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PONTIFÍCIA FACULDADE DE TEOLOGIA NOSSA SENHORA DA ASSUNÇÃO MESTRADO EM TEOLOGIA SISTEMÁTICA NÚCLEO DE DOGMA Hernâni de Freitas Prado Pereira Garcia A TEOLOGIA DA CRIAÇÃO EM DIÁLOGO COM AS CIÊNCIAS HOJE Dissertação apresentada à Comissão julgadora da Pontifícia Faculdade de Teologia Nossa Senhora da Assunção, sob a orientação do Prof. Dr. Padre Frei Lisâneos Francisco Prates, O.M., como exigência para a obtenção do título de Mestre em Teologia Dogmática. São Paulo 2009

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PONTIFÍCIA FACULDADE DE TEOLOGIA

NOSSA SENHORA DA ASSUNÇÃO MESTRADO EM TEOLOGIA SISTEMÁTICA

NÚCLEO DE DOGMA

Hernâni de Freitas Prado Pereira Garcia

A TEOLOGIA DA CRIAÇÃO

EM DIÁLOGO COM AS CIÊNCIAS HOJE

Dissertação apresentada à Comissão julgadora da Pontifícia Faculdade de Teologia Nossa Senhora da Assunção, sob a orientação do Prof. Dr. Padre Frei Lisâneos Francisco Prates, O.M., como exigência para a obtenção do título de Mestre em Teologia Dogmática.

São Paulo 2009

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RESUMO

Nosso horizonte está posto no Mistério da Criação. Tem em mira sua confrontação

com as Ciências, na busca de superação de conflitos culturais. Busca subsídio catequético

para alicerçar as certezas da fé que devem responder a questionamentos conflitantes: são, por

acaso, mutuamente excludentes, no a-diálogo, os ensinos da Fé, de que tudo quanto existe é

criação de Deus, e os de cientistas, que chegam a negar a primazia de um Criador ou não a

levam em conta ou que até negam sua existência? Nesta dissertação objetiva-se “ler”, nas

Ciências naturais, convergências entre os seus alcances atuais e o que é básico, fundamental,

na conceituação dogmática da Criação do Universo e da Vida por Deus. Isenta-se de qualquer

pretensão de querer ensinar aos homens de Ciência o que a Fé tenha a lhes dizer. Mas, numa

decidida busca, de quem sabe que Deus é Criador da Fé e da Razão (científica), e de que Ele

dispôs patente o seu linguajar para a criatura na própria Natureza criada (Rm 1,20 et passim),

se dispõe a um trabalho de prospecção. As Ciências têm por campo e objeto de pesquisas

exatamente a mesma Natureza criada.

Lendo, pois, a Natureza, como um Primeiro Livro de Revelação Divina, a Teologia

desta dissertação busca parceria nas Ciências para “ler” com que critérios Deus a dispôs à

existência e lhe dá sustentabilidade. O fulcro do Mistério fica posto entre dois termos: origem

e começo. A Fé fala de uma origem divina e de um começo posto em devir. A Ciência fala do

existente e de seu devir após seu começo. O modelo-padrão de universo, nascido da Teoria do

Big-Bang, e suas consequências, que confluíram na elaboração da Vida, nos dizem de que

modo está posta a Natureza no seu existir. O início do tempo é o ponto comum de transição

entre a origem e o começo. Ambas proposições, a da Fé na origem divina da Criação, e a do

explosivo começo do Universo, se fundam na mesma singularidade: a irrepetibilidade do

evento. E ambas exigem adesão do intelecto. A Vontade do Criador pode ser “lida” em todo o

processo.

3

ABSTRACT

The purpose of this dissertation is to discuss the Mystery of Creation. It creates a dialogue

between the Mystery and the Sciences with a view to overcoming cultural misunderstandings. It looks

to the Sciences for catechetical support to strengthen the certainties of the Faith which must respond to

oppositional questions: are these two positions mutually exclusive, beyond or incapable of dialogue?

Are the teachings of the Faith, that all that exists is God’s creation, irreconcilable with Science, which

goes so far as to deny the necessity for a Creator or does not take this necessity into account and even

denies His existence?

This dissertation seeks to identify points of convergence between current scientific consensus

and what is basic and fundamental to the dogma that attributes the Creation of the Universe and of

Life to God. It does not claim to teach the men of Science what Faith might have to say to them.

However, with a firm resolve, as one who believes that God is Creator of Faith and (scientific)

Reason, and that He made available to creatures His divine language in created Nature itself (Rm 1, 20

et passim), the author undertakes this work of enquiry.

The Sciences have as their subject and field of research exactly the same created Nature.

Therefore, taking Nature as the First Book of Divine Revelation, the Theology of this dissertation

seeks engagement with the Sciences in order to explore their understanding of the way God willed

Nature into being and how He gives it sustainability. The distinction between the terms origin and

beginning is crucial to this dialogue. Faith is concerned with a divine origin and with a beginning

before the evolution of beings. Science is concerned with existing beings and their evolution since

that beginning, not before.

The standard model of universe, developed from the Big-Bang Theory, and its consequences

that resulted in the formation of Life tell us how Nature came into being and how Nature works. The

beginning of time is the common point of transition between the origin and the beginning. These two

propositions - Faith in the divine origin of Creation and the explosive beginning of the Universe - are

based on the same unique singularity. And both propositions demand the adherence of the intellect.

The Will of the Creator is manifest throughout this process.

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RESUMEN

Nuestro horizonte se sitúa en el misterio de la creación. Tiene como objetivo su confrontación

con las ciencias, en la búsqueda de la superación de los conflictos culturales. Busca en las ciencias

apoyo catequético para apuntalar la certeza de la fe que debe responder a cuestionamientos

conflictivos: ¿que por demás, se excluyen mutuamente, en el a-diálogo (o en el no diálogo), las

enseñanzas de la Fe que nos dicen que todo lo que existe es creación de Dios, mientras que por otro

lado, los científicos que han llegado a negar la primacía de un Creador, o a no Lo tomar en cuenta, o

incluso negar Su existência?

Esta tesis tiene como objetivo "leer" en las ciencias naturales, las semejanzas entre sus gamas

actuales y lo que es básico, fundamental, en el concepto dogmático de la Creación del Universo y la

Vida por Dios mismo. Rechaza cualquier pretensión de querer enseñar a los hombres de ciencia lo que

la fe tiene que decirles. Sin embargo, en una búsqueda determinada, de aquel que sabe que Dios es el

Creador de la fe y la razón (científica), y que Él dejó impregnados en la Naturaleza misma su palabra

divina y su amor (Rom 1,20 et passim), está dispuesto a un trabajo de prospección o indagación. Las

ciencias tienen como campo y objeto de investigación esta misma naturaleza creada.

Por lo tanto, a través de una lectura de la naturaleza, como un primer libro de la Revelación

Divina, la Teología de esta disertación busca la colaboración de las ciencias para "leer" con qué

criterios Dios ha dispuesto la existencia y sostenibilidad de esta misma naturaleza. El corazón del

misterio se coloca entre dos términos: el origen y principio. La fe nos habla de un origen divino y de

un comienzo puesto en devenir. La ciencia habla de lo todo que existe y su devenir después de su

comienzo.

El modelo estándar del universo, nacido de la teoría del Big Bang y sus consecuencias, que

convergieron en el desarrollo de la vida, nos dicen cómo la naturaleza se sitúa en la existencia. El

principio de los tiempos es el punto común de la transición entre la fuente y el comienzo. Ambas

proposiciones, de la fe en el origen divino de la creación, y el inicio explosivo del universo, se basan

en una singularidad misma: la irrepetibilidad del evento. Y ambas requieren la adhesión de la

inteligencia. La voluntad del Creador se puede "leer" en todo el proceso.

5

DEDICATÓRIA A JESUS, O SENHOR, EXPRESSÃO VISUALIZADA DO VERBO-PALAVRA COM QUE A TRINDADE PRONUNCIOU A CRIAÇÃO, E EM CUJA KÉNOSIS PODEMOS LER E VER DEUS ABSCONDITUS DESDE SUA ONIPOTENTE AUTOLIMITAÇÃO, SEM A QUAL COISA ALGUMA TERIA CONDIÇÃO DE SER. TORNO PÚBLICO MEUS AGRADECIMENTOS À minha esposa Beatriz que soube administrar sua própria kénosis, nada cobrando, de tudo se ocupando e tudo disponibilizando de si para me franquear tempo e despreocupação. À minha Paróquia de São Benedito de Biritiba-Mirim que acreditou e investiu em mim possibilitando que me tornasse Teólogo. Ao Instituto Paulo VI da Diocese de Mogi das Cruzes que me acolheu e me propiciou um lugar ao sol no mundo dos bacharéis em Teologia. À Pontifícia Faculdade de Teologia Nossa Senhora da Assunção, que me acolheu e me propiciou um lugar ao sol no mundo dos mestres em Teologia. A todos que foram meus professores no Paulo VI e na Assunção, aos quais credito a gama de conhecimentos filosóficos, teológicos e exegéticos, e outros, que adquiri. A José de Freitas Neves, meu primo, teólogo residente em Pindamonhangaba, que me incentivou e assessorou na elaboração teológica, na análise crítica e na bibliografia. A Nelson Prado Garcia, meu irmão, advogado residente em Andradina, que me ajudou com análise crítica, e na revisão e formatação do texto da dissertação. A Olb José Sheren, irmão na fé e na paróquia, engenheiro residente em Biritiba-Mirim, que me ajudou com bibliografia, revisão textual, texto em inglês e empenho pessoal. A Gema Galgani Garcia Mortell, minha irmã, Intérprete Comunitária de Português e Inglês, residente em Limerick, Irlanda, pela versão inglesa do Abstract adotado. A Nancy Serrano, Professora de Espanhol e Estudos Culturais Latino-Americanos na Universidade de Limerick, Irlanda, onde reside, pela versão espanhola do Resumen. E àqueles e àquelas mais que, de alguma forma, estiveram presentes na minha formação acadêmica e colaboraram para meu bacharelado e mestrado. Aos Professores Doutores Antônio Manzato e Paulo Sérgio Lopes Gonçalves, coincidentemente Examinadores desta dissertação, dos quais hauri, em sala de aula, conhecimentos específicos e decisivos ao direcionamento desta dissertação, tais como desenvolver argumentação teológica e saber distinguir o essencial num dogma. Ao Professor Doutor Lisâneos Prates, orientador e examinador de minha monografia no Paulo VI, e também desta dissertação, a quem devo meu direcionamento ao Mestrado e pelo empenho pessoal, como se importante fosse, para ele, que me tornasse Mestre.

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SIGLAS E ABREVIAÇÕES

BÍBLIA – versões bíblicas citadas: BAM: Maredsous-Ave Maria; BCNBB: tradução da

CNBB; BTE ou TEB: tradução ecumênica-Loyola; BJ: de Jerusalém-Paulus; BJFA-IBB:

João Ferreira de Almeida-Imprensa Bíblica Brasileira; BJFA-SBB idem-Sociedade Bíblica

do Brasil; BMS: Matos Soares-Paulinas; BNVI: Nova Versão Internacional-Editora Vida;

BP: do Peregrino-Paulus.

ADN ou DNA – ácido desoxírribonucleico

ARN ou RNA – ácido ribonucleico

cap. – capítulo

cf. – confronte, compare

CIC – Catecismo da Igreja Católica

CNBB – Conferência Nacional dos Bispos do Brasil

Conc. – Concílio

D – Denzinger: Compêndio dos símbolos, definições e declarações de fé e moral

DAS – Divino Afflante Spiritu

Dic. - dicionário

DF – Dei Filius – Conc.Vat.I

DV – Dei Verbum

EN – Evangelii Nuntiandi

FR – Fides et Ratio

GS – Gaudium et Spes

HG – Humani Generis

ibid. – ibidem, na mesma obra anteriormente citada; id. – idem, o mesmo

n. – número, seguido do número a que se refere uma citação

op.cit. – obra já citada

p. – página; pp. – páginas

PD – Providentissimus Deus

p.ex. – por exemplo

Séc. - século

smj – “salvo melhor juízo”

SP – Spiritus Paraclitus

v.g. – “verbi gratia”, a título de exemplo

7

SUMÁRIO

Resumo – Abstract – Resumen ................................................................................................. 2

Dedicatória e agradecimentos ................................................................................................... 5

Siglas e abreviações .................................................................................................................. 6

Sumário e notas explicativas ..................................................................................................... 7

Introdução .............................................................................................................................. 10

Capítulo I – As culturas condicionam o saber de cada época ................................................ 20

Em foco ................................................................................................................................... 20

1 – A cultura bíblica do incipiente Israel ................................................................................ 20

2 – A cultura científica ............................................................................................................ 24

3 – Bíblia, Teologia, orientações do Magistério e diálogo ..................................................... 25

Capítulo II – O que dizem as Sagradas Escrituras acerca da Criação ................................... 31

Em foco ................................................................................................................................... 31

1 – Janelas bíblicas para uma aproximação científica ............................................................ 31

1.1 – O Criador ....................................................................................................................... 32

1.2 – A Vontade ...................................................................................................................... 33

1.3 – O Tempo ........................................................................................................................ 36

1.4 – A Criação ....................................................................................................................... 38

1.5 – A Criatura ....................................................................................................................... 45

1.6 – O Mandato – os mandatários co-criadores ..................................................................... 47

2 – A Criação referenciada nos demais textos bíblicos .......................................................... 53

2.1 – O primeiro destaque vai para o modus operandi Creatoris ........................................... 54

2.1.1 – Ele faz o que quer ........................................................................................................ 54

2.1.2 – Ele faz por sua Palavra e seu Sopro ............................................................................ 55

2.1.3 – Ele faz imprimindo caráter .......................................................................................... 55

2.1.4 – Ele faz porque ama. Seu amor é motivo para fazer. Salmo 136 ................................. 57

2.2 – O segundo destaque é para a extensão da obra .............................................................. 58

2.3 – Sl, Pr, Sb e Eclo evocam com que critérios Deus fez a Criação .................................... 58

3 – Vontade versus ex-nihilo ................................................................................................... 62

4 – Considerações relevantes para o diálogo .......................................................................... 64

Capítulo III – Auscultando as Ciências quanto a: o que dizem sobre a eclosão do Universo e da Vida ................................................... 67

8

Em foco ................................................................................................................................... 67

1 – Do Big-Bang ao Modelo-Padrão ....................................................................................... 68

2 – Antes do Big-Bang ............................................................................................................ 69

3 – Os fautores da Teoria do Big-Bang ................................................................................... 71

4 – Teoria Inflacionária do Universo ...................................................................................... 80

5 – Tamanho do Universo ....................................................................................................... 81

6 – Idade do Universo ............................................................................................................. 82

7 – Matéria e energia, partículas subatômicas, átomos e moléculas ....................................... 85

8 – Mas, qual a origem do ovo cósmico? Que implicações decorrem de seu pressuposto? ... 95

9 – Paleontologia, Arqueologia e a Vida desde bilhões de anos ........................................... 102

Capítulo IV – Caminhando para a Conclusão ......................................................................132

1 – Recheios inconvenientes para um início de diálogo ....................................................... 132

2 – O essencial na equação Criação-Modelo Padrão ............................................................ 139

3 – Convergências conclusivas ............................................................................................. 150

3.1 – Singularidade da Criação e do Big-Bang ..................................................................... 150

3.2 – O Espaço-Tempo como corolário dessa singularidade ................................................ 150

3.3 – Causa e efeito ............................................................................................................... 152

3.4 – Mesmo inexistindo algo além de Si, Deus fez existirem todas as coisas ..................... 153

3.5 – Como princípio geral a Ciência não admite o acaso cego ........................................... 153

3.6 – A Terra estava deserta e vazia ...................................................................................... 154

3.7 – A grandiosidade da Criação ......................................................................................... 155

3.8 – Conteúdo e vida ........................................................................................................... 155

3.9 – Deus criador versus deus demiurgo ou relojoeiro ........................................................ 156

3.10 – Gn 1 deixa claro que Deus “disse” e a coisa “se fez” ................................................ 157

3.11 – A tudo corresponde uma ordenação e subordinação .................................................. 157

3.12 – A Ciência pode levar a cabo uma escorreita leitura da Criação ................................. 158

CONCLUSÃO ..................................................................................................................... 160

Anexos .................................................................................................................................. 167

Uma Resenha sobre a obra de Eliot Brody ............................................................... 168

Excertos de “A produção teológica no Pós-Concílio” .............................................. 171

Mensaje Del Santo Padre Juan Pablo II A Los Miembros De La Academia Pontificia De Ciencias ...................................... 174

9

Discorso Di Giovanni Paolo II Ai Partecipanti Alla Sessione Plenaria Della Pontificia Accademia Delle Scienze ................................................................178

Plenária Da Pontifícia Academia Das Ciências: Nenhuma Incompatibilidade Entre Teoria Da Evolução E Criação ......................... 184

Concluída No Vaticano A Conferência Sobre Evolução .......................................... 185

Apresentado Novo Livro Sobre Galileu E O Vaticano ............................................. 186

Max Planck e o início da Teoria Quântica ................................................................ 187

Fundamentação Teórica e Bibliográfica ............................................................................... 189

Post Scriptum – Ad majorem Dei Gloriam ........................................................................... 193

Notas explicativas

Os destaques – A tomada de citações é profusa em todo o trabalho. Tendo em vista

objetivos a serem alcançados através das citações, em todas elas foram desprezados os

destaques originais; em contrário, seriam muitas as chamadas de roda-pé para informar “o

grifo é nosso”. Por esta razão, será sempre “nosso” (meu) todo negrito, itálico ou sublinhado

apresentado em cada citação, ainda que coincidente com algum destaque original, visando o

destaque desejado na argumentação.

Adoção de maiúsculas – Na presente dissertação grafamos de modo personalizado

alguns conceitos, tais como: Criação, Ser Humano, Universo, Natureza, Vida, Mundo,

Magistério, Tradição, Verdade, Teologia, Filosofia, Razão, Ciência(s), Cosmo, História,

Física, Biologia, Química, Cosmologia, e outros mais. A intenção é conferir-lhes mais

“presença” e respeito pelo quanto pesam como conceito ou interlocução, fugindo do comum,

dando-lhes cunho de “nome próprio”. Tal recurso não é estranho a muitos autores, entre eles,

Chardin.

Bibliografia Fonte – Todas as obras elencadas na Bibliografia Fonte foram levadas

em conta na elaboração deste trabalho, embora, por praticidade, tenhamos utilizado apenas

algumas delas nas citações. A necessidade de delimitar o enfoque levou-nos a restringir, suas

tomadas, a pontos essenciais ao enfoque no referencial bibliográfico.

10

A Teologia da Criação em diálogo com as Ciências hoje

INTRODUÇÃO

Diálogo, em termos. O que se objetiva é cotejar, no horizonte de Gn 1,1-2,1-4a, o que

é fundamental no Dogma da Criação do Universo e da Vida, com as conclusões das Ciências

acerca da eclosão do Universo conhecido, e da Vida no Planeta Terra, para acordar em que

pontos e em que termos pode a Teologia aceder aos ensinos das Ciências. Segundo

entendemos, um diálogo da Teologia da Criação com as Ciências hoje implicaria em que

ambos os lados se postassem em mesa redonda ou roda viva, ou em conferência ou seminário,

presididos ou não por alguma mediação, estando cada lado representado por especialistas em

suas respectivas áreas; ou, ainda, que, por debates, réplicas, e tréplicas, publicadas na mídia,

se fizessem correr as etapas do diálogo; pois que, de fato, diálogo supõe participação de

interlocutores. Ou, de outro ponto de vista, que o teólogo pesquisador trouxesse ao palco da

dissertação um mínimo de obras em que teólogos (particularmente católicos) se empenharam

em analisar e emitir pronunciamentos teológicos acerca dos ensinos das Ciências tocante à

eclosão do Universo e da Vida, cotejados com a abordagem teológica. Seria então uma

dissertação sobre “considerandos” desenvolvidos por teólogos.

Tais não foram, não são os propósitos desta dissertação. Concebida como uma busca

de conciliação entre o Dogma da Criação e as conclusões científicas sobre o início do

Universo e da Vida, o título proposto inicialmente se desdobrava em três visuais com que se

pretendia clarear e delimitar a extensão da pesquisa: “Ciência e Fé (Fides et Ratio) na

História dos Primórdios” – ou, dizendo de outra forma – “O Big-Bang como probabilidade

de manifestação da Vontade Criadora” - ou, ainda – “O Big-Bang à Luz do Mistério da

Criação”. Razões acadêmicas não aprovaram o projeto por inadequação da formulação do

11

título. Uma nova inscrição do projeto, então sob o título “A concepção da Criação como

mediação do diálogo entre Teologia e Ciência”, que, em novo visual, sem alienar-se de seu

escopo, pretendia aprovação, teve aceito o projeto original mas recusado o título. Uma

variante foi proposta: “A Criação vista na perspectiva do diálogo entre Teologia e Ciência”.

Este novo título também foi recusado pela Comissão de Pesquisas, que sugeriu “A teologia da

criação em diálogo com as ciências hoje”. Nosso escopo não era “dialogar” com as Ciências,

mas “ler”, nas Ciências, colher delas, como revelação natural que é, pois, como tal é sugerida

por Paulo em Rm 1,20, correspondências possíveis, adequáveis, à Revelação Sobrenatural

quanto ao surgimento do Universo e da Vida. Entretanto, acatamos, embora o enunciado

sugerisse outro direcionamento ao nosso escopo. E procuramos nos adaptar a ele. Na

elaboração do primeiro capítulo buscamos enfocar o ensino do Magistério sobre o diálogo

entre a Fé e a Razão, visando redirecionar a titulação para o escopo pretendido. No Exame de

Qualificação, um dos examinadores ponderou que seria mais adequado dar outro enfoque ao

capítulo para melhor adequá-lo aos objetivos propostos. Em consequência, disseminamos seu

conteúdo ao longo dos capítulos e retomamos o alinhamento idealizado na concepção do

projeto: os condicionamentos culturais promovem resistências a mudanças, tanto de hábitos

como de aceitação de novas idéias, dificultam e até impedem o diálogo.

Nossa proposta é: Sendo duas as ordens do conhecimento1, o sobrenatural e o natural,

e, sendo Fé e Razão criaturas de Deus, pelas quais a Revelação divina se dá, e que ambas não

se podem contradizer mutuamente, Fé e Razão devem se auscultar interdisciplinarmente2, pois

“[...], ainda que a fé esteja acima da razão, jamais pode haver verdadeira desarmonia entre

uma e outra, porquanto o mesmo Deus que revela os mistérios e infunde a fé, dotou o espírito

humano da luz da razão”3. A Fé tem primazia sobre a Razão, mas, o uso da Razão precede4 a

1 Dei Filius, cap.IV, Docs.Pontifícios 96. Petrópolis: Vozes, 1953. p.8 – D 3015, p.648. 2 Ibid., p.10 – D 3019, p.649. 3 Ibid., p.9 – D 3017, p.648. E Qui pluribus, D 2776, p.610. 4 D 2755, p.606; D 2813, p.616. [retratações assinadas por Louis-Eugene Bautain e Augustin Bonnetty]

12

Fé no conhecimento das coisas divinas5, e a estas se pode chegar a partir das coisas criadas6,

de modo natural. De fato, “Reconhece-se, assim, um primeiro nível de revelação divina,

constituído pelo maravilhoso ‘livro da natureza’.” 7. Esta é a via natural do conhecimento.

Mas, deixando à Teologia a explicitação dos mistérios divinos propriamente ditos, objeto da

ordem sobrenatural do conhecimento, as Ciências se portam em desvelar minuciosamente as

coisas divinas ad extra, que têm servido de via natural para conhecer o Criador, e, por isso,

por elas, podem apontar, para a Teologia, a compreensão de como se revela a coisa criada. E,

por essa forma, lançar – e lança – luzes para melhor compreensão do Mistério da Criação.

Ora, pois. Mais apropriado seria titular esta dissertação em termos de Reflexões e

conclusões de um teólogo quanto a convergências de ensinos, entre Ciências e Teologia,

sobre a Criação do Universo e da Vida, pautando sua redação pela metodologia que o próprio

Magistério acena: não se trata de importar/exportar, intercambiar metodologias, entre

Teologia e Ciências mas ler, nas conclusões das Ciências, a plausibilidade teológica de seu

discurso8, pois, a reta razão demonstra os fundamentos da fé9, eis que as coisas criadas “são

também objeto da revelação divina”10.

A Revelação Sobrenatural garante-nos a Providente Presença do Criador pastoreando

sua obra. Não cai um só fio de nosso cabelo sem que sua queda não esteja prevista nos

arcanos divinos. Isto é certo, cremos que assim seja. Trata-se, entretanto, de equívoca

conceituação. Tem que ser explicitada. Em contrário, acabaríamos por dogmatizar o destino

como fatalidade, algo que estaria escrito, não teria como ser mudado, qualquer evento

expressaria inexoravelmente a Vontade Divina, e o livre arbítrio seria posto em xeque-mate.

A realidade com que nos defrontamos no dia-a-dia cobra a necessidade de uma leitura (ou

5 Dei Filius, id., cap.III, p.5 – D 3008, p.645s. 6 Id., cap.II, p.4 – D 3004, p.644. 7 Fides et Ratio, n.19. – disponível em <http://www.vatican.va/edocs/POR0064/_INDEX.HTM> 8 “Por si mesma qualquer verdade, mesmo parcial, se realmente é verdade, apresenta-se como universal e absoluta. Aquilo que é verdadeiro deve ser verdadeiro sempre e para todos [...]” FR n.27, op.cit. 9 Dei Filius, cap.IV., p.10 – D 3019, p.649. 10 FR n.66, op.cit.

13

releitura) coerente, em objetividade, com a Natureza e com os eventos que nela são

manifestos. Ora, a Teologia não estuda a Natureza nem os eventos naturais que nos envolvem.

As Ciências o fazem. Mas, uma contextura faz ponte entre Teologia e Ciências: a origem e o

começo do Universo e da Vida, e sua realidade que a tudo permeia.

Esta aproximação, entre distintas abordagens, deve levar em conta os critérios próprios

de cada uma. Assim como a Teologia, as Ciências têm epistemologia e métodos próprios,

hermenêutica adequada aos conceitos que elabora. Sendo de sua iniciativa a aproximação, a

Teologia buscará ater-se, mais aos critérios das Ciências, que aos seus próprios, na busca de

janelas para o diálogo. E não só. Sabemos que as Ciências, no geral, não estão preocupadas

com o que tenha a Teologia para dizer-lhes de suas conquistas. Alguns cientistas, sim, se

interessam. Mas a Teologia sabe com que peso as Ciências dominam o cenário cultural. Cioso

das certezas alcançadas em sua respectiva área, campo e objeto de pesquisas, algum cientista

se aventura a vazar seus limites e adentrar o terreno da fé religiosa, convencendo as mentes e

fazendo adeptos. Por vezes não será de má fé ou demanda de proselitismo que o fazem.

Emerge uma tomada de consciência quanto à amplitude do conhecimento sempre cobrando

mais e mais respostas. A Teologia se vê diante de questões limítrofes. Um exemplo típico está

no ensino tradicional da fé religiosa (cristã, particularmente), quanto à Criação, cotejado com

o ensino que as Ciências propiciam. Em qual acreditar? É então que a Teologia deve

posicionar-se e atualizar-se para estar apta ao diálogo com o Mundo, e com o Mundo crente,

apta para iluminar, com os dados da Fé, o conhecimento científico que domina o universo

cultural. Para fazê-lo, convém que ausculte o que as Ciências dizem, no linguajar das Ciências

e o tome como referencial. São Paulo do Areópago e do Sinédrio (At 17,22 e 23,6) abre

caminho na busca do falar a mesma linguagem. Face à cultura atual, a Teologia tem que

buscar parceria nas Ciências. Busca de complementaridade. A propósito da concorrência

14

laico-científica com a religião, Alexandre Ganoczy11 faz a seguinte análise:

Tratava-se, e se trata, do reconhecimento de que a realidade global cósmica e humana é tão

multissegmentada e complexa que não há mais nenhuma disciplina isolada que possa ser capaz

de lhe fazer justiça plena no nível do conhecimento. Há, portanto, uma consciência de que a

“natureza” possui muitas dimensões, o que desde já torna questionáveis todas as explicações

reducionistas e unidimensionais. Cada “dimensão”, cada disciplina, cada área do saber, anseia

ser complementada por outras “dimensões”, disciplinas e áreas do conhecimento. [...][Ganoczy

se indaga:] Será que novamente está na hora de a teologia revisar suas posições? [...] Será que

ela agora precisa reagir também à teoria da relatividade, da mecânica quântica, da teoria do

caos e da tecnologia genética, com teologias condizentes?

Não há o que discutir, a resposta é “sim”, pois que tais abordagens têm a ver com a

Criatura. Tal reação exige posicionar-se diante de metodologia diferente e adequar-se às

exigências de hermenêutica específica. Respeitante às Ciências sobressai seu caráter empírico

numa relação de fidelidade objetiva do pesquisador para com o objeto de sua pesquisa ou

indagação. Há o risco de o pesquisador limitar ou, de alguma forma, direcionar a obtenção de

resultados avaliáveis, dependendo dos parâmetros e condicionantes colocados e da

instrumentação utilizada, aí entendidos também aparelhos de medição e cálculos matemáticos.

Nunca será cientificamente correto por em dúvida a honestidade com que o faz. O

procedimento inicialmente aposteriorístico culmina em enunciados que passam a ser

aplicados aprioristicamente a situações que guardam certa similaridade. A generalização

guarda analogia com o procedimento filosófico. Porém, uma característica dominante na

evolução do conhecimento científico é o seu caráter não dogmático, sempre aberto a novas

explicitações, à acolhida de novas luzes. Não se trata de teorias que disputam entre si, que se

destronam ou se substituem, mas de patamares que alargam o horizonte do conhecimento e

lhe garantem profundidade. Não é por outra razão que o complexo técnico-científico, e a

globalização das Ciências chegaram ao atual estádio. A validade das descobertas “até prova 11 GANOCZY, Alexandre. Vastidões infinitas: visão de mundo científica e fé cristã. São Paulo, Loyola, 2005. pp.13-14.

15

em contrário” fazem da provisoriedade a garantia de que as teorias científicas nunca restarão

anacrônicas: estarão sempre atualizadas, podendo ditar, num dado momento, a validade de

suas conclusões. Um traço é comum entre a conclusão científica e a doutrina de Fé: a

cobrança de sua aceitação pela Razão. Sob esse aspecto podemos falar de fé na Ciência por

analogia com o que fundamenta a Fé religiosa: a credibilidade da proposta.

O saber teológico também se desenvolve sobre dados levantados desde a experiência.

Mas, de uma experiência religiosa de Fé em Deus12. Sua fundamentação provém de Tradições

que se alicerçaram em elaborações literárias: a Bíblia, para judeus e cristãos; o Corão, para o

Islã; os Vedas, para o Hinduísmo; etc., a partir das quais (fé-tradição-elaboração literária)

passa a ser feita a leitura do Universo, da Vida, do Homem e das relações que o envolve. Em

certo sentido, o saber científico prescinde de qualquer experiência de Fé religiosa, e mais

ainda daqueles Monumentos da Fé religiosa, e adota caminhos próprios para conhecer a

Realidade: o Cosmo analisável, a Natureza mesma, é sua “bíblia”. É inevitável que Ciência e

Religião acabem não falando a mesma linguagem. Por se fundarem em produções literárias

definitivas (Bíblia, Corão, etc) as teologias das religiões incorrem no risco de se restarem

anacrônicas ante o saber que se torna mais e mais holístico e “atualizado”13.

O diálogo com as Ciências (naturais ou humanas) deve conduzir, necessariamente, a

um pronunciamento de juízo teológico que ilumine as conclusões científicas nos horizontes da

Fé. Para isso, imprescindível é que a Teologia se coloque do ponto de vista das Ciências para

alcançar com exatidão o que elas querem dizer, precavendo-se de emitir juízos que possam

desacreditá-la ante a opinião dos próprios fiéis que, além de viverem sob o império

tecnológico suscitado pelas Ciências, estudam-nas em seus currículos escolares. Será, pois,

com empatia, primeiramente, que o teólogo se porá à ausculta. Cotejando então o que ler, com

12 D 3622, p.773 “Conhecemos a existência de Deus não por intuição imediata, nem por demonstração a priori, mas a posteriori, ou seja, ‘pelas criaturas’.” – D 4206 Dei Verbum, p.983. 13 “A fé, privada da razão, pôs em maior evidência o sentimento e a experiência, correndo o risco de deixar de ser uma proposta universal. [...] cai no grave perigo de ser reduzida a um mito ou superstição.” FR n.48.op.cit.

16

os parâmetros essenciais de sua Fé, poderá, com discernimento, apontar ineludíveis

ressonâncias e convergências de ensinos e por elas traçar a conciliação de dados, e falar, se

não a mesma linguagem, uma outra que supere o discurso tradicional. Por isso, a busca de

janelas abertas à ressonância, de parte da Fé principalmente, mas também das Ciências,

orienta nosso trabalho. Nesta dissertação não nos interessam as divergências constatáveis, mas

as “aproximações” que possam ser úteis à missão teológica de explicitar dados da Fé; nem de

longe nos interessa ensinar algo aos homens de Ciência. O que temos em mente é o encontro

de ressonância dos ensinos científicos com a Fé no Criador e na Criação para, com as armas

das Ciências, convencer o Mundo, pela Razão, da veracidade da Fé cristã no Criador e na

Criação – tarefa ingente que exige uma plêiade de andorinhas para fazer acontecer esse verão.

Nessa busca, nosso parâmetro está posto na Bíblia, caracterizado em Gênesis 1. Nossa

mediação teológica está posta em Rm 1,20. Na adoção dessa metodologia sentimo-nos

assegurados pelo ensino do Vaticano I: existem dois caminhos para se conhecer a Verdade.

Confrontada pelas Ciências, também a Teologia precisa compenetrar-se da igual condição de

relativa provisoriedade de seus enunciados, e mostrar-se capaz de aprender com outras

vertentes do Saber (além da Filosofia).

O “penso, logo existo”, de Descartes, de certa forma, interpreta a posição assumida

pelo Homem como leitor e medida de tudo, operação em que impõe, também de certa forma,

a sua condição humana como parâmetro da leitura e da medida. Penso, porém: se, “logo

existo”, existo em ocorrência e concorrência com outros existentes, os quais antecedem minha

existência – como Indivíduo e como Humanidade. Por que não sou absoluto em meu ser, em

minha existência, só posso perceber que existo porque estou inserido numa realidade que está

além de mim, que me circunda, que me questiona e me cobra um pronunciamento. O Mundo

do qual e no qual “eu sou” dá a medida do meu ser. Eu sou um ser relacional, e não sou extra-

terráqueo. Eu Homem não sou a medida das coisas, posso medi-las; não sou o dono da

17

Verdade, posso alcançá-la; não sou o Rei da Criação, mas posso administrá-la; e muito menos

o seu Senhor, por isso posso, e devo, submeter-me a ela. A Natureza me convida a descer do

pedestal. São Francisco de Assis, que pautou sua vida como verdadeiro Doutor em Teologia

nessa área (malgrado seja festejado tão somente por seu caráter místico), faz-nos ver que

somos irmãos responsáveis por todos os outros irmãos da Natureza. Preciso é, pois,

interpretar, “decifrar” a Natureza, em lugar de fazer pronunciamentos sobre ela, sejam

filosófico-ontológicos, sejam teológicos, sejam de qualquer epistemologia, que não se

assentem o mais objetivamente possível naquilo que a Natureza deixa ler de si mesma, pois,

cada coisa é o que é por seu Dentro (Chardin)14. O seu Fora nos dá apenas uma pálida imagem

do que cada coisa é15.

Assentados em Rm 1,20 e Gn 1, postulamos, com certa corrente científica, que DEUS,

após criar, deixou livre sua criatura, sem mais intervir, pois que a dotou de autonomia criativa.

Postulamos também, na Fé, que o mesmo Criador não abdica de sua autonomia para intervir

na Criação, mas que este não é seu agir usual. Esta disposição Divina pode ser detectada na

experiência de Fé. Porém, não é objeto da presente abordagem. Aqui buscaremos ler a

Criação do Universo e da Vida nos horizontes em que as Ciências possam enriquecer nossa

abordagem da mesma na Fé, e, por esta via, desfazer distorções e mal entendidos derivados de

uma inadequada Catequese da Criação, que acaba caindo em descrédito quando confrontada

com as descobertas científicas. O seguinte pensamento, atribuído a Einstein, nô-lo diz:

Através dos livros científicos populares, logo me convenci de que muitas das histórias da

Bíblia não podem ser verdadeiras. A consequência de tal fato foi uma positiva atividade

fanática pela liberdade de pensamento, juntamente com a impressão de que os jovens estão

sendo intencionalmente ludibriados16.

O que importa levar em conta não é o fato de Einstein tê-lo dito, nem avaliá-lo, pois,

14 CHARDIN, Pierre Teilhard. O fenômeno humano. São Paulo: Herder, 1966. p.54-58, o “dentro”. 15 Jó 25,14. O “fora”, “suave eco” do exterior face ao “estrondo do poder” criador. 16 SIMÕES JR, José Geraldo. O pensamento vivo de Einstein. São Paulo: Martin Claret, 1986. p.71.

18

idêntico sentir encontra similaridade principalmente no meio estudantil que não conhece esse

pensamento de Einstein. Embora o confronto Bíblia-Ciências não abale protestantes e

pentecostais, pois muitos dentre eles se acastelam num criacionismo estrito, católicos,

religiosos de outros credos e não religiosos sentem-se confrontados, e acabam por desdenhar

da Bíblia. A Teologia lhes deve uma palavra. O Magistério católico já pode ser admitido

como “avançado” nessas questões. E muitos são os teólogos que se desdobram sobre tais

questões. Mas, nossas catequeses paroquiais não sabem como ensinar a Criação e muito

menos estão preparadas para dar respostas a questionamentos. E para o grande público

inexiste literatura católica adequada.

Pois bem. Desde que nosso objetivo é o de encontrar no campo das Ciências

demonstrabilidade de que suas descobertas podem, de alguma forma, ser complementares à

compreensão de sua utilidade à Teologia, tocante à doutrina da Criação, poderá parecer, por

vezes, que, no desenvolvimento da dissertação, estaremos nos distanciando da centralidade de

nosso propósito, abrindo horizontes outros na abordagem. Ao contrário. Os eventuais balões

ou aparentes escapadas, ao longo do texto ou nas notas de roda-pé, se prestam a reforçar a

linha mestra do pensamento. No capítulo III, um esmiuçado histórico dos avanços científicos,

abrangente, embora não exaustivo, pretende resgatar que não é devido a apressadas ou

fantasiosas conclusões que as Ciências ensinam hoje o que ensinam. Visa demonstrar que as

Ciências vêm aprendendo com as Ciências ao longo de séculos de pesquisas e de muito

pensamento, superando-se sempre no devir da provisoriedade. Na condução das reflexões o

critério da analogia estará presente. Pretendemos que o princípio da não-contradição esteja

atuante como filtro de constatação.

Esboço da dissertação. No capítulo I buscaremos resgatar a fonte primeira do divórcio

entre o novo e o estabelecido (a cultura instalada), que tem sido (ou foi), durante séculos,

obstáculo para o diálogo entre dogmatismos e novidades culturais. No capítulo II buscaremos

19

encontrar na Bíblia, Fonte da Fé, janelas abertas para o desenho de uma epistemologia

adequada que se disponha ao encontro de ressonâncias com as descobertas das Ciências. No

capítulo III nos ocuparemos de vasculhar, no acervo científico, quais sejam essas

ressonâncias. Muitos dos que o tentaram foram julgados como simplórios concordistas. No

entanto, se pontos de convergência não são, não forem, detectados, permaneceremos ad

aeternum no a-diálogo. Temos consciência de nossa limitação, sabemos que isto jamais será

atingido à exaustão. Intencionamos, pois, encontrar um mínimo de pontos que possam ser

vistos como peças fundamentais. No capítulo IV buscaremos costurar aquelas pontuações que

nos parecerem inequívocas convergências entre Fé e Ciências, balizadoras do que

pretendemos haver demonstrado: que os atuais ensinos das Ciências quanto à eclosão do

Universo e da Vida, que tem por modelo-padrão o paradigma nascido da teoria do Big-Bang,

podem, sem contradição com a Fé, explicar satisfatoriamente o “como” determinado pelo

Criador para que sua Criação se explicitasse neste real que nos é dado vivenciar.

= * = * = * =

ADVERTÊNCIA NECESSÁRIA, para que não seja gerada no leitor expectativa de

maior abrangência quanto ao diálogo proposto: o enfoque pretendido nesta dissertação está

restrito à Criação em sua configuração físico-química, astronômica e biológica, sua origem

divina e sua “dissecação” pelas Ciências da Natureza. Assim delimitado, o enfoque exclui

qualquer considerando teológico concernente às Ciências Humanas, à religiosidade e aos

aspectos salvíficos, até mesmo à condição da Schechina na Criação. Entretanto, o Criador

aqui tratado é Deus mesmo, cristão e judaico, assim como a Sua Criação segundo a fé. A

Creatio continua, nova, semper mutabilis, aqui está presente desde que se tornou originalis.

20

CAPÍTULO I

AS CULTURAS CONDICIONAM O SABER DE CADA ÉPOCA

EM FOCO

O Ser Humano dialoga com seu CRIADOR, e com sua Criação, a partir de seu

linguajar humano. De seu lado, a literatura bíblica se revela conjuntural, atrelada à cultura e

limitação cultural do povo que a produziu (o semita) em sua peregrinação epocal. De outro, a

conquista cultural se faz e refaz sobre si mesma num incessante processo dialético. Não é por

menos que a cultura moderna, alavancada pelas conquistas científicas, mesmo não expurgada

de suas idiossincrasias anticriacionistas, propõe uma leitura da Criação mais condizente,

“smj”, com uma Inteligência e Vontade à altura do Todo-Poderoso, em superação à visão

antropomórfica da Divindade, a exemplo do Deus oleiro de Gn 2. Mutatis mutandis, donde se

pode admitir e até concluir que o ensino básico sobre o “Big-Bang” e suas consequências

pode, muito bem, expressar a realização da Vontade Criadora quando Deus disse “haja ...

ajuntem-se ... produza ... Deus fez ... façamos o homem ...”, e que os dias da Criação podem

ser entendidos como etapas, como eras, para nós, do desabrochar do Ato Criador, pois “meu

Pai trabalha até agora” (Jo 5,17).

1 – A CULTURA BÍBLICA DO INCIPIENTE ISRAEL

Uma das premissas desta dissertação busca resgatar a fonte do contexto cultural de

Israel, contexto determinante na elaboração literária da Bíblia, Bíblia que é a Fonte do

Depositum Fidei, da Tradição desse mesmo Depósito e do Magistério, seu guardião. E mais,

porque ela, essa cultura, está no ponto de partida de nossa concepção de Deus Criador.

21

Israel remonta suas origens desde Ur na Caldéia a Haran na Mesopotâmia, até às terras

de Canaã, trajetória e assentamento de Abraão. Israel não era formado ainda e por isso não é

possível creditar-lhe uma cultura própria. Herdeiro de povos ancestrais a ele, “cresceu” em

entendimento a partir da cultura circunstante, subjacente, fazendo-lhe a releitura, ao longo do

tempo, com fulcro na emergente Fé em Iahweh, cujo evento fundante é marcado pelo

Êxodo17. Os exegetas datam o texto de Gn 1 no pós exílio babilônico, portanto, posterior à

tradição mosaica de Iahweh que salva e liberta seu povo.

Não possuindo uma história pregressa própria, o Israel bíblico a faz remontar aos

dados “históricos” de seu povo de origem, com o qual a partilha, cujo acervo em

reminiscências, genealogias, mitos e fábulas carreavam a compreensão e auto-explicação do

mundo e da realidade em que viviam. Nenhuma pesquisa científica se registra então. Os

fenômenos naturais (e humanos) eram entendidos em base àquelas reminiscências ancestrais

para explicar ou justificar instituições, usos e costumes e o Desconhecido Transcendente.

Existência, origens, nascimento, morte, flagelos, etc., perfaziam o arco de suas especulações.

As origens do céu e da terra partem desse contexto: a cultura do nosso conhecido Crescente

Fértil de então, da qual Israel era parte e pela qual “pensava” e sobre a qual assentava seus

corretivos em função de sua Fé num Deus único.

O acervo cultural comum a Israel e povos contíguos é atestado pela descoberta,

relativamente recente, de textos egípcios e mesopotâmicos que o documentam, a exemplo da

Epopéia de Gilgamés (±2.700 a.C.), do Código de Hamurabi (±1.700 a.C.), do Poema Enuma

Elish (±1.200 a.C), que encontram em Gênesis versões correlatas. São muitos os pontos de

correspondência entre aquelas tradições culturais e as que se pode depreender do estudo dos

textos bíblicos, particularmente os da Torá. No querer dizer algo novo, por força de sua Fé,

Israel não podia se furtar à influência da cultura e correspondente literatura de seus

17 ARANA, Andrés Ibáñez. Para compreender o livro do Gênesis. São Paulo: Paulinas, 2003. p.47.

22

coetâneos18. Além do referendar-se específico a Iahweh, e ao relacionamento com Ele e por

causa Dele, nada há de inédito na cultura bíblica. Em tudo é partilhada com a cultura

circunstante.

Focalizando Gênesis 1: o Autor sagrado não tinha como se comunicar com o seu

tempo senão limitando-se ao conhecimento com o qual poderia dialogar e ser compreendido.

Temos como certo que nem ele próprio teria condições de dizê-lo de forma diferente. Todo o

vocabulário bíblico e os circunlóquios se limitam ao universo cultural da época. É óbvio.

Como observam Heinrich Krauss e Max Küchler, as descrições de Gn 1-11 “só podem ser

compreendidos corretamente quando se situa sua contrapartida nos mitos mesopotâmicos ou

egípcios como lâmina de contraste,”19. É, pois, limitada a seu contexto, que a narrativa da

Criação convém ser lida e interpretada. Na mesma página 15 Krauss-Küchler ponderam: “O

conhecimento das ciências naturais correspondia completamente ao padrão da época nas

culturas circunvizinhas do Egito e da Mesopotâmia. Certamente não lhe faltam elementos

míticos, mas do conjunto da composição transparece um pensamento ordenado e uma

sobriedade objetiva”.

Não é por outra razão que a Criação é descrita como está: simples, direta, sem rodeios,

sem pormenores. Os pormenores viriam a seu tempo, como judiciosamente argumentou Sto.

Agostinho em De actis cum felice Manichaeo, I, 10: PL 42,525.a: “Basta que os homens

saibam dessas coisas” [o ensino secular] “o que para as necessidades humanas aprenderam na

escola”. Quanto ao objetivo da Escritura ele ensina: “[...] porém o Espírito de Deus, que

falava por eles” [os autores sagrados], “não quis ensinar aos homens essas coisas que não

18 Bíblia de Jerusalém, p.23 Introdução ao Pentateuco: “A descoberta das literaturas mortas do Oriente Médio e os progressos feitos pela arqueologia e pela história no conhecimento das civilizações vizinhas de Israel mostraram que muitas leis ou instituições do Pentateuco tinham paralelos extra-bíblicos bem como anteriores às datas atribuídas aos ‘documentos’ e que numerosos relatos supõem um ambiente diferente e mais antigo daquele em que esses documentos teriam sido redigidos”. 19 KRAUSS & KÜCHLER, As origens: um estudo de Gênesis 1-11. São Paulo: Paulinas, 2007. p.15.

23

iriam servir em nada para a salvação” (De Genesi ad litteram, II, 9: PL 34,270)20.

Andrés Arana vê nas origens de Israel (de Moisés aos começos da monarquia) apenas

“resíduos de mitos, recordações sobre a origem da cultura, nomes de personagens famosos,

tradições”21. Esse, pois, o cenário contextual de Gn 1, móvel religioso, histórico, cultural,

fonte e evolução do conceito de criação que, a partir de Israel, se cristalizou como doutrina. O

“dogma” cristão da Criação tem aí suas raízes. Nada científico e também nada filosófico. Os

avanços desde então até à compilação final de Gn 1 por volta do quinto século a.C.

prosseguem nessa mesma co-relatividade cultural.

O texto final produzido por Israel: não é escopo nosso dissecar o texto sob os prismas

de suas aproximações literárias, exegéticas e teológicas. Tendo em mente o escopo de

dialogar com as Ciências, o propósito se centra no descortino de janelas, no texto bíblico, que

possibilitem ver, sem contradição, convergências de ensinos entre as Escrituras e as mesmas

Ciências. Por ora, basta-nos focalizar essa constatação: o texto bíblico é fruto de uma releitura

da limitação cultural suscitada por um conflito religioso, e não de pesquisas e conquistas

científicas alcançadas em sua época. Sua síntese é: tudo que existe tem origem na vontade de

Elohim22. “Por outra parte, já no judaísmo primitivo destacava-se a criação pela palavra, ou

seja, pelo ato da vontade de Deus que havia chamado à existência todas as coisas”23. Tocante

à Criação, este é seu ponto alto. No entanto, já caminhamos dois mil anos de cristandade, e

ainda persiste, em muitos nichos culturais, uma leitura simplória, crédula, conduzindo a uma

interpretação rasa de Gn 1 e 2, que se opõe a aprofundar a compreensão e o conhecimento do

Ato Criador e da Criação. Como observa Alexandre Ganoczy, “As afirmações de cunho

arcaico da Bíblia precisam ser interpretadas e traduzidas para as condições de nossa 20 ARANA, op.cit., p.49. 21 Ibid., p.11. 22 BINGEMER, Maria Clara Lucchetti. YHWH, Abbá e Allah: as três religiões do livro falam do Deus Criador. : “Portanto, Gn 1 não é histórico. Mas para os judeus isso só implica que o escritor utilizou o mito como o poeta utiliza as imagens para transmitir verdades muito profundas, sobre as quais há consenso de todas as facções religiosas do judaísmo”, in Perspectivas para uma nova teologia da criação, MULLER, Ivo (Org.). Petrópolis: Vozes, 2003. p.85. 23 Ibid., p.81.

24

civilização tecnológica”24. A linguagem só é dialógica se os denominadores são comuns.

2 – A CULTURA CIENTÍFICA

O diálogo proposto nos leva a ver analogia de origem e evolução, com a do

pensamento em Israel, no que respeita à Ciência. Também esta subiu de subjetivas

considerações desde a pré-história até aos dias de hoje, superando teorias, ganhando em

certeza objetiva, no empenho conjugado de uma incontável multidão de pensadores e

pesquisadores, matemáticos, filósofos, astrônomos, ... A interdisciplinaridade entre suas afins

garantiu-lhe ascensão sempre crescente. De hipóteses a teorias pôde a Ciência, em vários de

seus domínios, promulgar a certeza de suas conclusões, e balizá-las mediante a descoberta de

leis que regem a Natureza.

Muitos exemplos poderíamos carrear para demonstrar o aprendizado evolutivo da

Ciência. É significativa a previsão meteorológica. Não faz muito tempo o mais desacreditado

informante era o “homem do tempo”. Se dizia “vai chover”, podia ter-se a certeza de que faria

bom tempo, sem chuva. Se dizia “não vai chover”, era indicativo de que se deveria tomar

precaução. Tão incertas eram as informações meteorológicas. Hoje prevêem-se com certeza

matemática nevascas, inundações, terremotos, ciclones, etc. Outro exemplo. Houve um tempo

em que se ensinava que as moscas eram produzidas pelas carnes em putrefação. Acreditava-se

que os elementos podiam ser transmutados. A pedra filosofal fez época. Foi o reinado da

Alquimia, com Paracelso seu expoente máximo, cujos ensinamentos estão descartados pela

Química.

Importante frisar a semelhança dos desenvolvimentos do saber. Cultura religiosa e

cultura científica. Ambas seguem os mesmos passos. Israel começou cultuando deuses dos

pais, com todos os terafins de seus conterrâneos (a ex. de Gn 31,19). Na origem era

24 GANOCZY, op.cit., p.38.

25

igualmente um povo politeísta. Somente à custa de séculos pôde galgar o acervo de crenças

no Deus único, Fé que transmitiu ao cristianismo. Exemplo típico de “aprendizado” é o da

Ressurreição, que somente amadureceu com Jesus de Nazaré. Em toda a sua obra, O dogma

que liberta, Juan Luis Segundo25, passo a passo, vai descrevendo magistralmente o processo

de amadurecimento da doutrina cristã, desde Israel. E deixa claro: muita coisa está por

clarificar.

Ciência e Fé: notas comuns a todos os povos de todas as épocas e de todos espaços

geográficos. É sobre a cultura circunstante, sedimentada no estágio em que se encontra, que as

afirmações religiosas e científicas de cada época se fundam e se explicitam. O Intelecto é sua

mola propulsora. Tanto quanto na Ciência muita “doutrina” já perdeu status, na Religião

também. O “sol de Josué” só há pouco tempo deixou de girar à volta da Terra. E com ele

muito mais ensinos estão sendo revistos. Até a Religião aprendeu. Aprendeu a não ensinar

coisas que fogem ao seu campo específico. Quanto à Criação, e à Vida, são muitos os

teólogos26, católicos e protestantes, atarefados em ler o mistério de suas origens à luz das

inequívocas conquistas do saber atual. É sob este horizonte que nos propomos trabalhar.

3 – BÍBLIA, TEOLOGIA, ORIENTAÇÕES DO MAGISTÉRIO E DIÁLOGO

Na Igreja Católica Apostólica Romana temos por indiscutível que as Sagradas

Escrituras são a base, a Fonte primária do Depositum Fidei e, portanto, da Teologia católica, e

que a Tradição do Depósito e o Magistério o perpetuam e explicitam sem nada lhe acrescentar

de substancial. Entretanto, ouve-se dizer (lê-se) que, por vezes, se fez teologia sem ter a Bíblia

como ponto de partida e fundamento e só depois se buscou sua fundamentação “versicular” na

Bíblia, tarefa, por vezes, a cargo de outrem. Nosso propósito é fundamentar e desenvolver a

25 SEGUNDO, Juan Luis. O dogma que liberta. São Paulo: Paulinas, 2000. 26 Além dos que citamos diretamente neste trabalho, fazemos questão de apontar: Hans Küng (O princípio de todas as coisas), Jürgen Moltmann (Ciência e sabedoria), Domenico Ravalico (A criação não é um mito) e vários outros que se acham na bibliografia geral.

26

dissertação, tocante à Teologia da Criação, nos textos bíblicos que a fundamentam.

Indubitavelmente Gn 1,1-2,4a é o texto bíblico básico para se admitir, na Fé, a

temática da Criação. “Foi pela Fé que compreendemos que os mundos foram organizados por

uma Palavra de Deus” (Hb 11,3). Seu autor está dialogando com a cultura de sua época. Não

delineia especulações sobre enigmas da Criação; apenas assenta sua visão na Fé em um Deus

Criador27. Todos os demais textos bíblicos relativos à Criação lhe fazem referência ou

supõem-no. A temática em todos eles, relativamente à Criação, se desenvolve em termos de

proclamação da Fé de Israel no Criador de todas as coisas e de todos os acontecimentos

consequentes, salvíficos para ele.

Diferentemente da Fé islâmica, a Fé católica entende os textos sagrados como

inspirados por Deus na condução da autoria humana, e não ditados por Ele palavra por

palavra. São palavras humanas, do repertório humano, vinculadas ao condicionamento

cultural humano, redigidas em determinado estilo literário e sentido literal expresso pelo

hagiógrafo (cf. DV 12 e DAS 15s) que, por essa forma, se tornam veículo de Revelação

Divina.

No levantamento procedido no preparo deste trabalho, sobre Criador e Criação, não se

logrou encontrar ensino magisterial – no sentido em que o preconizam as Ciências – sobre o

“como” se deu cada Ato Criador, ou seja, quanto ao modus operandi do Criador. No sentido

bíblico, da Revelação contida nas Sagradas Escrituras e no Ensino do Magistério, se pode e se

deve dizer tão somente que o modus operandi do Criador reside na manifestação da sua

Vontade que se expressa pela emissão de sua Palavra. Deus não agiu como se fora um homo

faber28.

Coerente com o próprio Ensino, o Magistério se restringe a salvaguardar o Criador

como origem e fonte da totalidade do “céu e terra”, assim como tudo quanto existe é resultado 27 Não trataremos do contexto de Gn 1,1-2,4a e de seu pré-texto porque estão em horizonte diverso. 28 A única antropomorfia explícita de uma ação divina, como se fora um homo faber, está no relato do surgimento de Adão e Eva, expressa na figura do Deus oleiro (Gn 2,7.21b-22).

27

de Sua Vontade Criadora, que se expressa na harmonia holística do Cosmo, detectável através

das leis que o regem, discerníveis estas pelas várias Ciências, cada uma no seu campo.

Pois, em virtude do próprio fato da Criação, todas as coisas são dotadas de consistência,

verdade, bondade e leis próprias, que o homem deve respeitar, reconhecendo os métodos

peculiares de cada ciência ou arte. Por esta razão, a investigação metódica em todos os

campos do saber, quando levada a cabo de um modo verdadeiramente científico e

segundo as normas morais, nunca será realmente oposta à fé, já que as realidades profanas e as

da fé têm origem no mesmo Deus.29

Podemos entender que essa fala em Gaudium et Spes esteja dirigida a nós teólogos,

como a nos indicar algo de metodologia para quando de nossa abordagem à tratativa

científica. De fato, é o Magistério que o disse, “o ESPÍRITO de Deus que por eles [os autores

sacros] falava não queria ensinar aos homens essas coisas (a saber, a constituição íntima das

coisas sensíveis), que não aproveitam à salvação”30. Daí que:

Ora, da necessidade de defender valorosamente a Sagrada Escritura não é preciso concluir que

devem ser mantidas por igual todas as opiniões que emitiram, ao explicá-la, cada um dos

Padres ou os intérpretes que lhes sucederam: pois ao explicar de acordo com as idéias da

época as passagens que tratavam de fenômenos físicos, talvez não sempre explicaram de

acordo com a verdade, emitindo afirmações que hoje já não são aceitáveis.31

Essa coerência é notável em toda a Sagrada Escritura. Nem poderia ser diferente, pois,

Fonte de toda Teologia e de toda Dogmática, as Sagradas Escrituras são mãe e mestra da

coerência. Aquilo que ela não diz fica para o homem desvendá-lo: “A glória de Deus é

encobrir as coisas, e a glória dos reis é investigá-las” (Pr 25,2). E é bem nessa linha que se

assenta nosso principal texto bíblico e todos os demais sobre a Criação do Universo.

A partir dele (Gn 1,1-2,4a) buscaremos enxergar o que na Bíblia é restrito ao Criador e

relativo ao mundo físico – como criatura visível, sensível, corporal. Com isso pretendemos

29 D 4336, Gaudium et Spes, 07/012/1965. p.1023: 30 D 3288, Providentissimus DEUS, Leão XIII, 18/11/1893. p.703. 31 Idem et ibidem.

28

levantar o que é fixado nas Sagradas Escrituras, como Revelação da ação divina, para deduzir

o que fica para “o rei investigar”. Nesse intuito, temos em mente pautar nossa análise do texto

(e de outros que focalizaremos), pela orientação que nos vem de Pio XII na Divino Afflante

Spiritu (n.25):

Sobretudo tenham presente, [...]; e que entre as muitas coisas que se lêem nos Livros Santos

legais, históricos, sapienciais e proféticos, poucas são aquelas cujo sentido tenha sido

declarado pela autoridade da Igreja, nem são mais numerosas aquelas das quais

tenhamos a sentença unânime dos padres. Restam pois muitas e muito importantes em

cuja discussão e explicação se pode e se deve exercitar livremente o engenho e perspicácia

dos intérpretes católicos, a fim de que cada um pela sua parte contribua para a comum

utilidade, para o progresso das ciências sagradas, e para a defesa e honra da Igreja. Esta

verdadeira liberdade dos filhos de Deus, que se atém firmemente à doutrina da Igreja e

acolhe e aproveita com gratidão, como dom de Deus, as conquistas da ciência profana,

quando favorecida e confortada pela boa vontade de todos, é a condição e a fonte de todo

fruto verdadeiro e de todo o sólido progresso da ciência católica, como egregiamente

adverte Nosso Predecessor de feliz memória Leão XIII, onde diz: “Se não se salva a

concórdia dos espíritos, e não se mantêm firmemente os princípios, não se podem esperar

grandes progressos dos vários estudos que muitos façam nesta disciplina”.32

Uma dessas coisas, à espera de engenho e perspicácia, situa-se na questão da Criação.

Já Leão XIII, antecipando Pio XII [texto acima], afirmava: “Decerto, nas passagens da divina

Escritura que ainda esperam por uma exposição certa e definida, pode assim acontecer que

por uma espécie de estudo preparatório amadureça o juízo da Igreja [...]”33. Tendo em vista o

diálogo proposto, da Teologia da Criação com as Ciências hoje, nossa leitura das Escrituras

buscará encontrar janelas favoráveis à visão que nos vem das Ciências que muita luz tem

trazido ao conhecimento e compreensão do Universo criado. O estado atual das Ciências nos

permite atender ao que, já em 1943, o mesmo Pio XII preconizava:

32 PIO XII, Divino Afflante Spiritu, Coleção Documentos Pontifícios n.27. Petrópolis: Vozes, 1956. p.26. 33 D 3282, Providentissimus Deus, Leão XII, p.701.

29

Com fundada razão podemos esperar que os nossos tempos contribuam também com a sua

quota parte para uma interpretação mais completa e exata das Sagradas Letras. De feito há não

poucas coisas, especialmente no terreno histórico, que não foram explicadas, ou foram só

imperfeitamente, pelos expositores dos séculos passados, porque lhes faltavam os

conhecimentos necessários para obter melhores resultados. Quão árduos e quase

inacessíveis acharam os mesmos Padres alguns passos, mostram-no por exemplo os repetidos

esforços que muitos deles fizeram para interpretar os primeiros capítulos do Gênesis; [...].

[...]; pelo contrário, a verdade é que nosso tempo tem chamado a atenção para muitas

coisas que requerem nova investigação e novo exame e estimulem fortemente a atividade do

exegeta. [n.18]. [...] Porque, enfim, ninguém ignora que a norma suprema da interpretação é

indagar e definir que coisa se propôs dizer o escritor [...].[n.19]. [...] Assim, para citar um

só exemplo quando alguns presumem acusar os Autores sagrados de erro histórico ou de

inexatidão em referir certos fatos, examinando bem vê-se que se trata simplesmente de

modos de falar ou narrar próprios aos antigos, correntemente usados para trocar idéias e

que realmente se aceitavam como lícitos no trato ordinário.[n.21].34

Neste capítulo buscamos ter presente certa limitação cultural que encontra paralelo

nessa fala de Pio XII. Obviamente estava Pio XII pondo esperança nos progressos das

ciências bíblicas e contava com eles para explicar “não poucas coisas”. Pois bem, a releitura

bíblica alavancada por tais conquistas vem abrindo, de par em par, janelas favoráveis à

aproximação daquelas duas “ordens de conhecimento” que se devem prestar mútuo auxílio35.

Chega então a vez de buscar complementaridade nas Ciências naturais: “Por isso, é necessário

que a razão do crente tenha um conhecimento natural, verdadeiro e coerente das coisas

criadas, do mundo e do homem, que são também objeto da revelação divina”36. Na busca

de reforço de compreensão das coisas, temos de apelar para a riqueza oferecida pela

interdisciplinaridade que tão profícuos resultados tem garantido ao Saber um status de um

sempre crescente acervo cultural. Dado que nosso ponto de partida está posto em Gênesis 1, e

34 Divino Afflante Spiritu, op.cit., pp.20-23. 35 Dei Filius, op.cit., p.10 – D 3019, p.649. 36 Fides et Ratio, op.cit., n.66.

30

que o Magistério nos insufla ao engenho e perspicácia na leitura das Escrituras, e, dado

também que não somos exegetas, apoiar-nos-emos em alguns autores para detecção, em Gn 1,

de janelas favoráveis à acolhida da interdisciplinaridade disponível nas Ciências (Cap. IV).

Com essa mediação e esse propósito desenvolveremos, no capítulo seguinte, nossa leitura de

Deus criador e de sua Criação.

31

CAPÍTULO II

O QUE DIZEM AS SAGRADAS ESCRITURAS

ACERCA DA CRIAÇÃO37

EM FOCO

Nossa principal hipótese de trabalho: O Ato da Criação se expressa “como”

manifestação de Uma Vontade que quer que tal aconteça e determina “como” deve acontecer

– a expressão “e Deus disse: haja ...” (Cf. Gn 1,3,6,9,11,14,20,24,26...), se repete numa

cadência que consagra a expressão de Uma Vontade.

1 – JANELAS BÍBLICAS PARA UMA APROXIMAÇÃO CIENTÍFICA

Debulhando o conteúdo de Gn 1,1-2,4a, encontramos os seguintes conceitos, entre

outros possíveis, úteis ao diálogo, cujos itens perfilharemos38 como unidades veiculares:

CRIADOR

Vontade, Palavra39, “Deus disse”

Tempo, dia, eternidade

Criação, obra, ação divina, fez, criou

Criatura

Mandatos divinos, o Arquiteto

37 A chave de leitura para o desenvolvimento deste capítulo procede do contido nas obras de: ARANA,Andrés Ibáñez. Para compreender o livro do Gênesis. São Paulo: Paulinas, 2003. pp.21-49; KRAUSS, H.e KÜCHLER, Max. As origens: um estudo de Gênesis 1-11. São Paulo: Paulinas: 2007. pp.20-77; SUSIN, Luiz Carlos. A criação de Deus. São Paulo: Paulinas, 2003. pp.47-84; RUIZ DE LA PEÑA, Juan Luiz. A criação. São Paulo: Loyola, 1989; além de outros citados ao longo do capítulo e na Bibliografia. 38 Perfilhar: adotar, defender, abraçar, filhar (uma teoria, um princípio) – Dic. Aurélio. p.1537. 39 GANOCZY, op.cit., p.40: “A concepção bíblica da palavra de Deus é a que ainda se aproxima mais do aspecto da “racionalidade”. [...] a palavra de Deus unifica em si racionalidade e relacionalidade, ela se refere a uma razão peculiar, de cuja essência faz parte estar em relação e criar relações”.

32

1.1 – O CRIADOR - A qualificação de Deus como Criador é o primeiro ensino das

Escrituras, colocado como está, o Gênesis, como livro prefácio da Bíblia: “No princípio, Deus

criou o céu e a terra” (1,1). A esse solene intróito seguem-se descrições das ações divinas que

culminam no fecho: “Assim foram concluídos o céu e a terra, com todo o seu exército” (2,1),

não sem antes registrar-se o veredicto do próprio Criador quanto à Sua obra: “Deus viu tudo o

que tinha feito: e era muito bom” (1,31). É o próprio Deus que leva a cabo a obra da Criação,

não é outrem: “Deus concluiu no sétimo dia a obra que fizera e no sétimo dia descansou

depois de toda a obra que fizera” (2,2); e se reforça: “[...] descansou depois de toda a sua

obra de criação” (2,3). Toda a obra, quer dizer, a totalidade expressa naquela trilogia céu,

terra, com todo o seu exército: coisa alguma escapa que não tenha provindo da moção

Criadora de Deus. Como veredicto final o v.2,4a conclui: “Essa é a história do céu e da terra,

quando foram criados”. Ao início da secção seguinte, já no v.2,4b se recorda: “No tempo em

que Iahweh Deus fez a terra e o céu”. A qualificação bíblica de Iahweh-Deus como Criador

fica definitivamente assentada. No princípio criou – no sétimo concluiu: toda a obra deriva de

Seu dizer criador.

O hagiógrafo reformula a mitologia do “deus” que faz a partir de coisas coexistentes,

introduzindo a noção (novidade!) do Deus que cria a partir de sua Palavra (Dabar), com a

qual passa a ordenar, a modelar a coisa criada pela permanência atuante de seu sopro (Ruach).

O Deus que faz acontecer é o mesmo Deus que cria. Faz, ordenando; ordena, porque tem

precedência sobre a coisa ordenada. Criar e fazer são ações de um único sujeito que, ao criar

ou fazer, o faz pelo poder de sua Palavra todo-poderosa. O correspondente bíblico para criar é

barah, verbo que registra Deus como único sujeito de sua ação. Barah se revela, se externa

como um movimento ad extra que se expressa por uma Dabar carregada de um potente

Ruach. É impossível imaginar cada um desses elementos isoladamente. Barah, Vontade do

33

Pai; Dabar, ação do Filho; Ruach, movimento, plenificação do ESPÍRITO. Tal é o Criador40.

Os sinais da execução da Barah, da Vontade Criadora, Dabar-Ruach, presentes no Universo,

são detectáveis e passíveis de esquadrinhamento por parte do rei da criação (Gn 1,28 “enchei

a terra, e submetei-a”).

Janela: Deus Criador. Esta janela mantém-se aberta e disponível para todo aquele que,

seja por adesão na Fé, seja por adesão via processos lógicos, esteja propenso a confessar Deus

transcendente à Criação e Criador Ele mesmo. Na esteira de processos lógicos, sempre acaba

sendo eleito opção de resposta para insolúveis problemas de ponta. E não são poucos os

cientistas que consideram com gravidade essa possibilidade. Alexandre Ganoczy cita, entre

eles, Newton, Einstein41, Planck, Heisenberg, Jordan, von Weizsäcker, Prigogine e Paul

Davies42, os quais, não sendo teólogos, arriscaram suas considerações em torno da Divindade.

O renomado físico Stephen William Hawking, em vários pontos de seus escritos, mantém

aberta a possibilidade [hipótese?] de admissão de um Criador ou de Deus criador43. Chega

mesmo a ponderar como teria Deus determinado algum acontecimento.

1.2 – A VONTADE, a Palavra, “Deus disse”44 – Se, a partir da nossa antropomorfia,

de nossos esquemas antropomórficos, buscamos em Deus um modus operandi Creatoris,

semelhante ao modo humano de operar, não o encontramos. Pois é exatamente e

exclusivamente na manifestação de sua Vontade, expressa pelo “seu dizer”, por “sua Palavra”, 40 SUSIN, Luiz Carlos. A criação de Deus. São Paulo: Paulinas, 2003: “A fé cristã, que porta sempre a marca trinitária de Deus, iria identificar, como já vimos, ruach como atuação do Espírito Santo e dabar como o Verbo que se fez carne e tomou historicamente o nome de Jesus”, pp.64-65; idem, pp.36-44: “3.2 A criação é obra da Trindade”. 41 SIMÕES JR, op.cit., p.65, colige o seguinte pensamento de Einstein: “Minha religião consiste numa admiração humilde ao Espírito Superior e Ilimitado que se revela a si mesmo nos mínimos pormenores, que estamos aptos a captar com nossas fracas e irrelevantes mentes. A profunda certeza de um Poder Superior que se revela no Universo, difícil de ser compreendido, forma a minha idéia de Deus”. 42 GANOCZY, op.cit., pp.29-47. 43 HAWKING, Stephen William. Uma breve história do tempo: do Big Bang aos buracos negros. Rio de Janeiro: Ed. Rocco, 1988. Nesta obra, entre outras, Deus é mencionado, p.ex., nas pp.28.88.173.177.179.191.236.238. 44 BINGEMER, op.cit., p.91: “A modalidade mais densa da Aliança de Deus com o povo se dá no falar de Deus ao povo (1Sm 2,27; Lc 16,29; 24,27; Is 6,8; Jr 1,9). Deus, portanto, na experiência do homem bíblico, é fundamentalmente Palavra”.

34

que o podemos encontrar. Deus faz acontecer “falando”, e o hagiógrafo o relata de modo

antropomórfico: “Deus disse”. Coloca na “boca” de Deus palavras humanas, como bem

assegura Leão XIII, canonizando observação de Santo Tomás: “o que o próprio DEUS, ao

falar aos homens, expressou de modo humano, para ser por eles entendido”45. “Falar-dizer” é

o modo humano apto para interpretar a execução da Vontade Divina. Se “Deus disse”,

aconteceu46. A mesma cadência que se nota no Tempo está patente na expressão da Vontade.

A Criação é fruto de uma Palavra que tem o poder de criar, Palavra que é fecunda, que cria o

novo, que inaugura o existente. A Palavra move, é moção, faz acontecer47. “Deus cria com a

força da palavra”48. A um “disse” corresponde um “e assim se fez”:

“Deus disse: ‘Haja luz’ e houve luz” (1,3). – “DEUS disse: Haja um firmamento [...] e assim

se fez” (1,6). – “Deus disse: Que as águas que estão [...] e assim se fez” (1,9). – “Deus disse:

Que a terra verdeje [...] e assim se fez” (1,11). – “Deus disse: Que haja luzeiros no firmamento

[...] e assim se fez” (1,14-15). – “Deus disse: Fervilhem as águas [...] e que as aves voem [...] e

assim se fez” (1,20). “Deus os abençoou e disse: Sede fecundos, [...]” (1,22). –“Deus disse:

Que a terra produza seres vivos [...] e assim se fez” (1,24). – “Deus disse: Façamos o homem à

nossa imagem, como nossa semelhança, [...] (1,26a)” – “Deus os abençoou e lhes disse: Sede

fecundos, [...]” (1,28). “Deus disse: ‘EU vos dou todas as ervas [...]” (1,29) –“[...] EU dou

como alimento [...] e assim se fez” (1,30).

Há um sequência de onze “disse” finalizados por nove49 “e assim se fez”, aí entendido

também aquele “e houve luz” (do v.1,3) que quer dizer precisamente a mesma coisa (e houve

= assim se fez). Há/houve um modus operandi Creatoris: sua Vontade soberana precede cada

passo, cada etapa do surgimento de cada coisa, de cada criatura. E cada uma irrompe como

existente em inequívoca manifestação e testemunho daquele pronunciamento que a

determinou existente. É daí que Paulo poderá fazer a síntese: “[...] seu eterno poder e sua

45 D 3288, Providentissimus Deus, Leão XIII, 18/11/1893, p.703. Também: Docs.Pontifícios n.28 Leão XIII, Sobre o estudo da Sagrada Escritura. Petrópolis: Vozes, 1950 – n.74, p.29. 46 O poder da Palavra, que faz acontecer, foi largamente empregado por JESUS; e reconhecido pelo centurião em Mt 8,9. – Ver Sl 33,9. 47 BINGEMER, op.cit., na p 91 discorre sobre o poder Criador da Palavra 48 SUSIN, op.cit., p.52. 49 Parece sugestivo, ou estar implícito, que a totalização 12 e 10, números típicos da literatura de Israel, ficaram por conta da Natureza como sua contrapartida na Criação, sua adesão, seu sim à existência.

35

Divindade tornou-se inteligível, desde a Criação do Mundo, através das criaturas, [...]” (Rm

1,20). A peça literária produzida pela fonte sacerdotal já o tinha feito notar: o poder divino,

inteligível desde a Criação, foi exercitado pelo soberano pronunciamento de Deus, por sua

Palavra (= disse), emissão e expressão de uma Vontade que quer que tal aconteça e de que

forma aconteça. Ele fala e as coisas acontecem. Não no tempo do Homem, mas no tempo do

Cosmo, cenário da Criação.

Há quatro “disse” que não mostram de imediato essa dobradinha com algum “e assim

se fez”. Mas, vê-se claramente em 1,22 que o “disse” complementa a ação determinada em

1,20, para expressar a bênção com que o Criador confirma a autonomia comunicada aos seres

criados. Em 1,26a 1,28 e 1,29 cada um dos três “disse” encontra sua correspondência no “e

assim se fez” ao final de 1,30. O sentido conduz à mesma compreensão de dotação de

autonomia aos seres criados. A Vontade do Criador é que a sua criatura seja capaz por si

mesma [Esse aspecto remetemos para o item O MANDATO logo adiante]. E por fim, o

homem. Por determinação da Vontade, o Homem é feito duplamente imagem e semelhança:

do Criador (Gn 1,26-27), que conferiu a existência; e da Natureza, de onde é tirado (Gn 2,7).

Por este segundo aspecto o Homem tem sido profusamente analisado nas Ciências.

Janela: A Vontade. “Deus concluiu a obra que fizera ... Alguém poderia estranhar que

o autor tenha falado de obra, quando Deus tudo fez pelo império de sua palavra”50. Esta

janela, Vontade, manifesta sua abertura por seu efeito. A coisa acontecida é resultante da

Inteligência Divina que externa sua Vontade, seu desidério, fazendo existente o que não

existia. Como se depreende da perícope Gn 1, a Criação está tecida de ordem e harmonia,

carregada de mensurabilidade intrínseca ao existir que lhe é conferido. Eis onde as Ciências

lêem e de onde podem extrair os princípios e leis que regem o Universo. Este se revela

Inteligível, para o cientista, porque “produzido” por uma Inteligência.

50 ARANA op.cit., comentando Gn 2,1-4 a. p.45.

36

1.3 – O TEMPO, dia, eternidade – A ação Criadora divina cria, de imediato e de

modo concomitante, a dimensão “tempo”, inaugura o tempo: “No princípio51, Deus criou o

céu e a terra” (1,1). Foi quando tudo começou. Foi posto um começo. A Criação não é eterna.

Ela tem princípio. Faz contar o seu tempo. A Criação está in statu viae. O tempo é colocado

em perspectiva dinâmica: Deus cria o tempo e os acontecimentos que fazem a História52.

Acontecendo um princípio, sucedeu, inexoravelmente, um depois, um “a seguir”: estava

criada a Duração53, estava criado o “devir”. E este cadencia os passos da ação Criadora:

“Houve uma tarde e uma manhã: primeiro dia” (1,5b); “Houve uma tarde e uma manhã:

segundo dia” (1,8b); “Houve uma tarde e uma manhã: terceiro dia” (1,13); “Houve uma tarde

e uma manhã: quarto dia” (1,19); “Houve uma tarde e uma manhã: quinto dia” (1,23);

“Houve uma tarde e uma manhã: sexto dia” (1,31b); “Deus concluiu no sétimo dia a obra que

fizera e no sétimo dia descansou, depois de toda a obra que fizera” (2,2). Toda a obra

Criadora, e portanto a Criação, se circunscreve num arco de tempo. A cada etapa

correspondeu um crepúsculo [maturação] e um alvorecer [um prosseguir]: houve uma tarde e

uma manhã. É claramente descrito um trânsito que marca o tempo. O tempo não é absoluto,

autônomo, estático: está atrelado às coisas que vão acontecendo. Por meio dele as coisas

marcam sua trajetória existencial, nele elas evoluem, em verdade marcam o seu fluir.

O hagiógrafo descreve a obra da Criação a partir de sua experiência pessoal do

tempo54, de sua própria realidade temporal, horizonte visual em que uma jornada de trabalho

já se contava pelo dia de sol a sol (cf. Sl 104,22-23). Ora: como chama ele de dia a cada etapa

da ação Criadora, fica óbvio não estar se referindo ao seu próprio dia de trabalho, como

duração da ação divina correspondente a cada ação Criadora, pois, antes que o sol separasse o

51 SUSIN, op.cit., p.50, prefere a versão da edição ecumênica “Quando Deus iniciou a criação do céu e da terra,[...]”. SUSIN não explica por que. Parece que essa construção incute melhor a idéia de um tempo que é posto a fluir por força do acionamento divino. 52 ARNOULD, Jacques, A teologia depois de Darwin. São Paulo: Loyola, 2001. pp.14-15, itens 2 e 4. 53 CHARDIN, op.cit., pp.23, 24, 30. 54 A propósito do antropocentrismo temporal Jacques ARNOULD desenvolve considerações em A teologia depois de Darwin, op.cit. pp.76-80.

37

dia e a noite, já o hagiógrafo apontava como dia a duração de uma tarefa divina, para cada

uma das criações anteriores. Isto fica evidenciado quando o hagiógrafo faz aparecer o dia e a

noite, pela ação do sol, apenas no quarto dia: três dias haviam se passado e ainda não existia

o dia terrestre. Embora falasse ele em termos de analogia. Segue-se, pois, que o hagiógrafo

tem em mente o dia como medida de tempo necessária e adequada à efetivação de uma tarefa

e, portanto, de cada passo Criador. “Pois mil anos são aos teus olhos como o dia de ontem que

passou, uma vigília dentro da noite” (Sl 90,4; também 2 Pd 3,8). A partir daí caminha ele para

o fecho holístico (totalizante) da obra: “Deus abençoou o sétimo dia e o santificou, pois nesse

dia descansou depois de toda a sua obra de criação” (2,3) E conclui triunfalmente: “Essa é a

história do céu e da terra, quando foram criados” (2,4a).

Na retomada da temática, forçoso lhe é recordar a eclosão do Universo: “No tempo em

que Iahweh Deus fez a terra e o céu, [...]” (2,4b). Esta memória temporal se tornará uma

cadência que perpassará toda a Escritura, como, p.ex., logo a seguir em Gn 5,1: “Eis o livro

da descendência de Adão: No dia em que Deus criou Adão, Ele o fez à semelhança de Deus”.

O tempo tem, em todo o relato, um substancial acervo de expressões para quantificá-lo: no

princípio; houve uma tarde e uma manhã; primeiro’ segundo’ terceiro’ quarto’ quinto’ sexto’

sétimo’ dia; quando; depois de; no tempo em que; no dia em que. O relato bíblico mostra que

a Criação foi projetada para evoluir de uma maneira dinâmica e progressiva. A Revelação

bíblica dessa dinâmica é fundamental para o propósito desta dissertação.

Janela: O Tempo. A criatura Tempo salta, pois, como janela amplamente aberta para o

crente ler, na Fé, as descobertas científicas atreladas ao Tempo. E com que profundidade. Já a

só leitura atenta das Escrituras descortina como em filme a História de um Povo e sua Fé, com

um alcance que vai desde o raiar da Criação até um inimaginável crepúsculo escatológico,

muito além da imaginação. Nesse arco temporal se situa a História do Universo (céu e terra),

que as Ciências buscam em minúcias explicitar, resgatando em seus pormenores as etapas da

38

Criação. Gn 1 revela um tempo que está além do Homem: o tempo o é do Cosmo inteiro, em

sua mutabilidade, dando lugar a uma invenção viva. Adolphe Gesché nos dá essa chave de

leitura:

O tempo é parte integrante da realidade, sua “idade interna”. [...] A mudança devida ao tempo é

verdadeira mudança, verdadeira novidade: o que muda, muda de fato, e essa aventura não é

somente do homem, ser claramente temporal e histórico, mas também, à sua maneira, do

cosmo. Não é apenas o homem, ser de passado, presente e futuro, ser da temporalidade, mas o

próprio universo que dispõe, diríamos, de uma “perspectiva do antes e do depois”.55

1.4 – A CRIAÇÃO, obra, feito divino, Deus fez, Deus criou – O v.1,1 “No

princípio56, Deus criou o céu e a terra” abre, de modo solene e triunfal, o relato da Criação, é

seu epílogo antecipado, pois o v. 2,4a “Essa é a história do céu e da terra, quando foram

criados” põe-lhe o fecho, amarra o relato. Há um propósito e uma finalidade em cada ato

Criador. O relato “a terra estava vazia e vaga, as trevas cobriam o abismo” (1,2a) sugere um

estado inicial indefinido, muito útil para um diálogo com as Ciências, principalmente quando

se afirma que “um vento de Deus pairava sobre as águas” (1,2b). Ou seja: um princípio

dinâmico estava presente e atuava57. Não havia um acaso58, mas encadeamento de eventos

administrados pelo “vento de Deus”. Sobressaía-se sobranceiro (pairava) o princípio

organizador. Deus atuando por sua Palavra: “O vento, por assim dizer, se torna o portador da

palavra Criadora”59. “O dado bíblico nos apresenta sempre o Espírito60 como força ativa que

dá vida, sustenta, guia, governa todas as coisas [...]”. “O céu foi feito com a palavra de

55 GESCHÉ, Adolphe. O Cosmo. São Paulo: Paulinas, 2004. p,111. 56 BINGEMER, op.cit., p.91: “Neste criar no tempo, ‘no princípio’, o relato bíblico não sonha em opor à eternidade de Deus a eternidade do mundo criado. Somente Deus é princípio e começo de tudo que existe e o mundo vem depois, ainda que não se possa estabelecer datas cronológicas [...].” 57 ARNOULD, op.cit., p.15: “A criação, se tem sua bondade e perfeição próprias, não saiu acabada das mãos do Criador; está em estado de caminho (in statu viae), em direção a uma perfeição a ser alcançada ainda.” 58 É sabido que o biologista Jacques Monod teoriza o surgimento da Vida em termos de acaso. Mas físicos como Stephen William Hawking são categóricos: “Toda a história da ciência se forma através da compreensão gradual de que os eventos não acontecem de maneira arbitrária” (Uma breve história do tempo. Rio de Janeiro: Rocco, 1988, p.173). – [Vide o tema acaso e caos nas pp.86-88 desta dissertação]. 59 BAUER, Johannes B. Dicionário de teologia bíblica. Petrópolis: Vozes, 1973. Vol.I, verbete Espírito, p.366. 60 N.CIOLA in Dicionário teológico enciclopédico. São Paulo: Loyola, 2003. p.251 verbete Espírito Santo.

39

Iahweh, e seu exército com o sopro de sua boca” (Sl 33,6).

Tomar uma única versão bíblica (em Português) pode não abarcar todos os matizes

inclusos no conceito que se quis traduzir. Pensamos em Gn 1,2. Diante dos olhos está ele nas

seguintes versões61:

BJ “Ora, a terra estava vazia e vaga, as trevas cobriam o abismo, e um vento de Deus pairava

sobre as águas”.

BTE “a terra era deserta e vazia, e havia treva na superfície do abismo; o sopro de Deus

pairava na superfície das águas”.

BCNBB “A terra estava deserta e vazia, as trevas cobriam o abismo e o Espírito de Deus

pairava sobre as águas”.

(*) BP “A terra era um caos informe; sobre a face do abismo, a treva. E o alento de Deus

revoava sobre a face das águas”.

BAM “A terra estava informe e vazia; as trevas cobriam o abismo e o Espírito de Deus

pairava sobre as águas”.

BMS “A terra, porém, estava informe e vazia, e as trevas cobriam a face do abismo, e o

Espírito de Deus movia-se sobre as águas”.

BJFA-SBB “A terra, porém, era sem forma e vazia; havia trevas sobre a face do abismo, e o

Espírito de Deus pairava por sobre as águas”. BJFA-IBB “A terra era sem forma e vazia; e havia trevas sobre a face do abismo, mas o

Espírito de Deus pairava sobre a face das águas”.

BNVI “Era a terra sem forma e vazia; trevas cobriam a face do abismo, e o Espírito de Deus

se movia sobre a face das águas”.

A compreensão unânime das versões situa na “terra” (o planeta que hospeda o

hagiógrafo) o objeto do relato, primeira realidade cósmica vivenciada pelo hagiógrafo. É,

pois, com relação à terra, que temos de compreender, em primeira mão, o relato bíblico da

Criação do Mundo. O caos: somente a versão (*) BP adota “caos”, induzindo à compreensão

de uma confusão ou desordem reinante. Essa adoção de “caos” para a aparência da terra não

condiz [a nosso ver] com a presença e atuação ordenadora como de um “espírito de Deus”

[adotado pela maioria das versões em lugar de vento, sopro e alento] sobre a visibilidade

61 As siglas que identificam as versões estão na página 6. Num contexto de ecumenismo apadrinhado pelo e desde o Vaticano II é oportuno que a Bíblia seja lida também a partir de suas versões protestantes. Mútuo reconhecimento da Fonte que nos é comum.

40

(face) do desconhecido (abismo). A situação era, isto sim, a de um cosmo62 em franco

processo de transformação por força do espírito que pairava, que se movia, por sobre as

águas. Todas as outras versões dizem, mais coerentemente com o relato que se segue, que a

terra estava informe, vaga, vazia, deserta63: assim o hagiógrafo a vê, obviamente remetendo

ao quadro que desenha nos versículos seguintes. Tem ele em mira dizer que a terra não

continha, ainda, ervas e árvores frutíferas, peixes, serpentes do mar, seres vivos que rastejam e

que fervilham nas águas, aves aladas, animais domésticos, répteis, feras e o homem. Informe,

vaga, vazia, deserta: tudo estava em vias de per-fazer-se; coisa alguma estava pronta e

acabada, como a conhecia então o hagiógrafo. Ao mesmo tempo sua experiência pessoal de

continente (elemento árido, seco) e de mares o leva a intuir que, “no princípio”, não eram

como se apresentavam na sua época. Mas, a terra estava vaga, informe, sem forma, e havia

trevas sobre a face do abismo, cobrindo a face do abismo. “Face”: sua porção visível,

observável.

O hagiógrafo intui uma situação que, para ele, era de imprecisão. É indiscutível que

ele tinha sob os olhos a realidade da Terra habitada pelas criaturas que ele relaciona. Coisa

alguma poderia ser perceptível, na sua individualidade, nos primórdios da Criação [do planeta

Terra e do céu ocupado por luminares]. Somente um estro de genialidade [avançada para sua

época?], ou uma evidente Revelação, poderia levá-lo a intuir algo além dos seus limitados

horizontes, pois, não consta, para sua época, o atingimento de tal grau de compreensão

cultural da Natureza. Isto veio a ser coisa de tempos posteriores. O informe vazio (total falta

de definição perceptível) cobria de trevas (de inexpressão, de indistinção), o abismo. Cobrir o 62 SUSIN, op.cit., p.57. Susin, após deter-se no negativo que se depreende do conceito grego de “caos”, demonstra que, na Escritura – por terra informe, deserta, vazia e cheia de trevas – o autor se refere a uma espécie de pré-terra em pré-cosmo. Embora continue trabalhando o conceito “caos”, Susin pondera que ele é criatura de Deus e que está sob domínio de Seu sopro que pairava, que o ia modelando. Há na perícope Gn 1,2 uma reconstrução da cultura mítica de então sobre divindades aladas. Na p.61 Susin escreve: “A criação é feita a partir de alguém: na origem está a pessoa, não um mero caos, [...]. Deus não é um mero demiurgo amarrado à tarefa de modelação, nem o cosmo é um eterno e conflitante arranjo de elementos conectados ao demiurgo [...]”. E muito menos um acaso, dizemos nós: mas Deus, que lhe dá uma origem intencionada. 63 Tohu Wabohu - Paradoxalmente, os conceitos de caos e de acaso, constantes da hermenêutica e epistemologia científicas, são entendidos no horizonte do dinâmico, do generativo [caos-acaso: desenvolvimento nas pp.86-88].

41

abismo, cobrir a face do abismo. Coisa alguma era perceptível, nem tinha aparecido e se

desenvolvido. O abismo retinha oculto tudo aquilo. Abismo: é sinônimo de profundezas, de

oculto, de desconhecido; é também sinônimo de mar, de suas profundezas, das águas que

envolviam a terra. O abismo (as águas) ocultava o elemento seco (o árido), que nele estava

misturado, e de onde haveriam de surgir ervas e animais. Mas antes tanta água precisava ser

separada, para dar lugar ao “seco”. O relato poético desenha uma primeira necessidade. Sua

segunda (do hagiógrafo) experiência cósmica, o céu visível, o leva a descrever seu

aparecimento como um firmamento, uma abóboda [uma redoma envolvia a terra de horizonte

a horizonte], de onde jorrará água para que a terra verdeje de verdura. Depois, a segunda coisa

a “aparecer” foi o elemento sólido (o continente, onde a terra verdejará) separado das águas

(mares). O hagiógrafo conhece o amanho da terra, sabe o quanto ele precisa da água.

Voltemos às versões já apontadas para ler os vv. 9-10 de Gn 1, onde os matizes para

águas e terra lançam luz complementar. Águas (mar, mares): massa das águas (numa só

massa), conjunto das águas, ajuntamento das águas (num só/mesmo/único lugar). Terra:

continente, solo firme, elemento árido, elemento seco, porção seca, parte seca:

BJ “Deus disse: ‘que as águas que estão sob o céu se reúnam numa só massa e que apareça o

continente’ e assim se fez. Deus chamou ao continente ‘terra’ e à massa das águas ‘mares’,

/../”.

BTE “Deus disse: ‘Que as águas inferiores ao céu se juntem em um só lugar e que apareça o

continente!’. Deus chamou o continente de ‘terra’; chamou de ‘mar’ o conjunto das

águas.[...].”

BCNBB “Deus disse: ‘Juntem-se num único lugar as águas que estão debaixo do céu, para que

apareça o solo firme’. E assim se fez. Ao solo firme Deus chamou ‘terra’ e ao ajuntamento das

águas, ‘mar’. [...]”.

BP “E Deus disse; Ajuntem-se num só lugar as águas abaixo do céu, e apareçam os

continentes. E assim foi. E Deus chamou os continentes ‘terra’, e a massa das águas chamou

‘mar’. /../”.

BAM “Deus disse: ‘Que as águas que estão debaixo dos céus se ajuntem num mesmo lugar, e

apareça o elemento árido’. E assim se fez. Deus chamou ao elemento árido TERRA, e ao

ajuntamento das águas MAR. [...]”

BMS “Disse também Deus : As águas, que estão debaixo do céu, ajuntem-se num só lugar, e

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apareça o (elemento) árido. E assim se fez. E Deus chamou ao (elemento) árido terra, e ao

conjunto das águas mares. [...]”.

BJFA-SBB “Disse também Deus: Ajuntem-se as águas debaixo dos céus num só lugar, e

apareça a porção seca. E assim se fez. À porção seca chamou Deus, Terra, e ao ajuntamento

das águas, Mares. [...]”.

BJFA-IBB “E disse Deus: Ajuntem-se num só lugar as águas que estão debaixo do céu, e

apareça o elemento seco. E assim foi. Chamou Deus ao elemento seco terra, e ao ajuntamento

das águas mares. [...]”.

BNVI “E disse Deus: ‘Ajuntem-se num só lugar as águas que estão debaixo do céu, e apareça a

parte seca’. E assim foi. À parte seca Deus chamou terra, e chamou mares ao conjunto das

águas. [...]”. Se o hagiógrafo relata que as águas precisavam juntar-se numa só massa para que

aparecesse o elemento seco, sem dúvida é porque perfaziam uma só coisa. Isso explica as

trevas, o informe, o vago e vazio (na “exposição” do hagiógrafo). A versão “ajuntamento” das

águas num só (ou mesmo, ou único) lugar traduz mais claramente a compreensão dessa

situação. No princípio do “céu e terra” tudo era uma única massa: águas e porção seca

estavam tal e qual numa mistura ou solução físico-química64. Ainda que não fosse (ou que não

seja) este o quadro intencionado pelo hagiógrafo, está ele descrevendo uma situação de

transformação da massa terrestre, transformação que vai acontecendo por desígnio de Deus.

Também este aspecto é trabalhado pelas Ciências. Relembrando: sobre essa situação já

operava o espírito (vento) de Deus.

Voltando às versões do v.1,2 coligidas anteriormente: as trevas cobriam o abismo/a

face do abismo; o espírito, um vento de Deus, pairava/movia-se sobre/por sobre as águas/a

face das águas. Abismo e águas: o mesmo conceito em operação dialética: as trevas (o

obscuro) cobriam a face (aparência) do abismo (das águas) enquanto que, ao mesmo tempo

em que, o espírito de Deus, sua “decisão”, seu “vento” organizador, pairava sobre (por sobre),

movia-se sobre, fazia-se presente por sobre toda aquela aparência (face) do abismo [das

águas, quer-se dizer], e transformava, modificava. Está presente, atua uma Lei (princípio)

64 Em Física e Química: Sistema homogêneo com mais de um componente [Dic. Aurélio, op.cit., p.1872].

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direcionante, estruturante.

O arco em que se circunscreve a Criação – Gn 1,1 é totalizante, definitivo: o termo

criou é questão fechada, não inaugural. As moções descritas em 1,3-31 estão aí contidas,

condensadas. De seu tempo lançara o hagiógrafo um olhar para o passado e alcançara uma

visão retrospectiva que o levara ao PRINCÍPIO do “céu e terra”, que ele vivencia então, no

seu tempo, como realidade escatológica (ponto final, de modo indiscutível).

Em função da Criação mesma, no seu todo, para compreender os passos descritos em

toda a perícope, podemos, pois, puxar o v. 2,1 para este ponto [1,1] para, com ele, anunciar

que, da forma que se segue, “assim foram concluídos o céu e a terra, com todo o seu

exército”. E como tudo teria acontecido? Pois bem, o aparecimento da totalidade começou por

aqui: Deus disse: “Haja luz” e houve luz (1,3)65. É o primeiro “disse”, que irrompe explosivo

e luminoso, carregado de toda energia empenhada pela Vontade que o emitiu. Este é o Ato

Criador fontal do Universo. Todo o restante, toda “ação” demiúrgica (organizadora) lhe é

seqüencial. Se não, vejamos.

O v.1,2 se antecipa. Na verdade serve de prólogo às ações direcionadas pelo “vento”

de Deus que atuará a cada pronunciamento divino a partir do v.1,6 e tem sua localização

“temporal”, lógica, congruente, depois do v.1,3, pois se refere ao estado primordial da terra

que começará a ser transformada, como descrito a partir do v.1,6. Já a luz lhe é anterior, é

extraterrestre, nasce plena e não precisa de retoque. Ela segue em frente. Ela marca o início de

toda a Criação. Expurgada qualquer tendência concordista, Gn 1,3 pode estar oferecendo mais

que uma janela, e bem escancarada, para um profícuo diálogo com as Ciências hoje.

O relato poético de Gn 1,1-2,4a tem um propósito teológico-histórico, pós-exílico,

propósito que devemos levar em conta, ainda que não o tratemos aqui por ser outro nosso

enfoque. Mesmo assim precisamos encará-lo para esclarecer as mentes quanto à aparente

65 É significativo pontuar que o VERBO é “Luz da Luz”; e, sendo que “por Ele todas as coisas foram feitas” (Símbolo niceno-constantinopolitano), parece-nos congruente que a primeira criatura tenha sido “a luz”.

44

ilógica de aparecerem ervas (1,11) antes que o sol (1,14). Dizem-nos os exegetas que a

disposição literária em estrutura concêntrica (quiasma) da perícope tem, no relato da criação

dos luzeiros maior e menor, sua motivação teológica para demonstrar a condição do sol e da

lua como meras criaturas de Deus (e não deuses, como admitidos pela crença de povos de

então) na função de prestadoras de serviços ao homem (iluminar o dia e a noite, etc)66. Esta

compreensão desponta como pista, como chave de leitura para o aparente absurdo, porque

plantas precisam de luz, combustível pelo qual elaboram a fotossíntese (sabemos hoje), vital

para sua existência. Ora, que sabia o hagiógrafo dessa questão de fotossíntese? Mesmo assim,

podemos arrazoar: Não havia o sol? Que importa! Já havia a luz! No mais, não era propósito

do hagiógrafo “revelar” tais eventos. E, para nós, o que interessa, são os trâmites da Criação.

Os trâmites. Os passos, as etapas descritivas da Criação, apontam para uma teleologia

do processo. No relato bíblico da Criação tudo começou pela luz e culminou no Homem,

imagem e semelhança. Do informe, ao máxime estruturado. Do vazio, ao pleno. Do

elementar, ao complexo. Há uma complexificação do processo Criador. A luz é feita

inaugural, fica presente, preside e permeia todo o processo. O relato não o diz, mas a coloca

como ponto de partida do Ato Criador. “Houve uma tarde e uma manhã: primeiro dia”. Todo

um “dia bíblico” somente para a luz. Isto é extraordinário. Como se precisasse ela de um

tempo para impor-se com todos os seus efeitos. Após ela aparece aquela massa informe e

indistinta que, em processo de estruturação, em saltos sucessivos (abóbada, firmamento,

mares, continente) é tornada germe de uma nova série de saltos: vegetais, animais. Entre o

surto da luz e a realidade da massa (terra) informe, uma incógnita bíblica (cf. Pv 25,2). Como

se formou, como se fez aquela massa vazia e vaga coberta de trevas?... Como avaliar, como

66 Dt 4,19 Levantando teus olhos ao céu e vendo o sol, a lua, as estrelas e todo o exército do céu, não te deixes seduzir para adorá-los e servi-los! São coisas que Iahweh teu Deus repartiu entre todos os povos que vivem sob o céu. Dt 17,2 Se em teu meio [...] houver algum homem ou mulher [...] Dt 17,3 para servir a outros deuses e prostrar-se diante deles – diante do sol, da lua ou todo o exército do céu – 2Rs 17,6 Rejeitaram todos os mandamentos [...] adoraram todo o exército do céu e prestaram culto a Baal. 2Rs 21,3 Reconstruiu os lugares altos [...] e prostrou-se diante de todo o exército do céu e lhe prestou culto. 2RS 21,5 Edificou altares para todo o exército do céu nos dois pátios do Templo de Iahweh.

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pensar seu aparecimento? O relato diz que Deus criou a luz ... e a seguir vemos a ordenação

do informe e vago; ou seja: houvera um processamento contínuo a partir da criação da luz.

Qual terá sido o papel da luz no engendrar da matéria-prima-terra? Esta linguagem parece

estranha à cultura bíblica e é um dos muitos pontos que clama por uma melhor compreensão.

Existe luz (energia?) e existe terra (massa?). Qual o parentesco entre elas? Cabe ao rei

investigar, sondar, esquadrinhar67.

Janela: A Criação. Tal e qual descrita pelo texto bíblico, tal e qual é ela mesma

esquadrinhada pelas Ciências. Nos mesmos passos. O crente fica satisfeito quando a Ciência

lhe dá um medicamento eficaz extraído da Criação [Natureza] por efeito de profundas

pesquisas científicas. Ainda que não saiba nem seja capaz de avaliar o significado profundo

disso. Sob esse aspecto Ciência e Fé se harmonizam vantajosamente. E é justamente na

Criação, em seu todo, que se encontra a mais vasta janela aberta ao diálogo entre a Teologia e

a Ciência.

1.5 – A CRIATURA – Resultante da Ação Criadora, a criatura desponta como sendo

tudo aquilo que não existia mas que foi feito existente por força da ordenação divina. Eis o rol

das coisas criadas: o céu e a terra com todo o seu exército (2,1). Trata-se de uma totalidade;

com todo o seu exército, ou seja: com tudo aquilo que compõe o céu e a terra, a realidade

conhecida do hagiógrafo de então. Cada coisa, cada evento, é distinto e chamado por um

nome. Entre os componentes da criação se contam: luz, dia, noite, tempo, espaço,

firmamento, águas, continente, luzeiros (maior, menor e estrelas), vegetais, animais

(aquáticos, aéreos, terrestres) e o homem, colocado em destaque. E já se tem alguma

compreensão da carência de algo criado: Deus cria a luz, mas as trevas, a escuridão, a noite,

67 Teria Einstein pretendido esquadrinhar parte do mistério?: a energia seria igual à massa multiplicada pelo quadrado da velocidade da luz. Energia, luz... quanta? Pela Teoria do Big-Bang estima-se em trilhões de graus Celsius o instante da eclosão do Universo. Esse, o calor. Qual seria o lúmen? [Cf. WEINBERG, Steven. Os três primeiros minutos: uma análise moderna da origem do universo. Lisboa-Portugal: Gradiva, 2002. p.19].

46

denunciam sua ausência, fazem-lhe oposição e precisam ser separadas da luz (1,4b-5a). O

“como” se dará essa separação virá descrito em 1,14-18. Dia e noite, luz e trevas são

realidades planetárias (e, pois, terrestres), não do espaço cósmico ou das estrelas. O Texto

Sagrado diz algo sobre o estado da coisa criada: informe, vaga, vazia. Inepta e inoperante por

si própria. Mas tem, presente em si, um vento de Deus (1,2) que a potencializa e que vai se

revelando a cada “Deus disse”. [que remetemos para o item O MANDATO]. E diz mais: a

coisa criada é boa. O “vento de Deus” a faz boa.

Tudo caminha para o grande e apoteótico final numa cadência única: “e Deus viu que

isso era bom”, começando pela luz (1,4a; 1,10b; 1,12d; 1,18b; 1,21d; 1,25d) para terminar

numa apreciação global: “Deus viu tudo o que tinha feito: e era muito bom” (1,31a). São sete

pronunciamentos que confirmam, na totalidade, a origem boa da Criação. A terra, que estava

vazia e vaga (1,2a) mostra, ao final, seu perfil, sua qualificação, sua vocação, o seu “a que

veio”. Ela está povoada de seres vivos, autônomos, capacitados a transmitir a própria vida

(1,12; 1,22; 1,28), sem nova ou posterior interferência do Criador, pois tal condição está

implantada, não mais carece de novas ordenações. A Criatura prossegue cumprindo seu

MANDATO.

Janela: A Criatura. É capaz de revelar-se por si mesma. Não carece da Fé para se dar a

conhecer e ser conhecida. Está patente aos olhos, tanto do Homem de Fé quanto do Homem

de Ciência que a esquadrinha. Se o Criador pode ser conhecido por suas criaturas (cf. Rm

l,20), quanto mais elas próprias podem ser conhecidas por si mesmas. Em primeiro plano são

elas que viabilizam o conhecimento da Criação. Temos em “criação” a leitura de um

processo; e em “criatura” a resultante da ação criadora. Há de ser na leitura de ambos os

termos que o diálogo Fé-Ciência será mais profícuo. Aqui, pensamos, a ausculta das Ciências,

por parte da Teologia, é mais imperiosa, num primeiro momento, que a ausculta da Teologia

por parte das Ciências.

47

1.6 – O MANDATO – OS MANDATÁRIOS CO-CRIADORES – O ARQUITETO:

“A Criação é ação espontânea de um Deus Todo-Poderoso, que age segundo um plano

estabelecido”68. Deus organiza sua obra? Sua Palavra é Lei, é motor que põe a natureza

em devir. O “vento de Deus” é revelado a cada expressão “Deus disse”. Deus, Causa Fontal,

Razão de Ser, cria também causas segundas que Ele faz autônomas69. Deus não é o Demiurgo.

Há um mandato e uma constituição de mandatário em cada moção Criadora70. O fazer divino

lança mão de mediadores: Ele os estabelece, capacita e constitui executores de suas ordens.

Nota-se claramente o encadeamento de causas segundas, acionadas para serem causais num

processar contínuo e objetivado. O falar de Deus torna implícito que está embutindo,

conferindo poder e autonomia para que sua ordem, sua Vontade seja cumprida71.

Estabelece, capacita e constitui: “Deus fez o firmamento”(1,7). O hagiógrafo vai

direto aos “finalmente”. Ele não perambula pelos pressupostos necessários a que houvesse um

firmamento. Apenas parte do óbvio de que eles estão ali presentes (toda a matéria que seria

então organizada em firmamento). De que forma Deus fez o firmamento? Por sua Palavra. Ele

determinou que acontecesse um firmamento: “Haja um firmamento no meio das águas”

(1,6). Haja: é uma ordem, é um mandato. O executor não é Deus, mas a Natureza, criada em

devir, é que executa a ordem. Deus a constitui executora de suas ordens, e o céu (o

firmamento) aparece: “e assim se fez” (1,6b). E, de que modo separa Deus, as águas, das

águas? Para esta tarefa o firmamento é o mandatário: “e que ele separe as águas das águas”.

A Palavra o capacita, tanto que, “assim se fez”: o firmamento “separou as águas que estão sob

o firmamento das águas que estão acima do firmamento” (1,6b-7). – O firmamento foi

constituído executor. Confiramos a sequência: “Deus disse: ‘Haja um firmamento no meio

68 LEON-DUFOUR, Léon (Dir.), Vocabulário de Teologia Bíblica. Petrópolis: Vozes, 1977, 2ª ed., verbete Criação AT II 2 final do 2° § p.189. 69 GESCHÉ, op.cit., pp.118-123 “[...] é porque Deus é liberdade que o mundo é liberdade” (p.123 in fine). 70 Émile Aman, citado por ARNOULD em A teologia depois de Darwin, p.96, fala de “delegações”; em nossa concepção trata-se de “capacitação pelo mandato divino”, com o que encontramos ressonância em ARANA, Andrés Ibáñez, Para compreender o livro de Gênesis. São Paulo: Paulinas, 2003, p.33. 71 ARNOULD, op.cit., p.15, item 5.

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das águas e que ele separe as águas das águas’ e assim se fez. Deus fez o firmamento, que

separou as águas que estão sob o firmamento das águas que estão acima do firmamento,”

(1,6-7). Aparecido o firmamento, este (que, o qual) separou, procedeu à separação das águas.

A Natureza é ministra do querer Divino.

Novo mandato (1,9). Constituição: “Deus disse: ‘Que as águas que estão sob o céu se

reúnam numa só massa e que apareça o continente’ e assim se fez”. Mandatário: as águas.

Mandato: se reúnam numa só massa e apareça o continente. Execução: e assim se fez. Deus

mesmo fez a reunião das águas numa só massa? Não é isso o que diz o Texto. Ele dera uma

ordem. A ordem que dera capacitou a própria Natureza a fazê-lo. Resultaram configurados os

mares e o continente (a terra) sob aprovação: “e Deus viu que isso era bom” (1,10b). Ou seja:

a Natureza está executando adequadamente o que lhe foi determinado72. Está presente,

intrínseco nela, o princípio diretivo a seguir. Modernamente, as Ciências lêem estes

procedimentos e os classificam como leis que regem o mundo físico.

A tarefa da Natureza vai ficando cada vez mais complexa. Uma vez mais não é Deus

quem executa o ato Criador. Novo mandato, nova capacitação da Natureza: “Deus disse:

‘Que a terra verdeje de verdura: ervas que dêem semente e árvores frutíferas que dêem sobre

a terra, segundo sua espécie, frutos contendo sua semente’ e assim se fez” (1,11). A

mandatária estava capacitada, programada: “A terra produziu verdura: ervas que dão

semente segundo a sua espécie, árvores que dão, segundo a sua espécie, frutos contendo sua

semente,” e Deus aprovou o que a Natureza fez: “e Deus viu que isso era bom” (1,12). A terra

recebeu capacitação para produzir, por si mesma, sem intervenção divina, toda essa incrível

variedade de espécies existentes ainda hoje e as que já deixaram de existir. A terra as

produziu. E, se as produziu, é porque foi capacitada e constituída executora de criatividade.

72 Bem mais tarde um novo faça-se, por uma palavra, será testemunhado por alguém supostamente pagão: “mas somente dize uma palavra, e o meu servo há de sarar” (Mt 15,8-9). Toda a tradição profética do A.T. gira em torno da Palavra (“Eis o que diz o Senhor”, “Palavra do Senhor”, etc) incutindo a correções e realizações para adequação de comportamentos à Palavra que ordena. Em Jesus vemos a Palavra que acontece e faz acontecer.

49

Aqui (e nos vv. 1,20-26) podemos ver claramente a ação demiúrgica da própria Natureza

[“criativa” e ao mesmo tempo ordenadora] acontecendo, ação que não é de Deus. A Ele

bastou determinar: a Natureza ficou constituída, grávida de princípios determinantes, ela os

contém em germe, em potencial: há nela uma latência que a faz ir em frente, cumprindo

esquemas pré-estabelecidos. A multiplicidade de ervas vai acontecendo, se sucedendo, em

incontáveis variedades de espécies.

Em 1,14-18 a Teologia da fonte “P” tem seu ponto alto no contexto histórico. Mas lhe

passamos ao largo para focalizar o aspecto do mandato: “que haja”, “que sirvam”, “que

sejam”. Nesta perícope,

Deus disse: “Que haja luzeiros no firmamento do céu para separar o dia e a noite: que eles

sirvam de sinais, tanto para as festas quanto para os dias e os anos: que sejam luzeiros no

firmamento do céu para iluminar a terra” e assim se fez. Deus fez os dois luzeiros maiores: o

grande luzeiro para governar o dia e o pequeno luzeiro para governar a noite, e as estrelas.

Deus os colocou no firmamento do céu para iluminar a terra, para governarem o dia e a noite,

para separarem a luz e as trevas, e Deus viu que isso era bom.

Nesta perícope, repetimos, o raciocínio é o mesmo. Deus fez os dois luzeiros. Ele

próprio os fez? Não! De que modo os fez? Sua Palavra, o “vento” de sua boca (Ele disse)

mandou, e assim se fez. A Natureza cumpriu o desígnio Divino. Desta feita, em um plano

extraterrestre, nos céus. No firmamento do céu acontecem (“e assim se fez”) os dois luzeiros.

Eles integram a totalidade criada: Assim foram concluídos o céu e a terra, com todo o seu

exército (2,1). Na sequência, dois novos mandatos: um às águas, mais um à terra (1,20-25):

20 Deus disse: “Fervilhem as águas um fervilhar de seres vivos e que as aves voem acima

da terra, sob o firmamento do céu” e assim se fez. 21 Deus criou [barah] as grandes serpentes

do mar e todos os seres vivos que rastejam e que fervilham nas águas segundo sua espécie, e as

aves aladas, segundo a sua espécie, e Deus viu que isso era bom. 22 Deus os abençoou e disse:

“Sede fecundos, multiplicai-vos, enchei a água dos mares, e que as aves se multipliquem

sobre a terra”. [...] 24 Deus disse: “Que a terra produza seres vivos segundo sua espécie:

animais domésticos, répteis e feras segundo sua espécie” e assim se fez. 25 Deus fez as feras

segundo sua espécie, os animais domésticos segundo sua espécie e todos os répteis do solo

segundo sua espécie, e Deus viu que isso era bom.

50

Uma vez mais o hagiógrafo pontuou: Deus criou, Deus fez. Criar (barah) para ele

desponta agora como fazer acontecer: a iniciativa é de Deus, está no seu projeto. Só Ele é

capaz de fazer acontecer. De que modo criou Deus (1,21) as serpentes do mar (etc)? Do

mesmo modo como fez (1,25) as feras (etc): “Deus disse: fervilhem as águas”, “Deus disse:

que a terra produza”, assim como havia dito “que a terra verdeje de verdura”. O hagiógrafo

está dizendo que se Deus não houvera ordenado não teria acontecido. Fez Deus alguma

mágica?, ou seus obreiros executaram uma obra? O resultado? A cada “Deus viu que isso era

bom” o hagiógrafo não parece estar dizendo que Deus viu que Sua própria ação era boa.

Aliás, nem teria porque julgar-SE. O lógico, aí, é que Deus esteja referendando o que, para

Ele (Deus viu!), o que resulta de Sua ordem é bom e Ele dá sua aprovação (“viu que era

bom”). O Criador Se mantém em comunhão com a realidade criada. Não prescinde dela para

criar; Ele a faz criativa.

A Natureza, como coisa criada, participa da ação Criadora, é parte integrante do agir

de Deus. Deus, que a cria, não age sem ela. Poderia, se o quisesse. Mas não é isso o que o

Texto está dizendo. Age por meio dela. E será “com ela” [“façamos”] que fará aparecer o

Homem (1,26-31)73. “Façamos-nossa”: é lícito admitirmos que o Criador convoca a Natureza

à parceria na Criação do Homem, tanto que, na perícope seguinte (Gn 2,4b-25) Deus vai à

“argila do solo” e com ela modela o Homem. Havia toda uma realidade pré-existente ao

Homem. Seu aparecimento dependia de toda aquela infra-estrutura como de imprescindível

substrato74. O útero e o berço estavam prontos. Efetivamente, é nessa contextura que o

Homem é feito. O Homem é feito (duplamente) imagem e semelhança: do Criador, que lhe

conferiu a existência, e da Natureza, de onde é tirado. Esta constatação se impõe no horizonte

73 SUSIN, op.cit., p.93, faz ler juntos Gn 1,26-31 e 2,4b-25 porque se complementam e se interpretam mutuamente. P.98: o Homem é filho da Terra, é pó da Terra; p.88: “[...] o ser humano parte da terra, do pó da terra, da região da terra em que tudo – raízes, folhas, restos orgânicos, umidade – se resolve e sofre metamorfoses em vista da fecundidade, o ‘húmus’ da terra, o ser humano”. 74: Substrato: “4.Biol. Qualquer objeto, ou material, sobre o qual um organismo cresce, ou ao qual está fixado: substância, ou estrato, subjacente a esse organismo. 5.Biol. Meio nutriente que serve de base para o desenvolvimento de um organismo.” (Dic. Aurélio, p.1888).

51

dialogal com as Ciências. Estando pré-dispostas as condições exigíveis, pois Deus não fez o

Homem antes de todos os outros viventes, tornou-se então possível:

26 Deus disse: “Façamos75 o homem à nossa imagem, como nossa semelhança, e que eles

dominem sobre os peixes do mar, as aves do céu, os animais domésticos, todas as feras e todos

os répteis que rastejam sobre a terra”. 27 Deus criou [barah] o homem à sua imagem, à imagem

de Deus Ele o criou, homem e mulher Ele os criou. 28 Deus os abençoou e lhes disse: “Sede

fecundos, multiplicai-vos, enchei a terra e submetei-a; dominai sobre os peixes do mar, as aves

do céu e todos os animais que rastejam sobre a terra. 29 Deus disse: “EU vos dou todas as ervas

que dão semente, que estão sobre toda a superfície da terra, e todas as árvores que dão frutos

que dão semente: isso será vosso alimento. 30 A todas as feras, a todas as aves do céu, a tudo o

que rasteja sobre a terra e que é animado de vida, EU dou como alimento toda a verdura das

plantas” e assim se fez. 31 Deus viu tudo o que tinha feito: e era muito bom. Houve uma tarde e

uma manhã: sexto dia.

A análise teológica da Criação do Homem foge ao escopo desta dissertação. Em vista

do diálogo com as Ciências, o que aqui se pretende fixar quanto à perícope é a abrangência do

mandato e a dispensação de meios de sobrevivência. Quanto à vida, a terra e as águas já

estavam constituídas em auto-suficiência: produziam vegetais e animais, e produziam

segundo espécies. Os vv. 1,29-30 combinados com Gn 9,3 (“Tudo o que se move e possui a

vida vos servirá de alimento, tudo isso EU vos dou, como vos dei a verdura das plantas”), em

sentido amplo, fazem notar a existência de uma cadeia alimentar. A Natureza é feita

despenseira de vida. É a condição para o mandato que se segue: “sede fecundos, multiplicai-

vos, enchei a terra”. O mandato faz com que o Homem – à semelhança das ervas, das aves,

dos seres aquáticos e terrestres – se reproduza, se duplique em seres idênticos a si próprio. A

reprodução do Homem é tornada possível porque o Homem é feito macho e fêmea (ish e

isha). Sua perpetuação sobre a face da terra segue os mesmos princípios de que são dotados 75 “Façamos”: a releitura neotestamentária tem levado a ver a TRINDADE como sujeito de façamos; reforça-se pela menção do “vento de Deus” (= ESPÍRITO SANTO, Gn 1,2). Porém, parece que o Israel do AT tinha presente que o Universo criado era como a corte do Senhor dos Exércitos. Na criação do homem “à nossa imagem como nossa semelhança” estariam entrando atributos terrestres (pó/barro) e sopro divino. “Assim foram concluídos o céu e a terra, com todo o seu exército” (Gn 2,1). Iahweh dos Exércitos, Senhor dos Exércitos, Deus dos Exércitos, Senhor Deus dos Exércitos – expressões que variam de hagiógrafo para hagiógrafo e também entre os tradutores. – Numa contagem apressada encontrei estas variações do Nome de Deus 283 vezes: em 1Sm 6 vezes; em 2Sm 6; em 1Rs 4; em 1 Cr 3; nos Sl 16; em Is 64; em Jr 82; em Os 1; em Am 8; em Mq 1; em Na 2; em Hc 1; em Sf 2; em Ag 13; em Zc 50; e em Ml 24 vezes.

52

todos os demais seres vivos. Carrega em si o germe da perpetuação, da autonomia da espécie.

E precisa alimentar-se. Isto não lhes seria possível se não tivessem sido capacitados e

ordenados em mandato. A cadeia alimentar é item precioso como janela para leitura

científica da existência da Vida e da evolução das espécies.

Passo a passo vemos que foram (e vão) se cumprindo as ordens do CRIADOR em

cada um daqueles “Deus disse”. “Deus criou o céu e a terra” (1,2) não é ação inicial,

repetimos, mas afirmação totalizante de um feito, anunciada como em pórtico. Em seu

processar há uma diferença essencial entre o “houve” e o “assim se fez”. Houve: algo que

não havia. E assim se fez: algo que aconteceu, algo estruturou-se ou foi estruturado. Com

tranqüilidade podemos concluir, sem receio de ferir a Fé na Criação total por Deus, que,

“criar” mesmo, fazendo de modo pessoal, Ele criou tão somente a matéria prima de tudo

quanto existe, naquele princípio, quando disse: “Haja a luz”, e houve luz; ela brotou

diretamente de sua Vontade; e nela imprimiu Ele seu desidério capacitando-a (à luz) a levar a

cabo toda a “obra”. Tudo o mais é posterior a este Ato inaugural. E não mais na dinâmica do

fazer surgir do “nada”, como na criação da luz, mas numa dinâmica diferente, de movimento,

de ordenação do já existente. Transparece com clareza que se trata de realidades posteriores à

Barah da luz. Quanto à terra, não dizem as Escrituras que Deus a criou direta e pessoalmente,

mas limitam-se a descrever seu estado primordial em processo de transformação. E não é

matéria pré-existente, eis que Deus é Criador da totalidade “céu e terra”. E qual seja a

natureza, a substância, a essência, a intimidade da luz, não o revela o Texto Sagrado. Como é

usual Deus revelar a partir do linguajar do Homem, para ser entendido pelo Homem, podemos

concluir que o hagiógrafo, ou escola teológica que representava, não tinha ainda atingido e

assimilado conhecimento maior que o demonstrado na redação do Texto Sagrado. Cabe ao

“rei”, desde Éden, exercendo domínio e sujeição da terra (“submetei-a”, v.1,28), desvendar o

mistério da Luz, como ela se transformou em massa.

53

Janela: O Mandato. Levando a sério o próprio texto bíblico temos que admitir que

Deus capacitou sua Criação a ir em frente de modo autônomo, ela mesma de modo

demiúrgico, sem necessitar de Sua intervenção corretora durante todo o processo. É sob essa

hipótese que trabalham as pesquisas e conclusões científicas76, quando levam em conta a

possibilidade de um “Deus criador”. O Texto Sagrado nos acena que não há oposição

essencial nessa hermenêutica da Criação. Isaías retoma a autonomia dada à criatura em Gn

1,11-12 para dizer que, de igual forma, Deus faz germinar muito mais: “Com efeito, como a

terra faz brotar a sua vegetação [os seus germes], e o jardim faz germinar as suas

sementes, assim o Senhor Iahweh faz germinar a justiça e o louvor na presença de todas as

nações” (Is 61,11). Iahweh suscita, não as faz Ele próprio. O Mandato criador instala a mútua

dependência e a relacionalidade entre as coisas criadas. Há nelas uma Inteligência atuante.

Como dirá a Ciência, na Natureza tudo se faz de modo previsível. Está presente uma lógica

que permite ler a racionalidade do processo. Tudo isso em função da Palavra que faz

acontecer. Quando as Ciências lêem o encadeamento de princípios (causas segundas) outra

coisa não está fazendo senão constatar a fluência do autofazimento da Natureza em devir, em

pleno exercício de seu Mandato.

2 – A CRIAÇÃO REFERENCIADA NOS DEMAIS TEXTOS BÍBLICOS

É farto o repertório bíblico em torno do Criador e da Criação. Repassá-los seria

exaustivo, repetitivo e pouco ou nada acrescentaria ao básico que se pode levantar de Gn 1,1-

2-4a. À unanimidade se credita que Deus é Criador do céu e da terra e de todo o seu exército e

que tudo LHE pertence. Em sintética proclamação o Criador é chamado de Iahweh dos

Exércitos, Senhor dos Exércitos, Deus dos Exércitos, Senhor Deus dos Exércitos77. No global

da temática da Criação ela é vista desde o horizonte da Libertação, Salvação e Redenção

76 Tratamos disso no cap.III, a seguir. 77 Vide nota 75 acima.

54

através das ações do Criador em favor de seu povo e de sua criatura. As personagens

testamentárias (Salmos, Jó, Ester, ...) evocam o Criador e O louvam por seus feitos

maravilhosos. É na dinâmica de sua liturgia que o Criador e a Criação são professados. Para

os propósitos desta dissertação destacamos aquelas abordagens do Texto Sagrado que se

abrem para o diálogo com as Ciências hoje. Como dito acima seria exaustivo explorar todas

as passagens. Limitamos, pois, sua tomada, a destaques.

2.1 – O primeiro destaque vai para o modus operandi Creatoris.

2.1.1 – Ele faz o que quer:

Sl 115,3 O nosso Deus está no céu e faz tudo o que deseja.

Sl 135,6 Iahweh faz tudo o que deseja no céu e sobre a terra, nos mares e nos abismos todos.

Jó 23,13 Mas Ele decide; quem poderá dissuadi-LO? Tudo o que Ele quer, Ele o faz.

Ecl 3,14 Compreendi que tudo o que Deus faz é para sempre. A isso nada se pode

acrescentar, e disso nada se pode tirar.

Sb 1,14 Tudo criou para que subsista; são salutares as criaturas do mundo: nelas não há

veneno de morte, [...].

Sb 11,24 Sim, TU amas tudo o que criaste, não TE aborreces com nada do que fizeste; se

alguma coisa tivesses odiado, não a terias feito. 11,25 E como poderia subsistir alguma

coisa, se não a tivesses chamado?

A Fé bíblica é no sentido de que não há limite para o querer do Criador. Tudo o que

Ele quer Ele faz. O que faz é duradouro, é para sempre, porque Ele não SE arrepende do que

faz; e não se arrepende porque ama tudo que faz. Quanto aos seres em si, existem porque

foram queridos por Ele. Só não existe aquilo que Ele não quis existente, ainda que seja

humanamente imaginável. Mas, se existe, é algo que não O “aborrece”, é algo que Ele “não

odeia”. Ao contrário, ama tudo quanto existe, porque querido e feito por Ele. Esta constatação

bíblica direciona os nossos saber e querer na administração daquele “sujeitai a terra” para a

conformidade com o amor com que Ele ama sua Obra. A Fé, como pastora da Criação, deve

se fazer companheira empática das Ciências para que ambas sejam mutuamente benéficas. A

55

Teologia deve tomar as Ciências como nova parceira. O saber auferido no campo científico é

tão criatura quanto o saber auferido no campo filosófico, tanto quanto o saber auferido no

campo teológico. Existe Fé, existe Razão: ambas são criaturas do querer de Deus, a ambas Ele

ama. Em contrário, uma ou outra não existiria.

2.1.2 – Ele faz por sua Palavra e seu Sopro:

Sl 33,6 O céu foi feito com a Palavra de Iahweh, e seu exército com o sopro de sua boca.

Sl 33,9 Porque Ele diz e a coisa acontece, Ele ordena e ela se afirma.

Sl 104,30 Envias teu sopro [ruach] e eles são criados, e assim renovas a face da terra;

Sl 147,15 Ele envia suas ordens à terra, e sua Palavra corre velozmente:

Sl 147,18 Ele envia sua Palavra e as derrete. Sopra seu vento e as águas correm.

Sl 148,5 Louvem o Nome de Iahweh, pois Ele mandou e foram criados;

Sb 1,7 O espírito do Senhor enche o universo, dá consistência a todas as coisas, [...].

Jt 16,14 Sirva a TI toda a Criação. Porque disseste, e os seres existiram, enviaste teu espírito,

e eles foram construídos, e não há quem resista à tua voz.

Jó 33,4 Foi o espírito [ruach] de Deus que me fez, e o sopro [ruach] de Shaddai que me

animou. [...]

Sb 9,1 Deus dos pais, Senhor de misericórdia, que tudo criaste com tua Palavra, [...] O modus operandi Creatoris se externa na Economia pela emissão da Palavra

portadora de Espírito. Palavra que é manifestação de seu querer. Espírito que é plenificação

de sua decisão. Palavra: dizer, ordem, mando. Espírito: sopro, vento, corre, envia,

plenificação. A Criação acontece, recebe consistência, se firma, passa por persistente

renovação, ... Palavra e Espírito marcam a Criação, deixam nela a marca da divina origem.

Imprimem caráter, legível, mensurável, definível. Sobre seus “dados” podem trabalhar as

Ciências.

2.1.3 – Ele faz imprimindo caráter:

Sl 148,6 fixou-os eternamente, para sempre, deu-lhes uma lei que jamais passará.

Jó 38,33 Conheces as leis dos céus, determinas o seu mapa na terra?

Sb 1,14 Tudo criou para que subsista; são salutares as criaturas do mundo: nelas não há

veneno de morte, [...].

56

Sb 11,25 E como poderia subsistir alguma coisa, se não a tivesses chamado?

Eclo 1,9 [...] Ele a criou [a Sabedoria], a viu, a enumerou e a difundiu em todas as suas

obras, [...].

Eclo 16,26 Quando, no princípio, o Senhor criou as suas obras, assim que foram feitas,

atribuiu um lugar a cada uma.

Eclo 16,27 Ordenou para sempre a sua atividade e suas tarefas pelas suas gerações. Elas

não sentem fome nem cansaço e não abandonam suas atividades.

Eclo 16,28 Nenhuma delas jamais se choca com a outra e jamais desobedecem à sua Palavra.

Eclo 39,16(21) Todas as obras do Senhor são magníficas, todas as suas ordens são

executadas pontualmente. Não é preciso dizer: “o que é isto? Por que aquilo?”20(25) Vê de

eternidade a eternidade, nada é extraordinário para Ele. 21(26) Não é preciso dizer: ‘o que é

isto? Por que aquilo?’ Por que tudo foi criado para uma destinação.

Eclo 39,32(38) Por isso desde o princípio me decidi; refleti e o escrevi: 33(39) “Todas as

obras do Senhor são boas, Ele supre toda necessidade na hora devida. 34(40) Não se pode

dizer: Isto é pior do que aquilo, porque tudo, no seu tempo será reconhecido bom”. [...] A Criação é “personalizada”78, é dotada de características marcantes. Não é amorfa

nem sem sentido. Entre suas características se conta sua subsistência, seu chamado à

existência, sua fixação “para sempre”. E sua bondade. As criaturas são salutares. No que

respeita ao observador humano, a bondade das coisas sempre será reconhecida no tempo

certo, pois cada coisa criada tem seu papel, destaca-se de modo peculiar. Cada uma ocupa

lugar próprio no concerto da Criação. Exerce um papel, cumpre a tarefa que lhe é própria. De

tal forma estão alinhadas no projeto que “jamais desobedecem” o que lhes foi prescrito em

sua ordenação. A Criação porta em si “uma lei que jamais passará”, lei que a rege e que a

estrutura na intimidade do relacionamento de seus componentes, de seus intervenientes: a

Sabedoria está difusa por toda a Criação, integra o ser e o agir de toda ela. É como ter e

portar-se, a Natureza, e assim é, por parâmetros de uma consciência que sabe o que tem que

ser atingido e por quais opções, pelos meandros de infinitas possibilidades, se atinge sua

finalização, posta no projeto do Criador, e tudo isso num constante processo dialético em que,

78 Tomando da Informática, personalizar é dar características próprias (“pessoais”, particulares), é “configurar” para que funcione segundo uma projeção, um direcionamento pré-estabelecido. A “ordem” que se lê na Criação sugere com clareza certa configuração que lhe dá características marcantes.

57

a cada “tese”, se sucedem infindáveis antíteses e sínteses de realizações criativas. É bem por

aqui que se desenham as teorias evolucionistas do cosmo e das espécies. O “vento de Deus”

ainda paira sobre as águas. A Sabedoria está subjacente, movendo, impulsionando a Natureza

em constante criatividade. “Jamais desobedecem à sua Palavra” (Eclo 16,28). O Espírito que

fala na Revelação é o mesmo Espírito que nos fala através dos acontecimentos, por meio de

tudo quanto nos circunda. Deixar de escutá-LO na Natureza é alienar-se da realidade e

instrumentalizar um dualismo que põe este mundo em oposição ao Mundo de Deus. A

Natureza não é estática. Isto nô-lo comprovam as Ciências, fazendo coro com Gn 1. Por que

isto e por que aquilo? Nada de extraordinário, porque “tudo foi criado para uma destinação”.

Estamos diante do Alfa e do Ômega. É só ler na Natureza o que anda acontecendo.

2.1.4 – Ele faz porque ama. Seu amor é o motivo para fazer. Salmo 136:

4 Só Ele realizou maravilhas, porque o seu amor é para sempre!

5 Ele fez os céus com inteligência, porque o seu amor é para sempre!

6 Ele firmou a terra sobre as águas, porque o seu amor é para sempre!

7 Ele fez os grandes luminares, porque o seu amor é para sempre!

8 O sol para governar o dia, porque o seu amor é para sempre!

9 a lua e as estrelas para governarem a noite, porque o seu amor é para sempre! Amar a Deus é amar também o que Ele ama, “pois a grandeza e a beleza das criaturas

fazem, por analogia, contemplar o seu Autor” (Sb 13,5). Tudo existe porque Ele ama tudo que

criou e, se alguma coisa tivesse odiado, não a teria feito (cf. Sb 11,24). Podemos, pois, dizer

que a busca de conhecimento da Criação em profundidade só poderá nos levar a uma melhor

contemplação do seu Autor. Para este escopo as Ciências se revelam êmulo e parceiras

indispensáveis, já que a Revelação não se ocupa de revelar tais coisas, deixando-as à

sondagem do “rei”, pois elas nos descortinam maravilhas diante das quais chegamos a ficar

perplexos. Espelho de seu amor, só temos que nos maravilhar [extasiar] diante do Criador que

as criou.

58

2.2 – O segundo destaque é para a extensão da Obra

Jó 25,14 [26,14] Tudo isso é o exterior de suas obras, e ouvimos apenas um suave eco.

Quem compreenderá o estrondo do seu poder?

Sl 139,17 Mas, a mim, que difíceis são os teus projetos, Deus meu, como sua soma é grande!

18 Se os conto ... são mais numerosos que areia! E, se termino, ainda estou conTIGO!

Eclo 18,5 Quem poderá medir a potência de sua majestade, e quem chegará a narrar suas

misericórdias? 6 Aí não há nada a acrescentar, e ninguém é capaz de investigar as maravilhas

do Senhor. 7 Quando um homem acabou, então é que começa, e quando para, fica

perplexo.

Ecl 8,17 observei toda a obra de Deus, e vi que o homem não é capaz de descobrir toda a

obra que se realiza debaixo do sol; por mais que o homem trabalhe pesquisando, não o

descobrirá. E mesmo que um sábio diga que conhece, nem por isso é capaz de descobrir. Teologia, Filosofia e Ciências juntas por mais que pesquisem nunca serão capazes de

descobrir (desvelar) toda a obra de Deus, pois, tudo o que contemplamos, “tudo isso é o

exterior de suas obras”, e de tudo “ouvimos apenas um suave eco”. Qual seja a “potência de

sua majestade” ou “o estrondo do seu poder” é-nos acenado na estupefaciente contemplação

da Natureza, contemplação que possibilita a cada “saber”, teológico, filosófico, científico,

cada um em seu campo de pesquisa e métodos próprios, dar-nos uma visão parcial, prismática

da realidade, do especulativo ao constatável. A interdisciplinaridade pode juntar tudo e

propiciar uma visão holística. Mas cada uma tem que ouvir a outra. As Ciências têm o condão

de esmiuçar todas as coisas e adentrar fundo na intimidade de cada uma delas. A Filosofia tem

o condão de ordenar os conhecimentos adquiridos. A Teologia tem o condão de discernir a

origem divina de coisas e fenômenos.

2.3 – Sl, Pr, Sb e Eclo evocam com que critérios Deus fez a Criação:

Sl 104,24 Quão numerosas são as tuas obras, Iahweh, e todas fizeste com sabedoria!

Sl 147,5 Nosso Senhor é grande e onipotente e sua inteligência é incalculável.

Pv 3,19 Iahweh fundou a terra com a sabedoria, e firmou o céu com o entendimento.

Provérbios 8 22 Iahweh me criou, primícias de sua obra, de seus feitos mais antigos. 23 Desde a

eternidade fui estabelecida, desde o princípio, antes da origem da terra. 24 Quando os abismos

59

não existiam, eu fui gerada, quando não existiam, os mananciais das águas. 25 Antes que as

montanhas fossem implantadas, antes das colinas, eu fui gerada; 26 Ele ainda não havia feito a

terra e a erva, nem os primeiros elementos do mundo. 27 Quando firmava os céus, lá eu estava,

quando traçava a abóbada sobre a face do abismo; 28 quando condensava as nuvens no alto,

quando se enchiam as fontes do abismo; 29 quando punha um limite ao mar: e as águas não

ultrapassavam o seu mandamento, quando assentava os fundamentos da terra. 30 Eu estava

junto com Ele como o mestre-de-obras, Eu era o seu encanto todos os dias, todo o tempo

brincava em sua presença: 31 brincava na superfície da terra, e me alegrava com os homens.

[...].

Sabedoria 7 22 Nela há um espírito inteligente, santo, único, múltiplo, sutil, móvel, penetrante,

imaculado, lúcido, amigo do bem, agudo, 23 incoercível, benfazejo, amigo dos homens, firme,

seguro, sereno, tudo podendo, tudo abrangendo, que penetra todos os espíritos inteligentes,

puros, os mais sutis. 24 A Sabedoria é mais móvel que qualquer movimento e, por sua pureza,

tudo atravessa e penetra. 25 Ela é um eflúvio do poder de Deus, uma emanação puríssima da

glória do Onipotente, pelo que nada de impuro nela se introduz. 26 Pois ela é um reflexo da luz

eterna, um espelho nítido da atividade de Deus e uma imagem de sua bondade. 27 Sendo uma

só, tudo pode; sem nada mudar, tudo renova e, [...]. 8 1 Alcança com vigor de um extremo

ao outro e governa o universo retamente. 8 4 ela é iniciada na ciência de Deus, ela é quem

seleciona suas obras. 8 6 E se é a inteligência quem opera, quem mais do que ela é artífice

do que existe? [...] 9 9 Contigo está a Sabedoria que conhece tuas obras, estava presente

quando fazias o mundo; [...].

Eclesiástico 1 1 Toda Sabedoria vem do Senhor, ela está junto Dele desde sempre. 4 Antes de

todas essas coisas foi criada a Sabedoria, e a inteligência prudente existe desde sempre. [5 A

fonte da Sabedoria é a Palavra de Deus nos céus; seus caminhos são as leis eternas] 6 A quem

foi revelada a raiz da Sabedoria? Seus recursos, quem os conhece? [7A quem foi mostrada a

ciência da Sabedoria? E quem pode conhecer a riqueza de seus caminhos?] 8 Só um é sábio,

sumamente terrível quando SE assenta em seu trono: 9 é o Senhor. Ele a criou, a viu, a

enumerou e a difundiu em todas as suas obras, [...].

Deixamos para a Teologia da Trindade as considerações sobre a transcendência da

Sabedoria. Interessa-nos aqui quanto pesa a Sabedoria na constituição, estrutura e dinamismo

do Universo. Reportamo-nos aqui ao que chamamos acima de Mandato Divino à Natureza. É

esta Sabedoria, preexistente à Criação, que inocula nela, na Criação, princípios regentes e a

capacita a atuar autonomamente. Dá-lhe “inteligência”, dota-a de “consciência” intrínseca.

“EU estava junto com Ele como o mestre-de-obras” (Pv 8,30). Pessoalmente, vemos assim:

não é tão digno de Deus (posta sua Onipotência), ou o é menos digno, o ter feito Ele próprio

60

prontas e acabadas todas as coisas, como autômatos saídos das mãos de um grande mago, e

que por isso só fazem o que é predeterminado e nada mais. Isto poria em cheque-mate a

possibilidade do livre arbítrio. E a moral e a ética perderiam sua razão de ser num universo

criado em que tudo seria resultado da ação de autômatos, os autômatos de Deus. Ao criar,

fazer, Deus cria e faz por força de sua indiscutível liberdade. O Absoluto que Ele é confere à

Criatura participação na autonomia de sua liberdade. Confere autonomia, não automação. A

Natureza se desenvolve e se firma por um processo de assunção de opções entre miríades de

possibilidades. Basta-nos lembrar de como se dá a fertilização de um óvulo. Ao fazê-lo [“e

assim se fez”] a Natureza está imbuída das ordenanças que a direcionam para suas atividades.

Como não aplicar à presença da Sabedoria na Natureza de modo que esta manifeste, publique

aquele “eflúvio do poder de Deus”, aquela “emanação puríssima da glória do Onipotente”? e

que seja, por consequência, a Natureza mesma, “iniciada na ciência de Deus”, e que seja ela

“quem seleciona suas obras”? (cf. Sb 7,25; 8,4), pois o Criador o disse: verdeje, fervilhe,

produza segundo suas espécies! (Gn 1,11.20.24). Pois foi o próprio Senhor, que a criou, que

difundiu a Sabedoria em todas as sua obras (Sb 1,9). Como seria possível a uma Natureza

morta verdejar, fervilhar e produzir, se o princípio (lei) criativo, dinâmico não fosse integrante

de seu caráter, de sua caracterização? Uma vez mais a Revelação aponta para o campo

reservado ao “rei” e o próprio Texto Sagrado remete para o campo das Ciências. Vejamos isto

em quatro textos entre os muitos possíveis.

1º - Provérbios 25,2 A glória de Deus é encobrir as coisas, e a glória dos reis é investigá-las

[sondá-las, esquadrinhá-las].

2º - Eclesiastes 8,17 observei toda a obra de Deus, e vi que o homem não é capaz de descobrir

toda a obra que se realiza debaixo do sol; por mais que o homem trabalhe pesquisando, não o

descobrirá. E mesmo que um sábio diga que conhece, nem por isso é capaz de descobrir. [...]

11,5 Assim como não conheces o caminho do vento ou o do embrião no seio da mulher,

também não conheces a obra de DEUS, que faz todas as coisas.

3º - 2 Macabeus 7,22 Não sei como é que viestes a aparecer no meu seio, nem fui eu que vos

dei o espírito e a vida, nem também fui eu que dispus organicamente os elementos de cada um

de vós. [...] 7,28 Eu te suplico, meu filho, contempla o céu e a terra e observa tudo o que neles

61

existe. Reconhece que não foi de coisas existentes que Deus os fez, e que também o gênero

humano surgiu da mesma forma.

A História do saber evidencia quanto a glória de Deus andou encoberta nas coisas

criadas. Coélet dialoga com a cultura de seu tempo. Quanto ao vento e quanto ao embrião, ele

os focaliza em sua realidade física, e situa seu desconhecimento na limitação cultural de sua

época. Deus fala ao Homem na linguagem que este pode entender. Descobrir “toda a obra”,

não, mas “descobrir” algo dentre toda a obra, sim. Para o homem de hoje o caminho de

ambos, do vento e do embrião, já se tornou assaz conhecido pelos alcances da Física e da

Biologia. Não de modo absoluto, mas de modo suficiente. Na mesma linha argumentara a mãe

dos macabeus. O que ela ainda não sabia, a Ciência hoje lhe diz. E por que tudo isto é

possível à Ciência?

4º - Sb 7,17 Ele me deu um conhecimento infalível dos seres para entender a estrutura do

mundo, a atividade dos elementos, 7,18 o começo, o meio e o fim dos tempos, a alteração

dos solstícios, as mudanças das estações, 7,19 os ciclos do ano, a posição dos astros, 7,20 a

natureza dos animais, a fúria das feras, o poder dos espíritos, os pensamentos dos

homens, a variedade das plantas, as virtudes das raízes. 7,21 Tudo sei, oculto ou

manifesto, pois a Sabedoria, artífice do mundo, mo ensinou!

Pelas Escrituras, e com as Escrituras, por seus dados assaz e suficientemente claros,

podemos fazer coro com as Ciências, e admitir que a Natureza se fez, e fez, e faz, desde sua

existência, mas com e sob o comando de QUEM a trouxe à existência, por via de a Sabedoria

nela embutida, como princípio regente, em virtude do que, podemos assim dizer, a Natureza

“sabe” o que faz e o que deve fazer. Não é governada por um puro acaso79. A Criação de Deus

só poderia resultar “inteligente”, pois que Inteligência pura é seu Criador. Resultaria

contraditório que a Natureza criada pela Inteligência fosse “burra”, carente de inteligência

intrínseca e autodeterminação. Afinal, ela não apresentaria os resultados que levaram seu

Criador a ver que cada coisa era boa: “e assim se fez” e “Deus viu que isso era bom”, refrões

79 Vide, pp.86-88, desenvolvimento sobre acaso e caos.

62

de Gn 1 que se repetem a cada “obediência” da Natureza. E são essas obediências, nada mais

que essas obediências, que as Ciências detectam em suas pesquisas, discernindo-as como leis.

A Teologia precisa ouvir mais o que as Ciências têm a dizer. Esta é nossa convicção.

Em resumo podemos afirmar que, quanto à Criação, as Sagradas Escrituras revelam

apenas, e tão somente, que: Deus é seu Autor, fê-la existente pelo poder de sua Vontade,

conferiu-lhe autonomia e criatividade, ela LHE pertence, Ele zela para que ela permaneça

enquadrada em seus propósitos (inclusive no que respeita ao Homem).

Tudo quanto está configurado neste excurso, bem o sabemos, recebe da exegese, da

Teologia e do Magistério, que interpretam o texto bíblico, outro direcionamento, um

direcionamento salvífico. Como dito no segundo parágrafo da página 25 o objetivo buscado

foi o de encontrar, nas Escrituras, janelas favoráveis ao diálogo proposto sob aquele

empenho sugerido na Divino Afflante Spiritu segundo o qual “se deve exercitar livremente o

engenho e perspicácia dos intérpretes”. Objetivo que, parece-nos, foi atingido.

3 – VONTADE versus ex-nihilo

A Criação provém, pois, da onipotência e domínio do Criador, é expressão de sua

Vontade, de seu querer. Por Criação entende-se tudo quanto existe que não seja o próprio

Criador. Englobam-se nesse tudo o que existe ou se possa entender como existente, seja

perceptível à nossa visão e sensibilidade (o corporal ou material), ou apenas à nossa

compreensão racional (o invisível ou espiritual), configurando tudo aquilo que se possa

abarcar com o conceito de Universo ou que, de modo singelo, se usa expressar pelo binômio

céu-terra. Originada da Vontade do Criador, a Criação passou a existir a partir do “instante”

em que a quis o Criador, e sua existência é concomitante à existência do tempo: ambos,

tempo e todas as coisas, perfazem a mesma e única Criação que tem sua origem na Vontade

criadora. Dizemos assim: não existindo, passaram a existir concomitantemente; na tradição se

63

diz que vieram do “nada”, ou seja, que o Criador os fez “do nada”, ex nihilo, de nihilo; mais

corretamente se deve entender que, “não existindo”, receberam existência; melhor: foram

feitos existentes, “passaram a existir”, despontaram como existentes; pois, ao se especificar

que foram feitos “do nada”, induz-se à incorreta compreensão de que havia “um nada”, que

sugere o risco de ser tomado como matéria prima da criação. O correto então é dizer que,

“não-existindo”, foram feitos existentes por efeito de uma Vontade que os “quis”, criou, que

os projetou à existência, em virtude de sua Onipotência Autônoma e Livre para o querer.

Assim, a Vontade criadora pode muito bem ser dita “esta foi e é a matéria prima da Criação”,

por se tratar da única fonte possível até onde possa chegar o nosso imaginável. “Não

existindo, passaram a existir”: isto escapa à nossa ótica, pois não a temos necessária, ela é

exclusiva do Criador. A nós cabe a constatação: existem!, e disto não temos como escapar:

existem! Só nos resta arrazoar em torno dessa existência, inclusive da nossa mesma.

Forçoso, pois, nos é raciocinar sobre o “nada”, em torno do “nada”. Gn 1 não o

conhece. 2Mc 7,28 e Rm 4,17 80 o chamam de “coisas inexistentes”. Ficaram consagradas as

fórmulas ex nihilo e de nihilo para expressar a dinâmica da Criação. É o que nos faz repetir,

por inexistir outra forma de dizê-lo, do nada Ele fez, do nada Ele criou. Aqui o

antropomorfismo “nada = coisa alguma” faz-nos tropeçar nas próprias pernas. Historicamente

se quis dizer que, não existindo coisa alguma além do Criador, Ele criou. No entanto, a

compreensão dessa cosmogênese exige situar na Vontade a origem do Universo. Na cultura

de hoje soa impróprio dizer “criado do nada”, pois não havia o “nada”: o nada é o inexistente,

ou melhor, inexiste! É impróprio dar-lhe nome. Da inexistência coisa alguma pode provir; se

“a força criadora, pela qual em primeira instância é atingido o ente como ente, nem mesmo

por milagre pode ser comunicada a uma natureza finita”81, quanto mais, nem por maior

milagre ainda, o inexistente poderia receber algum impulso; pois, se inexiste (é nada), como

80 GANOCZY, op.cit., p.57 tece algumas considerações em torno da dificuldade de se adotar o “nada”. 81 D 3624, Decreto da Sagrada Congregação dos Estudos, 27/07/1914, p.774.

64

receberia alguma força? – Não poderia, pois, tirar-se do “nada” algo, pois nem um tal “nada”

existiria para dele fazer sair algo. Então a compreensão correta é tal como dizer que a matéria

prima [mais um antropomorfismo] do Universo é “tirada”, é saída, da Vontade do Criador

(único princípio - origem), é emitida por sua livre Vontade (quando quis!). A Criação, pois,

desponta como a novidade total, o totalmente novo. Havia Deus e tão somente Deus.

Provindo exclusivamente da Vontade do Criador, “coisa alguma” (=nada) tinha existência

anterior. Inexistindo algo concomitante ou anterior ao Criador, só pode ter passado a existir

algo a partir do querer do Criador. E Ele o quis: uma creatio mutabilis. Non factum aut

consummatum, mas em processo aberto, um fieri criativo da realidade. O Universo, portanto,

a Criação, deve ser visto como um processo total do criar divino82.

4 – CONSIDERAÇÕES RELEVANTES PARA O DIÁLOGO

Se damos como questão fechada que tudo quanto existe hoje foi tal e qual criado

direta e pessoalmente por Deus (criacionismo estrito), abrimos caminho para: 1) contrariar a

orientação de Leão XIII quando diz: “Se não se salva a concórdia dos espíritos, e não se

mantêm firmemente os princípios, não se podem esperar grandes progressos dos vários

estudos que muitos façam nesta disciplina”83, e inviabilizar de vez qualquer diálogo ou

aproximação com as Ciências. 2) declará-lO, a Deus, demiurgo, naquele sentido de que criou

e deixou tudo à própria sorte84, como a imagem do já tão desgastado “Deus relojoeiro”, pois,

82 factum x fieri - MOLTMANN, Jürgen. Ciência e sabedoria. São Paulo: Loyola, 2007. pp.56-59 et passim. 83 Letras Apostólicas Vigilantiae, Leão XIII, in Divino Afflante Spiritu, PIO XII, col.Docs.Pontifícios, n.27, p.27. 84 A presença do mal no Mundo tem sido debitada ao pecado original com impacto tal que a própria Natureza teria se estremecido nas suas bases. Doenças, morte, aleijumes, e toda sorte de calamidades. Em A teologia depois de Darwin, p.84, Jaques Arnould, após a frase todos nascem para morrer, transcreve Jean Hamburger: “Um acontecimento ao qual o animal nunca escapa, absolutamente nunca, [...] dificilmente pode ser considerado acidental”, e comenta: “Esse discurso pôde, no passado, chocar os que viam na morte a consequência da queda de Adão [...] A morte (como o nascimento) não é um acidente: é ao mesmo tempo um processo e um acontecimento, um dos acontecimentos essenciais para um ser vivo que, como tal, é problemático”. Penso eu: por gravíssimo que tenha sido tal pecado, “quem é o homem” (Sl 8,5) e que poder tem esse vermezinho terrestre para implantar desequilíbrio no Plano do SENHOR do Universo? Teria o Homem poder suficiente para abalar o Senhorio do CRIADOR? No entanto, e apesar do pecado original, as Leis que regem o Universo são lidas a partir da harmonia que nele reina: não há caos, mas regularidade mensurável e demonstrável com base na qual projetos podem ser solidamente elaborados: com segurança. Calamidades e morte são anteriores ao

65

de fato, tudo, na realidade observável, segue uma trajetória que seguramente indica coisa

alguma está definitivamente assentada. A realidade constatável contraria a concepção de um

Mundo criado pronto e acabado, e, por isso mesmo, estático. As espécies vegetais e animais

que desaparecem e se sucedem nô-lo dizem muito bem. Nosso próprio humano caminhar não

é fixista mas se defronta com infindáveis opções feitas de sim e de não. A noção de mal,

físico ou moral, real ou relativo, deve ser lida em horizonte da própria Natureza, desvinculada

da onisciência divina. A gratuidade Criadora não faz da Natureza um autômato. A Autonomia

divina lhe é comunicada. O livre Ato de criá-la a faz portadora de semelhante liberdade, assim

como a Inteligência Criadora a faz portadora de semelhante inteligência.

Ao contrário, se admitimos que o Universo prosseguiu criativamente, desde o FIAT

LUX, cumprindo um mandato, temos então, pela frente, um Plano Divino em processo de

execução, descrevendo sua trajetória do ponto Alfa ao ponto Ômega, num procedimento

escatológico que caminha para a (rumo à) Parusia total. É oportuno resgatar, aqui, a

meditação paulina: “Pois sabemos que a criação inteira geme e sofre as dores de parto até o

presente” (Rm 8,22). Por que Paulo diz isto? Já não tinha Cristo redimido, conciliado a

Criação com o Pai? Sim! Mas é Dele próprio a revelação: “Meu Pai trabalha até agora e EU

também trabalho” (Jo 5,17). Ora, ao Pai se atribui, de modo específico, o criar. Relativamente

ao Universo criado a Trindade não está parada. Ela o mantém existente, por seu Verbo, “pois

Nele vivemos, nos movemos e existimos” (At 17,28) e, se retira seu Sopro, voltamos a nosso

nada (Cf. Sl 104,29; Jó 10,9; Ecl 3,20; Eclo 17,1). Se não voltamos à inexistência é porque o

Ato Criador se mantém e se prolonga pelos séculos dos séculos. De que modo? Pela

manutenção daquela Vontade que manda e assiste à obediência de sua Criatura. Obediência:

aui, mais um antropomorfismo.

A ação Criadora se desenhou dinâmica, não estática, fazendo, por isso mesmo, não

aparecimento do Homem. Calamidades: não seria sua conceituação devida tão somente ao horizonte relacional do Homem?

66

estática, mas dinâmica, a Natureza criada. É pois forçoso situarmo-nos ainda hoje, com nossos

tempos cósmicos de hoje, no contexto de Gn 1,3-31. Estamos ali presentes. O nosso hoje está

ali. Nem a Terra está pronta e acabada, como também todo o Universo observável se mostra

mutável, no sentido de uma evolução em processo, evolução que se vai concretizando passo a

passo na incorporação de opções possíveis dentro de um infindável oceano de possibilidades,

porque o nosso Deus é infinito e infindáveis têm que ser as opções aptas a satisfazer a sua

Vontade. Os horizontes humanos não aprisionam os horizontes divinos. Deus não SE

circunscreve em/por nossos limites.

Sopesadas as reflexões deste capítulo, cuja fundamentação buscou-se assentar nas

Escrituras, pensamos ter janelas suficientes para ler, na Fé, o que têm dito as Ciências sobre a

eclosão do Universo e da Vida, e argumentar teologicamente sobre a plausibilidade de sua

convergencia com os dados da Revelação Sobrenatural.

67

CAPÍTULO III

AUSCULTANDO AS CIÊNCIAS QUANTO A:

O QUE DIZEM SOBRE A ECLOSÃO DO UNIVERSO E DA VIDA85

EM FOCO

Para sermos fiéis na exposição temos que tomar os dados das Ciências sem julgá-los

previamente, sem acrescentar-lhes observações de cunho teológico. Em contrário, incorremos

no risco de introduzir distorções nos ensinos da Ciência e obnubilar o horizonte do diálogo.

No decorrer da exposição iremos analisando os dados carreados e intercalando alguma

consideração de índole lógica e teológica, como nos parecer, com o fito de encaminhar para a

conclusão.

Por uma questão de objetividade partiremos dos “finalmente” – o “modelo-padrão” –

como se estivéssemos seguindo um método apriorístico e por ele fôssemos traçando

deduções. Em verdade as Ciências trabalham e trabalharam por métodos inversos: seu método

é aposteriorístico conduzindo a deduções e induções, e foi por ele que se chegou ao “modelo-

padrão”. Nas Ciências, falar do cosmo e sua gênese, sempre se partiu do imediatamente

constatável, num constante vai-e-vem de dados novos a reformular e clarear suposições,

hipóteses e teorias. Do átomo ao cosmo, do cosmo à partícula, da partícula ao átomo, do

átomo ao cosmo. Uma verdadeira engenharia do Intelecto. Nossa ausculta começa, pois, pela

conceituação atual do modelo de universo.

85 GRIBBIN, John. No início: antes e depois do big bang, Rio de Janeiro: Campus, 1995. HAWKING, Stephen William. Uma breve história do tempo. 6.ed. Rio de Janeiro: Rocco, 1988. WEINBERG, Steven. Os três primeiros minutos. 2.ed. Lisboa-Portugal: Gradiva, 2002. Nestas publicações e noutras (bibliografia), no que corresponde, buscou-se a confirmação do extraído de As sete maiores descobertas científicas da história, de BRODY Eliot & Arnold, São Paulo: Editora Schwarcz, 2007, que utilizamos para um compulsar bibliográfico mais prático, em virtude de esta obra proporcionar, num só volume, tudo que precisamos considerar nesta dissertação. Por não sermos “perito” nas várias áreas a serem consideradas, temos que nos louvar no levantamento produzido por esses pesquisadores, tendo em vista a habilidade e clareza com que expõem a matéria e a vasta bibliografia por eles apresentada nas pp.424/430 de sua obra.

68

1 – DO BIG-BANG AO “MODELO PADRÃO”

À teoria desenvolvida pelos físicos russos George Anthony Gamov (1904-1968)

naturalizado americano) e Alexander Alexandrovich Friedmann (1888-1925) e o inglês

Arthur Stanley Eddington (1882-1944), o astrofísico inglês Fred Hoyle (1915-2001), que

desdenhava da mesma desde Lemaître, alcunhou-a de “big-bang”86, “o grande bum”, “o

grande estouro”, no intuito de reduzi-la a desprestígio. No entanto, a Teoria se impôs no

mundo científico e incorporou o apelido pelo qual passou a ser conhecida desde Gamov. A

teoria concorrente, de um estado estacionário do Universo, era do próprio Hoyle. Na década

de 1950 as opções pendiam entre uma e outra teoria87. Após a incorporação de uma mais

nítida compreensão do processo, o modelo de Universo sugerido pela Teoria do Big-Bang

passou a ser conhecido por “modelo-padrão”.

A Teoria, por si mesma, não rechaça a Teoria Criacionista, apenas a vê como

filosófica, numa linha de compreensão ontológica. A Teoria do Big-Bang busca basear-se em

fatos mensuráveis que são processados com a lógica a partir de princípios gerais,

particularmente da Física. Há uma espécie de consenso tácito de que essas duas versões

teóricas sobre a criação do mundo, longe de se contradizerem, sequer se cruzam. Ambas

partem de princípios ou pontos de vista que não se tocam. Ganoczy, discorrendo sobre

argumentos de Paul Davies quanto à Criação, repete frase de McMullin citada pelo próprio

Davies: “Nem é possível dizer que a doutrina cristã da criação ‘sustenta’ o modelo da

explosão originária, nem que esse ‘sustenta’ a doutrina da criação”; e afirma: “Apesar disso

não é possível negar uma analogia entre esse modelo de surgimento e a fé numa criação do

mundo por Deus”88.

86 GRIBBIN, John. No início: antes e depois do big bang. Rio de Janeiro: Campus, 1995. p.X. 87 Ibid., p.X. 88 GANOCZY, op.cit., p.54.

69

Entre todas teorias acerca da eclosão do Universo, a do Big-Bang goza de aceitação

científica (quase) unânime, e é tida como a última palavra da Ciência sobre o tema, por ser a

mais apta a compreender e explicar as evidências observadas no Cosmo, tais como o

afastamento universal entre galáxias, sua evolução e distribuição, a radiação cósmica de

fundo, a teoria das partículas elementares, e outras tantas evidências, segundo os físicos e

astrofísicos.

2 – ANTES DO BIG-BANG

As conclusões da Ciência sobre o que havia antes do Big-Bang é que isto fica no plano

das conjecturas. “Antes” é conceito de tempo que só pode ser mensurado após uma existência,

e esta só é perceptível a partir do tempo zero, t=0. Não tem sentido conjeturar “antes de t=0”

(não havia tempo). A Teoria do Big-Bang estabelece a origem zero do tempo. Nele decorrem

energia, temperatura, matéria, espaço-tempo. O que existe passou a ter existência a partir de

frações infinitesimais de tempo, a partir de t=0. Pode-se resumir o “tudo” daquele instante

como pura energia, coisa alguma além de energia. Não há como falar “antes” porque o tempo

só pode ser medido quando algo é constatado. Antes da eclosão do Universo não há o que se

possa constatar. Nem mesmo se pode dizer “fração de tempo antes”, pois o “ponto zero” de

t=0 é inatingível, indeterminável, por isso inalcançável. O que se pode deduzir terá

acontecido a partir de uma parte em 10-42 de segundo [zero vírgula seguido de 42 zeros e

terminado pela unidade 1], um incomensurável “ponto” temporal. Antes disso, todas as teorias

esbarram na chamada "parede” ou “muro de Planck", que impede que tenhamos qualquer

certeza do que teria acontecido num hipotético antes, conceito que explicita a singularidade

do evento, em que o tempo não se define para além, para atrás de si. Max Planck (1858-1947

- físico alemão, pai da Física Quântica) propôs sua teoria trabalhando sobre a matéria escura e

as quanta de energia. É sua a frase "O mundo externo é algo independente do homem, algo

70

absoluto, e a procura pelas leis que se aplicam a este absoluto mostram-se como a mais

sublime busca científica na Vida"89. Absoluto – “não depende do homem”, independe do

homem ou do que ele possa pensar sobre o mundo externo a ele; independentemente do

homem o mundo existe. A sublime busca científica na vida recebe de Einstein uma conotação

de certa religiosidade: “Pesquisadores sérios [provavelmente serão], em nosso tempo, que de

modo geral tem orientação materialista, as únicas pessoas profundamente religiosas”90.

Singularidade. Região do espaço-tempo onde as leis da física atualmente conhecidas

entram em colapso e as equações perdem o seu significado. Algo que se constata a partir de si

mesmo, sem um antes, sem que se possa repetir. O evento Big-Bang é essa singularidade.

Vemos aí um indiscutível ponto de convergência entre FÉ e Ciência. O “haja luz e a luz se

fez” é absolutamente irrepetível, nem a FÉ será capaz de reproduzi-lo, mesmo porque o que

Deus fez está feito, não carece de repetição, da mesma forma que a Ciência jamais encontrará

uma forma de comprovar experimentalmente (segundo seus princípios) o evento Big-Bang: é

irrepetível na sua irrupção [que seria a primeira, ainda que outros Big-Bang se sucedam, ou

tenham se sucedido e voltem a suceder, caso as hipóteses em torno da entropia universal e do

big-crunch venham a se impor].

A Fé ensina que a Criação é absolutamente singular, por um único ato da Vontade do

Criador. A Ciência ensina que, por um evento de absoluta singularidade, o Universo teve

início. Há uma extraordinária ressonância entre ambos enfoques. Parece-nos que este é o

ponto básico de convergência da Razão, da não-contradição, entre Fé e Ciência: a

singularidade da Criação – ela é irrepetível, ao menos no estágio atual das pesquisas teológica

e científica. Teoricamente a Deus, que tudo pode, é possível repetir quantas criações desejar.

Mas esta Criação, que discutimos, é única, é irrepetível. Se ela se repetisse já não seria

“esta Criação”. Isto vale tanto para a Fé quanto para a Ciência. No estágio atual da Ciência o

89 Entre outras publicações: <http://www.comciencia.br/reportagens/fisica/fisica06.htm> [Vide anexos]. 90 In GANOCZY, op.cit., p.32.

71

Big-Bang é sua última palavra, assim como o é a Criação para a Fé. A singularidade da

Criação “em seu Big-Bang” – haja luz – desponta inequívoca, clara, concludente.

Pode-se concluir também que a dimensão “espaço-tempo” goza da mesma

singularidade do evento Big-Bang que a produziu. É concomitante e consequente a ele: não

se criará “novo tempo” nem “novo espaço”. É o espaço existente que se expande, é o tempo

que decorre que se prorroga. Não se pode criar novo tempo nem novo espaço; apenas se

ocupa espaço existente e se consome tempo que já decorre. Espaço-tempo é dimensão

projetada no início do Big-Bang. “No princípio Deus criou o céu e a terra”: foi posto um

princípio-ocupado por “céu e terra”, uma ocupação-principiante por “céu e terra”. Criação,

Big-Bang, espaço-tempo – tudo isso leva a constatar que seria ilógico, “ridículo”, querer

ridicularizar a singularidade científica como evento impossível, ao menos no sentido de se

comprovar, só porque a própria Ciência não pode repeti-lo.

3 – OS FAUTORES DA TEORIA DO BIG-BANG

– No princípio havia ... um “ovo cósmico” que explodiu, hipotetizou o belga Georges-

Henri Eduard Lemaître (1894-1966), um clérigo católico afeito à cosmologia. Em 1927 ele

foi o primeiro a sugerir uma forma de big-bang. Para ele toda a matéria do Universo estaria

concentrada num átomo primordial, o super-átomo que, por efeito de uma fantástica fissão

nuclear, se partiu e se fragmentou num processo crescente até dar forma aos átomos do

Universo como os temos hoje. Embora vista como incorreta, a teoria de Lemaître91 deu curso

ao pioneirismo das pesquisas que levaram à configuração da Teoria do Big-Bang. Assim

como Alexander Friedmann, Lemaître é chamado “pai da cosmologia”. Ambos tiveram

muitos predecessores. Podemos hoje afirmar que a evolução da Ciência cósmica teve início

91 Aqui é oportuno lembrar-se do trabalho de três outros clérigos católicos: Copérnico, que lançou as bases da astronomia moderna, Spallanzani, que comprovou a fecundação do óvulo pelo espermatozóide, e Mendel, que lançou as bases científicas da genética. Também o padre Lemaître foi desdenhado em sua época.

72

com Nicolau Copérnico (o polonês Mikolaj Kopernik, 1473-1543) e Galileu Galilei

(Galileo Galilei, 1564-1642).

Mas a Ciência, como o dogma, prossegue explicitando seus ensinos na medida em

que as pesquisas vão clareando pontos ainda não tratados, buscando sempre respostas novas a

novos questionamentos e indagações. É longa sua história. Por analogia, pode-se ler na Bíblia

como o dogma foi se alicerçando, a exemplo, para citar apenas um, o da ressurreição. Do

“quem vos louvará na morte” (Sl 6,5; Is 38,18; etc) ao “com Ele ressuscitaremos” (Rm 6,5;

At 24,15; Fl 3,11; etc) séculos de experimentação de uma Fé viva escreveram, fizeram a

história da Vida pós-morte. É esclarecedor o desenvolvimento, compreensão e maturação do

dogma como se lê na obra de Juan Luis Segundo, O dogma que liberta.92 Mas não iremos

fazer um tour exaustivo sobre as conquistas científicas, para embasar o amadurecimento das

Ciências; nem é o propósito desta dissertação. Iremos direto aos temas e conquistas que

promovam, que sirvam de proveito ao tema desta dissertação.

Já em 1905 uma teoria lançava as bases que, posteriormente, iria fundamentar a teoria

da eclosão do Universo, então em processo de gestação. Albert Einstein (1879-1955)

propunha sua teoria da relatividade especial segundo a qual a velocidade da luz no vácuo é

constante, independente da velocidade da fonte, que a massa depende da velocidade, que há

dilatação do tempo durante movimento em alta velocidade, que massa e energia são

equivalentes e que nenhuma informação ou matéria pode se mover mais rápido do que a luz

no vácuo. Einstein estabeleceu que “matéria e energia são apenas duas manifestações

diferentes da mesma realidade física fundamental e que podem converter-se, uma em outra,

segundo a equação: E = m.c2” 93. Em 1916 Einstein propôs sua teoria da relatividade geral.

Esta diz respeito aos campos gravitacionais, sejam pequenos, sejam de enormes proporções, o

que configura seu caráter de universal. É um desenvolvimento do princípio da gravitação

92 SEGUNDO, op.cit. O tema ocupa toda a obra. 93 BRODY, op.cit., pp.147, 174, 176, 205 et passim.

73

universal e da lei fundamental da gravidade de Isaac Newton (1643-1727), descrevendo a

gravitação como ação das massas nas propriedades do espaço e do tempo, afetando o

movimento dos corpos e outras propriedades físicas. Na relatividade geral o espaço-tempo é

distorcido pela presença da matéria que ele contém. Em 1917 Einstein publica Considerações

Cosmológicas sobre a Teoria da Relatividade em que ele constrói um modelo de Universo

esférico. Como não tinha razões científicas para supor um Universo em expansão [ainda se

tinha como certa sua imutabilidade], Einstein introduziu a constante cosmológica que parecia

garantir um status estático ao Universo. Mas, já em 1917, o holandês Willem de Sitter (1872-

1934) demonstrou que a constante cosmológica permitiria um Universo em expansão mesmo

se ele não contivesse qualquer matéria. Essa constante pode ser entendida como energia do

vácuo. Mais tarde, após a descoberta da radiação cósmica de fundo, por Hubble, Einstein

voltou atrás reconhecendo seu erro: o Universo é dinâmico e inflacionário desde sua eclosão.

Antes de Lemaître e trabalhando independentemente dele, Alexander Friedmann

(matemático e meteorologista russo, 1888-1925) percebeu que as equações de Einstein

explicariam muita coisa sem aquela constante cosmológica e construiu toda uma teoria do

universo para isso, e descobriu toda uma família de soluções para as equações da teoria da

relatividade geral, soluções que incluem expansão eterna ou re-colapso do Universo. Seus

seguidores avançaram na teoria. As proposições de Friedmann e Lemaître (para a teoria de

relatividade geral) descrevem um Universo em expansão.

Lemaître propusera uma fissão nuclear de grandes proporções. George Antonovich

Gamow, em 1940 propõe a fusão nuclear iniciada com partículas fundamentais que se

aglomeraram em elementos mais pesados por fusão no Big-Bang. Cunhava assim de Big-

Bang a teoria antes desdenhada por Fred Hoyle. Hoje a Ciência aceita como corretas suas

idéias básicas, mas corrigidas para o fato de que as condições primevas do Universo não eram

aptas para fundir elementos pesados, mas tão somente hidrogênio e hélio, tendo-se como certo

74

que os elementos pesados vieram a ser produzidos muito tardiamente no interior das estrelas.

As teorias de Lemaître e Gamov não se contradizem mas se complementam. Deixam por

definir o que exatamente havia para explodir. Mas é inegável que explodiu.

Pierre Teilhard de Chardin (1881-1955) discerne com muita propriedade o que

havia para explodir, sem o definir fisicamente, pois não era sua área de pesquisa. Estofo do

Universo: resíduo último das análises cada vez mais aprofundadas da Ciência94. Por sua

pluralidade o estofo aflora sob uma forma visível em tudo que pode ser visto ou percebido.

Pulverizada até sua última [primeva] componente, a Matéria revela ser detentora de uma

fundamental unidade: ela é extremamente igual a si mesma. Há nela uma unidade de

homogeneidade na sua origem e uma unidade coletiva na sua pluralidade. O que pode

especificar esse estofo de fundo é o que a Ciência chama de energia. Trata-se de uma

capacidade de ação, de interação.

Do ponto de vista energético, renovado pelos fenômenos de radioatividade os

corpúsculos materiais podem ser tratados como reservatórios provisórios de uma

potência concentrada. Jamais apreendida, de fato, no seu estado puro, mas sempre

mais ou menos granulada (até na luz!), a Energia representa atualmente para a Ciência

a forma mais primitiva do Estofo universal. [p.19].

A partir do termo de sua decomposição o Universo agüentar-se-ia pela parte de baixo,

base de seu existir: seu estofo. Porém, na sua realidade evolutiva, se as coisas se agüentam, é

unicamente à força de complexidade, pela parte de cima. Chardin discorre sobre a Matéria

Total: como tal o Estofo do Universo não se pode rasgar. Ele se integra como um Sistema, um

Totum e um Quantum: um Sistema pela sua Multiplicidade, – um Totum pela sua Unidade, –

um Quantum pela sua Energia. Todos três, aliás, no interior de um contorno ilimitado95. De

olhos no arcabouço delineado pelas Ciências, tocante à textura e tessitura do Universo, a visão

por ele proposta pode ser acolhida como uma síntese das teorias sobre o Universo.

94 CHARDIN, op.cit., p.15ss. A citação em destaque está na página 19. 95 Ibid., p.20.

75

A Matéria revela ser detentora de uma fundamental unidade, ser extremamente igual a

si mesma, há nela uma unidade de homogeneidade: assim a vê Chardin. Steven Weinberg

como que o confirma. Ele está falando do princípio cosmológico aplicado a velocidades,

distâncias e deslocamentos de galáxias, observado, aplicado para além dos deslocamentos de

Doppler. Ele diz: “[...] o universo parece notavelmente isotrópico; por outras palavras, parece

o mesmo em todas as direções. [...] pelo que, se o universo é isotrópico em torno de todos os

pontos, é também necessariamente homogêneo”96. Voltaremos a Chardin quando falarmos do

átomo e da molécula da Vida.

O físico entende o Universo de forma funcional. Efeitos são consequentes a causas. O

Universo atual é o efeito presente que aponta para causas inequívocas pela evidência de sinais

mensuráveis. Na concepção teológica a Criação é efeito consequente a uma causa: a Vontade

Criadora. Na Ciência o Universo é uma complexidade em série de causas e efeitos. Causa e

efeito: mais uma convergência de ensino entre Fé e Ciência, na qual não se pode vislumbrar

contradição alguma.

Um desses efeitos é a radiação cósmica de fundo. George Gamov, a seu modo, já a

havia previsto. Em 1965 os engenheiros da Bell Labs, Arno Allan Penzias (1933-) e Robert

Woodrov Wilson (1936-), descobriram a radiação cósmica de fundo – tida como uma das

mais espetaculares descobertas do século XX, vindo a alicerçar muita teoria então em curso –

ao tentarem eliminar uma fonte de ruído que perturbava a comunicação com o satélite Telstar,

sem se atinarem, num primeiro momento, com o alcance da descoberta. Paralelamente o físico

Philip James Edwin Peebles (1935-) e seu grupo trabalhavam sobre a radiação sugerida em

meados do século por Gamov, Ralph Asher Alpher (1921-) e Robert Herman (1919-2005).

Sabedor do trabalho de ambos os grupos de pesquisadores, o astrônomo Bernard F. Burke

(1928-), percebendo que os dois grupos haviam descoberto a tão procurada radiação cósmica

96 WEINBERG, op.cit., p.38.

76

de fundo, apresentou um ao outro aqueles grupos que, desde então, passaram a trabalhar

juntos no projeto, publicando em 1965 os resultados de suas pesquisas. Arno Penzias e

Robert Wilson se tornaram o Prêmio Nobel de Física 1978. O que interessa à dissertação é o

direcionamento que essa radiação imprime na compreensão do que está por trás do Universo

sensível. Ela aponta para momentos que precedem a atualidade do Universo. Ela leva a um

ontem cósmico. Georges Lemaître referiu-se à radiação cósmica de fundo, recém

descoberta, como “o brilho desaparecido da origem dos mundos”97.

Pelas projeções científicas a radiação cósmica de fundo deve ter sido gerada de 500

mil a 1 milhão de anos após o Big-Bang, momento a partir do qual a radiação pôde seguir

livremente desacoplada da matéria e sem encontrar obstáculos de partículas interagindo em

seu caminho. Foi a “Era da recombinação”, na qual a temperatura caíra para 2,7 graus

Kelvin98, algo acima do zero absoluto, permitindo o processo de fusão de partículas. Nessa

temperatura o espectro da radiação equivale à radiação teórica de um corpo idealmente

constituído para a emitir. A radiação, em sua maior intensidade, é medida em comprimento de

onda de 1mm, equivalente a 280 megahertz. A radiação cósmica de fundo, presente em

qualquer ponto do Universo, se manifesta pela variação de sua temperatura, mensurável pelo

efeito Doppler. Nós, seus observadores, estando “dentro da explosão”, estamos imersos nessa

radiação e por isso podemos detectá-la e medi-la. A descoberta da radiação cósmica de fundo

surgiu bem-vinda, como uma dádiva, um presente para a compreensão do Universo, pois,

além dele próprio, é a única coisa que temos de concreto para alicerçar uma Teoria de sua

origem. E é suficiente porque sustentada e complementada por outras descobertas científicas.

Efeito Doppler. Este é outro conceito da Física que se somou, na compreensão do

Universo, à teoria da inflação, pois possibilitou “enxergar” o afastamento globular das

97 BRODY, op.cit., p.214. 98 Kelvin, escala de medida térmica proposta por William Thompson (1824-1907), conhecido como Lord Kelvin. A conversão de temperatura entre as escalas Kelvin e Celsius é dada pela fórmula Tk = Tc + 273,15.

77

galáxias em sentido de expansão rumo a um finito inatingível, indeterminável.

Johan Christian Andreas Doppler (1803-1853), físico austríaco, estabeleceu a

variação sonora produzida por uma fonte quando esta se aproxima e se distancia do

observador. É o caso de uma sirene: por efeito da compressão de suas ondas umas contra as

outras na direção do observador, o som percebido torna-se cada vez mais intenso na

proporção direta de sua aproximação e vai se reduzindo na proporção inversa de seu

afastamento até silenciar-se. Por estarem comprimidas, as ondas de aproximação têm

comprimento de onda mais curto. Ao contrário, ao se afastarem, seus comprimentos de onda

se tornam mais longos. Desenha-se assim um “espectro” sonoro.

Aplicado à luz e à radiação cósmica de fundo, o efeito Doppler serviu à compreensão

da mudança de tonalidade no espectro “colorido” detectado em estrelas e galáxias. William

Huggins, astrônomo inglês (1824-1910) e Armand-Hippolite Louis Fizeau, físico francês

(1819-1896), ao medirem o espectro luminoso recebido na Terra, vindos de certos astros,

notaram que suas linhas espectrais se afastam para o vermelho, cujo comprimento de onda é

mais longo. Outros espectros se direcionam para o azul, de comprimento de onda mais curto.

Da mesma forma em que as ondas sonoras se manifestam em “espectros” de ondas mais

curtas e mais longas, as ondas luminosas se manifestam em espectros de frequência mais

baixa ou comprimento de onda mais longo. Pela semelhança com o efeito Doppler,

concluíram que os astros, cujos espectros luminosos se afastam para o vermelho, estão

igualmente se afastando em relação ao observador terrestre. Já em 1869 William Huggins

detectara que a estrela Sirius está se afastando a 32 km por segundo relativamente à Terra.

Tais conhecimentos alicerçaram a segunda descoberta de Edwin Powell Hubble

(astrônomo americano – 1889-1953). Para entender o alcance de suas descobertas é preciso

ter presente o que já se tinha como certo desde Galileu Galilei [italiano, um dos pais da

Astronomia moderna (1564-1642)] sobre a existência de galáxias, ou seja, de aglomerados de

78

estrelas, onde se julgava existirem apenas “nebulosas”. Em 1923, tendo a seu dispor os

potentes telescópios de Mount Wilson, Edwin Hubble fez a sua primeira espetacular

descoberta: Andrômeda não consistia apenas de gases, poeira cósmica e algumas novas.

Andrômeda é uma galáxia composta de bilhões de estrelas. Longe de se situar em nossa Via

Láctea, como se acreditava, dela dista aproximadamente dois milhões de anos-luz e tem uma

dimensão de duzentos mil anos-luz de diâmetro. O mundo científico ficou eletrizado. Hubble

acabava de desencadear uma revolução. Imediatamente após ele, desde 1925, astrônomos

descobriram que existem cerca de 100 bilhões de galáxias distintas no universo observável,

possuindo em média 100 bilhões de estrelas cada uma99. O Universo revelou-se muito mais

extenso de quanto se podia vislumbrar. A galáxia denominada de “4C41.17” dista da Terra

uns 15 bilhões de anos-luz. A maior (até agora) “Abell 2029” tem 60 vezes o tamanho da Via

Láctea, engloba mais de 100 trilhões de estrelas e seu diâmetro é de cerca de 6 milhões de

anos-luz. Estes números fantásticos dão uma pálida noção do tamanho do Universo.

Em 1927, Edwin Hubble, senhor dos conhecimentos da radiação cósmica de fundo¸

do efeito Doppler, do afastamento das galáxias entre si, pelo deslocamento do espectro

luminoso para o vermelho, descobriu e publicou que a recessão das galáxias aumenta na

proporção da distância relativamente à Terra. Ou seja: o Universo está em expansão. A

Astronomia registra esta como sendo a maior descoberta no século XX. Essa descoberta levou

à constante de Hubble:

A velocidade de recessão é igual à distância dividida por um fator temporal de

aproximadamente 15 bilhões de anos. Cada aglomerado de galáxias (mas não necessariamente

cada galáxia) está se distanciando rapidamente de cada um dos outros aglomerados de galáxias,

em velocidades que variam segundo a constante de Hubble, com as galáxias mais distantes

afastando-se a uma velocidade maior100.

A expansão do universo não significa que nova matéria e nova energia estejam sendo

99 HAWKING, op.cit., p.63. – BRODY, op.cit., p.190ss. 100 BRODY, op.cit., p.194.

79

“criadas”, mas que o espaço está se dilatando por força de uma vertente que o impele a

expandir-se em frente, cilindricamente (modelo einsteiniano de Universo), em todos sentidos

e direções, de forma globular e desenhando uma curva temporal, detectável e mensurável. Em

sentido contrário, a expansão aponta para seu princípio. Eis-nos chegados ao Big-Bang com

Gerorges Lemaître e à Teoria Inflacionária do Universo com Einstein e Hubble. Para

Lemaître a recessão das galáxias é a prova atual, visível, insofismável da explosão que

postulou; ele a postulou aplicando os dados da teoria geral da relatividade (Einstein) e

fundamentado-a na gravitação universal de Isaac Newton. Depois dele, George Gamov

refinou a teoria em termos químicos e, desde então, tem sido crescente o acervo de provas

favoráveis à Teoria do Big-Bang. Lemaître afirmou que os derivados – galáxias, estrelas,

planetas, Vida, elementos e até o tempo – não existiam porque o ovo-cósmico era pura

energia. Transcrevemos a seguir o texto em que Brody101 descreve a teoria de Lemaître:

O ovo cósmico estava sujeito à sua própria atração gravitacional; contraiu-se e comprimiu-se

cada vez mais, criando temperaturas cada vez mais elevadas à medida que se comprimia e

diminuía de volume. Naquele momento, todo o Universo era uma “semente” de energia. Em

algum momento, com uma temperatura elevadíssima no menor volume possível, ocorreu uma

tremenda explosão, e essa semente única de energia transformou-se em tudo o que existe.

Coube a Steven Weinberg (1933-), Nobel de Física em 1979, explicitar mais

substancialmente a teoria e complementá-la. Em The first three minutes descreveu o resultado

de seus estudos. Transcrevemo-lo em seguida102:

No início houve uma explosão [...] Cerca do primeiro centésimo de segundo [...] a temperatura

do universo era aproximadamente cem mil milhões (1011) de graus centígrados. Isto significa

muito mais calor do que o existente até mesmo no centro da estrela mais quente, tanto calor,

com efeito, que nenhum dos componentes da matéria vulgar, moléculas ou átomos, ou mesmo

o núcleo dos átomos, se poderia manter estável. Em vez disso, a matéria arrastada nessa

explosão era constituída por vários tipos das chamadas partículas elementares [...]. À medida

101 BRODY, op.cit., idem p.196. 102 WEINBERG, Steven, op.cit., pp.18-22. [BRODY, op.cit., cita esse texto na p.197]

80

que a explosão prosseguia, a temperatura baixava, atingindo os trinta mil milhões (3 x 1010)

de graus centígrados após cerca de um décimo de segundo [...] atingindo finalmente mil

milhões de graus ao fim dos três primeiros minutos. Estava então suficientemente frio para

que protões e neutrões pudessem associar-se na formação de núcleos complexos, a começar

pelos núcleos de hidrogênio pesado (ou deutério), constituídos por um protão e um neutrão. A

densidade era ainda suficientemente alta [...] para que esses núcleos pudessem reunir-se

rapidamente na formação do mais estável dos núcleos leves, o do hélio, constituído por dois

protões e dois neutrões. Ao fim dos primeiros três minutos, o conteúdo do universo

apresentava-se principalmente sob a forma de luz, de neutrinos e de antineutrinos. [...]

Esta matéria, continuando a ser dispersada pela expansão do universo, foi-se tornando cada vez

mais fria e menos densa. Muito mais tarde, após algumas centenas de milhares de anos, tornar-

se-ia suficientemente fria para que eletrões se juntassem aos núcleos, para formar átomos de

hidrogênio e hélio. [...]

Partículas elementares: o Estofo do Universo se complexificava103. A essa altura, os

conhecimentos sobre partículas sub-atômicas, átomos, elementos da tabela periódica,

moléculas e outros que tais da Física estavam assaz aprofundados e confirmados

cientificamente. A Inteligência da Matéria (vale dizer, da energia, a própria energia) era cabal.

Disto nos ocuparemos na dissertação sobre o surgimento da Vida (pp.99-128).

4 – TEORIA INFLACIONÁRIA DO UNIVERSO104

Para compreendê-la temos que ter presente que se trata da métrica espacial do

Universo. Retomamos parte do que já foi dito acima. Expansão do Universo implica em que é

o espaço que está se expandindo. Não que se esteja produzindo mais massa e energia. Mas

que toda massa e energia constituinte do Universo está se expandindo. Teoria da relatividade

especial, teoria geral da relatividade, teoria da relatividade restrita. Com elas Einstein

103 Complexificar: linguagem chardiniana; o Dic. Aurélio registra “complexar”, verbete que não satisfaz. 104 GRIBBIN, op.cit., pp.3-17. HAWKING, op.cit., pp.61-83. WEINBERG, op.cit., pp.25-39.

81

construiu equações das leis observadas no eletromagnetismo e unificou várias dessas leis,

desenvolveu as demonstrações de Hermann Minkovski (1864-1909) sobre o espaço curvo. A

partir de suas equações sobre o espaço-tempo, Einstein deduziu corretamente que o Universo

estava expandindo seu espaço. Surpreso, não acreditou na própria conclusão e introduziu sua

constante cosmológica que, segundo ele, confirmaria que o espaço é estacionário. Mas, como

vimos (p.70 supra), em 1917 Willem de Sitter demonstrou que a constante cosmológica

permitiria um Universo em expansão mesmo se ele não contivesse qualquer matéria. Em 1927

Edwin Hubble entra em ação e demonstra o processo de recessão em que se encontram as

galáxias pelo afastamento contínuo umas das outras, aplicando assim [sem o querer] um golpe

de misericórdia na retratação precipitada de Einstein. Este cedeu e retornou à evidência que

sua teoria original lhe havia “revelado”: o Universo está se expandindo, “criando”, por assim

dizer, mais espaço. Do cenário que se tem hoje, o universo teria surgido de um "espaço-zero",

onde, virtualmente não se distinguiriam dois pontos. A expansão do Universo nos leva a

considerar o tamanho do Universo.

5 – TAMANHO DO UNIVERSO

Finito? Infinito? Nada contradiz a idéia de que possa ser infinito, ao menos do ponto

de vista do estabelecimento de seus possíveis limites, pois estes, se existem, estão muito além

do que os mais potentes telescópios podem alcançar. O afastamento das galáxias em um

Universo inflacionário estende sempre para mais adiante seus limites virtuais. A expansão é

um aumento da escala de distâncias e não um processo de “ejecção” de matéria, como vimos

no tópico anterior. A velocidade de afastamento vai aumentando indefinidamente com a

distância, até chegar ao ponto em que se aproxima da velocidade da luz. Dessa feita não mais

poderemos ver o que se passa além desse ponto, e enxergar o fim do Universo, aquilatando o

seu tamanho. Se o espaço, ou o Universo, é infinito ou não, não o sabemos [cientificamente],

82

pois não conseguimos discernir seus limites. Uma coisa é certa: o Universo possui uma

dimensão espacial tendente ao infinito, infinito que não é o além de si, pois, além do Universo

coisa alguma existe, nem mesmo o espaço, que é “criação” do próprio Universo em expansão.

Para efeitos e cálculos matemáticos da Física e da Cosmologia o Universo é considerado

infinito. A definição matemática de infinito é: desde que se alcance um ponto do espaço,

qualquer que seja, sempre se encontrará um ponto mais distante, num contínuo não esgotar-se

de espaços mais adiante. No entanto, nossas observações chegam até um ponto “x” além do

qual qualquer ponto é inalcançável. Nesse sentido podemos dizer que o espaço é infinito e

jamais teremos condições de conferir se é verdade ou não, já que seu virtual fim está além do

observável. Daí a dimensão ao infinito do Universo. Adiante, no final da secção em que

tratamos da Matéria, ao vermos desenhada uma projeção visual do átomo, poderemos

imaginá-la projetada às vastidões infinitas do Universo... 105

A segunda lei da termodinâmica sugere que a Natureza nunca "retorna", ela segue em

frente. Daí que não se descortina fundamento para embasar hipóteses que prognosticam um

big-crunch, o encolhimento do tamanho do Universo, por exaustão de sua entropia. Há,

mesmo, quem sustente que o tempo seria determinado por essa lei (da termodinâmica). Daqui

partimos para considerar a idade do Universo.

6 – IDADE DO UNIVERSO106

Em termos absolutos não se pode afirmar que o Universo seja eterno, já que a

contagem de “seu tempo” tem início no seu ponto de origem, o instante do Big-Bang. Teve

um começo, logo, não é eterno. Se existiu anteriormente à explosão é impossível de se

demonstrar, malgrado hipóteses tentem essa abordagem. Mas, que está em expansão

105 Tamanho e Idade do Universo: É para se ficar maravilhado com a grandeza de nosso Deus ... se grandiosa e imensa é sua obra, quão imponente é Ele próprio! 106 GRIBBIN, op.cit., pp.3-17. Quanto a 15 bilhões de anos, p.13, 16. HAWKING, op.cit., pp.17-60. Quanto a 15 bilhões de anos, pp. 27, 76. WEINBERG, op.cit., pp.25-59.Quanto a 15 bilhões de anos, pp.43, 59.

83

acelerada, é constatável, e esta expansão é mensurável em termos de tempo, permitindo sua

determinação. O Universo se descreve desde um t=0, inatingível por inalcançável, tanto

quanto um hipotético “antes” de t=0, o que implicaria em inegável contradição, pois sua

contagem regressiva implicaria num tempo “vindo” do a perder de vista, e, por isso mesmo,

Tempo ... que nunca chegaria ao nosso hoje. O Universo teve um início e isto bate com o

conceito que a Fé tem de sua existência: “No princípio Deus criou o céu e a terra”. Temos aí,

inequivocamente, mais uma convergência de ensinos entre a Teologia e a Ciência, no qual

não se pode vislumbrar nenhuma contradição mútua.

Segundo os alcances da Física não podemos “ver” para trás de um milhão de anos

após o Big-Bang, a chamada Era da Recombinação. É dessa época que data a radiação

cósmica de fundo. Para trás dela a história do Universo só pode ser deduzida, precisamente

sim, pela “certeza” científica garantida pelas projeções da Física e da Cosmologia, que

trabalham as evidências astrofísicas pelas equações deduzidas da Teoria da Relatividade

Geral de Einstein e de outras constantes que se lêem nas leis que regem o Universo.

Assim, a idade do Universo é estimada a partir da lei dos afastamentos das galáxias, a

constante de Hubble. Essa lei encontrou suporte no trabalho do físico Alexander Friedmann,

que a demonstrou teoricamente correta, através das equações propostas na Teoria da

Relatividade Geral. Tomando por base a velocidade da luz, 300.000 km/s, estabelece-se uma

relação direta entre a velocidade de afastamento das galáxias e o tempo que leva para sua luz

chegar até nós aqui na Terra. Equacionando esses dados em relação aos quasares (os mais

afastados objetos conhecidos) projeta-se a idade estimada do Universo. Os valores podem

variar em até 50%. A precisão que temos para determinar a idade do universo fica entre 10 e

20 bilhões de anos, adotando-se a intermediária de 15 bilhões, sendo esta cifra a mais aceita

atualmente. Anos terrestres, é a nossa medida de tempo, assim como quilômetros terrestres é

84

nossa medida de distâncias107.

Quando observamos o universo em suas profundidades, estamos observando o tempo

que a luz dos astros leva para chegar até nós. Quanto maior a distância mais tempo decorrerá

para que a luz chegue até nós. Viajando a luz pelo espaço à velocidade de 300.000 km/s, sua

velocidade permite calcular as distâncias e, por elas, não somente o tamanho do Universo,

mas também sua idade. A idade é medida em tempo decorrido. O uso comum que fazemos do

tempo facilita nossa compreensão de seu processo no que respeita ao Cosmo.

As dimensões do espaço são as três dimensões clássicas (largura, comprimento e

altura) mais o tempo, dimensão imensurável em si mesma, mas estimável em sua relação com

o espaço. Daí o conceito do tempo como integrante do sistema espaço-tempo. Inacessível

como as coisas, por suas dimensões clássicas, o tempo só pode ser “contado”. Sua analogia

cósmica se prende à prática terrestre de contar nossos minutos, horas, dias, luas, semanas,

meses, anos, rotações planetárias e translações orbitárias. Nossa contagem de tempo é então

projetada para compor a projeção da Idade do Universo utilizando-se dos recursos da Física e

da Matemática: velocidade da luz, radiação cósmica de fundo, recessão das galáxias,

equações. Telescópios, microscópios, Matemática, e outros recursos da Física, trabalhados

pela Razão, e pois, nessas poderosas ferramentas, para projetar e alicerçar as conclusões da

Ciência cosmológica. Tamanho e Idade do Universo são algumas dessas conclusões.

Em resumo, diz a Ciência, o Universo não é eterno, mas tem uma idade estimável em

15 bilhões de anos terrestres. Entre dez e vinte bilhões se admite. Sua cronologia se reporta

mais ao seu começo que à sua origem propriamente dita108. Sua origem está antes de t=0 e seu

começo parte de t=0. A distinção entre origem e começo é fundamental para afastar querelas

inúteis ao diálogo. Aquela está antes de qualquer mensurabilidade. Esta se revela contável,

107 A unidade astronômica utilizada para mensurar grandes distâncias, o parsec – equivalente a 3,26 anos-luz – toma como referência duas medidas terrestres: o tempo igual a um ano (365 dias) e a distância em quilômetros (300.000 km) percorrida pelo feixe luminoso em 1 segundo. 1 parsec = 30.842.208.000.000 de km. 108 A propósito do tempo Jacques Arnould desenvolve abalizadas considerações em A teologia depois de Darwin. São Paulo: Loyola, 2001, p.76-80.

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mensurável tão somente após e desde a singularidade do evento. Avaliar a Idade é processo

que perpassa a Cronologia da coisa avaliada desenhando-a na curva do espaço-tempo. É

percorrer a História do Tempo109. A Idade do Universo é fundamental para se compreender a

formação dos elementos que o compõem e, com eles, fundamentar a compreensão do

surgimento da Vida. Daqui partimos para entender em que consiste a matéria que compõe o

Universo.

7 – MATÉRIA E ENERGIA, PARTÍCULAS SUB-ATÔMICAS,

ÁTOMOS E MOLÉCULAS

Estofo do Universo, já o disse Chardin. Matéria e energia, partículas sub-atômicas,

átomos e moléculas despontam como corolários da teoria que a tudo embasa: “o que”

explodiu no Big-Bang. As abordagens ao estado originário da “coisa” explodida conduzem a

uma visão de algo informe, indefinido, nada pronto e acabado, se ali queremos ver algo do

que conhecemos. “Ora, a terra estava vazia e vaga, as trevas cobriam o abismo, e um vento de

Deus pairava sobre as águas”. A situação sugere aquela descrita em Gn 1,2 sobre a qual

muitos teólogos e110 exegetas tecem abordagens em termos de “caos”, sem, contudo, se

aproximarem dos conceitos de caos e acaso na acepção que as Ciências os tomam. A sugestão

do texto bíblico e do “ovo cósmico” explodido é a de um caldo, um “cozinhado” cósmico que

se foi organizando, ou passando por transformações, na medida em que a temperatura

baixava. Não de qualquer jeito. O Texto bíblico garante que “um vento de Deus pairava sobre

109 Tomando da Matemática a analogia dos números infinitos – do ponto “0” de partida comum a duas direções diametralmente opostas, em escalas de números crescentes para o negativo e para o positivo (“do infinito a”... -3, -2, -1, -0+, +1, +2, +3 ... “ao infinito”) – poderíamos (podemos?) dizer que “antes de t=0” está “o não-ser” “potencial a ser”* na Intenção do Criador. E nós podemos constatar o “ser” a partir de t=0, ou seja, constante do universo de números positivos, enquanto o seu “não-ser”, sua inexistência [não é o mesmo que o “nada”], não é detectável porque não posto a uma existência real. Do Deus-Infinito parte a Decisão de “um existir tendente ao infinito” – vem do infinito e tende ao infinito – * GANOCZY, op. cit., na p.53 menciona a posição de Paul Charles William Davies (1946-) e de John Archibald Wheeler (1911-2008) quanto a um princípio “que coloca o universo no estado de ... passar a existir”, e ainda de Davies quanto à “força que estava por trás da criação” e que precisa ser situada “além da explosão originária” – além, quer dizer, antes da explosão, e não depois. 110 Entre eles: KRAUSS & KÜCHLER, op.cit., p.21, 24, etc. ARANA, op.cit., p.27, 30, etc. SUSIN, op.cit., p.57, 58, etc. Susin fala de um caos generativo.

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as águas”, sobre o caldo. Organizava-o, e produzia a Matéria. Ilya Prigogine (1917-2003),

apõe aí a visão do Físico:

[...], o big-bang indica-nos que existe um instante particular em que a matéria, tal como a

conhecemos, surgiu do vácuo quântico. Sempre pensamos que este fosse o fenômeno

irreversível por excelência e procuramos analisá-lo em termos de instabilidade: o universo

forma um todo uno, e a existência de uma única seta do tempo tem uma origem

cosmológica.111

O físico Steven Weinberg, ao escrever sobre o que teria acontecido nos três primeiros

minutos112 após aquele Big-Bang, descreve de modo claro a ocorrência de fatores causais de

alterações naquela coisa que explodiu. Temperatura e interações sem conta sugerindo uma

situação de caos e acaso – dois conceitos que fazem história há milênios. A Biologia, de certa

forma, adotou o acaso, a partir da publicação da obra de Jacques Lucien Monod113 (1910-

1976), para o surgimento da Vida. A Física e a Matemática (que o toma como um dado

aleatório num universo de probabilidades) acolhem o acaso como uma componente das leis

da natureza e é sob sua égide que ele é considerado. O Nobel em Química, Manfred Eigen,

(1927-), não adota o absolutismo do acaso conforme a estrita concepção de Monod. Para

Eigen “A mutação do acaso está sujeita a um processo seletivo, e esse de modo algum toma

uma decisão arbitrária” e “Leis naturais dirigem o acaso”114. Para os físicos, entre eles se

sobressai outro Nobel de Química, Ilya Prigogine, o acaso está sujeito a leis da natureza que

regulam o caos, e ele próprio tem suas leis115. Tanto um conceito como outro (acaso e caos)

devem ser entendidos de modo pontual, como os estabelecem a Física e a Química após

fundamentações que levam em conta o devir, fatores de não-equilíbrio, de instabilidade, de

irreversibilidade, princípio da incerteza, probabilidades e eventos, paradoxo do tempo, etc., 111 PRIGOGINE, Ilya. As leis do caos. São Paulo: UNESP, 2000. p.83. 112 WEINBERG, op.cit., pp.20-22 e 118-130. 113 MONOD, O acaso e a necessidade. Petrópolis: Vozes, 1971. 114 Citado in GANOCZY, op.cit., p.84. 115 PRIGOGINE, op.cit., p.11-16. Na p.15 ele diz: “A ciência moderna baseia-se, pois, na noção de ‘leis da natureza’.” Ele expõe os mesmos conceitos em duas outras obras suas: O fim das certezas. São Paulo: UNESP, 1996. E O nascimento do tempo. Lisboa-Portugal: Edições 70, 2008.

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nos domínios quânticos, macroscópicos, cosmológicos. Segundo Ilya Prigogine, não fossem

os “sistemas caóticos”, até mesmo a Vida não teria existido. Quanto mais instável, mais ativo,

tanto mais criativo é o caos. As Ciências não estão prontas para responderem a todas e

quaisquer perguntas. Sempre se debaterá diante de “Dados insuficientes para uma

resposta”116. Mas elas prosseguem esquadrinhando o vento de Deus que ainda paira sobre as

águas. O caos das Ciências é generativo, sua compreensão se insere no que elas chamam de

sistemas caóticos; logo, nele, os eventos são produtos de interações, para cuja interpretação

nem sempre se tem suficiência de dados. A esse propósito é enriquecedor ouvirmos Karl

Raimund Popper (1902-1994) falando de “O problema fundamental da teoria do acaso”117,

de cuja obra colhemos as seguintes passagens:

A mais importante aplicação da teoria das probabilidades é a que se faz na área dos eventos ou

ocorrências que poderíamos denominar “casualóides” ou “aleatórios”. Estes parecem

caracterizar-se por uma peculiar espécie de impossibilidade de cálculo que dispõe a acreditar –

após muitas tentativas infrutíferas – que todos os métodos racionais e conhecidos de predição

hão de falhar nesses casos. [...] Não obstante, é exatamente essa impossibilidade de cálculo que

nos leva a concluir que o cálculo de probabilidades pode ser aplicado a esses eventos [p.165]. –

O aparente paradoxo de um argumento que leva da imprevisibilidade para a previsibilidade, ou

da ignorância para o conhecimento, desaparece quando nos damos conta de que o pressuposto

de irregularidade pode assumir a forma de uma hipótese de frequência (a de liberdade em

relação a efeitos ulteriores) e deve ser posto nessa forma, se desejarmos mostrar a validade

desse argumento [p.207] . – O que registrei equivale a dizer que minha maneira de ver torna

subjetivo o conceito de acaso. Falo em “acaso” quando nosso conhecimento não basta para

formular previsões, tal como no caso dos dados, quando falamos de “acaso” por não dispormos

de conhecimento das condições iniciais [p.226].

O que colhemos de Karl Popper é suficiente para vermos em que exatas contas as

Ciências têm o acaso. Na mesma obra [p.165] Popper cita Waismann: “Não há outra razão

116 PRIGOGINE, As leis... op.cit., p.21. 117 POPPER, Karl Raimund. A lógica da pesquisa científica. São Paulo,: Cultrix, 2007. pp.165.207.226.

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para introduzir o conceito de probabilidade senão a insuficiência de nosso conhecimento”. A

conceituação, pois, de acaso e caos, científica, não afeta substancialmente o diálogo com a

Teologia, e nem tem ela o que temer por conta do acaso. Ganoczy, citando Walter Kern:

“Justamente o cristão tampouco precisa polemizar contra o acaso. Tem o privilégio e a

obrigação de vê-lo abarcado pela vontade providencial de Deus”118. Mesmo porque, no

horizonte da Criação, de que parâmetros lançaria mão a Teologia para pontuar, a priori, que

leis, que princípios generativos o Criador impôs à sua Criatura? A abordagem teológica do

caos e do acaso científicos devem, pois, se fazer, tendo em vista a hermenêutica e a

epistemologia em que são considerados pela Ciência mesma119.

Recapitulando a História. A busca de dados para compreender o Mundo físico já tem

uma história multimilenar. O princípio do conhecimento [Ocidental] da matéria dista de nós

por perto de dois milênios e meio ou mais, quando Anaxágoras, Leucipo, Demócrito, e

depois Aristóteles desenvolveram as primeiras considerações em torno do que mais tarde

seria tido como o átomo, constituinte básico de toda a matéria. É lícito lembrar que aqueles

pensadores, e tantos outros que lhes sucederam, não eram “cientistas”; quando muito,

naturalistas, filósofos da Natureza. A eles se deve, no entanto, a estruturação da máquina

pensante e o ordenamento dos conhecimentos. Desde então uma plêiade de pesquisadores foi,

lentamente, desvendando os mistérios da matéria escondidos no átomo.

Aquela energia pura, explodida a trilhões de graus, milhões de bilhões de graus

Celsius, tornando-se inflacionária, foi perdendo calor na medida em que se afastava de seu

epicentro. Seu arrefecimento levou-a a adensar-se em pontos distintos, variados e múltiplos

do espaço que já ocupava, em todos os sentidos e direções, em incontáveis trilhões de trilhões

de “porções”, de proporções micro-pico-nano infinitesimais. Pequenas demais para nossa

percepção. Isto passou a acontecer após os três minutos iniciais pós Big-Bang, segundo

118 GANOCZY, op.cit., p.89. 119 LESTIENNE, Remy. O acaso criador. São Paulo: Edusp, 2008. Obra fundamental para se entender o acaso.

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ensina Steven Weinberg120, quando a temperatura caíra para um, apenas um trilhão de graus,

suficiente para permitir que prótons e nêutrons começassem a se formar. Tais porções não

tinham como não interagir entre si. Choques e entrechoques de porções. É o que notamos na

Natureza à nossa volta. Tudo interage e mutuamente se influencia. Assim no micro, como

macro, dizemos nós. A compreensão que temos do sistema solar podemos ler no “sistema”

atômico e vice-versa. Astros capturados por uma estrela, elétrons capturados por um núcleo.

Reina aqui, gloriosa, a equação em que Einstein demonstra que energia e massa são

manifestações da mesma realidade, são reversíveis entre si segundo a fórmula de inaudita

simplicidade: E=mc2. O adensamento da energia fazendo-a massa, matéria, carrega-a de

compressão para um dentro – [tal como, na origem, no seu todo, contraiu-se e comprimiu-se

ocupando o menor espaço possível até que explodiu para “fora” de si] – gerando gravitação

para seu interior, configurando-lhe individualidade, identidade. A matéria atrai

gravitacionalmente a si mesma formando esferas121, que se revelam a forma mais adequada de

compactação, tudo puxado para um epicentro. Este processo acontece aos turbilhões, a

inimagináveis turbilhões, dadas as proporções igualmente inimagináveis de seu

encadeamento. “Nasce” a partícula cósmica. Não num determinado ponto exclusivo do

Universo, mas em inimagináveis “ene-lhões” de pontos por todo o Universo de então. O

estofo energético de Chardin passou a se organizar. Interações de partículas aos trilhões de

trilhões de trilhões de trilhões de vezes e muito mais passaram a dominar o cenário que se

fazia “cósmico” (organizado) cada vez mais.

Segundo Steven Weinberg o primeiro elemento da tabela periódica tinha que ser

composto de um núcleo leve com apenas um próton e um nêutron, o núcleo de hidrogênio,

que atualmente cobre 74% do Universo conhecido. Suas interações levaram a um composto

igualmente leve, de dois prótons e dois nêutrons, o hélio, que cobre outros 25% do Universo.

120 WEINBERG, op. cit., pp.20-22. 121 BRODY, op.cit., idem, p.200.

90

As interações desses dois elementos levaram à formação dos demais elementos conhecidos da

tabela periódica que, na sua totalidade perfazem um irrisório 1% de todo o Universo. A

formação dos elementos se compreende e se explica pelas sucessivas interações e fusões de

átomos de hidrogênio e de hélio entre si no interior de estrelas e de planetas122.

Era o ano de 1895, 8 de novembro. Com o alemão Wilhelm Conrad Röntgen (1845-

1923) nascia a física nuclear. “Nascia” o conhecimento dos raios X, radiação capaz de

sensibilizar chapas fotográficas. Seus experimentos levaram à descoberta da radiação e de

partículas nunca antes imaginadas. Röntgen foi o primeiro a receber o Nobel de Física. Seus

experimentos levaram Antoine Henri Becquerel (1852-1908) a desenvolver novos

experimentos, e Joseph John Thompson (1856-1940) descobriu que a radiação X era

produzida pelo que ele chamou de corpúsculos. Estava descoberto o que mais tarde seria

batizado de elétron. Esta descoberta revolucionou a compreensão do átomo. Ele é como um

sistema solar-planetário com elétrons gravitando em torno de um núcleo. A descoberta levou

ao entendimento de como nascem as moléculas. Elétrons periféricos, denominados “elétrons

de valência”, são capturados por núcleos de átomos contíguos e estabelecem a ligação entre

ambos núcleos, ou fazem a coesão de dois, três ou mais átomos. Estava explicada a água, o

sal, e todas as outras substâncias. Não são elementos, são complexos de elementos. A energia

tinha se complexificado um pouco mais. Entrava em gestação a futura compreensão da base

da futura genética.

Que os átomos se compõem por mútuas interações de partículas sub-atômicas se

comprova pela “criação”, em laboratório, de elementos transurânicos, que não se sustêm, são

instáveis e se degradam em elementos de menor peso atômico, dadas as condições ambientais

de nosso Planeta. São radiativos como o netúnio, plutônio, amerício, cúrio, berquélio,

califórnio, einstéinio, fórmio, mendelévio, nobélio e o laurêncio. Talvez em outros astros

122 WEINBERG, op.cit., pp.21-22, 145-146,

91

possam ter “existência” mais duradoura. Essas experiências comprovam a veracidade da

teoria. Sub-partículas interagindo, bombardeiam-se e se capturam mutuamente formando

átomos. Átomos interagindo se capturaram mutuamente formando moléculas, aglomerados de

átomos, sugerindo semelhanças com sistemas galácticos onde estrelas interagem com estrelas

ao modo de átomos cósmicos. Adensamento e sucessão de colisões, interações sem conta,

levaram à formação de estrelas e planetas. Todo o Universo está composto de matéria e

energia, tudo provindo do pós Big-Bang.

Aqui voltamos a recapitular Chardin e ter presente a síntese que ele desenvolve sobre

adensamento e complexificação do estofo do Universo. A Matéria tem um fora e um dentro.

Ela é vista por seu fora, mas “se vê” por seu dentro, e, se analisada dissociada dessas suas

dimensões, conduz a uma distorção na sua compreensão. Presta-se à unilateralidade de sua

visão. A Ciência nos informa que a matéria é granular, o seu “fora” é perceptível. Chardin

ensina que “co-extensivo ao Fora das Coisas, existe um Dentro das Coisas123. O seu dentro

lhe dá identidade, como que lhe dá uma espécie de consciência; esta atua, pode atuar, é a

manifestação de seu existir. O seu fora lhe dá inserção no e interação no ambiente em que se

encontra. Aqui já estamos falando do átomo (e de suas partículas). Essas dimensões (dentro e

fora) são inerentes a cada partícula, a cada átomo. Na molécula, identidades em conjunto,

somadas umas às outras, adquirem como que uma nova “personalidade” e se manifestam de

modo ampliado, mais idêntico, mais consistente e “mais consciente”. Esta compreensão torna-

se básica para entender como da matéria pôde brotar a Vida. De tal forma, diz Chardin, que a

evolução do Universo tinha por programa “criar” Vida: “À sua maneira, a Matéria obedece,

desde a origem, à grande lei biológica (a que constantemente nos referiremos), de

complexificação”124. Teorias à parte, a Vida segue os esquemas básicos da Matéria.

Laboriosamente, de degrau em degrau, os edifícios atômicos e moleculares complicam-se e

123 CHARDIN, op.cit., p.36. 124 Ibid., p.26.

92

elevam-se125. Chardin analisa as oposições que fazem entre si materialistas e espiritualistas,

cada lado vendo e ensinando ao outro apenas a metade do problema, porque se batem em dois

planos diferentes na análise do mesmo fenômeno sob perspectivas diferentes. Materialistas

trabalham exclusivamente com as ações exteriores das coisas (o seu “fora”); os espiritualistas

insistem em apenas o “dentro” das coisas. Ora, “As coisas têm o seu interior, o seu ‘quanto a

si’ [...] E este apresenta-se em relações definidas, quer qualitativas, quer quantitativas, com os

desenvolvimentos que a Ciência reconhece na Energia Cósmica”126.

O Dentro das coisas. Bem o disse Chardin. A partir de Wilhelm Röntgen a Ciência

começou a enxergar o interior do átomo. Não era ainda o Dentro. Por volta de 1897 Marie

Curie (Maria Sklodowska, 1867-1934) anunciou que a radiação do urânio provinha de seu

interior. Diferente dos raios X, que são produzidos por uma fonte externa de fluxo de elétrons,

a radiação brotava da matéria radiante, seus raios faziam parte da Matéria [a matéria

pesquisada era o cristal de urânio]. Ela e seu marido Pierre Curie (1859-1906) aumentaram a

lista de elementos da tabela periódica pela descoberta do polônio e do rádio. O caminho para

o Dentro prosseguia. Coube ao neozelandês Ernest Rutherford (1871-1937) iniciar a

descrição moderna do átomo. A estrutura do átomo era até então explicada de uma maneira

pouco convincente. A cultura em torno do átomo era ainda incipiente.

Em 1904 o japonês Hantaro Nagaoka (1865-1950) aventou que os elétrons orbitavam

em torno do núcleo ao modo dos anéis de Saturno. As pesquisas passaram a centrar-se em

partículas subatômicas. Um passo adiante Rutherford já podia descrever o átomo como “uma

carga elétrica central [referindo-se ao núcleo] concentrada em um ponto com uma distribuição

esférica uniforme de eletricidade oposta” [referindo-se aos elétrons]127. Foi ele quem explicou

que as partículas alfa eram núcleos de hélio expelidos a 16 mil km/s de dentro de átomos

radiativos em decomposição. Niels Henrik David Bohr (1885-1962), dinamarquês, passou a 125 CHARDIN, op.cit., p.30. 126 Ibid., p.33. 127 BRODY, op.cit., p.109.

93

trabalhar com Ernest Rutherford e encamparam os ensinos de Planck e Einstein sobre as

quanta de energia, quantidades descontínuas de energia da luz.

Niels Bohr resolveu pesquisar se a quantização seria propriedade de toda energia. Isto

poderia explicar a instabilidade do átomo notada por Rutherford. Ele se propôs a tarefa:

“Quantidades fixas de energia poderiam estar relacionadas a órbitas fixas de elétrons em torno

do núcleo?”128. Inspirado pela fórmula desenvolvida pelo suíço Joseph Balmer (1825-1898)

– que fornecia a frequência da luz emitida por átomos – Bohr percebeu que sua combinação

com os quanta de Planck/Einstein propiciaria a descrição do comportamento dos elétrons

orbitando o núcleo. Aplicando a fórmula de Balmer aos quanta de energia, Bohr demonstrou

que “Os elétrons devem existir em disposições fixas, como satélites orbitando em volta do

globo a distâncias específicas deste. Um elétron que salta de uma órbita para outra acarreta

um aumento ou uma liberação de um quantum de energia”129. Chegávamos ao átomo de

Rutherford-Bohr, átomo que teve antecessores. Entre eles, já em princípios do século XIX, os

italianos Lorenzo Romano Amedeo Carlo Avogadro (1776-1856) e Stanislao Canizzaro

(1826-1910), desenvolvendo a teoria atômica do inglês John Dalton (1766-1844), calcularam

que os átomos se ligam a outros mediante firmes uniões: “As partículas elementares não são

necessariamente átomos, mas podem ser grupos de átomos unidos para formar moléculas”130.

Em decorrência do trabalho de ambos a Química alcançou foro de verdadeira Ciência.

Coube a Rutherford-Bohr explicar como ocorrem aquelas “firmes uniões”. Já se tinha como

certo que o átomo é como um sistema planetário, com elétrons orbitando um núcleo, em

órbitas como camadas que se sobrepõem. O modelo de átomo de Rutherford-Bohr localiza,

na periferia de átomo que se une a outro, formando molécula, elétrons solteiros (sem par) que

passam a orbitar o próprio átomo de origem e um outro, fazendo a “firme união” entre os dois

núcleos. O exemplo mais simples é o da água, substância constituída de dois átomos de 128 BRODY, op.cit., p.111. 129 Ibid., p.111. 130 Ibid., p.93.

94

hidrogênio e um de oxigênio, a famosa fórmula H2O. Moléculas mais complexas são

constituídas da firme união de mais átomos. Naquele momento faltava ainda descobrir o que

fazia coeso o núcleo, que forças o mantinham estável. Essa força veio se revelar assombrosa

quando de sua liberação na explosão da primeira bomba atômica. Hiroshima e Nagasaki

padeceram dos efeitos da liberação dessa força.

Caminhávamos para o Dentro das coisas. Lá, onde a Vida se manifesta. A incrível

molécula da Vida, o DNA, tem perto de apenas alguns bilhões de átomos, verdadeira galáxia

de átomos. Somos muito parecidos com o Universo – ou é ele que se parece muito conosco?

Assim no micro como no macro repetimos nós. O desenho de um átomo, ampliado o bastante

para visualizarmos sua estrutura “cósmica”, nos mostraria um sistema “planetário” cujo sol [o

núcleo], seria do tamanho de um ponto final (“.”), rodeado por um turbilhão de planetas [os

elétrons] girando à sua volta à incrível velocidade de 3.200 km/s, a uma distância de 23

metros do núcleo! O descomunal vazio dentro do sistema atômico aponta para (ou encontra

no) espaço interplanetário, interestelar, intergaláctico, a correspondência proporcional de suas

dimensões. O cosmo se parece a um imenso vazio pontilhado de unidades cósmicas (galáxias,

estrelas, planetas, satélites, cometas, meteoritos), distanciadas entre si por unidades que se

medem em anos luz. O espaço é muito mais “volumoso” [vazio?] do que tudo o que ele

contém. Dessa forma, pela analogia, pode-se projetar, no conhecimento do cosmo, o

conhecimento da unidade da matéria, e vice-versa, o conhecimento do cosmo pode iluminar o

conhecimento da unidade constituinte da matéria. Podemos dizer que o conhecimento do

átomo desencadeou a arrancada que levou a Ciência a ler com mais clareza a constituição do

Universo e a constituição da Vida. Todos viemos do Big-Bang. Tem sido uma longa

caminhada. A Cultura científica ficou suficientemente madura, emancipada, desvencilhada de

teorias não assentadas no diretamente observável, constatável, mensurável; enfim, no

diretamente racionável. As fases da Astrologia (pré copernicano-galileana) e da Alquimia,

95

juntamente com a da Mitologia, estão sepultadas ad perpetuam rei memoriam [embora seja

inegável o contributo que deram à evolução do saber].

8 – MAS, QUAL A ORIGEM DO OVO CÓSMICO?

QUE IMPLICAÇÕES DECORREM DE SEU PRESSUPOSTO?

O desenvolvimento sobre a Matéria (item anterior) como que fecha o tema da eclosão

do Universo e de seus componentes, e lança, inevitavelmente, uma pergunta não respondida

mas que flutua inquiridora: sua Origem. Apesar de toda crença desde Aristóteles que afirma,

como ele, que o Universo sempre existiu, a Ciência pondera com gravidade, fazendo coro

com a Fé. O Universo em constante devir não pode ter-se feito a si mesmo. Tem que ter

surgido nalgum tempo finito. Que causa primeira justifica a existência de um ovo-cósmico, de

um super-átomo primordial? O que, ou quem, o criou, o fez existente? O monobloco que

perfaz a Teoria do Universo se fundamenta na Física cujas leis são lidas no próprio Universo

e desenham um fio condutor para apreendê-lo. Queremos terminar esta parte da dissertação

transcrevendo trechos significativos do livro de BRODY:

Apesar da crença de Aristóteles de que o universo sempre existiu, em nosso conhecimento e

em nossa experiência sobre o Universo não existe nenhum fenômeno físico provando que

energia e matéria podem surgir espontaneamente. [...] As implicações dessas questões são

imensas. [...] Há quem postule que a causa do ovo cósmico ou o próprio ovo cósmico foi um

ser supremo ou outra força sobrenatural. [...] Porém, supondo o significado usual de causa

e efeito, poderíamos facilmente concluir que tal força sobrenatural tem de ter criado o

“material” que compôs o ovo cósmico. Existe na astrofísica um amplo espaço para um ser

supremo na criação. Mas, por outro lado, existe alguma outra conclusão imperiosa ou

inescapável que resulte desse fato ou suposição? Ou seja, mesmo se todos concordassem que

uma força sobrenatural foi a causa do ovo cósmico, existirão conclusões empíricas adicionais

derivadas desse “fato”? [...] A começar imediatamente após o primeiro instante da criação,

o universo evoluiu de um modo previsível. Assim, mesmo se supusermos que um ser ou

força sobrenatural foi responsável pela criação do universo no momento do Big-Bang, a

96

intervenção divina é desnecessária para a longa lista de perguntas que começamos a fazer e

agora respondemos em nossa história recente. Em Uma breve história do tempo, Stephen

Hawking defendeu esse argumento com as seguintes palavras131:

- Toda a história da ciência tem sido a percepção gradual de que os eventos não acontecem de

maneira arbitrária, e sim refletem uma certa ordem fundamental, que pode ser ou não

inspirada divinamente [...] Essas leis podem ter sido originalmente decretadas por Deus, mas

parece que desde então Ele deixou que o universo evoluísse com base nelas, sem mais

intervir.132

E, pois, longe de afastar ou denegar peremptoriamente a idéia de um Deus Criador, a

Ciência mantém aberta uma janela para essa possibilidade. Tanto assim que cientistas de

respeito133 como Isaac Newton, Einstein, Werner Karl Heisenberg, Max Planck, Pascal

Jordan, Carl Friedrich Von Weizäcker, Ilya Primogine, Paul Davies, e tantos outros,

além do próprio Stephen Hawking acima citado, extrapolando seus campos de pesquisa, se

aventuraram a introduzir conceitos ou considerações sobre alguma divindade sob as mais

variadas formas, desde Deus mesmo, até uma entidade racional que até poderia ser o próprio

Universo. E a Fé? E a Teologia da Criação? Mantêm aberta uma janela para o diálogo com a

Ciência? Cremos que sim. Pensamos havê-lo demonstrado no capítulo anterior. A Teologia

católica (e cristã) se embasa no e se alimenta do depositum fidei que tem, nas Sagradas

Escrituras, sua fonte, fonte de tradição do mesmo depositum fidei e do Magistério (católico e

protestante), que busca explicitar os ensinos em nome da Fé no CRIADOR. As Escrituras

apontam janelas. E os documentos pontifícios afirmam que janelas existem, são mantidas

abertas, e devem ser trabalhadas com afinco pelos teólogos na busca de confirmação da Fé. É

131 BRODY, op.cit., pp 205-206. 132 HAWKING, op.cit., p.172-172. A versão editada pela Rocco repete o texto citado por BRODY com pequena variação; p.173: “Toda história da ciência se forma através da compreensão gradual de que os eventos não acontecem de maneira arbitrária; refletem na verdade uma certa ordem comum, que pode ou não ter inspiração divina”; p.172: “Estas leis podem ter sido originalmente decretadas por Deus, mas parece que posteriormente ele não interferiu, abandonando o universo à sua própria sorte, ainda que de acordo com aquelas leis”. 133 GANOCZY, op.cit., pp.29-37.

97

nosso propósito ler, neste capítulo, pelas janelas da Ciência, a mesma panorâmica que se pode

ler desde as janelas da Revelação (bíblica).

Pois bem. As três afirmações de Stephen Hawking [“os eventos não acontecem de

maneira arbitrária”, “ordem fundamental” e “ele deixou que o Universo evoluísse com base

nelas, sem mais intervir”] encontram em Gn 1 uma esclarecedora ressonância e convergência.

De fato, ao dizer que “assim Deus criou [...] assim Deus fez” tal e tal coisa, Gênesis está

dizendo que, por aquela forma Deus o teve por feito, por criado, pois “assim foi feito” e “Deus

viu que isto era bom”. Após sua determinação as coisas aconteceram como ordenado. De fato,

segundo Gênesis, as coisas, os eventos, não aconteceram por acaso134, de maneira arbitrária:

foram queridas, determinadas; na auto-ordenação [jogo de palavras?] refletem, passaram a

refletir a “ordem” da qual foram dotadas. Uma sequência de causas em cadeia. Temos aí uma

significativa convergência entre os dados de Gn 1 e Ciência, pela ressonância das afirmações.

Confiramos (Gn, 1)135:

“Deus disse: que a luz seja! e a luz veio a ser. [...] Deus viu que a luz era boa. [...] Deus disse:

Que haja um firmamento [..] E assim aconteceu. [...] Deus disse: Que as águas inferiores ao

céu se juntem em um só lugar e que apareça o continente. Assim aconteceu. [...] Deus viu que

isto era bom. [...] Deus disse: que a terra se cubra de verdura, de erva [...] de árvores frutíferas

[...] segundo sua espécie [...]. Assim aconteceu. A terra produziu verdura [...] Deus viu que isto

era bom. [...] Deus disse: Que haja luminares no firmamento do céu [...]. Assim aconteceu. [...]

Deus viu que isto era bom. [...] Deus disse: Que as águas pululem de enxames de seres vivos e

o pássaro voe acima da terra [...] Deus viu que isto era bom. [...] Deus disse: Que a terra

produza seres vivos segundo sua espécie [...] Assim aconteceu. [...] Deus viu que isto era bom.

[...] Assim aconteceu. Deus viu tudo o que havia feito. Eis que era muito bom.”

Ou seja, os eventos não acontecem de maneira arbitrária. Passo a passo, diz-nos

Gênesis, a Natureza, o Universo foi se fazendo conforme determinado por Deus, revelando

aquela ordem previsível que a Ciência tão bem descreve. Eis aí, a nosso ver, de modo

134 Vide nas pp.86-88 desenvolvimento sobre acaso e caos. 135 GESCHÉ, op.cit., pp.118-126. “Para começar, não há dúvida de que é melhor voltarmos mais uma vez ao texto fundacional do Gênesis [p.118]. [...] É bom adquirirmos o hábito de não representar a criação baseando-nos em um único modelo” [p.126].

98

inconfundível, a janela da Fé pronta para acolher os descortinos da Ciência. A Teologia tem-

nos levado em conta. O prestígio da Fé está em causa. Na simplicidade da leitura literal da

Escritura podemos ler o que, exatamente o que, queria o Escritor sagrado transmitir: que

Deus, Autor do existente, ordenou o que devia existir e assim foi se fazendo. Não diz o

Escritor sagrado de que forma deveria acontecer o que Deus ordenou que acontecesse. Mas,

que a Natureza estava revestida de potencial para fazê-lo, salta límpido dos entrefechos do

relato bíblico: “e assim se fez”.

Certa ordem fundamental. Deus disse: exprimiu e imprimiu seu querer. O relato de Gn

1 demonstra que o mundo chamado por Deus à existência tem uma estrutura bem ordenada,

fundamentada no ordenamento do Criador. As etapas descritas como que mapeiam o

ordenamento. Gênesis o diz “em síntese”. A Ciência o diz de modo analítico. Deixou que o

Universo evoluísse com base nas leis dessa ordem fundamental: e a luz veio a ser; e os

luminares (astros) aconteceram; e um firmamento aconteceu e se organizou; águas e

continente se estabeleceram; e a terra se cobriu de toda espécie de verdura; e as águas e o céu

pulularam de seres vivos; e a terra produziu variada espécie de outros seres vivos. Isaías 61,11

ressalta esse aspecto da Criação: “Com efeito, como a terra faz brotar a sua vegetação [os seus

germes], e o jardim faz germinar as suas sementes, assim o Senhor Iahweh faz germinar a

justiça e o louvor na presença de todas as nações”. Iahweh suscita, não as faz Ele próprio.

Isaías denota uma compreensão mais evoluída da Criação; e lança sobre ela um pouco mais

de luz.

Sem mais intervir: e assim se fez – estribilho enfeixado pelo veredicto: e Deus viu que

isto era bom; eis que era muito bom. “Deus não está continuamente criando um mundo novo,

nem intervindo no mundo criado para alterar ou perturbar a ordem estabelecida”136. A

Natureza estava dotada de potencial para se fazer. Gênesis 1 é definitivo.

136 ARANA, op.cit.,p.44 – comentando Gn 2,1-4a.

99

Sem mais intervir. De fato, depois de determinar Haja luz e a luz ser, o Criador passa a

presidir o andamento da Criação que se vai fazendo. Já vimos que não é Ele que faz, mas é

sua demiurga executora, a Natureza, que vai se fazendo. De que é feita ela? Daquela luz que

passou “a ser”. Luz que é energia, luz que é compactação, luz que é princípio de ação e

interação. Invocamos Steven Weinberg e Chardin – Luz, na visão de ambos, a “matéria-

prima” do Universo:

[Weinberg a descreve]: Ao fim dos três primeiros minutos, o conteúdo do universo

apresentava-se principalmente sob a forma de luz, neutrinos e antineutrinos [p.21]. “Todavia,

nos primórdios do universo, as condições eram muito diferentes; como veremos, foi a luz que

então formou o constituinte dominante do universo, a matéria vulgar [...] [p.46].137

[Repetimos Chardin]: Do ponto de vista energético [...] os corpúsculos materiais podem ser

tratados como reservatórios provisórios de uma potência concentrada. Jamais apreendida, de

fato, no seu estado puro, mas sempre mais ou menos granulada (até na luz!), a Energia

representa atualmente para a Ciência a forma mais primitiva do Estofo universal.138

Ordem fundamental ... sem mais intervir. Fazendo uma leitura do ponto de vista da

Ciência, é exatamente isto, este aspecto, que podemos ler na Liturgia dos Salmos que

proclama e convida a comemorar, em correspondência à obra de Deus que era muito boa:

Sl 148: Louvai a Iahweh no céu, louvai-O nas alturas; louvai-O todos os anjos, louvai-O, seus

exércitos todos! Louvai-O, sol e lua, louvai-O, astros todos de luz, louvai-O céus dos céus e

água acima dos céus! Louvem o nome de Iahweh, pois Ele mandou e foram criados; fixou-os

eternamente, para sempre, deu-lhes uma lei que jamais passará. Louvai a Iahweh na terra,

monstros e abismos todos, raio e granizo, neve e bruma, e furacão cumpridor da sua palavra;

montes e todas as colinas, árvore frutífera e todos os cedros, fera selvagem e pássaro que voa,

[...] louvem o nome de Iahweh: é o único nome sublime, sua majestade vai além da terra e

do céu, [...].

Numa feliz correspondência com a exposição da Ciência e com o pensamento de

Chardin, Maria Clara Lucchetti Bingemer escreve:

137 WEINBERG, op.cit., pp.21 e 46. 138 CHARDIN, op.cit., p.19.

100

Entre as profundas implicações que a Fé monoteísta, assim concebida, apresenta, uma das

maiores é a visão do cosmo como um todo unitário, obedecendo a um único conjunto de leis; é

a raiz do conceito de ciência, bem como da concepção da humanidade como uma família,

tendo em Deus o Pai comum. [p.82] – O relato bíblico mostra a criação surgindo a partir da

palavra divina como uma bem ordenada progressão semelhante à científica moderna, das

formas mais simples para as mais complexas da existência, coroando-as na criação do ser

humano. [p.86] 139

Deu-lhes uma lei que jamais passará (Sl 148,6). As Escrituras revelam isso: o Criador

dotou a Natureza de leis que jamais passarão. Estão veladas, mistérios ocultos. A Ciência as

descortina e revela. Que coisa faz a Ciência ao estudar a Natureza, senão detectar que

princípios, que leis regem os acontecimentos? E é por aí que ela adquire a certeza daquilo que

descobre e elabora em fórmulas e definições. Temos aí mais uma convergência. A Ciência

cunhou de Cosmo [ordem / organização] essa ordem fundamental – que maravilha sábios e

incultos – que ela Ciência prossegue descortinando por todos seus estudos e conclusões. Não

nos parece que seja por inspiração bíblica que o faz. No entanto, é exatamente esta ordem

fundamental, assentada numa lei que jamais passará, que lemos na Escritura. Vemos aí o

ponto crucial de convergência entre os ensinos da Fé e da Ciência. Um paralelo, uma

analogia. A Ciência lê, na radiação cósmica de fundo, a prova do explosivo começo do

Universo. O reconhecimento dessa ordem fundamental pode ser, ou deve ser, lida como a

mais concludente prova da origem inteligente do Universo e por isso deve ser acolhida com

alvíssaras, pela Teologia, como foi acolhida pela Ciência a radiação cósmica de fundo, tida na

época como uma das mais espetaculares descobertas do século XX. De um lado: se a

Natureza foi capaz de levar a cabo o mandato Criador é porque estava dotada de poder para

tanto. Poder que a Ciência lê na Natureza (sem rastreá-lo nas Escrituras), como leis que regem

a execução de todo o processo evolutivo, leis que escapam aos objetivos e campo de

139 BINGEMER, op.cit., pp.82 e 86.

101

“pesquisa” da Revelação (Teologia e ciências afins), embora emanadas do Criador, objeto e

campo de suas pesquisas. De outro lado: se a Natureza se organiza, evolui, por conta própria,

de forma até previsível, sem dúvida é porque está programada, “configurada” (linguagem

tirada da informática).

A Fé é racional, não é estranha aos critérios da Razão. Afinal, em nome da Revelação,

o Magistério católico ensina que há duas formas de se obter o conhecimento. Uma de via

sobrenatural e outra de via natural. Ambas são criaturas do mesmo Deus e não podem se

contradizer mutuamente, pois Deus, Autor de ambas não Se contradiz nem pode levar à

contradição. O ESPÍRITO SANTO não é fautor de confusão. Falar da Criação é dizê-lo de

modo profético. Como Paulo adverte, “Os espíritos dos profetas estejam submissos aos

profetas. Pois Deus não é um Deus de desordem, mas de paz” (1Co 14,32-33). Cabe-nos

discernir em que pontos a Razão lê convergência entre os dados sobrenaturais da Revelação e

as descobertas da via natural do conhecimento. Porque, eis que a Ciência, ao ler a Natureza,

fala das coisas que Deus criou. Se Ele pode ser conhecido através de suas criaturas, por

modo indireto, portanto, quanto mais suas criaturas podem ser conhecidas, de modo direto, a

partir de si mesmas. De certa forma, trata-se de ler no Santuário do Criador. Pode-se

compreender porque Einstein diz que o impulso para a investigação científica da Natureza faz

de pesquisadores sérios “as únicas pessoas profundamente religiosas”140.

A urgência de uma espécie de revirada na leitura teológica da Natureza vem, de

séculos, cobrando adoção de nova postura nas abordagens, com ampliação de horizontes e

adoção de parcerias multidisciplinares. Karl Rahner, há coisa de menos de um século propôs

à Teologia uma virada antropológica141, conforme ficou conhecida. Essa urgência é cobrada

140 Citado em GANOCZY, op.cit., p.32 141 Cf. GONÇALVES, Paulo Sérgio Lopes, em A produção teológica no pós-concílio, no tópico 2. o significado do concílio vaticano II para a teologia: O Concílio “Recepcionou também a teologia transcendental produzida, especialmente por Karl Rahner, que afirmou a centralidade antropológica na teologia, apontando a necessidade de se discursar sobre Deus a partir das realidades do ser humano.” <:http://www.teologia-assuncao.br/re-eletronica/numeros/n2/n2_paulosergio.html> [baixado em 15/05/2009 – Vide Anexos]

102

em vista de uma certa recalcitrância pontual entre teologia e ciência. É significativo que o

argumento de Galileu ainda hoje receba contestações. Em carta a Madame Cristina de

Lorena, em 1615, Galileu ponderava [ou desabafava]:

Não me sinto na obrigação de acreditar que o mesmo Deus que nos dotou de sentido,

razão e intelecto tencionava descartar o uso destes e por algum outro meio nos dar o

conhecimento que com eles podemos obter [...] A intenção do Espírito Santo é

ensinar-nos como se vai para os céus, e não como o céu funciona142.

Adolphe Gesché se reporta a Ilya Prigogine e Isabelle Stengers para lembrar que

eles anunciam a chegada de “uma ‘nova aliança’ entre ciências da natureza e ciências do

homem”. E argumenta: “A teologia seria excluída disso? Se ela for é porque nós o queremos”.

E cita Jean Ladriére: “O modo como a natureza é entendida [pela ciência] não pode deixar

de incidir sobre a maneira como é entendida a idéia da criação”143. E, ponderamos nós, sendo

Deus Criador de todas as coisas, não deveria a Teologia acercar-se do visual holístico da

Criação, descortinado pela Razão? A revirada antropológica de Karl Rahner pretende levar à

leitura do Mistério a partir do Homem. Não estaria Paulo em Rm 1,20 sugerindo a leitura do

Mistério a partir das criaturas? Ou estaríamos escusados?

9 – PALEONTOLOGIA, ARQUEOLOGIA E A VIDA DESDE BILHÕES DE ANOS

Resta-nos enfocar a eclosão da Vida na Terra, eis que ela se apresenta como (ao menos

como um) inevitável corolário da eclosão do próprio Universo. E também em Gênesis: ao

“céu e terra” seguiu-se a Vida. A realidade do Universo é, ao mesmo tempo, terrestre e

galáctica – cósmica! Quanto à Vida conhecida e estudada, restrita aos conhecimentos atuais

(até teologicamente), ela é tipicamente terrestre. Por ora, a existência de Vida em outros

142 in BRODY, op.cit., p.63. 143 GESCHÉ, op.cit., p.115.

103

sistemas planetários é apenas dedutível144. Ou seja, falando de cultura, o desconhecimento

(popular-cultural, religioso e científico) da Vida em outros planetas nos coloca no mesmo

patamar do Escritor sagrado e da cultura do seu tempo que ignorava tudo quanto hoje a

Ciência revela ao homem crente sobre a Vida. Desconhecermos a existência de Vida fora da

Terra não é suficiente para negar-lhe a possibilidade, e a extensão do poder Criador de Deus.

Por que incluir o tema da Vida no diálogo da Criação com as Ciências? Do ponto de

vista humano e terrestre o Universo e sua origem só têm sentido se tomados como premissas

dessa mesma Vida que os analisa; é ela que os coloca em foco, que os questiona: eis que ela

salta como corolário consequente ao Ser do Universo, como uma de suas possíveis, mas

inevitáveis possibilidades. E busca nele sua estrutura, sua constituição. Os átomos

constituintes do ser vivo que o digam. A tal ponto que se postulou um “princípio antrópico”

para explicar a evolução do Universo. O princípio antrópico está presente na obra de vários

autores, como em Chardin, para quem o homem é “a ponta de flecha da evolução”. Segundo

alguns autores, o Universo existe, ou foi criado, para que o Homem pudesse acontecer.

Autores como Gribbin, Hawking e Prigogine não deixam de abordar essa hipótese.

A eclosão da Vida é também astronomicamente antiga, dizendo-o apenas nos

horizontes de nosso visual terrestre: surgiu na Terra há uns 4 bilhões de anos, segundo os

mais aceitos cálculos da Ciência. É o campo da Biologia. Também nesta área de pesquisa

pululam teorias sobre o surgimento da Vida. A Vida teria vindo de outros planetas, talvez de

outra galáxia, talvez trazida por alienígenas; talvez tivesse tido início nalgum mar, nalgum

charco, nalgum brejo, nalguma sopa primordial, “orgânica”; talvez tivesse surgido por

primeiro na África, ou em vários pontos do Planeta, concomitantemente, ou em épocas

diferentes. Tudo suposição, nenhuma ainda comprovada com exaustiva suficiência, se

144 Vasta já se faz a bibliografia que relata pesquisas e conclusões quanto à existência de Vida, e mesmo de Vida inteligente, em outros planetas e em outros sistemas solares. Levando em conta que Deus Criador é o Criador de todo o Universo, temos como certo que seria, de nossa parte, permanecer em mesmice mesquinhez dogmatizarmos que a Vida na terra e a Vida inteligente seja apanágio exclusivo do planeta terra e do ser humano. A que título nos daríamos o direito de limitar o potencial Criador de Deus? A qual a priori?

104

passível de comprovação. Para a validade científica dos alcances da Biologia, da Biogenética,

da Bioquímica, da Biofísica e de suas afins, essas teorias são absolutamente irrelevantes. O

certo é que a Vida existe e pode ser estudada em todas as suas minúcias, no seu aqui e agora,

a partir da constatação de seres vivos reais, concretos, e das “marcas” (fósseis) deixadas por

seres que “já foram vivos”. A Vida é contável. E isto está assaz comprovado. Nada

imaginário. A Biologia retoma a trajetória do ovo cósmico culminada no ovo da Vida. Do

cosmo ao cromossomo.

Para Chardin a hipótese de origem extraterrestre da Vida, postulada por alguns, além

de desfigurar, com explicações que não satisfazem, a grandeza do fenômeno da Vida na Terra,

chega a ser inútil, pois, que nosso Planeta, já em sua fase de Terra Juvenil, estava prenhe de

princípios de fecundação145. A Terra juvenil, pela sua composição química inicial, é ela

própria, na sua totalidade, o germe incrivelmente complexo de que precisamos.

Congenitamente, se assim podemos nos exprimir, a Terra trazia em si mesma a Pré-Vida, e

trazia-a em quantidade definida. Todo o problema consiste em determinar como, a partir deste

quantum primitivo, essencialmente elástico, saiu todo o resto.

Gênesis nos informa que a Vida aflorou por etapas. O mesmo nos garantem as

Ciências que descrevem o aparecimento da Vida em nosso Planeta. Temos aqui mais uma

confluência, mais uma convergência de ensinos. Gênesis, a seu modo, gradua a Natureza

terrestre nos três Reinos tradicionais em ciências naturais: mineral (água e continentes),

vegetal (toda sorte de ervas) e animal (toda sorte de semoventes). Nessa ordem. As Ciências

descrevem o surgimento da Vida a partir do Reino Mineral, por primeiro, o Vegetal

(fotossintetizadores e toda sorte de microorganismos), liberador do oxigênio necessário à

próxima escalada da Matéria, o Reino Animal. No mínimo, três degraus evolutivos respeitante

ao Planeta Terra. Gênesis e Ciências estão falando a mesma linguagem. Malgrado Gn 1 tenha

145 Chardin, op.cit., p.55.

105

tido um propósito teológico, contextual, é inevitável, impossível, não enxergar que ambas as

fontes do conhecimento possam estar falando a mesma coisa, embora cada uma a seu

modo146.

A Arqueologia e, para muito além de seu alcance, a Paleontologia e a Paleozoologia

registram o aparecimento de Vida no Planeta remontado a bilhões de anos antes da era do

homem. As águas e a terra já pululavam de seres vivos antes do advento do homem. Os

documentos fósseis são registros indiscutíveis desse evento. Vegetais e répteis monstruosos se

foram deixando registros de sua passagem147. Numa projeção gráfico-temporal daqueles

bilhões de anos da Idade do Universo, à equivalência de um ano terrestre, o surgimento do

homem teria se dado nos últimos instantes da noite de 31 de dezembro. Fica até ridículo

pensar em termos de Idade do Universo a partir da remonta dos anos das gerações de Adão até

os dias de hoje148. Por acaso teria o homem aparecido no instante primeiro da Criação?

Gênesis nos diz que o Adão apareceu no final do sexto dia quando tudo já existia. Guardadas

as devidas proporções, temos, no final do sexto dia de Gn 1, e nas projeções da Ciência, mais

uma lúcida convergência entre Ciência e Bíblia: o homo sapiens apareceu por último na

ordem das coisas criadas. A detecção de tais convergências, claras, evidentes [aqui e noutros

lugares], objetivam demonstrar que, em tais tópicos, não há oposição entre Bíblia (e, portanto,

Teologia) e Ciência, mas, evidente correspondência; e que, no conjunto, são balizadoras do

que propomos demonstrar: que as Ciências podem, muito bem, estar “explicando” de que

146 É oportuno carrear para este tópico [embora já pudesse tê-lo feito em tópicos anteriores] a observação de GESCHÉ em O cosmo, op.cit., p. 115-116: “Certamente, e esta observação é de suma importância, até mesmo determinante para nosso propósito, não se trata aqui de ceder, de algum modo, a determinado concordismo. [...] – não é por isso que encontramos aqui prova de que a criação (noção religiosa que não deve nada à ciência) foi e é esse gesto transcendente que fez uma realidade chamada a se construir. A ciência não é aqui convocada como prova da fé”. – Se, pois, qualquer constatação de “convergência”, de “coincidência” entre o que Bíblia e Ciência dizem recair na vala comum ocupada pelo “concordismo”, sem submeter-se ao crivo do lógico, do racional, então qualquer concórdia dos espíritos é natimorta e qualquer aproximação dialogal fenece. 147 “Todavia, tem-se que admitir que o lobo devora o cordeiro [...] que milhões de espécies desapareceram [...] é igualmente, se não primordialmente, uma consequência do fenômeno natural de seleção”, p.95 A teologia depois de Darwin, ARNOULD, Jacques. São Paulo: Loyola, 201. 148 Como “calculou” o bispo James Ussher no século XVII – fazendo escola e seguidores – ao fixar o momento da Criação às 2:30 h do dia 23 de outubro, um domingo, do ano 4.004 antes de Cristo.

106

modo o Criador fez sua criação acontecer.

A Vida, como tal, considerada sob vários ângulos e prismas desde as mais remotas

culturas, foi aos poucos revelando sua identidade, até que, desde a Renascença até aos dias de

hoje, foi permitindo descortiná-la em mínimos detalhes. Lemos em 2Mc 7,22 o registro do

desconhecimento de como a Vida se instala no útero materno: “Não sei como é que viestes a

aparecer no meu seio, nem fui eu que vos dei o espírito e a vida, nem também fui eu que

dispus organicamente os elementos de cada um de vós”. Coube à Ciência descobri-lo e

explicá-lo de um modo cabal. Não vem ao caso qual tenha sido a intenção teológica do

Escritor sagrado ao colocar essa fala na boca da mãe macabéica. Tanto em Gn 1 e 2 quanto

em 2Mc 7,22, o Escritor não tinha a intenção de dar respostas científicas, mas de responder a

uma questão teológica com os recursos culturais do seu tempo.

Vida. De Hans Küng nos vem a seguinte introdução:

Nós continuamos, na verdade, sem saber exatamente como foi que do material sem vida a

vida veio a surgir. Não temos certeza das ocorrências exatas que deram origem à biogênese.

Mas de uma coisa nós sabemos: como quer que sejam explicados os detalhes da transição

para a vida, eles baseiam-se nas leis bioquímicas, e por conseguinte na auto-organização da

matéria, das moléculas.149

Pois bem. A Biologia não explica tudo, ainda, e talvez nunca chegue a desvendar por

completo o mistério da Vida, mas é temerário afirmá-lo. Porém, lança bases indiscutíveis para

explicá-la, compreendê-la e daí tirar sábias orientações para conduzi-la, curá-la, promovê-la

sob as mais variadas modalidades. E tudo isso baseada na “leitura” que faz dos princípios que

regem a estrutura, a organização e o desenvolvimento do ser vivo: leis intrínsecas à própria

Matéria, ou, no dizer de Chardin, ao Estofo mesmo do Universo.

A Física e a Química têm sido suas parceiras e fundamentadoras. É através da leitura

química dos componentes dos seres vivos e de sua estruturação física que a Biologia pôde e

149 KÜNG, Hans. O princípio de todas as coisas: ciências naturais e religião. Petrópolis: Vozes, 2007. p.189.

107

pode ler e decifrar mistérios da Vida – e das doenças, e curá-las. Os seres vivos se alimentam

de matéria, da mesma matéria de que são constituídos, da mesma matéria que renova

constantemente suas energias e os mantém existentes. Foi graças ao microscópio que a Vida

começou a ser desvendada, pois possibilitou conhecer a célula, elemento básico vital. Isto

acontece desde 1673 quando Anton Van Leeuwenhoeck (1632-1723) pôs a descoberto a

existência de células sanguíneas, espermatozóides e animais microscópicos como bactérias.

A Bioquímica revela que os elementos básicos de todo ser vivo são quatro:

hidrogênio, oxigênio, nitrogênio e carbono. O carbono comanda as cadeias da Vida, lidera o

mundo orgânico. Não se conhece na Terra outra cadeia capaz de constituir Vida. Talvez em

outro planeta, sob condições físicas diferenciadas, outras cadeias sejam prováveis. O Escritor

de Gênesis não conhecia os elementos químicos criados por DEUS. Ele os chama de “barro”,

de pó da terra. E Adão é feito de barro (Gn 2,7)150. Adão é barro. É um complexo de

elementos químicos que interagem física e quimicamente. O Escritor de gênesis só conhecia o

“Fora” do barro e como ele interagia com o meio em que vivia. Dele se podia construir uma

estatueta inerte. Quanto a dar-lhe Vida era preciso insuflar-lhe um hálito de Vida. O Escritor

desconhecia o “Dentro” das coisas, capaz de metabolizar o oxigênio vital. Embora tenha

informado que as águas e a terra pulularam de seres vivos, ignorava que a Terra estava

prenhe, por seu “Dentro”, de elementos fecundadores, por isso que, à uma ordem do Criador,

produziram todos os seres vivos de que o Escritor dava notícia. Ele viu o resultado, a coisa

criada; não tinha idéia por que processo a terra verdejara e as águas pulularam.

Desde o clérigo Gregor Johann Mendel (1822-1884) o conhecimento da Vida nunca

mais foi o mesmo. Ele desencadeou uma onda de pesquisas em série que culminaram na

150 BJ - Gn 2,7 “Então Iahweh Deus modelou o homem com a argila do solo, insuflou em suas narinas um hálito de vida e o homem se tornou um ser vivente” (BJ). Argila: “Designação comum a silicatos de alumínio hidratados que constituem os minerais ditos argilosos” (Dic. Aurélio, p.185). A argila não contém os elementos químicos que compõem o ser vivo. É imprestável para fazer um ser vivente. A BJ não foi feliz na escolha do termo argila. As demais versões católicas e protestantes empregam “barro” ou “pó da terra” [mais adequados ao diálogo].

108

elaboração da genética e do Projeto Genoma no final do século XX, cuja trajetória é

irreversível. Com justiça Mendel pode ser proclamado “o pai da Genética”. Genética,

semente de vida, transmissão de caracteres.

Pensava-se, desde os tempos bíblicos, que o esperma fosse “o sêmen”, semente única a

transmitir a Vida. E que era ele que instalava a Vida no útero da fêmea, a quem cabia apenas

deixá-la desenvolver-se. E que, por isso, uma ejaculada extra-vaginal passou a significar um

pecado mortal151. É a Biologia que revelou a existência do óvulo produzido pela fêmea.

Coube ao fisiologista italiano, padre Lazzaro Spallanzani (1729-1799), comprovar que o

surgimento de novos animais depende da interação do espermatozóide com o óvulo. E nem se

sabia que a flor é o sexo das plantas. Voltando ao microscópio, foi preciso sua descoberta para

se saber que o esperma é apenas veículo, veículo de milhões de sementes, de meias-sementes

mais precisamente. E que uma ejaculada (humana) de esperma chega a transportar a bagatela

de 400 milhões de espermatozóides. E que, numa cópula, todos esses milhões (exceto 1!) são

descartados e votados à morte, pois apenas um entre milhões logra fecundar o óvulo – mas,

somente quando a fêmea está fértil. A Natureza como que “seleciona” um, e vota os demais

ao aniquilamento. Por que esse desperdício? Não importa saber o seu porquê. Importa que isto

é real e deve ser levado em conta. O conceito de sêmen deve se adequar à sua realidade

biológica. Cada um daqueles 400 milhões de espermatozóides representava uma

possibilidade única, inédita de se tornar evento: um novo e específico indivíduo, distinto de

qualquer outro que igualmente tenha ficado na possibilidade. Esquadrinhando a Vida tem

podido o “rei” desvendar os mistérios nela ocultos. A Biologia pôde explicar à mãe dos

macabeus como a Vida se instalou em seu seio e como foram organizados os elementos de

seus filhos.

151 Isto perdurou até à edição do Catecismo da Igreja Católica, pós Vaticano II. Quando de sua publicação, a media, no Brasil, anunciou: “masturbar deixou de ser pecado mortal”. Quantos adolescentes houve que passaram por confissões traumáticas. O Confessor sempre queria saber se houvera ejaculação, pois ela determinava o grau do pecado e dava medida para imposição da penitência. Hoje a Ciência demonstra que não é jogada fora “uma” semente de vida, mas milhões de sementes. Sem dúvida, no passado, a Teologia Moral não sabia disso.

109

Gênesis nos diz que as águas e a terra produziram seres vivos conforme sua espécie. A

Ciência estuda as espécies. Tem descoberto o aparecimento de espécies tanto desconhecidas

como insurgentes. Muitas por derivação de espécies já existentes. E mais: tem descoberto que

muitas espécies desapareceram e muitas estão sob risco de extinção. Que não somente a

Natureza se encarrega de extingui-las (caso dos dinossauros), mas que o homem tem sido o

maior extintor de espécies. É clássico o desaparecimento do Dodô152.

A Ciência nos revela que as espécies de Gênesis 1 não eram absolutas e estacionárias.

O desaparecimento de espécies animais e vegetais (isento da ação nefasta do homem) como

que nos autoriza a questionar: se Deus as tivesse criado pessoalmente, estariam sujeitas ao

desaparecimento da face da Terra? Pois, não declaram textos como Ecl 3,14 Sb 1,14 e 11,24

que tudo que Deus faz é para sempre, que tudo criou para que subsista e que se algo houvesse

odiado não o teria feito? Diante da irrefutável “revelação” das Ciências aqueles textos cobram

uma releitura epistemológica.

Mestiços, híbridos, acontecem em todos os gêneros vivos. Alguns férteis, prolíficos,

outros estéreis, incapazes de se reproduzirem. Em zoológicos, leoninos e tigrinos têm gerado

cria híbrida. De antanho sabe-se do “mu” (burro e mula, que são estéreis) que provém do

cruzamento de égua com o jumento. As espécies se entrecruzam, apontando para troncos

originários em comum. A Botânica e a Agricultura produzem híbridos e enxertias de

múltiplas modalidades. Também no mundo vegetal se nota semelhante reversibilidade ao

menos entre algumas espécies denotando um tronco comum. Chardin é mestre na análise e

síntese de filos e cadeias153. Ácido ribonucléico (ARN ou RNA), ácido desoxirribonucleico

(ADN ou DNA), cromossomos, genes. Cadeias de cromossomos aos pares. Animais que

diferem uns dos outros, por apenas alguns cromossomos, são aparentados entre si se levados

em conta todos os outros cromossomos. Geneticamente o Homem e o macaco diferem entre si

152 Ave da ilha Maurícia na costa leste da África, extinta em 1617 por causa de sua caça predatória pelo homem. 153 CHARDIN., op.cit., pp.95-200.

110

por apenas uns minguados cromossomos.

Através da Genética a Biologia tem demonstrado que todos os seres vivos se

compõem de “códigos” químicos, cadeias moleculares monstruosas, em seu micro-pico-nano

mundo infinitesimal, compostas por bilhões de átomos cada uma, organizadas em quatro

estruturas básicas: adenina, guanina, citosina e timina. São as bases do ácido ribonucléico, o

ARN, e do ácido desoxirribonucléico, o DNA, responsável pela codificação da Vida e da

transmissão dos caracteres na reprodução da espécie. E de onde provêm seus constituintes?

De onde provêm seus átomos? Não é preciso muito raciocínio para concluir: são aqueles que

foram formados após o Big-Bang. Todos e tudo temos em comum uma origem única: viemos

da eclosão do Universo. Do Fiat Lux.

“Numa perspectiva coerente do Mundo, a Vida supõe inevitavelmente, e a perder de

vista, a Pré-Vida”154. Na Natureza a evolução acontece aos saltos. É impossível fixar a

passagem da energia para a partícula, da partícula para o surgimento do próton, do nêutron, do

elétron. Pois, quando se constatam, eles se apresentam já como próton, já como nêutron, já

como elétron; eles se apresentam como coisa acabada; mas não original.

Podemos observar de uma perspectiva histórica a evolução de eventos aparentemente

desconexos, desde descobertas científicas diversas, tendências da indústria e posturas religiosas

[...] antes que se cristalizem em um novo padrão [...] É como observar uma retorta química

prestes a produzir algum cristal raro e de muitas facetas. Num momento, tudo está em

solução [...] e contudo, no instante seguinte, uma forma surgiu do nada.155

Não “existiam” antes. Da mesma forma a molécula da Vida. Inexiste. Num instante

seguinte passa a existir. Ela é complexa. Não se fixa, não se registra a passagem do elementar

para o complexo. É como passar do 9 ao 10, do 99 ao 100, do 999 ao 1000, e assim por

diante. Mudança de patamar. A passagem se dá por um salto de potência, de qualificação, de

154 CHARDIN, op.cit., p.36. 155 LOREN EISELEY, Darwins’s century (1961) – in BRODY, op. cit., p.403.

111

especialização, de complexificação, de identificação. Não é possível detectar a passagem156.

Constata-se: eram 9, agora são 10. Da mesma forma os átomos formadores da molécula vital.

Eram individuais. Agora são uma coletividade orgânica. Assim, o surgimento das espécies.

Não dá para detectar a passagem de um patamar para outro, de uma espécie para outra, pois,

quando exsurge, já está pronta e acabada. Não é mais aquele, aquela de antes. A etapa aparece

acontecida, como se estivesse pronta e acabada. Apenas perduram os “laços” que as mantêm

aparentadas. É inútil procurar o elo perdido. Só resta ler as semelhanças e dessemelhanças que

os aproximam e que os distinguem. É por aí, seguindo o fio condutor das semelhanças e

dessemelhanças, que a Biologia pôde traçar o surgimento da Vida, desde os átomos, até à

evolução da mesma em espécies diferenciadas. O fio de Ariadne é a ferramenta, é o método

condutor157.

A esse propósito, recordemos que Gênesis nos informa que o Criador determinou que

as águas e a terra produzissem seres vivos cada um conforme sua espécie. Gênesis aponta

para a síntese do processo: e assim se fez. Não entra em seus pormenores. A cultura do

homem bíblico não conhecia os micro constituintes da Vida. Apenas partia da constatação:

tais seres existem como são vistos: prontos e acabados.

Aquela ordem fundamental, harmônica e orgânica, ao mesmo tempo que dinâmica,

descrita por Stephen Hawking quanto ao Universo, se comprova a mesma na evolução da

Vida. Há nela também uma inteligência latente e atuante a direcionar sua escalada. Esta

inteligência está na célula. Nela a Ciência encontra organismos idênticos158 ao do ser final que

ela produz. Se o homem tem cérebro, sua célula também o tem. Em contrário, como

produziria um cérebro? Já se disse que o ovo contém o ser total e que o ser total é o ovo

156 CHARDIN, em op.cit., pp.74-77 e 114-117, desenvolve a compreensão dessa continuidade sobre a descontinuidade como mudança de patamar, passagem crítica a um grau superior, a um novo andar, da molécula para a célula, da não-Vida para a Vida. A evolução se dá por um salto, por uma metamorfose do Dentro para o seu Fora. O “ser” se agüenta por sua parte de cima. 157 Ibid., p.142-148. 158 GRIBBIN, op.cit., p.91.

112

manifestado em sua plenitude. O homem adulto é feito de 60 trilhões de células! Cada célula

tem “cérebro”, o núcleo, sua central que comanda todas suas funções; tem estômago – que

digere, metaboliza e assimila os constituintes de que se alimenta; tem esqueleto – que lhe dá

estrutura e sustentação; e outras organelas; seu cérebro (o núcleo) comanda sua replicação e

põe um limite ao crescimento total, da célula mesma e do ser adulto. É um ser “adulto”,

completo na sua micro constituição159. Assim no micro, como no macro. Quando Deus disse

que águas e terra pululassem de seres vivos, Ele as dotou de potencial para fazê-lo. Isso é

inegável. Em contrário, como poderia Gênesis afirmar – e assim se fez? Está agora a Ciência a

descobrir por que processos terra e água cumpriram seus mandatos.

A Química e a Física fornecem à Biologia os dados para montagem do quebra-cabeça.

Hoje pode-se dizer que a Biologia é uma alta especialização da Química e da Física

Molecular. Não é lugar de descrever o processo, muito complexo e de longo desenvolvimento

nestes quatro últimos séculos de pesquisa. Tal não é nosso objetivo. Basta-nos uma

panorâmica: elementos simples como fósforo, nitrogênio, oxigênio, carbono, hidrogênio e

outros, em espantosa quantidade de bilhões de bilhões de unidades, interagindo por bilhões de

anos, em bilhões de bilhões de interações, construíram cadeias moleculares capazes de

replicar-se. Os aminoácidos. As proto-vitaminas. As moléculas da Vida. Os protoplasmas. As

primeiras células. Os primeiros pluricelulares.

É hora de abrirmos um parêntesis para apreender algo da Matemática. As

probabilidades dentro do universo das possibilidades160 culminando na concretização de

eventos. Um conhecimento capaz de iluminar os túneis ocultos por que subiram elementos 159 Com razão, a nosso ver, o Magistério ensina que o óvulo fertilizado (ovo) já contém, já é, pode-se dizer, o humano que se revelará após o nascimento. Não é mera semente de gente. Sementes eram o espermatozóide e o óvulo. O ovo se identifica pela soma de todos os cromossomos do ser adulto. Tanto que já em seu primeiro instante, se não lhe é interrompida a autonomia, começa a duplicar-se rumo à sua manifestação plena. 160 Pensamos que a Teoria das Probabilidades tem condições de iluminar os obscuros túneis do “acaso” e acabar de vez com esse fantasma, fruto do desconhecimento total das causas que levam os elementos a interagirem, se combinarem e resultarem no “novo”. No Universo nada é fruto do acaso, diz a Ciência e também a FÉ. O acaso não é um consenso tácito entre os cientistas. Eles trabalham sob e sobre o diretamente observável, mensurável e repetível. Quando não visualizam de pronto a relação entre o evento e seu antecedente eles persistem na pesquisa até que possam estabelecer uma relação. Às vezes levam décadas nessa tarefa. [pp.86-88 acima]

113

inertes até se darem à luz como elementos fautores de Vida. – Todos os possíveis acontecem?

Um evento é uma probabilidade que se concretizou, “que veio à luz”, que foi “dado à luz”,

digamos assim. Um exemplo de fácil apreensão pode ser extraído de uma das loterias da

Caixa Federal. A Mega-Sena por exemplo. Ela trabalha com o limitado número de 60

“dezenas”, de 01 a 60. O total de combinações possíveis delas entre si, tomadas na proporção

de apenas 6 dezenas de cada vez, resulta numa cadeia de “apenas” 50.063.680 possibilidades

de combinações diferentes, ou seja: a probabilidade do evento, de se acertar uma das

combinações, é de apenas uma num universo de cinquenta milhões, sessenta três mil,

seiscentas e oitenta possibilidades. E, no entanto, alguém sempre está “acertando”. 50

milhões: uma “bagatela” de possibilidades se formos capazes de imaginar a cifra jamais

alcançável a que pode chegar a cadeia dos números.

Falando da Matéria, de que é feita a Vida, esses números são os átomos, carregados

que são de potencial energético. Não precisamos vagar pelo Cosmo para encontrá-los. Nossa

realidade é terrestre. É “apenas incalculável” a quantidade de átomos aqui disponíveis para se

combinarem em múltiplas interações. Pois bem: Podemos imaginar que a quintilhonésima

potência de quintilhões de átomos elevados à quintilhonésima potência ainda se revelaria

inepta para expressar o tamanho da cadeia de possibilidades, até mesmo na limitada,

circunscrita realidade do Planeta Terra, para cobrir todas possibilidades de arranjos de átomos

em moléculas, de moléculas em cadeias de DNA: não é para estranhar que o processo para

possibilitar o arranjo que viabilizou a Vida tenha demandado bilhões de anos. E fazem 4

outros bilhões de anos que a Vida vem multicolorindo o Planeta. Espécies desapareceram,

outras ocuparam seus lugares, e é para se crer que a Natureza tenha ainda muita combinação

para ser dada à luz.

Um único evento é aquela probabilidade que emergiu dentre as possíveis, assim como

o “ganhador” da Mega-Sena é aquele que teve sua aposta coincidida com uma das

114

possibilidades do “universo” da Mega-Sena (aquelas 50 milhões de possibilidades). Isto não

quer dizer que a Vida seja produto de um jogo Divino ou da Natureza. Por vezes, na Teologia,

na Filosofia e até em ciências, encontramos um lusus naturae como tentativa de autores para

explicar a multiplicidade de eventos que se foram (seres que não mais existem) ou que não

oferecem uma justificação para seu existir (visão meramente antropomórfica), como se a

Natureza fizesse experimentações e as descartasse por “não terem dado certo”. Pior, quando

esse tipo de entendimento é atribuído ao Criador. O exemplo da Mega-Sena é apenas para

carrear uma compreensão do processo dentro de um universo de possibilidades.

A Natureza está em diuturno processo de auto-produção (de elementos combinados e

recombinados entre si) desde o Big-Bang – e não para! Temos que nos reportar ao processo

de produção da Matéria, do próton, do nêutron, do elétron, de cada partícula sub-atômica para

completarmos a leitura do “b-a-bá” da Vida. É desde lá que se deve ler a efetivação de cada

adensamento-compactação de “parcela” de energia, de interação daqueles adensamentos entre

si, em razão do que podemos hoje ler os resultados dessas interações no Mundo que

contemplamos, particularmente da Vida à nossa volta. Se a Mãe-Terra “ainda” não produziu,

deu à luz, tudo que seu potencial pode cobrir em termos de possibilidades, tanto minerais

como vegetais e animais, não temos condições para avaliar. Fato é que as Ciências, volta e

meia, estão descobrindo fósseis de seres que já povoaram a Terra e desapareceram, e seres

que ainda eram desconhecidos161: seriam apenas desconhecidos até então, ou fazem parte de

uma recente produção da Mãe Natureza? É temerário afirmar ou negar, tanto diante da

Onipotência do Criador, cujos propósitos desconhecemos, quanto do cabedal que se pode

descortinar do quanto está capacitada a Natureza. Ela se revela prenhe de possibilidades sem

161 ARNOULD, op.cit., pp.37/38: Em 1909 Walcott, por um processo posteriormente apelidado de “calçadeira”, tinha feito caber na classificação clássica dos seres vivos conhecidos, uma série de invertebrados marinhos do período cambriano (há cerca de 530 milhões) descobertos em xistos fossilíferos de Burgess no Canadá. Porém, em 1971, as conclusões de Harry Whittington, Simon Conway Morris e Derek Briggs deixam claro que: “a maior parte dos organismos de Burgess não pertence a nenhum dos grupos zoológicos conhecidos.” Gould questiona Walcott: “Por que uma leitura tão conservadora do ser vivo?”

115

limite. Na Natureza o potencial se resolve por força da própria latência das possibilidades

como se fizessem pressão para virem à luz, para se tornarem evento.

O passo seguinte nos conduz à visualização da evolução da Vida e, com ela, à

evolução das espécies. Não é preciso incursionarmos por seus meandros, para darmos crédito

ao que nos ensina a Biologia em suas linhas mestras. Pedimos a palavra a Jacques

Arnould162:

[...] Essa análise, cujos principais elementos apresento aqui, permite ter a seguinte convicção:

nada autoriza afirmar hoje que a compreensão que se elabora do ser vivo, de sua origem e de

sua história possa escapar, a curto ou médio prazo, ao pensamento evolucionista herdado de

Darwin.

[...] e a idéia de evolução, como a herdamos dos trabalhos de Charles Darwin e de seus

sucessores, ainda é essencial hoje para a apreensão contemporânea do ser vivo, e isso até

no nível teológico. Seja qual for o lugar ocupado dentro da teologia pela questão

antropológica, pelo cuidado ecológico, até pela dificuldade de integrar fenômenos evolutivos

como a seleção e a extinção, parece necessário tomar consciência e fazer a análise da

ruptura intelectual à qual o paradigma darwiniano leva, em particular diante dos diversos

elementos da teologia clássica. Como aconteceu em sua época com a revolução copernicana, o

paradigma darwiniano conduz, com certeza de modo progressivo, mas com muita

realidade, à emergência de uma nova visão do mundo: o ser vivo, na medida em que se trata

de uma realidade experimental, é contável (Teilhard de Chardin); o passado assim descrito

não é de modo algum a realidade em si mesma, mas a que aparece a um observador colocado

no lugar a que nos “levou” a evolução biológica. O espaço da biologia tornou-se agora o dos

possíveis, e o teólogo é convidado a considerar não impunemente as noções de

contingência, de seleção e de finalidade, quando ele quiser “significar Deus Criador” no

paradigma evolucionista.

A esta fala de Arnould podemos juntar a tranqüilidade que nos inspiram as palavras

dos papas Pio XII e João Paulo II. Embora sob ressalvas, Pio XII já havia afirmado que não

162 ARNOULD, op.cit., p.18 e 235/236.

116

havia oposição entre a evolução e a doutrina de Fé sobre o homem e sua vocação163. Em 22 de

outubro de 1996 João Paulo II, falando à Academia Pontifícia de Ciências, lembrava do que

dissera no encontro com a mesma Academia em outubro de 1992, e dizia: “Convém delimitar

bem o sentido próprio da Escritura, descartando interpretações indevidas que a fazem dizer o

que não tem intenção de dizer. Para delimitar bem o campo de seu objeto próprio, o exegeta e

o teólogo devem manter-se informados acerca dos resultados a que chegam as ciências

naturais”164. E dizia mais:

Hoje, quase meio século depois da publicação da encíclica [Humani Generis], novos

conhecimentos levam a pensar que a teoria da evolução é mais do que uma hipótese. Com

efeito, é notável que essa teoria se tenha imposto paulatinamente ao espírito dos investigadores,

por conta de descobrimentos feitos em diversas disciplinas do saber. A convergência, de

nenhum modo buscada ou provocada, dos resultados dos trabalhos realizados

independentemente uns dos outros, constitui por si mesma um argumento significativo

em favor desta teoria165.

Ressalvados da possível incongruência, dos corolários das várias “hipóteses” sobre a

evolução, com a dignidade humana preconizada pela Imagem e Semelhança com o Criador, o

Magistério acena para a validade da Teoria e reconhece como significativos argumentos em

favor da mesma os vários descobrimentos convergentes entre os ramos da investigação

científica. Torna-se este um ponto a mais favorável à convergência buscada nesta dissertação.

Uma vez mais invocamos Arnould: “O teólogo que, hoje, aceita o diálogo com as 163 Encíclica Humani generis, cf. AAS 42 [1950], pp. 575-576. 164 Conviene delimitar bien el sentido propio de la Escritura, descartando interpretaciones indebidas que le hacen decir lo que no tiene intención de decir. Para delimitar bien el campo de su objeto propio, el exégeta y el teólogo deben mantenerse informados acerca de los resultados a los que llegan las ciencias de la naturaleza (cf. AAS 85 [1993], pp. 764-772, Discurso a la Pontificia Comisión Bíblica, 23 de abril de 1993, anunciando el documento sobre La interpretación de la Biblia en la Iglesia: AAS 86 [1994], pp. 232-243). Disponível em <http://www.vatican.va/holy_father/john_paul_ii/messages/pont_messages/1996/documents/hf_jp-ii_mes_19961 022_evoluzione_sp.html> [baixado em 26/12/2008 - 15,11h – Vide Anexos]. 165 Hoy, casi medio siglo después de la publicación de la encíclica, nuevos conocimientos llevan a pensar que la teoría de la evolución es más que una hipótesis. En efecto, es notable que esta teoría se haya impuesto paulatinamente al espíritu de los investigadores, a causa de una serie de descubrimientos hechos en diversas disciplinas del saber. La convergencia, de ningún modo buscada o provocada, de los resultados de trabajos realizados independientemente unos de otros, constituye de suyo un argumento significativo en favor de esta teoría. [fonte acima citada, em sua nota 37]

117

teorias da evolução deve pôr de lado todo a priori que se assemelha a uma Causa suprema: o

único a priori possível é, a meu ver, o que Newman ou Nogar aceitaram reconhecer, a

obscuridade que vem do absurdo aparente da realidade que nos é acessível”166. Trazendo Karl

Rahner para o tapete da discussão sobre o paradigma darwiniano, Arnould argumenta:

Essa reflexão a propósito da finalidade da criação ressalta os limites do discurso teológico

sobre a criação. Não se trata apenas de pôr sob suspeita a idéia estóica de um desenvolvimento

e de uma expansão do ser vivo no decurso do tempo, segundo um plano preestabelecido, que

depende de um a priori; é de um modo mais amplo que o teólogo deve se interrogar sobre

a maneira de ler o ser vivo e de confessar Deus Criador. Em outras palavras, a árvore de

um a priori não deve esconder a floresta dos possíveis. A questão subjacente é certamente a

[e aqui Arnould cita Rahner] “da relação entre o a priori transcendental e o a posteriori

categórico-histórico em teologia”.167

Lembrando que Rahner, refletindo sobre a evolução da matéria e a coerência do devir

em aproximação à fronteira do espiritual, pondera quanto à necessidade de estruturas

ancoradas na matéria, na Vida e no espírito, pela introdução de ordem, leis e pontos de

referência na realidade, Arnould traz ao argumento a ponderação de Rahner: “Se quisermos

realizar tudo isso, será necessário que o filósofo e o teólogo abandonem decididamente o

campo que é próprio deles, e que, usando um método que depende mais do a posteriori, o

método das ciências da natureza, desenvolvam as estruturas fundamentais da história do

mundo.”168

Para Arnould isto não seria confissão de impotência, “mas, antes, a consciência dos

limites de sua competência: o a priori e o a posteriori não dependem de um mesmo campo do

conhecimento; os dois métodos não devem ser confundidos.” Teólogos e filósofos devem

estar atentos: se podem transparecer inevidências em enunciados da física teórica [e por

166 ARNOULD, op. cit., p.126. 167 Ibid., p.146. 168 Ibid., p.147.

118

extensão de outras vertentes científicas], registra-se também uma “crescente inevidência dos

enunciados teológicos.”169

Em 7 de março de 2009 finalizou, no Vaticano, de iniciativa e organização da

Pontifícia Universidade Gregoriana, a conferência internacional sobre o tema “Evolução

Biológica: fatos e teorias. Uma avaliação crítica após 150 anos de A origem das espécies”. O

site da Rádio Vaticana publicou algumas declarações170, oportunas para o propósito desta

dissertação:

[Do Prof. Gennaro Auletta, vice-presidente da Conferência:] “O tema da biologia evolucionista

merece uma séria reconsideração, em virtude de recentes descobertas científicas”. A idéia,

afirmou ainda [o professor], é aliar ciência, filosofia e teologia para superar posições e

polêmicas “ideológicas” que animam mais do que nunca este debate, marcado por

“instrumentalizações” que desembocam num evolucionismo metafísico anti-religioso ou num

extremismo fundamentalista, que leva ao criacionismo. [Segundo o site, para o Prof. Ludovico

Galleni, da Universidade de Pisa], “a evolução é interpretada como um passo no sentido da

complexidade e da consciência”. [Continua o site:] “Partindo do pensamento de Teilhard de

Chardin, filósofo, teólogo e um dos mais eminentes paleontólogos do século XX, o relator

[Galleni] o considerou como um “precursor de muitas questões contemporâneas na biologia

evolutiva”. Ele, de fato, levou a “entender a biologia como a ciência da complexidade da vida e

a biosfera como um assunto complexo a ser estudado para compreender plenamente os

mecanismos de evolução”. “A discussão atual sobre a evolução dos mamíferos no continente é

um bom exemplo da validade da proposta de Teilhard”, acrescentou. As teses de Teilhard de

Chardin, segundo Galleni, são uma prova de que “a evolução do universo e da vida não se

baseia em leis exatamente determinadas, que não deixam qualquer margem para a ação livre

das criaturas. A mudança é baseada em mecanismos complexos, nos quais o pensamento

oferece as melhores condições para o seu livre agir”.

Na mesma página desse site a Rádio Vaticana veicula outra declaração de Galleni:

“Esta nova perspectiva na biologia evolutiva surgiu de uma necessidade filosófica para 169 ARNOULD, op.cit., p.147. 170 Disponível em <http://www.radiovaticana.org/bra/Articolo.asp?c=271064> [bx.em 07/03/2009. V. Anexos]

119

encontrar um lugar especial para a raça humana na natureza”. Vemos aí, e nos alcances da

mesma Conferência, progressos: a Teologia acercando-se das Ciências na busca de

instrumental para melhor explicitação de seus afazeres no campo e objeto que lhe compete e

no papel de atalaia da Fé. Desenha-se, no contexto geral, um movimento que aponta para uma

espécie de “virada”, em certo sentido já iniciada por Karl Rahner e Chardin entre outros. A

“nova aliança”, anunciada por Prigogine e Stengers, parece estar ecoando na Teologia, há

um certo tempo, nos umbrais adentro. A iniciativa tem sido de teólogos. Constata-se certo

resgate das obras de Chardin e de Darwin. Quanto a Darwin e sua obra, não consta que

tenham sido proscritos pela autoridade eclesiástica, desde Pio IX, o editor do Sillabus.

Um pedra de tropeço tem sido a questão do monofiletismo versus polifiletismo.

Repudiado no que respeita ao Ser Humano, tem-se acenado com alguma simpatia no que

respeita aos demais seres vivos. Se em profundidade compulsarmos Gênesis 1,11.20.24

seremos sugestionados a uma interpretação polifilética da narrativa. Continente (terra) e águas

(oceano) não sobressaem como realidades restritas, localizadas num ponto “x” [único] do

Planeta. Por toda a Terra se esparramam águas e continente (a Pangéia?), e, creio-o, também

na visão do Escritor sagrado. O germinar de toda sorte de ervas não pode ter-se restringido a

um ponto geográfico da terra, numa espécie de Éden: só ali a Vida vegetaria, só ali a Vida

pulularia. Para que a Terra germinasse toda sorte de ervas preciso é que a concomitância

desse desabrochar se desse por toda parte; portanto, polifileticamente; em contrário, como se

encontrariam as mesmas ervas em lugares tão distintos, ainda que vistos sob espécies

diferentes, mesmo que disseminadas cada uma por suas sementes? O pulular de toda sorte de

Vida aquática segue na mesma exigência lógica e o mesmo é compulsório na compreensão do

surgimento dos demais seres vivos por toda a terra. Embora se possa deduzir, de uma leitura

rasa, que a locupletação terrestre de vegetais e animais se tenha dado apenas por reprodução

localizada, não parece que o Escritor sagrado esteja restringindo a criação a apenas um casal

120

de cada espécie, pois o versículo 30 (Gn 1) apresenta toda uma cadeia alimentar já pronta para

satisfazer toda a criação.

A cadeia alimentar. No Reino Mineral o pó da terra se estrutura em Vida elementar

abrindo-se em leque na construção de dois braços, pilares da Vida, conhecidos por Reino

Vegetal e Reino Animal. Grosso modo, podemos afirmar que vegetais e seus congêneres se

alimentam diretamente de elementos do Reino Mineral, do qual procedem diretamente. E,

juntamente com estes, tornam-se cadeia alimentar do Reino Animal. Entre estes temos os

herbívoros, os carnívoros e os onívoros. Em terra ou nas águas os primeiros animais não

tinham senão vegetais e minerais para suprir-lhes a existência: a existência do herbívoro

supõe a pré-existência do vegetal; sem este não haveria o herbívoro. Óbvio ululante. Por sua

vez, a existência de um carnívoro não pode prescindir da pré-existência de herbívoros e,

talvez concomitantemente, de outros carnívoros. Em síntese, a Vida que se alimenta da

mesma Matéria de que é fisicamente constituída, alimenta-se também da Vida. Elementar! No

entanto, “cadeia”, elo, ligação, dependência, que leva a uma vertente fundamental.

Imperceptivelmente já estamos falando de evolução, mais ainda, de luta pela Vida.

Seria ...[despreocupante?]... se a questão fosse apenas esta: o Vegetal se alimenta do Mineral

– não o faz à custa de algum ser vivo, de uma Vida. É plácido, até confortador. Mas já aí

existem os vegetais insetívoros. Isto não incomoda. Um passo além, o Herbívoro se alimenta

do Vegetal. Ainda não nos abala. Não se condói pela perda de Vida do Vegetal, pois, neste

caso, é tido como “alimento”. E o Texto Sagrado o dá como alimento a todo ser vivo. Um

corolário aqui, porém, é certo: o Herbívoro se mantém vivo às custas de extração da Vida de

que era detentora aquele vegetal do qual se alimentou. A Vida se mantém às custas de uma

Vida. Melhor dizendo, um ser vivo sobrevive às custas de outro ser vivo. E isto em cadeia. E

aqui chegamos ao carnívoro e ao onívoro. O processo se repete. É às custas da Vida de um

Herbívoro, ou de outro Carnívoro, que o Carnívoro sobrevive. Ainda assim, quando se pensa

121

o problema no domínio dos animais, tudo transparece corriqueiro, normalíssimo.

Principalmente quando é o Homem que se alimenta: toda a Natureza está posta por seu

alimento. O Homem é mais um entre os onívoros. Biodiversidade em ecossistemas.

Imperioso considerar a cadeia alimentar no horizonte da sobrevivência do indivíduo

e da espécie, pois, não se tem como evadir-se da problemática levantada pela teoria da

evolução. O que é bom, o que se torna um bem para o Carnívoro que se alimenta, pois se trata

do sustento de sua Vida, de sua existência, seria um não-bem (um “mal”?) para o Herbívoro,

que perde a Vida para o Carnívoro? O indivíduo não doa sua Vida para quem dele se

alimenta. Ela lhe é brutalmente arrebatada, surripiada, abocanhada pelo predador.

Anatematizamos de predadores, em sua conotação negativa, animais como a águia, o lobo, o

leão, a orca, o tubarão, o jacaré, a piranha e outros, pela ferocidade com que abatem sua presa.

No entanto seus agires são bíblicos, sustentam sua existência pela cadeia alimentar que lhes é

posta: “Sl 104 21 rugem os leõezinhos em busca da presa, pedindo a Deus o sustento. [...] 27

Eles todos [animais pequenos e grandes e o Leviatã] esperam de TI que a seu tempo lhes dê

alimento: 28 TU lhes dás e eles o recolhem, abres tua mão e se saciam de bens.” A cadeia

alimentar garante e sustenta a evolução. Filhos não são gerados se os pais não se sustentam

pela alimentação; sustentam-se pela alimentação se absorvem os elementos vitais de outros

seres vivos. É inescapável: a cadeia alimentar é determinante na assunção de “um lugar ao

sol”171, da garantia de sobrevivência. Não tem como eu comer um só pouquinho do peixe e

deixar-lhe o restante para que ele sobreviva. Isso é cruel (ou pode parecer cruel), mas é a

irreformável realidade no panorama da manutenção da Vida e da evolução das espécies. A

171 SUSIN, op.cit., p.70, argumenta contra Pascal: “O espaço é ambiente organizado pelas próprias criaturas para que cada criatura encontre, desde alguém e junto a alguém, um ‘lar’. Tornar-se ‘espaço’ para outras criaturas é uma possibilidade e é uma vocação que tornam desnecessárias a reivindicação e a luta pelo ‘meu lugar ao sol’, expressado por Pascal como ‘o início da usurpação de toda a terra’. O Gênesis nos oferece uma inspiração humana [...]” etc. O argumento, parece-nos, soa ideal, poético, assentado num a priori que não leva em conta sua própria redação, pois, deixa implícito que ceder espaço para outrem sujeita a ceder-lhe algo mais que um simples espaço. Como não ser necessário reivindicar e lutar por um lugar ao sol? Uma coisa é a ética cristã do doar a vida porque se ama, outra é a evidente luta por “um lugar ao sol” no domínio de todos os seres vivos. Convém que a problemática pascalina seja revisitada pela Teologia no horizonte da luta pela Vida.

122

luta pela Vida. Embora se consintam vidas simbióticas, embora espécies convivam de modo

comensal, cada uma, de per si, toma da Vida que não é sua para que continue vivendo. A que

nos leva esta reflexão? Antes, porém, tragamos à consideração outra questão paralela.

Se depois de tanto tempo de “já estar criado o Universo”, uma amostra sua, que é a

Terra, ainda estremece em deslizamentos de placas tectônicas provocando terremotos e

maremotos; incansável vomita “sua” lava (existem hoje perto de 600 vulcões ativos no

Planeta Terra); geleiras avançam e recuam; tsunamis se elevam e invadem costas continentais

arrastando atrás de si destruições sem conta ... em manifestações tais que denunciam não estar

pronta e acabada, mas em processo de conformação, – o que não pensar de todo o Universo e

por ele afora? E da própria Vida? Da Pangéia à configuração atual dos continentes, a

Geologia constata a deriva das placas tectônico-continentais, camadas e camadas de rochas

sedimentares, em evidente testemunho de que o Planeta passa ainda por uma evolução, passa

de uma configuração para outra, “vai se arranjando”. Internamente. Externamente se move em

rotação e translação. Não está parado. “Evolui”, em torno de si e do sol. E com ele em

contorno na e com a Via Láctea. O Planeta Terra revela assim ser próprio da Natureza o

evoluir: e isto marca todos os acontecimentos, e torna-se mais notável no Ser Humano. A

leitura científica do Universo é a leitura de sua evolução, é a leitura de sua História. Pela visão

retrospectiva que podemos lançar ao nosso Passado, podemos vislumbrar “os passos” dados

pelo Universo desde o seu amorfo Big-Bang e projetá-lo para nossos dias; e ler com clareza:

ele passou-passa por uma Evolução. Evoluir é sua dinâmica. Evoluir é nota sua distinta,

característica. Então, tudo que dele faz parte está sob a regência da mesma Evolução. A

Evolução pode ser lida com mais facilidade na Vida e em seus derivados.

Eis a que nos levam essas reflexões. Toda a Matéria do Universo está ainda hoje sob

os efeitos daquela explosão ocorrida 15 bilhões de anos atrás. O Universo evolui, a Pangéia

terrestre não está “estabilizada”, a Terra evolui (ou está em processo de degradação pela

123

cupidiosa ação do “homem” [com “h” minúsculo]). A Vida na Terra traça uma História, uma

dinâmica; desde seu aparecimento ela não se revela estacionária. Filha do Universo (filha do

Big-Bang, admitamos) a Vida está marcada pelo torque, pelo “empuxo” da Evolução. Ir em

frente. Não fica difícil admitirmos a Teoria da Evolução172, paradigma darwiniano, nas suas

linhas mestras, tanto quanto foi possível admitirmos, embora muito tardiamente e a duras

penas, o paradigma levantado pela revolução copernicano-galileana.

Desenhando magistralmente a curva da evolução, Teilhard nos proporciona uma

visão cósmica da evolução: do Estofo do Universo à Terra Juvenil; nesta, da Pré-Vida à Vida;

da Vida à ascensão da Consciência; da Consciência à Noosfera; e, numa antecipação

visionária, como Megassíntese da Evolução, a Sobrevida; ... e paro por aqui, pois Teilhard

vai muito além. Ele não é, de maneira alguma, partidário de um Universo estacionário. Veio

de Alfa e caminha para seu Ômega. Com Teilhard podemos alcançar: o Estofo do Universo

que veio se configurando, desde o Big-Bang, por interações configuradoras da Realidade

constatada, de modo “dinâmico” (consintamos assim) – alimentando controvérsias entre

cientistas e teólogos quanto a ter sido por “acaso” ou por “necessidade”, por “contingência”

ou por “determinismo”, etc. –, faz agora conviverem o processo evolutivo natural e o

despertar e interagir do livre arbítrio, capaz de direcionar ou redirecionar a eclosão de

eventos. O Intelecto, suprindo de dados a Consciência [aquela integração do ser com a

realidade que o circunscreve, com a qual se relaciona e que o mantém em latência decisória],

possibilita-a à Insurreição frente à gama de possibilidades de múltipla escolha. [exemplos? >

trânsito, curas, invenções ...]

A Vida é biológica e é psicológica. Não se trata de enfocar a alma, ou seja, a psique.

172 Quando da Sessão Plenária da Academia Pontifícia de Ciências, em novembro de 2008, o site da Rádio Vaticana referenciou algumas declarações de Bento XVI. Quando ainda Cardeal Ratzinger: “não existe uma contraposição entre teoria da evolução e Criação, mas o conflito se dá, sobretudo, entre duas concepções diferentes do homem e da sua racionalidade.” Já Papa,em julho de 2007: “ [...] falando aos sacerdotes de Lorenzago di Cadore, no nordeste da Itália, Bento XVI reiterou que contrapor evolução e Criação “é um absurdo”. Disponível em <http://www.radiovaticana.org/bra/Articolo.asp?c=241881> [baixado 12/04/2009 – Vide Anexos].

124

Já a Ciência está a descortinar algo mais no Dentro das coisas. As porções de energia, as

quanta de energia despontam ao saber como algo muito mais que inermes porções de luz, de

granulações de energia, de subpartículas. São ativas por suas propriedades intrínsecas,

determinantes de sua ação e tomada de posição dentro da Realidade, criando, para suas

individualidades, verdadeiro ecossistema. Seu ponto de partida situa-se no átomo. Cada uma

de suas subpartículas e partículas está “carregada” de uns quanta de energia. Estamos na

fronteira entre o ser-vivo e o não-vivo! John Gribbin, em três capítulos173 de sua obra, nos dá

uma panorâmica sobre o conhecimento atual da Vida, desde sua relação com o Big-Bang e

expansão do Universo, suas possíveis origens mediatas e imediatas, a busca de sua definição

face à fronteira com o não-vivo, de que é formada. A Vida como nós a conhecemos, Gribbin

a situa no “Planeta Vivo”, a Terra. O surgimento e desabrochar da Vida está marcado por uma

constante que se nota na integração química dos elementos. Evoluir, de elementos simples

para elementos compostos, formando moléculas, e replicar-se. Nesse processo, replicantes

“bem sucedidos” dão início a cadeias moleculares capazes de se reproduzirem. Evolução do

ser não-vivo para o ser-vivo: o salto do inorgânico para o orgânico. Manfred Eigen

demonstrou que anteriormente ao aparecimento da Vida, as moléculas já estavam sob as

regras da seleção [que Teilhard engloba no processo de complexificação], impulsionadas a

saltos de mutação sob ação conjunta de princípios de informação e cooperação. “Na teoria da

evolução de Manfred Eigen [...], desempenham um papel decisivo a multiplicação e a

organização do material informativo já existente nas moléculas inorgânicas.”174 [vemos aí

presente e atuante o Dentro, de que tanto fala Chardin]

Químicos e biólogos se ocuparam de decifrar essa questão de fronteira. Tal foi o

propósito de Francis Harry Compton Crick (1916-2004). “Até então ninguém explicara

totalmente como átomos sem Vida podiam criar Vida ou como os organismos transmitem

173 GRIBBIN, op.cit., pp.47-137. 174 Eigen descrito por GANOCZY, op.cit., p.56.

125

suas características”175. Ao estudar as propriedades físicas do citoplasma concluiu que faltava

conhecer a estrutura molecular dos genes. Francis Crick fica conhecendo James Dewey

Watson (1928-) e descobre que ambos tinham no DNA uma paixão em comum e igualmente

convencidos de que o DNA era portador dos segredos da Vida. A descoberta da forma

helicoidal do DNA passou a direcionar as pesquisas. John Gribbin: “O DNA é a matriz

básica para todas as formas de vida existentes na Terra”. A formação do DNA e a evolução da

Vida estão ligadas ao processo de formação de réplicas. Por isto o conhecimento da

“Molécula da Vida” é de capital importância176. Jerry Donahue (1924-) levara-os a

considerar o fato de as bases se emparelharem, a adenina somente com a timina, e a guanina

somente com a citosina, por força de suas atrações químicas. James Watson percebeu: “um

par adenina-timina mantido junto por duas ligações de hidrogênio apresentava forma idêntica

à de um par de guanina-citosina”177. Chegava-se à dupla estrutura helicoidal do DNA, em

duas cadeias antiparalelas, tendo açúcar e fosfato nas armações de sustentação da hélice

dupla, como uma coluna vertebral na qual se assentam os pares das quatro bases, como

degraus de uma escada. Sozinha a Biologia não teria dado esse passo. Física e Química são

mais do que parceiras na elucidação do mistério da Vida.

Exatamente o que faz o DNA? Ele controla o feitio, a estrutura e a função de todo o organismo

mediante a produção de proteínas. Ele pode ser duplicado com exatidão, e assim cada nova

célula formada é idêntica à original. Essa função de produzir proteínas e a capacidade de

duplicação aplicam-se igualmente a uma bactéria, a um protozoário ou a uma célula do pulmão

ou do fígado humano.178

Novamente o recurso ao “universo de possibilidades”, com a Matemática em seu

cálculo de probabilidades e análise combinatória, carreia mais luz aos e compreensão dos

processos íntimos da Célula da Vida. Aminoácidos: tijolos construtores da Vida. O que se 175 Citado em BRODY, op.cit., pp.365-386. 176 GRIBBIN, op.cit., pp.84-91. 177 BRODY, op.cit., p.371. V.também p.359. 178 Ibid., p.373-374. A citação seguinte também está na p.374.

126

segue é melhor dito por sua transcrição (em continuação à citação supra) do que tentar dizê-lo

com nossas palavras:

As proteínas compõem-se unicamente de aminoácidos (distintos dos ácidos nucléicos que

compõem o RNA e o DNA). Os aminoácidos organizam-se ao redor das quatro ligações do

átomo do carbono. Ou seja, o carbono tem Valência 4, o que significa que ele possui quatro

elétrons sem par na camada externa, e isso lhe permite fazer essas ligações e o torna o átomo e

o elemento químico mais importante da biologia. Embora existam apenas vinte variedades

de aminoácidos, longas repetições de sequências múltiplas permitem dezenas de milhares de

combinações de aminoácidos para formar uma grande variedade de proteínas. De fato, existem

cerca de 50 mil tipos diferentes de proteínas em nosso corpo, a maioria deles encontrada

exclusivamente na espécie humana. Os mesmos vinte aminoácidos em 50 mil combinações

diferentes estão ligados uns aos outros em longas cadeias dobradas sobre si mesmas.

Cada cromossomo humano possui em média 100 milhões de nucleotídeos. Os

caracteres hereditários, genéticos, seus genes, compõem-se de DNA (que configuram os

cromossomos no interior do núcleo celular). A constituição genética total do ser humano

compõe-se de 100 mil genes, que se localizam em regiões específicas de cada um de seus 46

cromossomos. Mas, o que é um “gene”?

Podemos agora responder mais completamente à questão “O que é um gene?”: é uma região do

DNA que controla uma característica hereditária específica, como cor do cabelo, altura, forma

do nariz e milhares de outros traços. A sequência específica das bases (adenina, citosina,

guanina, timina) [nucleotídeos] que compõem o gene geralmente corresponde a uma única

proteína ou RNA complementar. “Gene” significa toda uma unidade funcional, incluindo tanto

as sequências de DNA que codificam a proteína como as sequências de DNA que “regulam” o

processo mas não codificam a proteína.179

Um de seus pares é o responsável único, exclusivo, pela determinação do sexo do

novo ser animal. O cromossomo XY define o macho, o XX define a fêmea: para todo ser vivo

179 BRODY, op.cit., p.375. Nas páginas seguintes 376-399 encontramos muita descoberta a ser levada em conta. Não reagir a elas seria contraproducente – GANOCZY., op.cit., p.14.

127

que se perpetua por reprodução sexuada. Talvez seja terrível, ousado e temeroso, afirmar não

ser Deus que define o sexo; mas salta límpido que essa determinação se deve à disputa entre

400 milhões de espermatozóides, supostamente, em média, 200 milhões de portadores do

cromossomo “X” em disputa com outros 200 milhões de portadores do cromossomo “Y”. O

que “vence” torna-se evento: eis o novo macho, eis a nova fêmea. Entrar nos pormenores

processuais da duplicação da célula e ou do ser pluricelular é desnecessário para nossos

propósitos. Ficamos por aqui. Os quanta ainda estão por revelar todo o seu Dentro.

Precisamente o quê se infere de toda essa visão a posteriori? Filosofar sobre a Vida

não leva a auscultar sua intimidade, sua eclosão, seu processo vital e vitalizante. É forçoso

baixar-se do a priori à inquestionável Realidade da Matéria para buscar saber por que veios

e processos o Criador a estabeleceu. Assim como se apresenta, ela é. Temos que descer de

ponderações platônicas e ler a Vida onde ela se manifesta e a partir de suas manifestações. A

Vida não é teórica: é concreta, é palpável, é analisável, é “contável” (na expressão de

Chardin). Ela, como toda a Natureza, deve ser lida e apreendida tal e qual o Criador a

projetou. Esquadrinhá-las tem sido o labor das Ciências. Se, como teólogos, não somos

igualmente cientistas pesquisadores, não temos, como disse Arnould, cabedal para questionar

o ensino da Ciência.

Fazendo agora o caminho inverso, passando, retrospectivamente, do Ser Vivo à

Molécula da Vida; desta, a seus átomos constitutivos; de seus átomos a seus

microconstituintes, eis-nos chegados, no final da recapitulação, ao singular momento em que

tudo começou. Este duplo caminho, do Big-Bang ao DNA e o seu reverso do DNA ao Big-

Bang, é básico para se admitir na Fé, por efeito da Razão que a ambas dá/garante

credibilidade, que o Big-Bang, como o prognostica a Ciência, pode, sem contradição,

significar exatamente o modus operandi Creatoris ao manifestar sua Vontade: Haja! E houve!

– De uma certa forma podemos admitir, não com desnecessária humildade, mas com convicta

128

galhardia, que a Teologia tenha que se render às Ciências e dizer-lhe “obrigada pela ajuda”.

Se há o que questionar quanto às variadas conclusões das Ciências, não quanto à Natureza.

Tudo nela é como é; e se é, e porque é, é porque assim foi feita, assim saiu das “mãos” do

Criador. Nem a Teologia, nem as Ciências inventam a Criação ou a Natureza. Ela se apresenta

exatamente como o Criador a quer, e, se não tivesse querido, ela “não seria” (Sb 11,24-25).

Não temos, pois, que fazer-lhe conjecturas subjetivas, nem adereçar-lhe conjunturas que ela

própria não dê a conhecer. Temos sim, que adequar nosso Livre Arbítrio ao que Deus está nos

dizendo através de sua Criação. Convém que sua Vontade seja lida onde ela se expressa de

modo evidente: desde a Criação Deus fala à Inteligência através das coisas criadas (Rm 1,20).

São Paulo nos diz que o Criador deixou escrita na Natureza a sua linguagem180. E, por fim,

circunspectos, olhar para elas e contemplar o nosso Deus: “Tudo isso é o exterior de suas

obras, e ouvimos apenas um suave eco. Quem compreenderá o estrondo do seu poder?” (Jó,

25,14). Ele é o Deus dos possíveis, é o Deus que faz acontecer. O Mundo é, pois, o espaço

dos possíveis, seja da Matéria não-viva, seja dos seres-vivos. A Biologia deu seu contributo

demonstrando que a Vida é uma explosão de infindas possibilidades. A Física e a Química

demonstram que o Universo é um celeiro de muito mais infindas possibilidades.

“Por conseguinte, o teólogo, de um modo mais veemente que seus predecessores, é

convidado a deixar o jardim do Éden, o da ordem e da medida, no qual a teologia da criação

procurou por muito tempo permanecer”181. E, “Porque a idéia de que Deus é Criador de

possibilidades e concede livre curso à realização e à organização autônomas de suas criaturas

desloca de antemão a perspectiva para o nível do ser e do intelecto”182, o Intelecto vai longe,

muito longe. Cientistas como Stephen Hawking183 chegam a abordar a possibilidade de que

“este” Universo possa não ser o único Universo, que outros possam existir sob outras

180 COLLINS, Francis S. A linguagem de Deus: um cietista apresenta evidência de que Ele existe. São Paulo: Gente, 2007. Collins se converteu ao Criador, por força de seu trabalho, lendo “essa linguagem divina”. 181 ARNOULD, op.cit., p.236. 182 GANOCZY, op.cit., p.10. 183 HAWKING, op.cit., pp.174.176.178.187...

129

configurações. E então, a singularidade do Big-Bang não existiria ou não seria a única. John

Gribbin diz o mesmo184. Probabilidades ... Isto leva-nos a, pelo menos, pensar: sendo Deus o

Criador de tudo que não seja Ele próprio, é fácil admitir, na Fé, que isto possa ser real, que

Ele tenha criado, no mínimo, um outro Universo. Afinal, “onde”, em que “estado existencial”,

se acomodariam, pelo menos, os seres humanos falecidos? No mínimo, o Céu da Vida Eterna

– dos seres que passaram desta para a outra Vida, seres que não são Deus – constitui,

inequivocamente, um Universo diferente “deste” Universo em que existimos e de que estamos

falando. Pois, de fato: não é Deus o Deus dos possíveis? As Ciências parecem estar sugerindo

à Teologia, a pensar grande, através “da sua reflexão especulativa”.

Uma visão retrospectiva sobre Gn 1 leva a repensar a evolução da Matéria

relativamente à Vida e à Vida inteligente, senão no Universo todo, ao menos no Planeta Terra.

Chardin, o nosso sintetizador das teorias do Universo, dá a seguinte pista185:

À sua maneira, a Matéria obedece, desde a origem, à grande lei biológica de complexificação.

[p.26] – Na verdade, duvido que haja, para o ser pensante, minuto mais decisivo do que aquele

em que, caindo-lhe a venda dos olhos, descobre que não é um elemento perdido nas oscilações

cósmicas, mas que uma universal vontade de viver nele converge e se hominiza. O Homem,

não centro estático do Mundo – como ele se julgou durante muito tempo; mas eixo e flecha da

Evolução – o que é muito mais belo. [p.11]

Hawking, uma voz de peso na Ciência, pondera sobre as condições para a Vida

Inteligente. Em origem e destino do universo discorre sobre os pressupostos que envolvem o

conceito de princípio antrópico fraco e forte, termo que implica uma situação limítrofe entre

Ciência e Metafísica. Segundo seu introdutor, o astrofísico Brandon Carter (1942-),

enquanto no princípio antrópico fraco “os valores dos parâmetros físicos fundamentais são

condições suficientes para a formação de sistemas biológicos complexos no universo”, no

184 GRIBBIN, op.cit., “O conjunto dessas descobertas nos conduz à idéia de que nosso Universo pode ser apenas um entre incontáveis universos, e. [...]” p.XIII e noutras mais. 185 CHARDIN, op.cit., pp.26 e 11.

130

forte eles são condições necessárias para a formação de tais sistemas. Qualquer deles satisfaz

a proposição de Chardin (eixo e flecha). Brandon Carter parafraseou Descartes: “Cogito,

ergo mundus talis est”186. Stephen Hawking, de certa forma, privilegia o princípio antrópico

fraco segundo o qual o desenvolvimento evolutivo do Universo se deu de tal forma que

resultou na produção do “ser capaz de computar retroativamente o tempo até a grande

explosão”. Ele explica: “O princípio antrópico fraco afirma que, em um universo grande ou

infinito, em espaço e/ou tempo, as condições necessárias para o desenvolvimento da vida

inteligente só serão encontradas em determinadas regiões, limitadas no espaço e no tempo”

187. Esse princípio quer significar que a vida e a inteligência representam a chave de

interpretação do Universo. Não é significativo que Gn 1 faça terminar a História da Criação

com o surgimento da Vida Inteligente? Mas, teria Deus, então, interferido diretamente no

surgimento da Vida Inteligente?

Hans Küng pondera: “Quando se tem uma razoável confiança em Deus [...] é preciso

que não se faça confusão entre os conhecimentos científicos e as declarações de fé”. E acena:

“Mesmo aquele que aceita um princípio antrópico não precisa, de forma alguma, defender

uma intervenção ‘sobrenatural’ de Deus no processo do mundo”. E dá uma razão: “Na

concepção dos biólogos, uma intervenção sobrenatural de Deus na origem e no

desenvolvimento da vida parece hoje mais desnecessária do que nunca”, razão que confronta

com uma compreensão espiritualizada de Deus:

Seria uma idéia por demais exterior e antropomórfica achar que Deus, como senhor e rei,

“controla” ou “dirige” os acontecimentos, também os que nos parecem casuais, ou até mesmo

as ocorrências indeterminadas no interior do átomo. Que se haveria de dizer, então, de todos os

desperdícios e becos sem saída da evolução, como as espécies que se extinguiram, ou os

186 ABBAGNANO, Nicola. Dicionário de Filosofia. São Paulo: Martins Fontes, 2007. Citações da p.74. 187 HAWKING, op.cit., cap.8, pp.175-179. As várias citações estão na p.175.

131

animais e seres humanos que morreram lamentavelmente? E do infinito sofrimento e de todo o

mal que se manifestou neste mundo em sua história? Para tudo isto esta concepção de um

Deus-senhor não tem qualquer resposta188.

Todos esses sábios, todos esses cientistas revolvem o estofo de que são feitos, de que

tudo é feito. E apresentam à Inteligência dados que, se não convencem de pronto, instalam o

muito em que pensar. Repetindo a interrogação de Ganoczy, “Será que novamente está na

hora de a teologia revisar suas posições? [...] Será que ela agora precisa reagir também à

teoria da relatividade, da mecânica quântica, da teoria do caos e da tecnologia genética, com

teorias teológicas condizentes?”189 – Registramos aqui nossa convicção: Sempre será agora,

pois, a Natureza em devir não agasalha uma Mente que se posta na anacronicidade.

188 KÜNG, op.cit., pp.189-190. 189 GANOCZY, op.cit., p.14.

132

CAPÍTULO IV

CAMINHANDO PARA A CONCLUSÃO

1 – RECHEIOS INCONVENIENTES PARA UM INÍCIO DE DIÁLOGO

Criacionismo (fundamentalista ou não), criação finda, criação contínua, acaso, caos,

lusus naturae, geração espontânea, vitalismo, contingência, finalidade, seleção, determinismo,

necessidade, utilitarismo, eleição, emergentismo, mecanicismo, coincidências, multiplicidade

de Big-Bang e de big-crunch e tantos outros mais. Alguns inócuos, outros nefastos, outros até

mesmo já expurgados no domínio da ciência. Arnould não hesita em classificar alguns deles

de miragens190. À afirmação de Marie-Joseph Nicolas, “Se o mundo inteiro está suspenso em

uma Causa Criadora [...] ele tem necessariamente um sentido e uma finalidade”, Arnould

objeta: se a prescrição desse postulado é dirigido às Ciências “podemos temer o conflito ou o

concordismo e, com o tempo, a ausência do diálogo”191, e acrescenta: “Se essa obrigação só

diz respeito à teologia, até que ponto ela deixa uma parte de mistério e de obscuridade,

limitando os efeitos de uma teodicéia muito luminosa?”192.

Quando de elaboração científica, estes recheios têm, em conjunto, o condão de levar a

um diletantismo por vezes improdutivo e até negativo. Fazem teorias se sucederem, se

substituírem, instalando uma espécie de insegurança científica para ambos os lados. Só têm se

prestado para lançar controvérsias, desentendimentos entre os próprios cientistas e, no que

respeita ao diálogo com a Teologia, chegam a construir barreiras intransponíveis. E também a

conduzir certos filósofos e certos teólogos a conclusões apressadas e inexatas, sugerindo que

190 ARNOULD, op.cit., p.127, a propósito da neo-escolástica das causas defendida por Bailleux e outros, e também da emergente miragem da teologia contemporânea da criação em torno da noção de jogo. 191 Ibid., p.126. 192 Ibid., p.126.

133

na Ciência nada é estável, que teorias se multiplicam e se sucedem interminavelmente, que o

que era teoria ontem já não o é hoje, que a Ciência tem no transitório sua dinâmica. Não é

assim, vimos isso no desenvolvimento do capítulo anterior.

A Ciência mesma bate no peito e se reposiciona. Vimos como Einstein se penitenciou

de sua constante cosmológica. Em 1986 James Lighthill apresentou desculpas em nome da

fraternidade de especialistas em mecânica “por haver induzido em erro o nosso público culto”

devido a generalizações no campo da previsibilidade e do determinismo “que hoje sabemos

serem falsas”. É Ilya Prigogine que o registra em seu livro193 acrescentando: “Eis aí uma

declaração que sem dúvida se pode qualificar de excepcional” [...] “A renovação da dinâmica,

a mais antiga ciência ocidental, é um fenômeno único na história das ciências”. E observa:

“Os historiadores da ciência estão habituados a revoluções em que uma teoria é desmentida e

a outra triunfa [...] mas é totalmente excepcional ouvir especialistas reconhecerem que durante

três séculos se enganaram sobre um ponto essencial de seu campo de pesquisa”.

Trata-se de dinâmica própria. A Ciência aprende com a Ciência, de uma forma

arquiteturalmente maravilhosa, dada a mútua cooperação interdisciplinar entre suas vertentes,

que a consolidam e, por isso, pode se assentar solidamente por degraus de conquistas que se

revelam insofismáveis, comprováveis, racionalmente indiscutíveis. “No campo das ciências

empíricas, para particularizar, ele [o cientista] formula hipóteses ou sistemas de teorias, e

submete-os a teste, confrontando-os com a experiência através de recursos de observação e

experimentação”194. Claro, não é tudo que os cientistas afirmam que se constitui em certeza

científica. Há que se fazer o filtro. Como consideramos na Introdução, os pesquisadores se

mantêm atentos à provisoriedade do “até prova em contrário”. “Com o advento do método

científico, as hipóteses que sobreviviam a um escrutínio tornavam-se teorias, e as teorias que

sobreviviam aos esforços para refutá-las tornavam-se leis e princípios, pois tinham de ser

193 PRIGOGINE, Ilya. As leis do acaso. São Paulo: UNESP, 2000. pp.33-34. 194 POPPER, Karl. A lógica da pesquisa científica. São Paulo: Cultrix, 2007. p.27.

134

repetíveis e possuir a capacidade de sobreviver a um questionamento rigoroso e inevitável”195.

“Com efeito”, diz Popper, “uma teoria que mereceu ampla corroboração só pode ceder passo

a uma teoria de mais alto grau de universalidade, ou seja, a uma teoria passível de submeter-

se a melhores testes e que, além disso, abranja a teoria anterior e bem corroborada – ou, pelo

menos, algo que se lhe aproxime muito”196. O que vemos então? Nas Ciências, teorias, leis e

princípios. Nas Religiões, de alguma forma, Doutrinas. No Catolicismo, também, e Dogmas.

No entanto, aqueles recheios não são absolutamente descartáveis. Apenas que

impedem um primeiro “acerto de contas”197. Depois de acertados uns pontos mínimos de

irrefutável convergência [concórdia dos espíritos] poderão ser úteis ao enriquecimento do

intercâmbio cultural Revelação-Ciência e crescer em profícua explicitação de conceitos.

Reveses e maturação de teorias e conhecimentos científicos – Só para exemplificar

esse in-crescendo, citemos alguns passos. Quanto ao heliocentrismo, o primeiro a propugná-lo

foi Aristarco de Samos (320-250 a.C). Os gregos já faziam idéia da esfericidade da terra.

Antes de Aristarco, Pitágoras de Samos (570-496 a.C) e Heráclides de Ponto (séc. IV a.C)

diziam que a terra estaria no centro do universo e que Mercúrio e Vênus girariam em torno do

sol. Aristarco argumentou que o movimento dos planetas, inclusive da própria terra, seria

facilmente compreendido admitindo-se que todos evoluíssem em órbitas circulares ao redor

do sol. Suas idéias valeram acusação de insulto religioso. Pela época fazia escola o

geocentrismo filosófico de Aristóteles (384-322 a.C) que, enriquecido mais tarde pelos

trabalhos de Ptolomeu (Klaudios Ptolomaios, 85-165 d.C), influenciou a cultura científica (e

teológica) por perto 1500 anos. Entre Aristóteles e Ptolomeu, Hiparco de Nicéia (190-125

a.C) também refutava a teoria de Aristarco. Coube ao padre Nicolau Copérnico (Mikolaj

195 BRODY, op. Cit., p.405. 196 POPPER, op.cit., p.303. 197 [Relativamente à temática desenvolvida no cap.I, esta é a dificuldade que tem predominado. A nosso ver, v.g., a tentativa ecumênica de diálogo Católico-Protestante-Ortodoxo-Pentecostal sofre da mesma injunção: sobreposições unilaterais de doutrinas excluindo-se mutuamente, anuviando a visão de pontos comuns de união, de Doutrina, com exacerbação das diferenças que mantêm o statu quo da inconciliação dos espíritos.]

135

Kopernik, 1473-1543), de modo científico, instaurar verdadeira revolução reabilitando

Aristarco. A ele seguiram-se as descobertas de Galileu (1564-1642), de Johannes Kepler

(1571-1630), de Newton, até chegarmos a Lemaître, Gamov, Hubble e tantos outros no

último século, logrando-nos o mais coerente modelo de Universo.

A Cosmologia deixou a infância, parou de filosofar, tornou-se adulta, tornou-se

Ciência. A Razão deixou de ser apenas teorética e assumiu a mensuração direta da realidade

como, aliás, já o reivindicava Aristarco, considerado hoje o Copérnico da Antiguidade

Clássica. Também a trajetória evolutiva da Vida animal tem nascedouro na Antiguidade

Clássica. Registram-se observações da Natureza desde Xenófanes de Cólofon (570-475 a.C).

O antecessor mais próximo de Darwin, Georges-Luis Leclerc de Buffon (1717-1788), já

havia concluído que parte da Vida animal desaparecera, que alguma mudança evolutiva tenha

acontecido na Vida animal, e que havia ancestrais comuns às diferentes espécies animais.

Com Darwin, Mendel, e tantos outros, o conhecimento do ser vivo atingiu maturidade tal que

aponta para horizontes mais longínquos.

No entanto, foi preciso o surgimento, nada menos que, da Geologia, com James

Hutton198 (1726-1797), para que, através da principiante datação da Terra, seixos e fósseis

pudessem contar sua história. Para Hutton, o presente é a chave para o passado, ou seja, os

processos atuais remontados ao tempo explicam os fenômenos do passado. Hutton ensinou

que o Tempo “resolve” uma série infindável de postulados, como datação de rochas e de

fósseis. Até podemos ver, na linha do tempo traçada por Hutton, a projeção do presente até

ao remotíssimo Big-Bang e “contemplarmos” a aurora do Universo, aurora da Criação. E,

claro, sob nosso visual humano e atual. Mesmo sem sermos medida das coisas não

conseguimos escapar de todo do nosso ver-sentir-julgar-agir antropomórfico. Até mesmo de

Deus pensamos e dizemos antropomorficamente.

198 BRODY, op.cit., p.237.

136

Acertos e erros devem redirecionar nosso aprendizado de modo a não reincidirmos. O

exame de consciência leva-nos sempre ao passado. Dos três primeiros séculos do cristianismo

dissemos, por muito tempo, que o sangue dos mártires era semente de novos mártires. O

Império Romano de então produziu mártires e lapsi. Ascendida ao trono de religião oficial, a

cristandade assumiu a posição do perseguidor. E produziu mártires e lapsi do pensamento e

das ciências durante vários séculos. Em alguns países católicos e protestantes. E as Ciências

entraram em processo de divórcio com a religião. Não nos é lícito atarantarmo-nos e

manifestamo-nos estupefactos com o desenlace199. A História nô-lo recorda:

Nos séculos XVII e XVIII, os governos da Europa começaram a conceder grande apoio

financeiro à pesquisa científica. Após o julgamento de Galileu, tornou-se comum na Itália, na

Inglaterra, na França e na Alemanha advogar a ciência, a experimentação e as teorias apesar da

oposição dos líderes religiosos desses países. Assim, a ciência não só desenvolvera instituições

e um método para guiar seu trabalho, mas também finalmente ganhar um porto seguro – uma

“zona de liberdade” na qual crescer e prosperar200.

Embora doa, é preciso ter presente as consequências de fatalidades como aquela que

envolveu Igreja e Galileu para não reincidirmos, nem de leve, num julgamento des-aforado.

Hans Küng, repassando o episódio, pondera que a Teologia e a Igreja poderiam ter-se aliado

à nova Ciência desde então, como postulavam os próprios cientistas, mas “contribuíram

substancialmente para que o ateísmo científico e político conseguisse impor-se – com alguns

precursores no século 18, com um grande número de cientistas no século 19, e por último

também em vastas camadas da população nos séculos 20 e 21, no Ocidente e no Oriente”201.

Verdadeira bola de neve.

Nós crentes e teólogos não precisamos ter medo de que o ESPÍRITO SANTO possa

nos apontar substancial quantidade de acertos, provindos de até mesmo pagãos ou

199 Fides et Ratio sobre a difidência (desconfiança) instalada. Termo empregado no n.45 item 3 O drama da separação da fé e da razão, da versão portuguesa dessa Encíclica, disponível no site do Vaticano. 200 BRODY, op.cit., p.405. 201 KÜNG, Hans. O princípio de todas as coisas: ciências naturais e religião. Petrópolis: Vozes, 2007. p.81.

137

perseguidores da Fé, com o que poderíamos não contar, ou que de alguma forma perturbasse

nosso tirocínio, “já porque nessas falsas teorias muitas vezes está latente alguma parcela de

verdade, já porque esses mesmos erros incitam a inteligência a perscrutar e a examinar certas

verdades filosóficas e teológicas com maior atenção e agudeza”202. “É verdade que,

observando bem, mesmo na reflexão filosófica daqueles que contribuíram para ampliar a

distância entre Fé e Razão, se manifestam às vezes, gérmenes preciosos de pensamento que,

se aprofundados e desenvolvidos com mente e coração reto, pode fazer descobrir o caminho

da verdade”203. Mesmo porque, “a Igreja precisa do auxílio, de modo peculiar, daqueles que,

crentes ou não-crentes, vivendo no mundo, conhecem bem os vários sistemas e disciplinas e

entendem a sua mentalidade profunda”204. Quanto à Criação, procuramos sua Verdade mais

extensa e profundamente compreendida para darmos ao Mundo razão de nossa Fé (1Pe 3,15).

Pois bem, o ESPÍRITO SANTO nos “fala” através da Revelação sobrenatural, mas

“fala” [antropomorfismo] também, muito mais copiosa e intensamente através da revelação

natural, desde a Criação, pela qual Deus mesmo pode ser conhecido (Rm 1,20). Em Gaudium

et Spes o Magistério nos diz: “Compete ao Povo de Deus, principalmente aos pastores e

teólogos, com o auxílio do ESPÍRITO SANTO, auscultar, discernir e interpretar as várias

linguagens de nosso tempo, e julgá-la à luz da Palavra divina, para que a verdade revelada

possa ser percebida sempre mais profundamente, melhor entendida e proposta de modo mais

adequado”205. Quando lemos em Gn 1,2 que um “vento de Deus” pairava sobre as águas,

somos instados a ver-ler o ESPÍRITO SANTO atuando com Sabedoria sobre aquela situação

que as ciências chamam de caos generativo. Presença atuante que não se despediu em Gn

2,4a. A Mandatária [Natureza] posta em devir está prenhe daquele sopro que, quando

auscultado, seja pela Teologia, seja pelas Ciências, fala, revela, mistérios escondidos nela:

202 Humani Generis, Col.Docs.Pontifícios 62. Petrópolis: Vozes, 1957. 3.ed. n.9. p.6. 203 FR, op.cit., n.48. 204 GS, op.cit., p.192. 205 GS, ibidem.

138

inclusive os que dão sustentáculo à Lei Moral. Lê-la, é ler o que o ESPÍRITO SANTO está a

falar a quem busca ouvi-lO. Não sobra um só átomo que não tenha algo “novo” a nos dizer.

Nesse sentido, ELE fala muito mais copiosamente através das coisas criadas do que no

específico campo da Fé. Neste, “a Teologia está organizada, enquanto Ciência da Fé, à luz

dum duplo princípio metodológico: auditus fidei e intellectus fidei. Com o primeiro, recolhe

os conteúdos da Revelação tal como se foram explicitando progressivamente na Sagrada

Tradição, na Sagrada Escritura e no Magistério vivo da Igreja. Pelo segundo, a Teologia quer

responder às exigências próprias do pensamento, através da reflexão especulativa”206. As

Ciências, não se ocupando do auditus fidei nem do intellectus fidei, lêem no Livro da

Natureza como a Criação se revela estar e ter sido feita.

Não basta reconhecermos que as Ciências fazem jus a um lugar ao sol nos domínios da

Razão juntamente com a Revelação pela Fé. Importa valorizar o “magistério” que dela se

pode apreender. É o que tentamos fazer aqui: apreender seus ensinos quanto ao “como se fez

(e se faz) o céu”. Einstein o diz assim: “a ciência só pode afirmar o que é e não o que deve

ser [...] Fora de seu domínio, os juízos de valor de todos os tipos continuam necessários”207.

Podemos recepcionar como se tivesse dito a Ciência não ensina como se vai para o Céu.

Efetivamente podemos aprender com as Ciências:

Neste século [o autor estava no séc.XX], todos os ramos e campos da ciência fundiram-se em

um complexo de conhecimentos sobrepostos, entrelaçados, cruzados e interdependentes que

agora nos arremessa ao futuro. As fronteiras que separavam claramente astronomia, física e

biologia transformaram-se em férteis campos de interesse e empenho comuns, juntamente com

outros campos e subdisciplinas. [...] Quatro das cinco grandes descobertas feitas no século XX

– o átomo, o Big-Bang, a célula e o DNA – tornaram-se possíveis porque a ‘ciência de uma

pessoa só’ terminou e a ‘ciência de grupo’ está entre nós. No século XX a ciência tornou-se

simbiótica, com sobreposições, e os cientistas não quiseram mais manter seu isolamento

206 FR, n.65. 207 BRODY., p.411.

139

dentro de um campo definido. Reconheceram a necessidade da fecundação cruzada – a

necessidade de acompanhar os avanços nas outras áreas das quais eles dependem e de

compartilhar informações. [...] ‘Os sujeitos híbridos muitas vezes são espantosamente férteis

[...] Se uma disciplina científica permanece demasiado pura, ela em geral fenece’ [Crick]

.208

O Dentro das coisas por seus quanta de energia ainda tem muitos segredos a revelar.

A Teologia pode se transformar na grande parceira que enriquecerá as conquistas científicas e

enriquecer-se simbioticamente com elas para, mais concordemente, apresentar o Criador, e

como se faz sua Vontade ... e deixar que as Ciências apresentem a Criação.

2 – O ESSENCIAL NA EQUAÇÃO CRIAÇÃO-MODELO PADRÃO No que respeita ao diálogo da Teologia da Criação com as Ciências, aquelas teorias

[mencionadas no tópico Recheios Inconvenientes para um Início de Diálogo] podem se ter na

conta de acidentes de percurso. É significativa a observação de Jacques Arnould quanto à

“contingência”209. Orientada pela Filosofia, a Teologia deve ler na Ciência o fio condutor que

aponta para o solidamente estabelecido e indiscutível, assentado no princípio da não-

contradição. Tal é, a nosso ver, o fio de Ariadne, desfiado pelas Ciências, que nos leva ao

passado, partindo do presente, pelo conhecimento da Vida, de seus micro-constituintes e dos

pico-nano-constituintes destes, e, levando-nos a ultrapassar o sistema planetário-solar, é capaz

de nos incursionar, desde as galáxias, às vastidões infinitas do Universo, até chegarmos ao seu

mais remoto passado, o instante zero do Universo, quando, dizemos na Fé, criou Deus o “céu

e a terra”, “momento” de igual singularidade ao do Big-Bang, ou, em sua leitura mais

aprofundada, ao do instante inicial do Modelo-padrão do Universo.

208 Ibid., p.411-412.414. 209 “A idéia de contingência não se opõe radicalmente, pois, à existência de uma organização, de uma ordenação na realidade viva; recusa apenas confundi-las com um determinismo estrito a priori, com o desenvolvimento de um plano já previsto” – p.75, ARNOULD, A teologia depois de Darwin, op.cit. A mesma observação pode ser aplicada a entrechoques de outros conceitos e teorias. Resultam, pois, em entraves para a concórdia dos espíritos. Entendemos, por isso, que podem ser desconsiderados num primeiro estágio do diálogo.

140

Uma imensa plêiade de pesquisadores composta de naturalistas, matemáticos, físicos,

químicos, geólogos, astrônomos, cosmólogos, biólogos, geneticistas, arqueólogos,

paleontólogos e de outras especialidades interagiram na confecção do alcance científico atual.

Para fins desta dissertação basta-nos quanto foi carreado até aqui.

É inevitável alguma forma e até mesmo um mínimo de concordância (isto é diferente

de concordismo) da Teologia e da Ciência bíblica com as Ciências, e vice-versa, pois,

inevitavelmente, nalgum ponto devem ambas reconhecer ressonâncias e “convergências” de

ensino. Em contrário, jamais se chegará a uma conciliação de ensinos, a um aperto de mãos, e

ambas permanecerão ditando, uma à outra, um monólogo que desmente a origem divina da Fé

e da razão científica, do natural e do sobrenatural, impedindo destarte a concórdia dos

espíritos210.

As Ciências devem ser vistas como adversárias?, ou podem (e devem) ser vistas como

parceiras?211 Onde se podem encaixar a pesquisa científica e suas conclusões, com

propriedade, no contexto bíblico e no diálogo da Teologia com ela? Afora as considerações

sobre o comportamento humano – em Provérbios, Eclesiastes e Eclesiástico –, a Bíblia não

registra nenhuma outra afirmação concludente sobre a obra da Criação, a não ser que Deus a

fez sem algo existente, que tudo veio a ser por uma ordem sua, e que Ele pode ser conhecido

através de sua obra. No mais leva a contemplá-la e a orientar para que os caminhos do

Homem sejam coerentes com a Fé em Iahweh. Quanto à Ciência, inegavelmente Provérbios

25,2212 a incita à pesquisa. E podemos constatar que é exatamente este o trabalho que a

Ciência desenvolve.

Gn 1,28 nos dá em que termos tem o homem [o rei] o mandato para esquadrinhar a

Natureza e descobrir seus mistérios para agir após exame: “[...] enchei a terra e submetei-a;

210 D. 3288. Providentissimus Deus, Leão XIII, 18/11/1893, p.703. 211 BARBOUR, Ian G. Quando a ciência encontra a religião: inimigas, estranhas ou parceiras? S.Paulo: Cultrix 212 BJ: A glória de Deus é ocultar uma coisa, e a glória dos reis é sondá-la. BTE: A glória de Deus é agir em mistério e a glória dos reis, agir após exame. BJFA: A glória de Deus é encobrir as coisas; mas a glória dos reis é esquadrinhá-las. BNVI: A glória de Deus é ocultar certas coisas; tentar descobri-las é a glória dos reis.

141

dominai sobre os peixes do mar, sobre [...]”. O homem se tem na conta de rei da criação

desde tempos imemoriais, até seqüestrando213 em proveito próprio uma interpretação bíblica,

para julgar-se o centro e o ápice da Criação. Para submeter e dominar necessário se faz ter

conhecimento da coisa a ser dominada. Dar nome é conhecer, é ter a coisa nomeada sob

domínio. O domínio estabelecido é consequência da semelhança do homem com Deus: só

uma inteligência pode apreender o que a Inteligência estabelece. Logo, o domínio deve ser

consoante ao projeto do Mandante: “O Senhor Deus tomou o homem e o estabeleceu no

jardim de Éden para cultivar o solo e o guardar” (Gn 2,15). O Homem não foi feito

plenipotenciário sobre a Natureza, mas está posto por guardião e administrador. É exatamente

sob este prisma de domínio que os juízos de valor de todo os tipos são necessários, como

disse Einstein. Embora uns tantos homens de ciência se prestem a mercenários pró várias

modalidades de absolutismo político ou econômico, as linhas gerais da Ciência apontam para

um domínio de cultivo e de guardião da Natureza.

Pr 25,2 encontra uma contrapartida em Rm 1,20. Rm 1,20 como que tece a dialética do

conhecimento a partir da criatura. Porque viemos portando este versículo como flâmula

durante esta dissertação, queremos vê-lo agora de forma matizada conforme nô-lo permitem

algumas versões.

BTE: Com efeito, desde a criação do mundo, as suas perfeições invisíveis, seu eterno poder e

divindade, são visíveis em suas obras, para a inteligência, [...].

BJ: Sua realidade invisível – seu eterno poder e sua divindade – tornou-se inteligível, desde a

criação do mundo, através das criaturas, [...].

BJFA: Pois os seus atributos invisíveis, o seu eterno poder e divindade, são claramente vistos

desde a criação do mundo, sendo percebidos mediante as coisas criadas.[...].

BNVI: Pois desde a criação do mundo os atributos invisíveis de Deus, seu eterno poder e sua

natureza divina, têm sido vistos claramente, sendo compreendidos por meio das coisas

criadas, [...].

213 SUSIN, op.cit., p.87;95/98.

142

Matizes: – primeiro termo: desde a Criação do mundo – segundo termo: os atributos,

as perfeições, a realidade invisível de Deus, seu eterno poder e divindade, sua natureza; –

terceiro termo: são/têm sido claramente vistos/percebidos/compreendidos, tornou-se

inteligível, visível para a inteligência [de intelligere, inter+legere: ler entre/dentro, perceber,

estabelecer ponte/relação, fazer juízo de, etc] – quarto termo: em suas obras, através das

criaturas, por meio das/mediante as coisas criadas. Há um apelo para a inteligência, motor

do conhecimento, motor que não parte de Deus para conhecê-LO, não faz DELE o a priori de

Seu conhecimento. É através dela própria, criatura que perquire, que perscruta, que sonda, que

esquadrinha, por meio de si mesma e das demais coisas criadas, na esteira de tantos

conhecimentos adquiridos a posteriori, que a Divindade SE deixa alcançar. E então SE revela.

É por essa via, acreditamos, que cada Povo obteve sua Teofania.

Não pretendem as Ciências concorrer com a Teologia no conhecimento de Deus. Mas,

porque perscruta com afinco e tenacidade os mistérios da Natureza, pode ela afirmar com

segurança, desde que seja fiel às inquestionáveis conclusões a que chegam suas pesquisas, por

uma leitura coerente do Universo e de suas leis, afirmar o que afirma, conforme lhe autoriza

Sb 7,17-21:

Ele [o Criador] me deu um conhecimento infalível dos seres para entender a estrutura do

mundo, a atividade dos elementos, o começo, o meio e o fim dos tempos, a alteração dos

solstícios, as mudanças de estações, os ciclos do ano, a posição dos astros, natureza dos

animais, a fúria das feras, o poder dos espíritos, os pensamentos do homens, a variedade das

plantas, as virtudes das raízes. Tudo sei, oculto ou manifesto, pois a Sabedoria, artífice do

mundo, mo ensinou!214

Para que a concórdia de espíritos, no que tange à Teologia da Criação, quanto a suas

duas vigas mestras, se assente, ao menos preliminarmente, entre Teologia e Ciências, preciso

é que se discirna: 1) Deus é Criador da totalidade existente. Aceitam as Ciências esta viga 214 Catecismo da Igreja Católica n.283. Nossos irmãos separados não gozam dessa luz advinda do Livro da Sabedoria. Não o admitem em seu cânon bíblico.

143

mestra, repudiam-na, ou deixam-lhe aberta a possibilidade de admissão? Temos visto que as

Ciências mantêm janelas abertas para esta possibilidade, ainda que não haja pleno consenso

entre cientistas. Mesmo os que a negam, não têm como provar cientificamente a inexistência

de Deus ou de um Deus criador, e, portanto, denegar essa possibilidade; e mais: por serem

cientistas, não encontrariam apoio na Razão para excluir uma possibilidade no infindo

universo de possibilidades: um Deus sempre estaria lá. Podemos ter, pois, como superada,

esta condição dialogal. Ainda que a negativa fosse plena da parte dos cientistas, a Teologia,

como instrumento alternativo de elucidação do conhecimento215, a serviço da promoção do

Reino do Criador, continuaria na sua missão de dialogar em favor da inteligência

(compreensão) do Mundo criado. 2) Quanto ao modo de feitura da Realidade, a condição

dialogal pesa mais à Teologia que às Ciências. Pode a Teologia considerar a validade de um

diálogo assentado no a posteriori ou, relutante, deve se acastelar num discurso assentado no a

priori?

Algumas questões mínimas devem ser respondidas – fere a Lógica, fere a Razão, fere

qualquer princípio filosófico e, portanto, fere a Teologia?, a afirmação de que, pondo início a

tudo, tenha dito Deus “aconteça” e “tudo” passou a acontecer? Concernente à Filosofia a

congruência será inequívoca se posto Deus como princípio ontológico. E, uma primeira de

duas possibilidades: É lógico, concludente, admitir-se que Deus tenha feito tudo pessoalmente

em seus mínimos detalhes, inicializando um Mundo inexistente e finalizando por deixá-lo

pronto e acabado, ainda que não estático? É “obrigatório” que tenha sido assim, como se

tratasse de ser a única possibilidade ontológica?, limitando-se, portanto, o Poder Divino? –

Por outro lado: é racionalmente admissível, aos olhos da Fé, que Deus possa ter posto a tudo

um princípio e uma lei e, sem mais intervir, o tenha deixado cumprir seu Mandato? E assim,

igualmente, dizer a Ciência que “tudo” partiu da eclosão de um inexplicável-existente que se

215 Conhecimento que brota da Fé e da Razão – Vaticano I, Constituição Dogmática sobre a fé católica.

144

pôs em marcha no espaço-tempo afora após sua explosão? É lógico inferir que ambas

afirmações quanto à inextricável singularidade de seus pré-supostos (Criação e Big-Bang) –

pois que, se uma exige adesão pela Fé em Deus Criador, e a outra depende, igualmente, de

adesão a estudos conclusivos – estejam em pé de igualdade exatamente em função da

singularidade que fundamenta o arcabouço de suas propostas? E desse consenso considerar

válidas, se não, ao menos, possíveis, as consequências daí derivadas?

Penso: se eu fizer existente alguma coisa, em seus mínimos detalhes, pronta e acabada,

capacitada a cumprir meus desígnios criadores, e, após isso, constatar eu que meus objetivos

se confirmam, vendo que aquilo está bom, que funciona tal e qual, poderei ter-me em conta de

um poderoso criador! Porém, se eu determinar: passe a existir “algo” [inexistente até então] e

que esse algo cumpra por si mesmo todas as etapas que eu próprio poderia fazer, e verificar

que minha criatura cumpriu integralmente meu projeto, porque deveras a capacitei, sem

que eu tenha lhe adicionado corretivos e redirecionamentos, e assim acontecer – então terei

certeza de que sou, mais do que um poderoso criador, um Onipotente Criador: fiz existente o

inexistente, fiz capacitado o que seria incapaz por si mesmo de realizar toda a obra que

projetei. Capacitei-o. Tal é o Onipotente Criador do Céu e da Terra. Assim o cremos. É

exatamente isto, ao seu modo próprio, que as Ciências estão dizendo do Onipotente Criador

do Céu e da Terra: em foco a existência “dissecada” a partir da constatação do existente, de

sua imanência. Admitir isso, abala os alicerces da Fé? Ou melhora a compreensão da

onipotência do Criador?

Não está em questão, neste monólogo teológico sobre a Ciência [da Criação], se ela, a

Ciência, responde positivamente a essas questões. Se dermos a César (as Ciências) o que lhe

pertence, poderemos esperar que César dê a Deus o que lhe pertence216. Trata-se, antes, de

saber em que medida a Teologia pode ver adequação dos ensinos científicos aos seus

216 Padre Dalmace Leroy citado in ARNOULD, op.cit., p.235.

145

propósitos de explicitação da Verdade, da mesma forma que encontrou parceria na Filosofia,

malgrado muitas correntes filosóficas tenham sido por ela descartadas. Pois, quase que como

a uma pedra de salvação racional tem a Autoridade Eclesiástica se agarrado à Filosofia, mais

do que a uma parceira, a um esteio, para amparar o arcabouço de princípios da Teologia e

garantir-lhe status de Ciência. De Ancilla a Porto Seguro. Incontestável prova desta assertiva

deu-a João Paulo II ao emitir a Encíclica Fides et Ratio, colocando, de modo claro, a Filosofia

como vanguarda da Teologia, num insistente apelo para que seus fiéis se dediquem à Filosofia

tendo o mestre Aquino por protótipo217.

Ora, a Filosofia mesma, ao longo dos séculos, desde seu reconhecido nascedouro

helênico, sempre se fundou e se apoiou nos dados culturais contextualmente localizados

durante seu percurso – alimentados pelas conquistas científicas [culturais], ainda que

limitadas, de todas as épocas218 –, dados que a levaram a revisões e reconstruções de sistemas

filosóficos, resultando em “destronamento” total ou parcial da sapiência de muitos mestres do

pensamento. O saber filosófico se construiu a partir da Natureza. De fato, o respeitável

Pitágoras fundou sua filosofia na leitura matemática da mensurabilidade das coisas; foi

perscrutando a matéria que os sábios de Mileto – Tales, Anaximandro e Anaxímenes – e,

depois deles, Anaxágoras, Leucipo, Demócrito e tantos outros, fundamentando suas leituras

da Natureza, fundaram seus esquemas filosóficos a partir da terra, da água, do fogo, do ar, e,

crescendo em profundidade conceberam o átomo. Deram eles a seus sucessores – Sócrates,

Platão e Aristóteles – “matéria prima”, que estes revisaram, a partir de suas próprias

experimentações da Natureza. Também estes não fugiram da delimitação cultural de seu

tempo. Demonstração disto nos dá Aristóteles quando afirma: “Primeiro precisamos indagar

se os elementos [terra, ar, fogo e água] são eternos ou sujeitos a geração e destruição. [...] É

impossível que os elementos sejam gerados por algum tipo de corpo. Isso implicaria um corpo

217 FR, n.43.44.78. 218 Depreende-se de Encíclica Fides et Ratio, n.3 e 19.

146

distinto dos elementos e anterior a eles”219.

Na esteira de Aristóteles seguiram-se os demais pensadores construindo suas

filosofias a partir de revisões sugeridas pelas sempre novas conquistas culturais (científicas).

Ou seja, a Filosofia não partiu nem parte de si mesma, mas daquilo que a informa: a cultura

que lhe cobra posicionamento e resposta, e que a suscita. Já em avançada Idade Média, o

expoente da Física, Newton, ainda não se “libertara” de todo da Filosofia como preceptora.

Sua revolucionária obra, que faz escola até os dias de hoje, Philosophiae Naturalis Principia

Mathematica [Princípios matemáticos de filosofia natural] bem demonstra a mútua

dependência entre os conhecimentos naturais e os filosóficos. Não era para menos, a Filosofia

ainda abarcava o universo do conhecimento humano. Teimava em tutelá-lo. Mais

recentemente ainda se registra esse cordão umbilical. Em 1809 André Pichot publica

Philosophie Zoologique.

Por via dessa constatação, a Filosofia não pode ser vista, pela Teologia, desagregada

de sua musa, a Ciência da Natureza220. Pois que, outra coisa não faz a Filosofia, senão

trabalhar sobre os dados da cultura humana, sejam de índole material, sejam de índole

psicológica. A Filosofia não parte de, nem se alimenta de conceitos etéreos tirados do irreal.

O real, que informa o Intelecto, dá-lhe sustentação. Ora, pois, a parceira da Teologia, a

Filosofia, está a indicar à Teologia, que também ela deve auscultar as Ciências da Natureza,

assim como ela as ausculta. E tirar delas o que é insofismável e útil para sedimentar

racionalmente as doutrinas que busca explicitar. Racionalidade: é exatamente esta a mais

preciosa ferramenta que a Teologia busca na Filosofia. A racionalidade pode ser encontrada 219 Citado in BRODY, op.cit,. p.84. [É óbvio: Aristóteles desconhecia a procedência dos elementos e dos corpos]. 220 GESCHÉ, op.cit. Na página 115 Gesché cita Merleau-Ponty, em Résumés de cours: “O recurso à ciência não é necessidade a ser justificada: qualquer concepção que se tenha da filosofia, ela tem de elucidar a experiência, e a ciência é um setor de nossa experiência. É impossível recusá-la de antemão. O ser abre passagem através da ciência como através de toda vida individual. Ao interrogar a ciência, a filosofia ganhará ao encontrar algumas articulações do ser, que seria difícil descobrir de outra maneira.” E continua Gesché na p.115: “Por que o teólogo (e não mais do que se pensaria a respeito do filósofo; que não se fale aqui de reflexo apologético ou concordista) ficaria fora de campo? Admite-se, e com razão, que ele esteja à escuta das ciências humanas. Deve-se pensar a mesma coisa a respeito das ciências da natureza”.

147

também nas Ciências que, aliás, como recordamos, têm alimentado a própria Filosofia ao

longo dos séculos desde o primeiro filosofar. No decurso da História do Saber, o a posteriori

foi aos poucos cedendo primazia ao a priori, esquecendo-se este de que todo a priori é

suscitado e sufragado pelo a posteriori. Nenhum a priori tem existência em si mesmo,

enquanto que, todo a posteriori se fundamenta no diretamente constatável e alimenta o a

priori. A Teologia tem, pois, que despegar-se de certa condicionante apriorística para

capacitar-se ao diálogo com as Ciências, ou ao menos à sua ausculta.

Ao retratar-se da condenação de Galileu, o Vaticano assim se expressou: “Os teólogos

que condenaram Galileu não reconheceram a distinção formal entre a Bíblia e sua

interpretação. Isso os levou a transpor indevidamente para a Fé uma questão na verdade

pertinente à investigação científica”221. Ora, pois: na questão da Criação está bem clara a

distinção formal entre a Bíblia e sua interpretação. A esta credita-se com justiça o ter Deus

criado todas as coisas a partir de sua Vontade. À investigação científica é pertinente

esquadrinhar por que passos se deu e se desenvolveu a Criação (a questão do “como”).

Independentemente da matéria prima fornecida por Gn 1, as Ciências, percorrendo

caminhos outros, descortinam etapas que, salvaguardada a estrutura poética didático-teológica

de Gn 1, confirmam, pari passu, as etapas da Criação. Os ensinos científicos se abrem à

parceria na explicitação da Verdade [cuja natureza e essência não é privatizável, mas

holística]; deles a Teologia pode colher adequação a explicitações que, de outra forma,

manteriam intacto o caráter de inevidências teológicas.

O “modelo-padrão” de Universo, nascido como Teoria do Big-Bang, vinda à luz como

Hipótese por Lemaître em 1927, é fruto amadurecido pela conjugação concentrada das

certezas científicas que se confirmam mutuamente desde o século XVII com Galileu e

221 La maggioranza dei teologi non percepiva la distinzione formale tra la Sacra Scrittura e la sua interpretazione, il che li condusse a trasporre indebitamente nel campo della dottrina della fede una questione di fatto appartenente alla ricerca scientifica. Item 9. Disponível em <http://www.vatican.va/holy_father/john_paul_ii/ speeches /1992/ october/documents/hf_jp-ii_spe_19921031_accademia-scienze_it.html> [baixado 26/12/2008 – Vide Anexos].

148

Newton até os dias de hoje, por uma diuturna e persistente investigação da Natureza. Não é

fruto bastardo de projeções da ficção científica ao estilo de Júlio Verne ou de Guerra nas

estrelas. Ninguém, que não tenha pesquisado pessoalmente, tem “cacife” para contestar as

conclusões dos cientistas222. Repetimos, cabe aqui aplicar o ensino de Paulo em 1 Coríntios

14,32 “os profetas estejam submissos aos profetas”. E isto também no confronto da Teologia

com as Ciências. É de João Paulo II o alerta223. Em sua fala à Academia João Paulo II ainda

recordou: “Paradoxalmente, Galileu, crente sincero, se mostrou sob este ponto mais perspicaz

que seus adversários teólogos. ‘Embora a Escritura não possa errar,’ escreve a Benedetto

Castelli, ‘poderá entretanto por sua vez errar algum de seus intérpretes e expositores, de várias

maneiras’.”224 Na carta à Madame Cristina de Lorena, referindo-se a seus detratores, disse

Galileu: “Demonstrando maior apreço por suas próprias opiniões do que pela verdade, eles

procuraram negar e refutar as coisas novas que, caso houvessem tido a preocupação de

verificar por si mesmos, seus próprios sentidos lhes comprovariam.”225. Nestas duas citações

vemos tentativas, do próprio cientista Galileu, de dialogar com a Teologia. E foi inútil.

Posicionemo-nos, pois, quanto ao essencial. Em que exatos termos somos compelidos

pela Fé à adesão em Deus Criador e numa Criação por Ele posta à existência? – “Creio em

um só Deus, Pai todo-poderoso, Criador do céu e da terra, de todas as coisas visíveis e

invisíveis” (CIC 184)226: eis aí o artigo fundamental da Fé católica (CIC 198-200) – Deus, o

Transcendente, é todo-poderoso (onipotente) para criar e é Criador da totalidade existente. Por

222 cf. ARNOULD, op.cit., p.13: “Não compete ao teólogo, a menos que Ele próprio pertença à comunidade de pesquisadores, debater e criticar diretamente teses e teorias evolucionistas contemporâneas, quer se trate das mais comumente admitidas, quer das mais marginais. Em contrapartida, [... elas] facilitam, encorajam e enriquecem o diálogo que merece ser estabelecido entre os teólogos e os biólogos [...]”. 223 “È un dovere per i teologi tenersi regolarmente informati sulle acquisizioni scientifiche per esaminare, all’occorrenza, se è il caso o meno di tenerne conto nella loro riflessione o di operare delle revisioni nel loro insegnamento.” [fonte acima citada, item 8 – nota 221]. 224 Fonte acima citada, item 5, de uma “Lettera del 21 dicembre 1613, in Edizione nazionale delle Opere di Galileo Galilei, dir. A. Favaro, riedizione del 1968, vol. V, p. 282”. <http://www.vatican.va/holy_father/john_ paul_ii/speeches /1992/ october/documents/hf_jp-ii_spe_19921031_accademia-scienze_it.html> [baixada em 26/12/2008 – Vide Anexos]. 225 BRODY, op.cit., p.62. 226 CIC – Catecismo da Igreja Católica, Petrópolis: Vozes, 1993; São Paulo: Loyola.

149

isso, Dele deriva a totalidade do existente (CIC 282/284) e Nele se mantém existente essa

totalidade (CIC 301). “Foi pela Fé que compreendemos que os mundos foram organizados

por uma palavra de Deus. Por isso é que o mundo visível não tem sua origem em coisas

manifestas” (Hb 11,3; CIC 286). A “Palavra de Deus” é fautora da existência; pode-se dizer:

é a matéria prima do existente (CIC 338). O existente já nasce ativo, é feito ativo (CIC n.306)

[se permanentemente passivo, Deus seria seu demiurgo] numa dinâmica (CIC 302) de

interdependência (CIC 340), ordem e harmonia legíveis como princípios e leis (CIC 341;

346). Esta é a Fé posta como paradigma para ler nas Ciências a sua versão das coisas

existentes. Suprido o essencial pode-se admitir, sem contestação, o acervo de afirmações

científicas que não estejam em contradição com estes princípios da Fé. Constata-se inexistir

qualquer descritivo em lacto ou stricto sensu quanto aos modos e processos de feitura da

Criação e quanto a seus constituintes íntimos.

“O mundo visível não tem origem em coisas manifestas” (Hb 11,3). A Fé fala da

origem divina da Criação. As Ciências falam dos começos da Criação. As Ciências não

explicam a origem do existente. Elas constatam que o existente teve um começo. E fala do

existente a partir de sua constatação. A Fé revela uma Palavra Criadora. Palavra que se remete

à coisa criada. As Ciências encontram a coisa já criada e a desvelam. E buscam aproximar-se

do instante em que teve seu início. De mente assentada em Rm 1,20 a Teologia pode ver:

Desenha-se por aí um diálogo entre a Fé e as Ciências. Por ele pode a Teologia se apropriar,

com tranqüilidade, do assentimento de cientistas quanto a um Ser Supremo e, ao estilo de

Paulo no Areópago, tentar comunicar-lhes a (velha) Boa Nova, parafraseando: Perscrutando

vossos ensinos temos visto que, em tudo, vossas considerações confluem na possibilidade de

um Poder, além do toda experimentação, que dá fundamentação e consistência a tudo quanto

existe, sem estardes acordes quanto ao de que ou de quem se trata, exatamente. Este

“Desconhecido” nós vo-lo anunciamos e vo-lo damos a conhecer: trata-se de Deus,

150

testemunhado sob múltiplas formas pelo consenso universal da Massa Cinzenta, de todas as

épocas, e de todos os povos, que nós cristãos professamos e proclamamos Criador do Céu e

da Terra.

3 – CONVERGÊNCIAS CONCLUSIVAS

Tendo presentes as premissas desenvolvidas nos capítulos anteriores, nossas

conclusões buscarão em Gn 1 o assentamento de convergências entre Teologia da Criação e

Ciências.

3.1 – Singularidade da Criação e do Big-Bang – singularidade do espaço-tempo.

“No princípio criou Deus o céu e a terra” ou “Quando Deus começou a criar o céu e a terra”.

A Criação é um evento singular, irrepetível. A sua origem é divina, é única, é irrepetível [ao

menos nos parâmetros que nos são dados pela Fonte da Fé]. Esta origem pôs um começo: “no

princípio”. O começo está carregado da mesma singularidade: é igualmente irrepetível, é

único – trata-se do único começo da única Criação que desabrocha. Não existia! Existe!

“Irrompe”. É como um “bum”, um “repente” que maravilharia qualquer platéia se alguma

houvesse além Deus. À manifestação principiante dessa novidade as Ciências começaram por

chamá-la Big-Bang. Pelos efeitos mensuráveis até aos dias de hoje, notáveis por todo o

Universo, concluiu a Ciência: tal evento [o Universo] manifestou sua existência por uma

estrondosa explosão, uma “big” explosão. Inicial, primordial, irrepetível como sua origem. A

singularidade conceitual do Big-Bang goza da mesma singularidade conceitual da Criação227.

O Universo prossegue “explosivo”, na sua atualidade, sob as mais diversas formas

detectáveis, variantes caleidoscópicas, todas elas, do seu instante inicial.

227 GANOCZY, op.cit., p.59: “Quando o físico afirma que no caso da explosão originária se trata de uma singularidade, o teólogo se posiciona assim: também essa frase pode tornar-se objeto de uma analogia teológica.”

151

3.2 – Como corolário dessa singularidade temos a singularidade da criação

concomitante do Espaço-tempo e sua aquilatação pela Ciência. Tempo: “no princípio”.

Espaço: “céu e terra”. Uma vez criada, a Criatura “cobre”, ocupa um espaço; podemos dizer:

ela faz o seu espaço, o seu “onde” ela se manifesta, e o faz sempre mais dilatado; sua

presença é contável. O Espaço é o crescimento, por expansão, da Criatura. Espaço e tempo

estão criados, melhor dizendo, o espaço-tempo é da Criatura e está criado com ela, é sua

condição de ser. Inexiste sem ela, ela inexiste sem ele. Deus, o Criador, não precisa dessas

dimensões. Ambas estão na Criatura. A dilatação do espaço e do tempo é determinada pela

presença da Criatura. Esta singularidade temporal é “medida” pela Ciência em termos de t=0,

antes do qual está o indeterminável. E bem o diz a Ciência, pois, antes da “coisa” existir,

manifestar-se existente, não há o que medir, seja em termos de tempo, seja em termos de

espaço ocupado. Não se mede o inexistente. A Fé não contempla o “eterno retorno”. Uma vez

principiada, a Criatura segue em frente no seu existir. Ela instala o decurso do tempo na

medida em que aumenta cada vez mais o espaço que passa a ocupar. Gn 1 ressalta a evidência

dessa dinâmica.

O Universo se descreve desde um t=0, inatingível por inalcançável (tanto quanto o é

um hipotético “antes” de t=0, o que implicaria em inegável contradição). Ele é contável a

partir de t>0. E, o que diz a Fé? Que antes do Universo só existia Deus, seu Criador. O que

leva a compreender: o Universo (a Criação, a Criatura) está engendrado, tecido, de tempo e

espaço. Se o Tempo se conta a partir de seu existir [no princípio], e ele existe na coexistência

concomitante da totalidade criada [céu e terra], a seu modo também a Ciência está dizendo

que “coisa” alguma existia antes da contagem do Tempo. Ao menos, só se nota a existência

de algo a partir de sua possível “contagem”. O começo é dado, é cronometrado pelo Tempo. O

Universo teve um início, começo, e isto bate com o conceito que a Fé tem de sua existência:

No princípio Deus criou o céu e a terra. Pôs Deus um começo ao “céu e terra”. No princípio,

152

seja, no começo: temos aí, mais que uma ressonância, uma inequívoca convergência de

ensinos entre a Teologia da Criação, fundada na Revelação Bíblica, e a Ciência, convergência

em que não se vislumbra nenhuma contradição mútua. Ambas partem de um ponto, de um

instante comum.

3.3 – Causa e efeito – mais uma convergência de ensino entre Fé e Ciência, na qual

não se pode vislumbrar contradição alguma. O físico entende o Universo de forma funcional.

Efeitos são consequentes a causas. Também para a Filosofia. O Universo atual é o efeito

presente que aponta para causas inequívocas pela evidência de sinais mensuráveis. Na

concepção teológica a Criação é efeito consequente a uma causa: a Vontade Criadora, origem

do existir. Na Ciência o Universo é uma complexidade em série de causas e efeitos. No

horizonte da Fé a existência do Universo é causada pela Vontade determinante de sua

existência. Se há (e houve) concretamente um evento irrefutavelmente miraculoso este foi o

do “HAJA” Criador [não “mágico”, como o fazer sair da cartola algo que lá dentro aparenta

não estar]. Na Ciência essa existência é constatada no encadeamento de uma complexa rede

de causas interatuantes, tendo todas, em comum, um ponto zero-causal-inicial que é chamado,

por adoção de uma nomenclatura já consagrada, de o Big-Bang, “ponto” e epicentro do

instante zero donde provém o começo [não a origem] de tudo.

Steven Weinberg: “Todavia, mesmo que venha a ser suplantado, o ‘modelo-padrão’ terá

desempenhado um papel de grande valor na história da cosmologia. É agora respeitável (pelo

menos desde a última década) [o livro foi escrito em 1976] pôr à prova idéias teóricas em física

e astrofísica, estudando as suas consequências no contexto do ‘modelo-padrão’. [...] Assim, o

‘modelo-padrão’ fornece aos teóricos e observadores uma linguagem comum que lhes permite

apreciarem mutuamente as suas atividades. Se algum dia o ‘modelo-padrão’ for substituído por

uma teoria melhor, será provavelmente na sequência de observações ou cálculos motivados por

ele próprio”228.

228 WEINBERG, op.cit., p.23.

153

Exatamente por isso, ou seja, enquanto o “modelo-padrão” permanece a última palavra

da Ciência, não existe, para a Teologia da Criação, outra opção com que auscultar a Ciência e

por ele, com ela, discernir e assentar pontos de convergência entre a Fonte da Fé (Bíblia-

Gênesis 1,1-2,4a) e a mesma Ciência. E digo: Gênesis 1,1-2,4a por ser a Fonte básica da Fé

na Criação. Dizemos Fonte, não explicitação. Nenhuma Teologia, e menos ainda nenhuma

Filosofia, que não se funde no Texto, merece ser levada em conta para falar em nome da Fé.

3.4 – Mesmo inexistindo algo além de SI, Deus fez existirem todas as coisas (2Mc

7,28). O explícito da Fé é que Deus fez o existente, conferiu existência. O conceito de “nada”

é espúrio para a Ciência229. Ela trabalha sobre o existente, o real, o palpável. Por paradoxal

que possa parecer a discrepância entre o inexistente, feito existente por um ato de pura

criação, e o existente sobre o qual trabalha a Ciência, há uma congruente relação de causa e

consequência entre a origem e o começo do existente. Nesse horizonte pode a Teologia aceder

à Ciência que esta, em vista de seus métodos próprios, se abstenha do “quem fez isso” e se

ocupe apenas do “isso tal e qual está feito e é manifesto”. E, em respeito ao Criador da Razão

que a ambas conforma (Teologia e Ciência), ausculte com gravidade e acatamento o que o

mesmo Criador está lhe dizendo através da Criação e da Sabedoria (Rm 1,20 e Sb 7,17-21).

3.5 – Como princípio geral a Ciência não admite o acaso230 cego. E muito menos

229 Espúrio para a Ciência. E deveria sê-lo também para a Teologia. Por costume laboramos sobre um dado cultural, que mesmo o CIC, insistentemente, leva em conta, talvez em respeito à consagração que lhe deram a Tradição Patrística e a Filosofia. Modernamente os escritos teológicos se fixam com mais insistência na Vontade do Criador. GANOCZY, op.cit., p.57 aborda essa questão. 230 Acaso. Quando correntes e ou teorias científicas afirmam o “acaso”, fazem-no em um horizonte específico, contextualizado, que não nos cabe contestar. Biologia e Física têm os seus “acasos”, pontuais. Porém, mais se devem à não decifração total dos processos desencadeados pela interação de elementos ou forças envolvidas, num inesgotável universo de possibilidades, pois, uma vez desencadeados, os processos que se lhes seguem deixam de ser casuais e se deixam transparecer por sua mensurabilidade. A Física fala do “princípio da incerteza”, sobre o qual, não se conhecendo sua contextualidade na Física, se fica sugestionado a afirmar que a própria Física não tem certeza de tudo que afirma. Einstein desenvolveu a “constante cosmológica” porque a julgava necessária para escorar a teoria de que o Universo seria estático. Ele próprio cedeu às evidências e arrependeu-se dela. Da mesma forma, quando as Ciências trabalham o conceito de “caos”, este deve ser entendido no pontual das pesquisas que os cercam. Quanto ao “acaso” de MONOD pode-se detectar nele a leitura de um “indeterminismo total” (que lembra o “princípio da incerteza”) de causalidade no universo de probabilidades que se tem de levar em conta face às incontáveis “n”-lhões de partículas reagentes entre si. Manfred EIGEN dá outro direcionamento quando insiste que “leis naturais dirigem o acaso”. GANOCZY, op.cit., pp.81-85 analisa a questão. Veja-se também O acaso criador, de Remy Lestienne, op.citada.

154

um acaso produzido pelo nada, pelo inexistente. Para ela coisa alguma acontece por acaso. O

próprio Big-Bang não aconteceu por acaso nem seu explosivo conteúdo foi produto de uma

insubsistente geração espontânea, seja por efeito de uma hipotética mas infundável e

inexplicável casualidade, seja, talvez sim, de uma existência anterior [cuja hipótese não é

unânime na Ciência]. Ainda assim, para a Ciência, a existência do existente cobra sua

procedência, ou seja, alguma forma de ação consumadora de sua existência. A Ciência

pondera com gravidade, fazendo coro com a Fé. O Universo em constante devir não pode ter-

se feito a si mesmo. Ele é resultado de um explicável encadeamento de causas. Tem que ter

surgido nalgum tempo finito. Que causa primeira justifica a existência de um ovo-cósmico, de

um super-átomo primordial. Há nos domínios da Ciência um espaço para um Criador. Não é

seu campo nem objeto de suas pesquisas; nem tem ela instrumental para detectar um tal

Criador; por isso não se ocupa dele. Cabe à Teologia acolher essa constatação como ponto de

partida do e para o diálogo: ela “fica” com a origem e reconhece à Ciência o “domínio” do

começo.

3.6 – A terra estava deserta e vazia. Gn 1 coloca à mostra um cenário em que os

figurantes (elementos) fazem presença. “Que” são eles? Constituídos de “quê”? Qual o seu

conteúdo? Gn 1-2 não o diz. Mas a Ciência tem como definir o conteúdo que explodiu. A

partir do existente real, tal e qual se manifesta hoje, por indução e dedução, chega ela

àquele conteúdo e o constata prenhe de Energia Criadora. Tudo à nossa volta é Matéria e

Energia. A Matéria por sua vez é Energia compactada. A Energia está quantificada por todo o

Universo sob infindáveis modelos de partículas, constituintes de todas as coisas. Sua

expressão mais significativa é a luz. É irrecusável ver na Energia a mesma Luz inauguradora

do Ato Criador. Energia que brota da Vontade que a quer, que a faz potente e relacional. O

clarão do explosivo Big-Bang remete ao Fiat Lux de Gn 1,3. No descritivo de Gn 1 toda a

Criação é antecedida pela Luz que é feita no primeiro dia: antes do primeiro dia nada estava

155

criado – a Luz é a primeira criatura. Aceder a essa Luz resultante de uma explosão

energeticamente Criadora, além de ser racionalmente plausível, é altamente enriquecedor para

a compreensão da Fé: credo ut intellegam et intellego ut credam maxime. O Big-Bang e seu

desenvolvimento, o modelo-padrão, longe de contestarem a Fé na Criação, a explicitam e

enriquecem sua compreensão e aceitação racional, e disponibilizam para sua adesão.

3.7 – A grandiosidade da Criação aponta para a grandiosidade de seu Criador. – A

Teologia (e a Fé) não tem como propiciar um vislumbre, uma visão panorâmica, da

inexprimível grandiosidade da obra do Criador. As Escrituras e os escritos ascéticos nos

transportam de uma forma assaz poética à contemplação dessa grandiosidade. Mas não nos

presenteiam com medidas estupefacientes dessa grandiosidade. A Ciência está diuturnamente

a descortinar a imensidão da obra criada e, portanto, da (oni)potência do Criador. Uma

espécie de pequenez mental ainda tem contido crentes e alguns teólogos a não alcançarem a

extensão da obra criada por Deus. Pode-se até admiti-la imensa, mas não se tira daí a

conclusão do óbvio: é a Ciência que está com a palavra comprovando por pesquisas e

provando pela Razão que o Universo da Fé é exatamente este que ela Ciência “revela” (ou

desvela): tanto no micro como no macro cosmo. Nossa cultura corrente limita nossa sensação

de tempo e de tamanho a horas, dias meses, anos, metros, quilômetros e essas mesmices

limitam nosso sentir a um alcance pouco além dos horizontes geográficos: e colocam aí o

nosso visual de Deus. Já o “infinitamente pequeno” e o “infinitamente grandioso” que a

Ciência descortina, por suas medidas do Universo, nos levam a ver Deus para além do mais

micro-pico-nano imaginável e dos mais abismáveis trilhões de anos luz de distância e de

tamanho.

3.8 – Conteúdo e Vida. “Que a terra e as águas fervilhem de seres vivos”. Para

entender como foi possível à Natureza cumprir esse Mandato do Criador é imprescindível

saber “o que era ela”, do que estava ela dotada, do que é ela constituída. De luminosa energia

156

em primeiro lugar. Distribuída em quanta de energia por todo o Universo, continua a Ciência.

Gn 1 informa que a Natureza fez. A Ciência informa com quê e por quais processos a

Natureza o fez. De modo límpido e irrefutável a Ciência clareia aquilo que a Fé, por Gn 1,

conclama à adesão. A Natureza está prenhe, melhor dizendo, é ela mesma feita de elementos

capacitados à sua auto-organização e manifestação em novas formas de existência. Por este

descortino, que carrega em seu bojo todo o acervo físico-químico-biológico de suas

conquistas, a Ciência põe em socorro à Fé a compreensão e aceitação racional da criação da

Vida, do surgimento dos seres vivos. Que utilíssima parceira!

3.9 – Deus Criador versus deus demiurgo ou relojoeiro. Deus Criador é origem,

confere origem, põe um ponto de partida, instala um começo. Por sua Palavra, é o que

sabemos. Como foi que Deus fez “a coisa” acontecer jamais saberemos, e nem mesmo

importa. O inapelável é que ela aí está. Somos parte integrante dela. Ela é isto que aí está e é

inútil e dispersivo ponderar porque não é diferentemente do que é [tal é o infantil questionar

“porque o ser e não o não-ser”. Só leva a prolatar a compreensão da realidade e a postergar o

encontro e adoção de “soluções”]. Deve-se trabalhar em cima do que é e não do que não-é. A

questão do demiurgo deve ser vista no horizonte da própria Natureza. Em nós mesmos e à

nossa volta “vemos” uma espécie de “instável” em franco processo de se fazer, de se realizar.

Tudo indica que coisa alguma está pronta e acabada, e uma sensação de um inquietante devir

instala o questionamento do sim e do não, do bom e não-bom, à inexplicável ausência de

algum bem face à Bondade Absoluta do Criador e à bondade (da Criação) constatada pelo

Criador segundo Gn 1. Donde?, a presença (existência?) do mal? Por mais que a Teologia

contorne o problema, mediante luminosas teodicéias, persiste o julgamento colocando o

Criador em banco de réu: lusus naturae¸ desajeitado demiurgo, artista e artífice

experimentador, em processo de aprendizagem! – Nem Relojoeiro, nem Demiurgo – pode

atestá-lo a Ciência. Vamos ouvi-la. A Natureza é demiurga de si mesma. Constituída em devir

157

desde seu Big-Bang. Feita autônoma para gerir por conta própria sua evolução. Em estado de

caminhada, diz o Catecismo da Igreja Católica231. Capaz de gerar Vida, garante Gn 1, pois

Deus disse (mandou) e assim se fez. Não é, pois, o Criador que está (esteve) a “fazer” cada

coisa. Desde seu Big-Bang a Natureza está se fazendo, numa evolução continuada, garante a

Ciência. Cada uma à sua moda está dizendo a mesma coisa: Há uma ação demiúrgica, e esta

ação é da própria Criação. Isto nos remete a outra convergência.

3.10 – Gn 1 deixa claro que Deus “disse” e a coisa “se fez” (mandou e assim foi

feito). Não insinua que Ele próprio tenha feito pessoalmente cada passo. Apenas conclui que,

por aquela forma, Ele o fez, o teve por feito. Poli-antropomorfia: “Quando eu fiz a minha

casa...” (não foram o arquiteto, os pedreiros, pintores, encanadores, eletricistas, que a

fizeram?). O autor de Gn põe na “boca” do Criador o seu linguajar humano. Mas deixa claro

que, ao ordenar, faça-se, Ele não interveio; só foi constatando: está feito e segue correto (viu

que era bom). Ele não interveio. Eis a convergência. A Ciência afirma: existindo Deus e

pondo Ele o Universo à existência, não mais interveio desde então, deixando a ele o fazer-se.

Eis o ponto alto da manifestação da Onipotência. Feita potente, capacitada, seu Criador não

precisou retocá-la, Ele a sustenta por seu Mandato. Ao esquadrinhar os passos da execução, a

Ciência nada mais faz que constatar essa autonomia criativa, operante e inovadora. E não o

faz a esmo, ao acaso. As conquistas cientificas escrevem .

3.11 – A tudo corresponde uma ordenação e subordinação – como a antecedentes e

consequentes, como a causas e efeitos. É por consequência de mútua interação que tudo “se

resolve” na Natureza, no Universo. O tão infinito poder do Criador é comunicado à Criação.

Que não o recebe em potencial infinito, pois sua finitude limita sua capacidade de recepção.

Mas o recebe em grau máximo de potencial realizador. Ela “se resolve” dentro desse arco de

infinitas [conceito matemático] possibilidades de arranjo. Num momento não existe tal coisa

231 CIC, op.cit. n.310, p.93.

158

(não se percebe como tal) e no momento seguinte já existe (se faz perceptível como tal). Não

há acaso nesse processo, não há uma inexplicável geração espontânea, não é uma questão de

“coincidências”. Se não alcançamos sua relação de causa e efeito é pelo simples fato de que

ainda não absorvemos sua compreensão. Neste sentido vem a Ciência em socorro à Fé por

seus persistentes esquemas de pesquisas: e pode supri-la de instrumental para expurgá-la do

ataque de perniciosas crendices, a exemplo daquelas que remetem à vontade de Deus toda

sorte de superstições e até mesmo as derivadas de causalidade humana irresponsável. Ao

explicar racionalmente os eventos de natureza material e psicológica a Ciência presta à

Religião um amplo suporte. E ela o faz em consequência de sua leitura da Criação. Leitura

que deve ser isenta de imperativos apriorísticos.

3.12 – A Ciência pode levar a cabo uma escorreita leitura da Criação, pois a

Sabedoria com que Deus a fez está nela marcada indelevelmente: a mesma Ciência o

comprova, ainda que só lhe faça referência indiretamente. Para finalizar: estas notas

conclusivas podem ser corroboradas pelas três citações a seguir reeditadas:

Cabe ao rei esquadrinhar os mistérios. (Pr 25,2)

Toda a história da ciência se forma através da compreensão gradual de que os eventos não acontecem de

maneira arbitrária; refletem na verdade uma certa ordem comum, que pode ou não ter inspiração divina

[...] Estas leis podem ter sido originalmente decretadas por Deus, mas parece que posteriormente ele

não interferiu, abandonado o universo à sua própria sorte, ainda que de acordo com aquelas leis.232

Tudo sei porque a Sabedoria mo ensinou. (Sb 7,21)

Deu-lhes uma lei que jamais passará (Sl 148,6). – “parece que posteriormente ele não

interferiu” – Na bibliografia científica e teológica (teológica, em termos) encontramos vários

autores concordes com Hawking. E precisaria Deus interferir, sendo que Ele dotou a

Natureza de leis que jamais passarão? No visual humano – nós que nos fazemos medida e

paradigma do Universo – sim, temos muita coisa a cobrar do Criador –(se eu fosse Deus...)– e

por isso “precisamos” que Ele esteja atuante. Na prática atribuímos à Vontade de Deus todo e

232 HAWKING, Stephen. Uma breve história do tempo. Rio de Janeiro: Rocco, 1988 – p.173 (segundo a versão dada pela tradutora da Rocco]. A tradutora de BRODY lhe dá outra versão [BRODY, op.cit. p.206].

159

qualquer “inexplicável” – até mesmo a “milagrosa” salvação de um único passageiro em um

acidente aéreo em que 300 outros não foram agraciados com igual milagre e morreram

carbonizados! O “arbitrário” teria aí sinalizada sua presença? A solução não é fácil. Este é

apenas um indicativo de que nossa leitura da realidade anda incorreta, padece de um

redirecionamento. As leis que regem o Universo, e os eventos, não se sujeitam ao nosso

subjetivo, elas devem ser lidas “lá” onde são detectáveis. Estão veladas, mistérios ocultos. A

Ciência as descortina e revela. Por que a Sabedoria está inscrita na Natureza, é em sua

“leitura” que as Ciências adquirem o conhecimento daquilo que descobrem e por ele

constroem fórmulas e definições. Como já dissemos, vemos aí o ponto crucial de

convergência entre os ensinos da Fé e da Ciência, porquanto, ainda que cientistas haja que não

contemplem a possibilidade “Deus” e “Deus Criador”, em uníssono a Ciência constata, sem

ler nas Escrituras, lendo tão somente na Natureza (nas coisas criadas!), a ordem comum que

lhe dá a certeza de poder constatar a existência de leis e discerni-las em fórmulas e definições.

De seu lado, a Teologia tem por onde reconhecer que a mesma Sabedoria, que inscreveu suas

leis na Natureza, permite aos que a esquadrinham, dela se assenhorearem. Estas leis, que

escapam aos objetivos tanto da Filosofia quanto da Teologia, não precisam de outro meio para

serem conhecidas. Basta aos cientistas os sentidos, a razão e o intelecto. A Teologia pode

sobrevir, e iluminar. Chardin disse que o Universo estava “programado” para gerar Vida ...

Hawking, entre outros, aborda o princípio antrópico.

160

CONCLUSÃO

Dinâmica do diálogo. Este é nosso pleito. O Ser Humano dialoga com seu

CRIADOR, monologa [fala consigo mesmo] sobre Ele, e dialoga com seus pares a respeito

Dele pela mediação de seu linguajar humano. De um lado, a literatura bíblica se revela

conjuntural, atrelada à cultura e limitação cultural do povo que a produziu (o semita) em sua

peregrinação epocal. A conquista cultural se faz e refaz sobre si mesma num incessante

processo dialético. Não é por menos que a cultura moderna, alavancada pelas conquistas

científicas, mesmo não expurgada de suas idiossincrasias anticriacionistas, propõe uma leitura

da Criação mais condizente, “smj”, com uma Inteligência e Vontade à altura do TODO-

PODEROSO, em superação à visão antropomórfica da Divindade, a exemplo do Deus oleiro

de Gn 2. Mutatis mutandis, donde se pode admitir e concluir que o ensino básico sobre o

“Big-Bang” e suas consequências pode, muito bem, expressar a realização da Vontade

Criadora quando Deus disse “haja ... ajuntem-se ... produza ... Deus fez ... façamos o homem

...”, e que os dias da Criação podem ser entendidos como etapas, como eras, para nós, do

desabrochar do Ato Criador, pois “meu Pai trabalha até agora” (Jo 5,17).

A perspectiva da dinâmica dialogal foi tracejada no capítulo I. O instrumental do

diálogo é o linguajar humano. A linguagem é ditada pela cultura e acaba por fazer cultura.

Num primeiro momento ela sorve do aprendizado imediato. No momento seguinte ela dita

conhecimento. Chega a um ponto em que se estratifica como regra e impede o acréscimo de

um novo linguajar ao acervo do Saber. Represa o conhecimento. Esse represamento é ditado

pelo livre arbítrio assumido de modo possessivo, arbitrário. Isto acontece porque o Ser

Humano necessita assentar-se na solidez do lhe parece ser Verdade segura. Somente uma

revolução intelectual rompe o dique, desarma as travas ao Saber, e liberta o avanço do

conhecimento. Os paradigmas copernicano e darwiniano são exemplos típicos de revolução

161

cultural que se impôs desarmando travas ao Saber. Tese, antítese, síntese. A dialética do

conhecimento faz a cultura avançar. Ela corresponde à dinâmica do próprio Universo.

Responde, ou busca encontrar respostas, dentro do universo de possibilidades em que a

Realidade pode ser explicitada. Instala a evolução do Saber. Em quaisquer ramos da cultura.

Há uma luta pelo desvencilhamento de peias. É no domínio do livre arbítrio que elas se

manifestam e se resolvem.

No que respeita ao confronto Ciências da Fé versus Ciências da Natureza,

animosidades mútuas se instalaram de ambos os lados. Vemos hoje instalar-se,

promissoramente, uma nova era de aproximações. Isto já devia estar acontecendo desde a

maturidade dos tempos anunciada por Jesus de Nazaré (Mc 1,15). Apenas a dureza de

corações [na cultura bíblica, coração: inteligência, aptidão, disposição para entender e

acatar233] mantém em estado de protelação qualquer forma de conversão ou reversão, e tem

mantido trancada a porta da Inteligência para acolher o novo, o óbvio. A Teologia, de seu

lado, se não pelo fato de fundar-se na Fé, que busca explicitar, nada apresenta de evidente por

si mesmo. Seus dados cobram adesão pela Fé. Isto se dá em qualquer circuito religioso. Já se

fala, com certa preocupação, em inevidências teológicas. A cultura global, descortinando o

Saber de modo holístico, fornece, na multidisciplinaridade, o instrumental adequado para que

qualquer ramo do Saber se enriqueça pela incorporação de novos dados e modos de

compreender e explicar as coisas próprias de seu campo e objeto de pesquisas. De certo modo

a Teologia se refugiou na Filosofia e só a ela concedeu status de mestra. Mas a própria

Filosofia é discípula das Ciências da Natureza. Só se torna mestra após apreender delas o que

têm para ensinar. Concernente à Criação (não só), a Teologia tem ainda muito que auscultar

as Ciências da Natureza: a Criação – em modo direto, a coisa criada – é o específico campo e

objeto das Ciências da Natureza. É alentador o avanço teológico que já se nota nessa área.

233 LACOSTE, Jean-Yves, Dicionário crítico de teologia. São Paulo: Loyola/Paulinas, 2004. p.96 1.b e c.

162

A Vontade que faz acontecer. Esta é nossa fundamentação. O Ato da Criação se

expressa “como” manifestação de Uma Vontade que quer que tal aconteça e determina

“como” deve acontecer – a expressão “e Deus disse: haja ...” (cf. Gn 1, 3, 6, 9, 11, 14, 20, 24,

26...), se repete numa cadência que consagra a expressão de Uma Vontade. Para Teologia e

Ciência soa inadequado afirmar que Deus criou o Universo do nada. Mais coerente é afirmar

que Ele o criou “a partir de Sua Vontade”.

A Vontade que cria, elemento fundamental desta abordagem para o diálogo, foi

extensamente desenvolvida no capítulo II, dissertando sobre a Palavra Criadora e seu efeito

instalador da Criação pelo estabelecimento e manutenção de causas segundas, como que

constituídas em Mandatárias de criação. Só pela Fé poder-se-ia parar por aí. Deus Criador,

Transcendente, é o Alfa e o Ômega da Fé. Mas a Fé é missionária. Assim como o PAI ME

enviou, EU vos envio. Temos, pois, que proclamar a nossa origem e testificá-la. Isto leva o

crente a dialogar com a Natureza (ecologia) e com os homens que perscrutam as Ciências da

Natureza. O diálogo com estas faz imprescindível sua auscultada. Trata-se de uma dinâmica

que repete o diálogo do Criador com sua criatura. É o que se buscou fazer no capítulo III.

As Ciências nos dizem por que modos a Natureza cumpriu seu Mandato. Esta, a

nossa conclusão. A Criação de algo potencializado, ordenado ao atingimento dos objetivos

seqüenciais e finais, como tais queridos (projetados) pelo CRIADOR, revela Nele maior

poder Determinante e Criador, que o elementar fazer ELE próprio tudo pronto e acabado,

quase como um demiurgo. No entanto, Sua Palavra que cria, move, faz acontecer, permanece

diretiva. O Princípio do Motor Primeiro não precisa ser descartado; pode ser entendido no

exato sentido em que o patrocinamos, ou seja, que Deus é origem causadora do começo de sua

Criação. Posta-lhe uma existência, um começo, a Criatura tem, desde então, assumido seu

Mandato. Por isso, pode-se admitir que o arcabouço teorizado na Ciência, quanto ao “como”

da Criação, desde seu primórdio, não somente não contradiz o Dogma da Criação, como

163

também pode significar o “modus operandi” do CRIADOR, ou, no mínimo, revelar-se muito

próximo ao “de como”, por que processos se terá dado o processo Criador.

Uma leitura a priori da Criação conduz, inevitável e forçosamente, a duas inevidências

teológicas (se não mais), quais sejam: 1) Deus não é o demiurgo que organizou o Mundo, não

é o relojoeiro que o criou, não é o Artífice que o está sempre refazendo e reelaborando

experimentações sem conta. 2) Não pode ser acusado de alegadas imperfeições constatáveis:

o mal (ainda que aparente) não se deve a Ele, pois, fez boa a Criação.

Mas, uma leitura a posteriori do Universo demonstra qual artífice está sempre

burilando seu próprio obrar em seu inquestionável e incessante devir; e possibilita a leitura

adequada do que aparenta ser o mal que permeia a coisa criada. Podemos aqui nos lembrar da

explicação que o Senhor Jesus deu quando questionado por seus discípulos: “Rabi, quem

pecou, ele ou os seus pais, para que nascesse cego? Jesus respondeu: Nem ele nem seus pais

pecaram, mas é para que nele sejam manifestadas as obras de Deus” (Jo 9, 1-3). Nossa

aproximação de ausculta das Ciências é, pois, pari passu, com ela, uma leitura

aposteriorística da Criação.

Em nosso entender o ESPÍRITO SANTO “fala”, em quantidade, muito mais

fluentemente e exaustivamente através da Natureza, da obra criada, das criaturas, através dos

acontecimentos. A Profecia em Israel, atestada por Hb 1,1-5, está montada, toda ela, no fluxo

de acontecimentos localizados: é pronunciada em cima de uma constatação a posteriori.

Nessa linha situa-se também o pronunciamento (profético) de Paulo em Rm 1,20. Segundo

Paulo, Deus é conhecido primeiramente através das criaturas: portanto, do VER, que conduz

o observador a deduzir algo do Criador de tudo, que ele observa. Esta noção é a posteriori. É

dedutível que os autores sagrados tenham feito a leitura do Criador e da Criação por essa via,

e por ela foram “iluminados”. “Desde a criação”, como afirma São Paulo, o ESPÍRITO

SANTO continua a “falar”, através das coisas criadas, para a Inteligência. Ora, a Teologia

164

descartou para o domínio das Ciências da Natureza o conhecimento da Criação. E reteve sua

origem. Por deixar de ler o que o ESPÍRITO SANTO está a falar através dela, através das

coisas criadas, ininterruptamente (basta ler a Natureza), inabilitou-se para julgar

acontecimentos e pronunciamentos de ordem natural e se postou anacronicamente face à

realidade e ao saber científico. A consequência foi catastrófica para a adesão à Fé. O Senhor

Jesus é enfático ao conjurar quanto ao conhecimento de “sinais” (Mt 16,3). Uma visão

prospectiva deve ser, antes de tudo, uma visão aposteriorística, que parte do constatado [e o

constado não possibilita, por si tão somente, uma leitura sua a priori, pois ele subsiste num

persistente a posteriori], visão que analisa o visto, o acontecido; uma visão para trás, a partir

do que acontece, para enxergar o que aconteceu, a fim de entender o que acontece; e daí, sim,

compreender como foi que aconteceu, porque aconteceu e então apontar para o que se seguirá.

Assim a Vida, o Universo. Se vemos um “aleijume” dado à luz, podemos buscar suas

causas imediatas e as mais mediatas: honestamente, nunca chegaríamos a um perfeitíssimo

Criador, como promotor do aleijume, mas tão somente a uma natureza posta em devir. De boa

vontade inocentaríamos o Criador debitando tão somente ao pecado a causa do aleijume. Mas,

as Ciências da Natureza que, com “pés no chão”, lêem a Criação, tal como o ESPÍRITO

SANTO a mantém legível, nos mostra “a que” debitar sua causa. De sua parte, a Teologia da

Criação, apontando para a origem divina do Ser que, em seu devir, produziu tal aleijume,

conduz o Homem, que o questiona, a um juízo ético. É próprio da Teologia desembocar na

Ética “por força de seu objeto, que, enquanto experiência da realidade divina, possui a

característica de levar ao compromisso”234. Complementaridade, pois. O conhecimento

interdisciplinar que pode ser haurido nas Ciências sempre será salutar apoio para a Teologia.

A Ciência estuda e descreve os “seres” em sua singular individualidade e também em

sua multiplicidade. Todo ele (nós-eles) reflete aquela isotropia e homogeneidade, em que é

234 GANOCZY, op.cit., p.27. – Na p.14 se lê que cientistas e o Mundo esperam da Teologia, que fala pela Religião, que seu discurso teórico desemboque na prática de uma ética correspondente a conteúdos de fé.

165

lido por todo o Universo, em vista de o ser de cada criatura ter sido dado à existência de um

modo único, singular desde o instante da Criação, apenas aguardando o momento de seu “vir-

a-ser” individualizante no espaço-tempo. Para o ser do Universo a Teologia coloca a premissa

de sua criação por Deus, de sua origem na Vontade de Deus. Não há dificuldade lógica,

racional, para a Fé, que este ser posto à existência em processo de caminhada, a tenha

iniciado explosivamente para vir a ocupar toda a expansão que se detecta pelos telescópios e

por eles é sugerida estar além do detectável. Não pode, pois, haver contradição entre a

hipótese científica do surgimento do Universo, conforme o modelo- padrão iniciado por um

Big-Bang, e a proclamação da Fé na Criação. Ao menos pela analogia da novidade, um “Haja

Luz, e a Luz houve” soa estrondosamente explosivo tanto quanto o preconizado Big-Bang.

Para explodir deveria estar lá, deveria ter recebido o ser. Como irromperia existente algo

inexistente se não de modo extremamente inédito, festivo, alvissareiro? Não estávamos lá

para apreciar o espetáculo, mas podemos ao menos imaginá-lo. A analogia de nossas

celebrações festivas pode sugerir e nos propiciar uma participação virtual naquele evento

criador: “Haja luz”.

Hoje, por toda a Terra, ao vivo, ou à virtual pela televisão, multidões se postam como

platéia expectante por um momento único, festivo, alvissareiro de passagem de ano, em

contagem regressiva: 3!, 2!, 1!, 0! e fogos luminosos de toda sorte espocam pelo céu

anunciando o nascimento de um novo ano à zero hora de um novo tempo. – O que estoura

precisa existir, precisa ser posto à existência: Haja luz! Exista! e pronto, eis o bang, o big-

bang. Não pode haver contradição entre Deus que cria (que põe à existência) e a criatura que

se manifesta existindo. Mas, o “de acordo” com as Ciências não fica estagnado nos vestíbulos

daquele instante zero. O Universo criado em devenir recebeu do Criador autonomia para ir se

fazendo235 (Gn 1 é definitivo, repetimos). Auto-organização cósmica, geológica, biológica,

235 GANOCZY, op.cit., pp.59-61.

166

social, intelectual no espaço e no tempo. A este ir se fazendo as Ciências chamam de

evolução. Desde a Idade Média o linguajar teológico para evolução tem sido creatio continua.

Ambas, a seu modo próprio, são concordes em que a Criação está em marcha, evolui. A visão

escatológica de cada uma difere quanto ao objeto, mas têm em comum um horizonte a perder

de vista, assim como têm em comum que o princípio de todas as coisas goza da mesma

indescritível singularidade. Tudo isso está disponibilizado pelo Criador. A ausculta e o

diálogo devem se posicionar em termos de adequada hermenêutica.

Temos, pois, como demonstrado, que a Criação – que a Fé ensina, que a Teologia

explicita, que o Dogma define – pode, muito bem, sem contradição essencial, ter se dado

como o preconiza a Ciência em seu todo. Resgatado à explicitação da Fé, que tudo é produto

do querer de um Onipotente Criador, que projetou seu querer, de tal forma que sua Criação foi

dotada de capacitação para levar-se ao termo que lhe imprimiu o Criador, pode a Teologia da

Criação assentir que não há contradição alguma entre o ensino da Fé, de que a Criação tem

sua origem em Deus, e o ensino das Ciências, de como a Criação evoluiu desde seu começo.

No mínimo ambos os ensinos se complementam na compreensão do único e singular

evento236, cada um a partir de horizontes e métodos específicos ditados pela única Razão que

informa e conforma Fé e Ciência.

236 GANOCZY, op. cit., p.28. Com propriedade podemos aplicar a conclusão de Ganoczy: “Conclusão: ao combinar e comparar entre si afirmações de cientistas naturais e teólogos acerca dos temas ou complexos temáticos mencionados, espero sugerir que, por força de uma analogia, fundamentada na realidade, suas formas de apresentação no mínimo não se contradizem. Talvez se torne claro para as leitoras e os leitores que essas duas maneiras de descrever a mesma realidade correspondem uma à outra em duas dimensões muito distintas, porém complementares, de cognição: A analogia vem a ser o método para entender a complementaridade das esferas da realidade.”

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ANEXOS Uma Resenha sobre a obra de Eliot Brody ........................................................................... 168 Excertos de “A produção teológica no Pós-Concílio” .......................................................... 171 Mensaje Del Santo Padre Juan Pablo II A Los Miembros De La Academia Pontificia De Ciencias .................................................. 174 Discorso Di Giovanni Paolo Ii Ai Partecipanti Alla Sessione Plenaria Della Pontificia Accademia Delle Scienze ........................................................................... 178 Plenária Da Pontifícia Academia Das Ciências: Nenhuma Incompatibilidade Entre Teoria Da Evolução E Criação ..................................... 184 Concluída No Vaticano A Conferência Sobre Evolução ...................................................... 185 Apresentado Novo Livro Sobre Galileu E O Vaticano ......................................................... 186 Max Planck e o início da Teoria Quântica ............................................................................ 187

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Uma Resenha sobre a obra de Eliot Brody adotada na Bibliografia Comentários sobre esta resenha – As restrições postas pelo articulista dizem respeito tão somente às especificações por ele apontadas. Não afetam a correção e validade do que dela nos valemos como referencial. Autores como John Gribbin, Stephen Hawking, Ilya Prigogine e Steven Weinberg fornecem valiosos elementos de comparação. http://www.comciencia.br/resenhas/ciencia.htm [baixado em 07/05/2009 – 00:15h]

A Ciência em sete revoluções Roberto Belisário - Físico

Não existe uma fórmula geral para se traduzir conceitos científicos de forma que fiquem acessíveis para o público em geral. Nesse assunto, só há duas certezas: que entender os conceitos e teorias da Ciência moderna é muito importante para todos nós, e que o público não só quer como pode fazê-lo. Nisto consiste a resposta dada, da primeira à última página, às três perguntas que abrem o texto do livro "As sete maiores descobertas científicas da História e seus autores", de David Eliot Brody e Arnold R. Brody, traduzido por Laura Teixeira Motta e publicado pela Companhia das Letras em 1999. O objetivo da obra é transmitir ao leitor a essência das principais teorias e conceitos da Ciência.

Diferentemente da maior parte das obras desse gênero, que tratam de áreas específicas do conhecimento, os irmãos Brody fazem um apanhado geral da Física, Química e Biologia do nosso tempo. Nas 436 páginas do volume os autores cobrem uma área vastíssima do conhecimento humano, desde a Revolução Copernicana-Galileana, que tirou a Terra do centro do Universo e colocou-a movendo-se ao redor do Sol, passando pelas teorias atômica, quântica e da relatividade, pelas teorias celular e da evolução, e chegando até os princípios da Engenharia Genética.

Para tal empreitada, lançam mão de dois ótimos artifícios. Dão à exposição uma abordagem histórica, reconhecidamente um dos melhores métodos para se divulgar ciência. A narrativa segue, assim, desde os tempos de Nicolau Copérnico até 1996, ano anterior ao da publicação original do livro, cobrindo mais de cinco séculos de pesquisas científicas. David e Arnold Brody fazem questão de mencionar uma porção de descobertas importantes feitas na década de 90 (inclusive várias em 1996), e fica no leitor aquela saudável impressão de que a Ciência encontra-se em incessante movimento. É citado inclusive o acidente nuclear de Goiânia, de 1987: "O pó azul brilhante do interior da cápsula acabou contaminando 249 pessoas, resultando em várias mortes, amputações e doenças." A exposição culmina com uma seção final dedicada ao Projeto Genoma Humano.

O segundo artifício é dividir a exposição nas "sete maiores descobertas", agrupadas de forma que as primeiras partes tratam de Física e Química, enquanto as restantes falam exclusivamente de Biologia. Essa estratégia coloca o vasto assunto numa estrutura muito bem organizada e equilibrada. As sete "descobertas", na realidade,

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referem-se não os feitos individuais, nem tampouco a avanços tecnológicos, mas às grandes mudanças de paradigma - alterações na visão de mundo dos cientistas e das pessoas em geral, provocadas por uma série de observações e desenvolvimentos teóricos. Às vezes mais de uma mudança de paradigma é incluída em uma única parte. Com esse método, poucas áreas da Ciência moderna são deixadas de fora (uma exceção é a Medicina).

Apesar de tratar os assuntos com uma abordagem histórica, esta obra deve ser lida mais como uma exposição notoriamente organizada das várias teorias e conceitos da Ciência atual - incluindo não só as teorias revolucionárias do século XX, mas outras muito mais antigas e que são aceitas ou usadas até hoje. A parte histórica é então inteiramente submetida ao objetivo principal de expor os conceitos científicos usados hodiernamente. Mesmo assim, uma discussão histórica como essa tem inegáveis vantagens. É um excelente guia para traduzir os conceitos científicos para o público e ao mesmo tempo ajuda a contextualizar as descobertas científicas, que deixam de parecer provindas de súbitos lampejos que emergiriam das profundezas imperscrutáveis de mentes privilegiadas. Além disso, transforma toda a exposição numa grande história de mistério e resgata para o leitor o caráter extraordinário das novas teorias: hoje, pensar no movimento da Terra ao redor do Sol é uma coisa banal. Houve um tempo em que isso era fantástico.

Com uma abordagem dessas, os autores naturalmente deixam transparecer, ao longo de todo o texto, suas idéias epistemológicas e pedagógicas sobre o que é e como deve ser transmitida a Ciência. É nas três perguntas da abertura do texto e na conclusão da obra que o leitor pode ter uma noção das idéias dos irmãos Brody a respeito da importância social do conhecimento científico e das motivações que os levaram ao seu empreendimento: "A liberdade não depende da lei; requer que o público entenda e aprecie o pensamento racional. A razão é a alma da Ciência. Quando ela é suprimida ou abandonada, o totalitarismo ou a anarquia rapidamente preenchem a lacuna deixada." O que está perfeitamente de acordo com a presença, ao longo da obra, de várias críticas ao Criacionismo, uma teoria pseudo-científica que nega a evolução biológica e que é ensinada em inúmeras escolas dos Estados Unidos.

A preocupação com o impacto social da Ciência os leva a dedicar especial atenção à energia nuclear, particularmente ao processo de invenção da bomba atômica - incluindo uma interessante história do Projeto Manhattan, que levou à construção da arma. Porém, o capítulo que, segundo os autores, "discorre sobre como os cientistas identificaram e empregaram a [energia nuclear]", é sintomaticamente intitulado "O fim do mundo" e nada diz sobre os usos pacíficos na geração de energia elétrica, na Medicina e nas ciências dos materiais. Essa abordagem reforça a distorção na imagem pública da energia nuclear, manchada indelevelmente por seu trágico início militarista.

David Eliot Brody é escritor, advogado e professor de direito, sociologia e ciências humanas. Seu irmão Arnold R. Brody é um renomado especialista em biologia celular e patologias pulmonares. Com certeza foi essa formação que determinou a maior falha da obra: uma coleção de deslizes na exposição das teorias físicas, que algumas vezes dão ao leitor uma idéia errada dos conceitos envolvidos. Em particular, na seção sobre a Teoria da Relatividade, os autores se metem num

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lamaçal de raciocínios escusos de tais proporções que deixa boa parte do capítulo 8 irremediavelmente inutilizada.

Ao leitor que se aventurar por essas páginas, deve ser dito que, na pág. 166, os autores invocam vários raciocínios completamente defeituosos. Um exemplo ocorre quando eles tentam ilustrar com aplicações numéricas o fenômeno da "dilatação do tempo" - uma alteração no correr do tempo observada entre referenciais que se movem muito velozmente um em relação ao outro. Para tanto, são comparadas duas observações do mesmo fenômeno físico (a emissão de pulsos luminosos) feitas por dois observadores deslocando-se um em relação ao outro, ou seja, em dois referenciais diferentes. Nesse tipo de raciocínio é fundamental especificar-se de que referencial está se falando em cada ponto do texto. Porém, os autores confundem os referenciais várias vezes, a ponto de invalidar todo o raciocínio. Os erros continuam ao longo dos próximos parágrafos - por exemplo, aplicam erradamente o que chamam de "fator relativístico de Einstein" (também conhecido como "fator de Lorentz"), que serve para descrever quantitativamente a dilatação do tempo.

Outros deslizes menores (alguns, porém, bem destrutivos) ocorrem ao longo de todo o texto referente à Física. Por exemplo, ao contrário do que é dito na página 122, a chamada "força nuclear fraca" não "liga os elétrons em órbita ao núcleo" nem "é responsável por manter juntos os átomos que se combinam para formar moléculas". É a força eletromagnética que faz isso. A força nuclear fraca é responsável por certos tipos de radiação, como a radiação beta. Recomendo que o leitor aproveite com prazer a parte de Biologia, mas seja mais crítico na parte de Física e de Química.

Recomendo também que salte o item "Questão número 1 - Qual é a relação entre velocidade e tempo?", nas págs. 162-167, pois o que está ali escrito é um pântano capaz de desorientar os melhores cérebros. Para preencher a lacuna e entender a relatividade, ele pode consultar o excelente livro "A evolução da Física", publicado por Albert Einstein e Leopold Infeld originalmente em 1938, mas ainda insuperável didaticamente. Encontra-se nas lojas a edição da editora Guanabara (1988); chegou a ser publicado também pela Editora Zahar, em 1976.

Uma mácula desse porte numa obra de divulgação tão importante é algo para lamentar-se muito. Mas não há dúvida de que o que resta suplanta de longe os defeitos, desde que o leitor saiba em que pedras não apoiar os pés.

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EXCERTOS DE “A produção teológica no Pós-Concílio” extraídos da publicação que se segue.

Esta peça teológica do Dr. Paulo Sérgio é muito rica, abrangente. Mesmo não contemplando de modo direto a temática por nós abordada na dissertação, aponta relevantes considerações que implicam na oportunidade de nosso trabalho. Nesse sentido, é significativo o resgate dado ao trabalho de Karl Rahner, e as indicações de uma nova postura para a Teologia. Apenas por uma questão de objetividade, para economia de espaço, reproduzimos somente as passagens que, de alguma forma, nos parecem pertinentes ao que nos propusemos.

(Obs.: certos trechos desta colagem tirada da Internet não aceitam “justificação” de texto)

http://www.teologia-assuncao.br/re-eletronica/numeros/n2/n2_paulosergio.html [baixado em 15/05/2009 – 17:15h]

A PRODUÇÃO TEOLÓGICA NO PÓS-CONCÍLIO

Prof. Dr. Pe. Paulo Sérgio Lopes Gonçalves

1. INTRODUÇÃO Objetiva-se neste texto expor o processo pelo qual se efetuou a produção teológica após o Concílio Vaticano II, bem como apontar algumas prospectivas denotativas da pertinência e da relevância da teologia na atualidade. Justifica-se esse objetivo o fato do Concílio Vaticano II ser uma referência fundamental na história da teologia contemporânea, propiciando a recepção do processo de renovação teológica e o impulso à produção de complexos teológicos incidentes na realidade histórica e no próprio sentido da vida humana. De fato, à luz do Concílio Vaticano II, a teologia cristã católica tornou-se mais aberta a dialogar com o mundo, a assimilar as contribuições de outras teologias, a acolher as diferentes e necessárias mediações científicas, a desenvolver com maior intensidade a sensibilidade histórica, a deixar-se ser criticada para a afirmação de seu próprio caráter de contemporaneidade. Dessa forma, a produção teológica atual, não se configura como um discurso ou uma reflexão ou um saber isento de plausibilidade, de consistência, de importância contemporânea, mas seu escopo fundamental é, sem sombras de dúvidas, mostrar-se como uma ciência prática, uma reflexão crítica que visa dar sentido à vida vista em suas diferentes formas e dimensões. Para atingir o objetivo proposto, afirmar-se-á o significado Concílio Vaticano II, em sua identidade de receptor e impulsionador de uma produção teológica aberta aos sinais dos tempos, realçar-se-á os efeitos histórico-teológicos do referido Concílio, vistos no modo como se produz teologia atualmente. Levantar-se-á também um conjunto de prospectivas que acentuam o importante papel da ciência teológica na defesa e na promoção, em uma clara demonstração dos diferentes modos como a teologia se configura para ser relevante, pertinente e eficaz, no processo de edificação da vida em sua plenitude. 2. O SIGNIFICADO DO CONCÍLIO VATICANO II PARA A TEOLOGIA O Concílio Vaticano II constitui-se em um grande marco na história da teologia contemporânea. De fato, esse Concílio significou um momento de recepção criativa do movimento de renovação teológica desenvolvido desde o final do século XIX. Além disso, deve-se recordar a grande intuição do Papa João XXIII que, convocou o Concílio para que a Igreja realizasse o aggiornamento em diálogo com o mundo moderno. Buscava-se encerrar definitivamente a postura apologética da Igreja em relação à Modernidade que produziu constantes juízos axiológicos de condenação à filosofia moderna. Dessa forma, o Concílio recepcionou a teologia da história produzida pelo Nouvelle Théologie que trouxe à tona o caráter prático e científico da teologia, desenvolvendo temas importantes, tais com o ecumenismo, o diálogo inter-religioso, o diálogo da fé com a ciência, o diálogo com o ateísmo. Recepcionou também a teologia transcendental produzida, especialmente por Karl Rahner, que afirmou a centralidade antropológica na teologia, apontando a necessidade de se discursar sobre Deus a partir das realidades do ser humano. Além disso, o concílio a teologia do mistério elaborada por Odo Casel que, por sua vez, negou a sinonímia entre mistério e segredo e afirmou a identificação do mistério com sacramento na história produzida pelos seres humanos. Ademais, não se pode esquecer que também pela vertente filosófica, o processo de renovação foi impulsionado. [...]

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3. OS DESDOBRAMENTOS TEOLÓGICOS APÓS O CONCÍLIO VATICANO II Imbuída de um grande dinamismo, a teologia do Concílio Vaticano II constituiu-se de um profundo dinamismo, cujas marcas estão no seu conteúdo e nos efeitos histórico-teológicos após o término do Concílio, a saber: a hermenêutica teológica, o pluralismo, a regionalização da teologia, a pós-modernidade e todas as suas implicações. [...] [...] A hermenêutica teológica [5] emergiu na esteira da hermenêutica filosófica, particularmente no âmbito da história e da linguagem, tão bem desenvolvidas por Hans-Georg Gadamer [6] e Paul Ricoeur [7]. Seu principal fruto foi defrontar-se com a apologética fundamentada e fechada em determinados conceitos, irredutíveis às interrogações e às possibilidades de aperfeiçoamentos de suas formas. A teologia passou a ser produzida a partir de um processo que pressupõe a tomada dos textos da Escritura e da Tradição, levando a cabo o estudo do contexto histórico, da filologia e de uma correta articulação entre letra e espírito, com a finalidade de se compreender a Palavra de Deus na atualidade histórica. O grande exemplo de efetividade da hermenêutica teológica está no aprofundamento dos métodos de leitura bíblica, cuja perspectiva histórica já havia sido reconhecida pelo magistério eclesiástico tanto com Pio XII [8] quanto no Concílio Vaticano II [9] e ampliada pela Pontifícia Comissão Bíblica [10]. Com isso, foram consolidados vários métodos de leitura da bíblia: o histórico-crítico, os de análise literária – retórica, narrativa, semiótica –, os de base na tradição – o canônico, os de base judaica, os da história dos efeitos do texto –, os oriundos do diálogo com as ciências humanas – o sociológico, o antropológico-cultural, o psicológico e psicanalítico –, os contextuais – libertador e feminista – e o da leitura fundamentalista. Essa última é passível de crítica pelo seu fechamento à hermenêutica e, por conseqüência a uma interpretação veraz e consistente. E isso, porque a hermenêutica não apenas foi consolidada para uma correta interpretação da bíblia, como também possibilitou que a compreensão das características de uma interpretação que esteja efetivamente a serviço da revelação cristã. Outro exemplo da efetividade da hermenêutica teológica está na interpretação dos diversos dogmas, cujo conteúdo possui base bíblica e sua forma requer sempre aperfeiçoamento. Assim sendo, jamais um dogma pode ser assimilado em sua formulação absoluta, mas deve sempre passar por um processo de interpretação pelo qual ele se torna cada vez mais atual e contemporâneo [11]. Buscou-se eliminar a afirmação de uma determinada interpretação autoritária da Palavra e de uma postura meramente servil da teologia em relação à letra doutrinária do magistério eclesiástico. Com isso, a verdade teológica emergente isenta-se da adequatio dogmática, mas constitui-se do testemunho histórico que parte da arché – fundamentum – e afirma a historicidade da verdade e a relevância da linguagem – vista por Martin Heidegger como a casa do ser [12] – em todo processo de elaboração teológica. Dessa forma, a verdade teológica é fruto do consenso histórico e eclesial, dado que há uma unidade multiforme da fé no tempo e no espaço, eliminando o dogmatismo e o absolutismo epistemológicos. E por ser consensual e interpretativa, a hermenêutica teológica é aberta, respeita a originalidade da revelação cristã e se firma como uma unidade plural para a elaboração de uma autêntica verdade cristã.

O pluralismo teológico é outra herança importante do Concílio Vaticano II. Eliminou-se a concepção de uma teologia una e de uma forma teológica única assumida pela Igreja. Emergiu o clima plural, marcado pela diversidade de formas de produção teológica, constituída de perspectivas que muitas vezes foram temas teológicos. Foram consolidadas a teologia da história e a teologia transcendental, dando continuidade à supracitada centralidade antropológica. Concretizou-se um diálogo da teologia com as ciências humanas, trazendo à tona um redimensionamento temático em função das novas perspectivas. Emergiram as teologias da práxis presentes nas perspectivas da experiência de Edward Schilebeeckx, da secularização de Harvey Cox, política de Johanes Baptiste Metz e feminista de algumas teólogas norte-americanas. Essas perspectivas trouxeram em comum a superação de centralismo religioso e do eclesiocentrismo na produção teológica. A religião deixou de ser a única perspectiva possível ou a Igreja como única instância possível à salvação na produção teológica. O pluralismo denota a secularização do mundo, tornando a religião como um dos eixos de compreensão deste mundo [13], suscitando a experiência como categoria imprescindível à compreensão e interpretação da ação de Deus na história [14]. [...]

[...] A Pós-modernidade propiciou a emergência da consciência acerca do pluralismo dos povos, das religiões, das igrejas e do próprio ser humano que deve ser compreendido em sua pluridimensionalidade. Com isso, o clima pós-moderno rechaça todo tipo de uniformidade e de preconceito racial, cultural e religioso. Daí que a perspectiva da flexibilidade e da alteridade é extremamente necessária à convivência com as diferenças e com o horizonte utópico da unidade dessas mesmas diferenças [37].

[...] A globalização trouxe à tona as questões planetárias em função da devastação dos bosques, do efeito estufa, do buraco da camada de ozônio e outros fenômenos devastadores e a perspectiva ecológica tornou-se uma realidade a ser abarcada pela ética, pela ciência [38] e pela teologia.

4. PROSPECTIVAS

Diante da realidade exposta, cabe à teologia, seguindo o espírito conciliar, em ser cada vez mais aberta aos sinais dos tempos. Ainda que se afirme a posição favorável a um Concílio Vaticano III [39] para se enfrentar esta nova realidade, o efetivo posicionamento é dar continuidade ao espírito dialógico e de aggiornamento proporcionado pelo Concílio Vaticano II. Com isso, a teologia deverá aprofundar o seu caráter científico, seu diálogo com as ciências humanas e investir no diálogo com outras ciências especialmente a física e a biologia, áreas que tiveram grandes avanços nos últimos anos, a fim de ser um complexo teórico sério, contundente, pertinente e relevante.

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Ademais, a teologia haverá de ter uma grande sensibilidade histórica para compreender bem os novos fenômenos sociais e religiosos e a abertura necessária e eficaz para o diálogo científico com a antropologia cultural e religiosa no tocante ao pluralismo religioso, com a história para superar as inércias políticas e centrar-se em uma compreensão de vida a partir do entrelaçamento dos seres vivos e dos não vivos enquanto efetiva teia da vida [40].

Pelo que já se produziu, a teologia deverá continuar a formulação de uma teologia cristã do pluralismo religioso [41], a elaboração de uma pneumatologia histórica denotativa da ação histórica e transformadora do Espírito Santo [42] e a produção de uma teologia ecológica capaz de afirmar a vida planetária e cósmica a partir da concepção de que a Schechina de Deus está em tudo e em todos [43]. Terá também de enfrentar com maturidade necessária a nova realidade da comunicação marcada pela era midiática e pela era digital. Deverá preocupar-se em emitir a imagem de um Deus vivo que combate os ídolos no contexto da eficiência e da eficácia da velocidade das novas tecnologias da informação. A teologia terá também como tarefa recuperar, segundo os princípios da fé, a identidade educacional da comunicação, tendo em vista à necessidade de se formar a consciência humana para a promoção do bem comum e da vida [44]. [...]

Prof. Dr. Pe. Paulo Sérgio Lopes Gonçalves Bacharel e Licenciado em Filosofia, Bacharel, Mestre e doutor em Teologia. Professor de Teologia Sistemática e Diretor do Centro de Ciências Humanas da PUC-Campinas. E é professor convidado do Programa de Pós-graduação Stricto Sensu em Teologia da Pontifícia Faculdade de Teologia Nossa Senhora da Assunção.

............................................................................................................................................................

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http://www.vatican.va/holy_father/john_paul_ii/messages/pont_messages/1996/documents/hf_jp-ii_mes_19961022_evoluzione_sp.html - [baixado em 26/12/2008 - 15,11h]

MENSAJE DEL SANTO PADRE JUAN PABLO II A LOS MIEMBROS DE LA ACADEMIA PONTIFICIA DE CIENCIAS

Con gran placer le dirijo un cordial saludo a usted, señor presidente, y a todos vosotros que constituís la Academia pontificia de ciencias, con ocasión de vuestra asamblea plenaria. Felicito, en particular, a los nuevos académicos, que han venido para participar por primera vez en vuestros trabajos. Quiero recordar también a los académicos fallecidos durante el año pasado, a quienes encomiendo al Señor de la vida.

1. Al celebrarse el sexagésimo aniversario de la refundación de la Academia, me complace recordar los propósitos de mi predecesor Pío XI, que quiso rodearse de un grupo elegido de sabios, esperando que informaran con toda libertad a la Santa Sede sobre el desarrollo de la investigación científica, y que así le ayudaran en sus reflexiones.

A quienes solía llamar el Senatus scientificus de la Iglesia, les pedía que sirvieran a la verdad. Es la misma invitación que os renuevo hoy, con la certeza de que podremos aprovechar la «fecundidad de un diálogo confiado entre la Iglesia y la ciencia», (cf. Discurso a la Academia de ciencias, 28 de octubre de 1986: L'Osservatore Romano, edición en lengua española, 16 de noviembre de 1986, p. 15).

2. Me alegra el primer tema que habéis elegido, el del origen de la vida y de la evolución, tema esencial que interesa mucho a la Iglesia, puesto que la Revelación, por su parte, contiene enseñanzas relativas a la naturaleza y a los orígenes del hombre. ¿Coinciden las conclusiones a las que llegan las diversas disciplinas científicas con las que contiene el mensaje de la Revelación? Si, a primera vista, puede parecer que se encuentran oposiciones, ¿en qué dirección hay que buscar su solución? Sabemos que la verdad no puede contradecir a la verdad (cf. León XIII, encíclica Providentissimus Deus). Por otra parte, para aclarar mejor la verdad histórica, vuestras investigaciones sobre las relaciones de la Iglesia con la ciencia entre el siglo XVI y el XVIII son de gran importancia.

Durante esta sesión plenaria, hacéis una «reflexión sobre la ciencia en el umbral del tercer milenio», comenzando por determinar los principales problemas creados por las ciencias, que influyen en el futuro de la humanidad. Mediante vuestros trabajos, vais proponiendo soluciones que serán beneficiosas para toda la comunidad humana. Tanto en el campo de la naturaleza inanimada como en el de la animada, la evolución de la ciencia y de sus aplicaciones plantea interrogantes nuevos. La Iglesia podrá comprender mejor su alcance en la medida en que conozca sus aspectos esenciales. Así, según su misión específica podrá brindar criterios para discernir los comportamientos morales a los que todo hombre está llamado, con vistas a su salvación integral.

3. Antes de proponeros algunas reflexiones más específicas sobre el tema del origen de la vida y de la evolución, quisiera recordaros que el Magisterio de la Iglesia ya ha sido llamado a

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pronunciarse sobre estas materias, en el ámbito de su propia competencia. Deseo citar aquí dos intervenciones.

En su encíclica Humani generis (1950), mi predecesor Pío XII ya había afirmado que no había oposición entre la evolución y la doctrina de la fe sobre el hombre y su vocación, con tal de no perder de vista algunos puntos firmes (cf. AAS 42 [1950], pp. 575-576).

Por mi parte, cuando recibí el 31 de octubre de 1992 a los participantes en la asamblea plenaria de vuestra Academia, tuve la ocasión, a propósito de Galileo, de atraer la atención hacia la necesidad de una hermenéutica rigurosa para la interpretación correcta de la Palabra inspirada. Conviene delimitar bien el sentido propio de la Escritura, descartando interpretaciones indebidas que le hacen decir lo que no tiene intención de decir. Para delimitar bien el campo de su objeto propio, el exégeta y el teólogo deben mantenerse informados acerca de los resultados a los que llegan las ciencias de la naturaleza (cf. AAS 85 [1993], pp. 764-772, Discurso a la Pontificia Comisión Bíblica, 23 de abril de 1993, anunciando el documento sobre La interpretación de la Biblia en la Iglesia: AAS 86 [1994], pp. 232-243).

4. Teniendo en cuenta el estado de las investigaciones científicas de esa época y también las exigencias propias de la teología, la encíclica Humani generis consideraba la doctrina del «evolucionismo» como una hipótesis seria, digna de una investigación y de una reflexión profundas, al igual que la hipótesis opuesta. Pío XII añadía dos condiciones de orden metodológico: que no se adoptara esta opinión como si se tratara de una doctrina cierta y demostrada, y como si se pudiera hacer totalmente abstracción de la Revelación a propósito de las cuestiones que esa doctrina plantea. Enunciaba igualmente la condición necesaria para que esa opinión fuera compatible con la fe cristiana; sobre este aspecto volveré más adelante.

Hoy, casi medio siglo después de la publicación de la encíclica, nuevos conocimientos llevan a pensar que la teoría de la evolución es más que una hipótesis. En efecto, es notable que esta teoría se haya impuesto paulatinamente al espíritu de los investigadores, a causa de una serie de descubrimientos hechos en diversas disciplinas del saber. La convergencia, de ningún modo buscada o provocada, de los resultados de trabajos realizados independientemente unos de otros, constituye de suyo un argumento significativo en favor de esta teoría.

¿Cuál es el alcance de dicha teoría? Abordar esta cuestión significa entrar en el campo de la epistemología. Una teoría es una elaboración metacientífica, diferente de los resultados de la observación, pero que es homogénea con ellos. Gracias a ella, una serie de datos y de hechos independientes entre sí pueden relacionarse e interpretarse en una explicación unitaria. La teoría prueba su validez en la medida en que puede verificarse, se mide constantemente por el nivel de los hechos; cuando carece de ellos, manifiesta sus límites y su inadaptación. Entonces, es necesario reformularla.

Además, la elaboración de una teoría como la de la evolución, que obedece a la exigencia de homogeneidad con los datos de la observación, toma ciertas nociones de la filosofía de la naturaleza.

Y, a decir verdad, más que de la teoría de la evolución, conviene hablar de las teorías de la evolución. Esta pluralidad afecta, por una parte, a la diversidad de las explicaciones que se han propuesto con respecto al mecanismo de la evolución, y, por otra, a las diversas filosofías

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a las que se refiere. Existen también lecturas materialistas y reduccionistas, al igual que lecturas espiritualistas. Aquí el juicio compete propiamente a la filosofía y, luego, a la teología.

5. El Magisterio de la Iglesia está interesado directamente en la cuestión de la evolución, porque influye en la concepción del hombre, acerca del cual la Revelación nos enseña que fue creado a imagen y semejanza de Dios (cf. Gn 1, 28-29). La constitución conciliar Gaudium et spes ha expuesto magníficamente esta doctrina, que es uno de los ejes del pensamiento cristiano. Ha recordado que el hombre es «la única criatura en la tierra a la que Dios ha amado por sí misma» (n. 24). En otras palabras, el hombre no debería subordinarse, como simple medio o mero instrumento, ni a la especie ni a la sociedad; tiene valor por sí mismo. Es una persona. Por su inteligencia y su voluntad, es capaz de entrar en relación de comunión, de solidaridad y de entrega de sí con sus semejantes. Santo Tomás observa que la semejanza del hombre con Dios reside especialmente en su inteligencia especulativa, porque su relación con el objeto de su conocimiento se asemeja a la relación que Dios tiene con su obra (cf. Summa Theol., I-II, q. 3, a. 5, ad 1). Pero, más aún, el hombre está llamado a entrar en una relación de conocimiento y de amor con Dios mismo, relación que encontrará su plena realización más allá del tiempo, en la eternidad. En el misterio de Cristo resucitado se nos ha revelado toda la profundidad y toda la grandeza de esta vocación (cf. Gaudium et spes, 22). En virtud de su alma espiritual, toda la persona, incluyendo su cuerpo, posee esa dignidad. Pío XII había destacado este punto esencial: el cuerpo humano tiene su origen en la materia viva que existe antes que él, pero el alma espiritual es creada inmediatamente por Dios («animas enim a Deo immediate creari catholica fides nos retinere iubet»: encíclica Humani generis: AAS 42 [1950], p. 575).

En consecuencia, las teorías de la evolución que, en función de las filosofías en las que se inspiran, consideran que el espíritu surge de las fuerzas de la materia viva o que se trata de un simple epifenómeno de esta materia, son incompatibles con la verdad sobre el hombre. Por otra parte, esas teorías son incapaces de fundar la dignidad de la persona.

6. Así pues, refiriéndonos al hombre, podríamos decir que nos encontramos ante una diferencia de orden ontológico, ante un salto ontológico. Pero, plantear esta discontinuidad ontológica, ¿no significa afrontar la continuidad física, que parece ser el hilo conductor de las investigaciones sobre la evolución, y esto en el plano de la física y la química? La consideración del método utilizado en los diversos campos del saber permite poner de acuerdo dos puntos de vista, que parecerían irreconciliables. Las ciencias de la observación describen y miden cada vez con mayor precisión las múltiples manifestaciones de la vida y las inscriben en la línea del tiempo. El momento del paso a lo espiritual no es objeto de una observación de este tipo que, sin embargo, a nivel experimental, puede descubrir una serie de signos muy valiosos del carácter específico del ser humano. Pero la experiencia del saber metafísico, la de la conciencia de sí y de su índole reflexiva, la de la conciencia moral, la de la libertad o, incluso, la experiencia estética y religiosa competen al análisis y de la reflexión filosóficas, mientras que la teología deduce el sentido último según los designios del Creador.

7. Para concluir, quisiera recordar una verdad evangélica capaz de irradiar una luz superior sobre el horizonte de vuestras investigaciones acerca de los orígenes y el desarrollo de la materia viva. En efecto, la Biblia es portadora de un extraordinario mensaje de vida. Dado que caracteriza las formas más elevadas de la existencia, nos da una visión sabia de la vida. Esta visión me ha guiado en la encíclica que he dedicado al respeto de la vida humana y que, precisamente, he titulado Evangelium vitae.

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Es significativo que, en el evangelio de san Juan, la vida designa la luz divina que Cristo nos comunica. Estamos llamados a entrar en la vida eterna, es decir, en la eternidad de la felicidad divina.

Para ponernos en guardia contra las tentaciones más grandes que nos acechan, nuestro Señor cita las importantes palabras del Deuteronomio: «No sólo de pan vive el hombre, sino de toda palabra que sale de la boca de Dios» (Dt 8, 3, cf. Mt 4, 4).

Por otra parte, la vida es uno de los más hermosos títulos que la Biblia ha reconocido a Dios. Él es el Dios vivo.

De todo corazón invoco la abundancia de las bendiciones divinas sobre todos vosotros y vuestros seres queridos.

Vaticano, 22 de octubre de 1996

1996 Copyright © - Libreria Editrice Vaticana

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http://www.vatican.va/holy_father/john_paul_ii/speeches/1992/october/documents/hf_jp-ii_spe_19921031_accademia-scienze_it.html [baixado em 26/12/2008 – 15:05h]

DISCORSO DI GIOVANNI PAOLO II AI PARTECIPANTI ALLA SESSIONE PLENARIA

DELLA PONTIFICIA ACCADEMIA DELLE SCIENZE

Sabato, 31 ottobre 1992

Signori Cardinali, Eccellenze, Signore, Signori,

1. La conclusione della sessione plenaria della Pontificia Accademia delle Scienze mi offre la felice occasione di incontrare i suoi illustri membri, in presenza dei miei principali collaboratori e dei Capi delle Missioni diplomatiche accreditate presso la Santa Sede. A tutti rivolgo un caloroso saluto.

Il mio pensiero va in questo momento al professor Marini-Bettòlo, cui la malattia impedisce di trovarsi fra noi; formulo fervidi voti per la sua salute e gli assicuro la mia preghiera.

Desidero anche salutare le personalità che siedono per la prima volta nella vostra Accademia; rivolgo loro il mio grazie per aver accettato di apportare ai vostri lavori il contributo delle loro alte competenze.

Mi è inoltre gradito salutare il qui presente Professor Adi Shamir, professore al “Weizmann Institute of Science” di Rehovot (Israele), insignito della medaglia d’oro di Pio XI, conferita dall’Accademia, e porgergli le mie cordiali felicitazioni.

Due argomenti costituiscono oggi l’oggetto della nostra attenzione. Sono stati or ora presentati con competenza e vorrei esprimere la mia gratitudine al Signor Cardinale Paul Poupard e al Rev.do Padre George Coyne per le loro esposizioni.

2. In primo luogo, desidero complimentarvi con la Pontificia Accademia delle Scienze per aver scelto, per la sua sessione plenaria, di trattare un problema di grande importanza e di grande attualità: quello dell’emergere della complessità in matematica, in fisica, in chimica e in biologia.

L’emergere del tema della complessità segna probabilmente, nella storia delle scienze della natura, una tappa tanto importante quanto quella a cui è legato il nome di Galileo, quando sembrava doversi imporre un modello univoco dell’ordine. La complessità indica precisamente che, per render conto della ricchezza del reale, è necessario ricorrere a una pluralità di modelli.

Questa constatazione pone una domanda che interessa uomini di scienza, filosofi e teologi: come conciliare la spiegazione del mondo – e ciò a partire dal livello delle entità e dei

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fenomeni elementari – con il riconoscimento di questo dato che “il tutto è più che la somma delle parti”?

Nello sforzo di descrizione rigorosa e di formalizzazione dei dati dell’esperienza, l’uomo di scienza è condotto a ricorrere a dei concetti metascientifici il cui uso è come esigito dalla logica del suo procedimento. Conviene precisare con esattezza la natura di tali concetti, per evitare di procedere a delle estrapolazioni indebite che leghino le scoperte strettamente scientifiche a una visione del mondo o a delle affermazioni ideologiche o filosofiche che non ne sono affatto dei corollari. Si coglie qui l’importanza della filosofia che considera i fenomeni come anche la loro interpretazione.

3. Pensiamo, a titolo di esempio, all’elaborazione di nuove teorie a livello scientifico per spiegare l’emergere del vivente. A rigor di metodo, non si potrebbe interpretarle immediatamente e nel quadro omogeneo della scienza. In particolare, quando si tratta di quel vivente che è l’uomo e del suo cervello, non si può dire che tali teorie costituiscano per se stesse un’affermazione o una negazione dell’anima spirituale, o ancora che esse forniscano una prova della dottrina della creazione, o al contrario che esse la rendano inutile.

È necessario un lavoro di ulteriore interpretazione: è questo precisamente l’oggetto della filosofia, che è ricerca del senso globale dei dati dell’esperienza, e dunque ugualmente dei fenomeni raccolti e analizzati dalle scienze.

La cultura contemporanea esige uno sforzo costante di sintesi delle conoscenze e di integrazione dei saperi. Certo, è alla specializzazione delle ricerche che sono dovuti i successi che noi constatiamo. Ma se la specializzazione non è equilibrata da una riflessione attenta a notare l’articolazione dei saperi, è grande il rischio di giungere a una “cultura frantumata”, che sarebbe di fatto la negazione della vera cultura. Poiché quest’ultima non è concepibile senza umanesimo e sapienza.

4. Ero mosso da simili preoccupazioni, il 10 novembre 1979, in occasione della celebrazione del primo centenario della nascita di Albert Einstein, quando espressi davanti a questa medesima Accademia l’auspicio che “dei teologi, degli scienziati e degli storici, animati da spirito di sincera collaborazione, approfondissero l’esame del caso Galileo e, in un riconoscimento leale dei torti, da qualunque parte essi venissero, facessero scomparire la sfiducia che questo caso ancora oppone, in molti spiriti, a una fruttuosa concordia tra scienza e fede” (AAS 71 [1979] 1464-1465). Una commissione di studio è stata costituita a tal fine il 3 luglio 1981. Ed ora, nell’anno stesso in cui si celebra il 350° anniversario della morte di Galileo, la Commissione presenta, a conclusione dei suoi lavori, un complesso di pubblicazioni che apprezzo vivamente. Desidero esprimere la mia sincera riconoscenza al Cardinale Poupard, incaricato di coordinare le ricerche della Commissione nella fase conclusiva. A tutti gli esperti che hanno partecipato in qualche modo ai lavori dei quattro gruppi da cui è stato condotto questo studio pluridisciplinare, dico la mia profonda soddisfazione e la mia viva gratitudine. Il lavoro svolto per oltre dieci anni risponde a un orientamento suggerito dal Concilio Vaticano II e permette di porre meglio in luce vari punti importanti della questione. In avvenire, non si potrà non tener conto delle conclusioni della Commissione.

Ci si meraviglierà forse che al termine di una settimana di studi dell’Accademia sul tema dell’emergere della complessità nelle diverse scienze, io ritorni sul caso Galileo. Non è questo caso archiviato da tempo e gli errori commessi non sono stati riconosciuti?

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Certo, questo è vero. Tuttavia, i problemi soggiacenti a quel caso toccano la natura della scienza come quella del messaggio della fede. Non è dunque da escludere che ci si trovi un giorno davanti a una situazione analoga, che richiederà agli uni e agli altri una coscienza consapevole del campo e dei limiti delle rispettive competenze. L’approccio al tema della complessità potrebbe fornirne una illustrazione.

5. Una doppia questione sta al cuore del dibattito di cui Galileo fu il centro.

La prima è di ordine epistemologico e concerne l’ermeneutica biblica. A tal proposito, sono da rilevare due punti. Anzitutto, come la maggior parte dei suoi avversari, Galileo non fa distinzione tra quello che è l’approccio scientifico ai fenomeni naturali e la riflessione sulla natura, di ordine filosofico, che esso generalmente richiama. È per questo che egli rifiutò il suggerimento che gli era stato dato di presentare come un’ipotesi il sistema di Copernico, fin tanto che esso non fosse confermato da prove irrefutabili. Era quella, peraltro, un’esigenza del metodo sperimentale di cui egli fu il geniale iniziatore.

Inoltre, la rappresentazione geocentrica del mondo era comunemente accettata nella cultura del tempo come pienamente concorde con l’insegnamento della Bibbia, nella quale alcune espressioni, prese alla lettera, sembravano costituire delle affermazioni di geocentrismo. Il problema che si posero dunque i teologi dell’epoca era quello della compatibilità dell’eliocentrismo e della Scrittura. Così la scienza nuova, con i suoi metodi e la libertà di ricerca che essi suppongono, obbligava i teologi a interrogarsi sui loro criteri di interpretazione della Scrittura. La maggior parte non seppe farlo.

Paradossalmente, Galileo, sincero credente, si mostrò su questo punto più perspicace dei suoi avversari teologi. “Se bene la Scrittura non può errare, scrive a Benedetto Castelli, potrebbe nondimeno talvolta errare alcuno de’ suoi interpreti ed espositori, in vari modi” (Lettera del 21 dicembre 1613, in Edizione nazionale delle Opere di Galileo Galilei, dir. A. Favaro, riedizione del 1968, vol. V, p. 282). Si conosce anche la sua lettera a Cristina di Lorena (1615) che è come un piccolo trattato di ermeneutica biblica (Ivi, 307-348).

6. Possiamo già qui formulare una prima conclusione. L’irruzione di una nuova maniera di affrontare lo studio dei fenomeni naturali impone una chiarificazione dell’insieme delle discipline del sapere. Essa le obbliga a delimitare meglio il loro campo proprio, il loro angolo di approccio, i loro metodi, così come l’esatta portata delle loro conclusioni. In altri termini, questa novità obbliga ciascuna delle discipline a prendere una coscienza più rigorosa della propria natura.

Il capovolgimento provocato dal sistema di Copernico ha così richiesto uno sforzo di riflessione epistemologica sulle scienze bibliche, sforzo che doveva portare più tardi frutti abbondanti nei lavori esegetici moderni e che ha trovato nella Costituzione conciliare Dei Verbum una consacrazione e un nuovo impulso.

7. La crisi che ho appena evocato non è il solo fattore ad aver avuto delle ripercussioni sull’interpretazione della Bibbia. Noi tocchiamo qui il secondo aspetto del problema, l’aspetto pastorale.

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In virtù della missione che le è propria, la Chiesa ha il dovere di essere attenta alle incidenze pastorali della sua parola. Sia chiaro, anzitutto, che questa parola deve corrispondere alla verità. Ma si tratta di sapere come prendere in considerazione un dato scientifico nuovo quando esso sembra contraddire delle verità di fede. Il giudizio pastorale che richiedeva la teoria copernicana era difficile da esprimere nella misura in cui il geocentrismo sembrava far parte dell’insegnamento stesso della Scrittura. Sarebbe stato necessario contemporaneamente vincere delle abitudini di pensiero e inventare una pedagogia capace di illuminare il popolo di Dio. Diciamo, in maniera generale, che il pastore deve mostrarsi pronto a un’autentica audacia, evitando il duplice scoglio dell’atteggiamento incerto e del giudizio affrettato, potendo l’uno e l’altro fare molto male.

8. Può essere qui evocata una crisi analoga a quella di cui parliamo. Nel secolo scorso e all’inizio del nostro, il progresso delle scienze storiche ha permesso di acquisire nuove conoscenze sulla Bibbia e sull’ambiente biblico. Il contesto razionalista nel quale, per lo più, le acquisizioni erano presentate, poté farle apparire rovinose per la fede cristiana. Certuni, preoccupati di difendere la fede, pensarono che si dovessero rigettare conclusioni storiche seriamente fondate. Fu quella una decisione affrettata e infelice. L’opera di un pioniere come il Padre Lagrange ha saputo operare i necessari discernimenti sulla base di criteri sicuri.

Bisogna ripetere qui ciò che ho detto sopra. È un dovere per i teologi tenersi regolarmente informati sulle acquisizioni scientifiche per esaminare, all’occorrenza, se è il caso o meno di tenerne conto nella loro riflessione o di operare delle revisioni nel loro insegnamento.

9. Se la cultura contemporanea è segnata da una tendenza allo scientismo, l’orizzonte culturale dell’epoca di Galileo era unitario e recava l’impronta di una formazione filosofica particolare. Questo carattere unitario della cultura, che è in sé positivo e auspicabile ancor oggi, fu una delle cause della condanna di Galileo. La maggioranza dei teologi non percepiva la distinzione formale tra la Sacra Scrittura e la sua interpretazione, il che li condusse a trasporre indebitamente nel campo della dottrina della fede una questione di fatto appartenente alla ricerca scientifica.

In realtà, come ha ricordato il Cardinal Poupard, Roberto Bellarmino, che aveva percepito la vera posta in gioco del dibattito, riteneva da parte sua che, davanti ad eventuali prove scientifiche dell’orbita della terra intorno al sole, si dovesse “andar con molta considerazione in esplicare le Scritture che paiono contrarie” alla mobilità della terra e “più tosto dire che non l’intendiamo, che dire che sia falso quello che si dimostra” (Lettera al Padre A. Foscarini, 12 aprile 1615, cf. op. cit., vol. XII, p. 172). Prima di lui, la stessa saggezza e lo stesso rispetto della Parola divina avevano già guidato sant’Agostino a scrivere: “Se a una ragione evidentissima e sicura si cercasse di contrapporre l’autorità delle Sacre Scritture, chi fa questo non comprende e oppone alla verità non il senso genuino delle Scritture, che non è riuscito a penetrare, ma il proprio pensiero, vale a dire non ciò che ha trovato nelle Scritture, ma ciò che ha trovato in se stesso, come se fosse in esse” (Epistula 143, n. 7; PL 33,588). Un secolo fa, il Papa Leone XIII faceva eco a questo pensiero nella sua enciclica Providentissimus Deus: “Poiché il vero non può in alcun modo contraddire il vero, si può esser certi che un errore si è insinuato o nell’interpretazione delle parole sacre, o in un altro luogo della discussione” (Leonis XIII Pont. Max. Acta, vol. XIII, 1894, p. 361).

Il Cardinal Poupard ci ha ugualmente ricordato come la sentenza del 1633 non fosse irreformabile e come il dibattito, che non aveva cessato di evolvere, sia stato chiuso nel 1820 con l’imprimatur concesso all’opera del canonico Settele (cf. Pontificia Accademia

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Scientiarum, Copernico, Galilei e la Chiesa. Fine della controversia (1820). Gli atti del Sant’Ufficio, a cura di W. Brandmüller e E. J. Greipl, Firenze, Olschki, 1992).

10. A partire dal secolo dei Lumi fino ai nostri giorni, il caso Galileo ha costituito una sorta di mito, nel quale l’immagine degli avvenimenti che ci si era costruita era abbastanza lontana dalla realtà. In tale prospettiva, il caso Galileo era il simbolo del preteso rifiuto, da parte della Chiesa, del progresso scientifico, oppure dell’oscurantismo “dommatico” opposto alla libera ricerca della verità. Questo mito ha giocato un ruolo culturale considerevole; esso ha contribuito ad ancorare parecchi uomini di scienza in buona fede all’idea che ci fosse incompatibilità tra lo spirito della scienza e la sua etica di ricerca, da un lato, e la fede cristiana, dall’altro. Una tragica reciproca incomprensione è stata interpretata come il riflesso di una opposizione costitutiva tra scienza e fede. Le chiarificazioni apportate dai recenti studi storici ci permettono di affermare che tale doloroso malinteso appartiene ormai al passato.

11. Dal caso Galileo si può trarre un insegnamento che resta d’attualità in rapporto ad analoghe situazioni che si presentano oggi e possono presentarsi in futuro.

Al tempo di Galileo, era inconcepibile rappresentarsi un mondo che fosse sprovvisto di un punto di riferimento fisico assoluto. E siccome il cosmo allora conosciuto era, per così dire, contenuto nel solo sistema solare, non si poteva situare questo punto di riferimento che sulla terra o sul sole. Oggi, dopo Einstein e nella prospettiva della cosmologia contemporanea, nessuno di questi due punti di riferimento riveste l’importanza che aveva allora. Questa osservazione, è ovvio, non concerne la validità della posizione di Galileo nel dibattito; intende piuttosto indicare che spesso, al di là di due visioni parziali e contrastanti, esiste una visione più larga che entrambe le include e le supera.

12. Un altro insegnamento che si trae è il fatto che le diverse discipline del sapere richiedono una diversità di metodi.

Galileo, che ha praticamente inventato il metodo sperimentale, aveva compreso, grazie alla sua intuizione di fisico geniale e appoggiandosi a diversi argomenti, perché mai soltanto il sole potesse avere funzione di centro del mondo, così come allora era conosciuto, cioè come sistema planetario.

L’errore dei teologi del tempo, nel sostenere la centralità della terra, fu quello di pensare che la nostra conoscenza della struttura del mondo fisico fosse, in certo qual modo, imposta dal senso letterale della S. Scrittura. Ma è doveroso ricordare la celebre sentenza attribuita a Baronio: “Spiritui Sancto mentem fuisse nos docere quomodo ad coelum eatur, non quomodo coelum gradiatur”. In realtà, la Scrittura non si occupa dei dettagli del mondo fisico, la cui conoscenza è affidata all’esperienza e ai ragionamenti umani. Esistono due campi del sapere, quello che ha la sua fonte nella Rivelazione e quello che la ragione può scoprire con le sole sue forze. A quest’ultimo appartengono le scienze sperimentali e la filosofia. La distinzione tra i due campi del sapere non deve essere intesa come una opposizione. I due settori non sono del tutto estranei l’uno all’altro, ma hanno punti di incontro. Le metodologie proprie di ciascuno permettono di mettere in evidenza aspetti diversi della realtà.

13. La vostra Accademia porta avanti i suoi lavori con tale atteggiamento di spirito. Il suo compito principale è quello di promuovere lo sviluppo delle conoscenze secondo la legittima

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autonomia della scienza (Concilio Vaticano II, Cost. past. Gaudium et spes, 36, 2), che la Sede apostolica riconosce espressamente negli Statuti della vostra istituzione.

Quel che importa, in una teoria scientifica o filosofica, è innanzitutto che essa sia vera o, almeno, seriamente e solidamente fondata. E il fine della vostra Accademia è precisamente quello di discernere e far conoscere, allo stato attuale della scienza e nel campo che le è proprio, ciò che può essere considerato come verità acquisita o almeno dotata di una tale probabilità che sarebbe imprudente e irragionevole respingerla. In questo modo potranno essere evitati inutili conflitti.

La serietà dell’informazione scientifica sarà così il miglior contributo che l’Accademia potrà apportare all’esatta formulazione e alla soluzione degli assillanti problemi ai quali la Chiesa, in virtù della sua specifica missione, ha il dovere di prestare attenzione: problemi che non concernono più soltanto l’astronomia, la fisica e la matematica, ma ugualmente discipline relativamente nuove come la biologia e la biogenetica. Molte scoperte scientifiche recenti e le loro possibili applicazioni hanno un’incidenza più che mai diretta sull’uomo stesso, sul suo pensiero e la sua azione, al punto da sembrar minacciare i fondamenti stessi dell’umano.

14. Esiste, per l’umanità, un duplice genere di sviluppo. Il primo comprende la cultura, la ricerca scientifica e tecnica, cioè tutto ciò che appartiene all’orizzontalità dell’uomo e della creazione, e che si accresce con un ritmo impressionante. Se questo sviluppo non vuol restare totalmente esterno all’uomo, è necessario un concomitante approfondimento della coscienza come anche della sua attuazione. Il secondo modo di sviluppo concerne quanto c’è di più profondo nell’essere umano allorché, trascendendo il mondo e se stesso, egli si volge verso Colui che è il Creatore di ogni cosa.

Solo questo itinerario verticale può, in definitiva, dare tutto il suo senso all’essere e all’agire dell’uomo, perché lo situa tra la sua origine e il suo fine. In questo duplice itinerario, orizzontale e verticale, l’uomo si realizza pienamente come essere spirituale e come homo sapiens. Ma si osserva che lo sviluppo non è uniforme e rettilineo, e che il progresso non è sempre armonioso. Ciò rende palese il disordine che segna la condizione umana. L’uomo di scienza, che prende coscienza di questo duplice sviluppo e ne tiene conto, contribuisce al ristabilimento dell’armonia.

Chi si impegna nella ricerca scientifica e tecnica ammette come presupposto del suo itinerario che il mondo non è un caos, ma un “cosmos”, ossia che c’è un ordine e delle leggi naturali, che si lasciano apprendere e pensare, e che hanno pertanto una certa affinità con lo spirito. Einstein amava dire: “Quello che c’è, nel mondo, di eternamente incomprensibile, è che esso sia comprensibile” (In “The journal of the Franklin Institute”, vol. 221, n. 3, marzo 1936). Questa intelligibilità, attestata dalle prodigiose scoperte delle scienze e delle tecniche, rinvia in definitiva al Pensiero trascendente e originario di cui ogni cosa porta l’impronta.

Signore, Signori, concludendo questo incontro, formulo i migliori auguri perché le vostre ricerche e le vostre riflessioni contribuiscano a offrire ai nostri contemporanei orientamenti utili per costruire una società armoniosa in un mondo più rispettoso dell’umano. Vi ringrazio per i servizi che rendete alla Santa Sede, e chiedo a Dio di colmarvi dei suoi doni.

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http://www.radiovaticana.org/bra/Articolo.asp?c=241881 01/11/2008 18.31.48 [baixado em 12/04/2009 – 13:15h]

PLENÁRIA DA PONTIFÍCIA ACADEMIA DAS CIÊNCIAS: NENHUMA INCOMPATIBILIDADE ENTRE TEORIA DA EVOLUÇÃO E CRIAÇÃO

di Raimundo De Lima

Cidade do Vaticano, 1º nov (RV) - Prossegue, no Vaticano, a sessão plenária da Pontifícia Academia das Ciências, este ano dedicada ao tema “Abordagens científicas sobre a evolução do universo e da vida”. O encontro se concluirá na próxima terça-feira, dia 4. Ontem, sexta-feira, no discurso aos participantes, o Santo Padre ressaltou que o cosmo não é um sistema caótico, mas ordenado, no qual o homem, também com a ajuda das ciências, pode colher a presença do Criador. Na tarde de ontem o arcebispo de Viena, Cardeal Christoph Schönborn, ilustrou o pensamento de Bento XVI sobre “Criação e evolução”. O purpurado recordou que o tema da relação entre Criação e evolução sempre esteve presente no pensamento do papa Ratzinger. Ele lembrou que no verão europeu de 2006 o pontífice quis, em Castel Gandolfo, dedicar ao tema o tradicional encontro com seus ex-alunos. O Cardeal Schönborn citou amplamente alguns discursos do então Cardeal Ratzinger, entre esses, citou o que pronunciou na Sorbonne de Paris em 1999 e no Congresso realizado em Roma em 1985 sobre o tema “Fé Cristã e Teoria da Evolução”. O arcebispo de Viena ressaltou que nesses pronunciamentos Bento XVI exorta os homens de ciência a alargarem o horizonte da razão. Por outro lado, ressaltou o purpurado, o papa chama a atenção para um racionalismo que pretende reduzir o homem à sua dimensão biológica. Joseph Ratzinger mostra, portanto, que não existe uma contraposição entre teoria da evolução e Criação, mas o conflito se dá, sobretudo, entre duas concepções diferentes do homem e da sua racionalidade. Nesse contexto, o purpurado recordou que em julho de 2007, falando aos sacerdotes de Lorenzago di Cadore, no nordeste da Itália, Bento XVI reiterou que contrapor evolução e Criação “é um absurdo”. De um lado _ explicava o papa na ocasião _, “existem muitas provas científicas em favor de uma evolução”; de outro, embora enriquecendo o nosso conhecimento da vida, essa teoria não responde à grande questão filosófica: “De onde vem tudo e como o tudo toma um caminho que leva finalmente ao homem?”. Eis então _ afirmava o papa _ qual é a questão mais profunda: “descobrir que existe uma idéia que me precede”, e que não somos fruto do caos, mas “somos pensados”, “queridos” e

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amados. A nossa missão, então, é “descobrir esse sentido, vivê-lo e dar assim um novo elemento à grande harmonia cósmica pensada pelo Criador”. (RL)

_____________________________________________________________________ http://www.radiovaticana.org/bra/Articolo.asp?c=271064 – 07/03/2009 13.49.45 [baixado em 12/04/2009 – 12:00h ]

CONCLUÍDA NO VATICANO A CONFERÊNCIA SOBRE EVOLUÇÃO Cidade do Vaticano, 07 mar (RV) – Conclui-se hoje, no Vaticano, a Conferência internacional sobre o tema “Evolução Biológica: fatos e teorias. Uma avaliação crítica após 150 anos de A origem das espécies”. Duzentos anos depois do nascimento de Charles Darwin (12 de fevereiro de 1809) e 150 anos após a sua obra mais famosa, “A Origem das espécies”, a Igreja busca encontrar caminhos de diálogo, em resposta aos preconceitos e às falsas posições que lhe são atribuídas. A iniciativa é organizada pela Pontifícia Universidade Gregoriana, em colaboração com a Universidade de Notre Dame, EUA, sob o patrocínio do Pontifício Conselho para a Cultura, no âmbito do projeto “Ciência, Teologia e missão ontológica (STOQ: Science, Theology and the Ontological Quest). Em entrevista ao jornal vaticano, L’Osservatore Romano, o diretor científico do STOQ e vice-diretor da Conferência Internacional, Prof. Gennaro Auletta, declarou: “O tema da biologia evolucionista merece uma séria reconsideração, em virtude de recentes descobertas científicas”. A idéia, afirmou ainda, é aliar ciência, filosofia e teologia para superar posições e polêmicas “ideológicas” que animam mais do que nunca este debate, marcado por “instrumentalizações” que desembocam num evolucionismo metafísico anti-religioso ou num extremismo fundamentalista, que leva ao criacionismo. A evolução é interpretada como um passo no sentido da complexidade e da consciência, afirmou o Prof. Ludovico Galleni, docente de zoologia e ética ambiental na Universidade de Pisa, intervindo no Congresso Internacional. Partindo do pensamento de Teilhard de Chardin, filósofo, teólogo e um dos mais eminentes paleontólogos do século XX, o relator o considerou como um “precursor de muitas questões contemporâneas na biologia evolutiva”. Ele, de fato, levou a “entender a biologia como a ciência da complexidade da vida e a biosfera como um assunto complexo a ser estudado para compreender plenamente os mecanismos de evolução”. Esta “nova perspectiva na biologia evolutiva”, para Galleni, surgiu de uma necessidade filosófica “para encontrar um lugar especial para a raça humana na natureza”. “A discussão atual sobre a evolução dos mamíferos no continente é um bom exemplo da

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validade da proposta de Teilhard”, acrescentou. As teses de Teilhard de Chardin, segundo Galleni, são uma prova de que “a evolução do universo e da vida não se baseia em leis exatamente determinadas, que não deixam qualquer margem para a ação livre das criaturas. A mudança é baseada em mecanismos complexos, nos quais o pensamento oferece as melhores condições para o seu livre agir”. (MT) _____________________________________________________________________ http://www.radiovaticana.org/bra/Articolo.asp?c=276519 30/03/2009 11.59.04

APRESENTADO NOVO LIVRO SOBRE GALILEU E O VATICANO

Cidade do Vaticano, 30 mar (RV) - O Presidente do Pontifício Conselho para a Cultura, Dom Gianfranco Ravasi, participou, sexta-feira, da apresentação do livro ‘Galileu e o Vaticano’, obra que segundo ele, oferece um juízo objetivo dos historiadores para compreender a relação entre Galileu e a Igreja. “Um trabalho importante para deixar para trás os escombros de um passado infeliz, que gerou incompreensões trágicas e recíprocas, e facilitar um compromisso para uma relação mais vivaz e pacífica da Igreja com a ciência” – disse o arcebispo. Os autores da obra são Mario Artigas, professor de Filosofia da Ciência em Barcelona e na Universidade de Navarra, falecido em 2006, e Mons. José Sánchez de Toca y Alameda Melchor, vice-secretário do Pontifício Conselho para a Cultura. O objetivo do livro é reconstruir e narrar o trabalho realizado pela Comissão instituída em 1982 por João Paulo II para estudar a questão em torno de Galileu em plena fidelidade aos fatos historicamente documentados, em conformidade com as doutrinas e a cultura do tempo. Segundo escreveu Dom Ravasi no prefácio, a Comissão colocou um ponto final no “erro subjetivo dos julgamentos de Galileu, incapazes de distinguir entre o dado da fé, ou seja, a verdade necessária para a salvação espiritual” e o “contexto expressivo, ligado a uma cosmologia contingente, então vigente e de tipo tradicional”. Graças ao trabalho daquela Comissão, em 31 de outubro de 1992, João Paulo II reconheceu, numa declaração, os erros cometidos pelo tribunal eclesiástico que julgou os ensinamentos científicos de Galileu Galilei. Dom Ravasi recordou também que Bento XVI evocou Galileu, neste ano dedicado à astronomia, no Angelus de 21 de dezembro de 2008, data do solstício de inverno, e na solenidade da Epifania de 6 de janeiro de 2009, quando falou da estrela dos magos. Enfim, em dezembro passado, o arcebispo propôs Galileu como ‘patrono ideal para um diálogo entre ciência e fé’. (CM)

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Da peça que se segue queremos salientar a citação que fizemos da seguinte afirmação

atribuída a Max Planck:

"O mundo externo é algo independente do homem, algo absoluto, e a procura pelas leis que se aplicam a este absoluto mostram-se como a mais sublime busca científica na vida". http://www.comciencia.br/reportagens/fisica/fisica06.htm [baixado em 14/01/2009 – 15:04h.]

Max Planck e o início da Teoria Quântica Jean-Jacques de Groote

Tradução para o português dos dois trabalhos onde Planck apresentou sua teoria da radiação do corpo negro (1900):

• Planck, Max, Sobre um Aperfeiçoamento da Equação de Wien para o Espectro, Revista Brasileira de Ensino de Física 22, 536 (2000) (Arquivo PDF)

• Planck, Max, Sobre a Lei de Distribuição de Energia no Espectro Normal , Revista Brasileira de Ensino de Física 22, 538 (2000) (Arquivo PDF)

Ao final do século XIX a física parecia ter atingido seu clímax. As leis de Newton para a mecânica e gravitação vinham sendo aperfeiçoadas desde o Século XVII, e descreviam com grande precisão o comportamento dos corpos celestes e terrestres. Por outro lado as propriedades elétricas e magnéticas haviam sido unificadas em uma teoria eletromagnética por James Maxwell. Esta teoria provou que a luz é uma forma de onda eletromagnética que se propaga pelo espaço, assim como o são o raio X ou o ultravioleta. Com as regras para o comportamento da matéria e das ondas definidas, restaria aos físicos apenas o trabalho de aplicá-las. Não haveria fenômenos que não pudessem ser explicados; haveria apenas o trabalho de desenvolver as técnicas existentes para sistemas complexos.

Lorde Kelvin, respeitado por suas importantes contribuições a Física, chegou a sugerir que a Física havia atingido seu limite. No entanto, como ele mesmo observou, havia um porém. Dois fenômenos ainda estavam sem explicação: o experimento de Michelson e Morley, que procuravam determinar a velocidade da luz que incidia na Terra vinda de diferentes direções, e o estudo da distribuição de energia da luz emitida por sistemas conhecidos como corpos negros. E foram justamente as tentativas de explicar estes experimentos que levaram a elaboração das duas novas teorias, que alterariam radicalmente a Física como era conhecida até então: a Teoria da Relatividade e a Teoria Quântica.

O primeiro experimento indicou que a velocidade da luz que atinge a Terra é a mesma em qualquer direção, fato que levou Einstein a considerar que a velocidade da luz é a mesma para qualquer referencial o que resultou na elaboração da Teoria da Relatividade Especial. O segundo experimento refere-se a radiação eletromagnética emitida por corpos que reemitem toda a radiação que incide sobre eles. Este experimento permite então o estudo da forma como a radiação e o corpo interagem. O problema foi analisado pelo físico Max Planck, e levou a uma revolução na teoria física ao revelar que o comportamento de pequenos sistemas obedecem regras que não podem ser explicadas

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pelas leis das teorias clássicas. O mundo atômico e sub-atômico não obedeceriam as regras do nosso mundo do dia-a-dia, sendo necessária novas interpretações as quais nossa intuição não se aplicava mais.

Max Planck, nascido na Alemanha em 1858, foi um excelente aluno, obtendo o grau de doutor com apenas 21 anos. Sua decisão de seguir a carreira de físico teórico pode ser compreendida em sua frase, "O mundo externo é algo independente do homem, algo absoluto, e a procura pelas leis que se aplicam a este absoluto mostram-se como a mais sublime busca científica na vida". O estudo sobre radiação de corpos negros, que levou a origem da teoria quântica, tinha algo de absoluto, pois segundo a definição de Kirchhoff, professor de Planck, a característica de um corpo negro perfeito é sua capacidade de reemitir toda radiação que incide sobre ele; é um emissor e absorvedor perfeito. A radiação emitida é estudada para diferentes temperaturas do sistema. Quando um corpo é aquecido, emite radiação cuja natureza muda com a temperatura. Um metal por exemplo, quando aquecido pode emitir radiação visível, na forma de luz vermelha, ou invisível a nosso olhos, como o infravermelho.

Vários resultados experimentais estavam disponíveis em torno de 1890 mostrando, a diferentes temperaturas, como a energia radiante é emitida para diferentes freqüências. As tentativas de explicar o comportamento da radiação não foram bem sucedidas. Os trabalhos teóricos realizados utilizando os conhecimentos da mecânica clássica e da termodinâmica não podiam explicar os resultados obtidos Planck verificou que uma nova forma de encarar o modo como as partículas da caixa geravam a radiação eletromagnética seria necessária para explicar o comportamento da radiação emitida por corpos negros. Classicamente espera-se que as partículas da caixa oscilem com qualquer energia (permitida para uma dada temperatura), e assim emitissem radiação a qualquer comprimento de onda ou freqüência. No entanto, para que Planck obtivesse sua fórmula, as partículas oscilando só poderiam emitir a radiação por pacotes, e a energia destes seria proporcional à freqüência na forma E = h f. A constante h ficou conhecida como constante de Planck. Assim, a energia emitida seria discretizada, ou, quantizada.

A hipótese da discretizacao das energias de partículas vibrando, por parte de Planck, não encontrava nenhum análogo na época. Era tão radical que, mesmo reproduzindo exatamente uma observação experimental, não foi aceita até que viesse a ser adotada por Einstein em 1905. Também é uma primeira indicação de que as regras que valem para nosso mundo macroscópico não valem para o nível atômico. É inclusive um exemplo de como a natureza mostra surpresas que fogem a nossa previsão conforme a investigamos em maiores detalhes.

Levaria ainda cerca de 20 anos para que uma teoria quântica consistente fosse elaborada, e que sua incrível capacidade de explicar e prever fenômenos físicos a levasse a ser aceita pela comunidade científica.

Jean-Jacques de Groote é pesquisador da Fapesp no Instituto de Química da Universidade Estadual Paulista (Unesp) em Araraquara, SP.

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FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA E BIBLIOGRÁFICA

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237 Dicionário Aurélio – 1) A Doutora em Teologia pela Universidade Gregoriana de Roma, e Professora de Teologia na PUC-Rio – Maria Clara Lucchetti Bingemer – não hesita em adotar o Dicionário Aurélio numa obra teológica na citação de um conceito estritamente teológico como é o de “dogma”. Em IAHWEH, Abbá e Allah: as três religiões do livro falam do Deus Criador, na nota-11 sobre “dogma” à página 82, ela escreveu: “Ou seja, verdade doutrinal, ensinamento de Fé, verdade de Fé. Segundo o dicionário Aurélio, a palavra dogma significa: ponto fundamental e indiscutível de uma doutrina religiosa, e, p.ext., de qualquer doutrina ou sistema.” – in Perspectivas para uma nova Teologia da Criação, MULLER, Ivo (Org.). Petrópolis: Vozes, 2003. – 2) Inevidente e inevidência – dois termos usualmente empregados por teólogos. Não são contemplados no Dicionário Crítico de Teologia (de Jean Yves Lacoste) nem no Dicionário de Filosofia (de Nicola Abbagnano). O Dicionário Aurélio, que não é um dicionário de teologia, registra os dois verbetes com as seguintes acepções: aquilo que não é evidente e qualidade do que não é evidente.

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Post scriptum

Ad majorem Dei gloriam

Ao fazer “obras”, disse JESUS, vocês as farão maiores ainda, pois, volto para o PAI

(Jo 14,12). Como? Maiores que as realizadas pelo Filho de Deus, Aquele, por Quem foram

feitas todas as coisas (Cl 1,16)? Sim, Ele próprio o garante. O Mistério da Encarnação nos

remete ao Real. Coloca no chão nossos pés. Vem então a Ciência e esquadrinha o Real. E

demonstra de quanta criatividade e portento está capacitada a Criatura. Jesus restituiu Vida a

muitos então falecidos. Vocês as farão maiores que estas. A Ciência tem levado muitos a

produzirem visíveis sinais de restituição/manutenção de Vida a muitíssimos pacientes; e

curas, que se tornaram corriqueiras, que deixaram de ser extraordinárias. Não vai longe

quando ainda se dizia de bons médicos e da medicina: “é um sacerdócio”. No entanto, no

trato diário Religião e Ciência se estranham. Não é momento de diagnosticar seu porquê. Mas

a Religião, ao menos a cristã, senhora da profundidade do Mistério da Encarnação, e atenta à

sinalização do Senhor, tem tudo a lucrar se acolher a parceria da Ciência para a efetivação do

Reino do Criador: É a Jerusalém celeste que desce à Terra (At 21,2.11), e não a terrestre que

sobe aos céus. “Vim para que todos tenham vida e a tenham em abundância” (Jo 10,10). Nos

domínios da Fé, a Criação é vista nos horizontes da salvação; quanto ao Homem: resgatar-lhe

a dignidade de “Imagem de e Semelhança a” seu Criador. Resulta nefasto dissociar a

realidade material do Homem (e da Natureza) de sua origem transcendente. DEUS, por seu

Santo Espírito, que permeia todas as coisas, não para de falar através dos acontecimentos. Ele

está dizendo à Teologia (e à Fé) que a execução do projeto do Grande Arquiteto se dá à

revelia de qualquer ideologia religiosa (inclusive a de cristãos). Pagãos, gnósticos e ateus

trabalham pró-humanidade e chegam a produzir sinais miraculosos. Preciso é, para que o

Reino seja holístico, que a Fé incorpore a interdisciplinaridade. A Criação está posta no

horizonte da Salvação: é ter vida plena e em abundância satisfazer-se com a visão de que o

“mal” seja consequência de um pecado, e que a salus virá depois? O julgamento do último dia

está nos dizendo que partilhar vida e saúde é para o agora e não para um depois (Mt 25,31-

46). A conversão ao Reino é para já (Mc 1,15). “Eu vos dou a Paz, Eu vos deixo a minha Paz”

AMEN AMEN DICO VOBIS

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