Supremacia papal nos escritos ante-nicenos?

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    Supremacia papal nos escritos ante-nicenos?

    A suposta "supremacia papal" antes do Conclio de Niceia

    Segundo o Cardeal John Henry Newman (1801-1890), na sua obra Ensaio sobre o

    desenvolvimento da doutrina crist que publicou imediatamente depois de deixar aIgreja de Inglaterra e ingressar na Igreja de Roma (1845), os textos patrsticospr-nicenos sobre a supremacia do Papa, embora escassos, so mais numerosos eprecisos que aqueles que permitem defender a presena real na eucaristia.

    Esta confisso bastante significativa vindo do Cardeal Newman, cujo domnio dapatrstica era assinalvel. Em todo o caso, os textos ante-nicenos quesupostamente tratam da supremacia papal (ou seja, do bispo de Roma) tambmno resultam muito prometedores para a posio romanista.

    A Epstola de Clemente aos corntios

    O documento patrstico mais antigo devido a um bispo de Roma sem dvida aPrimeira Carta aos Corntios de Clemente, que data de finais do sculo I. O sbiobispo escreveu uma extensa epstola por causa de distrbios dentro da igrejacorntia contra os seus pastores legtimos. Este documento foi muito apreciado naantiguidade, a ponto que foi um candidato a ser includo dentro do cnon do NovoTestamento. Pode-se ler a carta de cima abaixo, detalhadamente, e no se acharvestgios de nenhuma conscincia de supremacia; simplesmente, o desejofervoroso de um santo bispo de que se restabelecesse a paz na turbulenta igrejacorntia. Clemente ensina, admoesta, exorta; o que nunca faz ordenar nem apelar sua investidura como argumento.

    Ireneu pe Roma como exemplo, mas nada diz da supremacia do seu bispo

    O ilustre bispo susteve contra os hereges do seu tempo que a Igreja universal(catlica) de Cristo expressa em todas as congregaes locais dispersas pelomundo, cumpriam fielmente a sua misso de ser "coluna e fundamento da verdade"ao preservar, proclamar e transmitir a autntica tradio dos Apstolos, com maiorou menor eloquncia mas com uma mesma fidelidade. Diz Ireneu:

    "Est portanto dentro da capacidade de todos os que queiram ver a verdade,contemplar claramente em toda a Igreja a tradio dos Apstolos manifestada nomundo inteiro; e estamos em posio de reconhecer aqueles que pelos apstolos

    foram constitudos bispos nas Igrejas, e a sucesso destes homens at aos nossostempos; aqueles que nem ensinaram nem conheceram nada como os desvariosdestes [os hereges]. Pois se os Apstolos tivessem conhecido mistrios ocultos, osquais costumavam dar aos "perfeitos" parte e separadamente do resto, eles osentregariam especialmente queles a quem estavam confiando as prprias Igrejas.Pois eles [os Apstolos] estavam desejosos de que estes homens fossemperfeitssimos e irrepreensveis em tudo, aqueles que deixaram aps si como seussucessores, entregando o seu prprio lugar de governo a estes homens; os quais,se cumprissem as suas funes honestamente, haveriam de ser um benefcio, masse apostatassem, a pior calamidade.

    Uma vez que seria muito entediante num volume como este enumerar as sucessesem todas as igrejas, indicamos a tradio derivada dos apstolos e a f proclamada

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    aos homens, transmitida at aos nossos dias por meio das sucesses de bispos,como se sustenta na grande, antiga e universalmente renomada igreja que foiestabelecida em Roma pelos dois mais gloriosos apstolos Pedro e Paulo. Destemodo confundimos todos aqueles que de qualquer forma sustentam reunies noautorizadas por malvada auto-determinao ou vanglria ou cegueira e errneo

    juzo. Com esta igreja, por causa da sua superior autoridade, toda a igreja deveconcordar isto , os fiis em todos os lugares, toda a igreja na qual a tradioapostlica foi preservada pelos fiis em todos os lugares" [Adv Haer III, 3:1-2].

    Dever-se- notar aqui que no h ponta de evidncia no Novo Testamento de que aIgreja de Roma tenha sido fundada por Pedro ou por Paulo, porm o argumento vlido. Ireneu, que provinha da sia Menor e era bispo de Lyon, tomou a Igreja deRoma, de antiguidade e prestgio indiscutveis, como o paradigma de umacongregao fiel doutrina dos Apstolos, como por outro lado o eram todas asdemais Igrejas dispersas pelo Imprio.

    Note-se que no h apelao a alguma autoridade nica e suprema do bispode Roma. J antes na mesma obra, Ireneu tinha esgrimido essencialmente omesmo argumento acerca da ortodoxia da igreja universal ou catlica:

    "A Igreja, apesar de dispersa por todo o mundo, at aos confins da terra, recebeudos apstolos e dos seus discpulos esta f: num Deus, o Pai Omnipotente, Fazedordo cu, e da terra, e do mar, e de todas as coisas que neles h; e num CristoJesus, o Filho de Deus, que encarnou para nossa salvao; e no Esprito Santo, queproclamou atravs dos profetas as dispensaes de Deus, e as vindas, e onascimento de uma virgem, e a paixo, e a ressurreio dentre os mortos, e aascenso na carne aos cus do amadssimo Cristo Jesus, nosso Senhor, e a sua

    manifestao desde o cu na glria do Pai, "para reunir todas as coisas numa" epara ressuscitar toda a carne da raa humana inteira, de forma que perante CristoJesus, nosso Senhor, e Deus, e Salvador, e Rei, segundo a vontade do Pai invisvel,"todo o joelho se dobre, das coisas no cu, e das coisas na terra e das coisasdebaixo da terra, e toda a lngua o confesse" a Ele, e que Ele execute o justo juzode todos; que Ele possa enviar as impiedades espirituais e os anjos queprevaricaram e se tornaram apstatas, juntamente com os mpios, e injustos, emalvados, e profanos de entre os homens, para o fogo eterno; mas possa, emexerccio da sua graa, conferir imortalidade aos justos, e santos, e queles queguardaram os seus mandamentos, e perseveraram no seu amor, alguns desde oprincpio e outros desde o seu arrependimento, e possa rode-los com sempiterna

    glria.

    Como j observei, a Igreja, tendo recebido esta pregao e esta f, apesar dedispersa pelo mundo inteiro, mesmo assim, como se no ocupasse seno umacasa, a preserva cuidadosamente. Ela tambm cr estes pontos exactamente comose possusse uma s alma, e um e idntico corao, e ela os proclama, e os ensina,e os transmite, com perfeita harmonia, como se possusse uma s boca. Pois aindaque as linguagens do mundo sejam distintas, o contedo da tradio um s eidntico. Pois as igrejas que foram plantadas na Germnia no crem nemtransmitem nada diferente, nem aquelas de Espanha, nem aquelas nas Glias, nemaquelas do Oriente, nem aquelas do Egipto, nem aquelas na Lbia, nem aquelas que

    foram estabelecidas nas regies centrais do mundo. Mas como o sol, essa criaturade Deus, um s em todo o mundo, assim tambm a pregao da verdade

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    resplandece em todos os lugares, e ilumina todos os homens que esto dispostos avir a um conhecimento da verdade. Nem nenhum dos governantes das Igrejas, semimportar quo dotado possa ser no tocante eloquncia, ensina doutrinasdiferentes destas (pois ningum maior do que o Mestre); nem, por outro lado,quem seja deficiente em poder de expresso infligir dano tradio. Pois sendo

    sempre a f uma s, nem algum que capaz de dissertar sobre ela lhe far adioalguma, nem a diminuir quem possa dizer pouco" [Adv Haer I, 10, 1-2].

    Aqui interessante observar o resumo que Ireneu formula da f apostlica ecatlica; coisas todas elas que se ensinam claramente nas Escrituras e queso cridas hoje nas Igrejas evanglicas. Em outro lado apresenta tambm umaespcie de credo, e depois continua com uma exposio do ensino cristo baseadonas Escrituras [Adv Haer III, 4, 2ss]. Por ltimo, Ireneu no se cansa de afirmarque nas Igrejas crists, estabelecidas pelos Apstolos e por aqueles que lhessucederam no pastorado, onde se achar a exposio fiel da doutrina apostlicaque se encontra nas Escrituras.

    "O verdadeiro conhecimento a doutrina dos Apstolos, e a antiga constituio daIgreja em todo o mundo, e a manifestao distinta do Corpo de Cristo conforme assucesses dos bispos, pelas quais eles transmitiram aquela Igreja que existe emtodos os lugares, e chegou at ns, sendo guardada e preservada sem nenhumafalsificao de Escrituras, por um sistema muito completo de doutrina, e semreceber adio nem subtraco; e a leitura [da Palavra] sem falsificao, e umaexposio lcita e diligente em harmonia com as Escrituras, sem perigo nemblasfmia, e o preeminente carisma do amor, o qual mais precioso do que oconhecimento, mais glorioso do que a profecia, e que excede todos os outros dons"[Adv Haer IV, 33,8].

    Ora, o que Ireneu dizia no sculo II no sustentvel depois dos cismas do orientee ocidente, pelo menos no no sentido que o nobre bispo lhe deu. Para alm disso,as igrejas evanglicas crem nas coisas que segundo Santo Ireneu eram o ncleoda f sustentada em todos os lugares.

    A controvrsia pascal do sculo II e como o bispo de Roma teve que

    reconsiderar

    O testemunho de Ireneu acerca da Igreja de Roma pode entender-se melhor luzdesta controvrsia e do papel que coube ao bispo de Lyon em restaurar a paz.

    No Livro V, Captulos 23 ao 25, da sua Histria Eclesistica, Eusbio de Cesareiaapresenta um relato da controvrsia pascal, por causa das diferenas entre a formade observar a Pscoa dos bispos asiticos e outros, includo o de Roma, Vtor. Oasitico Polcrates escreveu a Vtor:

    "Ns, pois, celebramos intacto este dia, sem acrescentar nem tirar nada. Porquetambm na sia repousam grandes luminrias ... Felipe ... Joo, o que se recostousobre o peito do Senhor ...repousa em feso. E em Esmirna, Policarpo, bispo emrtir. E Traseas, tambm ele bispo e mrtir ... repousa em Esmirna. E precisofalar de Sagaris, bispo e mrtir, que descansa em Laodiceia, assim como do bem-aventurado Paprio e de Melito, o eunuco, que ... repousa em Sardes esperando a

    visita que vem dos cus no dia em que ressuscitar dentre os mortos? Todos estes

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    celebraram como dia da Pscoa o da dcima quarta lua, conforme o Evangelho, eno transgrediam, mas seguiam a regra da f.

    E eu mesmo, Polcrates, o menor de todos vs, [sigo] a tradio de meus parentes... Sete parentes meus foram bispos, e eu sou o oitavo... Portanto, irmos, eu, com

    os meus sessenta e cinco anos no Senhor, que conversei com irmos procedentesde todo o mundo e que recorri toda a Sagrada Escritura, no me assusto com osque tratam de impressionar-me, pois os que so maiores do que eu disseram:Importa mais obedecer a Deus do que aos homens ... Poderia mencionar os bisposque esto comigo, que vs me pedistes que convidasse e que eu convidei. Seescrevesse os seus nomes, seria demasiado grande o seu nmero. Eles, mesmoconhecendo a minha pequenez, deram o seu comum assentimento minha carta,sabendo que no em vo que trago os meus cabelos brancos, mas que semprevivi em Cristo Jesus".

    Eusbio diz que em resposta Vtor, bispo de Roma, "tentou separar em massa da

    unio comum todas as comunidades da sia e as igrejas limtrofes, alegando queeram heterodoxas, e publicou a condenao por meio de cartas proclamando quetodos os irmos daquela regio, sem excepo, estavam excomungados. Mas estamedida no agradou aos bispos, que por sua parte exortavam-no a ter emconta a paz e a unio e a caridade para com o prximo. Conservam-se inclusive aspalavras destes, que repreendem Vtor com bastante energia".

    Uma de tais enrgicas cartas foi escrita por Ireneu, bispo de Lyon, admirador daIgreja de Roma (ver mais acima) e partidrio da posio de Vtor quanto celebrao pascal mas no do seu proceder contra os asiticos. Eis aqui o que citaEusbio:

    "Efectivamente, a controvrsia no somente sobre o dia, mas tambm sobre aprpria forma do jejum, porque uns pensam que devem jejuar durante um dia,outros que dois e outros que mais; e outros do a seu dia uma medida de quarentahoras do dia e da noite. E uma tal diversidade de observantes no se produziuagora, em nossos tempos, mas j muito antes, sob nossos predecessores, cujoforte, segundo parece, no era a exactido, e que forjaram para a posteridade ocostume em sua simplicidade e particularidade. E todos eles nem por isso viverammenos em paz uns com os outros, tanto quanto ns; o desacordo quanto ao jejumconfirma o acordo quanto f. ... Entre eles, tambm os presbteros antecessoresde Sotero, que presidiram a igreja que tu reges agora, quero dizer Aniceto, Pio e

    Higinio, assim como Telsforo e Sixto: nem eles mesmos observaram o dia nempermitiam aos que estavam com eles escolher, e nem por isso eles mesmos, queno observavam o dia, viviam menos em paz com os que procediam das igrejas emque se observava o dia... E nunca se rechaou ningum por causa desta forma,antes, os prprios presbteros, teus antecessores, que no observavam o dia,enviavam a Eucaristia [em sinal de comunho] aos de outras igrejas que oobservavam. E encontrando-se em Roma o bem-aventurado Policarpo nos temposde Aniceto, surgiram entre os dois pequenas divergncias, mas em seguidaestavam em paz, sem que sobre este captulo se querelassem mutuamente, porquenem Aniceto podia convencer Policarpo a no observar o dia como sempre ohavia observado, com Joo, discpulo de nosso Senhor, e com os demais apstolos

    com quem conviveu -, nem tampouco Policarpo convenceu Aniceto a observ-lo,pois este dizia que devia manter o costume dos presbteros seus antecessores. E

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    apesar de estarem assim as coisas, mutuamente comunicavam entre si, e na IgrejaAniceto cedeu a Policarpo a celebrao da eucaristia, evidentemente por deferncia,e em paz se separaram um do outro; e toda a Igreja tinha paz, tanto os queobservavam o dia como os que no o observavam".

    (Citaes da edio preparada por Argimiro Velasco Delgado; Madrid: BAC, 1973).Cipriano de Cartago

    Diversos textos do bispo de Cartago citam-se como supostos testemunhos dosculo III a favor da supremacia papal; por exemplo, a sua declarao na Epstola54 a Cornlio acerca de certos hereges:

    "Depois de tais coisas como estas, ainda se atrevem tendo sido nomeado paraeles um falso bispo pelos hereges - a embarcar e levar cartas de pessoas cismticase profanas ao trono de Pedro, e Igreja principal onde a unidade sacerdotal tem asua fonte; e a no considerar que estes foram os romanos cuja f foi louvada na

    pregao pelo Apstolo, aos quais a falta de f no podia aceder".

    Elogiosas palavras que, se se tomarem fora do contexto, parecem dizer mais doque So Cipriano quis. Com efeito, o bispo e mrtir continua dizendo:

    "Mas qual foi a razo da sua vinda e anncio da feitura do pseudo-bispo emoposio aos bispos? Porque eles ora esto satisfeitos de como fizeram as coisas, epersistem na sua impiedade; ou, se esto descontentes e se retratam, sabem paraonde podem voltar. Porque, como foi decretado por todos ns e igualmenteequnime e justo - que o caso de cada um seja ouvido ali onde o delito foicometido; e uma poro do rebanho foi confiada a cada pastor individual, a qual ele

    deve dirigir e governar, devendo dar conta dos seus actos ao Senhor; certamenteno corresponde queles sobre quem estamos o correr por a nem quebrantar aunidade dos bispos com a sua artificiosa e enganosa precipitao, mas o apresentara sua causa ali onde eles podem ter tanto os acusadores como as testemunhas doseu crime; a menos que porventura parea demasiado pouco a uns poucos homensabandonados e desesperados a autoridade dos bispos de frica, que j os julgarame finalmente condenaram, pela gravidade do seu juzo, estando a conscinciadaqueles atada em muitas ligaduras de pecado. O seu caso j foi examinado, a suasentena j foi pronunciada; nem convm dignidade dos sacerdotes ser culpadospela leveza de uma mente mutvel e inconstante, quando o Senhor ensina e diz,"Que o teu sim seja sim, e que o teu no seja no".

    Em outras palavras, depois dos seus elogios So Cipriano diz muito claramente queo caso destes hereges no deve ser julgado por Roma, j que isso , de comumacordo entre os bispos (e no por algum dictum papal) prerrogativa dos bispos emcuja sede se cometeu o delito.

    Os bispos africanos rectificam um erro do bispo de Roma

    E que este e no outro o sentido das suas palavras no somente se depreende docontexto, fica claramente demonstrado em primeiro lugar por um incidente apropsito da destituio de dois bispos ibricos. Os bispos depostos apelaram a

    Estvo e obtiveram deste o apoio para a sua restaurao. No entanto, aqueles quetinham deposto os bispos apelaram a Cipriano e aos bispos africanos, que

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    ratificaram a condenao dos bispos depostos. Este ltimo critrio foi o queprevaleceu, e no o do bispo romano Estvo:

    "Consequentemente alguns dos seus companheiros bispos se puseram do seu lado,mas os outros levaram o caso perante So Cipriano. Uma assembleia de bispos

    africanos convocada por ele renovou a condenao de Baslides e Marcial, e exortouo povo a entrar em comunho com os sucessores deles. Ao mesmo tempo, [osbispos africanos] se esmeraram em assinalar que Estvo tinha actuado como otinha feito porque situado distncia, e ignorante dos verdadeiros factos do casotinha sido enganado por Baslides."

    Horace K. Mann, Pope St. Stephen I (Catholic Encyclopedia, vol. XIV)

    Em bom portugus, com toda a delicadeza os africanos "desculparam" Estvo porter sido vtima de um engano por causa da sua ignorncia da verdadeira situao.

    A controvrsia baptismal

    Em segundo lugar, pela atitude que Cipriano e os demais bispos africanos, alm domais clebre bispo da sia, Firmiliano, adoptaram quando Estvo, o bispo deRoma, quis impor a sua opinio acerca do baptismo dos hereges. Que fosse Estvoou Cipriano quem tinha razo no relevante; o facto que a autoridade dobispo de Roma no era tida por inquestionvel, nem de longe, pelo resto dosbispos.

    Eis aqui o que diz Cipriano:

    "... j que quiseste que o que Estvo, nosso irmo, respondeu s minhas cartas,

    fosse posto em teu conhecimento, enviei-te uma cpia da sua resposta; ao ler aqual observars mais e mais o seu erro em esforar-se por sustentar a causa doshereges contra os cristos, e contra a Igreja de Deus... Ele proibiu que algum queproviesse de qualquer heresia fosse baptizado na Igreja; ou seja, julgou o baptismode todos os hereges como justo e legtimo... E insistiu em que nada se inovasse ...;como se fosse um inovador quem, mantendo a unidade, defende para a nicaIgreja um nico baptismo; e no manifestamente o fosse quem, esquecendo aunidade, adopta as mentiras e o contgio de uma lavagem profana... De onde esta tradio? At que ponto descende da autoridade do Senhor e do Evangelho, oudos mandamentos e epstolas dos apstolos? ... De modo que ningum devedifamar os apstolos como se eles tivessem aprovado o baptismo dos hereges, ou

    tivessem tido comunho com eles sem o baptismo da Igreja, quando eles, osapstolos, escreveram semelhantes coisas dos hereges... que obstinao , ou quearrogncia, preferir a tradio humana ordenana divina, e no observar queDeus est indignado e furioso todas as vezes que a tradio humana relaxa esubstitui os preceitos divinos [cita Isaas 29:13; Marcos 7:13; 1 Ti 6:3-5].

    Certamente uma excelente e legtima tradio disposta diante de ns por nossoirmo Estvo, a qual pode conceder-nos uma adequada autoridade! Pois nomesmo lugar da sua epstola ele acrescentou e continuou: 'J que aqueles que soespecialmente herticos no baptizam os que vm a eles de uns para outros, masos recebem em comunho.' A este ponto de maldade chegou a Igreja de Deus e

    Esposa de Cristo, que segue os exemplos dos hereges; que com o propsito decelebrar os sacramentos celestiais, a luz deva obter a sua disciplina das trevas, e os

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    cristos devam fazer o que fazem os anticristos. Mas o que esta cegueira daalma, o que esta degradao da f, a de recusar-se a reconhecer a unidade queprovm de Deus Pai, e da tradio de Jesus Cristo o Senhor e nosso Deus!?

    ... Mas como nenhuma heresia, e igualmente nenhum cisma, estando fora [da

    Igreja] pode ter a santificao do baptismo que salva, por que que a amargaobstinao de nosso irmo Estvo irrompeu at ao ponto de sustentar que nascemfilhos de Deus do baptismo de Marcio, ou at mesmo, de Valentino e Apeles, e deoutros que blasfemam contra Deus o Pai; e de dizer que a remisso dos pecados concedida no nome de Jesus Cristo onde se vociferam blasfmias contra o Pai econtra Cristo, o Senhor Deus?" [Ep. 73 a Pompeu]

    Por seu lado Firmiliano, bispo de Cesareia da Capadcia, concorda de todo ocorao com o africano, compara Estvo com Judas, e afirma como coisa sabidade todos que a Igreja de Roma no mantm em tudo as tradies originais:

    "Excepto que podemos neste assunto agradecer a Estvo, que foi agora atravs dasua descortesia que recebemos a prova da tua f e sabedoria. Mas ainda quetenhamos recebido o favor deste beneficio por causa de Estvo, certamenteEstvo nada fez que merea amabilidade e agradecimento. Pois Judas tambmno pode considerar-se digno por sua perfdia e traio com a qual impiamenteprocedeu em relao ao Salvador, como se ele tivesse sido a causa de to grandesvantagens, que atravs dele o mundo e os gentios fossem libertados pela paixo doSenhor.

    Mas deixemos de momento estas coisas que foram feitas por Estvo, no seja querecordando a sua audcia e orgulho tragamos uma tristeza mais duradoura sobrens por causa das coisas que impiamente fez. E sabendo, em relao a ti, que tuconcluste o assunto... demos graas a Deus que achmos em irmos to distantestal unanimidade de f e verdade.

    E certamente, em relao ao que Estvo disse, como se os apstolos proibissemque fossem baptizados os que vm da heresia, e tivessem entregue isto tambmpara ser observado pelos seus sucessores, tu respondeste abundantissimamente,que ningum to tolo para crer que os apstolos transmitiram isto, quando bemsabido que estas mesmas heresias, execrveis e detestveis como so, surgiramsubsequentemente...

    Mas que os que esto em Roma no observam em todos os casos aquelas coisas

    que foram transmitidas desde o princpio, e vmente pretendem a autoridade dosapstolos; qualquer um pode sab-lo tambm do facto que, em relao celebrao da Pscoa, e em relao a muitos outros sacramentos de assuntosdivinos, pode ver que h algumas diferenas entre eles, e que nem todas as coisasso observadas igualmente entre eles, como so observadas em Jerusalm, domesmo modo que em muitas outras provncias tambm muitas coisas so variadasdevido diferena dos lugares e nomes. E no entanto, nem por isso h separaoda paz e da unidade da Igreja Catlica, como a que Estvo se atreveu agora arealizar; quebrantando a paz contra vs, a qual os seus predecessores mantiveramsempre convosco em mtuo amor e honra, at difamando, com isto, os benditos

    apstolos Pedro e Paulo, como se os mesmos homens que nas suas epstolasexecraram os hereges, e nos advertiram que nos apartssemos deles, tivessem

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    transmitido isto. Da que uma tradio humana a que defende os hereges, eafirma que eles tm um baptismo, que pertence somente Igreja." [Ep. 74, deFirmiliano a Cipriano (256)].

    De modo que, na Igreja Catlica antiga, o bispo de Roma tinha sem dvida um

    lugar preeminente, mas de modo algum estava por cima de todos, e em mais deuma ocasio teve que ser posto no seu lugar pelos seus colegas.

    Finalmente, cabe destacar que com excepo de Clemente, numa nica cartaautntica, os bispos de Roma no tiveram um papel destacado como mestres dacristandade nos primeiros sculos. Distinguem-se os asiticos e os africanos; masdentre os que escreveram em Roma, nenhum foi bispo de tal cidade (na verdade,Hiplito foi transitoriamente "antipapa").

    Fernando D. Sarav