7/18/2019 A Sociologia Dos Países Subdesenvolvidos - Álvaro Vieira Pinto
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Álvaro Vieira into
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Introdução metodológica ou prática
metodicamente desenvolvida da ocultação dos
fundamentos sociais ç
vale
lágrimas
ORG NIZ Ç O
José
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OnTRHPonTO
7/18/2019 A Sociologia Dos Países Subdesenvolvidos - Álvaro Vieira Pinto
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I
.
A SOCIOLOGIA DOS PAlsES SUBDESENVOLVIDOS·
Introdução
metodológica ou prática
metodicamente desenvolvida da ocultação dos
fundamentos
sociais do vale
de
lágrimas
i
• omecei escrever
eSle
caderno em
de
agosto
de
1974 IN A ]
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I
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I
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I
:
,
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,
Si
,
. Razões de'
nosso
interesse
por
este
assunto.
Por que
usamos
a
imagem
do
vale
de
lágrim s
As religiões milenares, orientais e ocidenl<lis, e as ideologias pessimistas
es
forçam-se em retratar o
mundo
no que õ1 humanidade se-tem desenvolvi·
do, desde que, nos diversos grupos que a formam,
se
iniciou o regime da
d i v i s ~ o social em' classes antagónicas. utilizando a conhecida imagem do
vale de l á g r i m a s ~ Compreende-se assim procedam.
As
primeiras por
necessidade, pois, se não convencerem os homens de que, por uma tristís
sima fatalidade, têm de passar a existência
no
mais doloroso sofrimento.
submetidos a toda espécie
de
privações, provações e por fim fi morte, deixa
de ter sentido seu pape]. íom que se jus lificam, o de ser o
único
veiculo di
d,llvação para n6s, desgrfç ados vivt'ntes. As s e g ~ n d a s porque, se nfio pres
sagiarem a impossibilidade absoluta de um de,stino melhor para as ger<lções
humanas, SU<l função intelectual p<lralisanle mensagem provinda de um
poder central explorador do t rabalho das massas não só se tornará inúti l,
mas, ainda pior, daria oportunidad'e a estils ultimas de conceberem a idéia
de serem capazes por si mesmas de vencer tão
l m i t o s ~
situação e cons
truir um regime de convivência isentO dos males e penúrias que atualmen
te as
oprimem.
Num caso ou noulro, lanto a alienaçãO religiosa quanto a
ingenuidade essencial da consciência pessimista perderiam a razão de
seI .
Daí a arraigada concepç.ão, convertida em imagem do m undo, de que os
homens, como conseqüência de um castigo original, habitam mais tene
broso e inóspito lugar do universo, de onde lamenti velmente não conse
guirão jam<lis se eV<ldir,
um
vale de lágrimas, expressão que os pontífices
desta mentirosa e infame simploriedade se
empenham em
deixar
bem..
cla
ro não se tratar de mero traço de retórica evangélica, mas de uma autênti
ca, eJ;llbora cruel e lap1entabilissima, realidade.
Mas
não basta aos.beneficiários desta mistificação mantê-la na condição
de impressionismo
~ í s t i c o .
Para melhor garantir, precavendo-se contra a
eventualidade de quaisquer 'denúncias em contrário. precisavam transitar
da visão apocalíptica para o terreno respeitável da ciência. Precisavam fa
bricar, ao
lado
da geografia
do
vale, e da his tória de sua cortstituição, a
sociologia que estuda as relações entre os homens
n e l ~
imperantes. con-
J J-
i __
fl
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j
I
1
.
ALVARO
vlEIIIA
PINTO
firm<lndo e explicando a ignominiosa sugestão. f: mim que uma vulgar,
interesseira e eSlúpida noção, prodmD de uma exigida faJsificàção perpe
trada pelas potências dominantes sobre a grande multidão da humanidildc.
acaba por dàr.lúgar i um <Jmontoado de teses, apresentadas com o caráter
de sociologia , isto
é,
de digna construção cientlfica. A confusào.inten
ciomilmeme propagada em nossos dias pelos doutores em cãnones da or
dem capital is ta obriga-nos a disculir o
principal
da
infindável
t rama de
falsidades e confusões que tanto a caSta sacerdotal quanto a sua ala l i t e r ~ r i a
e filosófica inventaram e sistematizaram, para denunciarmos o engodo
desta suposta c i ê n c i a ~ Assim. vamos contribuir para colocar em lugar dela
no
esp rito dos estudiosos e
d1\s
massas
em
geral uma rigorosa
c o m p r e e n ~
são da realidade do homem- e do mundo onde
vive.
Explica-se então
por
que devemos -meter as mâos num aSsunto que, de outra forma, não me
receria
ser
levado a sério, nem atrairia, de nossa parte , a
menor
atenção.
MilS,
fazendo-se passar po r uma concepção sociológica,
com
as aparências
e_
intenções de uma
honesta
intl'rpretação da
estrutura
soc ial e de suas
qualidades e efeitos com relação ao
homem,
remos de esmiuçar a trama de
sofismas que as cavilosas especulações que
as
basl's materiais das insinua
ções c propilganda ideológicas infiltram na'consciência de incontáveis mi
lhões
de
seres liumanos, desvalidos
diante ~ r i m i n o s o
enfeitiçamemo
'deste absurdo conceito. ' ' ,
12 A geologia do vale de lágrimas e as questões
sociológicas fundamentais que sugere
Entretanto, há uma dolorosa perspectiva considerada, pela qual a expressão
que discutimos adquire,
embora
metaforicamente, pungente probabilidade
de ler
sentido
inteliglvel, Seja-nos lfeito referirmo-nos a ela, chamando-a
geologia do vale de l,ágrimas. Vivemos numa paisagem que
espíritos
m sticos, imbuídos de: visões e fecundos
em
locuções proféticas, denomi·
nam vale de lágrimas . Tal
é
de fato,
para
eles, o
panorama
da realidade
social.
Ora,
ensina-nos a ciência geológica que os vales são cavados pela
erosão de uma corrente de água ou gelo que, ao arrastar as partículas sóli
das do solo, deixà um sulco cada
vez
mais amplo, margeado
por
elevações
montanhosas, tendo
no
~ a correr o rio que os produziu. Por estranho
que pareça, esta'noção científica
dá·nos
a chave para
entender
o embu.ste
ideológico agora denunciado, Tem
plena
razão a fórmula litúrgica que os
devotOs repetem maquinal e inconscientemente na prece po r
nós
citada em
22
A SOCIOLOGIA DOS PAISES SUBDESENVOLVIDOS
epígrafe, Apenas faIta acrescentar que O vale a glle se refere foi talhado
por um rio formado pela torrente de 16grimusguc as massas Irab::llh::ldoras,
durante inconláveis milênios de sujeição a senhores, déspotas, S3ccrdotcs,
empresários e ricos proprietários, em todos os tempos, verteram dos olhos,
caíram na terra, reuniram-se
em
um fio, avolumílram-se até constituírem
o curso lfquido de i m p e { o s ~ corrente
qUe,
após séculos sem fim de so
frimentos humanos,
ve.io
a.
configura(o
perfil geográfico
do
vale
que
a
oraç50 envolveme l e ~ 1 l o · r p e c e d o r a ,
sem
suspeitar que exprime, simbolica
mente, a verdade hist,6rica, chama de lágrimas . Aproveitamos imagem
tl'ológica para nos servir de modelo de
Lima
situação real, efetivamente vi
vida pela numilnidãde, desde os primórdios de sua sujeição aos poderosos
até os nossos dias. Valemo-no5'das sugestões que essa correspondência ima
giniÍria nos oferece, Porque sem dúvida, qualquer estudo
SOCiológico
da si
tuação existencial da imensa maioria dos homens, na atualidade como
nos
tempos remolos, desde
que se
instalou a exploração
do
trilbalho
de qU<lse
lodos por uma ínfima miliori<l de privilegiados, tem de pilrtir, para ser ri
gorosilmente justo e fidedigno, do conceito que misticamente, mas de falo
.
muito de indústria, do ponto de vista dos aproveitadores ôl alienação reli-
giosa das massas,
se
enuncia no termo vale de lágrimas':
Claro está que só'n,Os interessa a imagem sugerida pela denominação,
e que devem·os utilizar com o
fim
de submetê-lil a análise, para compreen
der duas noçôes essenciais, que ser; io, a bem dizer, o conteúdo dêste livro:
a por que realmente o trabalhador é
wn homem
que h,abita
as
vertentes
de um vale de lágrimas':
ou
seja, qual a origem desta formação geológico
sociológica; b) que se deve fazer para dar·lhe um término, acabar
com
o
torturante acidente geográfico, o que significa dizer parol que o trabalhador
construa a sua morada e organize a sua vida na fértil paisagem de planícies
regadas apenas
pela s
águas naturais. Ai criará a sociedade
na
qUill as lá
grimas esponlâneas e enobrecedoras, em raras e emocionantes situações
humanas, jamaissejam capazes de correr, confluindo das faces de lodos os
homens, que as vertem em paga pela culpa de trabalharem, caudalosa e
permanenlemente, como-se fosse um acontecimento normal da convivên
cia entre seres que organizam rilcionalrT,lente sua existência. A ironia do
conceito reside
em
não ter sido cunhado pelos sofredores mas pelos
que
habitam as alturas que o (ileglvel] a triste correnteza.
t
claramente um
instrumento de dominação ideológica dos poderosos e fartos, dos s:íbios e
alegres,dos que adormecem cada dia na paz de uma consciência justificada,
destinados a explicar a condição dos que choram pelos sofrimentos
pro-
23
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ÁlVARO VI IR
P W
A SOCIOLOGIA
DOS
PAISES
SUBDESÊIlVOlV,O l:..
-
Li
fundos, inenarrnveis e às vezes insuportáveis que 05 acabrunham. Os olhos
úmidos sabedores e denominada mente reveslidos de'significado de alí
vio e consolo, de desabafo e refrigério para
as
dores de cada dia, e por mais
difícil de compreender-se não conhecéssemos os mecanismos de produção
d;l alienação do espírilo das
maSS;lS
-
aceilOs
como um bem que [ileglveJ]
a alma dos efeitos de conflitos julgados insoluveis e de pesares sem remé
dio, O pobre
reI
ira
do
pranto uma alegria que lhe aparece, por força
do
mà
licioso amparo dos sacerdoTes da dominação, como uma antecipação do
bem definitivo e perfeito, com que irá ser recompensado na vida celestial.
O doloroso lamento é assim apresentado Como um cântico compensador
antecipado, o que retira do s o r r i m e l ~ t o real, inmgido por condiçôes sociais
perfeitamente c:lracterizadas e suprimíveis, a nola de mald
..
de suprema e
desvia os posslveis revoltados da tentação do desespero, que seria a conquis
ta da jusliça a qualquer preço,inclusive o do sacrifício da própria vida pes
soal na balalha pela deSlruição da configu·ração social do vale onde·habi
Iam em fão humilhante siTuação.
3. Condiçôes para a construção
da
sociologia do vale de lágrimas
Par:l a correta edificação da'sociologia do vale de ãgrimas teremos de es
tudar os aspeclOs subjetivos de que se reveste o conceito e as condições ob
jetivas, de fato a estrutura social
que
dá fundamento a tão indigna dom
i
naç50.lremos estender-nos por muitas p'áginas sobre estas questões
que
em
grande parte se confundem com a simples descrição da existência de ho
mens trabalhadores no mundo subdesenvolvido. A título de indicação pre
liminar, para nos permitir an1ever o estreito horiwnte em que teremos de
mexer il pro·cura de nossa compreensão, i n _ d i ~ a r e m o s desde já alguns dos
termos de que nos
O c u p a r e m o ~
A prim·eira eXigência para deline;lr o pro
blema consiste em reconhecei:: a) o caráter ideológico-hislórico nele conli
do; b) a incoerência lógica
do
conceito.
em
virlude da comradição dele com
a única legítima compreensão dos direitos conferidos às massas trabalha
doras, pelo seu natural e inegável destino;
e)
a origem do odioso rótulo e
do
emprego que dele é feilo para a defesa dos interesses das classes
domi·
nantes expressos no vocabulário litúrgico muito habilmente composto pe
los cônegos de todas as ideologias da salvação
do
homem, apresentado
? c:viwncnte,
se m l
Inlnim;> b osc
r :lc ionw,
':OlnO
perdido ;
d) o papel qo s
pensadores de lúcida consciência crítica na análise e indicação deste crimi
noso embuste que
O povo
repete porque foi
incorporado,
uma prece,ma-
I
Dobra esta que insensivelmeme
não
só faz mergulhar
ca.d;]
vez m a i ~ f undo -- ' ,
na consciência ingênua das·massas a venenosa idéia,
leva :l
acredi- ---
l·arem previame 1te
que
só pela aceitação desla salmodja, e pelos rituais e
obediências quea acompanham, podem encontrar solu.ção para
suas
afli·
ções;
e)
o exame.cientlfico da
estrutura
das classes antagónicas no lrabalho
produtivo realizado
no
ãmbito
do
vale ;
f
por fim, o desenvolvimento da
verdadeira· compreensão dãsilUação Iacrimejante impetrador
, oferecen-
do
a certeza de que s o m e n l · ~
.da
concepç:io de uma teoria revolucionária, e
da união dos esforços dos Iiumilhados e impotentes resullarão o eSvazia-
mento
da ilusão que os cega e a plena revelação de
que
o lugar natural de
sua vida não é o tenebroso.e martirizante desfiladeiro de dores mas a pai-
s a g e ~ i.nteira do mundo, e ~ j m p ~ s ~ u i d a p e l ~ ~
homens
.sem. d ~ s c r j m i n a ç ã . o
do
dueHo à posse dos b e n s ~ m a t e T 1 a l s necessanos e deseJáveIS, e das condl-
. çues que propiciarem a realiuição subjetiva da felicidade. Sení..u 1Jl mundo
regado em toda parte nãp 'pelo caudal que emana das fontes que são os
olho. l dos oprimidos e injustiçados, mas pelas águas claras que despertam
no
solo sua exuberante fecundidade.
4.
As
possibilidades da
libertação das massas
A suposição de que o sofrimento, direta ou' indiretamente imputável à or
ganização da sociedade. é inerente a uma imaginária natureza do homem':
está tão arraigad;
no
esplrito das massas esm.agadas, por efeito de multisse
cular doutrinação religiosa e filosófica alien<ldora,
que
nos encontramos.
diante deste paradoxal
comportamento,
a saber, em vez de serem alvissa
reiramente ouvidas as conclamações dos pregadores da libertaçâo e de re
ceberem estes o apoio da imensa
corte
de lutadores pela prppri<l emandpa-
ção, vêem-se cercados pela indiferença. peJo ceticismo e até pelo sarcasmo
daqueles que não os entendem ou deles se distanciam por julgá-los instin
tivamente profetas
do
absurdo
ou
malévolos agentes da sempre perigosa
subversão da ordem. A filosofia da libertação tem no pafs subdesenvolvido
e submetido a extrema imobilização polltica, por efeito do sistema de.ter
ror institucionalizado, relativamente reduzida
efidcia
porque
os que
estão
capacitados a ler seus e n u n ~ o s silo geralmente os menos dispostos a se
movere TI para realizá-Ia. ainda que a aprovem, acreditando ser exeqüivel
ou até mesmo fatalmente vitoriosa num nnuro longfnquo dificil de definir.
Sem contato direto
com as
massas, as idéias que deveriam comover alguns
ponderáveis grupos de intelectuais, ou consideráveis parcelas das chama-
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j
i
I
J
M
:1
•
V RO VIEIRA PINTO
das classes médi{ls': geralmente um
tanto
mais cultas em relaçiio am
biente comum, permanecem bloqueadas pela indiferença lórpida dos en
tendidos ou pelã critica emaranhadora-dos filósofos , sociólogos e econo
mistas'de oficio naturalmente serviçais atalaias da classe dirigente, sempre
. .
bem pagos para se manterem vigilantes em:seus postos. De tudo isto resul·
ta a incongruente situaç50 de aceitação p a ~ s i v a e resignada dos castigos do
vale de lágrimas
por
aqueles
que
sendo,:Jegião, rapidamente os destrui
r iam se não fossem induzidos
po r
porleros09 inflo.xos ideológicos a faze-
r em o que
é normal
se esperar
de
quem
v i ~
em uJna guerra de deSespero,
isto é chorar. As lágrimas podem c a r a c t e ~ z a r a climatologia do vale, mas
não
a modificam. Tampouco as
ações d ~ s e s p e r a d a s de
indivíduos visioniÍ
rios, fanáticos, audazes ou
de multidões
arrojadas às lUlas inconsequemes
pelo des'.'ario.que sua própria dor e desesperança alimenta. Só a ação coor
denada das massas
t r a b a l h a d o r ~ s
no planejamel?lo e:eçlllduçiio de sua cam·
panha d e libeTlação, sempre em função das circunstâ.ncias s o ~ i a i s globais,
subjetivas e objetivas, para ter resultados eficazes. para isso faz-se ne
..:ess:i.rio que a ação justa seja decorrente díl.teoria jusla.
Nenhum
idfjalismo existe nesta situação. Não queremos
di.zer
que o pen
samenlO libepador seja produto da compreensão iluminada e excepcion;ll
mente feliz de <llgum [[der escll1recido' ou de um estudioso de extraordiná
ri.] visão. A força da idéia· revolucionária não procede da cabeça masda
realidade que nela se reflete. Não são os a p ó s t o l ~ s excelsos, os pastores ca
.rismálicos, os favorecidos por iluminações . e s c , t o ~ ó g i c a s quejamais
c o ~ s e -
guem
algum resultado úlil no processo de l ~ b é r 3 ç . ~ o
dos
povos. Estes, como
sabemos, têm sua lógica objetiva própria, pois gerahrtente o papel dos vi-
sionários
no
balanço total dos fatos é antes ne.galivo, obstrulivo,
impedin
do
a regularidade
da
reflexão metódica, e a [ilegivel] é
d e l i n i ç ~ o
correIa,
operante dos fundamentos das situações esmagadoras do Irabalho e da dig
nidade do homem. A idéia é d e ~ e n v o l v i d a quando se engendra na cabeça
dos pensadores que nela r e c o n h ~ c e m a imagem fiel do estado de coisas real
e nela encontram a verdadeira e;.plicação dosacontecimentos que arrastam
as massas. Não
enunciam
palavras proféticas sempre ilus6rias e desnor·
teadoras, mas as leis do processo de transformação da realidade em curso,
donde o que parece o'fator mais frágil, o mais tênue, um simples conceito e
um
conjunto
de
conceitos concatenados no espirito do homem, p a ~ s a r a ser
a máxima força-de modificação de conceitos hist6ricos materiais aparente
mente
inabaláveis.
Daí
a importância da teoria revolucionária, que s6 será
\
A
~ O C I O l O G 1 DOS
PAfs<:s SUBDESENVOLVIOOS
tal na extensão em que reflete o mundo pobre e subjugado, e traz consigo a
explicação deste: e:stado,
lS leis
de: sua subslituiçil.o, c se torna
um
siSlema
de pensamento social logic3mente coordenado, capaz de ser recebido com
maior ou
menor clareza e adesão pela consciencia das multidões trabalha·
d . o ~ a s , até então entorpecidas, desesperadas, ou simplesmente revoltadas':
Não é o excesso de sofrimento que
por si
só - sendo imemorial e incon
teslado - ilumina a consciência,
uma
vez
que a
dor d a
injustiça, converli
da em situação social estável e onipresenle, mais facilmenle encaminha o
espíritodos deserdados ao niilismo da descrença ou ao desvario da rebe
lião insensala. Diga-se, de passagem, que as classes tirânicas esperam avi
damente por este gesto tresloucado, na certeza de que com fKilidade, dada
a proporção da força bruta de cjlJ.e dispõem, o esmagarão, e por isso o que
supremamente lemem é o surgimento da compreensão clara, entre as mas
Sas
das causas do
s·eu
infortúnio.
O
mais poderoso antidoto da humilha
ção e da injustiça consiste
em
canalizar todo
movimento
de inconformis
mo, toda reflexão sobre o desespero dos povos espoliados para o terreno
social, forçando-o a penetrar no
campo
do depate
sodal abandonando
as
gesliculações improfícuas de lamentação, moralmente constrangedoras e
justíssimas. e sobretudo os apelos desorientadores a'poténciasespi rituais, a
auxílios divinos. naturalmente inoperantes.
A primeira coisa que importa ao hom.em explorado
f a ~ . e r
é ingressar no
âmbito
do problema social, .passar a ver a causa de seu estado
no
sistema
de relações sociais de.que
faz
parte , pois s6 assim se
oporá
ao fascínio das
soluções fantasiSlas e das esperanças enganosas. O reconhecimento do ca
ráter social
da
situação que o aflige
é
a epifania
que
configura a possibili
dade de conversão
da
consciência ingênua do desesperado em consciência
crítica do lutador arregimentado. a revelação do verdadeiro significado
da totalidade do problema ,existencial que aprisiona e ofusca o trabalhador
inerme. Tal é o primeiro passo no
caminho
da sua - então, s im - inevi
lávellibertação. Por estranho que pareça, esta angústia inicial
é
a mais dif l·
cil de alcançar-se. Pelo secular embrutecimento da inteligência das multi
dões analfabetas e pior ainda, distraldas pelas teosofias o ~ n u b i l a d o r a s mas
sobretudo na descrença na eliminação de um sofrimento que aparece ao
lrabalhador, especialmente ao camponês, como um fato pessoal, condição
em
que
o fato
é sentido
como ntum fatalidade, um a falta pessoal db sor
uma
vez que percebe em
tomo
de si tantos
outros
homens vivereITl sem
os
mesmos
lormentos, parece-lhe impossfvel
entender que é
vírima
um
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I
\
estado
soci;]1
e nnó de l ima infelicidade pessoal, que o atingiu de nascem;a
e da qual não pode CUlp:lT ninguém. Custa-lhe crer nesla verdade.
que
jul
ga
desmentida pela realidade circunstame, e ponanlo quando lhe chega à
consciencia ê sentida vagamente como idéias': prefação de intelectuais ou
mesmo de companheiros fanatizados e possuídos por teorias':
Acreditara
de preferência que o necessârio são as conquistas imediatas, obtidas com
os meios que as leis lhe facultam. a legislação trabalhista, e em casos espe
ciais agitações
abaJOldoras.
como
greves
e mudança
de
profissão.
5
A compreensão do
caráter
social do vale de lâgrimas
Acompreensão da' natureza social do vale de lágrimas é a primei ra e a
mais esplêndida revelaÇão que terá de nascer na consciênci<l
d<ls
massas tra
balh<ldoras. Perceberão
então
que nada adiantam os meios persuasivos ou
caritalivos que buscllm enxugllr o prllnto e que a única solução c o n s i s t ~
em destruir a fonte de onde procedem. Ora, para tanto é preciso dissolver
uma infindável série de sofismas, a começar pelos mais virulentos. Entre
eSles
destaca-se o que acusa a maldade dos homens poderosos e ridos de
ser o motivo das agonras
dos
p o b r e s ~ Com este simples
truque
ideológico,
sempre reprisado com êxito pelos pastores de almas e seus sacristãos uni
versit<irios, atingidos de início Irês utilissimos resultados, que visam
à
segurança
,do
domínio da classe exploradora, a saber, a} a questão, em tOta
lidade, é desviada do terreno social para o da moral;'b) fica consagrada
como imutável,
de
direito divino, e
portanto
sempiterna e
imune
a qual
quer tentativa de alterõlção, a divisão
dos
homens em ricos e pobres ,
c) a
clõlsse
dominadora em conjunto apresenta-se redimida, resplandecente
na envolvente auréola da mais pura bondade humana, uma vez que está pa
tente não lhe caber, como classe, qualquer culpa na existência das misérias
sociais, que são
as
primeiras a reconhecer e de que sinceramente
se
con
doem, rudo procurando fazer para aliviá-las. A culpa cabe apenas i'lqueles
de seus membrÇls quese revelam malvados ,'''sem esplrilO de caridadecris-'
tã': tirânicos , insensíveis
aos
sofrimentos alheios , e x p l o r a d o r e s ~ etc.
Com este
último
ardil a classe dominante se purifica, veste a túnica
dos
bem-aventurados, porquanto é a primeira a reconhecer a presença de ele
mentos malignos emseu meio, porém ao mesmo tempo reivindica a gl,6ria
e a benemerência de apressar-se em vituperá-los, a deles,se desso.lidarizar,
apontando-os
à
abominação, e õlté ao castigo, dos oprimidos. Não'é outro
I
socIOLOGi P iSES
SUbOESENVClVIOCl>,
\
o papel de seus leólogos e sociólogos de aluguel . Mesmo que, no int imo,
Iht:
custe
lançar
execração ptlblica excelentes companheiros de diretoria
da empresa, de correligionários políticos, de
bons
põlrceiros de ridge ou
mesmo de amigos'pessoais, realmente culpados apenas de pouca inteligên
cia
condução de
seus negócios ou de incontinência nõlS suas otiwdes,
prefere praticar essa insincera e imoral
amputação
a ver-se envolvida, em
IOtalidade, no opr6brio e nos perigos que caem sobre os
mais
cruêis, e cer
tamente
menos
astutos, de seus membros.
Os Irês recursos mencionados precisam ser cuidadosílmente eswd:ldos
para a devida denúncia diante do povo. Esta é segurameme lima das mais
imponames
e decisivas tarefas da'fiéncia sociol6gica que se propõe d e v a , ~
sar os embustes e construções ideológicas que inocentam lima estrutura
de
convivência humana merecedora por parte de alguns afetuosos dcfensorês .
do ultrajante t ítulo que lhe dão. A criação de tal anli·sociologia, que s e r ~
efetivamente a única legítima sociologia, inicia-se com
um
geslo intelectual
de imperiosa desmislificaçao que abrirá caminho pOlra radiosas e vicejames
compreensôes
da
realidade na consciência das massas cxploradas, julgadas
até então
po r si
mesmas irrecuperavelmente
infeliz ; s
neste mundo, noção
u o
avesso é a
c e r ~ e z a
de que õl felicidade
só
lhes será dada no outro .
A principal
d i f i c u l d ~ ~
p ~ r a ~ o l o c ç ã o p r o ~ l e m no terreno social
provém da ocupação préVia da area pela SOCIOlogIa de encomenda, que se
resume na apologélica da classe dominante no regime existente. Teremos
ocasião de indica'r e refutar alguns dos
argumentos
de que se valem os
sete
sábios
de
Sião para, de inicio, jú'stificar o estado de falo,.e
em
seguida
ino-
centar de qualquerculpa
os
afortunados beneficiários Ide uma situação his·
tór ica de que não foram autores eque são forçados a aproveitar, delaliran·
do, está claro, o máximo de proveitos pessoais, mas cumprindo ao mesmo
tempo o sagrado dever, que lhe ordena sua bem formada consciência mo ·
ral, de amenizar
as
~ p r e s
do
próximo, infelizmente
a q u i n h o ~ d o ,
pro-
curando por
lodos os meios assisti-lo em suas dores e d ~ r - I h . e
õlcesso
a
me-
lhorias de vida, individual e familiar, sempre amplas, medianle a instituição,
por
iniciativa dos g r u ~ o s dominantes, de uma legislação de trabalho e as
sistência cada vez mais humana e cristã, Sendo numerosos os serventes que
os
suseranos da ordem capitalista recrutam para trabalharem na construção
desse muro de cCJntenlfã-o, assim Como as cOnlribuições com que a fér ti l
imaginação
dos sodólógos
e economistas
juramentados
aba'rrota o merCil·
do, a pródiga distribuição de fundos para o estabelecimento de faculdades
7/18/2019 A Sociologia Dos Países Subdesenvolvidos - Álvaro Vieira Pinto
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i
I
: i
\
ALVAROVIEIRA
P NTO
ue
direito, de sociologia,
de escolas
de economia, cursos básicos , e milha
res de OlltrOS
de
simples famasia,
para
efeito
da
captura e agregação do
rn<lior
número
de inteligências jovens
ao
que chamam ciéncias sociais ,
tudo isto dá origem ao ofuscamento da visão,
ao
enlulhamento
do
campo
realidade que torna imperiosa a exigência da repetição de
um celebre
lrabalho
d e ~ é r c u l e s que
certamente nâo poderá ser feito
por
nós, m'm
por
qualquer oUtro estudioso isolado,
mesmo
dotado da indispensável (ons-
ciénci:l critica, a limpeza desta estrebaria. Tal
é
a rriissao a que eSlá obriga
.
dá
<l consciência de um conjunto de p e n ~ a d o r e exclusivamente devotados
a tf::lduzir em forma ciemffica os reais interesses do povo, munida do mé
lodo dialético
p a ~ a
a execução de suas análises e conclusões, e de uma in
vllriável finalidllde autenticamente humanista que a oriente em sua ética.
Aproveitamos o ensejo para
apontar um ' -
tese fund1lmental ,de nossas
reflexões.
O
trabalho
de
desbravamento, e construção epistemológica
não
se dissocia em
nenhum
momento da co::i espondenle sistematização dll éti
ca
verdadeirame,nte humana por seus fundamentos,
não
a de caráter abs.
Ira lO, ~ o s ó f j c o · ; mas a que se constitui em instrumento de comando d3
ação revolucionária das massas trabalhadoras. porque desvenda
ao
pensa
mento de
cada ' indivIduo o valor dos atos que pratica e dos que
vai pro-
g r e s s i v a m e n ~ e .conquistando.
6. O
papel
do filósofo
n O ~ ~ a l e de lágrimas
e sob a
pressão
dos pod.eres
dominantes
Quando um
plenamente representaÚvo do vale de l á g r j m a s ~ em vir
tude do estado de atraso no desenvolvimento das forças econ6micas e da
o p ~ e s s ã o
p o l H i ~ a
de
grupos
dirigentes,
que
lhe tiram a liberdade
de
expres
são do pensamento coincidente com os riteressesdas massas trabal,hadoras,
toma
c o ~ s c i ê n c : i a
de
sua
realidade, o
f i l ~ o f o
que acaso venha a produzir, e
que
se
queira 'manter identificado ao de$tino do povo, tem de proceder à
d i f l ~ i l e
penosa
operação de dividir-se em
sua
condi5ão existericial. t: obri
gado, às vez s
por um
perlodo desoladoramente longo. a tOrnar-se ao mes
mo
tempo
o sujeito
criador
das idéias libertadoras opúblico, que
as
deve
executar. Esta duplicidade. r e s o l u t a m e n t ~ certa como dolorosa'condição e
nas angustiosas conseqüências individuais que acarreta, é caractedstica da
situação de pertencer ao vale de lágrimas;: Serve':de
pedra
de toque,no pe
rlodo
sombrio
da travessia do desfiladeiro, para aferir a autentic'idade da
I
i
l
·
i
l
:
j
:; .
A SOCIOLOGIA aos MISES SUBDESENVOLVIOOS
capacidade de
pensamento
do sociólogo e do
gr<lll em que
reflete o
em.tio
do
seu mundo.
Deve
sen'tir se aluanle dois papéis, o que é uma extraor
dinária façanha da liberdade individual. À falta de público. dada a circuns
tância da tirania reinante, tem de lornar-se o seu
próprio
público, espe
rando o dia 'em que os outros efe tivos o possam ouvir . Mas não lhe é
permitido o silêncio,
que
neste caso
se
confundiria com a cessação do
pen-
samçnto'ou com o desânimo quanto às finalidades que cultua. Não pode
deixar de falar, mesmo sabendo que o
faz
para
si
mesmo, e
que
s o escUta
o papel que absorve as linhas que e s c ~ e v e Porque, sob a forma idealizada
de
público': a
voz
que ouve não lhe pnrece a sua es im a
de
quem ensina o
que
é
preciso saber e diz o
se deve fazer. No ato do
ouvir
siJehcioso a
voz,
os lamenlOs e imprecações.das multidões dispersas
há
uma critica im
pllcita. que
é
dada pelo exerc1cio do
pensamento
indagador. Morlal seria o
.desisVr de pensar, a ausência
de
percepção, ainda que
interior
e
~ u d
o
esquecimento da arma'intelectual
No silencio da reflexão aparentememe inútil é que a visão da realidade
se
aprimora, se desvenda em suas trágicas minúcias, e se prepara para rea
lizar em plena lucidez o contato com os
outros·; na plena.força de
uma
eficácia invcncivel. Opensar nunca
é
inútil porque conserva a vit,alidade
daquilo
que os
embrutecedores desejam acima
de tudo
destruir, a capa
cidade da consciência critica dizer a verdade, que a pressão asfIxiante pro-
cura impedir seja conhecida.
Se
o pensador se omite no trecho obscuro,
noturno do caminho.
à
espera do raiar do dia. não está
compreendendo
que é a
sua
meditação solitária e sem ressonãncia que,
em
parte, prepara o
nascer do sol. Porque o dia não é apenas a luz fisica que a rotação dos as
tros tTaz com necessidade mecânica. O dia é a proclamação do novo saber,
a palavra que definirá o que se espera, a idéia que se f<lrá o s da humani-
dade emergente.
S6
as revoluções brutais e esmagadoras, obscurantistas e
retr6gradas, na verdade contra-revoluções,
são
preparadas pelas.idéias
an-
tigas na conjura secreta pela conspiração das forças desumanas. que con-
siste na simples difusão
do
pensamento
dominam e,
e
como lal
obrigato
riamente r.eacionário. A verdadeira revolução é o desabrochar das novas
,id,éias, que
<lS
antigas fecundam pelo fato inevitável de se esgolarem.
Mas
é
preciso que· durante a calamidade o pensador que contempla antecipada
mente a
aurora
esteja
sem
cessar entregue ao trabalho
de
observação,
para
depositar em algumas folhas de papel, cristalizada, a
naturezá
dos tempos
futuros a construir.
7/18/2019 A Sociologia Dos Países Subdesenvolvidos - Álvaro Vieira Pinto
http://slidepdf.com/reader/full/a-sociologia-dos-paises-subdesenvolvidos-alvaro-vieira-pinto 9/14
ÁlVARO I J I ~ I R A PIN1
As massas lrabalhadoras, mais espoliadas do que nunca na fase do mu
t ismo e da vergasta, só poderão conservar alguma esperança de liberdade
se a consciência de seus poucos membros esclarecidos estivt'r certa
de
que
no solilóquio da criação mental os homens de estudo e de pensamento
que
as
represenlam não se sentem desamparados, porque não julg<lm eSlarem
sozinhos, não interpretam a momentânea ausência de comunicação como
definitivn ruplura de conlalo, mas no intimo de
si
mesmos
faJam
e ouvem,
f41am
aos ausentes, e com isso forjam de cor e com verdade o seu discurso,
e ouvem as multidões nparenlemente imóveis, afônicas, d i s t a n t e s r ~ c e b e m
o estas dizem na sua calada povoada de vozes súplices e decididas. Os
mósofos efetivnmente representativos dos anseios dos habitantes do lamen
toso vale destilam cuidndosamente
as
fórmulas da construção do mundo
que eles, juntnmente com os milhões de operários interiormente livres,
num amlfnhã talvez próximo porão
em
prática. Acondição porém para que..
o pensadordo pais subdesenvolvido e sem soberania desempenhe este
é o seu único justificável papel, consiste
em
se preparar pela pníticll per
manente,
pela
ascese de dllpla disciplina existencial, para a missão a que se
dedica e
ex.ecuta
n
longa noite
ánic
da inteligência.
Primeiramente o acurado estudo
da
ciência pretérita, especialmente o
quanto disseram os filÓsofos que se devotaram
à
compreensão da realidade
do homem e ao descobrimento das leis que regem o processo de sucessão
das formações sociais. Este acúmulo de ensinamentos não visa a construir
uma
erudição ornamental e insensível, exceto para os recilais universitários,
mas a discernir a verdadeira doutrina
da
realidade social, que veremos ser
a concepção não idealista da história.ao mesmo tempo que mune o pensa
dor do universo de conceitos lógicos legítimos e verdadeiros, que lhe per
mitirâo refutnr as insidiosas explicações contemporâneas, que os arquitetos
da alienação
da
inteligência, a soldo das
podt::rosas
o r g a n i z a ç õ ~ s ecoflómi
cas e cuhurais, erigem e difundem para efeito ·de desnortear a consciência
pobre de conhecimentos ou menos hábil
em
reconhecer a indignidade in
teresseira das liçôes estrangeiras caril que a azucrinam. Em segundo lugar,
fora do campo teórico,
cabe
ao
fLlósofo
uma larefa contínua e çle funda
menral necessidade, a
m a n u l ~ n ç ã o
do
Contato
direto com
as
massas ópri
midas, residentes, como ele, n mesma vala, não apenas para ouvir-lhe:; as
lamentaçôes, que sobejnmeme já conhece, mas para divisar
as
força$ pro
pulsoras nelas existentes, ter II cada momemo n noção exata do grau de de
senvolvimento destas, e fazer de tal compreensão o fundamento de sua de-
A SOCIOlOGI; . DOS MI5ES SUBO,S,NVOLVIOOS .
núncia e refutação das leorias sociológi.cas maliciosas, qu.ase IOdas hoje es
lranhamente consorciadas a interpretações oriundas de um plnno diferen
le,
o da psicologia, e até
da p a r a p ~ i c o l o g i a
7.A recusa
à
consider ção diret
d
~ e . a l i ~ 3 d e
no
p ís su desenvolvido
Esta conjugação espúria, e n tur lmente rendosa para os interesses dos
magnmas, precisa ser agora devid<lmenle desmascarada porque ni'io ocorre
por
<lcaso,
mas representa
em
verdnCle lima p05içi'io de recuo a que foram
obrigados os doutores
da
purn soqiologia, até
há
pOtlCO predominantes,
para responder ao avanço das poderosas forças ideológicas adversári<ls.
A recusa consideração frontal da realizaçi'io social no' pnís subdesenvolvi·
do é a atitude universal dos <Ip'ólogetas
da
dominaçãO.
MilS
não podendo
descer ao nível
de esrultice
de
apenas descrever os raJ:Qs e (ilegível) aspec
tos ~ a n i f e s t a d o s
pelo modo
de
vida da redmidn
c m d
pecuni;uiamenle
forte e esbilnjadora, são obrigados a incluir no p<lnorpma ilegível] a ima
gem da miséria das massas,
Sllas
deficiências, atraso c j'gnorância, mas
ni'io
o podem
fazer de modo
veraz e sincero, sendo l e v a d o ~ a envolver em uma
concepção sociológic<l poucas vezes expllcita e mais freqüentemente difusa
nmhos os lados da medalha, para chegarem assim a teorias ou :m:\lises que
julgam científicas. em que o lado sombrio, sem ser negndo, primeiramente
não ofusca a 'importância primordial e definidora do conjunto, atribulda
ao
esplendor do estamento rico, especialmente em seus refúgios urbanos; e
em seguida, simultaneamente com os
c ~ n t i c o s
de hosana aos ricos,
vai
sen
do
, d e s e n v o l v i d ~
convinçentemente a teoria que explica presença dos
contingentes populacionais miseráveis. Deste modo, o endeusamento dos
poderosos e
p ~ ó s p e r o s se,:,,/:
não só de encobrimento p n n penúria dos
infelizes faveladqs de todos
os
níveis, mas ainda de explicaçao da sÚuaçilo,
reconhecida como Inmenúr.elmente verdadeirn, destes últimos.
Por fim, desta
c o m o d ã ç ~ o
ideológica maligna brota mais um resultado
aproveitável para a apolog.ia dos dominadores, a saber, a lição que incumbe
ensinar
às
massas para se- ~ e s i g n a r e m
ao
atual infortúnio, agUentar como
lransitório, conforme
dE:i: '0nstra
a existência das classes ricas. Estas têm,
acima de todos os excelsqs m.éritos que a eXoneram, a função pedagógica
de refutar 5criticas acerqas dos defensores dos humildes. a p ~ n t a n d o pela
sua simples presença. a viiência de um sistema deliberdàde econômIca que
, )
7/18/2019 A Sociologia Dos Países Subdesenvolvidos - Álvaro Vieira Pinto
http://slidepdf.com/reader/full/a-sociologia-dos-paises-subdesenvolvidos-alvaro-vieira-pinto 10/14
I
•ALVARO VIEIRA
PINTO
permite a todos livrarem-se
de
urna condição
penosa, insuficiente, ou
mes·
TIO desumana, e ilscenderem a graus superiores de
confono
e bem-estar.
A classe rka .\Cumula, porlanto. além de outras vantagens, a de ser o
Pil-
radigma vjvo
d
liberdade de progresso' e·(I lição perene dos modos
de
alcançar níveis superiores
de
v i d q u ~ os pobres 56 não aproveitam
ou
por
excessiva intrcia e falta
de espírito de
iniciativa. preguiça eaçomodação,
ou
po r
serem constitutivamente incapazes
de
aprendê-la.
Em
qualquer'
caso,
a riqueza dos milionários
não
:lproveita
a ~ e n a s
a eles, mas também aos
deserdados que nela encontram o alvo a a t ü ~ g i r
I
Se por este aspecto
já
a
d i s p o n j b j l i d ~ d e d ~
fortuna individual fica ate
nuada, perdendo grande parte da odiosa significação que,
à
primeira vist<l,
qualquer individuo de bom' senso seria induzido
11
atribuir-lhe, a situaçi'io
mor;llmente criminosa, e grandemente constrangedora para os ricos, vê-se
definitivamente purificada e santificada com a decisiva vantagem da nota
de indefinida permanência, a salvo de qualquer risco de desmoronamento
ou de contestação pelo esvazi:: mento de que se incumbem seus escribas so
ciólogos, economistas, politicos, juristas, e vigilantes da segurança pública,
ao fabricilrem as doutrinas sociais que, embora variem
em
detalhes, coin
cidem
em
traçar
as
barreiras ideológicas que simultaneamente convencem
os dominadores de sua fó rç<J e os dominados de sua fraqueza. Este envol
vimento cultural
mais precioso
que
qualquer arregimentação e sístem<l
tização
de
c ~ n t i n g e n t e s armados de todos os instrumentos de repressão do
desagrado popul r com a forma de vida que as massas percebem se eter
nizar, não vendo como dela se livrar. O papel preponderante do endoutri
n mento ideológico, atualmente praticamente centrado sobre um único
conceito mágico e logicamente confuso, o da chamada s e g u r ~ n ç a nacio
nai , mostra que
por
meio da irresistIvel inocul 1ção de idéias na
cabeçil
dos agentes dos poderosos
que
se cria a verdadeíra segurança destes.
Se
os
ricos lomassem a errônea iniciativa de somente subornar a prova de di
nheiro em espécie ou e,, cepcionais proventos mate.riais. os seus homens
de
armas, cometeriàm t r ~ m e n d o desatino, pois, em primeiro lugar,.a maioria
dos
cariátides das instituições vigentes
constitulda de elementos' moral
mente honestos e incapazes de aceitarem propostas indecorosas, e além do
mais a submissão a uma idéia objetivamente falsa mas.firmemente arrai
gada na consciência ingênua representa uma, garantia de fidelidade e de vas
salagem infinitamente mais sólida que
prest ção
de serviço
a
solde aos
que julgam dispor de suficiente dinheir9·para compr r a vontade e a ação
alheia. Tal
o mot ivo pelo qual a lu ta
~ o c i a l
tem de ser travada original-
\
A SOCIOLOGIA DOS PAfSH
SUBDHENVOLVIDOS
mente no terreno mais ~ r d u o aparentemente pouco importanle, mas
na
verdade ólquele
onde
se joga O
d e s t i ~ o
do processo social, o da contenda
ideológica. Para conseguir a automatização da consciência alheia, a roboti
zação dos vigilantes, sua identificação com
as
armils de
fogo
que manejam,
não há oulro processo eficaz senão a inoculacação de uma convicção,
islO
a incorporação pela consciênci<l de uma doutrin alienada da 'realidade
social e humana, que
leve
o indivíduo moral e mentalmente a praticar atos
que-iepudiaria com horror se conseguisse chegar a comprt'ender o que
sig
nificam, e sobretudo por que
foi
levado a comete-1m.
Ora, este enfeiliçamento do espírito de ponderáveis massas de cidad50s
Irespeiláveis, não só os
de
p r ~ f i s s ã o beligerante milS os de vidil civil que
igualmente se manifest<lm conco rdar com
as
ações de sustentilçào das con
dições definidoras do vale de
lágrimas , tem de ser obra dos pensadores e
estudiOSOS que destilam os venenosos elixires i d ~ 0 1 6 g i c o s que seus
pillrÕeS
recebem com o máximo contentamento, e logo se apressam em divulgar
mediante as engrenagens da publicidade e de comunicação de massa de
que
s50 os proprietários. Daí
11
canalizaç50:dos.recursos pecuniários não
para
compra de consciências, recurso esqJpido e inviável,
em
forma dire
ta e cinica mas exeqüível
em
caráter disfarçado'e enobrecido quando se
manifesta como' estipêndio de grupos de intelectu<lis alojados em imenso
número
de universidades, cátedras sem titulas. revistas, órgãos de pesqui
sa, etc. dos mais variados gétleros, todos porém uniformizados pel:: publi
cidade a que servem, a·de, por alguma maneira, contribuir para edificar a
ideologia da dominação dos magnatas sobre os trabalhadores. São natural
mente de dois tipos os cupins encarregados destils construções informes e
de simples barro, mas nem
por
isso menos resistentes e difíceis
de
erradio
caro
Uns são os capatazes de evidente maior talento, aptos ólrquitetar com·
pletas doutrinas sociológicas, filosóficas, económic;as e polllicas, com o que
se paramentilm da função de. chefes de teorias de pensamenlO, instalando
se muito naturalmente em cáú:dras universitárias e cercados de ampla pro
paganda, que espalha -ao·s u · t ~ ~ . .entos
u
idéias e se incumbe venda
dos
produtos de tricô que fabricam. Ao lado destes mestres pulula' a mul
t idão de fama menor, que vai de alguns mam feros mais evoluÚios
té
a
infinita vérmina microbiana, dos escavadores de revistas cientlfi,*s , dos
empregados em infindáveis e inúteis pesquisas de campo': geralmente des
tinadas
adescobrir oóbvio, ede mil
outros comensais
de convidadok a
par
ticipar do.opíparo banquete ideológico da apoteose da riqueza de ridícula
minoria soci<ll, em recompens<l il sua subserviente atitude
de
serviçais me-
. . .
7/18/2019 A Sociologia Dos Países Subdesenvolvidos - Álvaro Vieira Pinto
http://slidepdf.com/reader/full/a-sociologia-dos-paises-subdesenvolvidos-alvaro-vieira-pinto 11/14
ÁLVAROVIEIR l PINTO
\
.
J
.
i
<líoeres
mas
operosos nas tarefas insignificantes ou
incõmodas
quelhes são
altihuíd<ls. o r m ~ s e assim a legião dos c o n ~ c r u t o r e s da ideologia da domi
nação. S50 eStes que irão prepar;lT 35 dOutrinas convenientes.
8.As categorias de doutrinas explicativas do vale de lágrimas
Em lermos
simples,
é
possível distinguir
as
últimas
em
três
calegorias
prin
cipais.
Mencionaremos
primeiramente as doutrinas referentes à ordem so
cial. São fnhricadas com a finalidade específica de não
56
a(astar. ou ocultar.
a única concepção legitim<J, mas sobretudo de distribufre m em um certo
número
de direções confusas. inverldicas e ineficientes a
atenção
dos estu
diosos,
levando-os
a se dividirem em correntes divergentes, opostas, até
inimigas, com o que os mant.em ocupado; i'ncessantcs e estéreis discus
sões que
travam
na copiosa
enxurrada de
publiCações
em
que esfalfam,
lomando-lhes
praticamente a existéncia
inteira
em uma ginástica intelec
tual absurd3 e sem proveito, com a exclusiva finalidade de fingirem viva ati
vidade
cultural, quando
na verdade n50 passam de pobres especu];mtes so
bn
cois:ls,so ciais, t
teando
em
vfio
um
rumo
sólido
à
procura
de
um
fuso
inexistente. Permanecem assim de costas para a realidade e de C:lra voltada
para a paisagem imaginária que os astutos dirigentes das escolas
ou
das
pesquisas lhes impuseram
COmo
tarefa descrever,
esmiuçar
e explicar':
logo a seguir,
OUlTO
grupo
de doutrinas
desnorteadoras é o das que to
mam por
projeto
o esclarecimento da natureza do Irab:llho
compreenden
do,
mesmo
sem confessar, que o valede lágrimas
OUlra
coisa não
é
seniio
a oficina do t rabalho explorado, e que, se
aos
aproveitadores deste estado
interessa cuhiv<lr aquela deriomin<lção, os sociólogos
que
se dedic<lffi po r
esta via a
adular
avaidade dos riéaços e a confonar-Ihes a consciência
ral, insensibilizando-a ou aplacando qualquer escrúpulo que acaso a aco
meia, preferem volt<lr-se inteiramente a elabor<lr uma teo ri a do trabalho,
de fato
disuibulda
em
múltiplas
variedades,
que
no final
das
contas, pela
argumentação
lógica a que recorre, justifica os desnlveis sociais, a espolia
çã.o dos operários, o
trabalho não
pago,
mostrando
que esta é
uma condi
natural, inevitável no regime atual. Apesar disto, existem mecanismos
ecC)nômicos e políticos, manejados pela inerente bondade do coração dos
empresários,
que
se acham continuamente em ação para minorar a sorte
obreiros, elevar Sempre seu padrão de vida.As explicações teóricaS do
trabalho no sistemoÍ capitalista, para a ti ng ir o grau de inverdnde que lhes
dé uma coloração rósea, têm
de
ser necessariamente
demasiado
abstratas e
I
J
•
I
I
constilUir malfriil. de indefinidos e solenes debiltcs
d
artigos em
re 'iSlas estipen:diildas
oud e
declõ:lraçôes pesso:lis
ele
ciel1lislils e empres:,rios
a jornais ami$os. Nfio
conseguem
entret<lnto evitilr o grave inconveniente
de niío estarem à aht1T<I de serem entendidos pelos próprios
operários,
aqueles a quem:é imperioso catequizar,
para
que,
mesmo
em forma nebu
losa,
acreditem
no que l h ~ s ensinam os domores da lei, e sobretudo Slnlam
se
lOcados
po r um
mínim9 de
esperança, que
lhes acalm.e as tenàências,
sempre
iminentes,
de reb.eidia e
inconformismo.
O excesso
de
argúcia, ou
de
cavilação cllhural,
r a ~ ~ s s a s
teorias
correrem
o risco
d e s e
torn:lrem
im
prestáveis,
acabando
por.só convencer seus <lutores e os respectivos acóli
tos, :llém dos capitães da jndústria e da
alla
finanç<l. Se tal é o único resul·
tOldo
que
se obtém,.terão:.de ser cOJlbderadas malograd<lS, pois há o
perigo
de se cai r nes ti l s i t u a ç ã o ~ n e d ó t i c a
de em
vez de <lneslesiilrem-o paciente,
anestesiarelT o cirurgião;
Daí a llrgénciil de urrl'terceiro tipo
de doutrinas,
capazes
de
efetivamen
te penetrar
n l
massa operária, as que se referem ao progresso das classes
trabalhadoras e da humanidade em geral , sob o vigente
regime.
Com este
recurso ideológico
ten tam não
s6 afastar
de
vez o risco
do
fascínio das
l -
têntiCas doutrinas revolUCionárias, mas esper:lm infundir na mentalidade
do lrabalhador. a certeza d e qu e suas angústias atuais estão fi [ilegível) de
serem suprimidas pelo progressoque s6 o intensivo
desenvolvimento
capi
taliSla
pode
oferecer. Trata-se
de manter
o
operariado
e as
populações cam·
ponesas em constante expectativa de um
destino
mais humano, pel: cene
.za de que a cúpula dirigente do processo econômico e polItico pensa mais
nelas d o qu e
em
si própria e dispõe
de
meios para criar os
instrumentos
legais e
os
órgãos
administrativos adequados;
a fim de atender com a
má
xima brevidade às aspirações do povo e redimi-lo da miséri: l presente. A
lerceira via ideológica distingue-se das anteriores pelo emprego freqüente
do
conceito abstrato e
carregado
de más
intenções
de destino
do homem :
o que l he
dá grandiosidade
e
dignidade
aparentes
m:liores, e
po r
outro
lado
desloca o
problema, realizando
ass im a
verdadeira
esséncia do truque
dos
sociôlogos assalariados. do campo do processo social, fundamentalmente
da luta de.classes, para o terreno da é tica . Seo que está em jogo é o destino
do homem, a q u ~ s l ã o será primordi:llmeme de natureza moral, os aspectós
le f a t o ~ e s sociais recuãinlHata
plano
secundário
de
fundo, e
terão
de
Sl:r es:
c\arecldos
os
graves temas que
configuram
a
noção
de
destino.
Não é pre·
ciso dizer-se que o segredo
da
prestidigitação
neste
terceiro
rito
de
desnor
teamento
da
consciência popular consiste na
consideração simplesmente
7/18/2019 A Sociologia Dos Países Subdesenvolvidos - Álvaro Vieira Pinto
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ÁLVAROVIEIRA PINTO
abstraIa
do
conceito
de
destino': E m : 5 ~ a realida'de x i s t n i ~ l o homem
J
sempre
um
ser em
s h u ~ Ç ã o
social
COnCrela.
O operário que ganha salário
míniplo, insufidellte sequer pilra malar-Jhe a fome. ganhil concre[amentc
esse salário, que não pode ser negado como fato, mas precisa converter-se
em aspecto isolado de
um
conjunto imensilmente m<Jis amplo, para ser vis
to sob uma luz diferente, o da conveniência da forma vigente do processo
prodlllivn.
t
cap<J
abstrata, que não só o afoga e desbota, mas o subsrilUi
por um<1 compreensão do salário totalmente diversa, porque já não mais
concreta,
com
seus devaneios e esperanças. Temos assim indicado Ir es
das
'possfveis modalidades
de
obscurecimento da consciência do trabalhador,
[ileglvel] C9'n5tiluJdas em forma de produtos da ciência soçial , diferentes
elltre si mas visando ao mesmo fim, que, como dissemos. têm de apresen
t:lr-se sob dupla face, a
de
explicar a existência do vale
de
lágrimas e a
de
sob o cínico· pretexto de estarem sendo tomadas medidas para acabar com
tão trisle situação, na verdade consolidá·la e assegurar aos beneficiários
miséria
do
p ovo qlle jamais a sociedade chegará a
um
estado em que
desa
pareçam 05. seus privilégios. Acham-se delineadas, e queremos dizer
efeti
vamente denunciadas, 35 duas exigências fundamentais e imprescindíveis
de
t o d ~
e
qU<1lqller
sociologia que pretenda merecer o aplauso. o encora
jamento e claro está, a devida remuneração dos suser<1OOS da ordem pre
sente.
Vamos e n c o n t r á I ~ s
nas tentativas, especialmente as mais recemes,
que o aguçamento do problema social torna urgentes, da constituição de
alguma doutrinil social que justifique a
r ê à l i d â ~
do vale de lágrimas': ab·
solva os poderosos de alguma culpa em tão lamentável situação da imensn
maioria
da
humanidade, e ainda
por
cima, para acúmulo de benefícios
exploradores, os faça :lparecer dianle dos explorados como os seus naturais
protetores, aqueles de quem unicamente podem esperar a modificação do
destino que antevêem.
9. As premissas
de
tod
sociología alienada
Jamais poderá ser feita
com
proveito e veracidade a crítica das teorias so
ciológicas à1ienadoras da consciência das massasse .não forem devidamenle
compreendidas e permanentemente utilizadas como categorias primordiais
de julgamento as duas
p r e m i s s a ~ q / : i e
acabamos de. mencionar. t preciso,
em todo sistema expÍkativo,'por amplo que seja, e nos mínimos dt;t.alnes
so re fatos e aspectos às vezes de aparente importância menor, q ~ e não
nos descuidemos de indicar a presença daqueles dois parâmetros Ide toda
..
I
I
A SOCIOLOGIA
DOS PAlsrs
SUBOESENVOLVIOOS
'''sociologIa'' julgada válida pela classe dornillanle, e por isso o ficialmemf
emronizada em suas escolas e difundida mediante a lOtalidade dos me i
propagalldísticos de que dispõe, por deles ser p r o p r i e t ~ r i : J . Não podemos
ignorar o milenar desenvolvimento das concepções sociais, que para nós
está assinalado desde
os
antiqUlssimos códigos de legislação dos impérios
orientais o surgimenlo da compreensão da necessidade de compendiar
em corpo filosofia ideologia das
cl<lsses
dominantes em cada época,
para a d efes a d e seus interesses v<Jriáveis com a substituição das formações
históricas dos bens de consumo coletivo. A n e c e s s i d ~ d c
de
a c o m p < J n h ~ r o
desenvolver histórico é o melhor recurso para traçarmos a geografia
do
vale de lágrimas , que não se restringe a uma única época mas se aprofun
da e prossegue em seu
t o r t ~ o s o
e tumulluado perfil ao longo dos tempo.s
no
p a s s ~ d o
como agora, enquanto houver sociedades
com
estruturas defi
nidas por classes antagônicas em inevitável desafio reciproco e luta de fina
lidades. Contudo, quanto mais nos avizinhamos da nossa época, mais sen
sível se l Oma
presença das chamadas ciências sociilis, o que não p<Jssa de
simples rellexo di] crescente complexidade que a form;1 da produção capi
talista introduz entre os homens, a p r o v a ~ d o continuamente as dispilridades
e
as
desarmonias que levam a classe de uns
il
se
opor
de oulros.
A constituição da sociologia em ciência. sob múltiplas fórmul:ls, de
Comle, pas;ando por
Veblen
Schumpeter, Keynes, até, baixando mais,
che
gar a um Lévi-Str<lUSs e à nébula de pesquisadores de campo norte-ame
ricanos, só pode ser enlendida na sua cOnlinuidade histórica. Por isso en
contramo-nos em face
d e s t ~
primeira conclusão ilbsolutamente capital:
o conceito
de
vale de lágrimas só pode ser entendido por quem possua a
complela e verdadeira doutrina da história em tOlalidade.
Um a
primeira
verificação, talvez julgada
de
imediato paradoxal, aparecerá a quem proce
der
à
meditação sobre o problema aqui discutido segundo os ditames
atitude
filosófic a
por nós preconizada. Compreender-se-á que o vale
de lá
grimas não é mais que uma fase, JonginqüJssima mas em essência episódi
ca, do curso da existência coleliva da humanidade. Surge com o desdobra
mento da sociedade em
classes
antagônicas e desaparecerá com a destruição
dessa desumana estrutura de convivência, que nada tem de necessária e in·
substitui e . Se portanto, a colocação
do
tema s6 adquire veracidade e ra·
zão
de
ser na perspectiva da história llniversal, compete
ao
estudioso da
si
tuação atual, qualificada
com
exatidão no termo que a liturgia de,uma seita
religiosa nos presenteia, buscar indispensável apoio, para os'estudos c
<Jná
lises a que proceder. relativamente a qualquer perfodo do passado em que
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Á l V A ~ O VIEIRA
PINTO
se defronlnrnm classes hOSlis nas vigas mestras das duas espêcies de pre
missas ideológicas. na verdade de motivos
profundos
e in confessados, que
SU5lenlam as concepções doutrinárias surgidas
no
decorrer do
tempo.
Mas
nâo devemos confundir o papel dessas premissas com a presença \:ias [rês
lipos de calegorias de explicações sociológicas a que aludimos páginas atrás.
Os dois
ilspeclOs
confluem para nos dilT a única compreensão correia dJ
realidade atu;]l
neSte
particular em
essênCia
equivalente
à
antiga.
Se somos obrigados proceder a .distinções. po r vezes delicadas, não
significa
isso
menor confusão ou perda de atenção para o papel respec
t ivo de cada fator . Uma coisa
são
os determinantes até agora invariáveis
da constituição das doutrinas sociológicas alienadas, oulra a corporificação,
du seja, a sistematização em razão de que adquirem o caráter de teorias ou
doutrinas sociais, desses determinantes em formulações que se apresentam
respeitável público com pretensões cienrífici'ls. Não dispomos da possi·
qilidade de passar em revista as numerosas criações ideológicas que, desde
a,lutopia plalõnica até as mais grosseiras concepções imperialistas, r<lCiSlaS
el fUlllTológicas . grass3m no ensino universitário e na f3bricação literária
do s sociólogos diplomados, oficialmente reconhecidos tais,
em
nossos
dias, Somos forçados, com pesar , a nos
abstermos
de analisar
mesmo
as
principais dentre estas fa :mlações. porque movem·nos OUlfOS inleresses que
nã o 3 crítica histórica;de doutrinas .por demais conhecidas e já desmas
caradas com propósitos' benévolos, e até hediondos que alimentam. por
obra dos filósofos e sociólogos de genulna finalidade, os que se fazem
ex-
poentes do pensamento das classes exploradas e, aparentemente, sem espe
r ~ n ç a j
munidos da autêntica concepção da história crítica. De nossa parte
temos aspiração a proceder à denúncia da situação ignominiosa em que
vive a maioria da população da Terra, do ponto de vista das mistificações
filosóficas utilizadas pelos sociólogos de plantãO. Por isso, colocamo·nos
numa posição que nos pa,rece. se não inteiramente original, pelo menos
pouco
valorizada e explorada
até
agora, a do
pensador
i d e n t i l l ~ d o
com a
realidade do país subdesenvolvido, submisso ao comando externo de po
tências econõmica, militar e politicamente dominantes que lhe ditam
a.
condUla na direção dos seus negócios interiores,
na
utilização dos recurso.s
materiais e
no
tratamento a
dispensar
às massas miseráveis que em maio
r ia o const ituem. Deste modo nosso d ~ s e j o é apflrecermos não c omo um
filósofo apenas conhecedor das vicissitudes do vale de lágrimas ob
serva
ao seu redor , mas como legit imo habitante dele, ident if icado até o
mais profundo d e sua essência humana e individual com os milhões de
compatriotas e demais contemporâneos dispersos pOI lOda pane
do
mun-
do subdesenvolvido, convencido
de
que esta
supoSla
pobreza e inferiori
dade de visão, a de quem se recusa a escalar os píncaros circunstantes na
suposição
de que assim enxergaria melhor e
mais
longe a paisagem,
é
na
verdade
sua p rinc ipal , e de fa to a única , superioridade a que lhe
é
dada
pela equiparação a'nseios das massas o p r i m i d ~ s o resuhado neces
sário
de.tal salutar atitude será um a consciência
que
discutidas;'\s imper
feiç,ões e limitações individuais, re 1ete f i d e d i g n l ~ e n t e as condições objeti
vas
do
mundo miserável, tem possibilidade de melhor desconinar soluções,
e adquire o direito, quenão prete'nde ser o dos
profetas trjb<lis
antigos, mas
o dos esclarecidos cientistas m o d e r ~ o s de proceder a genúncias
qu e
se,re
vestirão de caráler filosófico defini:lio, e irão constituir a sociologia dos es
poliados em oposição à dos expoliadores.
10. A t r n s l ç ã ~ da
sociologia
para outros campos do saber
com o propôsíto
de
encobrir as finalidades
de Su.aS
doutrinas
A primeira tarefa que se nos depara
é
a de desensinar as tentiltivas de redu
ção
da sociologia a alguma coisa
que
nfio
é
ela
mesma
para efeito de,
por
essa manobra de translação, constituir se
segundo
os ditames dils linhas
idçológicas gerais;; que anteriormente aludimos. Segundo cremos, são dois
os principais caminhos· 'Pelos quais é possfve\ arrastar a sociologia, para
conseguir que se
t o ~ n e f i n ~ completamente desfigurada.
O
primeiro con
siste no intencional estabelecimento da confusão entre sociologia e psico
logia.
Não
vamos aqui discutir a natureza da psicologia, nem os inúmeros
suh-reptlcios ou escancarados desvirtuamentos nela contidos, pela manei-
ra qu e
é
habitual e oficialmente entendida. São j u s t ~ m e n t e estás
i n ~ o m -
preensões e ingenuidades internas que a constituem
no
matagal ideal para
onde os malfeitores da ciênCia preferem càrregar os s e ~ s problemas- na cer
teza
da
impunidade
que
o lugar agreste e despoliciado oferece
para
a práti
ca
das inconfessáveis operações. Nada como tomar
uma
questão real mas
difícil identificada c om um supos to fato psicológico para assegurar a li
vre manifestação
da
consciência ingênua. às vezes, e mais freqilentemente a
proposital perpetração das mais grosseiras mistificações, as infiltrações de
motivações , complexos'; puIsões e mil outras simplicidades, deglutidas
como produtos cientificas'por
um
público estUdantil indefeso,
ou
pela amo
pla massa de leitores. servilmente ávidos de novidades sensacionais, insi·
nuantes
e claro está,
completamente
imposslveis de precisar ou
confirmar
7/18/2019 A Sociologia Dos Países Subdesenvolvidos - Álvaro Vieira Pinto
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·1
T
J
.,
I
::
A l W H U V H
o b j ~ t i v a m e l l t e . A psicologia, pela própria fraqueza constituriva e indefini
ção de seus poucos elememos internos seguros, respeitáveis e dignos
de fi·
,gurar no corpo de uma disciplina cientlfica, torna-se a selva escura onde se
refugiam tanto os simplcs casais amorosc:s em busca
de
ambiente propicio
quanto os piores faclnoras que :lí'enconti'am a tran.qüilidade para per
pc
u suas sombrias e criminosils maquinações inlelectuais. Não é. precisl1
di'zer-se que, por isso, :lproveitando o caráter ideológico que já a maléria.
em
si
mesm:l,
n;]
maior pane, oferece,
fácil
será recolher a
essc
cilmpo
m io
incógnito e :lmplamente lOrnado clandestino, (, material de conhecimento
que
um astuto
ou
estipendiado construtor
de
teorias deseja arrum;lr
de
modo
a receber uma aparência que permita apresentá-lo como cientifico':
S rn maiores divagações, basta-nos apontar o assunto de que nos ocupa
mos. Se alguma ciência possui indiscutivelmente caráter objetivo é a sacio·
logia, que,,estudando o objeto constituído pela sociedade humana', está na
verdade procurando descrever e sistematizar fatos, enunciar Icis do mundo
real,pois' trata
da
forma mais elevada e complexa do movimento da
m a t ~ -
.
ri2.
Ninguém poderá subestim.u, muito menos negar, a importância cien-
tItica desta disciplina. Mas, justamente pQrque trata
de
expor os fatos, con
figurações e movimentos resultantes e1a.convivência entre os homens, com
a.evidente e natural predominância que se
rderem
ao trabalho, alI
re
gime formas de produção de bens, relações entre os componentes
sociedade representam o principal tema.do estudo do especialista. A socio
logia é a ciê:ncia do a s p ~ c t o soc'ial, isto
ê;.i::oletivo,
interpessoal, da atividade
humana
ESta verdade evidente e quase:acaciana, que não {oram os moti
vos a seguir expostOS, nos e n v e r g o n h ~ i a m o s de escrever, exige, ao contd·
rio, ser proc am da com veemência
e
i ~ t e n c i o n a l m e n t e ressaltadoa, porque
é aproveitando os allseos favoráveis por:ela soprados que navegam os viga
ristas de todas as espécies e quadrantes para a t i r i g j ~ e m o posto de destino
ideológico que têm
por
meta. A razão é-simples.
N ~ d a
mais fácil que redu
zÚ o componamento real dos homens a puras d e [ e r m i n a ç õ e ~ do psiquis
mo
individual
de
cada um.VaJendo-se
~ a · c o n d i ç ã i · i n e g á v e l
e element< r de.
que os homens, e m seu comportamento'razoável, não patológico, rias rela
ç õ e s . d 9 u n s c ~ m os ,outros movidos p ~ l o pensamento que a
r e s ~ e i -
to 'de sua reahdade e do conjunto dos congêneres com os quals sao obTlgôl
dos a tratar, inescrupulosos exploradores das CiênCi,a.s sociais estabelecem
como dogma primor,dial a reduçãO dos processos de correlacionamento
entre os homens ao enconúo entre :lS diversas
psi ql;les
correspondentes ô
cada qual individualmente. Ficam assim alcançadas duas finalidades para a
. i
i
I
atuação ideológica desses ~ s o c i 6 1 0 g o s , a de afastar para o plano de fundo,
na verdade o de adiar indefinidamente, o exame pronto e autêntico dos
falOS
sociais, sob o pretexto
de
que, sendo o'social
um
produto do psicoló
gico, é a este aspecto
ou
conteúdo que se d ~ v e
dar
prioridade, a fim de pro
ceder cientific:lmente': f, ademais, obscurecer e'na prática renegar o signi
fic3do
das c1ilsses
sociais, seu permanente connilo e contradições, questão
destituída de interesse, se é que algum tinha, em vista d:l importância pri
meir?o
e capital dos connitos enlre o espírito dos
homens
individualme\Hc.
Tanto uma como outra dessas manobpas escusas alingem o mesmo propó
SilO,
o de esvaziar a sociologia conteúdo próprio e inalienável, substitui
do pelo falar psicológico. C o m ~ , em virlude da organização efe iva da so
ciedade no regime vigente,
as
relações entre os homens assumem aspecto
de constante choquc, pela ex#ioração do trabalho de quase todos por Ullla
ínfima mas governante minoria, o dever líquido excepcional que esta tram
polinagem ideológica deixa
aos
felizardos sociólogos consiste em afastar de
finitivamente o incômodo e perseguidor problema da luta
de
classes no
campo social, uma'yez que basta um simples truque de intcrprclação p:lra
convcrtê-la em uma, luta.de almas. fenômenos sociológicos reais de
saparecem, com toda sua carga de diHceis e desagradáveis situações quc
compctiria aos verdadeiros sociólogos examin:lr e explicar, uma ve2i que, em
rigor, não_
há
falos sociais mas apenas comportamentos individuais, de ori
gem psíquica, exercendo-se num terreno comum, a sociedade.
, 1. A propósito
da
confusão entre sociologia e psicologia
São inúmeras
as
vantagens desta
i n t e r p r e t a ç â o ~ que
define para os espc
cialistas deste quilate, e são a quase totalidade dos teóricos e pesquisado
res na área capitalista, como bem era de esperar, o campo cientJfico ofi·
cialmente reepnhecido como sociologia . Não é possiveJ passá-las todas em
.revista, mas uma, ao menos, não pode deixar de ser'mencionada, d:loa a
.
p ~ r f t d i a
de
suas intenções e a malignidade
das
conseqüências. Referimo-nos
à mágica que se reduz a apresentar os conflitos entre os homens, no curso
de uma vida em que a grande
tn <lioria é
naturalmente ofendida e explora
da, suscitando justãs reações
de
defesa individual e coletiva, como
um
fe
nômeno
patológico que, como tal, se desloca do campo da sociologia pro
priamente dita para o da vsiquiatria. Tão rica
de
conseqUências pr.a/- ,Citosas,
na aquisição
de
prestigio e
de
lucros pecuniários, se revela
e sta
tratantice,
que
merece nos detenhamos
por
algum:ls linhas em dissecá-la. Entre
as
_._ - _ --- --
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