REVISTA LITERÁRIA DA ESCOLA NORMAL WJiO II

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N O ESTIMÜÍ REVISTA LITERÁRIA DA ESCOLA NORMAL WJiO II REDACTORES DIVERSOS LARGO DOS GUAYANAZES N. 30 pSCOLA |IoR^AL DE ^. j^AULO, ^ETEMBRO DE 1907 jMUjVÍ. 10 SUMMARIO: Dr. Oscar Thompson . . . As commemorações cívicas e a educação moderna . «O Estimulo> . 28 de Setembro. Saudade . . , Mocidade . . Sonhos mortos . Divagações . , Paysage . . . Escola Normal e Flor orgulhosa a José Feliciano Redacção Atina N. Silveira Hetcilia de A. Pina Maria C. de Faria Beatriz Lacerda Amélia P. Câmara C. Marcondes Annexas (photographias) . . . Irene F. Tavares Escola Normal e Annexas (photographias) O ensino militar da Escola Modelo (photographia) Dr. José Maria Chaves (retrato) La belle surprise .... Amélia P. Câmara Quem canta os males espanta Maria S. Franco Redacção d'"0 Estimulo» (photographia) A Esperança Ornelio Teani í? EIihu Roo' O. Guilherme A ' Bord Carlota J. G. Terra Director, corpo docente e alumnos da E. Normal de S. Paulo (photographia). Anoitecer ...... Joanna S. Santos Amor maternal Maria A. Rebouças Delegados junto á Directoria do Grêmio Norma- lista "Dois de Agasto, (photographia). Ruy Barbosa Aura de Lima Ma 3nolias Isabel V. de Seipa «O Estimulo» Acacio V. Camargo A' meia noite Isabel V. de Serpa Vem M.Milano Uma Republica Francisca Arruda Perfis dos professorandos . Carmeno "O Estimulo" Annibal de Mello O ensino abstracto e concreto Elpidio Goulart Noticiário .... Typ. do Globo—Ladeira da Memória, 6—S. Paulo

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N

sá O ESTIMÜÍ REVISTA LITERÁRIA DA ESCOLA NORMAL

WJiO II

REDACTORES DIVERSOS

LARGO DOS GUAYANAZES N. 30

pSCOLA |IoR^AL DE ^. j^AULO, ^ETEMBRO DE 1907

jMUjVÍ. 10

SUMMARIO:

Dr. Oscar Thompson . . . As commemorações cívicas

e a educação moderna . «O Estimulo> . 28 de Setembro. Saudade . . , Mocidade . . ■ Sonhos mortos . Divagações . , Paysage . . . Escola Normal e Flor orgulhosa

■a

José Feliciano Redacção Atina N. Silveira Hetcilia de A. Pina Maria C. de Faria Beatriz Lacerda Amélia P. Câmara C. Marcondes

Annexas (photographias) • . . . Irene F. Tavares

Escola Normal e Annexas (photographias) O ensino militar da Escola Modelo (photographia) Dr. José Maria Chaves (retrato) La belle surprise .... Amélia P. Câmara Quem canta os males espanta Maria S. Franco Redacção d'"0 Estimulo» (photographia) A Esperança Ornelio Teani

í?

EIihu Roo' O. Guilherme A' Bord Carlota J. G. Terra Director, corpo docente e alumnos da E. Normal

de S. Paulo (photographia).

Anoitecer ...... Joanna S. Santos Amor maternal Maria A. Rebouças

Delegados junto á Directoria do Grêmio Norma- lista "Dois de Agasto, (photographia).

Ruy Barbosa Aura de Lima Ma3nolias Isabel V. de Seipa «O Estimulo» Acacio V. Camargo A' meia noite Isabel V. de Serpa Vem M.Milano Uma Republica Francisca Arruda Perfis dos professorandos . Carmeno "O Estimulo" Annibal de Mello O ensino abstracto e concreto Elpidio Goulart Noticiário ....

Typ. do Globo—Ladeira da Memória, 6—S. Paulo

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O ESTIMULO "Revista Juleraria da €scola formal

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Anno II r Escola formal de S. Paulo, Seíciiiko do 1907 0MA^^N««tf«MM^VMtaB^^N««tfM«MWWMNi^Nna

T Em reconhecimento aos serviços tfaquelle a quem nos

propomos enaltecer o mérito, aptidão e superno caracter com eme sempre tem pugnado pela instrucção e tão proficuamente tam sabido diffundil-a na senda espinhosa das lides didacticas, estampamos hoje em nossa modesta pagina de honra o re- trato do Dr. Oscar Thompson.

E' elle natural de um aprazível logar deste Estado — Parahybuna, onde nasceu a 12 de Fevereiro de 1872. tendo por progenitores o distineto e conceituado clinico Dr. Henrique Thompson e a Ex.ma Snr.a D.a Francisca de Moura Thompson que fazem jus, mui merecida- mente, á estima do povo pau- listano.

Despertando logo em Os- car Thompson o desejo de sa- ber, seus pães collocaram-no numa escola regida pelo hábil professor Adelio de Castro, hoje adjunto da «Escola Maria José».

Desde 1886 até 1887, Oscar Thompson foi alumno do Seminário Episcopal, onde con- quistou os melhores prêmios,não só pelo seu procedimento correc- to, como pela sua applicação.

Em 1888 freqüentou as aulas do Collegio John Cros, no Braz, onde aprendeu a falar com facilidade o francez e o inglez.

Dado ao estudo, cursou a nossa Escola Normal, sendo apontado pelos lentes como uma estreita de primeiro brilho.

Em Dezembro de 189!, recebendo, com 19 annos de edade, o diploma de professor normalista, tendo obtido distin- ção em todos os annos, abra- çou a nobre e modesta carrera do professorado.

Realmente, como alumno applicadissimo que era e de comprehensão fácil, fez jus aos applau^os dos illustrados len- tes Drs. Caetano de Campos, de saudosa memória, Sá e Be- revides, Macedo Soares, Godofredo Furtado, Thomaz de Lima e outros lentes que concorrem ainda com o seu preparo e prestigio para o engrandecimento deste grande templo de ins- trucção.

Em attenção aos relevantes serviços prestados ao en- sino, o preclaro dr. Bernardino de Campos, então Presidente

do Estado, nomeou-o, em boa hora, director da «Escola Mo.- delo» do Carmo.

Ahi dedicou-se com afan e esmero á santa cruzada da instrucção, operando um desenvolvimento rápido no ensino.

Convidado para exercer as altas funeções de inspector geral do ensino, não acceitou o convite, e, por essa oceasião, prestou os seus preparatórios, no extineto curso aunexo, para seguir uma carreira de hòrisonte mais vasto, de um futuro mais risonho e promettedor — o Direito.

Incansável como era, e de espirito emprehendedor, fun- dou em companhia de habilissi- mos professores, uma revista intitulada—«A Escola Publica».

Em 1894 Oscar Thomp- son matriculou-se na Faculdade de Direito de S. Paulo, onde fez um curso digno de uma in- telligencia privilegiada como a sua.

Ahi foi tido sempre co- mo alumno dedicado, intelügen- te e de um espirito bastante investigador, o qua servia de emulação a seus condiscipulos.

Em 1899, um anno de- pois que deixou o magistério, bacharelou se em sciencias ju- rídicas e sociaes.

Em fins de Janeiro de 19o2, o director da Escola Nor- mal, dr. Alberto Salles, o inol- vidavel auetor do Balanço Po- lítico, deixou esse cargo, fican- do gravado nos corações de to- dos, um rasgo de sympathia e admiração pelo seu saber, de valor incontestável.

Em 4 de Fevereiro de ) 902 foi convidado com insistên- cia para tomar a direcção da Escola, o dr. Oscar Thompson.

O Governo do Estado não podia ter escolhido outro me- lhor para desempenhar as funeções daquelle cargo elevado.

O novo director recebeu plenos e illimitados poderes para pôr e dispor como lhe aprouvesse.

Vemol-o constantemente empenhado em tratar com ex- trema bondade e critério, tanto os alumnos da Escola como o correctissimo corpo docente que a Escola Normal se orgu- lha de possuir.

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O ESTIMULO

k comiuemoracõcs cívicas

e a educação moderna. (Simples obít -vaçOes a meus alumnos)

A diíficuldade essencial da educação moderna está repre- sentada no dualismo, qua caracterizou a educação na Grécia antiga, ao tempo das hegemonias rivaes de Athenas e Espar- ta. Esta, no dizer de Aristóteles, tendia a formar brutos ferozes, e aquella requintava em polimento (*). De Athenas her- dámos os progressos e apuros estheticos, que se traduzem nas expressões atticismo, eurythmia, eutrapelia. Veiu da edu- cação de Esparta o athletismo, a gymnastica, o esportismo.

Todcs esses resultados, todas essas formas educativas tenderam a degenerar, porque se não combinaram harmonica- mente. Embora os dois systemas visassem a formar bons cidadãos, sua pratica isolada produziu effeitos deploráveis. O methodo espartaro produziu machinas de músculos, brigões e rapinadores. Do atheniense provieram as cerebrações fluctu- antes dos puros literatos, dos embonecados e chocarreirJS.

Entretanto a mesma Grécia deu nos clássicos exemplos dessa possível combinação. Nosso tempo não tem razão para estar nutante entre as duas formas extremas. A antigüidade clássica já nos mostrou que a verdade está na coordenação moral desses dois methodos, do physico e do intellectual. Os jogos olympicos estabeleciam a feliz combinação dessas duas faces do dualismo educativo, e adjuntavam-lhe, em parte, o liame coordenador de uma verdadeira moral (**). É tradição que ahi Herodoto, o pae da histeria, leu seus nove livros, caracterizados depois pelos nomes das nove Musas. E é cer- to que Pindaro foi o poeta que lhes cantou as victoms, com rara elevação moral. De sua primeira ode olympica tiramos este tiecho, segundo a bella traducção de José Bonifácio, o velho :

«Si morrer devemos, Porque debalde alguém gastar a vida Inglória quererá no escuro seio

Do cpprobrio, não cuidoso Das heróicas acções ?

Ora, a mim me parece que as commemorações cívicas vêm preencher essa falha, vêm moralmente coordenar a duali- dade physico-intellectual. Nellas se podem associar todos os aspectos di dupla educação, subordinando-os ao fim altamen- re moral das festas patrióticas.

A França, ao tempo da sua Grande Revolução, deu-nos commoventes casos dessas festas completas. Suas federa- ções, suas ceremonias ante o altar da Pátria são exemplos de commemorações civicas, em que o elemento moral, reli- gioso coordena as manifestações do elemento physico e do intellectual.

Conviria, pois, systematizar nossas commemorações, compondo-as de jogos e de manifestações estheticas, sujeitas

(*) Muito se aproveita lendo o que Aristóteles sobre a educação es- creveu cm sua Política (liv. VII e liv. VIII).

(**) Basta notar que esses jogos determinavam as chamadas tré- guas sacras entre todos os inimigos e eram celebrados com ceremonias religiosas (sacrifícios, procissões, etc).

a um objectivo patriótico. A festa poderia constar; X.o) da parte esthetica e cívica; 2.o) de uma parte gymnastica, espor- tiva ou callisthenica, subordinada a um programma com as- pecto patriótico, urbano, delicado ; 3.o) um hymno final, pre- cedido ás vezes de uma recitação poética.

E porque não fazer peregrinações aos lugares históricos, a uma campina risonha, ao descortinado, amplo horizonte de uma planura, onde, ao ar livre, as bellezas da Pátria fossem cantadas, ao som de hymnos festivos, ao rithmo de poesias selectas ?

Dessas commemorações, além do proveito hygienico, harmonicamente salutar, derivam muitos resultados educa- tivos, que podem ser encarados sob o aspecto moral, patrió- tico e humanitário.

Moralmente, isto é, quanto ao sentimento, as verda- deiras commemorações civicas, as que não servem de pretexto para diversões futeis, devem directamente desenvolver a ve- neração, tão necessária, tão preponderante na vida civica. A veneração é necessária para haurir no passado os melhores ensinamentos, para os praticar no presente, sob o respeito d» autoridades reaes, e para merecer a glorificação respeitosa dos porvindouros gratos.

Ouanto ao desenvolvimento do patriotismo, é completo o valor de taes festas, quando um largo sopro de fraternidade as anima e quando o estreito partidarismo não as afoga em suas abafadiças malhas. A união civica então largamente se desenvolve ; a solidariedade entre os contemporâneos se torna mais sensível, mais apertada, e as tradições pátrias, visivel- mente reatadas, ficam mais intensas, mais efficazes. A nação torna-se mais forte, quando sente suas forças e as cultiva com o intenso desejo de as desenvolver. Cortejar o passado, ser urbano, civil, delicado com os mortos, só desenvolve sen- timentos bons Nenhuma bajulação, nenhuma baixeza poda haver em exalçar os grandes do passado, quando nenhum interesseiro partido do presente nos está forçando a taes en- comios. Assim é que aprendemos a respeitar os grandes actuaes, sem lhes sacrificarmos nossa dignidade.

Finalmente, o civismo que i|stas commemorações de- senvolvem pode ser completado Cíín o surto de uma sympa- thia geral por outros povos, donde procedem as estheticas ri- quezas, de que nos utilizamos em nossas festas. Além disso, quem na Pátria sua respeita as tradições, os fastos grandio- sos, é levado a respeitar na alheia os casos análogos. Só 0 egoísmo nativista é que affecta venerar em. seu paiz as tra- dições e grandezas que desrespeita em solo extrangeiro. Não ha sinceridade em votar sentimentos oppostos a cousas igual- mente venerandas. Por isso convém de todo em todo afastar destas commemorações as criticas assanhadas, cora que se pretende alcandorar o solo pátrio, denegrindo adversários nos- sos ou deturpando alheias pátrias. Não é pela sanha que se demonstra o amor e nem é com a linguagem d'aquella que este se manifesta.

Não discutamos as cousas da pátria com as detracções do ódio, e elevemos cada vez mais suas tradições com a celebração de suas grandezas. Não escolhamos épocas a coraraeraorar com as preoccupações de um partido preconce- bido, com as prevenções de uma ogeriza, de uma opinião pessoal.

Si nossas commemorações com tal espirito se manti- verem e se desenvolverem, poderemos acenar-lhes, em remate, com resultados eminentemente educativos. E isto porque —■ l.o) cultivam nossos melhores, mais largos sentimentos e afas- tam os mais subalternos; 2.") evitam as occupações e preoc- cupações malsãs, que a época actual por todos os lados nos está offerecendo.

S. Paulo, 18 de Setembro 1907. JOSÉ FELICIANO

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O ESTIMULO

0 EKiHULO" (EPOIS de insana lucta atra vez das vagas proce- losas de um oceano encapellado, conseguimos

finalmente aportar nossa modesta escuna ao abri- go seguro. Náuticos intrépidos, supprindo com o arrojo a inexperiência, jamais nosso animo forte baqueou aos embates da adversidade, jamais

escolhos dispostos em nossa rota impediram-nos a passagem. Eis-nos, portanto, que attingimos ao primeiro estádio. Não poupámos trabalhos, não nos faltaram dissabores. Si, de um lado, a boa vontade de muitos veio nos alentar no momento em que o desanimo começava a nos invadir, de outro não nos faltaram desenganos e mesmo iniquidades.

Mas, «labor omnia vincit improbus»—o nosso primeiro anno está attingido ; a primeira phase das luctas, vencida. Correspondendo, pois, á gran- de sympathia que a maior parte dos alumnos desta casa nos vota, aqui declaramos positiva- mente : — Os obstáculos do nosso primeiro anno de vida jornalística estão superados, e com a pru- dência e experiência durante elle adquiridas, con- tinuaremos inabaláveis na senda que nos impuze- mos — nada, absolutamente nada nos demoverá do plano traçado.

Paladinos do progresso, enthusiastas como sempre, temos em nosso brazão d'armas:— «Tudo pela Escola» —.

Pois bem, companheiros de luctas nas bata- lhas, sem tréguas, da luz contra as trevas; traba- lhemos unidos, juntos combatamos e façamos quanto possível nos fôr, para que o nome des- ta Escola adorada a que pertencemos, cresça, augmcnte, avolume-se cada vez mais, e venha fi- nalmente brilhar, refulgir sublime no ambiente paulista, como estreita de primeira grandesa, or- nando-lhe o diadema scientifico.

— Tudo pela Escola! Guerra, guerra sem transe, guerra de morte á ignorância!

d® êfffMlbir© Sempre que se falar em liberdade n'esta terra, ha de

ser lembrado, com respeito e admiração, o nome de Silva Paranhos, visconde do Rio Branco !

Auctor da gloriosa lei que iã> mais permittiu o nasci- mento de escravos na nossa pátria, o visconde do Rio Branco

grande entre os maiores estadistas, deixou seu nome immor- redoiro como um foco de luz a illumlnar para sempre as pa- ginas da Historia do Brazil.

E, no momento actual em que a pátria brazilelra está li- vre, como livres são todas as suas irmãs da America, eu presto esta homenagem á sua memória e saudo seu illustre filho continuador de suas glorias e que tão alto faz tremular a nossa bandeira em terras do velho continente.

S, Paulo, 9-907

Anna Norberta da Silveira Lobo Oliveira Escola Normal. l.o anno.

SAUDADE. 2^5 Que cilicio mais duro que a saudade 1..

(COELHO NETTO)

ESMO para aquelles cujo coração é um árido deserto, cuja vida c uma noite vagarosa e

sem lua, a saudade—astro predilecto da tristeza, pallida estrella — existe e resplandece. O cora- ção que vive em triste inverno, a debater-se nas trevas, sem que a lua — o sirio de Deus — o console de tanto padecer, sem que a chamtna vivificante da esperança o abraze em um raio' piedoso, o coração que não conhece os sentimen- tos felizes que produzem risos, as rosas purpuri- nas da alma, que palpita e vive para o sonho — chora em silencio a dor indefinida da saudade.

No Sahara immenso, sem poesia, onde mui- tos corações — inquietos colibris em busca de perfumes — adejam loucamente, sois, saudade, o oásis bemdito repleto de aromas — suspiros que ninguém comprehende — banhado de pura lym- pha — lagrimas derramadas no silencio da noite — oásis sobre o qual vão soletrar a lembrança de um passado feliz, e desfiar pela calada das horas adiantadas o rosário de contas infinitas e dolorosas, o rosário das lagrimas!

Quem poderá definir a saudade? Definir esse sentimento que palpita em todas as almas, que se nutre de lagrimas, e vive do passado desfo- Ihando muitas vezes a esperança?!

A saudade! A saudade é um fogo factuo, é- o santelmo da alma, erra porella como a cham- ma feral dos cemitérios, é a luz cirial que fica para nos aquecer na hora da desesperança.

Nasce em uma recordação e extingue-se com a morte. Em uns, passa como um lume vago, em outros fica e abraza, queima e pulverisa, re- duzindo todo o sentimento á cinza fria da tris- teza, esterelisando a alma para que nella nunca mais viceje o lyrio do amor. Assim a explicou a penna feliz de um escriptor ardente.

A saudade opprime a alma pequenina da creança, a alma ardente dos jovens, e no coração dos velhos ella constitúe um poema longo e tris- te de lagrimas e suspiros, pois «a recordação e a saudade são as dores das chagas d'alma.,.»

E tudo no mundo murmura saudade como se ella fosse o sentimento soberano no coração

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O ESTIMULO

de todos os seres... Soberana ella é, ao menos na poesia.

Quando pela madrugada a natureza, desfeita em encantos, modula o riso do despertar da vida, as aragens deslisam com amor e osculando a face da vaga esmeraldina ou o avelludado macio da flor, parece que cicia: saudade! E a onda des- fazendo-se em espuma responde ao longe :—sau- dade !

Quando á tarde, o horizonte se emmoldura de ouro, e a terra é beijada pelas sombras que descem mansamente, modulando o psalmo da tristeza, se as auras perpassam feiticeira-, oscu- lando as flores, segredando aos ninhos, acari- ciando as águas, ouvimol-as murmurar em cada beijo;—saudade! E saudade parece que diz o sol ao longe, reclinando-se no colchim afidalgado do horizonte. Parece que o diz, também, num so- luço ma! reprimido, o bronze distante, badalando com socego as Avc-Marias!

Saudade é a dôr que sentimos quando, alta noite, ouvimos atravez do silencio que amortalha tudo, as notas plangentes de uma serenata...

Mesmo para aquelles cujo coração é um ári- do deserto, cuja vida é um oceano de gelo, e- xiste a saudade — alma de todos o-; amores, al- ma iüimortal e triste, perdura, fica eternamente, mesmo que o aftecto desfalleça e morra...»

HERCIUA DE ANDRADE PINA'

MOCIDADE "VS^ V»OMO o acordar da primavera, num í ^vj concerto harmonioso de suaves hym- ^—^k nos da passarinhada alegre, e de embriá-

(||ÍI) j gantes perfumes das flores, é o nascer da mociüade.

Saímos da infância pela porta dourada das crenças e transpomos os humbraes da esperança, a divagar por esse reino de chimeras, precioso dominio das illusões !...

E emquanto a vista se deleita por esses jar- dins de suavidades, a alma numa anciã louca de gozos não sonhados, vôa ás regiões longínquas de sonhos alentadores... E o coração, preso de um vago anceio, todo cheio de cambiantes di- versos, deixa transparecer nos olhos as emoções suavemente profundas que o sacodem e bobole- tear nos lábios sorrisos de ineffavel ventura!...

No meio de tão harmonioso conjuneto, insaciá- vel de gozo--, o coração ainda se não satisfaz.

Corremos pelo esmeraldino d'esses jardins floridos, sempre num rumorejar de alegrias, ao som de captivantes melodias.

E corremos, corremos... Pois si é tão grande o caminho! Deve ser lá, ao longe, onde a vista mal al-

cança, o promettido, o decantado império dos sonhos onde, sob a tenda azul do firmamento, se ergue o magestoso palácio do Amor!...

Pelo trajecto colhemos uma multidão de lin- das flores.

São as illusões... A' meia distancia do ca- minho algumas já vão murchando, mas, nem se repara nisso!

Tanta luz, tanto.perfume, tantos cânticos de alegria, enlouquecem o coração e atiram o espi- rito num labyrinto de pensamentos confusos, empolgado pela phantasia do Além...

Lá deve ser mais diliciosamente calmo o decorrer dos nossos dias.

E caminhamos, caminhamos sempre, abrasa- do o coração por uma febre torturante de praze- res.

Chegamos ao roseo dominio dos sonhos e, então, reconfortamos mais a alma para a intér- mina caminhada.

E as flores são sempre bellas e o céo é sempre azul...

Ao longe, como que ainda immerso nas brumas de uma manhã nevoenta, está o almejado porto dos nossos pensares, a região de sublimes mysterios.

Chama-nos o Ideal, acenando-nos meiga- mente :

«Vem... Sob a minha tenda, numa plenitude doce de perfume e de luz, descançarás eterna- mente. Só aqui a realisação dos teus ardorosos sonhares...»

E seguimos... Agora o dourado bergantim da Esperança,

sempre impellido pelas suaveis Irisas de «nthu- siasmos, vai singrando as arnenissimas águas do Destino.

E sempre o mesmo remmemorar de sonhos alentadores, o mesmo descortinar de visões se- duetoras, num idylio mystico de esperança e amor!...

Aportamos ao paiz da Realidade. Oh, amarga decepção!...

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O ESTIMULO

Onde as phantasias acariciadoras dos dias idos, o nosso Ideal?...

Um silencio de claustro... Só a lua, o astro da Saudade, deixa filtrar

no espaço suave nostalgia... E, ao magnetismo dulcificante do luar, numa

effervescencia de maguas, remmcmoramos os rápidos dias de alegrias impensadas !

Evocação dolorosa, a das esperanças per- didas !...

Só agora ouvimos a -voz da experiência : « Mocidade louca, a tua felicidade era ephemera porque o Ideal é intangível... Só te resta atirar as flores fanadas das tuas illusões ao túmulo dos teus sonhos I... Olha...»

E, num soluçar de desespero, descobrimos a sepultura do Nada !...

MARIA CONSTâNCIA DE FARIA.

S. Paulo, Setembro 937

cr-^-

A' QUERIDA AMIGA YAYÁ OHL.

sol poente imprime tons de ouro nas virentes frondes e nos vidros da janella, brincando nos louros cabellos

de Edméa. , E a tarde cáe serena... docemente...

Embaixo, na praça, o povo diverte-se com aquelle findar de festa, e. já cançado dos innumeros divertimentos desse dia agitado, despede-se da ruidosa Congada que se esváe com o

morrer do sol. Fora naquelle dia a festa do Padroeiro, a festa mais

animada e attrahente de todo o anno. O povilèo, que se reu- nira alli desde as seis horas da manhã, áquella hora da tarde manifestava cançaço e tédio. Distribuídos aos grupos, uns sen- tados, outros de pé, estes em animada palestra, aquelles mu- dos e extasiados, divertiam-se todos, assistindo á despedida magestosa da Congada, essa pittoresca e popularissima

dança, a mais genuinamente brazileira.

Edméa, na janella que o sol poente envolvia caridosa- mente, a graciosa cabecinha inclinada, inteiramente alheia a todj aquelle borborinho, com as mãos ágeis, fazia e desfazia inconscientemente a longa trança loura.

Qual seria a preoccupação tão seria que a fazia assim distrahida e immovel - tão distrahida que nem via o que se

passava na praça ? O caso era simples.

— Ella esperava, já ia em meia hora, o creadinho que devia trazer da agencia do correio a correspondência do pae; contava nesse dia receber carta do Guimarães, seu primo, estudante de pharmacia e n Ouro-PretD.

Nesse dia principalmente, estava anciosa por noticias ; sonhara que o primo afinal se decidira a pedil-a em casamento, conforme promettera, havia dois annos. E ella, supersticiosa como costumam ser em geral quasi todas as mulheres, acreaiUva em sonhos e contava com a gentil missiva do tão desejado quão

sobranceiro primo, Porisso ella estava alli immovel, indifferente a tudo, o

olhar prezo lá embaixo, no fim da rua, por onde dev;a vir a desejada mensageira da sua tão sonhada ventura.

Finalmente, depois de muito esperar, viu apparecer na esquina o creadinho com um maço de jornaes.

Edméa, na sua aífücção, queria advinhar si realmente'a

carta do primo estaria no meio da correspondência.

Acompanhava a morosa marcha do creadmho, quando

de repente fez um movimento de despeito.

— Oh ! que rapazinho vagaroso ! Lá está clle parado, a ver o brinquedo dos outros garotos! E eu a esperar toda "a

tarde... E baleu o pé cheia de impaciência. - Ah! sempre se decidiu, lá vem elle. Mas como anda

de vagar! Parece que carrega arrobas,— E Edméa continuou, seguindo a marcha do creadinho, mo-

nolcgando sempre. —Oh! meu Deus, parou de novo a falar com o tio

José.. Ah! eia só para entregar os papeis delle. E continuou, debruçada na janella, indifferente a tudo

que se passava na praça, com a alma presa aquelle maço

de cartas. No largo, amplo e festivo, continuava a Conga.ia, agora

prcmpta para se retirar. O sol descia cadi vez mais para o occaso e a ncite avançava serena .. docemente...

Nesse momento, o negrinho acabava de subir as esca- das e no escriptorio próximo á sala em que se achava Edméa, entregava a correspondência ao dr. Oliveira.

Edméa estava de tal modo excitada, que não teve cora- gem para ir, como de costume, ler a correspondência ao pae. Tremia, e sem saber de que, um medo inexplicável apode- rava-se delia. Gelada, sem forças para dar um passo, atirou- se a uma poltrona e ficou immovel, a olhar para as pinturas

do tecto. Dentro, a voz grossa e affectuosa do doutor dizia á es-

posa: —Herminia, sabes quem se casa dentro em pouco ?—O

Guimarães. Acabo de receber a participação. E' ncivo de uma das mais ricas herdeiras de Ouro-Preto.

As ultimas palavras do doutor foram coradas por um gemido abafado, que partia da sala próxima, seguido do baque

de um corpo. Precipitaram-se os dois pira a sala e foram erguer Edméa

que jazia no chão, sem sentidos. Só assim advinharam o sentimento secreto que se aninhava no coração de sua queri- da filha e que a tornava desde muito retrahida e melancólica.

Atiraram-se como loucos sobre aquelle corpo que julgavam já cadave', e por muito tempo misturaram os seus soluços, com os gemidos abafados da moça, até que, acudindo creados e alguns parentes, transportaram-na para o leito.

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sítava agora

Era noite flexos de funda mel

Emba Longe,'

adormecida, Congada, sem sonhos mortos...

S. Paulo, Setembro de J907

'ra\a sala, com re- cousaSjnaturaeS^tn tom de pro-

O ESTIMULO

agora W /

f^fOJ

srçaye silenciosa. aj/Qa cidade, a meio onotona e nostálgica da

guiem por Edméa e pelos seus

BEATRIZ LACERDA 3.o anno

DIVAGAÇÕES *

pensando, que têm sido feitas as maiores e mais úteis descobertas; é divagando,

que se confronta, se compara as alternativas d'es- ta vida tão repleta de duvidas, de esperanças e desenganos?!

O homem nasce, cresce, amadurece e é fi- nalmente colhido pela «ceifadora inexorável» sem que, as mais das vezes, tenha deixado de esperar.

Menino, elle appetece já um brinquedo, já uma cousa que lhe desperte os sentidos; adoles- cente, anhela chegar á puberdade, ambiciona uma posição..

O horizonte parece-lhe roseo e infinito. Seus áureos sonhos fazem-lhe entrever um futuro ri- dente, povoado de visões maravilhosas.

Um sorriso, na idade dos sonhos e das illu- sões, vale uma promessa; uma palavra é uma synthese de idéas e de esperanças indefiniveis 1

Dcscuidosa e leda juventude, quem te dera uma vida sem desenganos !

Como no deserto o oásis é o refugio do viandante encalmado, é a esperança o recurso, a consolação em todas as duvidas e incertezas,- e até nos desenganos algumas vezes.

O mundo encerra bellezas incalculáveis; são as paixões humanas, micróbios invisíveis a olhos negligentes e inexpèrtos, que invadem, contami- nam, corrompem e destroem a harmonia e o con- juneto de taes bellezas.

Um guia idôneo e hábil nos primeiros passos de nossa existência, o cuidado minucioso, ainda nas mais simples acções, e sobretudo a selecção dos elementos sociaes em qualquer das phases de nossa vida, são indubitavelmente os fundamentos de um trilhar mais seguro diante as tempesta- des da vida, cujos embates diminuem e amorte- cem deante do estoicismo de uma tão bem ap- parelhada creatura!

S. Paulo, Setembro de 1907. AMéLIA P. DA CâMARA

PRYSÍIQE YAR une radieuse matinée de prin- .temps, parmi les fleurs d'une petite prai- rie entourée de myrtes, une rose de mai, reine par sa ravissante beauté, s'épanouit doucement sur le bord d^n ruisselet. Encore tout humide des ca- resses de Taurore et balancée parTha-

leine voluptueuse du zéphyr, elle semblait con- templer son image dans i'onde bleue...

De Tautrc côté du ruisseau, fais-ant face à Ia rose, un lis splendide oubliait sa magnificence, car «11 est le roi des fleurs, si Ia rose en est Ia reine», pour ne s'occuper que de sa charmante voisine. Mais, étrangère à tous ces hommages, ou fegnant de Tetre, celle-ci s'amusait à faire tom- ber, une à une, de ses pétales veloutés, des gout- telettes de rosée sur un nid de colibri. Dans ce minuscule chef-d'oeuvie, de grâce et de patience, deux oisillons, petits, si petits qu'elle les aurait cachês sous un seul de ses pétales, pêpiaient doucement...

Un peu plus loin, Ia mère, fragile et mignon- ne, pompait de sa langue fine un wergiss-mein -nicht aux reflets d'azur, tandis que le père vo- letait autour de Ia rose. II s'avançait, se retirait, Tefíleurait presque de ses ailes dorées, puis, re- partait se laissante emporter par Ia brise, s'arrêtait un moment devant une autre fleur pour revenir ensuite á Ia rose comme s'il voulait, avant de s'enivrer de son nectar parfumê, se réjouir de sa beauté, lui offrir son adoration.

A' droite de se groupe adorable, Ia rose et le lis, les oiseaux et leur nid, Ia prairie palpilait et s'étirait au soleil tapissée«de velours vert, pail- letée de larges marguerites blanches et de gla- íeuls marbrês de pourpre qui se souriaient á travers les feuilles...

A' gaúche, sur Ia branche fleurie d'um sorbier, un rossignol faisait entendre ses roulades exquises que Ia sonorité de Tonde répétait au loin.

Des tremblements de ramures, des parfums, des chants d'oiseaux, une rose entr'ouverte, amour et tendresse... le tout englobe par le soleil dans un rayon de chaleur et de joie. Cêtait simple, mais sela donnait une sensation de fraícheur et de paix... du moins on s'y sentait vivre

Saint Paul, le 3 septembre 1907.

C. MARCONDES

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O ESTIMULO

Os alumnos comrnemorando o «7 de Setembro» em uma procissão civica pela cidade (Vistas apanhadas no Viaducto do Chá)

Page 9: REVISTA LITERÁRIA DA ESCOLA NORMAL WJiO II

O ESTIMULO

FLOR ORQCJLHOSA =]| (L. RATISBONNE)

«üivra-nie — diz a rosa trepadeira,

^V sua encantadora jardineira —

J)a estaca que puzeste ao pé de mim ;

Como posso eu crescer, ligada assim!»

— «jYías, não te podes sustentar sosinha,

T^esponde-lhe a rqocinl\a ;

«por isso a colloquei aqui.» — «€ então !

Que bonita razão!

3á não é cousa para a minha idade ;

£slou crescida, quero a liberdade'!»

)\ jardineira tira

O galho protector;

pe um forte vento a ira

peita por terra a flor

T^eparae, meus meninos,

fio lastimável fim do orgulho desta rosa.

•€' de tristes destinos

j^ío alvorecer da vida,

Como essa flor querida

Jtáo termos na experiência a guia carinhosa.

S. Paulo, 3-9-1907.

IRENE DE FARIA TAVARES.

Page 10: REVISTA LITERÁRIA DA ESCOLA NORMAL WJiO II

O ESTIMULO

Passeata realisada pelos alumnos da Escola Normal, no dia 7 de Setembro

Escola Moddo annexa á Normal-

Dr. JOSÉ MARIA CHAVES

Primeiro lente nomeado para a nossa Escola. (Já fallecido)

^

O ensino militar na Escola Modelo "Caetano de Campos"

Page 11: REVISTA LITERÁRIA DA ESCOLA NORMAL WJiO II

10 O ESTIMULO

La Mie fsirprlse 31 IOUS marchions à Ia hâte,

Pierre, mon voisin; Gaston, mon frère et moi. Camarades à TEcole de Mèdecine de Montpellier, et

toujours lies par une étroite amitiè, nous étions presque in- séparables,

Nous venions de finir nos études, et, pressés du méme desir d'embrasser nos familles, nous forcions nos chevaux, trop Ias d'une course accélérée depuis 4 heures du matin, et nos montrei venaient de marquer midi.

La marche s'étant de plus en plus ralentie, nous fu- mes obligés de nous arrêter, une demi-heure au moins, pour laisser reposer nos chevaux, en prenant à Ia fois une colla- tion fort légère, car nous avions encore á marcher pendant deux grandes heures, avant de rentrer chez nous.

Sur notre chemin se trouvait une charmante petite ri- vière, dont les bords, garnis de deux superbes rangées d'ar- bres touffus, offraient une retraite paradisiaque.

Rien ne saurait exprimer Ia fraicheur et Ia grace de ces petites allées qui se"pentent leurs sinuosités capricieuses, sous leurs berceàux de feuillage, mostrant á chaque détour un petit coin mystérieux et plus vert.

A'notre approche, des voix humaines, entrêlées d'éclats de rire, nous firent comprendre que Tendroit n'était pas soli- taire, comme nous Tavions supposé d'abord, car nous étions en pleine campagne.

Sans y faire attentien, nous allâmes du côté le plus ombragé. Oh! quel tableau surprenant. inatendu, merveilleux devant nous! Le pére de Pierre et sa soeur, Ia douce et charmant Stéphanie, Ia fiancé de Gaston; ma chère mère et mes deux petites sceurs'tous assis sur le gazon! Nous les y voyions tous, et nous ne pouvions y croire.

Ce fut M. Philippe qui parla le premier: Mes enfants, que vous êtes aimables! Les jeunes gens

ont des bizarreries dont le vrai sens nous échappe quelques fois, et celleci prouve ce que je viens de vous dire, car ni Mme. Léonie ni moi, n'étions parvenus à convaincre ces fil- lettes du danger d'un voyage pendant Ia chaleur de midi. Pourtant je suis ausssi ravi de vous vck que !es fillett«3 elles mêmes.

Embrassez nous, mes enfants. Après les embrassements et les félicitations pour le succès de nos études, nous nous assímes et nous déjeunâmes comme des gens de Ia campagne, sur le gazon.

Jamais jour ne nous parút si baau, si gai, si heureuxl Nous restâmes là jusqu'à 4 heures, e nous arrivâmes

chez nous vers 7 heures." Six ans se sont écoulés et le souvenir de cette açjrea-

ble surprise nous en est toujours reste. Dans Ia belle saison nous y allons tous, qualques fois

pour y passer une partie de Ia journée. Le petit et tout gen- til Hugues, fils de Gaston et Stéphanie, augmente le nombre de nos compagnons.

Saint-Paul, le 7 de Septembre 1907.

AMéLIA P. DA GAMARA.

pi mU OS MALES ESPMT/I.

Descambava o dia e o ceu estava bellissimo. Um tom crepuscular dava a tudo uma infinita melancolia.

Aproveitando o frescor da tarde, quiz go- zar do perfume suave do laranjal em flor.

Sahi a dar um passeio. Oh! quanta bellezal... As flores brancas e miúdas, vistas de alguma

distancia, semelhavam neve espalhada pela ex- tensão do pomar.

Quasi profundo era o silencio nessa hora mysterio-a!...

Somente, num verde galho, cantava um pin- tasilgo; mas seu canto era tão triste, que triste também fiquei... Que mal teria succedido áquella pobre avezinha ?... Não sabia, mas, por um acaso — soube a razão de tal dôr...

Dizem que as aves são ciosas, pois é o que vamos ver:

O pobre pintasilguinho Soffria bem justamente, Pois sua linda companheira, Morrera de dôr pungente ! Era dócil, carinhosa, Nunca uma dôr lhe causara, Mas. o cruel pintasilgo Um dia a abandonara...

A triste creaturinha Tal magna não supportou ; E, numa tarde, cantando, Para sempre se finou... O ingrato ao ninho tornando Triste e vasio o achou, E remorso aguilhoante De sua alma se apossou.

Hoje o pobre arrependido Sem mais ventura encontrar. Soluça quando o sol deita Para a noite levantar. A natureza se cala. Respeitando a sua dôr, Não se vê quando elle canta O balouçar d'uma flor.

Chora, chora, o coitadinho E quando melhora canta. Certificando o provérbio «Quem canta os males espanta».

MARIA DA SILVEIRA FRANCO.

S. Paulo, 2-9-1907.

'

Numa tarde primaveril, em que a natureza magnífica comprasia-se num requinte de fertilidade, experimentei grande emmoção.

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Redacção d' " O ESTIMULO"

C/)

O

Arlindo P. da Silva (Revisor)

Leowigildo Martins (Redactor)

Oscar Guilherme (Director)

Ornelio Teani (Secretario)

Gustavo Kuhlmann (Procurador)

Page 13: REVISTA LITERÁRIA DA ESCOLA NORMAL WJiO II

12 O ESTIMULO

A ESPERANÇA A' Ornelinda

CO

A esperança é o ideal, o espirito da vida: Da esperança nasce o ideal, do ideal a vida, que é o desenvolvimento da esperança.

A esperança é que dá origem ao ideal e o ideal dá começo a vida.

O homem só sente que vive quando na'lma percebe a necessidade de alguma cousa que lhe povoe a existência.

Esta cousa, é o ideal. O homem que não tenha um ideal, uma

esperança é um um morto moral; eu o compararei a um batei extraviado em alto mar, sosinho, aban- donado, entregue ao furor da tempestade que o lança ora no ápice espumejante da encapellada vaga, ora no abysmo insondavel da voragem. E elle sobe ao espaço e desce ao abysmo apathico, indifferente.

Assim é homem cuja vida não exhala o há- lito suave da esperança.

Vive inconscientemente, dizendo-se vivente, porque tem direito á vida.

Mas, que este homem sinta sua vida ; reco- nheça uma satisfação, uma alegria, não, é im- possível.

Ao passo que o homem percebendo a exha- lação branda, aprazível da esperança; divisando no carreiro da existência um ideal, sente em sua alma, por todo seu ser, os poderes que lhe legou a natureza, e desde logo á flor dos lábios asso- ma-lhe a palavra ; mas não a palavra inconsciente pronunciada apathicamente, o que não pode pro- duzir uma satisfação e sim, aquella palavra que, saida do psychico, repercute-sedhe no vácuo, num som harmonioso e cheio de encantos.

Demais, a esperança é também uma arma poderosa de que o homem se serve para enca- rar corajosamente os maiores perigos; é o im- pulso do desenvolvimento, a rectificação, enfim o alinhamento intellectual, o caminho educativo do espirito ; é a arma que dá direito ás grandes virtorias que se alcançam neste labutar constante entre a vida e a morte.

O homem esperançoso é temido. Com a virtude da esperança só é vencido á beira do túmulo, porque ahi deixa a esperança terrestre para se apoderar da mais legitima, a ultra-tumulo.

A esperança é também um principio de edu- cação. '

Porque o homem que não tem esperança não tem ideal é não tendo ideal não é bom ci- dadão.

Não é bom cidadão porque o ideal é o pro- gresso, é o synonimo de civilisação.

O homem esperançoso é um canteiro florido. Quem passa por elle sente o ether balsamico das flores.

A esperança no homem é o aroma nos jar- dins ; sente-se mas não se deixa ver e nem tocar.

Alegra e dulcifica. Um coração esperançoso é uma eterna

drugada despertada pelo sublimado coro sorrisos.

ORNELIO TEANI

S. Paulo, Setembro de 1907.

ma- dos

€lihu tfoof

ON the sixth of August of the last year the Normal School had the great honour of being

visited by the Honorable Elihu Root, worhty Se- cretary of State in the United , States of North America.

To remember this fact today is a satisfaction for ali students in this House, because it consti- tutes a true pride, which never will be erase from the mind of ali this Corporation.

Mr. Elihu Root was cheerfully and joyfully received here by the pupils, who knew to give honour to the merit of so great and eminent a man.

Firstly, he visited the Kindergarten, where the little babies receive Froebers teaching.

After he visited the Grammar School and the Normal School. Everywhere the sympathetic fi- gure of Mr. Root appeared, there was a salutation íhat he received.

Some very usual sports in his countrywere executed in his presence, which impressed him too much, seeing the great developpment of phy- sical education, here introduced by our lllustrious Principal, obeying Emerson's aphorism : in a gooã lorã there first must be a good animal.

Not only this Corporation rended homage to the incomparable suecessor of the great sta- tesman J. Hay, but also S.1 Paul and the whule Brazil; and is engraved in the heart of the Bra- zilian people the phraze he said before coming to Brazil:

«If the nexl Pau American Conference is to join in Rio Janeiro I will go myself».

This phraze is grateful to us to refer, for it indicates ali his kindsympathy and also the sym- pathy omsecrated to us by the great American Nation, the colosse of forty seven stars, the coun try of electricity, and of industry, and, above ali, the supreme martyr for our inspirations, for tea- ching and for administration.

Elihu Root! There is the great american sta- tesman, who, repeating the words of Presi-

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O ESTIMULO 13

•dent Roosevelt «i« a man who, in a not far future will call the attention of the world to his person, and to his extraorãinary policy».

And speaking about Elihu Root, we will speak about that glorious Land, where he was born, whence great and valuable teachlng, come to us, now applied in this School, where we learn the noble office of teachlng, ofscatteringinstruction.

And do you know what the instruction in the United States is? Yes, certainly, because our noble and dear Principal, during his travei trough Washington's native country, the birthplace of progress, had the satisfaction to prize it near, and communicate to us how much prodigious and wisely diffused it is.

The instruction of the United States is wor- thy to be imitated, that is what we must do, fol- lowing the pedagogic law of imitation : «the in- dividual and people have a tendency to make themselves to imita te according to their super iority, and to make imitators according to their in- ferior ity» .

Normai School, September, 1907.

O. GUILHERME.

fT BORD A Constância.

II était minuit; assise á Ia poupe du vaisseau, fobservais Ia teinte pâle de Ia lune qui réfléchis- sait mille fo!s ses rayons dans Tonde bleuâtre de Ia mer, comme dans une glace brisée en mille pièces, laissait voir un horizon sans bornes.

Le ciei était serein ; un vent frais agitait lé- gèrament Ia surface des eaux. Lè bruit seul des flots froissés par le na vire, Ia voix monotone du timonier qui d'heure en heure appelle ses com- pagnons por le relever; interropait le calme de Ia nuit.

Oh! que Ia nature se représentait à moi, sous un aspect imposant! Que de souvenirs, que de pensées qui dans le jour passent inaperçus et sont revenus à cette heure ou tout est tranquille et silencieux, et qui se presente à ma méditation !

Cette maison que Teau seule supporte, com- me elle avance avec majesté! comme elle se balance avec symétrie et tranquillité I c'est alors que Fin- dustrie de Thomme m'a parue grande; c'est alors que ses ressources m'ont parues bien au-dessus de sa force et de ses facultes,

Je me plaisais aussi parfois, à rechercher dans ces masses mouvantes, des nuages qui se transpor- tent à vue d'ceii d'une immensüé dans Tautre, et -qui seules coupaint Funiformité du firmament, des

images fatastíques, des sites ênchanteurs, des vi- sages celestes. Je retrouvais jusque dans leur moin- dres détails, les lieux chéris de mon enfance, les traits tant aimés de ceux que j'avais quittés. Cette idée fixe, adaptée à Ia perspective magique qui se présentait à moi de tous côtés, avait jeté dans mon coeur. Ia persuasion de Ia felicite, et repan- due dans mon âme cette tendre mélancolíe, sour- ce du plus parfait bonheur.

Toutes mes pensées, tous mes regards, étaient empreints d'un si doux ravissement, que mes lar- mes coulaient avec abondance en croyant presser encore contre mon coeur, mes parenls et tous ceux qui me sont chéris

Mais quelle illusion trompeuse de quelques heures! pendant qu'ainsi, abandonnée aux plus douces êxtases, je me transportais dans une autre hémisphère; je n'avais pas remarque que Taurore s'approchait.

L'aurore!!! Viens, ô mon imagination, suppléer à Ia mo-

notonie qui recommence à m'environner, et rem- plir mes sens par autres tableaux plus ênchan- teurs. Et fatiguée par cette longue insomnie, je m'étais approchée de Ia grille de Ia poupe, favori berceau des chimères et de plus douces rêveries.

Mon imagination toujours affamée, dévorait déjà tout un avenir, jouissait du préseut et plon- geaií avec déüces dans les souvenirs les plus reculés.

Semblable aux rayons dores de Tespérance, les premiers rayons du jour avaient ramené dans mon coeur cette douce ivresse de í'âme: Ia tendre melancolia,

Ce n'est pas sans Ia plus délicieuse êxtase que j'ai vu s'evanouir les derniers íeux du jour; leur mélange formait une ombre legèrc et vapo- reuse que je distinguas à peine, mais, que je sen- tais bien, et qui faisait entrer dans mon âme le bonheur par tous les pores.

Bientôt, il me sembla voir, autor de moi, tout- à-coup, une nuée de petits amours couleur de rose, avec des figures lutines; ils agitèrent leurs ailes transparentes, et je sentis aussitôt sur tout mon corps une rosée rafraichissante, et le bruit léger qu'ils firent, vint charmer mes oreilles par accords les plus doux.

Ils remplirent ansi les moments qui précédè- rent Tentrée triomphale du soleil sur notre hé- misphère.

Bientôt quelques nuages se rangèrent des deux còtés de Forient et parurent deux portes ouverles au maítre du monde. Le ciei brilla d'un éclat plus pur, et le soleil sortit de Tonde dans une circon- férencé dabord argentée et de Ia grandeur de celle de Ia lume! puis, tout-à-coup, quittantsa robe matinale, il se couvrit de son manteau de pourpre et répandit aussitôt son feu sur toute Ia nature.

Saint Paul, — 1907.

CARLOTA JOLY GARCIA TERRA. Deuxième année.

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Director, corpo docente e alumnos da Escola formal de S. Paulo

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O ESTIMULO 15

mm. c RPTl ^

9 ' S scurece... .' V—^^ As sombras vesperaes vão tristemente su- bindo a encosta florida das montanhas, e a palli- da Diana rompe o- puríssimo azul do ceu, osten- tando o seu maravilhoso collar de innumeraveis contas, semelhante a um dilúvio de pérolas ra- diantes.

Dir-se-ia que o céu se transformara em um lago crystallino, onde vaga solitário o melancó- lico batei evocativo da Saudade.

As lindas flores exhalam o seu inebriante perfume, e, como/jue fascinadas, deixam pender seus verdes ramos . mf^ilbaíias já numa leve sombra azuladarvi^^^so ^tiv ao longe, na orla do poente, as montamias" formam como que um fundo violaceo, onde, ha pouco, magestosamente declinara o sol.

Ouve-se murmurar ao longe um canto re- passado de infinda magua que vem juntar-se ao triste embalar amortecido das vagas. Paira pela natureza um ar meditativo e afflicto, que nos re- lembra a quietitude melancólica das minas.

Nesta hora melancólica do crepúsculo, quan- do tudo se vai confundindo numa pulverisação de pardacenta luz, as ideas se confundem também em nosso espirito numa meia luz, apagada e cheia de tristeza, sob uma recordação longínqua, vinda do passado.

E' nesta hora tão cheia de silencio, que vol- vemos aos felizes dias de outr'ora, que folheamos pagina por pagina o triste livro que encerra as que- ridas reminiscencias de um passado morto, e que a peregrinação dos nossos sonhos extende-se aos mais remotos factos de nossa vida, evocando com saudade, o bello viver de outríora.

E, quando é completo o desfilar tristonho desses tão queridos sonhos, quando chegamos ao presente, a Saudade—o fogo factuo das venturas mortas — emballa-nos a alma num perpassar con- tinuo de illusões.

Saudade... palavra que sôa em nosso intimo como um écho longínquo, que vem atravez dos tempos, repercutindo nas infindáveis dores d'alma humana, a relembrar tristezas, lagrimas e pezares que viveram. E' ella que mais nos preoccupa o espirito, ao declinar da tarde, infundindo-nos n'al- ma uma sensação de dôr e de prazer, estabele- cendo uma como que analogia entre as doidas illusões de nossa alma, e o prolongado estertor do dia que se debate nas vascas da agonia.

E, emquanto nossa alma se agita no expirar das pérfidas illusões, sob o peso angustioso da triste realidade, as sombras vesperaes, chegando tristemente ao topo florido das montanhas, esten- dem-se atravez do espaço, tornando mais escuro

o fundo violaceo, onde ha pouco, magestosamente declinara o sol, fazendo sobresaír a solitária e casta amiga das noites de insomnia, ostentando mais refulgente o seu collar de innumeraveis con- tas, semelhante a um dilúvio de pérolas radiantes

S. Paulo, Setembro de 1907.

JOANNA DA SILVA SANTOS

ar 5E não fosse a sciencia, quem poderia advi-

nhar que o extenso oceano esconde em sua profundidade explendidos thesouros? Quem po- deria saber, que as espumas que o mar revolto arremessa sobre a alvacenta praia, que suas va- gas empoladas são a coberta de tantas e inapre- ciaveis pérolas e de rubros coraes ?...

Ninguém 1... Assim é o coração humano, que na sua hu-

milde e frágil matéria esconde nobres e elevados sentimentos!...

E se a pérola é o mais precioso thesouro que se occulta na esverdeada esteira do mar, pérola é também o amor materno que é o mais sublime sentimento que o coração abriga.—Mãel... Eis a palavra que resume tudo o que é bom, tudo p que é santo, tudo o que é grandioso ! Anjo tutelar que Deus enviou á terra para con- solar os homens na sua vida crivada de dissabores.

Nossa mãe é qual columna luminosa que nos prevê os perigos, que nos defende das incurias da vida.

Quem nos ensina com terna solicitude a dar os primeiros passos e entreabrir os lábios em in- nocentes sorrisos ? Quem nos ensaia as primei- ras palavras já compostas em fervorosa prece a Deus?... — E' ella, é o ser seraphico, é nossa mãe. Quantos soffrimentos, quantas lagrimas, quantas vigílias por nós?!

Tudo o que uma mãe possue, seus sorrisos, sua ternura, seu coração, é para seus filhos. E, que nos pede ella em troca? nada;—um pouco de affeicção.

Queiramos, portanto, que o fulgido diamante do amor filial, se aproxime do valor da Pérola Amor Materno !

MARIA ADALQISA REBOUçAS l.o anno

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pelegados junlo á piredoria do «Grêmio J^ormalisla pois ds )\goslo» 05

"r^riR

Elpidio Goulart. Maria Araújo. Anna M. H. de Mello. Oscar A. Penteado. Maria Clara Martins. Laura M. de Mello. Ornelio Teani.

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(4.o anno) (2.o armo) (3.o anno) (l.o anno) (l.o anno) (4.o anno) (2.o anno)

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O ESTIMULO 17

RÜY BARBOSM JUE poderei eu escrever em nosso modesto «Es-

^timulo» sobre este homem extraordinário, sobre esta intellectualidade que está fazendo ecli- psar as maiores glorias do mundo civilisado, reuni- das actualmente em Haya, no congresso da Paz?l

Desta mentalidade excepcional que tem sa- bido, e com muita razão, se fazer respeitar no seio desse bemdicto Congresso, que dizer?!

E como não ter elle alcançado este lugar proeminente, si Ruy Barbosa, sobre ser um juris- consulto abalisado, tem ainda por lemma Deus, o direito e a justiça !

E o justo nada teme. E' por isso que esse grande brazileiro tem

se mantido com altivez na defesa dos direitos, não somente do seu paiz, mas ainda dos daquel- les que reclamam justiça!

Pois bem, agora, faltando-me competência para fazer uma verdadeira descripção do invejável estadista, o que outros o farão e com mais van- tagem, limito me a enviar, com todo o enthu- siasmo, um bravo ao meu illustre compatriota.

São Paulo, Seterrbro de 1907.

AURA DE LIMA.

MAQHOLIRS. A' MARIA ADALGISA REBOUçAS

— «Olhíi! Vê como são bailas! ■Não sei explicar-te meu querido Car-

los, mas... eu amo estas flores! —Suas pétalas têm a pallidez suave e vel-

lutinosa das faces de uma virgem morta!.., Ah ! como eu as amo ! »

E Cecília num sorriso elevava a biqueira do pequenino guarda-sol, apontando para as enormes magnolias que brotavam d'entre a fo- lhagem verde negra da magestosa arvore que se erguia no fundo do parque.

— «Está bom, Cecília, espera-me esta noite á janella de teu quarto. Has de recebel-as, mais bellas que nunca... » E Carlos mergu- lhou o seu olhar ardente nas pupillas fulgen- tes de sua noiva...

—«Ah! como és adorável !...» exclamou a moça num verdadeiro transporte de reconhe- cimento.

—«Cecília!... Cecilía!...» interrompeu de súbito uma vóz ao longe.

A moça sorriu-se com trístesa. —«E'hora de separarmo-nos... Chamam-

me... Adeus... E não te esqueças das minhas magnolias cuja pallidez suave e vellutinosa como as faces de uma virgem morta tanto me impressionam!...»

E Cecília afastou-se.

* * *

■—«Minha querida Cecília!...» — «Carlos... meu amor!...» A janella do quarto de Cecília entreabriy-

se suavemente e o vulto da moça assosnou, il- luminado pelo clarão das estrellas.

De uma arvore fronteira á janella, dois braços estenderam-se carinhosamente, e um ramilhete de magnolias, de uma pallidez suave e vellutinosa como as faces de uma virgem morta, foram cahir-lhe aos pés.

—«Obrigada... balbuciou ella cominovída, como tu és bom, Carlos, não sei como ei de agradecer-te... A noite, porem, já vae bem adean- tada... Adeus».

Ella levou a ponta dos dedos aos lábios trêmulos, e um beijo resoou, harmoniosamente, espaço em fora, levado nas azas da aragem prímaveril.

— «Adeus... Cecília... adoro-te» A janella tornou a se fechar, e Carlos

descendo rapidamente a arvore, perdeu-se entre as trevas profundas da noite.

Cecilía seguiu-o com o olhar, atravez das vidraças. Apertando centra o seio as formosas magnolias, ella balbuciou, rindo e chorandoao mesmo tempo de commoção: —«Querido Carlos... corno elle me ama... como eu oado- ro!,,.» E seus lábios poisaram, numa doçura in- finita, sobre as pétalas das magnolias, deixando nellas a graciosa penumbra delles.

Depois, cuidadosamente, depol-as num so- ríso divino, sobre as caçoulas azues dos apa- radores.

* * *

Em frente ao grande espelho de Venezi, Cecilía despia-se pensatívamente.

Aos poucos, a roupagem cerulea e vellu- tinosa que lhe envolvia o talhe alabastiino foi caindo, e Cecília achou-se envolta num rou- pão de rendas Valencíènnes.

A um lado da pequenina alcova, cujo am- biente se achava saturado do aroma penetrante das magnolias, crepitavam velas roseas, cuja luz ia doirar languidamente a figura mimosa e branca da noiva de Carlos.

A cabelleira negrejante desdobrou-se como um espesso manto de azevíche pelas suas es- paduas, contrastando singularmente o ébano

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18 O ESTIMULO

das suas trancas com o alabastro de seus hombros..

Cecília tomou silenciosamente as magno- lias das caçoulas azues aonde jaziam e num gesto facino collocou-as entre as trevas dos cabellos e durante algum tempo mirou-se, á luz das velas, ao espelho.

Um aroma penetrante invadia a alcova. Cccilia sobrâçou as flores carinhosamente, indo- se abrigar entre os lençóes rendados do pe- quenino leito, e cerrou de manso as palpebras.

Passados alguns momentos, Cecilia soer- gueu-se. Ah!... aquelle perfume... aquellas flores I...

—«Carlos... balbuciou ella, as tuas flores fazem-me bastante mal... ah! estas magnolias!..»

De novo contemplou-as á luz vaciilante das velas.

—^Oh! balbuciou ella, como são formo- sas! Quero aconchegal-as bem ao meu seio; são prendas de noivado! As suas pétalas têm a paJlidez suave e vellutinosa das faces de uma virgem morta...»

E como que entorpecida, Cecilia cerrou os olhos, poisou a cabecinha entre as rendas vo- lantes das almofadas azues, e adormeceu!...

Vinha raiando a manhã. Uma faixa rubra estendia-se pelo Oriente,

enquanto o sol vinha assomando, pouco a pouco, e espalhando seus raios.

Um d'elles deslisou até a pequenina alcova de Cecilia.

Ella ainda dormia, abraçada com as flores. As suas faces tinham tomado a pallidez sua-

ve e vellutinosa das faces de virgem morta... Sua alma tinha-se evolado com o perfume

d^llas... com a bellesa d'aquellas flores, presentes de um noivado feliz !... Tinham-se tornado negras, negras como os olhos de Carlos !...

ISABEL VIEIRA DE SERPA. l.o Armo.

"O ESTIMULO" nPODAS as idéas sugeridas no espirito huma- ■*- no, quasi sempre se apagam com o decorrer

dos annos. Rarissimas vezes vemos a realidade d'aquillo

que o nosso espirito prevê. Apezar dessas desillusões a humanidade ca-

minha sempre, encarando essas difficuldades da

vida por um pri-ma suavíssimo, cheio de ven- turas e felicidades.

E' a esperança que nos ha encorajado, ecse lenitivo dos nossos corações, esse balsamo con- solador de todos os entes que mourejam na su- perfície d'este grande planeta.

Pois bem, collegas, instigados pela esperança, por esse incentivo e lenitivo da mocidade, lucte- mos corajosamente pela prosperidade d'essa sym- pathica e luminosa revista, «O Estimulo», que éo nosso guia atravez das bancadas da Escola Normal.

Elle nos descortinará os vastos horizontes no campo da sciencia, e com seus raios luminosos nos mostrará o futuro risonho que nos espera.

Illuminará a nossa intelligencia, dando assim um complemento á obra patriótica do preclaro cidadão Dr. Cezario Motta Júnior.

Sim, porque nós, os alumnos da Escola Nor- mal, que seguimos essa carreira modesta, cujos fins são elevados, somos servidores da Pátria, porque cooperamos para o seu engrandecimento, disse- minando a instrucção na sociedade.

Nós devemos ter sempre «O Estimulo» como nosso guia, para que possamos pôr em pra- tica os nossos mais alevantados ideaes, para que possamos elevar o nome d'esse fecundo e luminoso estabelecimento de ensino, d'onde têm sabido os maiores talentos que até hoje prestaram relevantissimos serviços á instrucção publica de S. Paulo, occupando nella elevados cargos.

E hoje, que é o dia do anniversario da nossa querida revista, devemos cantar um hymno de victoria aos beneméritos e talentosos fundadores d'«0 Estimulo», que souberam, condignamente, dar real valor á obra grandiosa do immortal Gutten- berg, para o qual também devemos arrancar do fun- do do coração um hymno enthusiastico de gloria!

Que a data de hoje se repita por muitos e muitos annos, para que atravez da trajectoria lu- minosa da nossa revista, eu veja os benéficos serviços por ella prestados áquelles que enceta- ram a sua senda modesta nesta Escola.

Sim, porque ao lado das grandes evoluções que sempre soffre a sociedade, a imprensa toma o seu papel mais saliente.

Salve, pois, a auspiciosa data de 25 de Setem- bro, que marca o primeiro anno de gloriosa lucta e de inestimáveis serviços prestados á Escola Normal, pelo nosso sympathico e querido «Es- timulo» !

S. Paulo—Setembro—1907.

ACAGIO DE VASCONCELLOS CAMARGO

l.o anno

Page 20: REVISTA LITERÁRIA DA ESCOLA NORMAL WJiO II

O ESTIMULO 19

A' OLGA COELHO.

ERCAM-ME AS SOMBRAS. PELO AZUL, FORMOSA,

BRANCA, MAIS BRANCA DO QUE UM LYRIO ABERTO,

'CAMINHA A LUA CHEIA VAGAROSA,

NA CURVA CONCHA DO AMPLO CÉO DESERTO.

TUDO É SILENCIO! A NATUREZA OCIOSA,

REPOUSA AGORA A DESLISAR, DECERTO ;

NA AZA PANDA DA BRISA HARMONIOSA,

VÊM-ME AO OUVIDO AS NOTAS DE UM CONCERTO.

NENHUMA ESTRELLA PELO AZUL REBRILHA ;

E SOMENTE DA NOITE A MEIGA FILHA,

ROLA IDEAL NA UMBELLA ERMA E VASIA,

E NO ENTRETANTO SÓ E ANGUSTIADA

MINH'ALMA VÔA EM SONHOS MERGULHADA,

NO MIMOSO REGAÇO DA POESIA !...

30 - JULHO - 907 ISABEL VIEIRA DE SERPA.

INéDITO DAS «PéTALAS SOLTAS». • l.o ANNO.

Quando nasce a aurora que a natura dóra e a avesinha canta; quando já desperto vejo um céo aberto que minh'alma encanta:

ai! virgem donzella como a brisa, anhela, que aromada passa, namorando as flores, dando-lhes mais cores, dando-lhes mais graça!..

Como tudo é ündo neste dia infindo, bello e cristailinc; tudo me parece cor a doce prece lá do Pae Divino!

To my bríde Nênê (F. I. O. A,)

E' neste momento que meu pensamento, cheio de ternura, sente a tua ausência que minha existência enche de amargura.

E' então que eu digo : vem gozar commig^ desta aurora belia; vem com teu sorriso dar-me ura paraíso, vem sonhar donzella.

S. Paulo—Setembro—907

M. MlLANO

* * * % % * * * * *

Page 21: REVISTA LITERÁRIA DA ESCOLA NORMAL WJiO II

20

Pma irf pgilbie O ESTIMULO

A significação da palavra republica que synthetisa em si tudo o que ha de mais bello, tem sido

dada, impropriamente, a certos agrupamentos e até, infelizmente, tomada em sentido errôneo como conjuncto de pessoas livres de mais, sem escrúpulo de espécie alguma, sem leis e respeito aos cos- tumes sociaes O uso, pois, já admittiu mais de uma significação á palavra republica. Não é da republica, fôrma de governo, que concretisa em si a Liberdade, Egualdado e Fraternidade dentro da Lei, que vamos fallar, mas de qual será ?

E' da republica de estudantes. Quem não terá ouvido um conto jocoso que

teve por theatro uma dessas republicas ? Contam-se muitos, e, entre elles, que em

uma das ruas desta capital existia uma republica celebre pelos seus feitos. Occultaremos de pro- pósito, os nomes de seus moradores, attendendo a que ainda vivem entre nós. Como em todos os tempos, havia, aqui um agiota que empresta- va dinheiro a estudantes mediante condições one- rosissimas, sendo que, o peior, era a tal das as- signaturas em estampilhas sem data e papel em branco. Horror!

Uma vez, um estudante dessa republica, re- cebeu uma quantia, em empréstimo sob juro fa- buloso. Não obstante foi pagando, conforme podia, todos os meses. Reflectindo, finalmente, viu que, em poucos meses, já havia dado, em juros, quan- ta maior que o capital. Resolveu, pois, não pa- gar mais nada e disso deu sciencia aos collegas que, por sua vez, deram-lho toda a razão.

No dia do vencimento o estudante chama os c-llegas e lhes diz : —Olhem, prestem-me toda a attenção :

Eu, continua elle, ás 2 horas da tarde deverei morrer, mas só para o Joaquim—dos burros, per- cebem ? Eis ali o meu leito mortuario.

Quando elle. chegar e procurar por mim, digam lhe que morri abençoando-lhe o nome e que o maior sentimento que levava era ter mor- rido sem pagar-lhe, a elle, que sempre me aju- dou como se fosse um Pai. Approximam-se as 2 horas da tarde. O estudante ata um lenço branco em torno da cabeça e outro passando por baixo do queixo a contornar o rosto.

Quatro archotes são accessos aos lados da cama. O estudante estende-se no leito e sobre seu peito é collocado um crucifixo.

Os seus companheiros, fingindo-se pesarosos, o rodeiam.

Batem á porta.—Quem é? Pergunta um es- tudante com voz chorosa.

—Não me conhecem ? sou o Sôr Joaquim. Os estudantes vão chorando recebel-o.

—Então o que é isto ? Estão a chorar ? Coragem, meus rapaze-, mas

o que foi que >uccedeu? — Ah ! senhor Joaquim, o nosso bom com-

panheiro Ricardo morreu esta manhã, e se o sr. soubesse em que condições! Morreu sem deixar um vintém para uma vela para a ultima hora e morreu abençoando o seu nome, dizendo que o sr. lhe serviu de pai e que outro sentimento não levava a não ser o de lhe dever e não lhe poder pagar.

— Pois que, elle disse tudo isso a meu res- peito, era assim tão meu amigo? E eu que não o sabia! Pois bem! Vim para cobrar-lhe a divida, mas em vista disto elle não me deve nada: eis o documento, façam delle o que quizercm.

Mas, snr. Joaquim, disse um dos estudantes, o peior é que fizemos uma sub cripção para o enterro e não arranjamos nada !

Não quererá o sr. auxiliar-nos com alguma cousa ?

—Pois que !? exclama o Joaquim: um ami- go como elle não preci»a de subscripçòes. Aqui estão tresento> mil reis para o enterro. Sinto não poder acompanhai o porque esta tarde devo estar a bordo com destino a Portugal, por isso venha de lá um abraço. Foi-se o sr. Joaquim dos burros, e os estudantes fizeram uma pândega terrível com os tresentos mil reis.

Annos depois, voltando o sr. Joaquim dos burros, encontra-se com o nosso estudante e ex- clama :

Oh! que fortuna, pois não morreste, não é assim? — Eu morria e elle morreu, exclama o estu-

dante. Eu morria de saudades suas, snr. Joaquim, porque sei o quanto foi bom para meu irmão que, quando morreu, como sabe, o snr. lhe per- doou o que elle lhe devia e ainda mandou fazer a sua custa o enterro d'elle ! Elle morreu porque muito necessitava morrer....

Tableau S. Paulo, 9-907.

FRANCISCA ARRUDA. l.o anno

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O ESTIMULO 21

Perfis dos professoronflos

— i —

Grave aspecto, sisudo, pouco conversa. Um impercepti/el senhores é o seu cumprimento diário

aos coliegas. Distrahido (ou cousa parecida), quantas vezes encontramol-o na rua, e elle passa... nem um olhar, nem um adeus! Intelligente, muito intjlligente ; bom orador, muito bom orador.

9

Só chega á Escola á hora da aula, após as quaes se- gue para a casa.

Nas horas de folga senta-se num canto, solitário 8 mudo, e põe-se a lér os jornaes do dia.

Apaixonado por musica; á noite, não dá ponto nos logares onde se possam gozar as delicias de uma orchestra.

— 9 —

Envolto no negrume daquella basta cabelleira occul- ta-se um cérebro de poeta, prosador, de discurseiro, de literato emfim, e até de musico.

Seria optimo alumno si perdesse um grande defeito de pronuncia e estudasse.

Quieto, quietinho. Tem por norma falar muito baixo quando é chamado ás lições; diz elle que é para que os col- iegas não percebam quando expender alguma asneira.

E' bastante exquisito, a ponto de se lhe não conhecer a satisfação ou desagrado.

— 3 —

10

Aquelle coração é ninho de algum amor ; seu silencio o denuncia.

Disseram-nos que lá pelos lados do Braz, onde morava, qualquer cousa o prendia. Isso dizemos com as devidas reservas. Intelligente, mas pouco estudioso, porque vive sem- pre pensando em cousas tristes.

E' um Demosthenes... Quer ter eloqüência, mas não é possível, porque no auge do enthusiasmo... pára. Lamenta- incs lhe o defeito, porque si não o tivesse seria eloqüente até nas palestras intimas e um op;i.riD alumno na aula de inglez.

Modestissmj. Maneja a mathematica com facilidade e proficiência.

Bom rapaz e amigo dos coliegas.

11

Quando você começa a fazer perfis demora muito? Foi esta a pergunta que nos fez um dia; e, em tudo e para tudo, applica esta mesma formula.

Gosta immenso de contar e cantar historias de caipi- ras ; não lhe gabamos o gosto.

— 4 — 12

Sempre de hera, sempre de hera... Porque? Não sabemos. Apaixonado pela Escola, pelo Gtemio.

Rapazinho altinho, moreninho, magrinho, risonhosinho. Fala (quasi sempre mentiras) pelas juntas que tem, isto

é, não fala, canta, pois sua voz mais parece canto de arapon- ga que outra cousa qualquer.

Bom alumno, bom collega, bem amigo.

13 —

Si dissermos aponta-m'a no rnappa! é o quanto basta para dizermos tudo delle, mas vamos adeante.

Para c manejo do crayon não encontra competidor. Era fervoroso amante do palco, que lhe roubava muitas horas de estudo, mas agora, contrariadissimo, abandonou o; só se en- trega aos livros no firme propósito de obter uma distineção este anno. Oxalá que assim seja.

— 6 -

Santa alma, coração bondes J; quem o vê debaixo da- quelle little side hat talvez não imagine isso; mas é.

E' dos taes que, pela muita saudade que tem do lar, no ultimo dia de exame, já está preparado para seguir para Caça... onde, cremos, vae caçar alimento ao coração.

Depois de cursar a Escola Norrral da Campanha pen- sou em ser paulista; para cá veio, e um bom collega e opti- mo camarada está comnosco.

Foi feliz na troca — talvez digamos por sermos paulis- tas e adoradores de S. Paulo.

— 14 —

Quando elle passa as casas tremem, o solo move-se, tal é a força com que piza.

No principio do anno passou um susto quando, em Itapira, gozava mui prosaicamente as ferias; mas foi feliz, e nós também, por não perdermos o amigo e collega.

CARMENO.

— 7 —

Mígnon. Sua estatura physica está em contraposição á intellectual, pois o menino é intelligentissimo e abrem-se-lhe de par em par as portas de um futuro brilhante.

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22 O ESTIMULO

"t ESTIMULO" H E

Com este "TMimérâ completa «O Estimulo» um anno de existência.

Nascido da força de vontade de um grupo de alumnos dedicados, moços que alimentam era seu espirito alevantadas ideas e aspirações sublimes, eil-o, aureolado de glorias e de esperanças risonho, qual barquinha fluctuante, nas ondas encapelladas do tenebroso oceano, sulcando com vagar, porem visando seu desideratum, sem vacillar um só momento na trajectoria traçada e desconhecendo por completo o Impossível!

Vae rompendo, fielmente e de ura modo brilhante, o seu itinerário, encontrando-o, ora, juncado de flores, ora, de espinhos cheio.

Alentado pela dedicação de uns, architectado pela com- munhão de todos os alumnos desta Escola, bem depressa, «O'Estimulo» conseguiu descortinar novos horizontes, tendo ao seu lado a mocidade - alma de um povo, trabalhando para O ideal supremo—o progresso !

Saudo-te, pois, oh ! arena onde se trava a mais renhida das luctas, foco luminoso de onde emana a mais radiante das luzes! Saudo-te, oh ! campo intellectual, onde as pennas se desenvolvem e os talentos se aprimoram ! Saudo-te, oh ! Impressa^ a maior das maravilhas terrenas !

Quantas inspirações perdidas, quantos gênios apagados, quantas intelligencias dormidas teríamos nós, se não abrigás- semos em nosso seio esse porta-voz, esse mensageiro da palavra, que é a nossa Revista, tão modesta na sua confecção material, mas de uma essência verdadeiramente immaculada, que empresta a cada uma das suas paginas o reverbéro da mais pura significação moral, ora, nas pétalas da poesia, ora, nos encantos da prosa?!

Congratulando-me, pois, com o mui esforçado corpo de Redacção que constituo o sustentaculo d' «O Estimulo» e, embalado nas mais fagueiras esperanças, faço votos para que as roseas palmas, colhidas no presente, sejam o incentivo de grande prosperidade, tendo por escopo a palavra—AVANTE!

Escola Normal,—9-07

)\nivbal de JVÍsllo

O ensino abstracto e o concreto

Desde ha muito que se tem combatido o en- sino abstracto nas escolas de principiantes e isso tem a sua razão de ser. Conforme as lições que temos recebido do iilustrado lente da cadeira de Pedagogia, desde o principio do anno até o pre-

sente, chegamos á conclusão de que o ensino infantil tem de materialisar as idéas que se trans- mittem ao educando. Não disse em vão que a reacção contra o ensino abstracto já data de mui- to tempo; pois, em eras remotas, Comenius pro- nuncia-se a esse respeito, insistindo na celebre phrase de Aristóteles, que vemos reproduzida pe- los illustres pedagogistas mcdernos :—«NiJiil est in intellectu quod non prius fuerit in sensu, isto é, nada existe na intelligencia que não tenha passado primeiro pelos sentidos».

O ensino abstracto, pois, que se contrapõe á lei fundamental da Pedagogia, da analogia entre a evolução do indivíduo e a da espécie, não produz o resultado pedido pela sciencia da Educação.

Dar o ensino abstracto, é lançar uma se- mente no terreno, sem as condições para que ella germine.

Tomemos para assumpto uma fructa que o alumno jamais viu. Descrevamos-lh'a juntamente com a sua parte utilitária; o alumno, porém, que só está apto para o concreto, não se impressio- na com o objecto e apenas poderá reter na me- mória a nossa explicação pelo processo mecha- nico tão usado na recitação de poesias—a repe- tição inconsciente. Comenius dizia: não basta dar a explicação de uma cousa ao alumno, é de necesidade impressionar as suas faculdades, pois- que assim o mestre seria mais bem comprehen- dido, e a lição profícua. Recentemente appare- ceram as lições de cousas, ensino de uma impor- tância capital para a educação da infância ; taes lições traduzem literalmente o pensamento do pedagogista a que tenho-me referido repetidas vezes. Pode, porém, dar se o caso de que não se possa apresentar o objecto ao alumno, c neste particular, de accordo com a cadeira de Pedago- gia, um ou mais fraçrnientos desse objecto suffi- cientemente o substituirão: um ramo traz ao alumno a lembrança da arvore, ficando-se-lhe desenhada no espirito; a lã traz á idéa a figura do animal que a produz. Este processo que concretisa a idéa afim de ser mais accessivel á creança, é incontestavelmenle o mais profícuo, trilhando o exemplo que a própria natureza nos dá. Analogicamente pode-se estabelecer tal ou qual correlação entre este processo e o de en- sinar a lêr.

O ensino da leitura pelos elementos abstrac- tos da palavra, introduzido desde epochas imme- moriaes e chegado até os tempo~ recentes, senão ainda em voga entre nós, correlaciona-se com o primeiro processo de ensino, isto é,o ensino abs- tracto, por is^o que se procura, em primeiro logar, materialisar o som por um caracter representati- vo de um elemento omstitutivo do vocábulo.

Percebendo o aprendisando a dífferença ex- traordinária que vae entre o som e o seu respec- tivo symbolo, apressa-se em decorar tanto quan-

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O ESTÍMULO 23

to possível esse caracter e o som correspondente, no que gastará muito tempo.

Superada essa diffículdade, tem elle de sub- metter-se a uma outra, a de combinar os sons que se fundem em um único—syllaba ; lança mão de novo do processo mechanico, e assim até compor palavras. D'ahi se conclue que todo es- forço dispendido pelo alumno, de pouco lhe va- leu : desenvolveu-lhe a memória, mas não o ra- ciocínio.

O ensino immediato da palavra, ou methodo da palavração, que a velha rotina infelizmente tem combatido, vem supprir as lacunas deixadas pelo methodo anterior. É' elle mais feliz em suas con- cretisações, porque, longe de concretisar os sons em symbolos isolados sem significação alguma, fal-o em palavras, cujo conceito o menino já conhece.

E' mais fácil o alumno guardar na me- mória a palavra honiem., do que os seus elemen- tos constitutivos h-o-m e-m. E' evidente que, por este methodo, o trabalho se reflecte mais no pro- fessor em proveito do alumno que, de uma só vez, começa a desenvolver a memória e o racio- cionio; e, como o mesmo methodo éo producto racional da evolução pedagógica atravez de sécu- los colhendo as lições da natureza e da expe- riência methodologica, e systematisando-as de ac- cordo com as suas regras e leis, devemos e>colhel-o para a nossa pratica, conscientes de que iremos prestar relevantes serviços á infância que desponta.

ELPID10 GOULART.

hOTKIRRIO Grêmio jNforirialisla pois de )\goslo

SETE DE SETEMBRO

Com todo o brilhantismo realisou-se no dia 6 do cor- rente, a commemoração civica, promovida por esta associação, á data da Independência do Brasil. O salão do Jardim da Infância estava primorosamente ornamentado, apresentando um aspecto encantador—bandeiras nacionaes, festões e flores, tudo disposto com gosto e symetria.

A's duas horas da tarde entraram no salão o Dr. Alfredo de Brito, Director da Faculdade de Medicina da Bahia e Pre- sidente do Sexto Congresso Brasileiro de Medicina e Cirurgia;

d^e esar

jrreü Sngada salva de

Dr. Emilio Ribas, Director d e muitos congressistas; Dr Normal, Dr. Oscar de S, Benevides, Prcf. José professorando Oscar G tomou a presidência da Brito. Este deu a palavi de Siqueira que, num breve, sobre o sete de setembro, merec? palmas. O professorando Miguel Milano recitou com muita expressão a poesia Adeus de Gonzaga, de José Bonifácio. As professorandas Lucinda Rarr.os Pinto, Maria Augusta de Siqueira, ao piano, e Sarah Ribeiro, no bandolim, executaram bellissima peça musical.

As senhoritas Italina de Oliveira Arruda, Leopoldina Gomes Ribeiro, Luiza Pessanha, Maria José de Camargo e Snrs. José Bonifácio Ramos Pinto e Fernando di Lorenzo, exe« cutaram em bandolins, o Giorno Desiato, de G. Branzoli.

Três magníficas poesias foram recitadas pelas senhori- tas Benedicta Vasconcellos, em portuguez, Marietta Ribas, em francez, e Agalma Rodrigues, em inglez.

Terminado o programma o Dr. Oscar Thompson sau- dou os illustres membros do Congresso Medico, na pessoa de seu presidente, Dr. Alfredo de Brito, que respondeu agrade- cendo e manifestando-se enthusiasmado pela visita que, com seus collegas, acabava de fazer á Escola Normal, onde en- contrava, disse elle, um exemplo digno dfc ser imitado peles outros Estados do Brasil.

Promoveram esta festa commemoraliva, os sócios do Grêmio, senhoritas:—Elza Madeira, Sebastiana Martins, Emilia Pereira Borges, Maria Patarra, e Snrs. Deocleciano Pontes, Antônio Ferreira de Almeida Júnior, João de Moura Guimarã- es e Elpidio Goulart, que merecem francos applausos pelo bri- lhantismo com que solemnisaram tão importante data.

paul poumer

Com uma deslumbrancia e imponência inexcediveis, realisou-se no dia 16 do corrente, uma festa literario-musical, no Jardim da Infância, promovida pela Escola Normal, em honra ao illustre estadista francez sr. Paul Doumer, por oc- casião da sua visita á nossa Escola.

O vasto hall do Jardim da Infância, artisticamente or- namentado, era oecupado por numeroso e selecto auditório.

Entre as pessoas presentes se achavam os srs. Presi- dente do Estado, Secretários do Interior, da Fazenda, da Agri- cultura, sr. Henri Turot, companheiro de viagem do sr. Doumer, commissões de alumnos das Escolas da Capital e grande numero de distinetas famílias.

A's 4 horas da tarde o sr. Dr. Oscar Tompson, direc- tor da Escola, declarou aberta a sessão, dando-se, então, co- meço ao seguinte programma, cujo desempenho excedeu & espectativa geral:

1. LA MARSEILLAISE, par les élèves. 2. COMPUMENTS DE BIENVENUE, par Mr. Paula Souza. 3. PETITE CAUSERIE SUR I,'EDUCATION CIVIQUE, par Mr. Josi

Feliciano. 4. QUELÇUES IDÉES PUISÉES DANS LE «LlVRE DE MÊS FILS»,

par Télève Artindo Pinto da Silva. 5. PETITS PAYSANS, E. Missa, par les élèves. 6. TROIS SONNETS de SULLY PRUDHOMME, par Télève LeO'

wigildo Martins. 7. LE LINOT (fable de FLORIAN), par Télève Sebastian*

Martins. 8. LA FRANCE (trois sonnets de SULLY PRUDHOMME), paf

Télève Gustavo Kuhlmann. 9. LA BESACE (fable de LA FONTAINE), par Télève Annã

Rosa Ferreira.

Page 25: REVISTA LITERÁRIA DA ESCOLA NORMAL WJiO II

24 O ESTIMULO

10: HYMNE NATIONAL, par les élèves, Terminada a execução deste programma, foi dada a

palavra ao sr. Doumer que, com a magia do seu verbo ima- ginosa e fluente, encantou o seleoto e numeroso auditório, durante uma hora, discorrendo bellissimamente sobre A edu- cação da mocidade.

Ao terminar foi o sr. Doumer saudado por uma estre- pitosa salva de palmas, ouvindo-se ao mesmo tempo, enthu- Siasticos vivas á França, ao Brazil, ao sr. Doumer e á Es- cola Normal.

E assim terminou essa bellissima sessão literário mu- sical que, como disse o sr. Doumer, foi a brilhante apotheose das festas que o Estado de S. Paulo promoveu em sua honra.

Grêmio J^íormalista pois de )\goslo

EDITAES

De ordem do Sr. Oscar Guilherme, Presi- dente deste Grêmio, convoco uma assembléa ge- ral extraordinária para o dia 16 de Outubro, quarta-feira, ás 3 horas da tarde, no salão nobre ria Escola Normal. Nessa sessão será eleita a Directoria do Grêmio para 1907-1908.

Convido todas as alumnas da Escola a com- porecerem.

Escola Normal de São Paulo, aos 30 de Setembro de 1907.

A SECRETARIA, Angela Gonçalves Dente.

De ordem do Sr. Oscar Guilherme, convoco uma sessão extraordinária para o dia 16 de Ou- tubro, quarta-feira, ás 3 horas da tarde, em o salão nobre desta Escola. Será, nessa sessão, e- leila a futura Directoria do Grêmio, cujo manda- to irá até Outubro de 1908.

Convido todos os alumnos da Escola a com- p irecerem.

Escola Normal de São Paulo, aos 30 de Setembro de 1907.

O SECRETARIO Leowigildo Martins

Dr. Oscar Thompson Para os rápidos traços biographicos do nos-

so illustre Director, servimo-nos de um trabalho do Prof. Arnaldo Guilherme, publicado na revis- ta «Nevoas» de 2 de Agosto de 1902.

Anniversarios — No dia 6 de Setembro completou mais

um anno de existência a senhorita Sebastiana Martins, talentosa alumna do 2.° anno da nossa Escola.

— No dia 25 de Setembro fez annos o nos- so collega de redacção Arlindo Pinto da Silva, do 2.° anno da Escola Normal.

— A 4 de Outubro o nosso collega Mario da Rocha Alvares, do 1.° anno.

* IMPRENSA * Recebemos e agradecemos a visita dos seguintes im-

pressos:

Capital A sympathica revista «A Suavisadora*, O Boletim

do Instituto de Sciencias e Letras; O Marco, orgam dos moradores do Belemzinho; O Kstio, jornalzinho de literatura e humorismo, e a brilhante Revista do Professorado Publico.

Jflterior

O Republica, de !tú; O Cruzeiro do Sul de Soro- caba ; e a Gazeta do Jahú, de Jahú;

£stados

O Popular, de Santa Maria, Rio Grande do Sul; O Luctadoi, revista literária, de Morretes, Estado do Paraná; O Copacabana, de Copocabana, Rio de Janeiro; O Traba- lho, de Fortaleza, Estado do Ceará.

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