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As Hi erarqu ia s So ci ai s cons ti tu em-s e um dos
temas fundadores das Cincias Sociais. De Marx a
Max Weber, dentre outros, essa problemtica
fundamental. Na Filosofia Moral esses estudos
sempre foram associados aos privilgios e ao
sentimento de Honra Social1
. No Brasil, a questo dopreconceito e da discriminao, esto implicados na
associao entre a raa e classe. Esse texto pretende
fazer um esclarecimento preliminar sobre esses
conceitos.
Karl Marx, sem dvida nenhuma, foi um dos que
mais se preocupou com os estudos das hierarquias
sociais. Sua interpretao do capitalismo bem como
das possibilidades de sua superao esto
intimamente ligados sua teoria das classes sociais.
Para Marx, as classes sociais so realidades objetivas
decorrentes de posies que os sujeitos ocupam na
esfera produtiva. A posse ou ausncia do capital
define o pertencimento a uma das classes
fundamentais: burgueses ou proletrios. Essas
posies na estrutura social implicariam na criao
de interesses e orientaes que possibilitariam uma
ao comum entre os membros de uma mesma
classe. O seu conceito de classe s tem sentido no
A construo das hierarquias sociais:
classe, raa, gnero e etnicidade
Mrcio Mucedula Aguiar
Doutor em Sociologia. Professor na UNITRI e Catlica de Uberlndia.
R e sum o
A prop os ta ce nt ra l de st e ar ti go di sc ut ir , da
perspectiva da Sociologia, a construo da
interseco das categorias gnero, classe e raa e
entender como as diferenas sociais soestruturadas por hierarquias raciais.
Palavras-Chave: Hierarquias Sociais. Sociologia.
Preconceito. Discriminao
A b s t r a c t
The main proposal of this paper is to discuss, from
the perspective of Sociology, the construction of
the intersection of the categories: gender, class
and race and understand how social differencesare structured by racial hierarchies.
Keywords: Sociology. Categories. Differences.
Social Hierarchies.
corpo de sua teoria geral do funcionamento do
capitalismo.
Essa distino se faz necessria para pensarmos
um pouco como se formam os conceitos dentro das
Cincias Sociais. Segundo Guimares2, nas Cincias
Sociais existem dois tipos de conceitos: os nativos e osanalticos. Os conceitos nativos esto ligados quelas
categorias que so criadas e tm sentido dentro do
mundo prtico e efetivo. So conceitos desenvolvidos
historicamente e com sentido para um determinado
grupo humano. Fazem parte do senso comum das
pessoas e das formas como elas se classificam ou
classificam as outras. Quanto aos conceitos
analticos estes s fazem sentido no corpo de uma
determinada teoria cientfica. Nesse sentido, o
cientista social procura observar como as pessoas se
classificam e pensam as hierarquias, por exemplo,
como os trabalhadores percebem e elaboram sua
prpria condio de classe. De alguma maneira os
conceitos analticos nascem a partir do estudo dessas
fontes. O cientista social procura dar um sentido
mais preciso que s tem lgica dentre uma teoria
mais ampla de um fenmeno social.
Feito esse esclarecimento, voltemos discusso
1 GUIMARES, Antnio Srgio Alfredo. Classes, Raas e Democracia. So Paulo: Editora 34, 2002.
2 GUIMARES, Antnio Srgio A. Como trabalhar com raa em Sociologia. Educao e Pesquisa. Vol. 29 n 1 So Paulo Jan/Jun, 2003.
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das classes sociais. Observamos que para Marx, a
classe era um conceito objetivo decorrente da esfera
produtiva. Max Weber amplia o debate, na medida
em que separa na sua teoria as dimenses
econmicas, polticas e sociais da distribuio do
poder na sociedade. Lembremos que a temtica das
hierarquias sociais est relacionada distribuiode poder na sociedade. A classe social decorreria da
posse de determinados bens que tem importncia
decisiva na esfera do mercado. Existem situaes
em que o critrio de pertencimento ao grupo a
honra e o prestgio social. As relaes sociais so
baseadas nas regras de pertena a grupos de status
ou estamentos. Se a situao de classe condicionada
por motivos puramente econmicos, a situao
estamental condicionada ao sentimento de (...)
uma estima especfica positiva ou negativa dahonra adscrita a alguma qualidade comum a
muitas pessoas. (....) a honra.... expressa na
exigncia de um modo de vida determinado para
todos que queiram pertencer ao seu crculo.3
An al it ic am en te , a cl as se fo i vi st a co mo um a
associao ou como uma comunidade. Quando se
pensa a classe como comunidade, pode ser associada
a uma comunidade de destino ou de origem. Aqui
quando se pensa na origem, esse discurso pode ser
equiparado s raas e etnias. Essa idia da classe
como comunidade nos remete idia de que essa
categoria sempre um processo em formao e
nunca algo permanente, pois, necessita de um
discurso de origem ou destino.4
No Brasil temos algumas hierarquias que
combinam com a classe, raa ou a cor a que esto
intimamente ligadas ao processo de formao de
nossas diferenas sociais. Sabemos que atualmente
com o desenvolvimento cientfico das cincias
naturais e sociais o conceito de raa cada vez mais
questionado em sua eficcia cientfica. No existenenhuma pesquisa que comprove que a cor da pele,
ou outras caractersticas fsicas implicariam em
certos comportamentos morais ou qualidades
essenciais a um determinado povo como se
acreditava no final do sculo XIX. No final da
segunda guerra mundial depois do holocausto
nazista, houve um esforo muito grande por parte
de geneticistas, bilogos, antroplogos e socilogos
no sentido de banir o conceito de raa das cincias.
As pe sq ui sa s de Ma rx e Du rk he im be m co mo
antroplogos como Franz Boas demonstraram que o
mundo social tinha uma especificidade prpria,
diferente das ordens naturais. O conceito de culturaseria muito mais vivel para se pensar as diferenas
humanas do que o conceito de raa. O mundo social
est intimamente ligado a um universo simblico
que lhe d sentido e significado.
Se do ponto de vista da natureza o conceito de
raa no se sustenta para discutir nossas diferenas,
apesar disso, ele ainda opera na vida social. Os seres
humanos se pensam e se classificam enquanto
pertencentes s raas. Sociologicamente poderamos
dizer que a raa uma construo social. Ou seja, acor ou raa de uma pessoa est associada a certo
significado simblico. Sabemos que ser negro e branco
no Brasil implicam em diferenas de tratamento,
por exemplo, no acesso ao mercado de trabalho ou
no critrio esttico.
No caso brasileiro nossa noo nativa de cor pode
ser associada a uma derivao a idia de raa. 5 A
raa ou a cor funciona como um critrio relevante
no preenchimento de posies na estrutura de
classes.6 Nesse sentido, a raa funciona como um
mecanismo adscritivo de criao de desvantagens
no acesso ao mercado de trabalho e outros setores da
vida social.
comum acreditar que a situao dos afro-
descendentes no Brasil de se encontrarem nas
camadas mais pobres da populao se deve muito
mais pobreza e ao passado escravista do que
existncia do preconceito e da discriminao em nossa
sociedade. A existncia de uma extensa miscigenao
teria criado uma sociedade hbrida e, portanto, mais
tolerante com as diferenas. Em nosso caso afronteira entre raa e classe muito tnue. Pode-se
afirmar que a pobreza tem cor no Brasil. Portanto, a
raa ou cor, so conceitos essenciais para se pensar
as hierarquias sociais.
Lembro-me de um evento de discusso sobre a
implementao das chamadas aes afirmativas no
3 Apud BARBOSA, Lucia Maria de Assuno et al. De preto a afro-descendente : trajetos de pesquisa sobre o negro, cultura negra e relaestnico-raciais no Brasil. So Paulo: EDUFSCar, 2003, p. 124.
4 GUIMARES, Antnio Srgio Alfredo. Op.cit. 2003.5
Idem,2002.6 HASENBALG, Carlos A. (1979). Discrimin ao e Desig ualdades Raciais no Brasi l. Rio de Janeiro: Graal.
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Brasil, onde uma estudante indignada com o
professor contrrio a essas polticas fez uma colocao
em que ela ilustrava muito bem o teor de nossas
hierarquias. Num discurso emocionado ela
afirmava que era negra, mulher, pobre e gorda e
preferia ser discriminada com um diploma obtido
atravs do acesso universidade por um sistema decotas do que continuar sendo discriminada sem
acesso universidade. Em sua fala demonstrou pelo
menos quatro fatores que fundamentam as
hierarquias sociais no Brasil: a cor, o gnero, a classe
e o padro esttico.
O Gnero uma das dimenses fundamentais na
construo das hierarquias sociais. Pode-se observar
que esse conceito comea a ser considerado
importante para se pensar nossas hierarquias a
partir da dcada de oitenta com a ascenso doschamados Novos Movimentos Sociais. Benhabib e
Cornell7 demostram como o surgimento do
movimento feminista e a chamada nova esquerda
levam a uma reestruturao terica a partir da
perspectiva feminista. Poderamos ampliar, no s
o movimento feminista, mas tambm o movimento
negro e outros movimentos que colocam problemas
aos conceitos desenvolvidos pela tradio ocidental.
Tais movimentos acabam por questionar as
categorias fundamentais da cincia, teorias e
metodologias ocidentais. Para essas autoras h uma
necessidade de mudana do paradigma marxista
para o pensamento feminista. O que seria esse
chamado indivduo portador da razo e que busca a
liberdade? Ser que ele possui gnero, cor e etc.?
Ser que tais diferenas tm alguma atuao na
formao do seu eu e da sua posio social?
Podemos observar que o marxismo ortodoxo
possui alguns pressupostos: o materialismo histrico
que enquanto cincia busca generalizaes
semelhantes a leis; essa concepo coloca que astransformaes sociais so determinadas em ltima
anlise pelas relaes de produo; que a conscincia
de grupo est ligada posio ocupada na esfera
econmica e nesse sentido as classes sociais so os
atores coletivos mais importantes.
Segundo essas autoras a tradio de pensamento
ocidental marcada pela construo de um conceito
de razo deontolgico. Nesse sentido, o pensamento
ocidental faz uma distino entre o sujeito e o
conhecimento. O conhecimento torna-se possvel
devido existncia de um sujeito que portador da
razo, este sujeito existe independente das condies
histricas e uma categoria universal. Tal conceito
semelhante ao conceito de indivduo que aparece
nas teorias contratualistas, um indivduo portadorda razo percebe a necessidade da criao de um
contrato social para que sua existncia seja garantida
atravs da criao do Estado.
A chamada razo deontolgica acaba por reduzir
os conceitos sua essncia deixando de lado a
particularidade. Nesse sentido, o prprio conceito
de cidadania no leva em considerao as
particularidades dos vrios grupos sociais. Portanto,
essa razo como conceito deontolgico incapaz de
pensar a diferena e particularidade sem reduzi-la irracionalidade.
Para as autoras a prpria dicotomia entre vida
pblica e privada no capaz de perceber as
especificidades e os anseios frutos da condio de
gnero da mulher. A esfera pblica de uma forma
geral foi identificada como o locus do indivduo, onde
este indivduo na busca do bem comum contribui
para o bem geral. Enquanto a esfera privada foi
identificada como o espao do amor e da afeio. De
certa forma, a esfera pblica o espao da razo
enquanto a esfera privada o espao por excelncia
da famlia. Ou seja, cabe confinar a mulher no
espao privado e neste locus que se realizam a
socializao dos filhos, atividade praticamente
identificada ao papel da mulher. Nessa perspectiva,
as mulheres passam a ser naturalmente
confinadas esfera de vida privada.
Ainda segundo as autoras, torna-se necessrio
uma redefinio das categorias pblico e privado
com a incorporao de padres de comportamento e
emocionalidade que antes eram identificados aofeminino e confinados esfera privada. O
feminismo ao questionar o conceito deontolgico de
razo e a dicotomia pblica e privada acaba tambm
por demonstrar que o princpio normativo e
dispositivo institucional da teoria poltica liberal no
consegue lidar com as diferenas. Portanto, o
conceito de indivduo (persona pblico) prejudicado
pela desigualdade, assimetria e dominao que
7
BENHABIB, S.; CORNELL. Feminismo como Crtica da Modernidade. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1987.
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permeia a identidade privada desse sujeito dotado
de gnero. O enfoque liberal do eu tem a perda da
compreenso do eu dotado de gnero, e poderamos
ampliar, o eu marcado pela identidade tnico-racial.
A crtica do feminismo coincide dessa forma como
uma srie de argumentos que permitem questionar
o pensamento ocidental.Para Boaventura Souza Santos8, a Sociologia da
dcada de 80 vai ser dominada pela temtica dos
novos movimentos sociais que se configuram em
novos atores polticos. Este autor observa que, as
transformaes geradas pelo excesso de regulao
do modelo fordista acabaram possibilitando o
surgimento de um conjunto de movimentos
emancipatrios que buscaram desvendar formas de
opresso que transcendiam o ambiente de produo.
Ou seja, antes o principal movimento emancipatrioera o operrio. Suas demandas eram fortemente
ligadas s questes econmicas. A desigualdade
econmica era vista como principal fonte de
estruturao das desigualdades sociais. Sua luta se
concentra basicamente na luta pelas melhores
condies de vida do operariado. Tal processo em
linhas gerais culminar no desenvolvimento do
chamado Estado de Bem-Estar Social.
Progressivamente este Estado garante um conjunto
de direitos sociais comea tendo como conseqncia
uma maior regulao da vida social.
A no vi da de ma io r do s NM Ss re si de em qu e
constituem tanto uma crtica de regulao social
capitalista, como uma crtica da emancipao
social socialista tal como ela definida pelo
marxismo. Ao identificar novas formas de
opresso que extravasam das relaes de
produo e nem sequer so especficas delas, como
sejam a guerra, a poluio, o machismo, o
racismo ou produtivismo, e ao advogar umparadigma social menos assente na riqueza e no
be m- es tar ma te ri al do qu e na cu lt ur a e na
qualidade de vida, os excessos de regulao da
modernidade. Tais excessos atingem, no s o
modo que se produz, mas tambm o modo como
se descansa e vive; a pobreza e as assimetrias das
relaes sociais so a outra face da alienao e do
desiquilibrio interior dos indivduos; finalmente,
essas formas de opresso no atingem
especificamente uma classe social e sim grupos
sociais transclassistas ou mesmo a sociedade no
seu todo. 9
A citao longa , mas essencial para entender
as crticas tanto do Movimento Feminista como do
Movimento negro ao movimento operrio. Se boa
parte das hierarquias se constroem a partir da
classe, existem outras diferenas que so geradoras
de desigualdade que necessariamente no derivam
da posio de classe. Ou dito de outra maneira,
existem certas hierarquias que se combinam classe
social gerando certas especificidades de opresso que
o movimento operrio desconsiderou.As mu lh er es se mp re ti ve ra m um pa pe l
importante na luta do movimento operrio. Apesar
disso, em seus lares continuavam oprimidas tendo
que conciliar o mundo do trabalho com as tarefas
domsticas, o cuidado dos filhos, considerados uma
atribuio natural das mulheres. Segundo Stolcke 10,
o termo gnero enquanto categoria analtica foi
introduzido nos estudos feministas na dcada de 80.
Antes, as funes associadas s mulheres como a
maternidade e o cuidado com o lar eram vistas como
atribuies naturais do sexo feminino. Tal
naturalizao do comportamento feminino
fundamentava uma srie de desigualdades e
hierarquias.
Os estudos feministas passaram a utilizar o termo
gnero para interpretar as relaes entre homens e
mulheres. Gnero designaria os significados
simblicos e sociais associados ao sexo. Com isso era
possvel observar que certas atividades associadas
ao feminino muito mais que uma atribuio
natural ligada ao sexo, era uma construo scio-cultural que justificava a subordinao das
mulheres aos homens. As desigualdades entre
homens e mulheres eram, portanto, naturalizadas.
Para Stolcke11 os estudos sobre as mulheres
enfatizam principalmente suas experincias, sejam
as benficas como as prejudiciais. J os estudos de
8 SANTOS, Boaventura de Sousa. Pela Mo de Alice: o social e o poltico na ps-modernidade. 5 ed. So Paulo: Cortez, 1999, pg. 256.9 Boaventura Souza Santos. Op. cit., pg. 258.1 0 STOLCKE, Verena. Sexo est para gnero assim como raa para etnicidade? Estudos Afro-Asiticos, (20): 101-119, junho de 1991.
1 1 Idem, p. 103
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gnero percebiam que a situao das mulheres s
poderiam ser apreendidas numa abordagem
relacional, ou seja, na relao entre homens e
mulheres. Nessas relaes hierrquicas que
demarcam funes associadas ao sexo, lugares sociais
e padres de comportamento que se pode perceber
como o gnero uma dimenso importante naconstruo de nossas hierarquias.
Apesar disso, segundo Stolcke a teoria feminista
concebia as mulheres como uma categoria social
indiferenciada. Isso gerou uma insatisfao das
mulheres negras com relao a falta de sensibilidade
por parte do movimento feminista em relao as
formas de opresso especficas sofridas pelas
mulheres negras. Seria necessrio abordar a
maneira como gnero, classe e raa se cruzam para
criar no apenas fatores comuns, mas tambmdiferenas na experincia das mulheres.
A mulher negra no Brasil discriminada duas
vezes: por ser mulher e por ser negra. Retomemos o
depoimento da estudante negra, que ressalta
claramente a interseco de vrios fatores na
construo das hierarquias associadas s mulheres
negras. H uma dimenso ligada classe social. Ou
seja, essas mulheres sofrem a discriminao
associada falta de recursos econmicos e sua
posio subalterna ligada ao trabalho manual. Para
uma compreenso melhor dessa desigualdade no
se pode deixar de acrescentar a dimenso tnico-
racial, as mulheres negras pertencem a um grupo
social historicamente discriminado. Suas
caractersticas fsicas ligadas negritude foram
estigmatizadas. Pensemos no padro esttico. Numa
cultura de forte vis eurocntrico o belo est
associado pele branca, cabelos lisos e olhos claros.
Nossos meios de comunicao, livros didticos
reforam um padro de beleza que coloca a mulher
negra numa condio de inferioridade.Nas novelas e programas infantis as
protagonistas em sua maioria so brancas, na dcada
de oitenta, boa parte das apresentadoras de
programas infantis eram brancas. Nas novelas, a
maioria das personagens negras exercem atividades
subalternas como domsticas, criadas e ajudantes.
Agora recentemente que essa dimenso comea a
ser repensada, principalmente pela presso das
organizaes do Movimento Negro. Associa-se a
mulher negra s atividades manuais, muitas pessoas
consideram natural as empregadas domsticas
serem negras.
Bernardino em seu estudo sobre a hierarquia ecor entre empregadas domsticas demonstra como
essas hierarquias beneficiam as mulheres brancas
de classe mdia:
O estudo sobre empregadas domsticas revela
algumas ambigidades do processo de
urbanizao do Brasil, entre elas o fato de que a
emancipao das mulheres brancas de classe
mdia no se estendeu s mulheres negras pobres
(Cf, Guimares, 2002). Ao contrrio, foi atravsda condio oprimida destas ltimas que as
mulheres brancas de classe mdia alcanaram o
seu grau de liberdade, salvando-se das eventuais
tiranias no mbito domstico. 12
Como se pode observar a dimenso de gnero
assume um papel importante na construo das
hierarquias sociais. No caso da mulher negra
necessrio acrescentar essa dimenso ligada cor
ou raa. Ou seja, a compreenso da situao das
mulheres negras depende da interseco desses dois
fatores: o gnero a cor ou raa.
A relao entre cor e hierarquia social no Brasil
uma dimenso h muito tempo estudada por
socilogos brasileiros. Alm dos trabalhos de
Florestan Fernandes, Fernando Henrique Cardoso e
Octvio Ianni, um autor pouco relembrado, mas
fundamental para entender a construo de nossas
hieraquias o socilogo Oracy Nogueira.
No final da dcada de 50 Nogueira 13 demonstrava
a existncia de um preconceito diferente do existentenos Estados Unidos. Oracy Nogueira classificava
nosso preconceito como de marca e no de origem.
Possuir um padro esttico diferente da cor branca,
ter uma condio social inferior, executar certos
tipos de trabalho todos esses fatores atuariam no
sentido de preterir os negros em relao aos brancos.
12 BERNARDINO, Joaze. Hierarquia e cor entre empregadas domsticas em Goinia. In. : Barbosa, Lcia Maria de Assuno...et al. De pretoa afro-descendente: trajetos de pesquisa sobre o negro, cultura negra e relaes tnico-raciais no Brasil. So Carlos: EdUFSCar, 2003,p. 240.
13
NOGUEIRA, Oracy. Preco nceito de Marca: as relaes raciais em Itapetininga. So Paulo: Edusp, 1998.
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Este tipo de preconceito estabeleceria uma gradao
de cores, do mais escuro ao branco. Quanto mais
prximo da cor branca maiores s probabilidades de
uma pessoa ascender socialmente. Um preconceito
mais assimilacionista criando dificuldade para
percepo do racismo e dificultando a criao de uma
identidade negra forte diferente do padro norte-americano. Nos Estados Unidos a origem da pessoa
que define sua condio racial.
Dito isso, falta falar de um outro conceito, a
etnicidade. Segundo Hofbauer14, foi o antroplogo
Franz Boas, o primeiro pensador a se rebelar contra
o valor explicativo atribudo raa. Boas
reivindicava uma separao absoluta entre a Raa
(mbito biolgico) e a Cultura ou Culturas Humanas.
Boas conseguiu demonstrar que o mbito biolgico
no tem quase influncia nenhuma sobre odesenvolvimento das culturas humanas.
No final dos anos 60 alguns antroplogos
comearam a perceber que o conceito de cultura no
conseguia analisar certas situaes do mundo
emprico. Observa-se que as fronteiras das culturas
no coincidiam com as fronteiras grupais. Era
possvel que dois grupos compartilhassem
caractersticas em comum como lngua e religio e,
no, entanto se sentissem diferentes um do outro.
Os estudos de Frederik Barth sobre os grupos
tnicos e suas fronteiras demonstrou que no
existem diferenas objetivas que levem a seres
humanos criarem grupos tnicos diferentes. Os
grupos escolhem alguns sinais ou traos diacrticos,
como por exemplo, a cor da pele, a vestimenta ou
tipo de cabelo para afirmarem sua diferena em
relao a outros grupos. Portanto, a identidade
sempre um fenmeno relacional, processual e
contrativo. A questo da identidade e da etnicidade
apontam para um carter mais subjetivo de
construo de nossas identidades sociais ehierarquias.
Podemos perceber que a classe, raa e etnicidade
so conceitos importantes para se pensar as
fronteiras das diferenas. Talvez a reflexo sobre essas
fronteiras sejam essenciais para que um dia
tenhamos uma sociedade onde no existam
fronteiras da diferena mas respeito e convvio
harmnicos entre as mesmas.
Referncias:
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Mo de rn id ad e. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1987.
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empregadas domsticas em Goinia. In. : Barbosa,
Lcia Maria de Assuno...et al. De pr eto a af ro -
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14 HOFBAUER, Andras. Raa, cultura e identidade e o racismo brasileira. In: BARBOSA, L. M. A. et al. De preto a afro-descendente:
trajetos de pesquisa sobre o Negro, cultura negra e relaes tnicos-raciais no Brasil. So Carlos: EDUFSCar, 2003.