Os media nos últimos 25 anos (Forum Estudante)

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1 Os media nos últimos 25 anos (1992-2017) Possivelmente o período mais veloz de sempre na vida dos media, pelas novidades, ruturas e interações. Sem uma hierarquia bem definida, deixo aqui alguns elementos sociais, tecnológicos e culturais, falando de media clássicos e novos media: 1) Nascimento do jornal diário Público em 1990 [um pouco antes do período aqui em análise, mas cuja abertura à cultura, por exemplo, é fundamental para compreender todo o período]. 2) Surgimento da televisão privada em Portugal (outubro de 1992, com a SIC, e fevereiro de 1993, com a TVI), que levou à constituição de grupos de media: RTP (televisão e rádios), Impresa (televisão e jornais) e Media Capital (televisão e rádios). Um outro grupo importante é a Renascença (rádios, com atual ligação à SIC no domínio da informação). 3) Tal trouxe a criação de empresas de produção de conteúdos como a Nicolau Breyner Produções (depois Plural Entertainment) e a criação de novos géneros e programas. Mais recentemente, destaco a SP Televisão, o que leva a falar de uma indústria cultural de relevo, embora as carreiras profissionais permaneçam sempre ameaçadas dada a exiguidade do mercado. 4) Destaco, pela importância, a informação da SIC, os talk shows e os reality shows e o impacto junto das audiências que justificariam a mudança de liderança de audiência primeiro para a SIC e depois para a TVI. Não falo de qualidade ou de questões morais, mas do impacto social: Big Brother, Ponto de Encontro, telenovelas brasileiras (e depois portuguesas) e concursos de revelação de artistas musicais, casos de Chuva de Estrelas ou Ídolos. 5) Massificação da televisão por cabo, ao longo da década de 1990, e não pelo sistema de TDT (televisão digital terrestre), lançado depois. Hoje, os canais distribuídos pela televisão por cabo atingem maior audiência que os canais generalistas. 6) Massificação da internet (o meu primeiro email data de 1994). O meio passou de distribuidor para dar lugar também à produção e interatividade de conteúdos partilhados. 7) Surgimento de meios como Blogger (1999), Facebook (2004), Youtube (2005), Twitter (2006) e Instagram (2010), todos na primeira década do século XXI.

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Os media nos últimos 25 anos (1992-2017)

Possivelmente o período mais veloz de sempre na vida dos media, pelas novidades,

ruturas e interações. Sem uma hierarquia bem definida, deixo aqui alguns elementos

sociais, tecnológicos e culturais, falando de media clássicos e novos media:

1) Nascimento do jornal diário Público em 1990 [um pouco antes do período aqui

em análise, mas cuja abertura à cultura, por exemplo, é fundamental para

compreender todo o período].

2) Surgimento da televisão privada em Portugal (outubro de 1992, com a SIC, e

fevereiro de 1993, com a TVI), que levou à constituição de grupos de media:

RTP (televisão e rádios), Impresa (televisão e jornais) e Media Capital (televisão

e rádios). Um outro grupo importante é a Renascença (rádios, com atual ligação

à SIC no domínio da informação).

3) Tal trouxe a criação de empresas de produção de conteúdos como a Nicolau

Breyner Produções (depois Plural Entertainment) e a criação de novos géneros e

programas. Mais recentemente, destaco a SP Televisão, o que leva a falar de

uma indústria cultural de relevo, embora as carreiras profissionais permaneçam

sempre ameaçadas dada a exiguidade do mercado.

4) Destaco, pela importância, a informação da SIC, os talk shows e os reality shows

e o impacto junto das audiências que justificariam a mudança de liderança de

audiência primeiro para a SIC e depois para a TVI. Não falo de qualidade ou de

questões morais, mas do impacto social: Big Brother, Ponto de Encontro,

telenovelas brasileiras (e depois portuguesas) e concursos de revelação de

artistas musicais, casos de Chuva de Estrelas ou Ídolos.

5) Massificação da televisão por cabo, ao longo da década de 1990, e não pelo

sistema de TDT (televisão digital terrestre), lançado depois. Hoje, os canais

distribuídos pela televisão por cabo atingem maior audiência que os canais

generalistas.

6) Massificação da internet (o meu primeiro email data de 1994). O meio passou de

distribuidor para dar lugar também à produção e interatividade de conteúdos

partilhados.

7) Surgimento de meios como Blogger (1999), Facebook (2004), Youtube (2005),

Twitter (2006) e Instagram (2010), todos na primeira década do século XXI.

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Quase nos esquecemos de como estes meios e ferramentas alteraram a nossa

vida nos últimos 17 anos, em especial os que nasceram antes da revolução

digital. Os que nasceram depois, usam o ecrã tátil e interrogam-se porque há

ecrãs estáticos. Parece existir um novo divisor civilizacional: antes da internet,

depois da internet.

8) Assunção do produtor-consumidor, do consumidor a fazer conteúdos. A

autoprodução e a abundância de informação em que o maior esforço é a seleção

criteriosa (por oposição a anterior escassez de informação). Há sítios e blogues

rentabilizados e que constituem fontes de receita.

9) Criação de servidores para criação de revistas online como ISSUU e Joomag

possibilitam a expansão estética e de forte inovação a baixo custo (apenas o

custo inerente à produção de imagens e textos a colocar), o que alarga ainda

mais a segmentação até ao nicho de mercado (cultural, por exemplo).

10) Tal conduziu a mudanças de gosto e, mais do que isso, a uma maior definição de

públicos-alvo, com o consumo por segmentos etários mais precisos. Por

exemplo, o consumo de séries por níveis etários jovens e em diferido, graças a

sistemas eletrónicos de armazenamento, as caixas junto aos televisores e às

séries guardadas na internet.

11) O smartphone popularizou-se no final da década de 1990 com o PDA

(dispositivo portátil com funções de processamento de dados). O termo

smartphone foi usado pela primeira vez em 1997 pela Ericsson. A BlackBerry

lançou o seu primeiro smartphone em 2002 e dominou, durante anos, o mercado

com a Nokia até ao lançamento do smartphone da Apple em 2007.

12) O consumo específico de televisão e o uso massificado do smartphone levaram a

novas segmentações de consumo e a usos diferenciados. Não nos esqueçamos do

uso da mensagem SMS, hoje quase abandonado enquanto cresce a mensagem

via vídeo, suportada em sistemas de maior largura de banda.

13) No campo do jornalismo, os jornalistas saídos da universidade, com maior

formação, cosmopolitismo (exemplificado na circulação escolar do Erasmus) e

peso feminino nas redações, abordariam temas novos ou a desenvolver, como

ambiente, cultura, tecnologia e sociedade.

14) Maior precariedade de condições de trabalho – nascimento e morte de projetos

de media, em especial após a crise financeira de 2008 e anos seguintes. O salário

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mensal do profissional reduz-se a níveis dramáticos. As saídas para emprego

diminuem, apesar de ofertas de trabalho nos setores de comunicação empresarial

e internet.

15) Entrada de capital estrangeiro (angolano, chinês) em media noticiosos

habituados a terem capital nacional.

16) Os dois itens anteriores colocam crescentemente a questão da independência dos

media.

17) As alterações colocam ainda o problema dos valores-notícia (elementos

noticiáveis nos acontecimentos), como autenticidade e relato objetivo, com a

crescente tabloidização e sensacionalismo do que está escrito na imprensa e

mostrado na televisão e na internet. A rapidez e a falta de verificação em muitas

mensagens políticas via Twitter, com o máximo de 140 caracteres, provam os

riscos de ausência de mediadores credenciados, imagem que os media

construiram ao longo de décadas.

18) Questão da literacia mediática. O país está preparado para ler e compreender as

vantagens, ameaças e oportunidades dos media em geral? Com a massificação

da televisão e, depois, da internet, o peso é crescentemente da imagem face à

leitura. Portugal tem níveis baixos de leitura, medidos pelo antigo analfabetismo

e pouca discussão e argumentação no espaço público e desenvolvimento

associativista. Os esforços estatais e privados alcançam resultados frágeis; os

programas de leitura esbarram em indiferenças várias. Os alunos universitários

queixam-se de cursos muito teóricos – mas o esforço de ler e analisar é fraco em

regra. O enorme sucesso das redes sociais digitais, com colagem de textos de

outros numa circulação de simpatia pelo já produzido e colocação de imagens

pessoais e dos seus grupos de amizade, com a questão da fronteira entre público

e privado, não traz para a discussão pública a literacia mediática.

19) Ao mesmo tempo, a aprendizagem das tecnologias ameaça estilhaçar os sistemas

escolares e as hierarquias funcionais. O uso amigável das tecnologias mais

recentes permite eliminar barreiras e, por isso, a educação parece prescindir dos

intermediários culturais, como o professor ou tutor, através de práticas entre

pares. Ou reduz a sua importância.

20) Notas finais: o primeiro curso de mestrado em Ciências da Comunicação surgiu

em 1984 na Universidade Nova de Lisboa, ainda com a designação de

Comunicação Social (a licenciatura fora lançada em 1979), as primeiras

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associações ligadas à investigação dos media apareceram em 1997 (CIMJ e

SOPCOM) e a primeira coleção de livros de comunicação e media começou a

sair também em 1997.