Poetas 11º

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Dossiê para as aulas de Literatura Portuguesa II:Antero de Quental, Camilo Pessanha, António Nobre, Cesário Verde.

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O ALBATROZ Às vezes, por prazer, os homens da equipagem Pegam um albatroz, imensa ave dos mares, Que acompanha, indolente parceiro de viagem, O navio a singrar por glaucos patamares. Tão logo o estendem sobre as tábuas do convés, O monarca do azul, canhestro e envergonhado, Deixa pender, qual par de remos junto aos pés, As asas em que fulge um branco imaculado. Antes tão belo, como é feio na desgraça Esse viajante agora flácido e acanhado! Um, com cachimbo, lhe enche o bico de fumaça, Outro, a coxear, imita o enfermo outrora alado! O Poeta se compara ao príncipe da altura Que enfrenta os vendavais e ri da seta no ar; Exilado ao chão, em meio à turba obscura, As asas de gigante impedem-no de andar.

Baudelaire

(1821 – 1867)

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ANTERO DE QUENTAL

Antero Tarquínio de Quental (Ponta Delgada, Ilha de São Miguel, Açores, 18 de Abril de 1842 — 11 de Setembro de 1891) é um escritor e poeta Portugal que teve um papel importante no movimento da Geração de 70.

Durante a sua vida, Antero de Quental dedicou-se à poesia, à filosofia e à política. Iniciou seus estudos na cidade natal, mudando para Coimbra aos 16 anos, ali estudando Direito e manifestando suas ideias socialistas.

Em 1861, publicou seus primeiros sonetos. Quatro anos depois, publicou as Odes Modernas, influenciadas pelo socialismo de Proudhon, enaltecendo a revolução. Nesse mesmo ano iniciou a Questão Coimbrã, em que Antero e outros poetas foram atacados por Feliciano de Castilho, por instigarem a revolução intelectual. Ainda em 1866 foi viver em Lisboa, onde experimentou a vida de operário, trabalhando como tipógrafo, profissão que exerceu também em Paris, entre Janeiro e Fevereiro de 1867. Em 1868 regressou a Lisboa, onde formou o Cenáculo, de que fizeram parte, entre outros, Eça de Queirós, Guerra Junqueiro e Ramalho Ortigão. Em Junho de 1891, regressa a Ponta Delgada, acabando por suicidar-se dia 11 de Setembro de 1891, com um tiro na cabeça, disparado num banco de jardim.

Na obra poética de Antero há a presença de um só tipo de interrogação, que não chega a ser filosófica, mas simplesmente teórica, aquela que corresponde à colocação directa, imediata de determinadas questões: uma interrogação dirigida ao particular, a do eixo horizontal (relação EU/MUNDO ) e uma interrogação sobre o mundo em geral, a do eixo vertical (relação EU/DEUS), interrogação cuja característica é manifestar-se mas não produzir-se a si mesma.

Na relação EU/MUNDO o poeta interroga o mundo, apoiado em filósofos do seu tempo. É um mundo novo que Antero quer ver surgir, sendo a "Poesia a voz da Revolução". É o ideal de amor, de justiça e de fraternidade que prega sem cessar.

Na relação EU/DEUS o poeta procura interpretar Deus de forma racionalista, afirmando a superioridade da razão humana.

A obra de Antero de Quental apresenta três dimensões:

- a SOCIAL - em que analisa a sociedade, procura encontrar as causas da sua decadência e propõe soluções baseadas no socialismo utópico de Proudhon;

- a FILOSÓFICA - sob influência predominante de Hegel para quem a ideia é o objectivo último a atingir:

- a POÉTICA que versa: o Amor e a Razão, fontes da harmonia no indivíduo e na sociedade; a noite, o sonho e a morte, o pessimismo do regresso ao nada.

Os temas fundamentais da sua poesia são Deus, o Amor, a Justiça, a Fraternidade, a Morte, a Solidão e o Nada.

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A Questão Coimbrã

Polémica provocada por uma carta posfácio anexada à obra de Pinheiro Chagas – Poema da Mocidade - por Feliciano Castilho, à qual Antero de Quental responde com uma outra carta intitulada do Bom Senso e do Bom Gosto. A resposta de Antero não é a voz pessoal, é a voz do grupo. Esta polémica aparentemente literária, acabou por secundarizar os motivos literários, para realçar motivos mais propriamente ideológicos, morais e culturais. Antero critica aqueles que adoram a palavra e desprezam a ideia; os apóstolos do dicionário; os que imitam, em vez de inventar. Assina: «Nem admirador, nem respeitador.»

3. O cavaleiro andante é um sujeito em movimento, é a personagem que se move de um lado para o outro, percorrendo o espaço físico e psicológico.

3.1 Mostre que o v. 2 exprime, não apenas o espaço, mas também o tempo. 3.2 Qual a palavra que, no v. 2, lhe parece exprimir metaforicamente, com mais precisão, o espaço

psicológico?

4. Qual o verso da primeira quadra que traduz a competência do cavaleiro para a procura da Ventura?

5. O encontro com do palácio da ventura acaba por ser uma decepção. 5.1 Em que consiste essa decepção? 5.2 Qual o verso que, na segunda quadra, anuncia já essa decepção final? 5.3 Explique o sentido desse verso no contexto da narrativa. Note o paralelismo sintáctico existente

entre esse verso e o que traduz a decepção final («Mas já (…) Ms dentro (…)» Este paralelismo sintáctico poderá obedecer a alguma intenção semântica?

1. Verifique se está de acordo com António Sérgio, que considera este soneto, quanto à estrutura lógica, como uma lógica, com uma tragédia em quatro actos: - o entusiasmo do primeiro arranco (1ª quadra); - o desalento do insucesso (vv. 5 e 6); - o renascimento da esperança (vv. 7-12)

- a decepção final (vv. 13 e 14)

2. Este soneto é claramente narrativo. O poeta não narra propriamente um sonho; é ele que cria a situação onírica: «Sonho que sou um cavaleiro andante.»

2.1. Qual a expressividade do uso do presente verbal ao longo do poema?

2.2. Estando todo o texto construído no presente, como sentimos a progressão dessa narrativa, isto é, como nos damos conta do antes e do depois?

O PALÁCIO DA VENTURA Sonho que sou um cavaleiro andante. Por desertos, por sóis, por noite escura, Paladino do amor, busco anelante O palácio encantado da Ventura! Mas já desmaio, exausto e vacilante, Quebrada a espada já, rota a armadura... E eis que súbito o avisto, fulgurante Na sua pompa e aérea formosura! Com grandes golpes bato à porta e brado: Eu sou o Vagabundo, o Deserdado... Abri-vos, portas de ouro, ante meus ais! Abrem-se as portas d' ouro, com fragor... Mas dentro encontro só, cheio de dor, Silêncio e escuridão - e nada mais!

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NOX Noite, vão para ti meus pensamentos, Quando olho e vejo, à luz cruel do dia, Tanto estéril lutar, tanta agonia, E inúteis tantos ásperos tormentos... Tu, ao menos, abafas os lamentos, Que se exalam da trágica enxovia... O eterno Mal, que ruge e desvaria, Em ti descansa e esquece alguns momentos... Oh! antes tu também adormecesses Por uma vez, e eterna, inalterável, Caindo sobre o Mundo, te esquecesses, E ele, o Mundo, sem mais lutar nem ver, Dormisse no teu seio inviolável, Noite sem termo, noite do Não-ser!

EVOLUÇÃO Fui rocha, em tempo, e fui, no mundo antigo, Tronco ou ramo na incógnita floresta... Onda, espumei, quebrando-me na aresta Do granito, antiquíssimo inimigo... Rugi, fera talvez, buscando abrigo Na caverna que ensombra urze e giesta; Ou, monstro primitivo, ergui a testa No limoso paul, glauco pascigo... Hoje sou homem - e na sombra enorme Vejo, a meus pés, a escada multiforme, Que desce, em espirais, na imensidade... Interrogo o infinito e às vezes choro... Mas, estendendo as mãos no vácuo, adoro E aspiro unicamente à liberdade.

HINO À RAZÃO Razão, irmã do Amor e da Justiça, Mais uma vez escuta a minha prece, É a voz dum coração que te apetece, Duma alma livre, só a ti submissa. Por ti é que a poeira movediça De astros e sóis e mundos permanece; E é por ti que a virtude prevalece, E a flor do heroísmo medra e viça. Por ti, na arena trágica, as nações Buscam a liberdade, entre clarões, E os que olham o futuro e cismam, mudos, Por ti, podem sofrer e não se abatem, Mãe de filhos robustos, que combatem Tendo o teu nome escrito em seus escudos!

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IDEAL Aquela que eu adoro não é feita De lírios nem de rosas purpurinas, Não tem as formas lânguidas, divinas, Da antiga Vénus de cintura estreita... Não é a Circe, cuja mão suspeita Compõe filtros mortais entre ruínas, Nem a Amazonas, que se agarra às crinas Dum corcel e combate satisfeita... A mim mesmo pergunto, e não atino Com o nome que dê a essa visão, Que ora amostra ora esconde o meu destino... É como uma miragem que entrevejo, Ideal, que nasceu na solidão, Nuvem, sonho impalpável do Desejo...

1. «Aquela» refere-se a uma mulher ideal que o poeta caracteriza. Essa caracterização é feita pela afirmativa (uma visão, um ideal, uma nuvem, um sonho) e pela negativa (não é «feita / de lérios» e « rosas purpurinas», «Vénus, «Circe», «Amazona»).

a. Que tipo de mulher nos é dado pela caracterização negativa? E pela positiva? Justifique.

b. Nenhum destes tipos de mulher se enquadra dentro da sensibilidade realista. Qual deles representa o ideal clássico de mulher e qual deles o ideal romântico?

2. O título do soneto, Ideal, para qual desses dois tipos de mulher aponta? Baseando-se no texto, demonstre que é esse o tipo que o poeta adora.

3. Compreende-se facilmente que, estruturalmente, o texto se divide em duas partes, que correspondem à sua caracterização de cada um dos tipos de mulher. Delimite cada uma das partes e redija, por suas palavras, o conteúdo de cada uma delas.

A UM POETA Surge et ambula! Tu que dormes, espírito sereno, Posto à sombra dos cedros seculares, Como um levita à sombra dos altares, Longe da luta e do fragor terreno, Acorda! é tempo! O sol, já alto e pleno, Afugentou as larvas tumulares... Para surgir do seio desses mares, Um mundo novo espera só um aceno... Escuta! é a grande voz das multidões! São teus irmãos, que se erguem! são canções... Mas de guerra... e são vozes de rebate! Ergue-te, pois, soldado do Futuro, E dos raios de luz do sonho puro, Sonhador, faz espada de combate!

1. Este poema constitui uma clara incitação à revolta violenta. A que tipo de pessoas é dirigida a mensagem?

2. Indique a principal função de linguagem que o poeta utiliza para incitar á revolta? (comprove com dados do texto.)

3. 0 «eu» lírico aponta alguma razão concreta para se fazer a revolução? E abstracta? (confirme com dados do texto).

4. Mude o segundo terceto do poema para o discurso indirecto, começando assim: O «eu» lírico pediu ao soldado do futuro que….. (continue)

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Na mão de Deus, na sua mão direita, Descansou afinal meu coração. Do palácio encantado da Ilusão Desci a passo e passo a escada estreita. Como as flores mortais, com que se enfeita A ignorância infantil, despojo vão, Depus do Ideal e da Paixão A forma transitória e imperfeita. Como criança. em lôbrega jornada, Que a mãe leva ao colo agasalhada E atravessa, sorrindo vagamente, Selvas, mares, areias do deserto... Dorme o teu sono, coração liberto, Dorme na não de Deus eternamente!

Intertextualidade Reabro as portas do poema, portas de ouro Da estrofe, e entro num chão de terra negra, Pisando a cinza de quem ali viveu. Tu, Camões, com a lenta memória de amigas E madrugadas, levantas-te de um sepulcro De rimas e mágoas, com as mãos cansadas. E tu, Garrett, suando o ócio de amores e Desamores, já não corres pelos campos Onde viveste para nunca mais. Mesmo tu, Antero, cujo tédio se estende Pelas paredes onde jazem Cristos estéreis, Perdeste o impulso da oração. Puxo-vos para dentro das palavras. E ouço O murmúrio que escorre dos lábios, Como um salmo que o poema repete. Nuno Júdice

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CESÁRIO VERDE

Cesário Verde teve uma vida bastante simples, tão simples, que os

actos sociais da sua vida são de pouco interesse. De nome completo José Joaquim Cesário Verde, nasceu na capital, a 25 de Fevereiro de 1855, na freguesia da Madalena, onde foi baptizado a 2 de Junho desse mesmo ano. Foi o segundo filho de José Anastácio Verde e Maria da Piedade dos Santos, e trineto de um emigrante genovês em Lisboa, Giovanni Maria Verde.

Em 1856 nasceu sua irmã, Adelaide Eugénia, e no ano seguinte, devido a uma epidemia de peste em Lisboa, a família refugiou-se numa quinta em Linda-a-Pastora. Aí vive a sua infância.

Pode-se dizer que a infância deste poeta lhe foi extraordinariamente marcante, pelo que manteve durante toda a vida uma íntima e profunda lembrança daqueles tempos em que viveu na companhia constante da natureza e do campo. Na realidade, acompanhando a exploração agrícola que seu pai fazia na quinta, Cesário teve como que uma educação positivista e realista, e ao acompanhar as gentes da aldeia, desenvolve um espírito observador e atento dos pormenores do meio ambiente.

Em Janeiro de 1872 e ainda com apenas dezasseis anos, Cesário Verde começou a trabalhar numa loja de ferragens e quinquilharias que seu pai tinha em Lisboa na Rua dos Fanqueiros.

Em 1874, e apesar de reduzida e dispersa, a sua obra tinha já provocado escândalo, e dois intelectuais de prestígio e identificados com as ideologias progressivas da época- Ramalho Ortigão e Teófilo Braga- acolheram severa e sarcasticamente poema "Esplêndida", publicado n'O Diário de Notícias. Estes dois poetas chegaram, inclusivamente, a aconselhar o poeta a tornar-se "menos Verde e mais Cesário".Essa incompreensão dos seus contemporâneos e amigos (de quem esperava novos estímulos e incentivos) desanimou-o bastante tendo-lhe amargurado a vida, pelo que se ressentiu, assim como toda a sua actividade poética. Em virtude desta situação, a publicação de um livro que aparecia anunciado "para breve" foi adiada. O motivo maior de tal crítica tratou-se da sua ousadia e inovação anti-românticas portadoras de uma nova estética real e naturalista que chocava os mais conservadores; mas a esses e a toda a classe literária chocava igualmente a sua condição social de trabalhador numa loja de ferragens, e não entendiam a existência de um poeta agricultor...

A sua saúde em declínio faz com que ele tenha procurado no campo as forças e a vitalidade perdida, e identificou-se com os trabalhadores da quinta, realçando a majestade do esforço físico que já não tinha. Na Primavera de 1886, muda-se para Caneças, gravemente doente. No Verão, transfere-se para o Paço do Lumiar, onde veio a falecer, vítima de tuberculose, em 19 de Julho; contava então com apenas trinta e um jovens anos.

Múltiplos olhares sobre a obra de Cesário Verde

«O universo de Cesário não é um universo pensado, crítico, à maneira de Eça (...), é um mundo sentido, palpado e ao mesmo tempo transcendido pelo sonho, que é desejo de um lugar outro, de uma humanidade outra que inconscientemente o conforta na sua admiração pela força, pela saúde e energia que a memória e o sangue lhe denegam.» Eduardo Lourenço «Poeta do imediato, Cesário é também um poeta da memória...» (colectiva em «O Sentimento dum Ocidental», pessoal em «Nós») Jacinto do Prado Coelho

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DE TARDE

Naquele piquenique de burguesas Houve uma coisa simplesmente bela E que, sem ter história nem grandezas, Em todo o caso dava uma aguarela. Foi quando tu, descendo do burrico, Foste colher, sem imposturas tolas, A um granzoal azul de grão-de-bico Um ramalhete rubro de papoulas. Pouco depois, em cima duns penhascos, Nós acampámos, inda o Sol se via; E houve talhadas de melão, damascos, E pão-de-ló molhado em malvasia.

Mas, todo púrpuro, a sair da renda Dos teus seios como duas rolas, Era o supremo encanto da merenda O ramalhete rubro das papoulas!

Intertextualidade

Cesariny parodia com Cesário Verde e, inspirando-se no poema «De Tarde», cria um poema intitulado «homenagem a cesário verde». Mais uma vez o título surge-nos como uma indicação de paródia, uma vez que a dita homenagem é grafada em minúsculas, sugerindo logo à partida uma caricatura, tanto do poeta como da sua obra. Na versão de Cesariny, parodia-se com os alimentos, pois a fruta é trocada por «sardinhas», «pudim», «bolo-rei», «goiabada», «feijão branco em sangue» e «rolas cosidas». O alimento saudável que simboliza a frescura e a vida salutar do campo é substituído por uma gastronomia “pantagruélica” e pela alusão ao vício (referência aos “cigarros”), consumida pelos citadinos. Além deste aspecto, a paródia incide também sobre o sentimento e a sensibilidade/sensualidade de Cesário. O animal a que se compara os seios da mulher (a “rola”) não passa para o poema de Cesariny no sentido metafórico, mas sim no sentido literal, como objecto para saciar a fome. Em Cesariny, a ideia de satisfação do desejo é fulcral, ao passo que em Cesário a ideia fica-se pela contemplação. Há, neste sentido, uma paródia sobre o topos descritivo do pôr-do-sol e o pretexto da deambulação através do excessivo em que a aguarela sugerida no poema de Cesário Verde é substituída por uma bem mais acentuada em termos pictóricos. Também o campo constitui um alvo, dado que é o lugar privilegiado por Cesário, posteriormente substituído pelo desregramento, representado no poema de Cesariny. Por estas razões é notório que a homenagem não incide apenas sobre um poema em particular, mas sim sobre O Livro de Cesário Verde, tal como o poeta faz questão de evidenciar («Chegou a noite e foram todos/ para [casa ler Cesário Verde/ Que ainda há passeios ainda há/ [poetas cá no país!»).

1 Monet, Déjeuner sur l'Herbe,1862-63

homenagem a cesário verde aos pés do burro que olhava para o mar depois do bolo-rei comeram-se sardinhas com as sardinhas um pouco de goiabada e depois do pudim, para um último cigarro um feijão branco em sangue e rolas cozidas pouco depois cada qual procurou com cada um o poente que convinha. chegou a noite e foram todos para casa ler cesário verde que ainda há passeios ainda há poetas cá no país!

Mário Cesariny

2 Déjeuner sur l'Herbe Picasso

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Deslumbramentos

Milady, é perigoso contemplá-la Quando passa aromática e normal, Com seu tipo tão nobre e tão de sala, Com seus gestos de neve e de metal. Sem que nisso a desgoste ou desenfade, Quantas vezes, senguindo-lhes as passadas, Eu vejo-a, com real solenidade, Ir impondo toilettes complicadas!… Em si tudo me atrai como um tesoiro: O seu ar pensativo e senhoril, A sua voz que tem um timbre de oiro E o seu nevado e lúcido perfil! Ah! Como me estonteia e me fascina… E é, na graça distinta do seu porte, Como a Moda supérflua e feminina, E tão alta e serena como a Morte!… Eu ontem encontrei-a, quando vinha, Britânica, e fazendo-me assombrar; Grande dama fatal, sempre sozinha, E com firmeza e música no andar!

O seu olhar possui, num jogo ardente, Um arcanjo e um demónio a iluminá-lo; Como um florete, fere agudamente, E afaga como o pêlo dum regalo! Pois bem. Conserve o gelo por esposo, E mostre, se eu beijar-lhe as brancas mãos, O modo diplomático e orgulhoso Que Ana de Áustria mostrava aos cortesãos. E enfim prossiga altiva como a Fama, Sem sorrisos, dramática, cortante; Que eu procuro fundir na minha chama Seu ermo coração, como a um brilhante. Mas cuidado, milady, não se afoite, Que hão-de acabar os bárbaros reais; E os povos humilhados, pela noite, Para a vingança aguçam os punhais. E um dia, ó flor do Luxo, nas estradas, Sob o cetim do Azul e as andorinhas, Eu hei-de ver errar, alucinadas, E arrastando farrapos - as rainhas!

1. Analise os traços descritivos da figura feminina de acordo com as ideias de “aristocracia”, de “britanismo” e “altivez”.

2. Indique a adjectivação para aproximar Milady à “Morte” e à “Moda”

3. Comente os efeitos provocados por Milady no sujeito poético, citando todas as formas verbais comprovativas desse impacto.

4. Atente nos versos 21 e 22, da 6ª estrofe: “O seu olhar possui, num jogo ardente, / Um arcanjo e um demónio a iluminá-lo”.

a. Refira o conceito de mulher subjacente à imagem usada pelo sujeito poético.

b. Recorde outros poemas, de outro(s) poeta(s) que conhece, que apontam para a mesma representação da Mulher como anjo e demónio.

Intertextualidade barbie em diagonal sem percorrer os dois lados da praça, a atravessá-la pela hipotenusa, de mini-saia curta que esvoaça e mais ao léu com top em vez de blusa, o tornozelo fino a dar-lhe a raça nervosa e descuidada que produza reflexos do seu corpo na vidraça das lojas, dentro e fora, esguia e lusa no porte de modelo, longas pernas e cabelos ao vento. mas depressa, que tão segura vai, se vê do seu olhar que não atenta nem sequer nas surpresas de viés quando atravessa: tudo o que dá foi isto que me deu. (Vasco Graça Moura, Uma carta no inverno)

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CONTRARIEDADES

Eu hoje estou cruel, frenético, exigente; Nem posso tolerar os livros mais bizarros. Incrível! Já fumei três maços de cigarros Consecutivamente. Dói-me a cabeça. Abafo uns desesperos mudos: Tanta depravação nos usos, nos costumes! Amo, insensatamente, os ácidos, os gumes E os ângulos agudos. Sentei-me à secretária. Ali defronte mora Uma infeliz, sem peito, os dois pulmões doentes; Sofre de faltas de ar, morreram-lhe os parentes E engoma para fora. Pobre esqueleto branco entre as nevadas roupas! Tão lívida! O doutor deixou-a. Mortifica. Lidando sempre! E deve conta à botica! Mal ganha para sopas... O obstáculo estimula, torna-nos perversos; Agora sinto-me eu cheio de raivas frias, Por causa dum jornal me rejeitar, há dias, Um folhetim de versos. Que mau humor! Rasguei uma epopeia morta No fundo da gaveta. O que produz o estudo? Mais uma redacção, das que elogiam tudo, Me tem fechado a porta. A crítica segundo o método de Taine Ignoram-na. Juntei numa fogueira imensa Muitíssimos papéis inéditos. A Imprensa Vale um desdém solene. Com raras excepções, merece-me o epigrama. Deu meia-noite; e a paz pela calçada abaixo, Um sol-e-dó. Chovisca. O populacho Diverte-se na lama. Eu nunca dediquei poemas às fortunas, Mas sim, por deferência, a amigos ou a artistas. Independente! Só por isso os jornalistas

Me negam as colunas. Receiam que o assinante ingénuo os abandone, Se forem publicar tais coisas, tais autores. Arte? Não lhes convém, visto que os seus leitores Deliram por Zaccone. Um prosador qualquer desfruta fama honrosa, Obtém dinheiro, arranja a sua "coterie"; Ea mim, não há questão que mais me contrarie Do que escrever em prosa. A adulaçãao repugna aos sentimento finos; Eu raramente falo aos nossos literatos, E apuro-me em lançar originais e exactos, Os meus alexandrinos... E a tísica? Fechada, e com o ferro aceso! Ignora que a asfixia a combustão das brasas, Não foge do estendal que lhe humedece as casas, E fina-se ao desprezo! Mantém-se a chá e pão! Antes entrar na cova. Esvai-se; e todavia, à tarde, fracamente, Oiço-a cantarolar uma canção plangente Duma opereta nova! Perfeitamente. Vou findar sem azedume. Quem sabe se depois, eu rico e noutros climas, Conseguirei reler essas antigas rimas, Impressas em volume? Nas letras eu conheço um campo de manobras; Emprega-se a "réclame", a intriga, o anúncio, a "blague", E esta poesia pede um editor que pague Todas as minhas obras... E estou melhor; passou-me a cólera. E a vizinha? A pobre engomadeira ir-se-á deitar sem ceia? Vejo-lhe a luz no quarto. Inda trabalha. É feia... Que mundo! Coitadinha!

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UM BAIRRO MODERNO

Dez horas da manhã; os transparentes Matizam uma casa apalaçada; Pelos jardins estacam-se as nascentes, E fere a vista, com brancuras quentes, A larga rua macadamizada. (.,..)

E rota, pequenina, azafamada, Notei de costas uma rapariga, Que no xadrez marmóreo duma escada, Como um retalho de horta aglomerada, Pousara, ajoelhando, a sua giga.

E eu, apesar do sol, examinei-a: Pôs-se de pé; ressoam-lhe os tamancos; E abre-se-lhe o algodão azul da meia, Se ela se curva, esguedelhada, feia, E pendurando os seus bracinhos brancos.

Do patamar responde-lhe um criado: «Se te convém, despacha; não converses. Eu não dou mais.» E muito descansado, Atira um cobre lívido, oxidado, Que vem bater nas faces duns alperces.

Subitamente - que visão de artista! - Se eu transformasse os simples vegetais, À luz do Sol, o intenso colorista, Num ser humano que se mova e exista Cheio de belas proporções carnais?!

Bóiam aromas, fumos de cozinha; Com o cabaz às costas, e vergando, Sobem padeiros, claros de farinha; E às portas, uma ou outra campainha Toca, frenética, de vez em quando.

E eu recompunha, por anatomia, Um novo corpo orgânico, aos bocados.

Achava os tons e as formas. Descobria Uma cabeça numa melancia, E nuns repolhos seios injectados.

As azeitonas, que nos dão o azeite, Negras e unidas, entre verdes folhos, São tranças dum belo cabelo que se ajeite; E os nabos - ossos nus, da cor dp leite, E os cachos de uvas - os rosários de olhos.

Há colos, ombros, bocas, um semblante Nas posições de certos frutos. E entre As hortaliças, túmido, fragrante, Como dalguém que tudo aquilo jante, Surge um melão, que me lembrou um ventre.

E, como um feto, enfim, que se dilate, Vi nos legumes carnes tentadoras, Sangue na ginja vívida, escarlate, Bons corações pulsando no tomate E dedos hirtos, rubros, nas cenouras.

O sol dourava o céu. E a regateira, Como vendera a sua fresca alface E dera o ramo de hortelã que cheira, Voltando-se, gritou-me, prazenteira: «Não passa mais ninguém!... Se me ajudasse?!...»

Eu acerquei-me dela, sem desprezo; E, pelas duas asas a quebrar, Nós levantámos todo aquele peso Que ao chão de pedra resistia preso, Com um enorme esforço muscular.

«Muito obrigada! Deus lhe dê saúde!» E recebi, naquela despedida, As forças, a alegria, a plenitude, Que brotam dos excessos de virtude Ou duma digestão desconhecida. (…)

1. Este poema deixa-nos a impressão de uma poesia deambulatória. 1.1. Aponte os principais planos que se sucedem no poema, delimitando-os no texto e indicando os seres que nele se movimentam.

2. Há referências implícitas a duas classes sociais, apresentadas como antítese uma da outra. 2.1. Quais são essas classes sociais e qual a atitude do poeta em relação a cada uma delas? 2.2. Refira-se à importância do criado como elemento de ligação entre os dois mundos.

3. O poeta transfigura o quotidiano numa pintura viva.

3.1. Indique as sensações de que se serve. 3.2. Distinga o objectivo do subjectivo. 3.3. Que simbologia encontra nesta fantasia? Justifique.

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CESÁRIO VERDE

Características temáticas:

• Oposição cidade/campo, sendo a cidade um espaço de morte e o campo um espaço de vida – valorização do natural em detrimento do artificial. O campo é visto como um espaço de liberdade, do não isolamento; e a cidade como um espaço castrador, opressor, símbolo da morte, da humilhação, da doença. A esta oposição associam-se as oposições belo/feio, claro/escuro, força/fragilidade.

• Oposição passado/presente, em que o passado é visto como um tempo de harmonia com a natureza, ao contrário de um presente contaminado pelos malefícios da cidade (ex: «Nós»).

• A questão da inviabilidade do Amor na cidade. • A humilhação (sentimental, estética, social). • A preocupação com as injustiças sociais. • O sentimento anti-burguês. • O perpétuo fluir do tempo, que só trará esperança para as gerações futuras. • Presença obsessiva da figura feminina, vista:

→ negativamente, porque contaminada pela civilização urbana

- mulher opressora – mulher nórdica, fria, símbolo da eclosão do desenvolvimento da cidade como fenómeno urbano, sinédoque da classe social opressora e, por isso, geradora de um erotismo da humilhação (ex: «Frígida», «Deslumbramentos» e «Esplêndida»), em que se reconhece a influência de Baudelaire;

→ positivamente, porque relacionada com o campo, com os seus valores salutares

- - mulher anjo – visão angelical, reflexo de uma entidade divina, símbolo de pureza campestre, com traços de uma beleza angelical, frequentemente com os cabelos loiros, dotada de uma certa fragilidade («Em Petiz», «Nós», «De Tarde» e «Setentrional») – também tem um efeito regenerador;

- mulher regeneradora – mulher frágil, pura, natural, simples, representa os valores do campo na cidade, que regenera o sujeito poético e lhe estimula a imaginação (ex: as figuras femininas de a «A Débil» e «Num Bairro Moderno»);

- mulher oprimida – tísica, resignada, vítima da opressão social urbana, humilhada, com a qual o sujeito poético se sente identificado ou por quem nutre compaixão (ex: «Contrariedades»);

- mulher como sinédoque social – (ex: as «burguesinhas» e as varinas de «O Sentimento dum Ocidental»

como objecto do estímulo erótico

- mulher objecto – vista enquanto estímulo dos sentidos carnais, sensuais, como impulso erótico (ex: actriz de «Cristalizações»).

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Imagética Feminina

A figura feminina surge fortemente representada na poesia de Cesário associada ao sentimento da humilhação, uma vez que o poeta coloca-se numa posição subalterna em relação à mulher.

A mulher é caracterizada como sendo fatal, altiva, esplêndida, atraente, mas fria, distante e artificial, associada à cidade e à aristocracia. Ainda que assim seja, este tipo de mulher exerce sobre o poeta um fascínio total, um hipnotismo, que o conduz à humilhação.

Evidencia-se na poesia de Cesário Verde uma influência de Baudelaire, pelo facto de ter seguido o tema do erotismo citadino da “mulher fatal”, erotismo este que conduz o poeta à submissão e a uma relação servo-senhora.

Contudo, o poeta percebe muito depressa as incompatibilidades de vivências, de sentimentos, de atitudes, ou de preocupações, que, irreversivelmente, o separam da mulher amada e que, por isso, compromete as suas relações amorosas. De facto, esta disparidade de atitudes reflecte-se num afastamento progressivo e culmina numa separação que se torna extremamente necessária. Porém, ainda que o poeta tenha perfeita consciência dessa necessidade, isso não evita o sofrimento do poeta.

Por outro lado, deparamos com outro tipo de mulher na poesia de Cesário, que se encontra na cidade, mas surge como mulher-anjo, frágil, simples, terna e vulnerável, associada com o campo (e com os seus valores), associando, por vezes, a felicidade amorosa passada no campo.

Em suma, a oposição cidade/ campo subjaz a dois tipos de mulher .

Quadro síntese da mulher citadina:

O poeta

Relação existente

A figura feminina

�servo �humilhado (sexual e socialmente) �vítima da indiferença da mulher

submissão

superioridade

- superior - altiva - frígida - aristocrata - artificial - desumana - sensual/ erótica - tipo citadino

A Questão social

A dimensão realista/naturalista reside na visão crítica da sociedade dos finais do século XIX. Dada a observação atenta e minuciosa da realidade social, analisa e conclui que o povo é o elemento mais resistente, ainda que alvo de diferenciação social. Por este facto, o poeta identifica-se com o povo trabalhador e coloca-se do lado dos desfavorecidos, vítimas de opressão social da cidade, e denuncia as circunstâncias sociais que considera extremamente injustas.

Os quadros que Cesário pinta permitem-nos obter uma visão das transformações que se desenvolvem na cidade, nomeadamente ao nível da sociedade burguesa, denotando-se visivelmente uma supremacia da cidade sobre o mundo campestre.

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Binómio cidade/campo

O binómio cidade/campo na poesia de Cesário entende-se como resultado da sua vida ora citadina- Lisboa-, ora campestre- Linda-a-Pastora.

A sua poesia organiza-se em volta desta dicotomia, reflectindo as transformações da sociedade portuguesa da sua época.

A deambulação pela cidade permite o contacto com a realidade exterior e confirma-se como um pretexto e uma necessidade para a criação artística. A cidade surge, assim, como o lugar da inspiração e da criação, mas também, contraditoriamente, como um espaço de opressão, de desconforto, perverso. Aí a cidade torna-se o lugar da alucinação, do pesadelo em que o poeta se encontra inserido.

Portanto, isto leva-nos a concluir que a sensação de liberdade que a deambulação, em princípio, permitiria, esbarra assim com os limites de uma cidade estreita, que o deprime e sufoca (e de onde todos fogem), conduzindo-o a refugiar-se no campo, local puro e são. Mundo campestre que passará, deste modo, e por consequência, a ser motivo de composições poéticas. ------------------------------------------------------------------------------------ POESIA SIMBOLISTA Na messe, que enlourece, estremece a quermesse... O sol, o celestial girassol, esmorece... E as cantilenas de serenos sons amenos Fogem fluidas, fluindo à fina flor dos fenos... As estrelas em seus halos Brilham com brilhos sinistros... Cornamusas e crotalos, Cítolas, cítaras, sistros, Soam suaves, sonolentos, Sonolentos e suaves, Em suaves, Suaves, lentos lamentos De acentos Graves, Suaves. […] Eugénio de Castro Características: - revivescência do gosto romântico do vago, do nebuloso, do impalpável; - amor pela paisagem esfumada e melancólica, outoniça ou crepuscular; - visão pessimista da existência, cuja efemeridade é dolorosamente sentida; - temática do tédio e da desilusão; - distanciamento do Real, - egotismo aristocrático, e subtil análise de cambiantes sensoriais e afectivos; - repúdio do lirismo de confissão directa, ao modo romântico, expansivo e oratório, e preferência pela sugestão indecisa de estados de alma abstraídos do contexto biográfico.

Embora Eugénio de Castro seja o introdutor do Simbolismo, com Oaristos (1890), o poeta mais importante do Simbolismo, sinónimo de clima de inquietação e incompletude da atmosfera finissecular, que produz correntes de pensamento de componente idealista é Camilo Pessanha.

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Camilo Pessanha (Coimbra, 7 de Setembro de 1867 — Macau, 1 de Março de 1926) foi o expoente máximo do Simbolismo em Portugal. Tirou o curso de Direito em Coimbra. Em 1894, transferiu-se para Macau, onde, durante três anos, foi professor de Filosofia Elementar no Liceu de Macau, deixando de leccionar por ter sido nomeado em 1900 conservador do registro predial em Macau e depois juiz de comarca. Entre 1894 e 1915 voltou a Portugal algumas vezes, para tratamento de saúde, tendo, numa delas sido apresentado a Fernando Pessoa que era, como Mário de Sá-Carneiro, grande apreciador da sua poesia. Publicou poemas em várias revistas e jornais, mas seu único livro Clepsidra (1920), foi publicado sem a sua participação (pois se encontrava em Macau) por Ana de Castro Osório, a partir de autógrafos e recortes de jornais. Graças a essa iniciativa, os versos de Pessanha se salvaram do esquecimento. Posteriormente, o filho de Ana de Castro Osório, João de Castro Osório, ampliou a Clepsidra original, acrescentando-lhe poemas que foram encontrados. Essas edições saíram em 1945, 1954 e 1969. Apesar da pequena dimensão da sua obra, é considerado um dos poetas mais importantes da língua portuguesa. Camilo Pessanha morreu no 1 de Março de 1926 em Macau. «De la musique avant toute chose», Verlaine

Fernando Pessoa nutria uma enorme admiração por Camilo Pessanha como comprova este fragmento de carta dirigida ao autor da Clepsidra:

«decerto que Vossa Exª de mim não se recorda. Duas vezes apenas falamos, no "suiço", e fui apresentado a V. Exª pelo General Henrique Rosa. Logo da primeira vez que nos vimos fez-me V. Exª a honra, e deu-me o prazer, de me recitar alguns poemas seus. Guardo dessa hora espiritualizada uma religiosa recordação. Obtive, depois, pelo Carlos Amaro, cópias de alguns desses poemas. Hoje, sei-os de cor, aqueles cujas cópias tenho e eles são para mim fonte contínua de exaltação estética». in Páginas de Estética e de Teoria Literária, pg. 338.

INSCRIÇÃO

Eu vi a luz num país perdido. A minha alma é lânguida e inerme. Ó! Quem pudesse deslizar sem ruído! No chão sumir-se, como faz um verme..

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Singra o navio. Sob a água clara Vê-se o fundo do mar, de areia fina... - Impecável figura peregrina, A distância sem fim que nos separa! Seixinhos da mais alva porcelana, Conchinhas tenuemente cor de rosa, Na fria transparência luminosa Repousam, fundos, sob a água plana. E a vista sonda, reconstrui, compara. Tantos naufrágios, perdições, destroços! - Ó fúlgida visão, linda mentira! Róseas unhinhas que a maré partira... Dentinhos que o vaivém desengastara... Conchas, pedrinhas, pedacinhos de ossos...

VIOLONCELO Chorai arcadas Do violoncelo! Convulsionadas, Pontes aladas De pesadelo... De que esvoaçam, Brancos, os arcos... Por baixo passam, Se despedaçam, No rio, os barcos. Fundas, soluçam Caudais de choro... Que ruínas (ouçam)! Se se debruçam, Que sorvedouro!... Trémulos astros... Soidões lacustres... Lemos e mastros... E os alabastros Dos balaústres! Urnas quebradas! Blocos de gelo... Chorai arcadas, Despedaçadas, Do violoncelo.

Chanson d'automne Les sanglots longs Des violons De l'automne Blessent mon coeur D'une langueur Monotone. Tout suffocant Et blême, quand Sonne l'heure, Je me souviens Des jours anciens Et je pleure Et je m'en vais Au vent mauvais Qui m'emporte Deçà, delà, Pareil à la Feuille morte. Paul VERLAINE (1844-1896)

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A música do violoncelo provoca um estado de alma ansioso, um sentimento de misteriosa tristeza. Mas este sentimento não é dado directamente; é apenas sugerido por uma série de imagens e associações. O sujeito lírico não nos afirma que fica triste, ansioso, inquieto, ao ouvir o violoncelo. Mas logo a apóstrofe "chorai arcadas" nos revela o carácter triste da música. O poema assenta, pois, numa intuição associativa que liga o som grave do violoncelo ao sentimento de dor e de mistério. "Arcadas" designa a corrida do arco sobre as cordas e evoca também o sentido de arcarias. "Arcadas", por associação trouxe à imagem "pontes" que também são "arcadas". A música evoca, pois, no seu gemer contínuo, um curso de água. A ligação ondulante dos versos das duas primeiras estâncias evocam formalmente um curso de água. Os adjectivos "convulsionadas" e "aladas" vêm dar a "pontes" a sugestão do arco que voa e provoca o vibrar das cordas. "De pesadelo" vem acentuar o movimento febril e ansioso que já tinham começado a esboçar os adjectivos "convulsionadas"e "aladas". Na 2ª. estância, já se fala dos "arcos" das "pontes". Note-se a analogia e contínua associação de palavras e conceitos: tal como o arco sobre as cordas, também as pontes são "aladas" e os seus arcos "esvoaçam", até que a sensação do rio corrente nos aparece mais clara: "Por baixo passam, /Se despedaçam, /No rio, os barcos." Acentua-se agora mais a impressão da tristeza. "Chorai arcadas" repete-se, intensificado, em "fundos soluçam". Não só o sentido do verbo é mais forte e os timbres mais escuros, mas também o modo do verbo se modificou acentuando agora a realidade presente, avassaladora do som. Há a impressão de que a noite paira na poesia: já se não vêm arcadas brancas na ponte, nem barcos passando; ficou apenas o rio agora transformado em caudal. É impossível uma localização fixa no espaço e no tempo; as correlações e analogias produzem apenas a inexorável sensação do fluir. As "arcadas" foram primeiro do violoncelo, depois arcos de pontes e agora são de novo o correr do arco sobre as cordas donde brotam caudais de música triste ("choro"). A poesia carrega-se mais de amargura: "Que ruínas: (ouçam)/Se se debruçam,/Que sorvedouro". As imagens vão-se alterando ao sabor do movimento do poema: as "pontes convulsionadas", os "barcos despadaçados", repetem-se noutras imagens, ilustrando melhor a impressão do estalar do coração na visão das "ruínas". Uma sensação de distância (profundidade) engrandece a ideia de "caudal" e enquadra-se no sentido profundo de todo o poema. Subitamente, o movimento parece afrouxar. A frases perdem o verbo (acção) e afigura-se-nos que os arcos deixaram de correr sobre as cordas, que a música vai desaparecendo… "Trémulos astros" é uma imagem nova, uma sugestão de luz, que surgiu por contraste com o tom escuro da estância precedente e com as "solidões lacustres". Agora já não é um caudal que passa, são lagos que alastram, ermos, escuros… As ruínas arrastadas no caudal vieram dar ao lago escuro: "lemes e mastros", restos de barcos despedaçados. Dir-se-ia que os violoncelos evocam no nosso espírito as quilhas, as cordas, os cabos dos navios… A ideia de ruína intensifica-se ainda. "E os alabastros/Dos balaústres!/Urnas quebradas/Blocos de gelo…" tudo isto nos sugere a ideia de brancura, de fragmentação de coisas brancas, a ideia de uma acrópole destruída, E, por cima deste cemitério imenso e solitário, o poeta gostaria de ouvir uma música apropriada, saída dum instrumento também em ruínas (sempre a associação!): "Chorai Arcadas,/Despedaçadas,/Do violoncelo". É preciso entrarmos bem no mundo poético de Pessanha para que os seus poemas não nos surjam como um desconjuntado de frases absurdas. As imagens constantes, as lúcidas conotações e associações são o segredo da unidade do poema. Pessanha é extremamente sensível à luminusidade e ao som, daí as sinestesias frequentes. Os estímulos sensoriais combinam-se, aproveitam-se mutuamente, para produzirem, neste poema, a impressão de água corrente, das ruínas, dos destroços. "Fundas, soluçam/Caudais de choro/Que ruína's (ouçam)". Evocam imagens visuais: "fundas", "caudais", "ruínas"; imagens auditivas: "soluçam", "choro", "ouçam". "Ouçam ruínas" é uma sinestesia que nos sugere não apenas as ruínas em si mas também o cataclismo que as provocou.

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Il pleut dans mon coeur. Il pleut dans la ville. Quelle est cette langueur Qui pénètre mon coeur? O bruit doux de la pluie Par terre et sur les toits! Pour un coeur qui s'ennuie, O le chant de la pluie! Il pleure sans raison Dans ce coeur qui écoeure. Quoi? nulle trahison? Ce deuil est sans raison. C'est bien la pire peine De ne savoir pourquoi Sans amour et sans haine, Mon coeur a tant de peine!

Verlaine

Il pleut dans mon coeur Comme il pleut dans la ville Meus olhos apagados, Vede a água cair. Das beiras dos telhados, Cair, sempre cair. Das beiras dos telhados, Cair, quase morrer... Meus olhos apagados, E cansados de ver. Meus olhos, afogai-vos Na vã tristeza ambiente. Caí e derramai-vos Como a água morrente.

Pessanha

O que há de comum entre os dois poemas é sobretudo o motivo da chuva posta em relação com o estado de alma, e também o carácter musical da expressão, reforçado em Verlaine pela repetição de palavras (coeur) e de sons em parónimos (pleure / pleut ; coeur / écoeure) e em Pessanha poela reiteração não só de palavras como de versos inteiros, num deixar e retomar que pode ser sucessivo (Das beiras dos telhados,/ Cair, sempre cair. / Das beiras dos telhados, / Cair, quase morrer...) ou distanciado - há cinco versos de intervalo entre o primeiro verso «Meus olhos apagados» e o seu aposto, em eco obsessivo, «Meus olhos apagados, / E cansados de ver». Música dolente e branda. As diferenças são todavia evidentes - e cheias de significado. Tirando partido da semelhança entre as formas pleure e pleut, Verlaine explora a afinidade que existe entre os sentidos respectivos: a imagem implícita da água que cai. Mais abstracto e sentimental que o de Camilo Pessanha, o seu poema desenvolve-se em torno dum termo-pivot, pleurer de que decorre a ideia de peine. O poeta sofre tanto mais quanto mais ignora a causa da sua pena; o ruído da chuva, porém, é doce, é um «canto» que o consola. No poema de Camilo Pessanha, mais patético na sua concentração, vê-se a chuva que cai. Os dois primeiros versos (Pessanha utiliza, como Verlaine, versos de seis sílabas organizados em quadras) encerram três palavras- chave: olhos, apagados e cair; e é o termo cair, repetido, note-se, quatro vezes, que derivam semanticamente morrer e morrente (Cair, quase morrer): a imagem da queda sugere a morte. Em Verlaine, o estado de alma define-se por languidez, tédio, melancolia. Em Pessanha, à fadiga extrema associa-se a consumpção: o poeta desdobra-se, dirigindo-se aos próprios olhos personificados, «Olhos apagados,/ e cansados de ver», olhos que não querem ver mais; convida-os (convida-se) à morte, uma série de imperativos: afogai-vos, caí, derramai-vos. O adjectivo «vã em tristeza ambiente», deixa transparecer a concepção da vida como desfile de imagens vazias.

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Imagens que passais pela retina Dos meus olhos, porque não vos fixais? Que passais como a água cristalina Por uma fonte para nunca mais!…

Ou para o lago escuro onde termina Vosso curso, silente de juncais, E o vago medo angustioso domina, - porque ides sem mim, não me levais?

Sem vós o que são os meus olhos abertos? - O espelho inútil, meus olhos pagãos! Aridez de sucessivos desertos…

Fica sequer, sombra das minhas mãos, Flexão casual de meus dedos incertos, - Estranha sombra em movimentos vãos.

1. Refira o local onde termina o percurso fugaz e transitório das “imagens”.

a. Explique a simbologia desse local.

2. Á fugacidade das “imagens” e à impossibilidade de o “olhar” reter o conhecimento, o eu poético contrapõe “as mãos”.

a. Explique de que modo podem as mãos e a “flexão casual” dos dedos reter as imagens que passam.

b. Comente o último verso do soneto, procurando responder à seguinte pergunta: será a escrita um “movimento vão”?

´

AO LONGE OS BARCOS DE FLORES

Só, incessante, um som de flauta chora, Viúva grácil, na escuridão tranqüila, - Perdida voz que de entre as mais se exila, - Festões de som dissimulando a hora.

Na orgia, ao longe, que em clarões cintila E os lábios, branca, do carmim desflora... Só, incessante, um som de flauta chora, Viúva, grácil, na escuridão tranqüila.

E a orquestra? E os beijos? Tudo a noite, fora, Cauta, detém. Só modulada trila A flauta flébil... Quem há de remi-la? Quem sabe a dor que sem razão deplora?

Só, incessante, um som de flauta chora....

1. Identifique os eixos de significação presentes no poema.

a. Explique como se entrelaçam, no poema, esses dois eixos de significação.

b. Associe o título do poema a um desses eixos de significado.

c. Explique o título do poema.

2. Identifique os recursos fónicos, linguísticos e retóricos que conferem musicalidade ao poema.

3. Refira os processos linguísticos e retóricos usados pelo eu poético para acentuar a magia da faluata.

4. Leia o poema em voz alta, de forma expressiva.

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ANTÓNIO NOBRE

António Pereira Nobre (Porto, 16 de Agosto de 1867 — Foz do Douro, 18 de Março de 1900), mais conhecido como António Nobre, foi um poeta português cuja obra se insere nas correntes ultra-romântica, simbolista, decadentista e saudosista (interessada na ressurgência dos valores pátrios) da geração finissecular do século XIX português. A sua principal obra, Só (Paris, 1892), é marcada pela lamentação e nostalgia, imbuída de subjectivismo, mas simultaneamente suavizada pela presença de um fio de auto-ironia e com a rotura com a estrutura formal do género poético em que se insere, traduzida na utilização do discurso coloquial e na diversificação estrófica e rítmica dos poemas. Apesar da sua produção poética mostrar uma clara influência de Almeida Garrett e de Júlio Dinis, ela insere-se decididamente nos cânones do simbolismo francês. A sua principal contribuição para o simbolismo lusófono foi a introdução da alternância entre o vocabulário refinado dos simbolistas e um outro mais coloquial, reflexo da sua infância junto do povo nortenho. Faleceu com apenas 33 anos de idade, após uma prolongada luta contra a tuberculose pulmonar.

Virgens que passais, ao Sol-poente, Pelas estradas ermas, a cantar! Eu quero ouvir uma canção ardente, Que me transporte ao meu perdido lar. Cantai-me, nessa voz omnipotente, O sol que tomba, aureolando o Mar A fartura da seara reluzente, O vinho, a graça, a formosura, o luar! Cantai! Cantai as límpidas cantigas! Das ruínas do meu lar desaterrai Todas aquelas ilusões antigas Que eu vi morrer num sonho, como um ai.... Ó suaves e frescas raparigas, adormecei-me nessa voz...cantai !

Intertextualidade Ó virgens que passais ao sol-poente» com esses filhos-familia pensai, primeiro, na mobilia, que é mais prudente. Sim, que essa qualidade, tão bem reconstituída, nem sempre, revirgens, há-de proporcionar-vos a vida que levais. Se um tolo nunca vem só, qundo não vem, não vem mais ou vem, digamos, por dó... E o dó dói como um soco, até mesmo quando parte de um tolo que a vossa arte promoveu de tolo a louco. Eu quando digo mobília, digo lar, digo família e aquela espiada fresta, aberta, patente, honesta, retrato oval da virtude, consoladora do triste, remanso, beatitude para o colérico em riste. Assim, sim, virgens sensatas! (Nos telhados só as gatas...) Pensai antes na mobília, honestas mães de família, e aceitai respeitos mil do vosso Alexandre O'Neill

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Tombou da haste a flor da minha infância alada, Murchou na jarra de oiro o púdico jasmim: Voou aos altos Céus a pomba enamorada Que dantes estendia as asas sobre mim. Julguei que fosse eterna a luz dessa alvorada E que era sempre dia, e nunca tinha fim Essa visão de luar que vivia encantada, Num castelo de prata embutido a marfim! Mas, hoje, as pombas de oiro, aves da minha infância, Que me enchiam de Lua o coração, outrora, Partiram e no Céu evolam-se, a distância! Debalde clamo e choro, erguendo aos Céus meus ais: Voltam na asa do Vento os ais que a alma chora, Elas, porém, Senhor! elas não voltam mais...

Vou sobre o Oceano (o luar, de doce, enleva!) Por este mar de Glória, em plena paz. Terra da Pátria somem-se na treva, Águas de Portugal ficam, atrás. Onde vou eu? Meu fado onde m e leva? António, onde vais tu, doido rapaz? Não sei. Mas o Vapor, quando se eleva, Lembra o meu coração, na ânsia em que jaz. Ó Lusitânia que te vais à vela! Adeus! que eu parto (rezarei por ela) Na minha Nau Catrineta, adeus! Paquete, meu Paquete, anda ligeiro, Sobe depressa à gávea, Marinheiro, E grita, França! pelo amor de Deus!

Lusitânia no Bairro Latino, 3 Georges! anda ver meu país de romarias E procissões! Olha estas mocas, olha estas Marias! Caramba! dá-lhes beliscões! Os corpos delas, vê! são ourivesarias, Gula e luxúria dos Manéis! Têm orelhas grossas arrecadas, Nas mãos (com luvas) trinta moedas, em anéis, Ao pescoço serpentes de cordões, E sobre os seios entre cruzes, como espadas, Além dos seus, mais trinta corações! Vá! Georges, faz-te Manel! viola ao peito, Toca a bailar! Dá-lhes beijos, aperta-as contra o peito. Que hão-de gostar! Tira o chapéu, silêncio! Passa a procissão

Estralejam foguetes e morteiros. Lá vem o Pálio e pegam ao cordão Honestos e morenos cavalheiros. Altos, tão altos e enfeitados, os andores, Parecem Torres de David, na amplidão! Que linda e asseada vem a Senhora das Dores! Olha o Mordomo. à frente, o Sr. Conde. Contempla! Que tristes os Nossos Senhores, Olhos leais fitos no vago... não sei onde! Os anjinhos! Vêm a suar: Infantes de três anos, coitadinhos! Mãos invisíveis levam-nos de rastros Que eles mal sabem andar. […]

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Intertextualidade Anda, vou-te mostrar a terra dos teus pais, avós, antepassados tão antigos que os podes escolher. Este aqui é noé, de barba por fazer; meteu na arca puro e impuro, bem e mal, inventou o vinho, homem melhor da sua geração ( não é grande elogio ), teve filhos, netos, é de crer que morreu. Estoutro, não sei bem, era pirata na malásia. Vês as colinas? São tuas, quando as olhas a direito. Realmente tuas, parte de um mundo teu. Sim, isso são filosofias, tens razão. ( E tem graça ao ter razão ). Anda daí, vou mostrar-te o colete de forças onde era costume, sabes, tratar casos assim.

António Franco Alexandre

AUTOCRÍTICA Ninguém ma pediu e já não está na moda, pelo menos aquela pressurosa contrição feita com cálculo e unção, aquela hipócrita autoflagelação despudorada, mas já é tempo (para mim) de deitar contas ao verso e ao seu reverso, de mostrar a língua a esse médico de quem tenho um pouco, para ver como vai o foro íntimo e, por consequência, o verso público. * “Nado e criado em Lisboa...” era um começo não autocrítico, mas autobiográfico. Sei muito bem que a biografia explica muita coisa (até a azia!) mas para quê esquadrinhar os anos (joguei berlinde, joguei pião e juro aqui que nunca o fiz para os americanos!) à cata da raiz, se o que vivi, para o mal e para o bem, está aqui? “Nado e criado em Lisboa...” rejeitado por excessivamente circunloquial. (Comecemos sem mais delongas, prima, ó volta e meia prima pobre, rima, que a questão é simples: a poesia dum tal...)

* Dizem que me junqueiro, que me tolentino e até que me paulino, que tenho tudo e todos no ouvido e não sou nada original. Sim senhores, tem visos de verdade! […] Cesário diz-me muito: gostava de ferramentas, como eu, e vê-se que para ele o ser feliz era lançar, originais e exactos, os seus alexandrinos, empunhar ferramental honesto cuja eficácia ele sabia que não vinha da beleza, mas da perfeita adequação. Não tem halo, tem elo e o seu encadeado É o verso habilmente proseado. (Que feliz eu seria, ó prima, se o Cesário me tivesse deixado uma garlopa!) António Nobre, embora seja muito em inho, é o grande Só que somos nós, por isso gosto dela (ai de mim, coitadinho!) […] * A poesia é a vida? Pois claro! Conforme a vida que se tem o verso vem - e se a vida é vidinha, já não há poesia que resista. O mais é literatura, libertinura, pegas no paleio; o mais é isto: o tolo dum poeta a beber, dia a dia, a bica preta, convencido de si, do seu recheio... A poesia é a vida? Pois claro! Embora custe caro, muito caro, E a morte se meta de permeio. * Alexandre O'Neill