata a sua volta. Elas haviam tomados todos os locais de saída e entrada para a cratera. E pareciam estar i-móveis esperando algum comando desconhecido para prosse-guirem se mandos desconhecidos. Todavia, suas intenções não pareciam ser amigáveis, pois pela maneira como estão bloque-ando a saída não deseja que ninguém saia dali. Todavia continu-avam como sombras, e só seriam descobertas quando quises-sem. Não obstante, todos permaneciam olhando para as som-bras apontadas por Hadarim. Por fim As silhuetas, pouco a pou-co começaram a se aproximar e começaram a ganhar contornos mais nítidos e após algum tempo de avanço, as sombras cedem lugar a seus donos. Eram os andarilhos das catacumbas que ha-viam retornado para executar um misterioso desígnio comanda-do por alguém muito poderoso, capaz de invocar os mortos de sua mortalha para vir a desempenhar um papel oculto nesta trama. Eles avançavam pouco a pouco para o interior da cratera, e pareciam ter o objetivo de chegar próximo da fissura. Obser-vando isso, os sacerdotes, cercam o local, a fissura na terra onde esta o monstro, e munidos de pau, pedra, machados e armas de fogo adotam uma posição de defesa contra o perigo iminente.

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Todavia algo mais acompanhava os mortos vivos pela flo-resta. E Hadarim devia saber disso, pois com um gesto de seus tentáculos, enormes cipós dirigiram-se para as profundezas da mata com uma rapidez imensa. Eles eram constituídos por um emaranhado de pequenas ramagens por todo o seu tronco o que emprestava um aspecto hediondo a sua estrutura. Particular-mente, era bastante interessante ver como se desviavam das ar-vores da mata, serpenteando-as, evitando chocar-se com os e-normes titãs vegetais. Destarte, realmente, fascinava a maneira como monstros colossais como estes cipós conseguiam serem tão rápidos ao mesmo tempo tão ágeis. Estas espécies de cipós eram bem diferentes dos vistos por mim até agora. Eles tinham uma largura descomunal e eram bastante esquisitos. Seu tronco era de uma cor esmeralda e marrom, contudo algo fosforescente fazia-no brilhar no escuro de forma estranha e enigmática. Isso me fez, naquela hora, lembrar de trens do que qualquer outra coisa, devido o seu tamanho. E essa comparação era justa, pois a sua largura, comprimentos e a maneira como se movimentava trazia, justamente, a lembrança daquela maquina de metal. Es-tes titãs esmeraldas avançavam rapidamente floresta a dentro como locomotivas infernais, ensandecidas, entrando, cravando-se na vastidão escura da noite, em seu silêncio perpetuo. Toda-via ao contrário da calmaria silenciosa da noite na clareira, sa-cerdotes e mortos vivos, travam uma batalha encarniçada pelo domínio da cratera. Os sacerdotes atacam e se defendem evo-cando o nome de seu senhor enquanto os mortos vivos atacam simplesmente em silêncio, deus sabe quais mistérios obscuros e pensamentos hediondos estes cadáveres tem? De certo não se-rei eu a revelá-los. Todavia enquanto seus servos lutavam para evitar o levante dos cadáveres andantes, Hadarim, continuava mergulhado em seus pensamentos profanos, talvez, observasse qual a magnitude do perigo, oculto pela floresta. Não obstante, também procurasse alguma informação obtida por seus títeres, que foram enviados como sondas a procura, quem sabe, de sa-

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ber qual o real poder do inimigo. Todavia esta impressão era só parcial para mim, porque passados alguns minutos a fumaça ha-via se dissipado, pelo menos grande parte dela. Partes da cria-tura eram reveladas por entre a bruma. Ela estava, agora, estáti-ca, observando as manchas verdes de grandes arvores e arbus-tos. Vasculhando o perigo que se aproximava.

O monstro ainda estava coberta por uma grande nuvem de fumaça, mas dava para ver, neste momento, com mais nitidez, partes de seu corpo. Algo parecido com tentáculos mostrava-se, agora, com mais presença. Eles eram cobertos por um lodo verde e pareciam grandes cipós de cor esmeralda amarelado. Sucos pegajosos formavam pontas do que parecia ser espinhos. A co-bertura da derme parecia ser feito de algo emborrachado e plás-tico. Seu corpo era achatado, constituído de uma proteção de emaranhado de gavinhas troncos, musgos e outras partes vege-tais que não dava para identificar naquele momento. Seu esque-leto era uma mistura de madeira e galhos de arvores, que servi-am de sustentação para seu peso. Era uma visão saída do infer-no ou da insanidade de um viciado.

A quietude da floresta era enganosa. Mas isso durou ape-nas alguns minutos, pois os gigantescos cipós logo adquiriram tons cinza e mostravam-se quebradiços. E isso se estendia desde dentro da floresta até o seu ponto de origem que era a fenda onde estava Hadarim. Sua enorme estrutura começou a ruir trin-cando e rachando pouco a pouco, semelhante a uma parede prestes a cair. Depois de certo tempo os cipós explodiram em milhares de fragmentos. A visão disso era espantosa e vinha a-companhado de um som ensurdecedor parecido com o choque de mil trovões. A pesar de todos estes fenômenos a luta na cla-reira continuava intensa. As duas facções continuavam a lutar ferozmente sem trégua. Não havia espaço para emoções, não para estas criaturas porque ambos são monstros e apenas como monstros deverão agir. Mas o que dizer de seres como Hadarim diante de um poder considerável que pode levá-lo a destruição?

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Talvez se possuísse sentimentos, por menor que fosse, sentiria no mínimo um leve incomodo. Uma náusea diante de algo ca-racterístico a todo ser humano, o temor da morte, da destruição final. Entretanto, não foi isso que se viu. A entidade alienígena se mostrava impassível diante da aniquilação dos gigantescos ci-pós. E ao contrario do esperado, em vez de medo, adquiria uma atitude passiva como se aguardasse o próximo passo da misteri-osa força que estava vindo ao seu encontro.

E isso não demoraria muito. Porque saindo do interior da floresta, duas figuras brilhantes rasgavam as trevas circundantes na mata. Eles andavam complacentemente por entre as arvores, demorando uma hora em uma outra hora em outra, sempre com uma admirável atenção. Eles ficaram nesta estranha atitude por algum tempo, até pararem repentinamente e passaram a obser-var a cratera com a mesma atenção que ativeram com a mata. Ficaram posicionados perto das ultimas arvores que estavam perto da borda da cratera. Estando, o terreno após elas, extre-mamente estéril e desolado formando um declive acentuado em diagonal, porque era o local da queda do meteoro e onde estava a fissura. Ambos continuavam olhando para baixos hipnotizados pelo espetáculo proporcionado pelos contendores, lá em baixo, na cratera. Quanto a mim permaneci escondido entre as rochas aguardando o momento propicio para resgatar os pais de Matias. E depois de um longo tempo, surge a oportunidade perfeita. Pois a bruma que havia amenizado sua ação havia retornado com força redobrada. Ela cobria toda a cratera e tudo ficava o-culto ou parcialmente encoberto por ela. Isso permitia que eu conseguisse caminhar e evitar os monstros e os cadáveres recém despertos. Consegui evitar todos os principais focos de combate, contornando pelas margens da cratera até chegar o meu destino que era a mesa de sacrifício, onde estavam os pais de Matias. Em meio a tanta confusão existente nos combates, ficava difícil, em meio ao nevoeiro distinguir o caminho certo a tomar. Por-que as figuras projetadas pela pouca luz saída da fissura, torna-

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vam difícil distinguir as formas dos seus verdadeiros donos. Por fim observei duas figuras no meio à opacidade do nevoeiro um estranho comportamento. Ambas, buscavam com o mesmo ím-peto do que eu, de evitar o contato com qualquer dos comba-tentes. E esgueirava-se através das bordas, buscando, talvez a única saída que poderia os conduzir para fora dali. Que só pode-ria ser a por onde haviam entrado.

Meu interesse por estas duas figuras despertou e comecei a desconfiar de quem seria os donos daquelas sombras. Após al-gum tempo de perseguição constatei que estava muito perto de fazer contato com eles. Estava a uma distância das duas figuras de uns vinte a trinta metros, suas sombras, agora, projetadas na nevoa parecia ser de duas pessoas que caminhavam cautelosa-mente pelo campo de batalha. Todavia, comecei a notar um aumento considerável da bruma e apertei o passo atrás dos dois. Neste instante, a batalha havia subitamente vindo em nossa di-reção. Algo de estranho havia acontecido e eu não sabia o que era. Mesmo assim continuei a persegui-los, achava que eram os pais de Matias que haviam se libertado, e desconsiderando meus instintos continuava a entrar cada vez mais dentro da confusão. À medida que a bruma intensificou sua ação ficava difícil loco-mover-me através do nevoeiro. Eram tantas sobras e barulhos misturados que tornava muito difícil tanto a visão como a audi-ção. À medida que nos aprofundávamos no nevoeiro aumen-tava a possibilidade encontrarmos tanto os semi-vivos quanto os servos do monstro. O chão era o único lugar onde podíamos ver algo, e o que chegava a nossa visão não era nada agradável. Corpos esmagados, braços e pernas desmembrados, cabeças amputadas, separadas de seus corpos. Formavam cenas horrí-veis que preferi esquecer e varrer de minha memória. Apesar deste pesadelo e dos riscos, ainda continuava a ca-minhar atrás das duas figuras e chegava cada vez mais perto de-les. Faltavam pouco, uns dois a três metros para alcançá-los quando repentinamente saindo de dentro da nevoa duas mons-

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truosidades caíram em cima de mim, fazendo-me cair. Eles caí-ram por cima de meu corpo enquanto eu ficava imobilizado com o peso de seus corpos, ambos continuavam a se agredirem mu-tuamente sem prestar atenção para mim. Procurei, então, sair rapidamente daquela situação e empurrando os dois para o lado rastejei pelo chão para me distanciar o mais possível dos dois. Enquanto isso acontecia comigo as duas sombras haviam diminu-ído e muito a velocidade de seu caminhar, passando a possuir uma estranha maneira de andar. Seus corpos passaram a possu-ir, à medida que andava espasmos e tremores horríveis. Apesar disso, ignorei estes avisos e procurei alcança-los com o intuito de tirá-los dali. Eu não sabia qual o próximo terror desconhecido poderia brotar daquela contenda terrível de monstros. Após vencer os poucos metros que nos separava, consegui finalmente alcança-los. Ambos estavam de costas para mim e ainda possuí-am aqueles espasmos horríveis, parecido com doentes epiléticos. Procurei, portanto acalma-los tocando-os o ombro para que vi-rassem em minha direção, mas a surpresa que tive foi medonha. Os pais de Matias haviam sido desfigurados por alguma coisa. Os seus rostos haviam sido horrendamente retorcidos e puxados, pareciam suas peles com borracha derretida e puxada por mãos invisíveis os fazendo parecer monstros hediondos. O mesmo poderia dizer de seus corpos, chamuscados e cobertos por uma lama fétida e possuía as mesmas deformidades que suas faces. Eles já não eram nada semelhantes a um ser humano. Agora e-ram apenas monstros como todos os outros. Toda aquela imagem dos dois me fez recuar, devido a forte impressão que tive com a aparência deles. O que me fez correr como um louco para fora dali. Na fuga tropecei em algo oculto na nevoa caindo de costas no chão. E, após a queda constatei ser parte do intestino de alguém que havia se enrolado em meus pés. Entretanto quando estava para me levantar para continuar minha fuga, dois pares de braços poderosos pressionaram o meu peito em direção ao chão, e dentes afiados, procuravam aboca-

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nhar meu pescoço. Os meus agressores eram os pais de Matias agora transformados em criaturas bestiais. Tentei lutar o máximo que pude para me livrar deles, mas a força dos dois era incompatível com sua idade. Por mais que tentasse não conseguia me livrar deles. Além disso, tinha de evi-tar as mordidas e as mãos que tinham se transformado em pin-ças perigosas e para piorar, o centro da luta havia se aproximado de nós o que me fazia ficar em uma situação perigosa. Mas nes-se momento em que tudo parecia caminhar para a desgraça, al-go estranho aconteceu. Depois de um longo período parado as duas iluminadas figuras dirigiam-se na direção de Hadarim. Este em um movimento rápido lança de sua garganta uma enorme mancha amarelada esverdeada que caindo sobre os dois estra-nhos brilhantes começa a corroer tudo a sua volta. Parecia ser o fim das duas figuras diante daquele ataque mortal. Entretanto, saindo de seu interior as duas figuras, que agora dava para ver com maior nitidez ser os anciões renascidos, vão de encontro, a uma velocidade sobre humana, com o ser abissal em sua fenda. Da aceleração exercida pelos dois abria-se um enorme corredor de ar que fazia inclinar arvores e arbustos, destruindo tudo em seu caminho. De dentro das brumas ouviu-se um som impossível de ser descrito por mim, sua origem. A cratera, neste intervalo, passou a ser encoberto por uma enorme nuvem verde e raios emergiam de seu interior que passaram, a envolver a nuvem, fazendo-a ad-quirir contornos cônicos e que a tornavam cada vez mais amea-çadora. Repentinamente, tremores passaram a cometer a terra onde estava a cratera e uma espuma pegajosa, parecido com um escarro, brotou de seu interior. Convulsões terríveis seguidos por sons horríveis, pareciam fazer parte de um concerto gótico, porque seu som era tão triste e melancólico que instigava a tris-teza. Acompanharam a isso, vários espasmos que assolavam a terra. Tamanho era estes que parecia que a Atlântida iria surgir naquele local a qualquer momento. Todavia algo muito pior pa-

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recia ser anunciado por todos estes fenômenos. Hadarim estava chegando. A intransponível nevoa que ocultava seu corpo re-pentinamente dissipara-se, por uma rajada de vento terrível, que tinha sua origem no corredor de ar feito pelos dois entes que se aproximavam rapidamente da criatura. A visão, no entanto, exposta não era das mais agradáveis. O que as brumas ocultavam, certamente, não podia vir a mostra para aqueles que não estivessem preparados, pois sua figura mostrava-se tão medonha e nauseante que por um segundo pa-recia que todos no local pararam espantados com aquele pesa-delo. A criatura, realmente não era deste mundo, não podia ser dado ser impossível descrever sua aparência. Todavia, às vezes temos a tendência de o faze-lo, mesmo que sua descrição fique a quem do desejável. A enorme besta estelar que saia da cratera aberta pelo meteoro, tinha uns quinze a dezesseis metros. Seu corpo se assemelhava a uma enorme minhoca esmeralda, como seu dorso coberto de espinhos e tumores amarelados. Em seu longo tronco, pelos gigantes com folículos se espalhavam por to-da a sua extensão. Espinhos, milhares deles, se espalhavam por todo o seu corpo, destruindo tudo o que tocava pela frente. E seus tentáculos era um caso aparte. Eles agiam como verdadei-ros membros de um polvo com suas extremidades constituídas por sulcos em forma de ventosas que aderiam a todo e qualquer material. A cabeça do gigantesco monstro era de forma oval, e pos-suía em sua extremidade uma fileira de bocas obscena, cheias de dentes, que mastigavam e triturava tudo a seu redor. Sua consti-tuição corpórea, assim como sua cabeça, não lembrava, real-mente, nada que pudéssemos comparar na terra. Todavia, a-quela cabeça abissal, destacava-se de tudo até então descrito até agora. Ela era uma estranha mistura de cabeça de minhoca com partes musgosas de plantas. Era um quadro delirante e alucina-do incapaz de ser descrito, apenas mencionado sem nenhum compromisso com a sanidade. O monstro parecia até então, pa-

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ralisado por alguma coisa que não dava para se identificar. Não obstante, após algum tempo, finalmente a criatura saiu de sua letargia e tomou a iniciativa do ataque. Porque passou então, a balançar ameaçadoramente suas gigantescas manoplas em dire-ção as duas figuras que a ameaçavam. Hora buscando atingir uma, hora outra, contudo devido o tamanho minúsculo dos opo-nentes a empreitada tornara-se difícil, entretanto não impossí-vel, pois em um momento de descuido uma das misteriosas figu-ras e atingida pelo enorme tentáculo jogando-o longe dali en-quanto o outro ficava parado observando com ar risonho o fu-nesto destino de seu conhecido. Neste intervalo, enquanto Hadarim acompanhava o trágico destino do oponente atingido por ele, o outro se aproximou mais da criatura alienígena, chegou tão perto que foi capaz de saltar sobre do dorso da criatura que após ser surpreendida por este gesto começou a se contorcer, buscando, quem sabe se livrar da incomodo ser que estava sobre seu corpo. Em uma das suas ten-tativas a criatura passa a agitar perigosamente seus tentáculos em todas as direções, atingindo tudo a seu redor. Eu e os pais de Matias fomos alcançados por um destes espasmos e fomos lan-çados muito longe da cratera, ambos em campos opostos, nunca mais, depois disso consegui ver os pais de Matias. A criatura continuava a se agitar cada vez mais frenetica-mente, e eu após me recobrar do susto da queda não compre-endia o que estava acontecendo. Todavia, passado algum tem-po, tudo ficou mais claro, alguma coisa havia acontecido com o corpo da criatura porque seu dorso havia adquirido um tom cin-za e começou após algum tempo depois a quebrar pouco a pou-co como um galho velho de planta. O motivo daquele estrago permanecia um mistério para todos nós até então. Entretanto, após algum tempo, a criatura gigantesca neste intervalo parecia ter encontrado a origem de sua dor e procurou livrar-se imedia-tamente dela.

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A origem da sua agonia se encontrava, agora, bem claro, um dos homens que haviam atacado o monstro estava colado o seu tronco, porque devido o seu tamanho comparado à massa corpórea da criatura estelar, fazia-o parecer um pequeno carra-pato grudado em seu corpo. Utilizando os tentáculos com o fim de utilizá-lo como um verdadeiro mata mosca gigante, a criatura busca esmagar o homem grudado em sua pele. O monstro bate varias e varias vezes na tentativa de não só destruir o causador de seu mal estar como de salvar-se da agonia que havia tomado o seu ser. Por fim a criatura, após conseguir em um acesso de-sesperado de fúria, retirar o homem com um golpe fortíssimo de seus tentáculos. Passa então a comemorar a sua vitória. Mas es-te pequeno momento de paz dura pouco, porque um tremor i-menso atinge a clareira e dois bulbos enormes surgem ao lado de Hadarim e do interior dos bulbos jatos de larvas enormes en-chem o interior da cratera ateando fogo na parte inferior do monstro. Neste instante, de dentro da cratera, surgem criaturas vegetais de aparência medonha, que possuem em vez de cabe-ças grudadas em seus dorsos tentáculos horríveis, dispostos ao que parece, a por fim a ameaça a seu mestre. As criaturas, por-tanto, percebendo a origem dos ataques que são os dois ho-mens, a seu senhor partem em sua direção que estão a poucos metros de Hadarim, estes, surpreendendo os dois homens miste-riosos, os cobrem grudando-se a eles parecido com cracas2 (bá-lano) em um casco de navio. No mesmo instante, que isso acon-tece, Hadarim expele uma enorme substancia viscosa sobre a cratera que a cobrindo elimina todo o foco de chamas antes exis-tente.

2 Segundo o dicionário Aurélio podemos entender a palavra cracas como em 1.Gênero de crustáceos cir-

rípedes semelhantes aos percevejos, dos quais diferem por serem sésseis e terem carapaça calcária contí-

nua, fechada por opérculo composto de quatro peças tb. calcárias; vivem incrustados em rochedos mari-

nhos, madeiras de cais, cascos de navios, ou sobre o corpo de outros animais marinhos. 2.Qualquer espé-

cie desse gênero, como, p. ex., a Balanus tintinnabulum, comestível, vulgarmente conhecida como bolo-

ta-do-mar ou glande-do-mar, craca, ou caraca, ou craca-das-pedras, a B. ovalis, e a B. psitacus. È preci-

samente esta denominação que gostaríamos que entendessem.

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Em seguida troncos enormes de arvores adquirem formas característica com garras que caem sobre os homens e as criatu-ras, agarrando-as e puxam-nas para as profundezas da terra, se perdendo em seu interior no intestino obscuro da terra. Enquan-to o outro homem que estava preso ao corpo de Hadarim e pre-so por raízes saídas das entranhas da terra acompanhada pelos tentáculos da criatura que cravam no peito do homem, enormes trocos parecidos com estacas que se estilhaçam em contato com o seu peito. Desaparecendo o homem em meio ao violento ata-que.

Parecia ser o fim dos dois estranhos. A entidade vegetal procurava constatar algum vestígio da sobrevivência dos dois homens. Mas depois de algum tempo, não havendo indicio de terem sobrevivido o monstro passa a ocupar-se na destruição dos morto-vivos. Para isso passa a utilizar novamente seus ten-táculos gigantescos, esmagando-os, assim como no decorrer os seus servos como os sacerdotes parasitas. O monstro não se im-porta com nada a seu redor, tudo para ela é motivo de destrui-ção. Sua intenção é bem clara, os únicos seres que devem viver por direito são as entidades plantares, o resto deve perecer e ser expurgado e nada, agora impediria a criatura de fazer o que es-tava determinado por ela.

Contudo, isso não era uma verdade absoluta, pois enormes tremores originados do lado da formação rochosa que constituía duas colunas separadas, que delimitavam a clareira do resto da floresta, chamaram a atenção do monstro. Delas, surgia uma enorme formação de pedra, que pouco a pouco começou a ga-nhar a aparência de mãos gigantes que agarraram de um lado e de outro Hadarim e o imobilizou momentaneamente, enquanto cerdas pontiagudas atingem o tronco de seu corpo fazendo-o en-trar em espasmos horrendos. Passam estas cerdas, a rasgar e abrir feridas em seu corpo, que passa nos locais das chagas a es-correr uma seiva volumosa, cobrindo o seu tronco tingindo de branco, todo o seu corpo. Os tremores continuavam desta vez

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de dois pontos distintos; nos mesmos lugares em que os dois homens foram engolidos pela terra repentinamente do interior do solo surge os dois homens brilhantes, que levitando do bura-co saem andando em direção a Hadarim. Este tenta com seus tentáculos esmagar um dos homens, principalmente, o que esta a frente, que se desvia de seu ataque letal. Enquanto o outro homem não tem a mesma sorte e fica preso em baixo do tentá-culo da criatura. Todavia, a aparente prisão do homem torna-se logo, motivo de seu ataque porque o tentáculo da criatura co-meça a ficar com uma coloração acinzentada, acompanhada de um aspecto quebradiço e frágil, esfacelando-se pouco a pouco a medida que movimentava o membro.

Já o segundo aproximando-se do orifício, onde está Hada-rim salta para dentro da fissura ocultando sua presença, por al-guns instantes, da visão da criatura que atingida pelo golpe em seus membros superior passa a concentrar sua atenção para o outro homem causador deste infortúnio. Todavia esta preocu-pação tenderia a se aprofundar, a medida que a criatura vê o homem preso embaixo de seu membro se libertar destruindo-o no processo. A criatura havia perdido um dos seus oito mem-bros, apodrecido e quebradiço, fenômeno este que não veio iso-lado do resto do corpo, porque a sua parte inferior acompa-nhando os mesmos sintomas encontrados no braço começa a adquirir as mesmas qualidades dos encontrados no membro am-putado da criatura. Em seguida, uma espécie de chaga começa a tomar conta de todo o seu tronco, chegando, por fim, a com-prometer todo o equilíbrio do tronco da criatura e rompendo-se como acontece com uma arvore que não possui o apoio de suas raízes para sustentá-la.

Depois de caída a criatura emitiu um terrível som, digo som e não grito, porque não tenho como identificar aquele som hor-rível emitido pela criatura. A entidade alienígena parece ter to-mado consciência de seu fim só naquele momento porque até

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então não havia tido esta sensação de impotência diante de uma força igual ou até maior do que a sua.

Jogando seus tentáculos de um lugar para outro, visando atingir o objeto causador de sua dor, esqueceu, porem, que este não mais estava em seu campo de visão. Pois ele caminhava len-tamente por sobre seu corpo, o que levava a pensar que o mons-tro não percebia sua presença. Das profundezas obscuras da fis-sura, saia o outro homem, e passou a escalar o enorme tronco da criatura se dirigindo para o mesmo ponto em que se encontrava o outro homem. À medida que chegavam próximos da parte su-perior do gigante alienígena a aparência da criatura começara a mudar drasticamente. Ele começou a definhar. Sua massa cor-pórea começou a se tornar em uma massa dura e quebradiça, adquirindo uma forma bastante feia e nojenta. Parecia que rui-ria a qualquer momento.

Chegando próximo do outro o homem que acabara de es-calar a enorme massa da criatura observa a criatura parando ao lado do outro homem que o esperava na parte superior do monstro, perto da cabeça. Ele chega, no momento exato de ver e ouvir, a criatura emitir seu último suspiro, dando em seguida um triste e medonho chiado. O alienígena faz isso enquanto uma mancha cinza e a rigidez que cobria todo o seu corpo che-gavam simultaneamente as suas ultimas partes, dando o golpe final em sua existência. Feito isso. Percebendo o fim do mons-tro, os homens começaram a se dirigir de volta a floresta, mas enquanto caminhavam dava-se para notar que tanto ceifadores quanto mortos vivos secavam ou explodiam horrivelmente, ex-pelindo de suas entranhas todo aspecto de fluidos estranhos e grotescos por todos os lados. Por outro lado o enorme corpo da criatura começara a ser acometido por tremores, fazendo seus membros secarem e na seqüência se moverem em convulsões e espasmos desagradáveis para quem os via. Em seguida a estes espasmos segue-se a formação enorme de bolhas que explodiam formando uma onde de um liquido esquisito. Por fim, após um

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aumento considerável destes espasmos, há uma explosão e o corpo da criatura começa a desaparecer no interior da fenda. An-tes porem, de isso resultar nas enormes bolhas que expeliam uma grande quantidade de liquido que não sei o que continham. A reunião de bolhas e de líquidos nos minutos finais do monstro, estouraram ao mesmo tempo inundando, por assim dizer, toda a clareira, apagando todas as provas ou vestígios dos últimos acon-tecimentos que por acaso tenham ocorrido ali.

Enquanto tudo isso acontecia, eu ainda estava tentando me livrar dos ataques dos pais de Matias. Mas como não conseguia me libertar deles, só me restava tentar sobreviver a seus ataques e procurar esperar um milagre para me tirar desta situação. En-tretanto, como uma intervenção do destino, seguindo os últimos acontecimentos. Os fenômenos que atingiram tanto ceifadores como os mortos recém despertos, acometeram igualmente os pais de Matias. Vi em determinado momentos os dois anciões, que já não era mais exatamente humano, pararam e no momen-to seguinte, transformarem-se em um amontoado de lama es-verdeada diante de meus olhos só restanto, deles, apenas partes de seus corpos. Após este acontecimento seguiram-se eles se-rem levados pela enxurrada liquida provocada pelas bolhas que estouraram do monstro.

Percebendo que seria também, atingido por aquele estra-nho objeto liquido, procurei me agarrar a um galho seco de arvo-re que me serviu como salva vida enquanto era arremessado de um lado para outro pela onda abjeta advinda da criatura. Por fim a onda abjeta me levou através de um canto da clareira perto das rochas, por um caminho que daria a muitos metros longe do local onde estava. Todavia ainda dava para ver os últimos mo-mentos de toda a cena final, antes que fechassem esta pagina e voltassem para a seguinte. Arrisquei, depois de ter verificado se realmente estava vivo, ver o que havia sobrado dos pais de meu amigo Matias. A ultima visão que tive de seus corpos foi de seus braços, que jaziam estendidos quase submersos no ultimo con-

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tacto que tiveram com Hadarim. Ambos pareciam no meio do li-quido viscoso, o mastro de uma nau submersa. Tragada por cor-rentezas ocultas e profundas que momento a momento vem a invocar sua presença nos abismos insondáveis do desconhecido, levando-o a descansar em seu derradeiro leito, vestido com sua ultima mortalha.

Quando retornei a realidade, acordado daquele devaneio, busquei tomar consciência da situação. Ela consistia no seguinte ponto: eu estava vivo o que já era importante dado aos aconte-cimentos. O segundo ponto consistia em saber o que faria de agora em diante, porque já não tinha forças suficientes para me erguer e conseguir pedir ajuda a alguém e mesmo que tivesse forças pediria a quem? Todos que habitavam a região ou se eva-diram dali ou estão mortos. Não sabia o que fazer e a quem re-correr. Foi em meio a estas divagações de cabeça baixa, olhando para o chão que percebi, pelas sombras que não estava sozinho. Procurei a principio não olhar diretamente para eles, pois sabia o terrível legado que traziam, eram chamados os iluminados, os destruidores da vida. Foi neste momento que soube o que que-riam de mim e porque fui poupado até agora.

XV

Seus olhos brilhavam perante a pouca luz emitida pelos

parcos raios de luz que penetravam as copas das arvores da ma-ta. Pareciam fogueiras intensas, prontas para consumir suas al-mas. Talvez, fossem elas a fonte desta energia, não sei. A pele pálida marmórea parecia esculpida sobre um molde rígido e liso de uma superfície que mesclava linhas e curvas de uma obra de Arte. O brilho intenso a sua volta formava uma espécie de circu-lo sobre sua forma. A luz emanada por eles iluminava os objetos. Agora dava para distinguir por entre as trevas da noite. Era dois homens em sua maturidade, na idade intermediaria que unia a força da juventude e a sabedoria dos mais velhos. Esta estranha

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mescla entre jovialidade e maturidade, parecia manter-se equili-brada, era uma mistura, em seu olhar, de sensatez e impetuosi-dade. Um deles era um pouco mais baixo que o outro. O primei-ro tinha um metro e setenta e dois e o outro, mais alto, possuía a estatura de um metro e noventa e três, claro que estas eram medias apenas aproximadas de suas pessoas. Ambos vestiam um blazer cor azul escuro com uma camisa branca de manga longa por baixo, que algumas vezes deixava se revelar quando faziam algum gesto que precisasse retrair os membros superiores. Am-bos estavam bem vestidos e ridículos ao mesmo tempo. Quem seria doido de se vestir em meio a um lamaçal destes. Todavia pareciam não se importar com o ambiente sujo da floresta e com os últimos acontecimentos. Eles continuavam parados a minha frente, calados.

Após algum tempo, imergido nesta situação, ela começou a me incomodar, eles nada falavam nem sequer pareciam respirar. E eu como saber o que queriam de mim, não gostaria de imagi-nar. Eles já haviam destruído Hadarim e seus seguidores, conse-guiu finalmente se libertar da velha casa grande, o que queriam mais? Talvez por pressentir este conflito interno meu que eles decidiram contar sua historia, os motivos do por que fez são des-conhecidos para mim. Disse por fim um deles.

Aproximadamente no ano de 1632 da graça do senhor os distintos cavalheiros chegaram à costa brasileira passando certo tempo na região nordeste, mais precisamente nas cidades de Na-tal, recife e Ceara. As capitais, apesar de atrasadas em compara-ção a Capital da colônia e as cidades da Europa era exatamente o ambiente que procuravam para viver. Era uma região isolada, com poucas pessoas e uma terra ainda por ser explorada. Pois existia uma grande quantidade de alimento e possibilidade de ocultamento para pessoas de passado não muito idôneo como eles. A Europa, também, não passava por um bom momento, a inquisição matava tantas pessoas quanto à peste negra. E esta ultima, avançava por muitos lugares, apesar de ter diminuído

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bastante nos últimos tempos. Todavia o que os dois senhores precisavam era de novos ares e a nova colônia portuguesa seria este ar que eles precisavam. Alem do mais a religião não era tão rígida como a encontrada na Europa. Paises onde o catolicismo era mais rígido como nos casos da Espanha, França, Itália e Por-tugal. Era um reduto bastante perigoso para seres como os Ilu-minados. Portanto, parecia ser uma decisão bastante acertada tomar a primeira nau que partisse na direção do novo mundo como eram chamadas as terras encontradas no outro lado do mundo. O motivo da saída do velho mundo consistia na natureza peculiar da existência dos Iluminados. Eles eram parasitas, pare-ciam com certos insetos sifonápteros, como pulgas, por exemplo, que vivem de sorver o sangue de outros animais. Todavia ao contrário dos insetos sifonápteros, os Iluminados absorvem o que eles chamam de Dharma das pessoas, vegetais, minerais ou animal. Ela é a energia vital que anima os corpos de todos os se-res vivos. Qualquer coisa que possua esta energia serve de ali-mento para eles. Através desta energia que varia de Iluminado para iluminado pela forma e objeto a qual adquirem esta energia é que conseguem manter sua existência.

Assim se fazia necessário uma intervenção contundente contra o invasor estalar. Todavia, para tanto, seria exigido esta intervenção vir do mundo externo, por organismos mais comple-xos do que os existentes na terra. Naquele momento os entyes só identificaram como os recursos mais próximos, criaturas mis-teriosas chamadas de “iluminados” que estavam presos em um velho sobrado. Entretanto, um pequeno inconveniente se pas-sou os iluminados representaram, igualmente, uma ameaça tal-vez igual ou maior que Hadarin para os entyes e todo o reino ve-getal. Por que era uma das principais fontes de energia o “dharma” e passavam a ser sua fonte primaria de alimentação. No entanto, Hadarin era um perigo muito maior do que o repre-sentado pelos Iluminados naquele momento. Devido, segundo

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as informações obtidas pelos entyes a terra não é o primeiro planeta obsedado pelo monstro estelar.

Ele já vinha de outras incursões, visitando vários planetas que tiveram o mesmo fim. Hadarin é um vegetal vampiro que suga e destrói toda a flora dos planetas visitados substituindo-as por suas sementes que terminaram por sufocar e destruir o que restou do planeta. Portanto, um contato era necessário ser feita com os Iluminados e para isso se fazia urgente penetrar nas de-fesas místicas erguidas do sobrado. O que para os entyes seria fácil. Rasgando as profundezas da terra adormecida, raízes emi-tiam seus acordes de vida para arbustos próximos comunicando através de seus filamentos ordens enviadas pelos entyes para se-rem dados aos Iluminados. Estes arbustos repassaram o comu-nicado através de outras raízes chegando à alcançar uma velha arvore, próximo do sobrado uns cem metros.

A enorme arvore lança, através do vento a mensagem aos Iluminados através de seus polens que são uma poeira finíssima formada de minúsculos grãos e que nas plantas são pequenos e minúsculos, se deprendendo da antera, ou é levada pela água, vento, ou por insetos (cf. mini dicionário Aurelio). Milhares fo-ram lançadas pois os entyes sabem o poder destrutivos existen-tes nos domínios do casarão. Várias vezes a arvore enviou seus polens camicases em direção a tarefa fatal, mas nenhum conse-guiu concluir seu objetivo. Enquanto isso o poder de Hadarin se espalhava silenciosamente pela cidade e a preocupação aumen-tava a medida dos fracassos crescia. A justiça ela é poética, as vezes, os seres de distintas espécies dependiam de pequenos grãos de polém do tamanho de minúsculas partículas de areia para poder sobreviver conjuntamente. Não obstante, a insistên-cia operou resultado. Foi em um dia de outono, quando os vege-tais estão prontos para germinarem e espalhar seu longo manto de vida pelos campos tendo a arvore responsável pelo contato com os habitantes aprisionados na casa, produzindo uma farta quantidade de polens, auxiliada pelo conselho dos entyes que

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recobriram os pequenos grãos com uma película protetora, resis-tente a proteção mística da casa que empreenderam sua suicida jornada.

Uma enorme leva foi produzida em uma noite amena. Os pequenos grãos se encontravam em grandes quantidades pron-tos a cumprir a tarefa designada pelo comitê. Eles aguardavam a carona da brisa este elemento eólico para poder ativar seus pe-quenos pára-quedas e se dirigirem a realização de seu dever, semear a vida seja onde for até mesmo ao casarão abandonado. Assim como os desígnios maiores da natureza são incessantes e não distingue uma realidade da fantasia ou a vida da morte, pois para ela ambas é o mesmo lado de um circulo. Por fim, um ven-to forte atinge a velha arvore que libera seus filhos com seus pe-quenos para quedas para seguir com ele. Milhares são levados em direção ao sobrado que pouco a pouco vão tombando no ter-reno infértil e árido, os engolindo assim que atingem o solo. Um vento forte vindo do sul leva outra porção de encontro às pare-des da ancestral residência precipitando o seu fim. Enquanto ou-tros são levados por correntes de ar mais robustos até o telhado do casarão, terminando por cair em cima dele ou de ultrapassa-rem o seu objetivo e serem levados a perder-se da vista.

Por fim, um pequeno grupo de polens consegue ultrapassar as barreiras erguidas pelo sobrado e pouco a pouco suas defesas vão caindo assim como os poucos grãos que penetram seu inte-rior. Finalmente um deles consegue penetrar em uma pequena fresta no assoalho de uma sala, em seu chão, alcançando, o obje-tivo almejando. A sala de contenção dos dois Iluminados. De-pois, os mecanismos ocultos dentro da semente são ativados e-xigindo seu desenvolvimento imediático. O tecido meristemático ou meristemas que compõem os tecidos vegetais multiplicam-se a uma velocidade impressionante, fazendo com que a pequena semente deixe seu casulo materno e passe a se desenvolver ra-pidamente. Logo a semente adormecida desenvolve-se e passa a desabrochar-se transformando em uma pequena rosa em minu-

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tos. Em seguida, este processo leva a flor a aproximar-se da bor-da do circulo o suficiente para chamar a atenção dos dois prisio-neiros. Estes, observando o estranho fenômeno surgir na sala despertando sua atenção e curiosidade os faz aproximar-se dos limites do circulo. A beleza da frágil rosa erguida desafiadora-mente por entre o solo emadeirado do sobrado, trouxe certo a-livio e interesse aos dois anciões do casarão. Suas faces enruga-das, seus corpos frágeis e alquebrado, membros enrijecidos e o-lhos que já não enxergam com tanta facilidade, devido o tempo imerso na escuridão, levou a estes prisioneiros, ao isolamento e solidão. Assim como seu corpo, com os anos, passou a se tornar cada vez mais limitado, o espaço concedido a eles, igualmente, se tornou limitado. O seu limite é até onde o circulo os deixa ir. De vez em quando, a luz quebrava a escuridão trazendo alguma beleza e da chuva contribuíram para a mais completa obstrução de qualquer imagem que pudessem capturar. Naquela sala eles estavam sós. Presos, limitados por um circulo místico que a me-nor tentativa de ultrapassá-lo tinha a energia que anima seus corpos retirados, sugados por uma força invisível, os obrigando a não sair de seus estreitos limites.

Eles estavam fracos e tristes, tanto pela falta de alimenta-ção o ” Dharma”, como pelo crescente desespero ocasionado pe-la impossibilidade de sair daquela prisão mística, pelo menos, era o que aparentava sentado em uma cadeira de roda, e aquela frá-gil rosa despertou um sentimento de alento e perplexidade que o levou a indagar a si mesmo: como ela conseguirá sobreviver e penetrar as defesas místicas do antigo sobrado perecer no cami-nho? Parecia para ele um mistério, bastante intrigante, capaz de tirá-los daquela funesta condição de imobilidade para levá-los a pensar silenciosamente em alegres considerações sobre o existir, uma pequena possibilidade de fuga daquela prisão, já que uma simples rosa foi capaz de ultrapassar e ludibriar as barreiras mís-ticas do casarão.

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Além disso, sua beleza alienígena parecia lembrar peque-nos sois distantes encontrados nas periferias da via láctea. Os anciões, através de sua beleza comparavam à rosa frágil a figura feminina. Suas cores os faziam recordar uma mistura bem feita de matizes de um quadro ou em uma paisagem campestre co-berta pelo sol da alvorada. Contudo, este belo e lúdico momento foi quebrado por um estranho som, ouvido tão baixo que só uma audição sobrenatural conseguiria conectar-se a mesma freqüên-cia emitida pela rosa. O som parecia vir em ondas tão baixa, que nem os animais mais sensíveis conseguiam identificá-las. Mas os anciões perceberam e entenderam sua mensagem. Os dois an-ciões pensaram que ser utilizaria uma frágil rosa para se comuni-car. Sem dúvida era alguém que desejava um contato particu-larmente discreto. “Uma coisa era certa....”, pensou o ancião sentado na cadeira de roda, “não é nada que conheçamos em termos de ser uma criatura animal, mineral ou liquida. Então só restava ser da espécie vegetal”. Concluindo isso voltou sua aten-ção para a frágil rosa, com uma expressão séria permanecendo em silêncio.

Neste intervalo o som foi diminuindo até chegar a um pon-to de silenciar por completo. Passaram-se alguns segundos, e, então, os iluminados escutaram uma voz rústica e bastante gra-ve, parecia o som de uma criatura ancestral, surgidas dos pri-mórdios esquecidos da terra. A voz, então disse: “nós temos uma proposta para vocês” – disse telepaticamente à voz para os anciões. Estes observaram, espantados, a frágil rosa, pois só po-dia vir dela, a frase dita naquele momento, por que segundo constatam, não havia nenhuma criatura viva no casarão, pelo menos, que eles saibam. Era realmente espantoso este aconte-cimento e isso com certeza despertou o interesse dos dois anci-ões. Novamente, a voz se fez presente em suas mentes falando: “nós temos informações e um plano para libertar vocês” – disse a frágil rosa.

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Um dos anciões, o que estava na cadeira de roda, então, rompe o silêncio através daqueles estranhos sons, em sua men-te, e procurando imitar os mesmos sons, busca se comunicar com a bela rosa e diz: “como uma rosa tão frágil como você pode ajudar dois velhos como nós?”- segue um intervalo de quietude que é logo interrompida pela rosa que pronuncia-se – “não sou eu que falo a você, mas os ancestrais, os legítimos seres do reino da alvorada esmeralda que falam através de mim”. O ancião sentado novamente intervem – “ora, quer dizer que existem tais criaturas, pensei que os entyes fossem apenas lendas, mas o que ganham com nossa libertação?”. Um vento tímido, entra pela grande sala da mansão, espalhando a poeira acumulada pelos móveis e assoalhos um odor a muito conhecido pelos dois ilumi-nados vem com a brisa suave. Eles já tinham sentido, antes nos campos de batalha, era o odor de sangue misturado com a terra algo. Além disso, estava presente ao olfato misturado entre os odores. Algo lúgubre e impreciso despertava os sentidos dos dois anciões para a presença de alguma coisa maligna não muito longe dali. Todavia, esta sensação seria interrompida por uma nova mensagem mental, dada através da rosa, que consistia em “a única coisa que o conselho deseja é a expulsão do invasor ali-enígena do reino verde e só”.

Passado algum tempo, os anciões se pronunciam, desta vez, o ancião que estava em pé, atrás do ancião de cadeira de roda e diz “então, feito isso ficamos quites” sentencia o ancião. A voz ancestral ecoa, novamente, através da sala. Ela emerge em um único som grave, rouco e sentencia “sim é isto”, e volta ao silêncio. Por alguns minutos os dois anciões permaneceram estáticos, de frente um para o outro e após este intervalo res-ponderam “o acordo esta feito, só faremos o que foi estabeleci-do nele e nada mais. Então pode ir, sua missão foi cumprida!”. Assim finaliza o ancião na cadeira de roda. Feito isso, a terna flor começa a deteriorar-se lentamente, no princípio começa a mur-char, suas pétalas caindo, depois sua estrutura passa a ficar que-

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bradiça e passa a esvaecer em uma cortina fina de pó seco, que se esvai levada por uma brisa errante. Seu tronco, a estrutura responsável por erguer a bela flor, se retrai desaparecendo por entre a fresta do assoalho da sala.

Dito isto, o acordo se cumpriu, Tomás fez parte dele, apesar de achar que enganava os anciões, era apenas uma marionete nas mãos dos dois. Sempre trabalhou a favor deles, mesmo não sabendo. Coitado foi a peça de um jogo sórdido de entidades que estavam além de sua possibilidade de compreensão. Tanto anciões quanto, entyes o utilizavam a melhor maneira que os conviesse. Não é preciso entrar em detalhes para saber o desen-rolar dos acontecimentos que levaram os anciões a liberdade. Até por que eu já o delatei, antes. Quanto a mim, o objetivo dos iluminados tinha um outro plano especifico e após narrar toda esta seqüência de acontecimentos, revelaram qual seria a minha parte nesta historia. Diferente de Tomas eu não tinha no pre-sente momento que viesse a contribuir para beneficio deles, en-tretanto, para o futuro isso poderia ser diferente. Para eles mi-nha utilidade consistia em ser transmissor de uma mensagem singular para um conhecido deles que segundo os mesmos eu reconheceria tão logo tivesse contato com ele. Este reconheci-mento consistia, segundo eles, através do interesse de uma pes-soa particular. Esta seria a única a procurar por eles, e, portanto seria a quem deveria relatar o que me haviam instruído.

Faz-se um minuto de silêncio, o sujeito a minha frente que escutou toda a narrativa até agora se encontra sereno. Ele não parece duvidar de meu relato. É um sujeito bem aparentado o meu ouvinte. O mesmo não tem mais do que um metro e seten-ta e oito. Sua constituição é de uma pessoa comum, muito pare-cida com a minha. Seus cabelos são escassos na parte frontal mostra com isso que não liga muito para a aparência pessoal. Sua roupa é bastante comum, camisa de manga comprida azul, vale notar, um suicídio em um calor infernal como este no verão. Finalizando seu vestuário, uma calça jeans, o par perfeito para

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quem deseja passar desapercebido nesta região de cultura agrá-ria. A idade também influi, pois aquele senhor deve ter uns cin-qüenta e cinco a cinqüenta e oito anos o que lhe empresta um aspecto agradável, uma mistura bastante equilibrada de sabedo-ria e indulgência que trás confiança e conforto nas pessoas a qual se relaciona; deixando-as a vontade para revelar a sua pessoa; devido não observar perigo em seu olhar. Resumidamente, a sua aparência empresta um ar de patriarca benévolo, capaz de per-doar o pecado mais soberbo cometido para uma pessoa. Estas características mesmas, foram descritas pelos anciões e seria o portador delas que deveria entregar a importante mensagem e me livrar de meu estado catatônico definitivamente através dis-so. Todavia, era necessário algumas prerrogativas para que a to-talidade do plano estivesse completo. Por exemplo o senhor a minha frente não se identificou corretamente, pois apesar da camisa de mangas longas, calças jeans e sapatos social de couro, por cima de tudo isso estava um jaleco que não dei muita impor-tância, devido já está tão familiarizado, neste lugar (um abrigo de loucos) com pessoas vestidas desta maneira que só identifiquei, quem era o distinto senhor mediante o conjunto de perguntas feita por ele; bem diferente dos outros médicos que me interro-gavam o tempo todo sobre minhas fantasias, anseios ou delírios, buscando decifrar alguma indicação do que possa ter causado o meu distúrbio, sem obter, como o esperado, nenhuma resposta para aquele silêncio e aparência catatônica permanente.

A pesar de estar escrito em seu crachá Fabio Costa Andra-

de; psiquiatra “G3”; eu sabia muito bem pelas perguntas que es-te não era seu verdadeiro nome, muito menos sua profissão. Pois os anciões já sabiam que ele viria lhes procurar e provavel-mente os aprisionariam novamente, e, sendo eles, perfeitos ca-valheiros não deixariam o seu algoz Eduardo Terra, mago necro-mante sem fornece-lhes alguma retribuição pelos anos de cárce-re e assim deveriam aguardar o próximo passo ou pergunta do

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mago, o distinto sonhar para poder entregar a mensagem com-pleta. Finalmente parando de me olhar o mago começa a me in-terpretar.

- Então os iluminados estão livres, correto? – ele disse. - Sim – respondi laconicamente. - Você sabe para onde eles foram? – perguntou novamen-

te. -Não sei para onde foram – respondi brevemente. -Claro, claro que não sabe. Seria pedir muito daquelas a-

berrações alguma pista sobre o seu paradeiro. Novamente o mago necromante silencia e fica a olhar a ja-

nela que dá para o corredor, o longo corredor que se interliga a grande caixa onde fica enfermeiros e psiquiatras do hospital, é a parte central de triagem e monitoração de pacientes, e também onde fica os remédios, vacinas dos internos. Continuando o cor-redor passa pelas salas G2 de doentes com psicoses medianas e seguindo termina nas salas de G1 que é aqueles doentes vitimas de enfermidades neuróticas leves como distúrbio repentino de violência, aquelas vitimas de stress e outras doenças mais ame-nas. E terminando seu percurso a porta de saída proibida e qua-se inalcançável para os doentes G3 de distúrbios mentais crôni-cos e graves que nos exclui do convívio em sociedade.

Enquanto o mago ficava imerso em seu silêncio eu me le-vantei e fiquei a observar sua pessoa por algum tempo. Tentan-do, talvez, adivinhar qual seria seu próximo passo. Mas por fim aquilo não me interessava, porque tinha que realizar uma ultima tarefa entregar a mensagem a quem é de direito.

-Se, senhor – falei com voz vacilante, a magnanimidade do que deveria fazer era de extrema importância naquele momen-to.

Surpreso por minha atitude o mago necromante vira-se pa-ra mim. Queria-se chamar a sua atenção havia conseguido na-quela hora.

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- acho que o subestimei meu jovem- pensei que aqueles dois haviam acabado com você, com sua sanidade!

-Penso me lembrar de algo que eles me disseram para rela-tar ao senhor, a mensagem para lhe entregar continha alguma pista onde eles estejam.

O homem me observa vasculhando em meus olhos qual seria esta mensagem misteriosa, pois pensava que uma mente tão frágil como a minha era incapaz de agüentar tamanha histo-ria de loucura sem causar algum efeito grave em minha sanida-de. Entretanto o tempo escasso e a curiosidade, principal ingre-diente para o descuido, sobrepõe-se a todo cuidado que possa vir dos mais acurado estrategista. E foi baseando-se nesse in-consciente que ele perguntou.

- você sabe que mensagem é esta? - sim, sei! Respondi imediatamente. - pensei que estivesse falando apenas por falar ...você sabe, devido ao seu estado – disse o necromante. - entendo, é sobre o meu estado catatônico; leva as pesso-as acharam que sou louco, mas isso era apenas momentâ-neo. -porque momentâneo, o que você quer dizer com isso? – falou intrigado. -quero dizer apenas que deveria me pronunciar quando en-contrasse você, só isso – finaliza dizendo. E então me calo esperando o necromante dizer as palavras

mágicas capazes de abrir todos os segredos por mim armazena-dos desde o encontro com os anciões. Mas este pequeno inter-mezzo era esperado, porque tudo o que necessariamente espe-ramos, não acontece rapidamente, só a morte acontece as vezes assim. E no caso presente conhecendo os anciões melhor do que eu, creio não esperar o questionar do mago, só um tolo bus-ca de um louco respostas do paradeiro de seus inimigos. Entre-tanto a curiosidade é um veneno que age vagarosamente. Sua

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ação baseia-se no tempo e na usura de conhecimento. É a forma mais danosa e perigosa de obtê-lo não é a toa que a humanidade sofre seus danos até hoje. Os mitos são uma boa demonstração disso. Mas existe casos, raros estes, que escapam de suas arma-dilhas o que não é o caso aqui. Porque um novo ingrediente se encontra misturado a todo o acontecimento. Se o mago necro-mante realmente deseja encontrar os anciões deve procurar re-ceber a minha mensagem não leve aos anciões e pelo contrário o faça se distanciar mais ainda de sua trilha. Nesse paradoxo é que reside a dúvida e o silêncio do necromante. No entanto, ele decide pagar para ver.

- muito bem, vejamos o que eles tem para me dizer se for de meu proveito, talvez recompense você, caso contrário, o seu atual estado permanecerá para sempre meu jovem. Aquelas palavras não alteraram o meu animo; só fez au-

mentar e liberar o conteúdo da mensagem; mas antes era neces-sário me levantar e ficar de acordo com o que o momento exigis-se. Este pequeno movimento fez o mago se aproximar de mim com cuidado, entretanto continuou a me fitar esperando revelar-lhe o conteúdo do que tinha a dizer e isso seria fácil. Olhando-o nos olhos eu me lembrei das últimas frases dos dois anciões, di-tas estas ao mesmo tempo.

- os iluminados senhor Eduardo Terra, dizem que não se esqueceram das décadas de cárcere em que fizeram submetidas.

Dito isso, um fluxo de energia, de um calor infernal atraves-sou o meu corpo chegando a minha cabeça. Do globo de meus olhos pude sentir uma dor imensa como se existisse algo prestes a sair deles, empurrando-os para fora que me fez segurá-los, mas que não atenuou a dor em nada. Em seguida o rosto começou a ser tomado por um ardor intenso, juntando-se a dor dos olhos se tornaram insuportáveis a ponto de queimarem as minhas mãos. Uma ânsia de vomito veio a formar um quadro periclitante com

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os demais sintomas. Eu não sabia o que estava acontecendo. Foi quando algo saindo dos recantos mais obscuros do meu es-tomago, atravessou minha garganta e o globo dos meus olhos e saltou em direção ao necromante atingindo-o na cabeça. Era uma substância viscosa, pegajosa, que se movimentava sobre sua cabeça feita uma gelatina balançando-se sobre ela, de um canto a outro do seu tronco. O mago reagiu através de espas-mos penetrando a substância viscosa com as mãos, mas não ob-tém êxito, porque após cada movimento a estranha gelatina ver-de penetrará nos orifícios próximos de sua cabeça como ouvidos, nariz, olhos e boca. O mago lutou durante algum tempo quando por fim parou imóvel. A enorme gelatina havia desaparecido, migrou para dentro da mente do necromante. Este se tornou imóvel, passou a um estado catatônico e sua mente parece ter se apagado completamente. Quanto a mim restabeleci minha sani-dade completamente. O meu estado catatônico ao contrário do necromante, foi vencido e devido a isso tratei de me livrar das roupas de interno e trocar com o mago já que ele não vai preci-sar delas, porque no estado que esta, o lugar mais correto para ele é nesta casa de repouso. E para facilitar minha vida bem co-mo a dele trocamos de roupas e de papeis. Até isso foi previsto pelos anciões; eles, acredito, podem adivinhar o futuro ou utili-zam algum fator lógico que antecipe as ações dos indivíduos. Sem dúvida estão além de nossa compreensão.

Vestido com as roupas do necromante que antes de o fazê-lo tive de produzir um pequeno ritual designado pelos anciões, caminhei em direção a saída. Atravessei lentamente os corredo-res, passando em frente ao puleiro como é chamado intimamen-te pelos internos o centro de controle e triagem onde fica os médicos e enfermeiros. Continuo seguindo reto pelo corredor central. Ninguém me incomoda, tão pouco observa minha pes-soa estou invisível e paciente a poucos metros da saída. Ela se apresenta iluminada pela luz do sol. Há quanto tempo não vejo a luz do sol não sei dizer, mas a distância entre eu e a saída esta

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diminuindo a cada passo que dou....a cada passo me aproximo da saída.