Pontifícia Universidade Católica de São Paulo PUC-SP
Claudimir Supioni Junior
TEORIA DA EFICÁCIA
ULTRATERRITORIAL DAS NORMAS
COLETIVAS DE TRABALHO
DOUTORADO EM DIREITO
SÃO PAULO
2017
Pontifícia Universidade Católica de São Paulo PUC-SP
Claudimir Supioni Junior
TEORIA DA EFICÁCIA
ULTRATERRITORIAL DAS NORMAS
COLETIVAS DE TRABALHO
DOUTORADO EM DIREITO
Tese apresentada à Banca Examinadora da Pontifícia
Universidade Católica de São Paulo, como exigência
parcial para obtenção do título de Doutor em Direito
do Trabalho, sob a orientação da Professora Doutora
Carla Teresa Martins Romar.
SÃO PAULO
2017
Banca Examinadora
____________________________________________
____________________________________________
____________________________________________
____________________________________________
____________________________________________
Para Adriana, Marina e Pedro, com todo o amor
que nos conecta.
Agradecimentos
Aos educadores de toda uma vida e àqueles que
ainda virão, por nos libertarem.
Por todos eles, à professora Carla Teresa
Martins Romar, pelo comprometimento, pela
generosidade, pela amizade e por acreditar no
poder transformador do conhecimento.
RESUMO
SUPIONI, C. Teoria da eficácia ultraterritorial das normas coletivas de
trabalho. 226 f. Tese (doutorado). Pontifícia Universidade Católica de São
Paulo. São Paulo: 2017.
O documento relata pesquisa que resultou em um modelo teórico com pretensões
de descrever e sistematizar a eficácia das normas coletivas de trabalho no plano
espacial interno brasileiro. O problema central do estudo pode ser sintetizado na
seguinte questão: os instrumentos de contratação coletiva seriam capazes de
produzir efeitos em uma dimensão geográfica mais abrangente do que a base
territorial dos sindicatos subscritores do documento, a ponto de também
alcançarem o fato trabalho ocorrido em outra localidade? Em razão da ausência
de material bibliográfico específico sobre o tema, prospectou-se padrões
conceituais em outros ramos da ciência jurídica, tendo-se encontrado na rica
produção doutrinária em Direito Internacional Privado o substrato teórico
necessário para o enfrentamento do seu objeto. O método de investigação
empregado consistiu em se partir de uma hipótese ou conjectura, deduzir suas
consequências, aplicar testes de falseabilidade e, ao final, corroborar ou refutar
a hipótese ou conjectura inicial. Tal método permitiu validar diversas premissas
que convergiram para três postulados centrais que, em conjunto, compõem a tese
defendida pelo autor: (i) o contrato individual de trabalho não é regido,
necessariamente, pelas normas convencionais celebradas pelo sindicato cuja
base territorial compreende o local em que o trabalhador executa as suas
atividades profissionais; (ii) a relação de emprego é regida pelas normas
coletivas com as quais mantiver um relacionamento mais estreito, em
conformidade com o princípio da proximidade; (iii) é possível que diferentes
aspectos do contrato de trabalho se conectem com diferentes normas coletivas,
conforme apresentem com elas uma conexão mais estreita, tal como orienta o
método da dépeçage. Diante da indeterminação gerada pelo princípio da
proximidade, a pesquisa avançou e investigou presunções de conexão mais
estreita, evidentemente construídas de forma hipotética e apriorística,
desenvolvendo um modelo de aplicação sintetizado na sequência de enunciados
apresentada em seu capítulo conclusivo.
Palavras-chave: direito do trabalho, direito coletivo, contrato, convenção,
normas, negociação, coletiva, eficácia, aplicação, espaço, espacial, conflito.
ABSTRACT
SUPIONI, C. Theory of the extraterritorial efficacy of collective bargaining
agreement. 226 p. Thesis (doctoral program). Pontifical Catholic University of
Sao Paulo. Sao Paulo: 2017.
This research reports findings resulted in a theoretical model, aiming to describe
and systemizing the efficacy of collective labor standards of Brazilian territorial
scope. The research problem is represented by the following question: Would
collective bargaining instruments be capable of producing effects on a
geographic area broader than the territorial base of the document’s signatory
unions, to the extent of also considering the labour occurred in another locality?
Owing to a gap in literature on the subject, similar concepts were adopted from
other branches of the legal science. The theoretical rationale was derived from
the richness of the Private International Law’s literacy, for presenting the
necessary postulations for object’s confrontation. The research method
comprised of commencing from hypothesis or conjecture, inferring its
consequences, applying tests of falsifiability and, at the end, support or refute
hypothesis or initial conjecture. Such method allowed to validate several
premises that converged into three central postulates, that altogether built the
foundation of the presented thesis: (i) the individual contract of employment is
not necessarily ruled by the conventional norms celebrated by the union, whose
territorial base lies in the place the worker performs his professional activities;
(ii) the employment relationship is ruled by collective norms whereby a closer
bond exists, in accordance with the principle of proximity; (iii) it is possible that
different aspects of labour contract may connect with different collective norms,
as they have a closer interconnection amongst them, as per the deduction’s
method guides. Despite indeterminacy caused by the proximity’s principle, this
research advanced forward and investigated assumptions of closer bonds, clearly
constructed hypothetically and aprioristically, formulating then an application
model synthesized in the sequence of statements presented in its concluding
chapter.
Keywords: labour law, collective law, contract, convention, norms, negociation,
collective, efficacy, application, territory, extraterritorial, conflict.
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO. ...................................................................................................................... 10
1 A ORGANIZAÇÃO SINDICAL E O PLURINORMATIVISMO INTRACATEGORIAL: INTRODUÇÃO AO PROBLEMA DOS CONFLITOS ESPACIAIS DE NORMAS COLETIVAS DE TRABALHO. .................................. 25
1.1 Grupos e massas. .......................................................................................................... 27
1.2 O padrão dos regimes democráticos: sindicatos de massas. ..................................... 30
1.3 O modelo brasileiro: sindicalismo de grupos. ............................................................ 33
1.4 O problema das bases territoriais. .............................................................................. 36
1.5 Noções preliminares sobre o problema dos conflitos intersistemáticos de normas coletivas de trabalho. .................................................................................................... 38
2 REFERENCIAL TEÓRICO: O DIREITO INTERNACIONAL PRIVADO E OS CONFLITOS DE LEIS NO ESPAÇO. ....................................................................... 45
2.1 O Direito que transita por fronteiras. ......................................................................... 45
2.2 O amplo objeto do Direito Internacional Privado: dos conflitos internos de leis aos conflitos internormativos transnacionais ................................................................... 48
2.3 A experiência brasileira em conflitos de leis no espaço interno: o Direito Internacional Privado adotado como paradigma. ..................................................... 51
2.4 O método do Direito Internacional Privado. .............................................................. 54
2.4.1 Modelo estático: os elementos de conexão. .............................................................. 57 2.4.1.1 Local de constituição do contrato (lex loci contractus). ...................................... 58 2.4.1.2 Local da prestação de serviços (lex loci executionis). ........................................ 65 2.4.1.3 Domicílio profissional do trabalhador. ................................................................ 74
2.4.2 Modelo dinâmico: os princípios do Direito Internacional Privado. .......................... 83 2.4.2.1 Princípio da autonomia da vontade. .................................................................... 85 2.4.2.2 Princípio da proteção. ......................................................................................... 94 2.4.2.3 Princípio da proximidade. ................................................................................. 104
3 O CONFLITO INTERSISTEMÁTICO DE NORMAS COLETIVAS DE TRABALHO: O PRINCÍPIO DA PROXIMIDADE COMO PARADIGMA DE VINCULAÇÃO E SOLUÇÃO DE COLISÕES. ..................................................... 122
3.1 Sobre a capacidade de a norma coletiva de trabalho produzir efeitos fora da base territorial da respectiva entidade sindical: estudo sob os paradigmas contratual e legal. ............................................................................................................................. 122
3.2 A ruptura do padrão que define a lex loci executionis como elemento de conexão da relação de emprego às normas coletivas de trabalho (...). ................................. 135
3.3 (...) e a adoção do princípio da proximidade como padrão de vinculação da relação de emprego às normas coletivas de trabalho. ........................................................... 144
3.4 Modelo de aplicação do princípio da proximidade. ................................................. 151
3.4.1 Presunção geral de proximidade. ............................................................................ 153
3.4.2 O problema dos destacamentos internos de trabalhadores. ..................................... 165 3.4.2.1 Destacamentos transitórios................................................................................ 168
3.4.2.2 Destacamentos provisórios................................................................................ 175 3.4.2.2.1 Disposições convencionais que versam sobre padrões econômicos e sociais e
outras questões de aspecto predominantemente comunitário. ................ 178
3.4.2.2.2 Benefícios convencionais atrelados ao custo de vida regional. .................. 184
3.4.2.2.3 Recorte necessário: o problema da isonomia. ............................................ 191
3.4.2.2.4 Disposições convencionais de trato continuado ou que envolvam terceiros.
..................................................................................................................... 194
3.4.2.2.5 Normas convencionais de desenvolvimento e expansão da efetividade dos
direitos fundamentais dos trabalhadores. .................................................. 196
3.4.2.2.6 Relações sindicais. ....................................................................................... 198
3.4.2.3 Destacamentos definitivos. ............................................................................... 202
3.4.3 Teletrabalho e atividades externas. ......................................................................... 203
4 CONCLUSÃO: MODELO DESCRITIVO E SISTEMÁTICO DA EFICÁCIA ULTRATERRITORIAL DAS NORMAS COLETIVAS DE TRABALHO. ........ 210
EMENTÁRIO ........................................................................................................................ 217
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS. ................................................................................ 221
10
INTRODUÇÃO.
Repete-se à exaustão que o modelo de relações do trabalho mudou
muito ao longo das várias décadas transcorridas desde a edição da Consolidação
das Leis do Trabalho (CLT). Tal afirmação é repetida tantas vezes justamente
por corresponder com precisão à realidade da maioria dos fatos observados nas
pesquisas em Direito do Trabalho. É, também, o caso do fenômeno de fundo
examinado no presente trabalho.
A estatística oficial aponta que em 1940 a maior parte da população
brasileira, aproximadamente sete em cada dez pessoas, habitava as áreas rurais
do País (IBGE, 2006, p. 113). O remanescente populacional, embora residisse
nos chamados centros urbanos, não tinha à disposição certas facilidades hoje
bastante difundidas nas cidades. Alguns números ilustram a realidade da época:
em 1942, apenas 38% dos municípios brasileiros eram providos com serviço de
telefonia; no mesmo ano, apenas 92 aeronaves operavam em todo território
nacional e havia, em média, um veículo rodoviário coletivo de passageiros para
cada 6.422 habitantes (IBGE, 1946).
A ausência de uma base de dados mais completa não é obstáculo
para que se reconheça que, naquela época, ante as condições precárias de
transporte e comunicação, devia ser muito difícil para uma empresa administrar
centros de produção situados em localidades diferentes. É possível afirmar com
grande probabilidade de acerto que, em função desses obstáculos, as unidades
filiais de uma empresa acabavam dispondo de elevada autonomia administrativa
em relação à matriz. A atividade econômica nas cidades era desenvolvida,
sobretudo, pela empresa local.
Nesse cenário – e ainda usando o recurso das consequências lógicas
- a movimentação interna de trabalhadores devia ser acontecimento eventual,
possivelmente raro, e, na maioria das vezes, com ânimo de permanência
definitiva ou prolongada na localidade de destino. A CLT abona essa conclusão
ao reconhecer como transferência apenas o destacamento de trabalhador que
11
implique, necessariamente, a mudança de seu domicílio, assimilando, portanto,
a ideia de perenidade na alteração do local de trabalho. O modelo celetista, como
se vê, não levou em conta alterações episódicas, pontuais ou transitórias de local
de trabalho; provavelmente porque essas não faziam parte da realidade da época.
É quase dizer o óbvio ao se afirmar que tal realidade mudou
sensivelmente. Nos dias atuais, parte significativa das empresas explora o amplo
mercado consumidor interno, hoje facilmente acessível por meios de
comunicação e transporte eficientes e baratos que permitem uma expansão de
sua presença no território. Se o pequeno comércio e o pequeno produtor ainda
podem resistir e se limitar ao mercado local, setores como a indústria e serviços
já ignoram as linhas que demarcam as cidades; há, para eles, um só mercado
chamado Brasil.
E o cidadão vem seguindo essa tendência e avançando pelas
fronteiras regionais. Em recente publicação, o Instituto Brasileiro de Geografia
e Estatística (IBGE) divulgou os resultados de pesquisa que investigou diversas
características dos maiores arranjos populacionais do Brasil e o fluxo de pessoas
que habitualmente se movimenta entre eles para fins de estudo e trabalho. O
ensaio relata que mais de 100 mil pessoas se deslocam habitualmente entre a
cidade de São Paulo e outros municípios situados fora da região metropolitana
paulistana, alguns a centenas de quilômetros, por força de sua ocupação
profissional principal (IBGE, 2016). Embora o estudo retrate apenas os
deslocamentos residência-trabalho, não contabilizando os deslocamentos
ocorridos durante o exercício da atividade profissional, é certo que ele retrata a
irrelevância das fronteiras municipais, metropolitanas, estatuais e regionais para
o trabalhador interno.
A pesquisa não localizou dados estatísticos específicos a respeito dos
deslocamentos de trabalhadores entre cidades diferentes durante o exercício da
atividade profissional ou em razão dela, porém algumas informações coletadas
ao longo da prospecção de dados sugerem que o número de ocorrências desse
tipo é bastante elevado. A Prefeitura do Município de São Paulo, por exemplo,
realiza o cadastro das empresas que, embora sediadas em outras cidades,
12
realizam atividades sujeitas à incidência de Imposto Sobre Serviços de Qualquer
Natureza (ISS) destinadas a tomador estabelecido na Capital Paulista. Em
consulta ao Cadastro de Empresas de Fora do Município mantido pela Secretaria
Municipal de Finanças de São Paulo, observou-se um total de 243.092 empresas
que prestam serviços a destinatários situados no Município de São Paulo, porém
não mantêm sede ou filial na cidade (SÃO PAULO, 2017). O cadastro é
obrigatório apenas para as empresas prestadoras de serviços específicos, não
alcançando a totalidade das empresas desse setor econômico. Vale lembrar,
ainda, que as atividades industriais e comerciais não estão sujeitas ao ISS,
ficando totalmente à margem do referido cadastro.
Essa difusão espacial das atividades empresariais pode ser
constatada em outras fontes. Segundo as estatísticas do Cadastro Central de
Empresas (IBGE, 2014), o número de companhias que dispõem de mais de uma
unidade local vem aumentando em relação ao número de empresas com unidade
local única. Tomemos, como exemplo, dois segmentos industriais que se
destacam pelo emprego intensivo de mão de obra: a metalurgia e a fabricação de
automóveis. Em ambos, o percentual de empresas com mais de uma unidade
local cresceu significativamente entre 2006 e 2014 (36% e 63%,
respectivamente) ilustrando a tendência empresarial à ampliação do âmbito
geográfico de atuação.
Parece não haver dúvidas de que o perfil territorial do trabalho
mudou sensivelmente nas últimas décadas. Se no passado a prestação
profissional do trabalhador ocorria de forma concentrada no local de celebração
do contrato, hoje ela não mais se fixa no espaço de maneira estática. Um dado
adicional serve de apoio a essa afirmação: entre janeiro e outubro de 2016, um
total de 11.377 novas ações trabalhistas foram apresentadas à Justiça do
Trabalho tendo como objeto questões relacionadas à transferência do trabalhador
ou ao respectivo adicional legal (TST, 2017).
Além dessa notável mudança na amplitude territorial da prestação de
trabalho, outra alteração significativa ocorreu nas últimas décadas. Em 1942,
havia no Brasil 1.090 sindicatos, entre agremiações de empregados e
13
empregadores (IBGE, 1946, p. 379). Atualmente, existem 16.465 entidades de
representação dos interesses dos trabalhadores e patrões com registro ativo no
Ministério de Trabalho e Emprego (MTE, 2017a).
Esse enorme contingente de entidades sindicais vem produzindo um
número igualmente impressionante de normas coletivas. Em consulta realizada
junto ao Ministério do Trabalho e Emprego, em 14 de fevereiro de 2017,
constatou-se a existência de nada menos que 5.478 convenções coletivas e
28.301 acordos coletivos de trabalho em vigor em todo o País no momento da
pesquisa. Considerando que os acordos coletivos têm eficácia subjetivamente
delimitada, convém lançarmos atenção às convenções coletivas de trabalho, cujo
alcance atinge todos os integrantes de uma categoria profissional; no Brasil, em
um mesmo dia, havia mais de 5 mil diplomas normativos de Direito do Trabalho
em vigor. Embora o número total se refira a diversas categorias econômicas e
profissionais, algumas delas estão submetidas a um plurinormativismo que beira
a irracionalidade. A indústria da construção civil, como um todo, contava com
411 convenções coletivas de trabalho em vigor na data da consulta (MTE,
2017b).
Esse plurinormativismo intracategorial, aliado à cada vez mais
intensa mobilidade interna de trabalhadores, constitui um ambiente perfeito para
o surgimento de colisões entre diferentes sistemas legais. O setor da construção
civil, acima destacado nas estatísticas sobre normas coletivas, é um bom
exemplo. Tal segmento da economia é movimentado pela demanda de serviços
e não por sua oferta, ou seja, o construtor é acionado para realizar a obra no local
do cliente, e não o oposto. Sabe-se, ainda, que as atividades realizadas pelas
construtoras sempre assumem um caráter de transitoriedade, o que faz com que
os trabalhadores, ao final da obra, sejam destacados para outro local. Tais fatores
constituem uma fórmula perfeita para o presente estudo: são trabalhadores que
se movem de forma sucessiva por diferentes cidades, estados e regiões, algumas
vezes se fixando em um local por curtíssimos períodos, outras vezes por períodos
mais prolongados.
14
Um trabalhador da construção civil, por exemplo, é destacado para
realizar um trabalho com duração de uma semana em uma cidade diversa
daquela em que o seu contrato foi celebrado ou que, no momento, estava sendo
executado. Durante esse período, a empresa deverá aplicar a norma coletiva
celebrada pelo sindicato que possui base territorial na cidade para a qual ele foi
enviado, ou deverá continuar respeitando as disposições da norma coletiva que
vinha sendo aplicada, convencionada pelo sindicato sediado no local de origem?
Algumas situações devem ser levadas em conta antes da resposta.
Vamos supor que a convenção coletiva vigente na origem preveja um adicional
de horas extras de 60%, enquanto a norma coletiva em vigor na cidade de destino
o estabeleça em apenas 50%. Seria razoável aplicar a norma coletiva da cidade
de destino nesse caso? Os trabalhadores que ficaram na cidade originária, que
não sofreram o desgaste da viagem e os transtornos que a distância da residência
causa a qualquer pessoa, devem receber um adicional de horas extras em
percentual superior, enquanto o trabalhador destacado, já em condição de maior
desgaste físico e mental, deve receber um valor menor pelo mesmo título? Por
outro lado, suponha-se que o valor do subsídio para alimentação (vale refeição)
previsto na norma coletiva da cidade de destino seja maior e assim tenha sido
convencionado porque o custo de vida naquela localidade é maior do que o custo
de vida médio na cidade de origem. Seria razoável que, nesse último caso, o
trabalhador tivesse sua alimentação prejudicada porque a empresa o destacou
para um local em que os custos com refeição não podem ser supridos pelo tíquete
alimentação fornecido?
Outras questões poderiam ser adicionadas ao problema. Imagine-se
que, justamente naquela semana, ocorra o reajuste coletivo anual da categoria na
cidade de destino. O trabalhador destacado seria beneficiado? E se, juntamente
com essa nova convenção coletiva que estabeleceu o reajuste, estiver prevista
uma participação nos lucros em valor inferior à prevista na convenção da cidade
de origem. Ele receberia menos que seus colegas apenas porque permaneceu
uma semana em outra cidade?
15
Como se observa, tanto faz afirmar que deva ser aplicada a norma
coletiva convencionada pelo sindicato da cidade de destino ou a norma subscrita
pela entidade do local de origem; em ambos os casos, o resultado será
insatisfatório, incompleto e, como consequência, não atenderá aos anseios de
justiça, igualdade e racionalidade; mais ainda, esse único trabalhador perderá a
sua identificação com o grupo originário de trabalhadores, na medida em que
poderá ser tanto privado de alguns direitos como beneficiado com outros; em
qualquer uma dessas situações ele se tornará um caso único e isolado na empresa.
As questões acima cogitadas constituem apenas algumas das
diversas variáveis que devem ser levadas em conta no enfrentamento do
problema. Se alguém defender que o trabalhador destacado deverá se sujeitar às
normas coletivas subscritas pelo sindicato da cidade de destino, então estará
propondo a premissa de que a relação de emprego é regida pela norma coletiva
celebrada pelo sindicato que tiver base territorial no local da prestação de
serviços; em sentido contrário, caso se afirme que se deva manter a aplicação
das normas coletivas da cidade de origem, então a premissa defendida será a
oposta, a de que o contrato de trabalho rege-se pelas normas coletivas vigentes
no local da contratação ou no domicílio do contrato de trabalho.
Defender a primeira premissa (norma do local de destino) equivale
estabelecer uma regra que em alguns casos pode ser inexequível, o que lhe
retiraria eficácia por ausência de concreção no plano empírico. Basta imaginar,
por exemplo, um técnico que realiza manutenções que demandam poucas horas
e são realizadas em clientes situados em diferentes cidades, cada uma delas base
territorial de um sindicato distinto. Se esse técnico permanecer um dia em cada
cidade ou, cenário mais complexo ainda, executar atividades em duas ou mais
cidades em um único dia, como seria possível aplicar normas coletivas diversas
para períodos tão curtos? Se uma dessas normas prescrever, por exemplo, uma
estabilidade pré-aposentadoria, como essa disposição poderia ser fragmentada?
Do outro lado, sustentar a continuidade da aplicação das normas
coletivas da origem implicaria solução que ignora as diferenças econômicas
regionais e seu impacto nos direitos previstos nos instrumentos de contratação
16
coletiva; além disso, deixaria os empregados destacados transitoriamente por
tempo maior – meses, anos – à margem dos direitos que são assegurados aos
trabalhadores locais.
A pesquisa, a seguir relatada, se dedicou a construir um modelo
teórico capaz de descrever e sistematizar a eficácia das normas coletivas de
trabalho no espaço. Ao pensarmos em eficácia espacial, estamos introduzindo o
seguinte problema: os instrumentos de contratação coletiva são hábeis para reger
o fato trabalho ocorrido apenas dentro da base territorial do sindicato subscritor
do documento ou, diversamente, tais normas produzirem efeitos em uma
dimensão espacial mais ampla, a ponto de também alcançarem o trabalho
prestado em localidade distinta, inserida na base territorial de outra agremiação
sindical? Se a pesquisa concluir pela eficácia espacial mais aberta, caberá a ela
o ônus de propor uma modulação para tais efeitos ultraterritoriais das normas
coletivas de trabalho.
O título que foi dado ao trabalho antecipa ao leitor o resultado que a
pesquisa alcançou. E não há nada de extraordinário nele. Basta nos afastarmos
um pouco e lançarmos um olhar panorâmico sobre a ciência jurídica: se até as
leis de um Estado soberano são capazes de produzir efeito dentro do território de
outra nação, alcançando pessoas lá situadas, fatos lá ocorridos e relações
jurídicas lá desenvolvidas, por que o mesmo não poderia ocorrer no plano interno
em relação às normas coletivas de trabalho, estas que sequer envolvem
problemas de soberania ou de ordem pública? A extraterritorialidade da lei é
absolutamente assimilada pelo Direito Penal, pelo Direito Administrativo, pelo
Direito Tributário e por todo o Direito Privado, a ponto de empolgar a
consolidação de um ramo específico da ciência jurídica dedicado a estudar e a
organizar tal fenômeno. E o Direito do Trabalho não excepciona tal carga
eficacial da lei, como será visto no corpo do presente relatório.
A expressão eficácia ultraterritorial é adotada pela presente pesquisa
como referente à capacidade de um instrumento de contratação coletiva alcançar
o fato trabalho ocorrido em local diverso da base territorial do sindicato que o
formalizou. Devemos entender como fato trabalho o adimplemento da prestação
17
característica do contrato de emprego, portanto, a execução das atividades
laborais de encargo do trabalhador.
Alguns esclarecimentos adicionais devem ser feitos quanto ao título
do trabalho. O primeiro deles diz respeito à utilização do prefixo ultra e não do
prefixo extra, comumente empregado em Direito Penal e também visto com
frequência no Direito Internacional. O prefixo extra é utilizado em referência à
capacidade que a lei possui de alcançar um fato ocorrido no exterior, em
localidade situada além das fronteiras nacionais. O primeiro motivo para a
utilização do prefixo ultra foi a necessidade de se criar uma marca distintiva
desse efeito transnacional, uma vez que o presente documento relata pesquisa
que tem por objeto a eficácia das normas coletivas de trabalho no plano espacial
interno do Brasil. Não se insere em seu escopo a eficácia de tais normas no
âmbito internacional, apesar de algumas conclusões alcançadas no estudo
poderem ser aplicadas às designações de trabalhadores para território
estrangeiro.
O segundo motivo relaciona-se com o fato de que a expressão ultra
tem um sentido mais consentâneo com a ideia de expansão, ampliação,
transbordamento. É exatamente a ideia que a pesquisa propõe, a de que as
normas oriundas da contratação coletiva não operam apenas sobre o fato trabalho
ocorrido na base territorial do sindicato que a subscreveu, mas expandem,
ampliam, transbordam a sua força eficacial para reger o trabalho prestado além
desse âmbito geográfico.
O terceiro e último motivo está relacionado ao fato de que a eficácia
ultraterritorial das normas coletivas de trabalho, como se verá, será deflagrada
principalmente nos casos de destacamento do trabalhador para outra localidade,
situação em que o contrato de trabalho poderá se manter, no todo ou em parte,
sob a regência da norma coletiva do local de origem. Essa espécie de
arrastamento da norma coletiva de um local para o outro parece ser mais bem
representada pelo prefixo ultra do que pelo prefixo extra.
18
E por que se trata de uma teoria? Karl Popper (2013, p. 53) explica
que uma teoria é como uma rede que lançamos para capturar o mundo de nossas
experiências; é um conjunto de enunciados universais que se propõe a
racionalizar, explicar e dominar um fenômeno ou uma ciência empírica. Foi tal
definição de Popper que nos motivou a tratar o presente trabalho como uma
teoria. E assim o fizemos porque a eficácia ultraterritorial das normas coletivas
constitui um fenômeno concreto, real, facilmente observável por qualquer
profissional ou pesquisador do Direito do Trabalho. É absolutamente comum
que trabalhadores sejam designados para realizar trabalhos pontuais de
curtíssima duração em localidades diversas – linhas atrás demos o exemplo de
um técnico que realiza manutenções em clientes da empresa por um único dia
ou por poucas horas. Seria razoável exigir que a empresa aplicasse as normas
coletivas do local de destino por um único dia ou, o que seria mais complexo
ainda, por algumas horas? É uma exigência concretamente exequível? O plano
empírico responde negativamente: nenhuma empresa procede dessa forma,
sendo invariável que elas mantenham a aplicação das normas coletivas do local
de origem nesses curtos deslocamentos. E o mais representativo: não se
observam ações trabalhistas questionando tal procedimento, o que significa que
existe, no plano social, a assimilação da ideia de que o fato trabalho pode ocorrer
em um local, porém ser regido por normas coletivas oriundas de outro lugar.
O exemplo acima diz respeito a um trabalhador deslocado por
poucas horas ou por um dia inteiro, o que pode parecer uma situação singular a
ponto de não representar um fenômeno efetivamente relevante do ponto de vista
científico. Discordamos de tal objeção. O tempo de duração do destacamento do
trabalhador – poucas horas, alguns dias, alguns meses – é um problema que será
examinado por ocasião da modulação dos efeitos ultraterritoriais das normas
coletivas. O que importa nesse momento é apenas ressaltar que a possibilidade
de a norma coletiva alcançar o trabalho prestado em outro lugar é um fenômeno
real, assimilado por empregadores e trabalhadores. Isso é suficiente para
despertar o interesse científico de racionalizá-lo, explicá-lo e dominá-lo, como
quer Popper.
19
A respeito do método da pesquisa, deparamo-nos com um problema
inicial que, posteriormente, se mostrou um valioso instrumento para o
desenvolvimento do trabalho: a ausência de material bibliográfico específico
sobre o tema.
Os países que de fato reconhecem a liberdade sindical não concebem
a ideia de base territorial. Neles, os coletivos de trabalhadores – que aqui
conhecemos como categorias profissionais – se autodeterminam, ou seja,
definem seu próprio alcance subjetivo, objetivo ou territorial. O sindicato
descreve e demarca a sua categoria, sendo o único representante dela; o
trabalhador passa a integrá-la no momento em que se filia ao sindicato e então
passa a se sujeitar às normas convencionais unicamente celebradas por ele. Não
existe conflito espacial interno de normas coletivas, embora possam existir
hierárquicos ou de legitimidade negocial, com os quais não nos ocupamos na
presente pesquisa. Na literatura estrangeira em Direito do Trabalho, não se
encontra, portanto, material bibliográfico específico em relação ao conflito de
normas coletivas no espaço interno.
No Brasil, diferentemente, vários sindicatos representam a mesma
categoria profissional, cada um deles atuando em uma área geográfica
específica. A mesma categoria, cujo trabalhador integra independentemente de
sua vontade, é regulada por diversas normas coletivas simultâneas, celebradas
pelas entidades de classe que a representam. É no momento em que a relação de
emprego tangencia diferentes ordens convencionais que surge o problema do
conflito interespacial de normas coletivas de trabalho.
Apesar de ser uma realidade muito próxima do modelo de
organização sindical vigente no Brasil, também não se observa entre nós material
doutrinário que tenha se dedicado ao enfrentamento do assunto. A pesquisa
encontrou uma superficial menção à eficácia ultraterritorial das normas coletivas
em Ronaldo Lima dos Santos (2014, p. 217), no ponto em que o referido autor
afirma que uma situação de transferência provisória não seria capaz de alterar o
estatuto jurídico do trabalhador, que continuaria vinculado às normas coletivas
do local de origem. Embora a obra de Santos seja de grande valor científico, não
20
presta contribuição para a presente pesquisa, na medida em que veicula
conclusões sem apresentar a correspondente construção teórica que lhes dê
sustentação.
Essa escassez de material bibliográfico específico, assustadora no
início, acabou se mostrando de grande valia, pois nos obrigou a ampliar o campo
de investigação científica para além das fronteiras do Direito do Trabalho. A
busca por modelos conceituais nos conduziu ao ramo da ciência jurídica
dedicada quase que exclusivamente ao problema do conflito de leis no espaço:
o Direito Internacional Privado. E a imersão nessa disciplina revelou dois
achados preciosos: o primeiro, amplamente conhecido, é que ela permeia todo o
Direito Privado, o que evidentemente inclui o Direito Laboral; o segundo, é que,
a despeito de sua denominação, o Direito Internacional Privado se aplica em sua
plenitude aos conflitos de leis ocorridos no espaço infranacional.
Existe um farto e riquíssimo material doutrinário em Direito
Internacional Privado que pode ser encontrado em importantes autores europeus,
nos minuciosos estudos do Conflict of Laws norte-americano e na fantástica
doutrina brasileira, representada por autores como Haroldo Valladão, Oscar
Tenório, Amílcar de Castro, Irineu Strenger, Jacob Dolinger, Carlos Roberto
Husek, dentre outros.
O Direito Internacional Privado restou definido como referencial
teórico da pesquisa, o qual está examinado no capítulo dois do presente relatório.
Ainda nesse capítulo, o estudo enfrentou a seguinte questão: uma relação de
emprego transnacional - caso do destacamento de um trabalhador para o exterior
- deve ser regida pelo Direito que qual país? O Direito do país de origem, o
Direito do país de destino ou ambos? Para responder a essa indagação, foi
necessário examinar o que faz uma determinada relação jurídica se conectar a
uma ordem jurídica específica, ou seja, investigar como se estabelece a ligação
entre fato jurídico e lei. O estudo analisou os clássicos elementos de conexão do
Direito Internacional Privado, focalizando aqueles eventualmente aplicáveis no
âmbito das relações de trabalho; em seguida, partiu-se à análise dos modernos
princípios de Direito Internacional Privado, dos quais decorrem regras de
21
conexão dinâmicas e que vêm, já há bastante tempo, substituindo o padrão
estático dos primeiros.
A pesquisa identificou que um desses princípios em particular
ganhou assento em praticamente todos os tratados e acordos internacionais
contemporâneos, integra a legislação interna recente de diversos países, conta
com o amplo apoio da doutrina atual, que o reconhece como o mais importante
instituto moderno do Direito Internacional Privado, e já foi invocado pela
jurisprudência trabalhista brasileira em diversas ocasiões.
O método de investigação empregado consistiu em se partir de uma
hipótese ou conjectura, deduzir suas consequências, aplicar testes de
falseabilidade e, ao final, corroborar ou refutar a hipótese ou conjectura inicial.
Tal método permitiu validar diversas premissas, as quais, em conjunto,
construíram um modelo de solução dos conflitos de normas trabalhistas no
espaço.
Em posse desse modelo, a pesquisa caminhou para o enfrentamento
de sua questão central, atacada no capítulo três, em que se discute propriamente
o problema da vinculação do contrato individual de trabalho a uma ordem
normo-convencional específica.
É nesse ponto que a pesquisa apresenta a sua tese central, que pode
ser sintetizada em três postulados: (i) o contrato individual de trabalho não é
regido, necessariamente, pelas normas convencionais celebradas pelo sindicato
cuja base territorial compreende o local em que o trabalhador executa as suas
atividades profissionais; (ii) a relação de emprego é regida pelas normas
coletivas com as quais mantiver um relacionamento mais estreito, em
conformidade com o princípio da proximidade; (iii) é possível que diferentes
aspectos do contrato de trabalho se conectem com diferentes normas coletivas,
conforme apresentem com elas uma conexão mais estreita, tal como orienta o
método da dépeçage.
22
O princípio da proximidade, como será visto, constitui um comando
de ordem valorativo-finalístico, a orientar que uma determinada situação jurídica
deve se conectar à lei (aqui, às normas coletivas) que se apresentar como mais
adequada, mais congruente, mais adaptada, mais intimamente ligada aos fatos e
às partes, enfim, a lei que se mostrar mais próxima da questão concreta
examinada. O princípio da proximidade produz uma regra de conexão específica
para cada caso, razão pela qual é reconhecido como o melhor instrumento para
obtenção de uma solução racional, coerente e justa.
Diante de tal indeterminação gerada pelo princípio da proximidade,
a pesquisa avançou e passou a investigar algumas presunções de conexão mais
estreita, evidentemente construídas de forma hipotética e apriorística. Além dos
objetivos citados no relatório, a opção de se conjecturarem algumas presunções
de proximidade decorreu da vontade, para nós uma necessidade, de se organizar
todo o conhecimento produzido pela pesquisa em um modelo teórico
imediatamente aplicável às relações de trabalho, de forma a dar maior concreção
à investigação científica realizada. Esse modelo está sistematizado na sequência
de enunciados apresentada no capítulo conclusivo do relatório.
O primeiro capítulo restou citado por último não por descuido.
Referida seção acabou sendo totalmente reescrita após a consolidação de
algumas ideias nascidas de algumas reflexões sobre o modelo de organização
sindical brasileiro. Em sua redação primitiva, o primeiro capítulo do trabalho
sintetizava e analisava criticamente a doutrina brasileira em relação a institutos
que, até então, reputávamos importantes para o posterior enfrentamento do
problema da pesquisa; questões como a natureza jurídica dos sindicatos e das
normas coletivas de trabalho, conceitos de categoria profissional e categoria
diferenciada, tipologia dos instrumentos de contratação coletiva, o problema da
representação e da representatividade sindical, dentre outras questões, habitavam
esse espaço. A ruptura com tal estrutura ocorreu por duas razões principais: a
primeira delas foi a constatação de que as questões mencionadas não
interessavam verdadeiramente à pesquisa. Como consta no corpo do relatório, é
irrelevante se a norma coletiva é um instrumento contratual ou um instrumento
de natureza legislativa, uma vez que a norma jurídica que emana de um contrato
23
obriga tanto quanto a norma que emana de uma lei; do ponto de vista do objeto
sobre o qual ela recai - o contrato individual de trabalho - a sua força jurídica
não se altera, ainda que a consideremos ter esta ou aquela natureza.
O segundo motivo é o não compartilhamento de algumas ideias. A
doutrina brasileira em Direito Coletivo do Trabalho, muitas vezes, porta-se como
um prisioneiro que desenha uma árvore na parede de sua cela para se imaginar
mais livre do que realmente é. Isso fica nítido nas discussões sobre a natureza
jurídica dos sindicatos, para muitos definidos como associações privadas de
caráter coletivo. Com todo respeito aos gigantes que se dispõem a falar sobre
Direito Coletivo no Brasil, não conseguimos conceber que um ente que exerce a
representação do trabalhador, mesmo contra a sua vontade, possa ser chamado
de associação. Melhor seria se o reconhecêssemos logo de uma vez como ele
realmente é: um ente legislativo não estatal. Não há nada de inovador nisso. O
Estado contemporâneo delega parte de suas atribuições a entidades privadas,
assim como ocorre, por exemplo, com as Organizações da Sociedade Civil de
Interesse Público, que, por meio de parcerias com o Poder Executivo, realizam
atividades próprias deste. Indo além, é possível dizer que a Lei de Arbitragem
delegou à iniciativa privada parte da competência de pacificar os conflitos
sociais, até então monopólio do Poder Judiciário. Não é diferente com as
atribuições regulatórias do Poder Legislativo, que há muito foram distribuídas a
entes não estatais como os conselhos profissionais (OAB, CRM, CREA, etc.) e
outras entidades, como a ABNT, por exemplo.
Essas constatações nos deram a liberdade para nos afastarmos de
discursos consagrados como verdadeiros e apoiarmos todo o primeiro capítulo
apenas em um exercício de racionalidade, evidentemente derivado de nossas
experiências pessoais.
Apenas mais duas notas devem ser feitas a título introdutório. A
primeira é que o presente trabalho emprega expressões diferentes para fazer
referência aos atos normativos decorrentes da contratação coletiva, porém todas
elas devem ser compreendidas como relativas a qualquer um desses documentos,
indistintamente. É que a pesquisa não se ocupa com o problema dos conflitos
24
hierárquicos de normas coletivas, ou com os efeitos de tais atos jurídicos sobre
os contratos individuais de trabalho, ou com outras dimensões de eficácia de
referidos instrumentos, como a temporal, por exemplo. Em relação ao único tipo
de eficácia investigada na pesquisa - a espacial - não há qualquer diferença se a
norma provém de uma convenção coletiva de trabalho, de um acordo coletivo de
trabalho, de um laudo arbitral ou de uma sentença normativa. Esses dois últimos
instrumentos não são citados no relatório (há apenas uma referência superficial
às sentenças normativas) porque um deles é tão raro a ponto de não justificar
maior espaço do que esse único parágrafo e o outro, mais comum, constitui uma
interferência antidemocrática na negociação coletiva que esperamos seja
extirpada da nossa ordem jurídica juntamente com a unicidade sindical e a
organização dos entes coletivos exclusivamente em categorias.
Por fim, o leitor não observará muitas referências aos sindicatos
patronais, o que pode parecer uma omissão de nossa parte. É que,
tradicionalmente, realizamos a vinculação do contrato de trabalho a uma ordem
normativa a partir do local em que o trabalhador executa as suas atividades
profissionais. Embora a tese defendida na pesquisa contrarie esse preceito, ela
confirmará que a conexão do contrato de trabalho às normas coletivas se faz,
como regra, a partir do polo laboral da relação de emprego. É por essa razão, e
para manter o discurso sempre em um mesmo sentido, que o estudo optou por se
concentrar nos sindicatos de trabalhadores.
25
1 A ORGANIZAÇÃO SINDICAL E O PLURINORMATIVISMO
INTRACATEGORIAL: INTRODUÇÃO AO PROBLEMA
DOS CONFLITOS ESPACIAIS DE NORMAS COLETIVAS
DE TRABALHO.
O Brasil adota um modelo de organização sindical muito particular,
possivelmente sem paralelo em países democráticos, que se destaca por
restringir, ex lege, a autodeterminação dos trabalhadores de se filiarem ou de
constituírem livremente uma entidade coletiva para a defesa e representação de
seus interesses.
Dentre os mecanismos supressores dessa esfera de liberdade,
encontra-se o critério de agregação dos trabalhadores em torno de um sindicato.
Segundo a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), um sindicato só pode ser
criado a partir de um grupo de trabalhadores definido segundo um critério de
classificação fixado na lei: seus integrantes devem compartilhar uma “similitude
de condições de vida oriunda da profissão ou trabalho em comum, em situação
de emprego na mesma atividade econômica ou em atividades econômicas
similares ou conexas” (art. 511, § 2º). Esse padrão de classificação dos grupos
de trabalhadores que poderão ser representados por sindicatos recebe o nome de
categoria profissional
Categoria profissional é uma construção jurídica apriorística que
delimita a dimensão subjetiva do sindicato e, com tal demarcação, acaba
rejeitando a existência de entidade que com ela não se identifique.
A CLT, editada há tantos anos, veicula uma definição de categoria
bastante restritiva e que, de forma impressionante, vem sendo utilizada desde
então. Essa longevidade conceitual pode resultar da adoção de vetores
hermenêuticos invertidos, o que, se assim confirmado, nos posicionaria diante
de um erro fundamental até então despercebido e que talvez seja o grande
obstáculo ao desenvolvimento da liberdade sindical no Brasil. Necessárias
algumas explicações, porém já deixando claro que este não é o objeto da
26
pesquisa ora relatada, razão pela qual nos sentimos à vontade para apenas
tangenciar o problema.
A questão pode ser enunciada de forma bastante simples, embora sua
solução esteja muito longe disso: ao falar em “categoria profissional ou
econômica” (art. 8º, II), a Constituição Federal de 1988 estaria fazendo
referência ao conceito de categoria até então existente na CLT ou ela estaria
atribuindo ao instituto uma nova dimensão, mais consentânea com o pluralismo
que a própria Carta adota com princípio fundamental (art. 1º, V)? Em outras
palavras, a “categoria” a que se refere a Constituição Federal de 1988 seria a
mesma a que se refere a CLT?
A solução dessa questão passaria necessariamente pelo problema da
adequação da legislação infraconstitucional preexistente a uma nova ordem
constitucional, tema que dispõe de riquíssimo acervo doutrinário. É justamente
nesse ponto que o pesquisador deverá colocar os vetores hermenêuticos na
posição correta (se é que é possível fixá-los de forma estática de algum modo) e
enfrentar algumas questões fundamentais. Uma nova constituição deve ser lida
e compreendida a partir do padrão da velha norma infraconstitucional, ou seja,
devemos fazer uma interpretação retrospectiva da lei, ou o correto seria analisá-
la de forma prospectiva, de sorte que a lei antiga é que seja adaptada às evoluções
do novo sistema constitucional? Ainda, devemos interpretar a Constituição
Federal a partir das leis ordinárias, adotando um vetor exegético ascendente, ou
o correto seria o inverso: deveríamos reinterpretar as normas infraconstitucionais
em vigor de maneira a conformá-las com a nova constituição? O enfrentamento
dessas questões pode conduzir à conclusão de que o conceito de categoria hoje
adotado no Brasil não é tão inflexível e encerrado em rigorosos limites legais,
como se imagina. Poderia, até mesmo, levar à afirmação de que a “categoria
profissional” a que se refere a Constituição Federal de 1988 nada mais é do que
a massa de trabalhadores conformada pela organização de um sindicato, ou seja,
categoria seria aquilo que o sindicato diz ser e não o que a lei afirma ser.
A ideia recém exposta – que, por não ter integrado o objeto da
pesquisa ora relatada, fica aqui lançada apenas em obter dictum – abre o espaço
27
para algumas considerações a respeito do processo de formação e das
características das entidades sindicais de trabalhadores. Para compreender tal
fenômeno complexo, que se projeta para além dos limites teóricos da ciência
jurídica, substituiremos a ideia de categoria profissional, pelo menos por ora, por
dois conceitos que serão úteis mais adiante: o grupo e a massa.
1.1 Grupos e massas.
Todos nós possuímos determinadas características comuns aos
indivíduos da nossa espécie, como o uso da razão, o domínio da comunicação
verbal, a consciência sobre a morte, etc. Essas características são os
identificadores gerais que nos reúnem em um grande grupo representado pela
espécie humana. A esse grande contingente de indivíduos, daremos o nome de
acervo.
Além dos caracteres gerais, compartilhamos experiências e
características específicas com outras pessoas. Trata-se de particularidades que
permitem segmentar o grande grupo, o acervo, em conjuntos menores, em
grupos de indivíduos. Assim, v. g., as pessoas que votaram em um mesmo
candidato em uma eleição, ou que sejam torcedores de um mesmo time de
futebol, ou que exerçam uma mesma profissão constituem grupos particulares
de indivíduos que podem ser destacados do acervo geral. Chamaremos esses
conjuntos menores singelamente de grupos.
Um grupo é formado por indivíduos coletados do acervo em função
da presença de uma característica comum entre eles. Tal característica pode ser
qualquer uma – o voto na última eleição, a equipe esportiva de preferência, a
profissão exercida, apenas para ficar nos exemplos já citados – e é escolhida por
aquele que pretenda formar o conjunto de pessoas. É a partir da escolha de uma
característica específica que é possível formar um correspondente grupo.
28
Os grupos são formados a partir de características específicas já
pertencentes aos seus integrantes. São características preexistentes à reunião dos
sujeitos em um conjunto. Por essa razão, podemos dizer que são características
externas ao ente coletivo em si, tomado como uma unidade, embora sejam
intrínsecas aos seus integrantes.
Um grupo é resultado do ato racional de classificação dos indivíduos
pertencentes ao acervo geral de acordo com a presença de alguma característica
comum a seus integrantes. É comparativamente o que a taxonomia faz ao
classificar as espécies biológicas em gêneros, famílias, ordens, etc. As
dimensões objetivas, subjetivas, espaciais e temporais de um grupo dependerão
diretamente da marca distintiva dos seus indivíduos escolhida pelo sujeito que o
organizou1. Assim, por exemplo, um grupo formado por pessoas que trabalham
- a ação de trabalhar seria o identificador específico de seus indivíduos – terá
dimensões subjetiva, espacial e temporal amplas, pois ele compreenderá todas
as pessoas que exercem uma atividade remunerada (ou não remunerada,
conforme se conceitue trabalho), seja por conta própria ou de forma subordinada,
em qualquer lugar e a qualquer tempo.
Diferentemente ocorreria, como exemplo, com um grupo formado
pelos trabalhadores de certo estabelecimento de uma empresa específica. Neste
caso, ainda que a dimensão do grupo também variasse no tempo, dado que
poderão ocorrer admissões e desligamentos, ela não teria a mesma
indeterminação espacial do grupo dado no exemplo anterior, uma vez que seus
integrantes teriam localização restrita e facilmente identificável. O grupo,
portanto, teria uma base territorial determinada, para já introduzirmos na
discussão uma expressão que será enfrentada adiante.
Como se observa, o grupo pode ter uma abrangência territorial
determinada ou não, a depender do elemento identificador dos indivíduos que o
1 Evidentemente, não estamos mais falando classificação biológica, que possui bases científicas objetivas. A expressão “grupo” é adotada em sentido lato, sem levar em conta situações pontuais que não interessam à pesquisa.
29
compõem e que foi escolhido pelo sujeito organizador. A massa, entretanto,
comporta-se de forma um pouco diferente.
A expressão massa é empregada neste relatório em um sentido
bastante específico, que tem como referente mais próximo a ideia de um corpo
coletivo de indivíduos interligados socialmente. Não se trata de um mero
contingente de pessoas reunidas a partir de um critério de classificação qualquer,
mas sim um conjunto de homens e mulheres conectados por algum elemento
efetivo que os une. A massa não é apenas a reunião de indivíduos em um grupo;
é mais do que isso, ela se constitui por um corpo homogêneo de pessoas atreladas
por um vínculo interno concreto.
A massa pode ou não ter origem em um grupo, pois são fenômenos
distintos e independentes. Enquanto este é dado puramente conceitual – um
simples ato de vontade do sujeito que o organiza – aquela inclui a presença de
um elemento aglutinador específico. O componente de adesão da massa vai além
da singela existência de características comuns entre os integrantes de um
conjunto de pessoas; estas interessam apenas à classificação que dá origem ao
grupo. O elemento que consolida a massa cria um corpo coletivo com identidade
própria. O elemento aglutinador da massa, portanto, é algo que imanta os seus
integrantes em um vínculo consistente e permanente.
A massa se consolida quando os seus indivíduos passam a se
conectar uns aos outros de maneira que o corpo coletivo, até então uma singela
reunião de pessoas, espontânea ou não, passe a ser homogêneo, coeso, estável e
dotado de uma identidade própria. Tal conexão, para produzir tal efeito, deve ser
assimilada pelos integrantes do grupo, não lhes podendo ser imposta;
corresponde, assim, a um dado cognoscitivo. O elemento aglutinador da massa
é, portanto, o vínculo interno que se estabelece entre os sujeitos do grupo.
Ao contrário das características que conformam o grupo, o elemento
adensador da massa não é preexistente à reunião dos indivíduos, mas sim
posterior à formação do conjunto de pessoas. Por essa razão, não se trata de um
atributo individual, algo pertencente ao sujeito isoladamente considerado. O
30
elemento que consolida a massa existe apenas porque a coletividade existe. É,
portanto, um atributo interno do ente coletivo em si.
Em linhas anteriores, servimos como exemplos de grupos os
coletivos de pessoas que tenham votado em um mesmo candidato em uma
eleição, ou que apoiem o mesmo time de futebol ou que exerçam a mesma
profissão. Tais grupos passarão à condição de massa no momento em que os seus
integrantes estiverem conectados mutuamente em um vínculo de unidade, de
fraternidade, de homogeneidade, de coesão, de pertencimento a este ente
coletivo específico. É com a consolidação desses grupos em massas que decorre
o surgimento do respectivo partido político, da torcida organizada ou do
sindicato de trabalhadores.
É pouco provável que indivíduos que não compartilhem laços diretos
ou não estejam inscritos na mesma ordem fático-social sejam capazes de,
efetivamente, nutrirem-se mutuamente com os atributos capazes de catalisar a
massa. Talvez seja mais fácil identificar esse fenômeno se focalizada a questão
no universo das relações de trabalho. Para tanto, adote-se como exemplo os
trabalhadores de algum setor da economia que seja universal, como é o caso da
construção civil; é difícil imaginar – e empiricamente não ocorre – que operários
brasileiros mantenham laços concretos de fraternidade com operários
australianos. Há, entre todos esses indivíduos, um identificador comum que os
agrega em um grupo: são operários da construção civil; não há, entretanto, o
elemento de massa de que tratamos. Retornaremos a essa questão mais adiante.
1.2 O padrão dos regimes democráticos: sindicatos de massas.
A vasta historiografia das organizações sindicais dá conta de que as
primeiras coalisões de trabalhadores teriam surgido como fenômeno diretamente
relacionado às precárias condições de trabalho que se seguiram às revoluções
dos séculos XVIII e XIX. As primeiras organizações estáveis de trabalhadores
teriam sido constituídas como núcleos depositários das forças de seus
31
integrantes, as quais, potencializadas pela adição de umas às outras,
transformariam o corpo coletivo em um ente forte o bastante para contrapor o
poder dos detentores dos meios de produção.
Se o relato histórico estiver correto, seria então possível afirmar que
as primeiras massas de trabalhadores foram catalisadas por uma situação fática
específica e concretamente vivida por seus integrantes. As condições precárias
de trabalho e o compartilhamento das mesmas experiências laborais teriam
criado uma identidade comum, um sentimento de unidade que imantou os
trabalhadores uns aos outros e serviu como elemento aglutinador dos primeiros
sindicatos.
Se de fato as primeiras organizações de trabalhadores foram forjadas
pela necessidade de reação a um contexto de exploração e precariedade, então
seria possível deduzir que o caminho percorrido até a constituição desses entes
teria como ponto de partida o despertar da consciência individual de injustiça,
passaria pela agregação e consolidação da massa de trabalhadores e culminaria
com a formação de uma entidade estável para defender os interesses dos seus
indivíduos. Quando falamos em agregação e consolidação da massa, ainda não
estamos fazendo referência a qualquer ato jurídico ou formal, mas sim à simples
constatação de uma identidade comum que a materializa. Da mesma maneira, a
formação de um organismo permanente de defesa ainda não pressupõe qualquer
formalidade jurídica, mas apenas a vontade de seus integrantes de criá-lo.
O movimento sindical transitou por fases de clandestinidade,
criminalização, tolerância, cooptação pelo Estado, até atingir o momento atual
de sua evolução, a plena liberdade de organização, filiação e atuação - exceto no
Brasil, talvez caso único dentre os países ditos democráticos. O processo de
desenvolvimento da liberdade sindical é riquíssimo, pois reflete mais do que a
história do sindicalismo; ilustra, também, a consolidação da democracia no
mundo.
A consolidação do movimento sindical alterou o modo como os
trabalhadores passaram a lidar com os conflitos de interesses que os opõem aos
32
seus empregadores. Tal mudança atingiu, sobretudo, a consciência deles
próprios - os trabalhadores - a respeito do papel que eles desempenham ou devam
desempenhar no concerto capital-trabalho. Os trabalhadores se deram conta de
que não precisam atuar de forma meramente reativa a uma determinada situação,
como coadjuvantes passivos dos acontecimentos; eles perceberam que são
agentes ativos dos fatos e protagonistas de seus próprios destinos.
A partir da constatação de que os trabalhadores podem se antecipar
ao conflito, o movimento sindical mudou de feições. O sindicato deixou de ser
apenas um recurso de defesa e reação para se tornar um instrumento de proteção
de todos os trabalhadores, independentemente das condições de trabalho por eles
efetivamente enfrentadas. Os entes coletivos de trabalhadores passaram a atuar
na implementação de melhores condições sociais aos seus integrantes e não
apenas em reação a situações específicas.
O modelo atual de organização dos entes sindicais (lembrando que
ainda não estamos falando do Brasil) permite que qualquer coletivo de
trabalhadores constitua livremente um sindicato, bastando, para tanto, que uma
condição muito simples seja observada: a vontade de fazê-lo. Os trabalhadores
reúnem-se e deliberam sobre a criação de uma entidade de classe. Essa decisão
espraia a vontade de cada integrante do grupo de constituir um corpo coletivo
coeso, permanente e com objetivos comuns.
Essa unidade de desígnios – a vontade - é o elemento aglutinador da
massa. Apoiados nos atributos da liberdade, trabalhadores da mesma profissão,
ou de várias, vinculados a uma ou mais empresas, atuantes ou não em uma
mesma região podem decidir fundar um sindicato. Até nesse momento, não
existe necessariamente entre eles um componente de adesão, não constituem,
pois, uma massa. A manifestação da vontade de constituir um ente coletivo
permanente injeta sobre o grupo o elemento aglutinado que o torna denso,
homogêneo, coeso. A massa, portanto, é consolidada pela vontade de seus
integrantes de fundar um sindicato. Nessa equação, massa e sindicato são
fenômenos contemporâneos e interdependentes.
33
A questão que mais importa ao presente estudo, já tangenciada
anteriormente, é a que diz respeito à abrangência da massa de trabalhadores.
Linhas atrás, cogitamos ser pouco provável que pessoas que não estejam
diretamente ligadas ou inseridas no mesmo fático-social sejam capazes de
criarem entre si os vínculos pessoais suficientes para catalisá-las em uma massa,
o que conduz à conclusão de que este tipo de corpo coletivo é sempre um
fenômeno local ou, pelo menos, limitado em termos espaciais. Tal formulação
parece ser verdadeira e aplicável às massas de trabalhadores. Todavia, é
necessário reconhecer que tal característica diz respeito apenas ao momento de
surgimento da massa, uma vez que ela pode, posteriormente, se expandir e
assumir dimensão territorial bastante ampla. Tome-se, como exemplo, uma
massa de trabalhadores de um determinado local ou de uma empresa que decida
fundar um sindicato; em momento posterior, trabalhadores de outras regiões ou
de outras empresas, em ato de vontade, resolvem aderir a essa massa que, por
sua vez, vai expandindo suas dimensões. É possível que tal expansão seja
tamanha a ponto de a massa passar a abranger todos os trabalhadores daquela
atividade econômica em âmbito nacional, e até transnacional, como vem
ocorrendo com os sindicatos comunitários europeus.
Observa-se, então, que a própria massa define o seu alcance. Se
substituirmos a expressão massa por uma expressão mais conhecida do Direito
brasileiro, seria possível dizer que, em um ambiente de liberdade sindical, a
categoria profissional é o que ela diz ser; abrange os trabalhadores que ela
própria deseja abranger; estende-se territorialmente pelo plano que ela quiser.
1.3 O modelo brasileiro: sindicalismo de grupos.
O modelo sindical brasileiro não descansa ao regaço da liberdade
sindical, ainda que alguns autores, talvez por terem vivido épocas de violentas
intervenções do Estado na organização e no funcionamento dos sindicatos,
façam notável esforço para enquadrar nosso sistema como semicorporativista ou
de semiliberdade. Pensamos que tais eufemismos só servem para atribuir um
34
caráter menor ao problema, já que a liberdade, pelo menos nesse âmbito, parece
não admitir concessões.
O sistema legal brasileiro de organização sindical é completamente
alheio à ideia de massa, ignorando por completo qualquer atributo interno do
ente coletivo ou elemento volitivo de seus membros. No Brasil, os sindicatos são
organizados a partir de um grupo e não a partir de uma massa de trabalhadores,
o que torna nosso modelo um caso provavelmente singular.
Como já se encontra escrito, um grupo é formado por indivíduos que
são coletados do acervo geral em função da presença de uma característica
comum entre eles, escolhida de forma discricionária pelo seu organizador. É
possível formar um grupo de pessoas a partir de qualquer característica – cor dos
olhos, etnia, nacionalidade, profissão; enfim, qualquer propriedade já
pertencente aos indivíduos. A formação de um grupo – sempre no sentido
empregado no presente trabalho - constitui um ato meramente classificatório e,
portanto, vinculado exclusivamente à vontade do sujeito que o ordena.
Do acervo geral de trabalhadores, é possível identificar indivíduos
partilhando uma condição comum qualquer e, como mero expediente
classificatório, afirmar que eles compõem um grupo específico. Tal grupo pode
compreender os trabalhadores que utilizam uma determinada ferramenta em sua
atividade, que estão submetidos a uma determinada jornada, que são empregados
por uma mesma empresa, que atuam em uma região específica, dentre inúmeras
outras possibilidades.
No Brasil, um sindicato só pode ser criado a partir de um grupo
resultante de um critério de classificação específico: seus integrantes devem
compartilhar uma “similitude de condições de vida oriunda da profissão ou
trabalho em comum, em situação de emprego na mesma atividade econômica ou
em atividades econômicas similares ou conexas” (art. 511, § 2º). O grupo
resultante dessa classificação é o que se conhece por categoria profissional.
35
O sindicato brasileiro é constituído a partir de um grupo e não de
uma massa de trabalhadores. Não existe, portanto, um elemento aglutinador de
seus indivíduos, interno ao ente coletivo, como era de se esperar nesse tipo de
organização. O sindicato no Brasil é resultado de um ato meramente
classificatório constante da lei, um standard jurídico apriorístico há muito
superado pelos países que outrora o adotaram. De todos os efeitos produzidos
pelo sindicalismo de grupos, como o problema da representatividade sindical,
existe um aspecto especialmente interessante para a presente pesquisa: a
dimensão espacial desse corpo coletivo.
Sendo o grupo apenas uma abstração classificatória, as suas
dimensões subjetiva e espacial (as que interessam neste momento) serão maiores
ou menores conforme o critério adotado em sua organização. Um grupo formado
por trabalhadores da indústria, por exemplo, terá uma ampla dimensão subjetiva,
pois compreenderá trabalhadores de atividades de diversos segmentos
econômicos e uma indeterminação espacial, pois abrangerá todos os que
trabalham em companhias classificadas como tal, sem delimitação no espaço.
Se, ao contrário, fosse formado um grupo de trabalhadores de uma única
indústria ou de diversas indústrias situadas exclusivamente em uma determinada
região, as dimensões desse grupo estariam mais delimitadas em termos
subjetivos e demarcadas em termos espaciais.
A legislação federal brasileira, como se disse, estabelece o critério
de classificação dos grupos que serão representados por entidades sindicais. O
critério legal, a chamada categoria profissional, contém em sua enunciação
apenas os limites subjetivos do grupo; não há, em sua formulação (CLT, art. 511,
§ 2º), qualquer delimitador espacial do coletivo de trabalhadores que será
representado por um sindicato. Não há, por exemplo, a categoria dos
metalúrgicos de uma determinada empresa ou de um determinado local. Há,
apenas, a categoria dos metalúrgicos, dos bancários, dos químicos, dos
professores, dentre inúmeras outras.
A massa de trabalhadores, como se viu, se autodetermina em suas
dimensões subjetiva e espacial. O modelo brasileiro de grupos sindicais, ao
36
contrário, rígido por imposição legal, é dotado apenas de limites subjetivos, o
que o torna invariavelmente um ente difuso no espaço. Além dessa distinção,
outra que demarca bem a diferença entre os modelos diz respeito à correlação
entre a massa ou o grupo e seus respectivos sindicatos.
Nos sistemas que reconhecem a liberdade sindical, há, como já se
deixou claro, uma correspondência entre a massa e o seu sindicato, na medida
em que existe uma interdependência entre os dois fenômenos. A massa que cria
o sindicato ao mesmo tempo é catalisada pela vontade de seus integrantes de
constituir tal órgão permanente de tutela de seus interesses. O sindicato tem a
mesma dimensão da massa e é seu único e exclusivo representante. Uma norma
coletiva de trabalho subscrita por um sindicato se aplica exclusivamente à sua
massa de trabalhadores. Não existem duas ou mais entidades sindicais editando
normas coletivas para a mesma massa de trabalhadores.
No sistema brasileiro de organização por grupos, por sua vez, é
possível que diferentes sindicatos representem a mesma categoria profissional;
a lei apenas veda que não o façam dentro de uma mesma área territorial. Não há,
portanto, a mesma correspondência entre o corpo coletivo de trabalhadores e o
sindicato que o representa. E é justamente essa fragmentação da representação
da categoria que dá origem ao conflito de normas coletivas no espaço. Nesse
ponto, entra em discussão outra questão relevante: as chamadas bases territoriais.
1.4 O problema das bases territoriais.
A doutrina há muito vem delineando a distinção entre o coletivo de
trabalhadores (entre nós, a categoria profissional) e o respectivo sindicato. É
frequente, talvez uníssona, a afirmação de que ambos são institutos
absolutamente diferentes; o primeiro, o titular do interesse jurídico; o segundo,
a entidade de representação e tutela dos interesses daquele.
37
Como visto na seção anterior, o Brasil adota um modelo de
organização sindical que se baseia na representação de grupos de trabalhadores,
cujo parâmetro legal de ordenação, a categoria profissional, não envolve bases
geográficas. Situação diferente ocorre com arranjo das entidades de
representação desses grupos, os sindicatos. A lei brasileira, por força da
unicidade sindical que insiste em se manter entre nós, determina que cada
entidade de representação defina em seus estatutos a sua base territorial de
atuação, vinculando-a a esse espaço territorial e controlando eventuais
superposições de bases por entes sindicais diferentes. Como consequência,
ocorre no Brasil uma situação talvez sem correspondência com outros sistemas:
diversos sindicatos acabam representando a mesma categoria profissional, cada
um deles dentro de uma área delimitada. Essa espécie de loteamento da
representação da categoria profissional é o ponto exato em que se originam os
conflitos de normas coletivas no espaço, objeto da presente pesquisa.
A legislação brasileira trata das chamadas bases territoriais apenas
quando se refere à organização dos sindicatos2. A ideia de base territorial está
ligada à distribuição e ordenação das entidades de representação no plano
nacional. Base territorial, portanto, é um instituto relacionado ao ente sindical e
não às categorias profissionais. De forma mais direta: quem possui base
territorial é o sindicato e não a categoria por ele representada.
A lei refere-se às bases territoriais como instrumento de preservação
da unicidade sindical; diz respeito, portanto, a organização dos sindicatos. A
categoria profissional, por sua vez, constitui um ente jurídico difuso, que não
está apreendido em zonas geográficas. O art. 516 da CLT confirma esse
pensamento ao dizer que “não será reconhecido mais de um sindicato
representativo da mesma categoria econômica ou profissional, ou profissão
liberal, em uma dada base territorial”. É fácil perceber que a referida norma não
impede que mais de um sindicato represente a mesma categoria; apenas veda
que o façam dentro de uma mesma base territorial. Não fosse assim, bastaria que
2 Tal como se observa no art. 8º, II, da Constituição Federal de 1988 e nos arts. 516, 517, §§ 1º e 2º, 520, 530, III, dentre outros, da Consolidação das Leis do Trabalho.
38
a norma proibisse que dois ou mais sindicatos representassem a mesma
categoria, sem necessidade de se fazer menção à área de atuação das entidades.
1.5 Noções preliminares sobre o problema dos conflitos
intersistemáticos de normas coletivas de trabalho.
Com espaço garantido em grande parte das pesquisas em Direito do
Trabalho, a antiga discussão acerca da natureza jurídica dos sindicatos desperta
legítimo interesse acadêmico. Compreender um objeto ou um fenômeno jurídico
em si, no caso, entender o que é o sindicato, pode ter importância fundamental
para um estudo investigativo, a depender de seu objeto e do problema que se
propôs a enfrentar.
Para a presente pesquisa, investigar a natureza jurídica do sindicato
constitui uma questão que se revelará secundária, daí porque não haverá imersão
profunda em tal problema. Explicamos: A questão central examinada na
pesquisa é a relação que existe entre o contrato individual de trabalho e as
normas que decorrem da contratação coletiva. O objeto do presente estudo não
é o sindicato ou a norma coletiva tomados em si, mas a forma como essa última
interage e projeta efeitos sobre contrato de trabalho, ou, de forma mais
concentrada, como tais efeitos são assimilados pelas partes da relação de
emprego.
Tome-se, como exemplo, um contrato de locação de imóvel. A
relação jurídica existente entre o locador e o locatário é regulada tanto pela lei
como pelas disposições que as próprias partes convencionaram no contrato de
locação. O vínculo que se estabelece entre eles, portanto, é regulado por um
conjunto de normas jurídicas que provém de fontes diferentes; um ente
legislativo externo e a autonomia privada dos contratantes. Independentemente
da origem do ato normativo – a lei ou o próprio contrato – ele projeta sobre a
relação jurídica uma ordem direta, imediata e plenamente exigível. Para as partes
do contrato de locação, é irrelevante se a norma é proveniente do ajuste de
39
vontades ou de um ente legislativo; a carga obrigacional é a mesma. A norma
que nasce de um contrato obriga tanto quanto a norma que nasce de uma lei.
Além da legislação heterônoma estatal (leis) e das normas
autônomas privadas (regulamento empresarial e o contrato de trabalho), a
relação de emprego também é regida pelas normas coletivas de trabalho que lhe
são aplicáveis. Para o contrato individual de trabalho, é irrelevante se tais normas
convencionais constituem ato legislativo ou ato contratual; os efeitos em um ou
outro caso são exatamente os mesmos. A norma prevista em convenção ou
acordo coletivo de trabalho incide sobre a relação de emprego com a mesma
força eficacial independentemente de sua origem contratual ou legislativa. A
Constituição Federal e a lei atribuem ampla carga normativa à convenção ou ao
acordo coletivo de trabalho e tal força obrigacional não depende de sua natureza
jurídica.
Deduzindo-se ainda mais a questão, podemos imaginar uma
categoria profissional representada por diversos sindicatos, cada um deles
atuando na base territorial mínima legal, que corresponde a um município. Cada
um desses sindicatos formalizou com as entidades patronais uma convenção
coletiva de trabalho própria, criando um ambiente de plurinormatividade para a
respectiva categoria profissional (lembrando: a categoria profissional é única,
não se vinculando a bases territoriais). Se tais normas convencionais são atos
contratuais ou atos normativos, pouco importa; os contratos individuais de
trabalho deverão respeitá-las igualmente.
O problema fundamental da presente pesquisa consiste em saber
qual dessas diferentes ordens convencionais deve reger o contrato individual de
trabalho. Seria a ordem vigente no local de contratação do trabalhador? Ou seria
a ordem em vigor no local de execução do contrato? E se o trabalhador for
destacado para realizar atividades em localidade diversa, qual das diferentes
ordens deve reger a relação no período, a do local de origem ou a do local de
destino? Como se observa, a questão central diz respeito à vinculação do
contrato individual de trabalho a uma ordem normo-convencional. Se esta última
40
decorre de um ato de natureza contratual ou legal, pouco importa, pois a sua
força imperativa é a mesma.
Existem no mundo diversas ordens jurídicas distintas. Como definir
qual dessas ordens jurídicas deve reger um determinado fato ou uma relação
jurídica específica? Por exemplo: qual ordem jurídica deve reger a capacidade
civil de uma pessoa? Existem várias possibilidades: a lei do país em que ela
nasceu, a lei do país de sua nacionalidade, a lei do país do seu domicílio, a lei do
país em que ela celebrar o negócio jurídico no qual se controverte a sua
capacidade civil, a lei do país em que se situar o órgão judiciário que deve decidir
sobre a questão, dentre outras.
O Direito consolidou um sistema de princípios e regras que se dedica
a solucionar exatamente esse problema, informando qual ordem normativa
estatal deve reger cada fato ou relação jurídica. Esse sistema de princípios e
regras, organizado em um ramo autônomo da ciência do Direito, estabelece uma
espécie de ligação entre a situação jurídica e a ordem normativa estatal que
deverá regê-lo. A nossa Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro, por
exemplo, estabelece que a capacidade civil deve ser regida pela lei do país em
que a pessoa tiver seu domicílio. Nesse caso, o domicilio é o elo que estabelece
a ligação entre o fato jurídico (a capacidade civil) e a ordem estatal que deverá
regê-lo.
O mesmo ocorre com as relações contratuais. Qual Direito deve
reger os aspectos formais e substanciais de um contrato, o Direito do local em
que o ajuste foi constituído, do local em que a sua prestação característica deva
ser executada ou a lei do foro competente ou escolhido pelas partes para a
resolução de eventuais conflitos? Para solucionar tal problema, é necessário
investigar qual é o componente que estabelece o acoplamento do fato com uma
ordem jurídica específica. Esses elos, chamados de elementos de conexão, são
variados: nacionalidade, local do domicílio, local de situação do bem, a lei do
foro, local de celebração do contrato, local de execução do contrato, etc.
41
Assim, vamos supor que a presente pesquisa alcance a conclusão –
isso é apenas um exemplo – de que o contrato de trabalho deva ser regido pelas
normas convencionais vigentes no local em que o empregador mantém sua sede
administrativa e não pelos instrumentos normativos em vigor no local de
execução dos respectivos serviços. Para chegar a essa conclusão, a pesquisa teria
que demonstrar que o Direito em vigor indica o local da sede da empresa como
elemento de conexão do contrato individual de trabalho às normas coletivas.
Como consequência, a pesquisa estaria afastando outro elemento de conexão que
há muito habita o nosso pensamento: o local de execução do contrato (locus lex
executionis).
No momento em que a pesquisa negasse a locus lex executionis,
então deixaria de existir qualquer relacionamento entre o contrato de trabalho e
as normas coletivas vigentes no lugar em que o trabalhador executa as suas
atividades (supondo-se que a sede da empresa fique em outra localidade). Essa
questão deve ser bem entendida: a pesquisa não estaria negando eficácia às
normas do local de execução do contrato; elas continuariam plenamente
eficazes, apenas não se aplicariam à relação de emprego em razão da adoção de
outro elemento de conexão.
O fenômeno não seria muito diferente em relação às normas do local
da sede da empresa. Não se estaria, em sentido estrito, postulando uma eficácia
distinta para essas normas; elas produziriam a mesma carga eficacial que as
normas vigentes no local de execução do contrato, porém, diferentemente do que
ocorreria com essas, o elemento de conexão previsto no Direito vigente as
indicariam para a regência do contrato de trabalho.
Para compreender adequadamente esse fenômeno, é necessário que
nos desvencilhemos de possíveis conceitos equivocados. É importante
compreender que a relação de emprego é uma realidade imaterial e não um
objeto que se pode determinar ou fixar no espaço. Um trabalhador é recrutado e
contratado em Recife para trabalhar em uma obra, situada em Salvador, de uma
empresa sediada no Rio de Janeiro. Quando se afirma que o contrato de trabalho
deve ser regido pelas normas coletivas de Salvador, está se dizendo, apenas, que
42
o elemento de conexão a ser adotado é a locus lex executionis e nada mais. Não
é possível dizer que o contrato está fixado em Salvador, simplesmente porque
ele é um fenômeno complexo que se constitui por atos realizados em diversos
locais diferentes. A relação de emprego, como realidade imaterial, não está
vinculada ao território.
O contrato de trabalho é, como um todo, um fenômeno difuso,
embora alguns de seus aspectos possam ser localizados no espaço – lugar da
contratação, da celebração, da execução normal, da execução acidental, da
resolução – ainda que os locais de todos eles sejam coincidentes. Esse fenômeno
difuso ocorre em um ambiente de plurinormatividade em que diversos sindicatos
exercem a representação da mesma categoria profissional, cada um deles em
uma base territorial específica. Sendo um fenômeno imaterial, a relação de
emprego tangenciaria todos esses espaços normativos, todos esses
microssistemas jurídicos. Todavia, apenas uma dessas múltiplas ordens
normativas é que terá a atribuição de reger o contrato de trabalho, tal como
indicar o Direito em vigor3.
É possível, então, chegar à conclusão de que cada norma coletiva de
trabalho produz seus regulares efeitos dentro da base territorial do sindicato que
a formalizou; o contrato de trabalho, como fenômeno difuso, é que transitaria
por todas essas bases e acabaria se vinculando a uma dessas diferentes ordens
normativas em razão do elemento de conexão indicado pelo Direito vigente.
Se bem observada, essa construção intelectual refuta a existência de
uma eficácia diferenciada das normas coletivas de trabalho, na medida em que
ela nos direciona à conclusão de que cada norma coletiva produz efeitos apenas
dentro da base de atuação da respectiva entidade sindical - o contrato de trabalho
que, de alguma forma, acabaria ingressando nessa zona geográfica e se
vinculando à ordem convencional nela vigente.
3 Adiante, observaremos a possibilidade de uma relação jurídica contratual ser regida ao mesmo tempo por diferentes ordens normativas, cada uma recaindo sobre determinados aspectos ou partes do ajuste.
43
Pensamos que é exatamente isso que ocorre. Como dissemos na
introdução do presente relatório, a expressão eficácia ultraterritorial é adotada
pela pesquisa como referente à possibilidade de as normas coletivas de trabalho
alcançarem o fato trabalho ocorrido em local diverso da base territorial do seu
respectivo sindicato. O fato trabalho nada mais é do que prestação de serviços
por parte do empregado. O contrato de trabalho, todavia, não se resume ao fato
trabalho; há outros fatos que compõem esse fenômeno complexo, como o fato
contratação, o fato domicílio profissional, o fato empregador, os quais nem
sempre ocorrem no mesmo lugar.
Nesse concerto de ideias, parece ser irrelevante discutir a natureza
jurídica do sindicato ou das normas decorrentes da contratação coletiva.
Todavia, como será visto mais adiante, o Tribunal Superior do
Trabalho vem enfrentando o problema da conexão do contrato de trabalho à
ordem normativa convencional a partir de uma perspectiva diferente. Em nossa
leitura, o Tribunal assimila o contrato de trabalho como um fenômeno fixado no
espaço, cuja respectiva âncora seria o local de execução da atividade laborativa.
A partir desse critério, o Tribunal Superior do Trabalho investiga qual ordem
normativa deve incidir sobre a relação jurídica de emprego.
Enquanto sustentamos que o contrato de trabalho é fenômeno difuso
e ele adere a uma ordem normativa convencional a partir do elemento de conexão
previsto no Direito, o Tribunal Superior do Trabalho propõe que o contrato de
trabalho se fixa, invariavelmente, no local em que o trabalhador executa as suas
atividades; restaria, então, investigar qual norma convencional incide sobre essa
relação jurídica localizada territorialmente.
Para definir qual norma convencional deve reger as relações de
emprego, o Tribunal Superior do Trabalho vem se apoiando em fundamentos
que ora são extraídos da teoria dos contratos, ora estão atrelados à ideia de
soberania. No momento próprio, a pesquisa examinará tais fundamentos, ocasião
em que examinará a norma coletiva de trabalho como contrato e como ato
legislativo não estatal.
44
A conexão de uma relação de emprego a uma ordem normo-
convencional específica constitui questão nuclear do presente estudo, pois
somente a partir da compreensão desse fenômeno é que se poderá solucionar o
problema da eficácia das normas coletivas de trabalho no espaço. Para essa
empreita, a pesquisa contará com o amplo aparato teórico da disciplina do
Direito que tem por objeto justamente o enfrentamento de tais matérias.
45
2 REFERENCIAL TEÓRICO: O DIREITO INTERNACIONAL
PRIVADO E OS CONFLITOS DE LEIS NO ESPAÇO.
Em seu Direito Internacional Privado, Amílcar de Castro (1987, p.
95) desafia o pensamento convencional ao afirmar ser ilusório supor que o
Direito está sujeito a limites territoriais. Para Castro, na medida em que as
relações sociais não estão adstritas a espaços, dado que são realidades imateriais,
o Direito que as regula também deve se portar como um fenômeno incorpóreo e,
como tal, não se limitar a zonas geográficas.
Afirmações como essa são frequentemente encontradas nos manuais
de Direito Internacional Privado e, em alguma medida, parecem subverter a
correlação que comumente se faz entre eficácia da norma jurídica, validade do
ato legislativo e soberania do Estado. Não há, contudo, nada de subversivo em
tais afirmações.
O Direito Internacional Privado é o ramo da ciência jurídica que se
dedica a compreender de que maneira um fato ou uma relação jurídica se vincula
a uma ordem legal específica, sobretudo quando eles tangenciam mais de um
ordenamento. Qual Direito deve reger o estatuto pessoal do indivíduo, seus bens
e suas relações jurídicas? Esse é o problema que a disciplina, daqui em diante
adotada como referencial teórico, se propõe a responder.
2.1 O Direito que transita por fronteiras.
A norma jurídica está vocacionada a produzir efeitos dentro dos
limites da soberania territorial (Estado) ou da competência (governos locais)
atribuída à autoridade que a editou. Como regra, portanto, a eficácia da norma
inscreve-se no mesmo âmbito espacial de poder do órgão que a produziu.
Entretanto, as pessoas e as relações jurídicas não permanecem
confinadas nos limites de uma única soberania ou competência legislativa,
podendo atravessar diversos espaços territoriais, cada um preenchido por normas
46
próprias editadas por seus respectivos entes de poder. Também não é incomum
que tais normas prescrevam direitos e obrigações divergentes, mas que,
igualmente, se mostrem hábeis a regular a situação jurídica de base.
O desenvolvimento da atividade mercantil na Idade Média estimulou
o trânsito de pessoas e bens por diferentes territórios dotados de sistemas
jurídicos próprios e autônomos. Tal fenômeno atraiu a atenção dos juristas para
o problema do estatuto jurídico aplicável aos direitos e obrigações derivados
desses bens ou pessoas em trânsito e de como solucionar eventuais conflitos
entre leis emanadas de fontes legislativas distintas que pretendam regular a
mesma situação. Qual seria o Direito aplicável a um litígio envolvendo relações
pessoais, reais ou comerciais travadas entre cidadãos originários de diferentes
lugares, ou neles domiciliados, cada um dotado de autonomia legislativa? Como
aplicar um Direito estático no espaço sobre relações jurídicas que não
reconhecem fronteiras e dinamicamente percorrem distintos campos jurídicos?
O mais antigo texto doutrinário a respeito do tema, segundo Amílcar
de Castro (1987, p. 127-128), seria um parecer de autoria e data desconhecidas
que teria se desenvolvido a partir seguinte indagação: “se homens de diversas
províncias, as quais têm diversos costumes, litigam perante um mesmo juiz, qual
desses costumes deve seguir o juiz que recebeu o feito para ser julgado?”. Em
resposta, o autor do texto teria invocado as lições de um jurista bolonhês do
século XII, chamado Aldricus, e que teria trabalhado no desenvolvimento de um
conjunto de regras com o objetivo de organizar os conflitos entre diferentes
normas editadas nas cidades-estados do norte da Itália, as quais dispunham de
autonomia legislativa. Ainda segundo Castro, haveria relatos que, na mesma
época (século XII), juristas dos Países Baixos, da França, da Alemanha e da
Inglaterra haviam despertados para o problema do Direito aplicável aos fatos
jurídicos que transcendiam cidades, povoações e províncias que, à época,
possuíam estatutos normativos próprios.
Desde então, todo o conhecimento produzido a partir do
enfrentamento desse problema, além de outras questões como a nacionalidade,
a condição jurídica do estrangeiro e o conflito de jurisdições, vem sendo
47
organizado pela disciplina que se convencionou chamar de Direito Internacional
Privado.
Por aderência ao objeto, a pesquisa se concentrará exclusivamente
no problema do conflito de leis. Em uma relação jurídica transnacional – um
contrato, por exemplo – qual Direito deve reger as obrigações das partes? O
Direito vigente no local em que a obrigação foi constituída ou a ordem jurídica
do local de sua execução? Tal questão suscita o problema inicial referido por
Amílcar de Castro: o Direito de um país pode transcender as suas fronteiras e ser
aplicado dentro do território de outro país? Este último, por sua vez, deve
respeitar o Direito estrangeiro e aplicá-lo em seu território?
Ao longo dos séculos, o Direito Internacional Privado se organizou
em um conjunto de regras e princípios que sistematizam a eficácia do Direito de
um país sobre fatos jurídicos ocorridos ou em relação às pessoas que nele se
encontram. Atualmente, esse sistema de “regras de sobredireito colisionais”
(DOLINGER, 2014, p. 39) integra a ordem jurídica de cada país, seja por
previsão no Direito positivo interno de cada um deles, seja por força de tratados
e convenções a que se obrigaram, seja em razão das outras fontes de Direito
assimiladas por seus ordenamentos. No caso do Brasil, por exemplo, a Lei de
Introdução às Normas do Direito Brasileiro constitui o estatuto legislativo
interno em matéria de Direito Internacional Privado; a Convenção do México
(OEA, 1994) é exemplo de fonte convencional; a doutrina, a jurisprudência e os
princípios de Direito Internacional Privado são fontes que integram o acervo
metodológico de solução dos conflitos normativos.
O que ocorre, nos tempos atuais, é que a ordem jurídica vigente em
todos os países, em alguma medida, assimila a eficácia do Direito estrangeiro
em seu território e, em determinadas hipóteses, impõe a sua aplicação. O Direito
de um país determina a aplicação do Direito de outro país. Hans Kelsen (2016,
p. 347-355) explica não haver, nesse concerto, qualquer subversão da relação
existente entre eficácia da norma e o poder do Estado, uma vez que a norma
estrangeira, em tais casos, deve ser considerada como incorporada ao Direito do
país cuja ordem interna determina sua aplicação. Kelsen complementa que não
48
se trata de escolher o Direito a ser aplicado à relação jurídica, pois é a própria
ordem jurídica do órgão aplicador do Direito que regula a observação de um ou
de outro sistema legal.
2.2 O amplo objeto do Direito Internacional Privado: dos conflitos
internos de leis aos conflitos internormativos transnacionais
Em sua origem, o ramo hoje conhecido como Direito Internacional
Privado tinha por objetivo exclusivo a solução dos conflitos entre ordenamentos
jurídicos diferentes, porém inseridos na mesma esfera nacional. A disciplina
surgiu no âmbito dos conflitos internos de leis – intermunicipais,
interprovinciais, intercantonais, etc. Em um momento posterior, com a expansão
territorial das potências europeias, esse novo ramo do Direito passou a se ocupar,
também, com os conflitos gerados pelo intercâmbio de pessoas e coisas entre as
metrópoles e suas colônias e possessões. Somente muito tempo depois, os
conflitos passaram à esfera transnacional (VALLADÃO, 1971, p. 13).
A denominação Direito Internacional Privada, ainda muito criticada,
passou a ser adotada somente alguns séculos depois4. Apesar da posterior
expansão desse ramo do Direito para envolver também o conflito entre nações
soberanas, o Direito Internacional Privado ainda se ocupa com os conflitos
interespaciais de leis locais – aspecto este de grande relevância para o estudo
aqui proposto.
Como ressalta Haroldo Valladão (1971, p. 15), a unidade legislativa
nacional atualmente adotada por muitos países, caso do Brasil, não constitui uma
regra, sendo, ao contrário, mais comum se observar a existência de uma
pluralidade legislativa interna, como ocorre, por exemplo, em modelos
federativos como os dos Estados Unidos da América e os das regiões autônomas
4 Segundo Amílcar de Castro (1987, p. 100 e 127), a denominação Direito Internacional Privado teria surgido pela primeira vez em uma dissertação acadêmica do jurista francês Jean-Étienne-Marie Portalis, de 1803, tendo sido repetida pelo americano Joseph Story em 1834 e seguida por Jean-Jacques Gaspard Foelix em 1843.
49
de diversos países da Europa. A existência de uma pluralidade de leis internas
de alcance espacial limitado resulta naturalmente em diversas situações de
colisões de normas infranacionais, configurando conflitos de leis interestaduais,
interprovinciais, inter-regionais, intercantonais, intertribais, etc.
Haroldo Valladão (1971, p. 16-17) faz uma crítica bastante severa à
pretensão de alguns autores em limitar o objeto de estudo do Direito
Internacional Privado exclusivamente aos conflitos de leis entre diferentes
nações, negando-o aos conflitos interespaciais locais, justamente a origem da
disciplina. Para Valladão, trata-se de uma “discriminação irreal, injusta e
aristocrática [que se apoia na] ideia tão arbitrária de soberania, o grande
corrosivo da justiça”, e desvia o Direito Internacional Privado de seu caminho
secular para “torná-lo simples afluente do direito internacional público”.
Referido autor é enfático ao rejeitar a concepção da disciplina como instrumento
regulador exclusivamente da sociedade internacional e assegura que ela deve ser
assimilada como o ramo da ciência do Direito que estuda as relações jurídicas
interespaciais e os fatos que possuam vínculos com diferentes ordens jurídicas
autônomas, sejam estas inter ou infranacionais.
Essa forma de compreender o Direito Internacional Privado não é
uma construção contemporânea; ao contrário, foi consolidada juntamente com o
desenvolvimento da própria cadeira jurídica. Haroldo Valladão (1971, p. 15 e 46
e segs.) afirma que até mesmo os autores que mais contribuíram para a difusão
da denominação Direito Internacional Privado, Joseph Story e Jean-Jacques
Gaspard Foelix, incluíam os conflitos normativos infranacionais –
interprovinciais, inter-regionais, etc. – no objeto de estudo da disciplina. Com
essa mesma compreensão, teriam se manifestado outros doutrinadores como
Savigny, Despagnet, Von Bar, Arminjon, dentre outros.
É certo, no entanto, que algumas vozes são ouvidas defendendo um
caráter mais restritivo ao Direito Internacional Privado. Entre nós, Oscar Tenório
(1968, p. 30-37) sustenta que os conflitos de leis não internacionais não estão
compreendidos no objeto da disciplina, na medida em que desafiam soluções
específicas conforme a sua origem – interprovinciais, interterritoriais,
50
interconfessionais, etc. – que muitas vezes rejeitam a aplicação de alguns
elementos de conexão e institutos típicos do Direito Internacional Privado,
como, v. g., a nacionalidade, as questões de ordem pública e os mecanismos de
retorno e remissão. Além desses aspectos, a solução dos conflitos interlocais
seria de expressão interna, não se conformando aos critérios de solução dos
conflitos entre leis de soberania diferentes.
A objeção feita por Oscar Tenório parece não fazer distinção entre o
que é um problema de mera aplicação do conjunto de normas do Direito
Internacional Privado e o que constitui o próprio objeto da disciplina. O fato de
uma determinada regra não ser aplicável a uma situação jurídica concreta,
reclamando que o operador recorra a outros instrumentos, não tem a capacidade
de, por si, excluir dos domínios de um ramo da ciência aquela relação de fundo.
O Direito do Trabalho é um bom exemplo dessa afirmação, já que compreende
uma multiplicidade de relações jurídicas que impõe a adoção de standards
normativos distintos, tal como se denota ao se comparar o conjunto de regras e
princípios aplicáveis às relações individuais e às relações coletivas de trabalho.
Por outro lado, a afirmação de Tenório equivaleria a confinar no escopo de uma
disciplina do Direito apenas as relações jurídicas que atraem a incidência das
mesmas normas jurídicas e institutos, o que fragmentaria a ciência em uma
infinidade de subdivisões.
Contudo, é em Irineu Strenger (1986, p. 27-32) que se encontra a
contestação de cada um dos argumentos utilizados pelos poucos autores que
rejeitam a inserção dos conflitos locais no objeto de estudo do Direito
Internacional Privado. Para Strenger, dois argumentos são adotados: (i) o
nominalístico, que diz respeito à denominação do ramo da ciência jurídica aqui
em estudo (“internacional”) e o (ii) substancial, que, tal como visto em Oscar
Tenório, afirma que o conflito interno de leis é notavelmente diferente do
conflito internacional de leis, dado que o elemento soberania está presente em
um, mas não em outro. A respeito do fundamento nominalístico, Strenger
sumariamente sentencia que se trata de uma “argumentação fraca porque não é
o nome de uma coisa que dá sua natureza”. Já a respeito do segundo argumento,
Strenger afirma que não existem diferenças na solução de um conflito interno ou
51
externo, tal como estaria devidamente evidenciado na extensa doutrina já
produzida sobre o tema. E o ponto central dessa equivalência seria justamente o
fato de que, ao ser aplicada, a lei estrangeira seria incorporada ao ordenamento
jurídico do país, tornando-se parte deste. Para Strenger, não há algum argumento
profundo que justifique a exclusão dos conflitos internos dos domínios do
Direito Internacional Privado.
Exatamente por essa razão, muitos autores criticam a denominação
atribuída a esse ramo da ciência jurídica, preferindo substituí-la por expressões
como direito intersistemático, direito polarizado, direito interjurídico, direito
interespacial, nomantologia ou, como largamente difundido entre os países
anglo-saxões, Conflict of Laws.
O objeto do Direito Internacional Privado são os conflitos de leis no
espaço e as relações jurídicas conectadas com leis autônomas e divergentes,
oriundas de fontes legislativas territorialmente independentes, sejam elas
infranacionais ou internacionais.
E mesmo aqueles que limitam o objeto de estudo do Direito
Internacional Privado aos conflitos internacionais de leis concordam que a
disciplina constitui fonte supletiva imediata para a solução das colisões internas
de normas (DOLINGER, 2014, p. 36).
2.3 A experiência brasileira em conflitos de leis no espaço interno: o
Direito Internacional Privado adotado como paradigma.
A organização política do Estado brasileiro deposita na União uma
competência legislativa quase absoluta, delegando aos estados e municípios um
poder residual para legislar sobre poucas matérias, quase sempre em caráter
concorrente com o Ente Federal ou sob sua regulação direta. Nesse ambiente, os
conflitos espaciais internos de leis são raros, praticamente inexistentes, o que
torna de difícil assimilação (i) a própria existência desses conflitos e (ii) que
52
estes são solucionados pela aplicação dos institutos do Direito Internacional
Privado.
A história brasileira, no entanto, relata que nem sempre houve
tamanha concentração de poder na União. A Constituição da República, de 1891,
delegava ao Congresso Nacional a competência privativa para legislar “sobre o
direito [...] processual da justiça federal” (art. 34, XXII), o que transferia aos
estados a atribuição de instituir normas reguladoras do processo civil de
competência das respectivas justiças estaduais. Diante de tal encargo
constitucional, cada unidade federativa editou um código de processo civil e
comercial próprio5.
Esse cenário de pluralidade legislativa em matéria processual chegou
a produzir conflito entre normas de diferentes estados. Em 1935, a Corte
Suprema brasileira, atualmente denominada Supremo Tribunal Federal,
enfrentou, provavelmente pela única vez em sua história, um caso envolvendo
um autêntico conflito interno de leis no espaço.
O conflito interestadual de leis surgiu no bojo de uma ação de
execução ajuizada na Comarca de Santos, Estado de São Paulo, em que se
demandava crédito garantido por hipoteca de imóvel situado na cidade de
Jacarezinho, Estado do Paraná. Após a penhora do imóvel hipotecado, o
exequente e os executados formalizaram acordo processual, expressamente
autorizado pelo Código do Processo Civil e Commercial de São Paulo (Lei
Estadual nº 2.421, de 14 jan. 1930), para que a avaliação e o praceamento do
bem ocorressem na Comarca de Santos, juízo da causa, e não no foro da situação
do imóvel (Jacarezinho). Embora a lei processual de São Paulo permitisse que
as partes assim pudessem dispor acerca da avaliação e da arrematação do bem
penhorado (art. 955, § 3º), o Código do Processo Civil e Commercial do Estado
do Paraná (Lei Estadual nº 1.915, de 23 fev. 1920) determinava expressamente
5 Esse modelo descentralizado foi extinto pela Constituição Federal de 1934, que atribuiu à União o poder privativo de legislar sobre matéria processual (art. 5º, XIX, “a”). Entretanto, até a edição do primeiro código de processo civil nacional, em 18 de setembro de 1939, os códigos estaduais mantiveram sua eficácia (CF de 1934, art. 11 das Disposições Transitórias).
53
que tais atos seriam de competência exclusiva do juízo da situação do imóvel,
não admitindo que as partes pudessem transacionar a esse respeito.
O tema foi levado à Corte Suprema no conflito de jurisdição nº
1.109, julgado em 11 de dezembro de 1935 sob o voto-condutor do ministro
Carvalho Mourão e acompanhado pela unanimidade dos integrantes da turma
julgadora. Na decisão, a Corte Suprema reconheceu a existência de uma
autêntica colisão entre leis estaduais e, em sua solução, invocou a regra do
Direito Internacional Privado que estabelece que o conflito a respeito da
jurisdição sobre imóveis deve ser solucionado pela lei vigente no foro do bem,
de forma que, no caso em exame, a norma processual paulista deveria ceder
passagem à lei paranaense (Ementário, caso nº 1).
Apesar de ter afirmado que aplicara analogicamente as regras de
Direito Internacional Privado ao caso examinado, a Corte Suprema brasileira
realizou, de fato, a aplicação direta de tais regras na solução do conflito de leis
interna, uma vez que passou ao largo de qualquer estudo acerca de eventual
lacuna normativa ou da existência de similitude essencial entre o fato jurídico
regulado e o não-regulado – elementos que seriam indispensáveis em uma ratio
decidendi integradora do Direito pela via da analogia. A decisão proferida pela
Corte Suprema brasileira limitou-se a fazer incidir a norma de Direito
Internacional Privado ao caso concreto, espécie de subsunção própria da
aplicação direta das normas jurídicas.
A Corte Suprema brasileira utilizou uma regra de Direito
Internacional Privado – o foro da situação do bem – para solucionar um conflito
normativo espacial interno, no caso, entre normas produzidas por unidades da
federação distintas. É o reconhecimento do que a doutrina há muito postula: a
inserção dos conflitos normativos locais no objeto do Direito Internacional
Privado.
54
2.4 O método do Direito Internacional Privado.
Para determinar qual é o estatuto legal aplicável a um fato ou a uma
relação jurídica, o Direito Internacional Privado emprega um conjunto de regras
e princípios extraídos da ordem interna de cada país, dos documentos e tratados
internacionais que se lhe aplicam e do aparato teórico da própria disciplina. Um
cidadão brasileiro domiciliado em Portugal, por exemplo, falece na Espanha,
durante as suas férias, deixando bens imóveis situados na França e herdeiros
domiciliados no Brasil. Os direitos sucessórios sobre referidos bens imóveis
serão regulados pela lei brasileira, pela lei portuguesa, pela lei francesa ou pela
lei espanhola? Cabe ao conjunto normativo do Direito Internacional Privado
solucionar esse conflito intersistemático de leis.
Para alcançar tal objetivo, o Direito Internacional Privado recorre
aos seus princípios e regras para definir qual é o Direito que irá reger a questão
controvertida. Esses princípios e regras orientam que em cada fato ou relação
jurídica existe um elemento central que atrai a aplicação desta ou daquela ordem
legal. Então, tomando o exemplo acima, deve-se investigar qual é o elemento
que estabelece a conexão daquele fato jurídico (os direitos sucessórios) à lei:
seria o local do domicílio do falecido? O local do óbito? O local de situação dos
bens? Ou o local do domicílio dos herdeiros? Identificado tal elemento central,
encontra-se o Direito que irá reger a questão.
Tais elementos, os chamados elementos de conexão constituem “as
diretrizes, as chaves, as cabeças-de-ponte para a solução dos conflitos de leis”
(VALLADÃO, 1971, p. 266).
No conjunto normativo do Direito Internacional Privado encontram-
se as regras que determinam a observação deste ou daquele elemento de conexão.
Tradicionalmente, essas regras de conexão encontram-se objetivamente
positivadas, indicando de forma clara o elemento de conexão que deva ser
observado em relação a determinada questão. A Lei de Introdução às Normas do
Direito Brasileiro, por exemplo, indica que o elemento de conexão em caso de
sucessão causa mortis será o local do domicílio do falecido (art. 10). Portanto,
55
segundo a lei brasileira, os direitos sucessórios envolvidos no exemplo abordado
seriam regidos pela lei portuguesa.
Além das regras de conexão objetivamente previstas, o Direito
Internacional Privado, tal como todos os demais ramos do Direito, se apoia em
princípios fundantes que exercem importante papel na integração, hermenêutica
e na sistematização das diversas regras existentes. Alguns desses princípios,
contudo, passaram a dispor de caráter normativo concreto a ponto de
produzirem, eles próprios, as regras que determinam a observação de um ou
outro elemento de conexão entre a situação jurídica e uma ordem legal
específica. Ao contrário do que ocorre com as regras positivadas, os elementos
de conexão que decorrem dos princípios não constituem uma solução apriorística
ao conflito, mas uma solução pós-concebida a partir do caso concreto. A
relevância dos princípios de Direito Internacional Privado é notória, como ficará
evidente ao longo do estudo.
Definir o elemento de conexão aplicável aos contratos de trabalho é
justamente o problema central deste ponto da pesquisa. Tal questão permite o
imediato descarte de elementos de conexão que não possuam qualquer aderência
ao tema em estudo ou que são objetivamente afastados pela ordem jurídica. É o
caso, por exemplo, do elemento nacionalidade, que, em relação aos conflitos
internos em matéria de Direito do Trabalho, encontra no texto constitucional
obstáculo intransponível para a sua adoção. O estudo, portanto, passa a se
concentrar em cada um dos elementos de conexão e princípios de Direito
Internacional Privado que se habilitam a incidir, efetivamente, sobre as relações
de trabalho e, sobretudo, como tais regras e princípios poderiam ter validade e
atuar diante de um conflito interno de leis.
Nesse aspecto, três observações são necessárias. O presente estudo
se ocupa exclusivamente com a colisão de normas coletivas editadas dentro do
território nacional, portanto, um conflito interno. Se é certo que as normas de
Direito Internacional Privado se aplicam aos conflitos internos, e não apenas às
colisões internacionais, é igualmente certo que ambos, infranacionais e
internacionais, possuem peculiaridades próprias que podem atrair a aplicação de
56
regras de conexão e princípios diferentes. O destacamento de um trabalhador
brasileiro para um país em que o sistema de proteção social ainda se encontra
em fase de consolidação, por exemplo, dificilmente poderá ser comparado a uma
transferência para outro estado do território nacional. Enquanto no primeiro caso
o trabalhador poderia ser submetido a condições precárias de trabalho, tendo
como referencial as condições brasileiras, no segundo caso, da transferência
interna, o âmbito de proteção estatal estaria assegurado a ele, uma vez que a
legislação trabalhista é nacional. O trabalhador destacado internamente enfrenta
apenas o problema da norma coletiva aplicável ao seu contrato, esta que possui
natureza incremental de direitos. Voltaremos a esse assunto no decorrer do
estudo dos elementos de conexão eventualmente incidentes nas relações de
trabalho.
A segunda observação diz respeito ao fato de que as normas
coletivas de trabalho possuem funções e características muito próprias e que
devem ser examinadas de forma acurada para o adequado enfrentamento do
problema da conexão das mesmas às relações privadas de emprego. Esses
elementos serão estudados de forma detida no capítulo que seguirá ao presente,
motivo pelo qual, neste momento, serão analisados os elementos de conexão
eventualmente incidentes sobre os contratos de trabalho de forma geral e como
tais elementos operariam em um hipotético conflito interno de leis. Após a
organização dessas bases elementares é que o estudo enfrentará o problema do
elemento de conexão que deve solucionar o conflito espacial interno de normas
coletivas.
A última observação diz respeito à organização do estudo. Para
maior clareza e fluidez no seu desenvolvimento, optou-se por dividir o tema a
partir dos elementos de conexão possivelmente aplicáveis sobre as relações de
emprego e, incidentalmente, analisar as normas jurídicas e os diplomas
internacionais que com eles guardam aderência.
57
2.4.1 Modelo estático: os elementos de conexão.
A doutrina aponta diversas classificações e reconhece um grande
acervo de elementos de conexão. Em lição bastante repetida por outros autores,
Haroldo Valladão (1971, p. 267-268) classifica os elementos de conexão em
reais, pessoais ou institucionais, conforme se relacionem a um território, a uma
pessoa ou a uma instituição, respectivamente. Cada grupo, por sua vez, é
integrado por uma série de elementos específicos, como nacionalidade,
domicílio, local de formação do contrato, situação da coisa, manifestação da
vontade, etc. Uma discussão a respeito da norma aplicável a um contrato de
trabalho, por exemplo, poderia ser solucionada a partir de um elemento de
conexão real (ex. a lei do local da prestação de serviços ou do local da
contratação), ou pessoal (v.g. a nacionalidade do trabalhador) ou institucional
(lei do pavilhão, a lei do foro, dentre outros), conforme definido pelo Direito
Internacional Privado.
Assim, um conflito como o da sucessão do brasileiro domiciliado em
Portugal, visto anteriormente, será solucionado a partir do elemento de conexão
eleito pelas normas de Direito Internacional Privado para tal situação, que pode
ser o domicílio do falecido, o local de situação do bem, o domicílio dos
herdeiros, entre outros. A norma de Direito Internacional Privado, portanto,
escolhe um elemento que faz a ligação do fato ao ordenamento jurídico que
deverá discipliná-lo.
A definição do elemento de conexão incidente sobre uma
determinada relação ou fato jurídico é, provavelmente, o principal objeto de
estudo do Direito Internacional Privado. Participam da solução dessa questão as
normas internas de cada unidade legislativa (Nações, estados, províncias, etc.),
as normas de Direito Internacional Público (Tratados, Convenções, Diretivas,
etc.) e, eventualmente, disposições legais provindas de entes externos.
58
2.4.1.1 Local de constituição do contrato (lex loci contractus).
No Brasil, a principal norma sobre Direito Internacional Privado é o
Decreto nº 4.657, de 4 set. 1942, amplamente conhecido como Lei de Introdução
às Normas do Direito Brasileiro (LINDB), que define elementos de conexão
gerais incidentes sobre diversas matérias. De forma sintética, a LINDB
determina que o estatuto pessoal do indivíduo (capacidade civil, relações de
família, etc.) é regido pela lei vigente em seu domicílio (art. 7º), enquanto seus
bens são regulados pela lei em vigor no local em que eles estiverem situados (art.
8º) e os seus negócios jurídicos pela lei do local em que tiverem sido constituídos
(art. 9).
Como se observa, a Lei de Introdução às Normas do Direito
Brasileiro sistematiza os conflitos normativos em três grupos, conforme se
relacionem ao (i) estatuto pessoal do indivíduo, (ii) seus bens e (iii) suas
obrigações. Para cada um desses grupos, a Lei de Introdução estabelece um
elemento de conexão específico: o domicílio para o primeiro grupo, o foro de
situação para o segundo e o local em que a obrigação foi constituída para o
terceiro. Ao lado desse quadro geral, a LINDB possui disposições que inserem
determinados fatos jurídicos em um dos três grupos, estendendo a eles o
respectivo elemento de conexão; exemplo é a sucessão por morte ou por
ausência, cuja Lei de Introdução afirma ser regida pelo domicílio do falecido ou
ausente (art. 10). O mesmo se observa em relação às “organizações destinadas a
fins de interesse coletivo, como as sociedades e as fundações”, cujo elemento de
conexão é o local de sua constituição (art. 11).
A Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro há muito vem
sendo criticada pela doutrina, que a considera uma peça legislativa que já não
guarda correspondência com o Direito Internacional Privado contemporâneo
(DOLINGER, 2014, p. 220).
Na perspectiva da Lei de Introdução às Normas do Direito
Brasileiro, os direitos de natureza obrigacional, e nesse grupo estariam incluídas
as relações de trabalho, são regidos pela lei vigente no local em que foram
59
constituídas; a LINDB, portanto, adota a lex loci contractus como elemento de
conexão aplicável aos vínculos jurídicos contratuais.
Uma questão de importância central no Direito Internacional Privado
diz respeito às qualificações jurídicas. Quando a regra de conexão afirma, por
exemplo, que um determinado fato jurídico será resolvido pela lei vigente no
domicílio da pessoa, surge, então, o problema de se conceituar domicílio. A
controvérsia ganha importância quando as leis criam um conflito de
qualificações, ou seja, quando as normas em colisão atribuem conceitos
diferentes ao mesmo instituto. Um exemplo direcionado: quando a Lei de
Introdução às Normas do Direito Brasileiro afirma que, para reger obrigações,
aplica-se a lei do país em que se constituírem, ela estaria fazendo referência ao
local em que a proposta foi apresentada ou ao local onde ela foi aceita ou, ainda,
ao local em que o contrato foi assinado? A solução foi dada pela própria Lei de
Introdução, ao definir que a obrigação contratual se considera constituída no
lugar em que residir o proponente (art. 9º, § 2º). A LINDB, portanto, define o
local de residência do proponente como o elemento que conecta as relações de
natureza obrigacional a uma determinada ordem jurídica.
As primeiras normas de Direito Internacional Privado, assim como
a doutrina clássica, se polarizavam na adoção da lex loci contractus (lei do local
de constituição do contrato) ou da lex loci solutionis (lei do local onde a
obrigação deva ser cumprida) como elemento de conexão incidente sobre as
obrigações contratuais. O legislador brasileiro de 1942 optou pela lex loci
contractus como elemento de conexão das obrigações contatuais.
Como se analisará mais adiante, as fontes modernas de Direito
Internacional Privado vêm abolindo a adoção de elementos de conexão estáticos
em relação às obrigações contratuais, como a lex loci contractus ou a lex loci
solutionis, substituindo-os por princípios que conferem maior dinamismo e
flexibilidade à solução dos conflitos de leis no espaço. Entretanto, a Lei de
Introdução às Normas do Direito Brasileiro, como já foi dito, é a principal norma
interna de Direito Internacional Privado o que, a princípio, pode torná-la mais
adequada à solução das colisões normativas interlocais do que se apresenta aos
60
conflitos internacionais. Assim, a regra de conexão prevista na LINDB para as
obrigações contratuais, a lex loci contractus, passa a ser analisada neste espaço
sob duas perspectivas; a primeira, promovendo a transposição dessa regra ao
problema dos conflitos internos; a segunda refere-se à sua aplicação perante as
obrigações derivadas da relação de emprego.
Os fundamentos fáticos-jurídicos que orientam a adoção da lex loci
contractus nas relações jurídicas internacionais podem não estar presentes no
âmbito de um vínculo contratual interno. Uma situação hipotética pode ajudar a
visualizar o que pretendemos dizer. A empresa “A”, sediada no Estado de São
Paulo, adquire da empresa “B”, que possui única sede no Estado de Goiás, um
lote de materiais pré-fabricados destinados à construção civil. No contrato, as
partes estabelecem que os produtos deverão respeitar as normas técnicas e legais
vigentes que se lhes aplicam, sem adentrar em maiores especificações. Na
entrega dos materiais em São Paulo, ato de cumprimento da obrigação
contratual, a empresa “A” descobre que os produtos foram fabricados com
amianto, material cuja utilização, embora permitida no Estado de Goiás, é
proibida no Estado de São Paulo (Lei Estadual nº 12.684, de 26 de jul. 2007).
Surge, então, um conflito de normas no espaço. Se o contrato tiver regência pela
lei goiana, não haveria que se falar em inadimplemento por parte do contratante
“B”; já se a regência for pela lei paulista, seria possível dizer que o contratante
“B” não respeitou a fórmula contratual que determinava a observação das
normas técnicas e legais, incidindo em descumprimento do ajuste.
Segundo a regra de conexão prevista na Lei de Introdução às Normas
do Direito Brasileiro, as obrigações estabelecidas no contrato teriam regência
pela legislação vigente no Estado de Goiás, local em que reside o proponente do
contrato. Como no território goiano o uso do amianto não é proibido, seria, então,
possível afirmar que não houve violação de qualquer cláusula contratual, não
havendo que se falar em inadimplemento parcial do ajuste. Nesses termos,
caberiam ao contratante “A” eventuais ônus decorrentes da avença.
A situação acima retratada incita um questionamento: essa solução é
justa e equilibrada?
61
O elemento de conexão estabelecido pela Lei de Introdução às
Normas do Direito Brasileiro às obrigações contratuais – o local de constituição
do contrato, assim considerado o lugar de residência do proponente - tem origem
na presunção de que o indivíduo que oferece um produto ou serviço muitas vezes
o faz sem ter em vista um destinatário determinado, mas ao mercado como um
todo; por isso a própria lei o trata como mero proponente. Por outro lado, a
pessoa que contrata o bem ou serviço oferecido já sabe, antes mesmo de
formalizar o contrato, enquanto há apenas a reserva mental de vontade, que o
vínculo obrigacional será estabelecido com determinado indivíduo, direcionando
a ele, especificamente, os seus interesses econômicos. Nesse caso, caberia a esse
contratante que direciona seus interesses econômicos a uma pessoa certa e,
consequentemente, a um local determinado, conhecer e se resguardar a respeito
da lei vigente nesse território, pois é como se ele estivesse indo até aquele local
previamente conhecido para contratar. Não seria razoável, por seu turno, exigir
que alguém que oferece seus produtos e serviços de maneira difusa conheça
todas as legislações vigentes em todos os espaços.
Apesar de todas as objeções que a doutrina já opôs a tal raciocínio,
é forçoso reconhecer que ele faz algum sentido. Se uma empresa brasileira, por
exemplo, tiver adquirido produtos de um fabricante chinês, é razoável projetar
ficcionalmente que a empresa brasileira foi até a China para contratar e que o
fabricante chinês não tem qualquer conhecimento da legislação brasileira.
Caberia, portanto, à empresa brasileira conhecer a legislação comercial chinesa,
já que ela teria se disposto a contratar com um fabricante chinês, além de sua
legislação doméstica. É deste substrato que partiu a adoção da lex loci contractus
pela Lei de Introdução.
Mas haveria sentido na adoção da lex loci contractus para a solução
dos conflitos infranacionais – interestaduais e intermunicipais?
Retome-se o exemplo dos produtos com amianto. Neste caso, seria
possível afirmar que o fornecedor de produtos ou serviços para o mercado
interno tem a obrigação de conhecer as normas locais – estaduais ou municipais
– que dizem respeito aos produtos que ele próprio fabrica? Ou, por outro lado,
62
por se tratar de legislação vigente em estado diferente, não seria possível obrigá-
lo a ter conhecimento de referidas normas? Antes de esboçar resposta a essa
indagação, convém repassar algumas previsões existentes na legislação nacional
que podem auxiliar o entendimento.
Como é amplamente conhecido, o imposto sobre circulação de
mercadorias e serviços (ICMS) é de competência exclusiva dos estados (CF de
1988, art. 155, II), que definem as alíquotas incidentes sobre as operações
ocorridas em seus territórios. Embora se trate de legislação estadual, a
Constituição Federal determina que, nas operações interestaduais envolvendo
destinatário final não contribuinte, cabe ao remetente calcular o ICMS com base
na alíquota interestadual e efetuar o recolhimento ao estado destinatário da
diferença entre a referida alíquota e aquela vigente no estado de origem (art. 155,
§ 2º, VII e VIII). Portanto, o fabricante, o comerciante ou o prestador de serviços
devem ter conhecimento da legislação tributária vigente nas unidades da
federação para as quais remete produtos ou serviços sujeitos à exação do ICMS.
No plano das relações de consumo, o Código de Defesa do
Consumidor (Lei nº 8.078, de 11 set. 1990) estabelece a competência
concorrente da União, estados e municípios para a edição de normas relativas à
produção, industrialização, distribuição e consumo de produtos e serviços (art.
55) e prevê a responsabilidade do fornecedor pela não observação de tais regras.
A Lei Consumerista considera os fins a que os produtos se destinam (art. 18), ou
seja, a sua efetiva utilização (art. 12) e fruição (art. 13). Portanto, o fornecedor
de produtos e serviços ao mercado consumidor interno deve conhecer e respeitar
as legislações vigentes nos estados e municípios em que os seus serviços ou
produtos venham a ser comercializados.
Os exemplos acima demonstram que, no âmbito interno, as
legislações locais – estaduais e municipais – também podem vincular aqueles
que não estão diretamente submetidos a elas. Mais do que isso, os exemplos
demonstram que os diplomas legais infranacionais não são tão estanques e
autônomos uns dos outros, comunicando-se permanentemente.
63
Se o exemplo dos produtos com amianto envolvesse um consumidor
final, não haveria dúvidas de que o contrato poderia ser rescindido por
inadimplemento do fornecedor, pois o uso de referido material é proibido em
São Paulo e seria ônus do fabricante conhecer e respeitar a legislação paulista,
assim como deve fazer em relação a questões tributárias eventualmente
incidentes. Embora o exemplo dos produtos com amianto não diga respeito a
consumidor final ou trate de qualquer questão de natureza tributária, parece não
fazer sentido dar-lhe um tratamento diferenciado. Afinal, não parece razoável
que um produtor de materiais para construção civil ignore toda a discussão em
torno da utilização do asbesto que ele próprio emprega em seus produtos e a
consequente proibição do uso dessas fibras minerais por alguns estados da
federação. Aliás, sabendo que a entrega ocorreria em São Paulo, sua conduta
poderia ser considerada contrária à boa-fé objetiva (Código Civil, art. 187).
Observa-se, então, que a aplicação da lex loci contractus nas relações
jurídicas internas não possui o mesmo fundamento fático e lógico que possui
diante das relações internacionais, motivo pelo qual ela dificilmente produzirá
resultados uniformemente satisfatórios, seja do ponto de vista do equilíbrio
contratual ou de critérios mais valorativos como a justiça.
Sob o outro vértice inicialmente proposto, a aplicação da lex loci
contractus às relações de trabalho implicaria afirmar que as obrigações
trabalhistas teriam regência pela lei vigente no local da sede (residência) da
empresa (proponente), ainda que o contrato seja executado em outro local. Não
é difícil opor algumas objeções contra tal solução.
Como visto linhas atrás, a Lei de Introdução às Normas do Direito
Brasileiro define o lugar de residência do proponente como sendo o local em que
se considera a obrigação constituída. A referida qualificadora é a solução
encontrada para um problema comum em contratos internacionais, que
corresponde à identificação do lugar do contrato. Explica-se: nos contratos
celebrados entre pessoas situadas em países diferentes, é absolutamente comum
que os atos sejam realizados de forma epistolar, o que atualmente é facilitado
pelos meios informáticos disponíveis. Não existe, na maioria das vezes, uma
64
reunião entre os contratantes em um determinado local, mas apenas a troca de
propostas e contrapropostas que se alternam até o aceite final de ambos. Em uma
situação como esta, é impossível precisar o ponto geográfico onde o contrato foi
celebrado, simplesmente porque tal marco territorial não existe. O Direito
Internacional Privado, então, recorre a uma qualificadora que define o lugar do
contrato, uma vez que este é realizado entre ausentes.
No âmbito das relações de emprego, tal situação não ocorre. Os atos
de contratação são realizados pessoalmente, não havendo qualquer razão para a
adoção da qualificadora prevista no art. 9º, § 2º, da Lei de Introdução. Mesmo
nas relações de emprego constituídas tacitamente, normalmente é possível
identificar o local em que se dá início a prestação de serviços.
A adoção da sede do empregador (residência do proponente) como
elemento de conexão causaria, ainda, um problema adicional nas empresas com
várias filiais. Qual seria a residência do empregador? Seria o local de sua matriz
ou cada uma das filiais constituiria uma sede diferente? Em meio a tal discussão,
não seria surpresa que se habilitasse à regência do contrato norma jurídica
vigente em localidade em que o trabalhador jamais colocara os pés. Como se vê,
parece não haver sentido em se utilizar a residência do proponente como
elemento de conexão; melhor seria, se fosse o caso, substituí-la por outro elo,
como o domicílio profissional do trabalhador.
O mais evidente obstáculo ao emprego da lex loci contractus, no
entanto, decorre da própria natureza do contrato de trabalho. Ao contrário da
maioria dos ajustes comerciais, cuja execução se dá em prestação única ou
concentrada em um período determinado, o contrato de trabalho tem vocação à
perenidade, projetando-se ao longo do tempo em um vínculo permanente em que
as prestações de ambas as partes se sucedem e se renovam continuamente. Essa
característica da relação de emprego, anunciada em um dos princípios fundantes
do Direito do Trabalho, não se conforma com um contrato estático, rígido, cujas
cláusulas e condições permaneçam intocadas ao longo de sua vida; ao revés,
somente um contrato que dinamicamente se ajuste às alterações que a atividade
econômica pode passar é que terá longevidade. A possibilidade de alteração das
65
características originais do contrato deve ser assimilada como fenômeno natural
da relação de emprego.
A lex loci contractus aprisionaria a regulação do contrato no local de
residência do proponente, não se ajustando às alterações subsequentes que
possam surgir, notavelmente em caso de transferência ou alteração no local de
trabalho.
Nessa sequência de ideias, qualquer elemento de conexão que se
estabeleça no início do contrato de trabalho, de forma estática e definitiva, não
apresentará resultados satisfatórios na solução de um conflito de normas no
espaço.
2.4.1.2 Local da prestação de serviços (lex loci executionis).
Em 1889, delegados de diversos países americanos reuniram-se na
Capital dos Estados Unidos da América para a 1ª Conferência Internacional
Americana, ocasião em que instituíram o primeiro organismo internacional
regional do mundo, a União Internacional das Repúblicas Americanas, que, a
partir de 1948, passou a ser conhecida como Organização dos Estados
Americanos. Ao longo de várias reuniões subsequentes, os representantes dos
Estados americanos debateram a criação de um sistema normativo comum de
Direito Privado a partir de propostas de diversos juristas. Em 20 de fevereiro de
1928, os delegados presentes na 6ª Conferência Internacional Americana,
realizada em Havana, Cuba, aprovaram o projeto do Código de Direito
Internacional Privado elaborado pelo jurista cubano Antonio Sánchez de
Bustamante y Sirvén. O documento aprovado no Tratado de Havana, que passou
a ser conhecido como Código Bustamante, em homenagem ao seu criador, foi
assinado pelos delegados brasileiros presentes na Conferência e, posteriormente,
aprovado por Resolução do Congresso Nacional, ratificado pelo Governo
Brasileiro e promulgado pelo Decreto nº 18.871, de 13 ago. 1929.
66
Apesar de seus 437 artigos, o Código Bustamante não foi capaz de
uniformizar o Direito Internacional Privado nas américas, em grande parte pelo
fato de que as normas internas vigentes em diversos países se mostravam
contrárias ao texto e divergentes entre si, impedindo a instituição de regras
comuns. Tal fato fica evidente em algumas passagens do Código que fazem
remissão à legislação interna de cada país6 ou naquelas em que são empregadas
expressões dotadas de abertura conceitual ampla a ponto de não causar uma
colisão direta com as normas nacionais vigentes, ainda que, para tanto, se
tornassem incompreensíveis7. No processo de elaboração do Código, ainda,
houve uma franquia para que as delegações dos países pudessem opor
declarações de reservas a quaisquer dispositivos, a partir das quais o respectivo
país ficaria desobrigado a respeitá-los. Por fim, alguns países, como a Colômbia,
o Chile e a Costa Rica fizeram reservas integrais às suas legislações internas,
enquanto muitos outros países não o assinaram ou não o ratificaram, como foi o
caso dos Estados Unidos, do Canadá, do México, da Argentina e do Paraguai,
dentre outros.
O Código Bustamante foi recebido com pouco entusiasmo pela
doutrina brasileira que, nesses quase noventa anos, não poupou críticas ao
documento, seja em função do seu limitado alcance, o que o inabilitaria como
um verdadeiro Código de Direito Internacional Privado8, ou em relação às suas
deficiências técnicas, que o tornam um documento de viés mais político-
econômico do que jurídico. Além desses problemas de origem, o Brasil, como
já visto, adotou em 1942 uma lei própria de Direito Privado, que, para muitos,
6 O melhor exemplo está no art. 7º do Código Bustamante, segundo o qual “cada Estado contratante aplicará como leis pessoais as do domicilio, as da nacionalidade ou as que tenha adotado ou adote no futuro a sua legislação interna”.
7 A respeito destas, Haroldo Valladão (1971, p. 199) ressalta que o Código Bustamante “emprega, frequentemente, as expressões: “Lei local” e “Lei territorial” sem lhes dar um sentido uniforme e sem precisar sequer referir-se ou não à lex fori ao formulá-las”. 8 O próprio Código Bustamante afirma que suas disposições “não serão aplicáveis senão às Repúblicas contratantes e aos demais Estados que a ele aderirem” (art. 2º). Apenas quinze países americanos ratificaram o documento, muitos dos quais com declarações de reservas importantes ou totais.
67
por conter disposições diretamente contrárias ao Código Bustamante,
representaria um total abandono do documento9.
Sob o título “do arrendamento”, o Código Bustamante menciona
tangencialmente as normas incidentes sobre as relações de emprego, afirmando
ser “territorial a legislação sobre acidentes do trabalho e proteção social do
trabalhador” (art. 198). Referida disposição merece algumas considerações.
Em seu título preliminar, o Código Bustamante divide as leis de cada
país em três categorias, conforme elas se vinculem diretamente à pessoa, ao lugar
ou à expressão da vontade do indivíduo (art. 3º). O primeiro grupo, o das normas
pessoais, compreende as disposições legais que acompanham a pessoa onde ela
estiver, seja por força de sua nacionalidade ou de seu domicílio10. Assim, ao
afirmar que “a lei pessoal da mulher regerá a disposição e administração de seus
próprios bens” (art. 44), o Código está dizendo que para tais questões deve ser
observada a lei vigente no país de nacionalidade ou domicílio da pessoa e não a
lei vigente no local em que a pessoa estiver. O Código Bustamante não define o
elemento de conexão que deve ser aplicado – se o domicílio da mulher ou a sua
nacionalidade; ele apenas refere que questões relativas à disposição e à
administração de bens são consideradas como parte do estatuto pessoal da
mulher, aplicando-se, portanto, as leis que o regem. A escolha do elemento de
conexão específico, o domicílio ou a nacionalidade, compete exclusivamente ao
país signatário do tratado.
O segundo grupo, o das leis territoriais, diz respeito às normas que
são aplicáveis a todos os indivíduos que se encontrem em um determinado
território, independentemente de seu estatuto pessoal (sua nacionalidade ou
domicílio). São as disposições legais que se interligam aos fatos jurídicos e não
9 Amílcar de Castro (1987, p. 303) afirma que a LINDB, de 1942, mostra que a tendência do Direito brasileiro é diversa da que orientou o Código Bustamante que “mais cedo, ou mais tarde, acabará sendo abandonado em toda a parte”. 10 Conforme disposto no art. 3º do Código Bustamante: “Para o exercício dos direitos civis e para o gozo das garantias individuais idênticas, as leis e regras vigentes em cada Estado contratante consideram-se divididas nas três categorias seguintes: I – As que se aplicam às pessoas em virtude do seu domicílio ou da sua nacionalidade e as seguem, ainda que se mudem para outro país – denominadas pessoas ou de ordem pública interna”.
68
às pessoas que os protagonizam11. Assim, como exemplo, ao dispor que “aplicar-
se-á a lei territorial ao erro, à violência, à intimidação e ao dolo” (art. 177), o
Código está apenas dizendo que a lei do país de nacionalidade ou domicílio do
contratante não deve reger os apontados vícios de consentimento. Ao falar em
“lei territorial”, o Código Bustamante, assim como faz em relação à “lei
pessoal”, não define o elemento de conexão que deva ser observado, se a lex loci
contractus, a lex loci executionis, a lex loci solutionis ou outro; apenas afirma
que tais questões não estão vinculadas ao estatuto pessoal do indivíduo, ou seja,
são normas que vinculam a todos, independentemente de características
personalíssimas.
O terceiro e menor grupo, o das chamadas “leis voluntárias”,
compreende as normas que incidem sobre uma relação jurídica por vontade das
partes, seja manifestada de forma expressa ou identificada por interpretação ou
presunção12. O código deixou pouco espaço para que as partes pudessem eleger
a norma aplicável às suas relações, o que sempre foi objeto de muitas críticas
por parte da doutrina.
O Código Bustamante, portanto, divide as normas em três categorias,
a das leis pessoais, a das leis territoriais e a das leis voluntárias. Tal divisão diz
respeito somente ao estatuto de conexão da norma, ou seja, o Código estabelece
apenas uma classificação preliminar que identifica somente o aspecto
fundamental sobre o qual a norma deve recair: se sobre o sujeito (leis pessoais),
se sobre o objeto (leis territoriais), ou sobre o ato jurídico (leis voluntárias)
(DOLINGER, 2014, p. 297). Assim, quando o Código afirma que uma
determinada lei é pessoal, significa que ela está relacionada com atributos
próprios do indivíduo, tais como sua nacionalidade ou domicílio, devendo o país
signatário estabelecer o elemento de conexão a partir desses atributos. Por outro
lado, quando o Código Bustamante afirma que uma lei é territorial, ele está
11 Os termos in verbis são: “Art. 3º Para o exercício dos direitos civis [...] categorias seguintes: [...] II – As que obrigam por igual a todos os que residem no território, sejam ou não nacionais – denominadas territoriais, locais ou de ordem pública internacional”.
12 Como segue: “Art. 3º Para o exercício dos direitos civis [...] categorias seguintes: [...] III – As que se aplicam somente mediante a expressão, a interpretação ou a presunção da vontade das partes ou de alguma delas – denominadas voluntárias, supletórias ou de ordem privada”.
69
dizendo apenas que o país signatário não pode estabelecer para a matéria
elemento de conexão que se relacione com atributos pessoais, especificamente a
nacionalidade ou o domicílio do indivíduo; neste caso, o país deve definir um
elemento de conexão impessoal, capaz de vincular qualquer pessoa que resida
no território.
A premissa de que o Código Bustamante define apenas os estatutos
de conexão e não os elementos de conexão da norma é reforçada pelas exceções
contidas no próprio Código. Em seu título preliminar, como já dito, o Código
divide as normas jurídicas nas três categorias estudadas, vinculando-as à pessoa,
ao lugar ou à expressão da vontade, conforme o caso. É possível observar
diversas referências expressas a essas três categorias ao longo do documento.
Entretanto, em determinadas passagens, o Código Bustamante vai além, não
apenas definindo o estatuto de conexão, mas também estabelecendo o elemento
de conexão a ser observado para determinada questão. Assim, por exemplo, no
capítulo que trata “dos contratos em geral”, o Código estabelece os estatutos de
conexão que serão observados nos diferentes aspectos de um contrato: a lei
pessoal para a capacidade (art. 176), a lei territorial para os vícios de
consentimento (art. 177), a lei voluntária para a interpretação das cláusulas do
ajuste (art. 184) e assim por diante. No entanto, em seu art. 180, o Código
Bustamante afirma que, em relação à necessidade de escritura ou documento
público para a eficácia de determinado ato, será aplicada, de forma simultânea,
“a lei do lugar do contrato e a da sua execução”. Ao falar em “lei do lugar do
contrato e a da sua execução”, o Código vai além da classificação trinária dos
estatutos de conexão; ele define o próprio elemento de conexão a ser observado
em tal aspecto do pacto (a lex locus contractus e a lex locus executionis).
O exemplo acima ilustra o padrão de sistematização adotado pelo
Código Bustamante: em caráter geral, ele define apenas os estatutos de conexão
da norma (pessoa, território ou vontade), transferindo à legislação interna de
cada país a escolha do correspondente elemento de conexão; somente em caráter
especial o Código fixa o elemento de conexão a ser observado.
70
Assim, quando o Código afirma que a administração e disposição
dos bens pessoais da mulher respeitam a sua lei pessoal, ele está apenas
determinando que, para tais questões, o país signatário deve escolher a
nacionalidade ou o domicílio da mulher como elemento de conexão, e não outro
critério que seja indiferente aos seus atributos pessoais.
Linhas atrás, foi dito que o Código Bustamante faz uma referência
meramente tangencial às normas aplicáveis sobre os contratos de trabalho.
Assim foi taxada a menção que o Código faz às normas relacionadas às relações
de trabalho porque o documento, ao afirmar ser “territorial a legislação sobre
acidentes do trabalho e proteção social do trabalhador” (art. 198), não deixa claro
se a norma vincula imediatamente o empregador ou o Estado, ou seja, se as
questões acidentárias e a proteção social a que se refere dizem respeito à função
estatal que no Brasil é exercida pela Previdência Social ou se se trata das
obrigações de encargo do ente patronal.
Ao lado dessa incerteza, o Código Bustamante se limita a estabelecer
o estatuto de conexão das normas relativas a acidentes do trabalho e proteção
social do trabalhador: o território. Com tal disposição, o Código determina que
as normas relacionadas à matéria “obrigam por igual a todos os que residem no
território, sejam ou não nacionais” (art. 3º, II), o que equivale a dizer que o
elemento de conexão escolhido pelos países signatários do tratado não pode estar
atrelado a uma condição pessoal do trabalhador, especificamente a sua
nacionalidade ou domicílio. Assim, pelo Código Bustamante, um país signatário
não pode estabelecer a nacionalidade do trabalhador como elemento de conexão
para as suas normas sobre acidente e proteção social do trabalho. Um
determinado Estado, portanto, não pode definir que sua legislação sobre tais
disciplinas tenha aplicação restrita aos seus nacionais; deve, sim, eleger um
elemento de conexão diverso que a estenda a todos os que se encontram ou
residam em seu território, independentemente de sua nacionalidade ou
domicílio. Nada muito diferente do que está previsto no caput do art. 5º da
Constituição Federal de 1988.
71
O Código de Direito Internacional Privado de 1928, vale repetir, não
define o elemento de conexão que deve ser observado em relação às normas
sobre acidente de trabalho e proteção do trabalhador; a escolha do elemento
compete ao país signatário, cuja única limitação – essa sim imposta pelo Código
Bustamante - é abster-se de vincular o elemento de conexão à condição pessoal
do trabalhador, especificamente a sua nacionalidade ou seu domicílio. O país,
portanto, é livre para estabelecer, por exemplo, a lex locus contractus, a lex locus
executionis ou o local da sede do empregador como elemento de conexão de sua
legislação acidentária e de proteção social dos trabalhadores.
Apesar de definir apenas o estatuto de conexão e, ainda, não ser claro
se a “legislação sobre acidentes do trabalho e proteção social do trabalhador” a
que se refere diz respeito à assistência social prestada pelo Estado ou ao vínculo
obrigacional entre patrões e empregados, o Código Bustamante foi interpretado
pela jurisprudência brasileira de forma bastante extensiva, que nele foi capaz de
enxergar a previsão de um elemento de conexão específico incidente sobre as
relações de emprego: a lex loci executionis. A jurisprudência brasileira assumiu
que o Código Bustamante determinaria que as obrigações derivadas das relações
de trabalho deveriam ser regidas pelas normas em vigor no local da efetiva
prestação de serviços, ainda que as respectivas obrigações tenham sido
contraídas em outro local ou que a sede do empregador esteja em outro lugar.
Tal resultante hermenêutica, equivocada, como se viu, acabou
ganhando condição de dogma no Direito do Trabalho brasileiro, a ponto de o
Tribunal Superior do Trabalho consolidá-la em sua súmula de jurisprudência nº
207, de 11 jul. 1985, cuja redação original fixava que “a relação jurídica
trabalhista é regida pelas leis vigentes no país da prestação de serviço e não por
aquelas do local da contratação”13.
13 A incursão pelos precedentes que deram origem à súmula de jurisprudência nº 207 do Tribunal Superior do Trabalho demonstra claramente a adoção da premissa equivocada de que o Código Bustamante adota a lex loci executionis como elemento de conexão das obrigações derivadas na relação de emprego. Dentre os referidos precedentes, chama atenção o acórdão assim ementado: “Ainda que contratado no estrangeiro, o empregado tem o seu contrato de trabalho subordinado às leis do país onde presta serviços, de acordo com o artigo 323 do Código do Bustamante, que defere a competência da obrigação ‘locus executionis’” (TST, 2ª Turma, RR nº 4476/84, relator Min. Barata Silva, DJ de 28 jun. 1985). Referido acórdão desperta o interesse porque o citado
72
A Lei nº 7.064, de 6 dez. 1982, que dispunha sobre a transferência
de trabalhadores em atividades de engenharia e assemelhadas contratados no
Brasil para o exterior, já estava em vigor à época da edição da súmula de
jurisprudência nº 207 do Tribunal Superior do Trabalho. Embora a referida
norma ainda tivesse alcance restrito a um grupo específico de trabalhadores, ela
adotava diversos elementos de conexão diferentes, como a lex locus contractus
(v. g., art. 4º, §§ 1º e 2º), o princípio da ordem pública instrumentalizado pela
regra da norma mais favorável (art. 3º, II) e o princípio da autonomia da vontade
(art. 4º, caput). A adoção de diferentes elementos de conexão pela Lei nº 7.064,
de 6 dez. 1982, era um claro sinal de que até mesmo o legislador, que costuma
estar alguns passos atrás da jurisprudência, já havia despertado para os
problemas e os resultados insatisfatórios que um elemento de conexão estático é
capaz de gerar. Tal movimento, entretanto, não foi percebido pelo Tribunal
Superior do Trabalho.
A Lei nº 11.962, de 3 jul. 2009, alterou a Lei nº 7.064, de 6 dez.
1982, no tocante aos sujeitos imediatamente vinculados às suas disposições.
Enquanto a redação original da lei limitava sua eficácia apenas aos engenheiros
e outros cargos técnicos conexos, a nova redação passou a estendê-la a todos os
trabalhadores indistintamente. Assim, qualquer trabalhador contratado no Brasil
e destacado para o exterior, independentemente da área ou atividade econômica,
passou a se sujeitar à disciplina da Lei nº 7.064, de 6 dez. 1982.
Embora já existisse no Brasil uma lei geral sobre Direito
Internacional Privado, a Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro,
somente a partir da Lei nº 11.962, de 3 jul. 2009, é que a jurisprudência nacional
se sentiu segura para superar seus antigos – e equivocados – precedentes. Em 19
de abril de 2012, o Tribunal Superior do Trabalho divulgou o cancelamento da
súmula de jurisprudência nº 20714. É oportuno assinalar que o Tribunal Superior
art. 323 do Código Bustamante trata exclusivamente da competência jurisdicional (aspecto processual), não tendo qualquer relação com o problema de regência das obrigações trabalhistas (aspecto material). Outros precedentes invocam o princípio da ordem pública em sua ratio decidendi, o qual será examinado em espaço próprio.
14 Eventualmente, o Tribunal Superior do Trabalho costuma surpreender a comunidade jurídica com alterações em sua jurisprudência consolidada sem apontar os precedentes que deram origem ao novo entendimento, se existentes. É, justamente, o caso do cancelamento da súmula nº 207,
73
do Trabalho há alguns anos já vinha afastando a aplicação das disposições do
Código Bustamante em relação aos trabalhadores em embarcações engajadas em
navegação de cabotagem, substituindo o elemento de conexão nele previsto – a
conhecida lei do pavilhão – por outro elemento mais consentâneo com o Direito
Internacional Privado contemporâneo e que será analisado mais adiante15. O
cancelamento da súmula de jurisprudência nº 207 foi a definitiva superação da
aplicação da lex loci executionis como elemento de conexão a ser observado nos
contratos de trabalho executados no exterior.
A Lei nº 7.064, de 6 dez. 1982, agora universalizada, prevê
diferentes elementos de conexão para cada aspecto do contrato de trabalho, como
será abordado ao longo das próximas seções. Tal modelo, por um lado, se
compatibiliza com a tendência do Direito Internacional Privado contemporâneo
que reconhece que atos jurídicos complexos, como é o caso de um contrato de
trabalho, se desenvolvem em etapas diferentes e cada uma delas pode guardar
correlação mais adequada com um ou outro sistema jurídico; por outro lado, o
padrão adotado pela Lei nº 7.064, de 6 dez. 1982, tal como se verá mais à frente,
segue, ainda que em parte, o método que vem sendo adotado pelo Direito
Internacional Privado contemporâneo no sentido de se substituirem os elementos
de conexão estáticos por regras de conexão dinâmicas.
cujo respectivo ato (Resolução nº 181, de 16 abr. 2012) não indica os julgados que deram origem à extinção do verbete. Tal prática, pensamos, não apenas desrespeita os jurisdicionados como torna o ato insubsistente em relação aos seus efeitos jurídicos. Ao contrário do legislador, que atua pautado em critérios de conveniência e oportunidade, as súmulas decorrem de normas produzidas pelos juízes no exercício da jurisdição, compreendendo uma situação específica, com contornos fáticos e jurídicos delimitados. Não se pode, portanto, aplicar uma súmula de jurisprudência de forma autônoma, destacada dos precedentes que lhe deram origem, tal como se fosse um texto legal; é necessário avaliar sempre as bases fáticas e jurídicas dos seus precedentes e confrontá-las com as mesmas bases do caso examinado. Comprovando tais afirmações, a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça há muito defende a tese de que a mera indicação de súmula, ainda que do próprio tribunal, é insuficiente para o conhecimento de recurso fundado em divergência jurisprudencial, constituindo ônus do recorrente a juntada dos precedentes que deram origem ao verbete sumular e, ainda, realizar o cotejo analítico dos casos, de forma a demonstrar a identidade de bases fáticas e jurídicas. O Código de Processo Civil de 2015 reforça tal ideia ao afirmar que não será considerada fundamentada a sentença que se limitar “a invocar precedente ou enunciado de súmula, sem identificar seus fundamentos determinantes nem demonstrar que o caso sob julgamento se ajusta àqueles fundamentos” (art. 489, § 1º, V). 15 A esse respeito, vide seção 2.4.2.3, infra.
74
Por ora, é relevante destacar que a Lei nº 7.064, de 6 dez. 1982,
reconhece que a legislação brasileira em matéria de Direito do Trabalho pode ser
aplicada, ainda que parcialmente, sobre uma prestação de serviços ocorrida no
exterior. É o reconhecimento de que as normas jurídicas incidentes sobre as
relações de emprego possuem carga eficacial que excede o âmbito territorial de
poder da autoridade que a editou e que a lex loci executionis não constitui
elemento de conexão absoluto.
Retomando-se a linha de estudo proposta nesse espaço, passa-se à
avaliação crítica da aplicação da lex loci executionis como elemento de conexão
aplicável aos conflitos infranacionais de leis e, mais especificamente, aos que
dizem respeito às relações de trabalho.
É o ponto em que se depara com o problema central do presente
estudo. Apesar de nunca ter feito parte do nosso sistema legal e ter sido
expressamente abandonada pela jurisprudência em relação aos conflitos
internacionais de leis no espaço, os tribunais brasileiros insistem em aplicar a lex
loci executionis como elemento de conexão aos conflitos internos de normas,
que, dado ao caráter nacional da legislação estatal, acabam envolvendo os únicos
atos normativos locais: as convenções e acordos coletivos e – figura que
lamentavelmente o Brasil insiste em preservar – as sentenças normativas.
Por ser o aspecto central do trabalho, o tema será explorado de forma
mais detida no capítulo seguinte.
2.4.1.3 Domicílio profissional do trabalhador.
O título do presente tópico já revela algumas posições adotadas no
estudo. Ao falar em domicílio profissional, fica evidente a opção de exclusão do
domicílio pessoal ou natural como elemento de conexão aplicável às relações
de trabalho. Explicações são necessárias.
75
Em razão de um importante instituto do Direito do Trabalho – a
transferência do empregado - a qualificação de domicílio é um dos pontos de
grande controvérsia na doutrina trabalhista, que muitas vezes o confunde com
residência ou habitação.
Habitação (ou morada, moradia) é o local onde a pessoa permanece
em caráter precário, provisório, sem a intenção de nela permanecer
indefinidamente. É uma situação exclusivamente fática, identificada pela mera
permanência do indivíduo em um local de abrigo. É o que ocorre, v. g., com as
pessoas que se hospedam em um hotel ou que alugam uma casa de veraneio para
uma temporada de férias. Residência, por sua vez, é o local onde a pessoa
estabelece sua moradia normal e permanente. Também é uma situação fática,
porém, ao contrário da mera habitação, é dotada de estabilidade. A residência é
o abrigo perene do indivíduo.
O Código Civil define como domicílio da pessoa natural “o lugar
onde ela estabelece a sua residência com ânimo definitivo” (art. 70). Como o
conceito legal transmite, o domicílio é composto pela união de dois elementos;
um de ordem objetiva, a residência, e outro de ordem subjetiva, o animus
manendi, ou seja, a intenção de se fixar em caráter definitivo. O domicílio é o
local onde a pessoa concentra suas principais relações civis, constituindo a sede
de seus negócios jurídicos.
O Código Civil ainda decompõe o conceito de domicílio em uma
figura que ficou conhecida como domicílio profissional. A Lei Civil considera
como “domicílio da pessoa natural, quanto às relações concernentes à profissão,
o lugar onde esta é exercida” (art. 72) e complementa afirmando que “se a pessoa
exercitar profissão em lugares diversos, cada um deles constituirá domicílio para
as relações que lhe corresponderem” (art. 72, § único). Como parece claro,
questões relacionadas ao exercício da profissão observarão o domicílio
profissional da pessoa, e não o seu domicílio pessoal. Eis a justificativa para a
exclusão do domicílio natural como elemento de conexão em matéria de
legislação do trabalho. Vale recordar que o Código Bustamante determina que o
76
elemento de conexão adotado pelos países que lhe são signatários não pode estar
vinculado à condição pessoal do trabalhador, caso do domicílio pessoal.
Se no plano pessoal existe uma distinção entre os conceitos de
habitação, residência e domicílio, parece razoável afirmar que no plano
profissional tal distinção também existe. Dissemos linhas atrás que a
hospedagem do indivíduo em uma casa de veraneio ou em um hotel configura
mera habitação, pois não se trata do seu abrigo perene e estável. Por que, então,
deveríamos considerar que o trabalhador que executa serviços meramente
transitórios em um determinado local, sem qualquer fixação no lugar, teria
alterado o seu domicílio profissional? Um engenheiro que se dirige a outra
cidade a fim de inspecionar uma obra teria o seu domicílio profissional alterado
naquele único dia? A resposta parece ser negativa. E, nesse contexto, parece ser
razoável incorporar a distinção entre habitação, residência e domicílio para o
âmbito profissional. Esse juízo de razoabilidade, aliás, foi efetivamente realizado
pelo legislador brasileiro quando da redação da Lei nº 7.064, de 6 dez. 1982.
A Lei nº 7.064, de 6 dez. 1982, expressamente exclui de sua
disciplina o destacamento de trabalhador para o exterior por prazo não superior
a noventa dias, desde que esteja ciente de tal transitoriedade e receba do
empregador as passagens de ida e volta e o custeio de despesas na forma de
diárias (art. 1º, § único). Referido diploma normativo, portanto, concede um
tratamento diferenciado à designação de trabalhador para outro país por curto
período de tempo, o qual foi assim definido pelo legislador a partir de um critério
objetivo: o seu prazo máximo de duração.
É possível identificar, ainda, que a Lei nº 7.064, de 6 dez. 1982,
regula exclusivamente as transferências provisórias do trabalhador para o
exterior, o que faz com que as transferências definitivas também fiquem
excluídas de seu alcance. Por não possuir assento na literalidade do texto legal,
tal afirmação exige um pequeno esforço lógico e o exame da norma em
perspectiva sistemática. Algumas considerações que podem auxiliar nessa
empreitada:
77
Segundo a Lei nº 7.064, de 6 dez. 1982, diversas obrigações
contratuais observarão obrigatoriamente o Direito brasileiro enquanto o
trabalhador estiver prestando serviços no exterior, como é o caso da legislação
previdenciária, do Fundo de Garantia por Tempo de Serviço, dos “reajustes e
aumentos compulsórios previstos na legislação brasileira”, do patamar salarial
mínimo da categoria a que pertencer o trabalhador e da estipulação do salário-
base, que deverá ser feito obrigatoriamente em moeda nacional brasileira (arts.
3º ao 5º). Projetemos tais disposições sobre a hipótese de um trabalhador
transferido em caráter definitivo para o exterior, onde fixara terminantemente
seu domicílio pessoal e profissional. Nesse caso, seria razoável que, passados
cinco ou dez anos da transferência, o empregador ainda tivesse que observar os
reajustes salariais da categoria no Brasil e não os reajustes locais? E se o
trabalhador fosse promovido, o novo salário teria que ser ajustado em moeda
brasileira, ainda que o indivíduo não tivesse mais qualquer vínculo concreto com
o Brasil? Para nós, é impossível defender que o Direito brasileiro regeria tal
contrato de trabalho por toda a sua existência, pois isso implicaria adotar uma
regra de conexão que não encontra paralelo em nenhum modelo legislativo ou
na profícua produção intelectual do Direito Internacional Privado. Isto porque a
Lei nº 7.064, de 6 dez. 1982, não se aplica apenas ao trabalhador brasileiro, mas
a qualquer trabalhador “removido para o exterior, cujo contrato estava sendo
executado no território brasileiro” (art. 2º, I). Um exemplo ilustra bem o
problema: um trabalhador contratado no México é transferido definitivamente
para o Brasil, onde permanece trabalhando por alguns anos, até ser transferido,
também em caráter definitivo, para Portugal. Nesse exemplo, se admitirmos que
a segunda transferência estivesse sujeita à disciplina da Lei nº 7.064, de 6 dez.
1982, teríamos que o contrato não seria regido nem pela lex loci contractus e
nem pela lex loci executionis, mas por uma regra de conexão completamente
atípica e jamais descrita pela doutrina: a lei brasileira, pelo simples fato de que
o trabalhador, em algum momento, prestou serviços no Brasil. É uma ideia que
ofende o senso comum de razoável.
Se a ideia de aplicar a Lei nº 7.064, de 6 dez. 1982, às transferências
definitivas já esbarra nesse problema, ela é terminantemente afastada pela
própria norma analisada em sua unidade sistemática. Não é possível ignorar que
78
o diploma legal em estudo, em diversas passagens, se refere à transferência como
um fato transitório. Expressões como “durante a transferência” (art. 5º, caput),
“enquanto estiver prestando serviços no exterior” (art. 5º, § 2º), “retorno do
empregado ao Brasil” (art. 7º, caput), “retorno ao Brasil, ao término do prazo da
transferência” (art. 7º, § único), “período de duração da transferência” (art. 9º,
caput) e “seguro de vida e acidentes pessoais [...] a partir do embarque para o
exterior, até o retorno ao Brasil” (art. 21, caput) deixam claro que a lei
examinada trata dos destacamentos de trabalhadores para o exterior a título
precário.
A Lei nº 7.064, de 6 dez. 1982, portanto, organiza as transferências
de trabalhadores para o exterior em três categorias distintas, concedendo a cada
uma delas um tratamento específico. Na primeira categoria, confinam-se os
destacamentos por prazo não superior a noventa dias, a respeito dos quais a
própria lei se põe ao largo ao afirmar expressamente que estes estão excluídos
de sua disciplina. A segunda categoria diz respeito às transferências de caráter
provisório, que são objetivamente reguladas pela lei. Por fim, na terceira
categoria, concentram-se as transferências definitivas para o exterior, as quais,
por análise lógico-sistemática, também estão excluídas da égide da norma.
É possível fazer uma correlação entre a arquitetura da Lei nº 7.064,
de 6 dez. 1982, e os conceitos de habitação, residência e domicílio: a primeira
categoria (transferência até noventa dias) equivaleria a uma mera alteração na
habitação do indivíduo; a segunda (transferência provisória) corresponderia a
uma mudança contingente em sua residência; a terceira (transferência definitiva)
guardaria relação com a mudança no domicílio do expatriado.
Para adequação do discurso, usaremos o adjetivo transitório para
qualificar o destacamento do trabalhador por curtíssimo período, exatamente o
que a Lei nº 7.064, de 6 dez. 1982, considera como sendo o de até noventa dias.
Já os destacamentos que não são meramente acidentais continuarão com suas
rotulagens já consagradas na doutrina trabalhista, quais sejam, transferências
provisórias e definitivas. A escala temporal, ora proposta, tem início no
transitório, passa pelo provisório e encerra no definitivo.
79
Se tanto ao destacamento do trabalhador por período não superior a
noventa dias (transitório), como à transferência definitiva para o exterior não se
aplicam a disciplina da Lei nº 7.064, de 6 dez. 1982, como ficariam, então, as
obrigações trabalhistas em ambos os casos? Respeitariam a legislação brasileira
ou a estrangeira?
De início, é evidente que as duas situações são bastante diferentes
entre si. Comparando-se os efeitos que uma transferência transitória gera na vida
do trabalhador com os mesmos efeitos projetados por uma transferência
definitiva, é possível afirmar com segurança que se trata de fenômenos
absolutamente distintos e que, por isso, devem receber tratamento jurídico
igualmente particularizado.
Na simples execução de serviços transitórios no exterior, o
trabalhador mantém o seu núcleo profissional intocado no local de origem, já
que o seu retorno será certo e breve. Nessa hipótese, ainda, é bastante provável
que o trabalho executado no exterior se reverta mais em benefício da unidade
empresarial do país de origem do que da unidade empresarial do país de destino,
se acaso esta existir; poder-se-ia dizer que o trabalhador, de fato, exerce
atividade para seu empregador brasileiro no exterior, e não que trabalha em
benefício de empresa ou do estabelecimento estrangeiro. O trabalhador mantém-
se completamente vinculado ao local de origem, apenas executando parte de seu
feixe de tarefas em outro local.
Nesse cenário, e considerando que tal destacamento precário não se
insere na disciplina da Lei nº 7.064, de 6 dez. 1982, duas opções imediatamente
surgem: manter o contrato submetido à legislação brasileira no período ou
aplicar a legislação estrangeira durante o destacamento de curta duração. A
resposta solução é absolutamente intuitiva, pois não seria lógico que o
trabalhador destacado por breve período não tivesse garantido os direitos que a
Lei nº 7.064, de 6 dez. 1982, garante ao trabalhador transferido em caráter
provisório, como proteção previdenciária, depósitos de FGTS, reajustes e
aumentos salariais, do patamar salarial mínimo da categoria, etc.; seria dar
menor proteção ao trabalhador em condição mais precária. Por outro lado, já
80
manifestamos os problemas que a aplicação da lei brasileira pode gerar na
hipótese de transferência definitiva, em que o trabalhador rompe seus vínculos
profissionais com o país de origem em caráter terminativo. A única solução
racional parece ser manter o contrato de trabalho sob a regência da lei brasileira
no período de destacamento de curta duração e, nas transferências definitivas,
submetê-lo à regência do Direito do país de destino.
Em relação às transferências provisórias, a Lei nº 7.064, de 6 dez.
1982, criou uma regra específica de proteção aos trabalhadores em tal situação
ao adotar um sistema híbrido e dinâmico que concilia a aplicação da lei brasileira
para questões consideradas fundamentais ou vinculadas à temporalidade do
contrato de trabalho (Previdência, FGTS, patamares salariais mínimos etc.) e,
em relação às demais obrigações contratuais, prevê a aplicação da lei nacional
ou estrangeira, conforme presentes determinadas condições analisadas mais
adiante. O que importa nesse momento é que, em se tratando de transferência
provisória, não há a vinculação absoluta do contrato a uma única ordem
normativa.
Assim, parece que a Lei nº 7.064, de 6 dez. 1982, adota o domicílio
profissional do trabalhador como o primeiro elemento de conexão a ser
observado, organizando um modelo que se desenvolveria sob as seguintes
premissas: (1) as obrigações derivadas do contrato de trabalho seriam regidas,
prima facie, pela lei em vigor no local do domicílio profissional do trabalhador;
(2) o contrato de trabalho continuaria subordinado à lei brasileira nos
destacamentos por prazo não superior a 90 dias, desde que o empregador observe
as disposições legais sobre ciência e custeio (situação que se assemelharia a uma
mudança na habitação do indivíduo); (3) em relação às transferências provisórias
(que na analogia proposta equivaleria a uma mudança na residência da pessoa),
o legislador determinaria a incidência de outros elementos de conexão, que serão
tratados adiante, criando um modelo fragmentário e dinâmico; (4) por fim, nas
transferências definitivas, as obrigações contratuais passariam a ser regidas pelo
Direito corrente no local do novo domicílio profissional do trabalhador.
81
Tal sistematização será revista adiante, oportunidade em que se
observará que a Lei nº 7.064, de 6 dez. 1982, adotou outro instrumento de
conexão de primeiro nível, relegando o domicílio profissional a elemento
secundário. Entretanto, é inequívoco que o domicílio profissional, ainda que
venha a ser considerado como elemento de conexão de segundo nível, é
absolutamente importante na definição do Direito aplicável aos contratos de
trabalho internacionais. Nesse sentido, é relevante observar que a adoção do
domicílio profissional do trabalhador como elemento de conexão encontra
paralelo em recentes tratados internacionais. A Convenção da Comunidade
Econômica Europeia Sobre a Lei Aplicável às Obrigações Contratuais, de 1980
(CEE, 1980), conhecida como Convenção de Roma, dispõe que, ressalvadas
outras disposições que serão oportunamente analisadas, o contrato de trabalho
será regulado “pela lei do país em que o trabalhador, no cumprimento do
contrato, presta habitualmente o seu trabalho, mesmo que tenha sido destacado
temporariamente para outro país” (art. 6º, 2). A Convenção de Roma, como se
observa, vincula o contrato de trabalho à ordem jurídica em vigor no local em
que este presta seus serviços habitualmente, ainda que acidentalmente esteja
atuando em outro local. É bastante clara a correlação existente entre a Convenção
de Roma e o sistema da Lei nº 7.064, de 6 dez. 1982, especialmente na distinção
de domicílio profissional (local em que o trabalhador presta habitualmente seu
trabalho) e o de local transitório de prestação de serviços.
O Regulamento (CE) nº 593/2008 do Parlamento Europeu e do
Conselho da União Europeia (UE, 2008), que substituiu a Convenção de Roma
entre os Estados-Membros do bloco (art. 24), também reconhece o domicílio
profissional como elemento de conexão aplicável às relações de trabalho.
Estabelece o referido Regulamento que, à falta de escolha das partes acerca da
lei aplicável ao contrato de trabalho, este será “regulado pela lei do país em que
o trabalhador presta habitualmente o seu trabalho” e, em complementação,
esclarece que “não se considera que o país onde o trabalhador presta
habitualmente o seu trabalho mude quando o trabalhador estiver
temporariamente empregado noutro país” (art. 8º).
82
Esses rápidos exemplos servem para demonstrar que o domicílio
profissional constitui importante elemento de conexão em matéria de trabalho,
sobretudo na realidade contemporânea em que é comum o trabalhador executar
atividade em diversos locais, distantes pela medida de um rápido voo ou pela
velocidade de sua conexão com a internet, o que torna a adoção da lex loci
contractus ou da lex loci executionis uma ficção cujo resultado dificilmente será
satisfatório para ambos os protagonistas da relação de emprego. A ideia de
domicílio profissional, nesse contexto, estabilizaria a relação de emprego em um
local, uma espécie de sede jurídica do contrato de trabalho, ainda que o
trabalhador venha a executar serviços em outro lugar em caráter transitório ou
provisório. Embora estabilize o contrato, não o faz de forma definitiva e estática,
na medida em que o domicílio profissional pode se deslocar para outro ponto,
conforme se verifiquem as condições fáticas e jurídicas que o definem.
Por outro lado, a adoção do domicílio profissional como único
elemento de conexão não conduz a resultados razoáveis em grande parte das
situações, tal como percebido pela própria Lei nº 7.064, de 6 dez. 1982. É que a
solução obtida pela aplicação de referido elemento tende a ser satisfatória apenas
para as duas hipóteses extremas, a do mero destacamento transitório e a da
transferência definitiva, pois afigura-se racional que, no primeiro caso, as
obrigações contratuais permaneçam regidas pela lei vigente no país de origem e,
no segundo, pela lei do país de destino. No entanto, a transferência provisória
envolve uma situação híbrida, em que há o deslocamento do trabalhador para
outro local de forma temporária, havendo a certeza de retorno à origem (na
correlação que fizemos anteriormente, seria como se o trabalhador alterasse sua
residência, mas não o seu domicílio profissional). A complexidade desse último
contexto talvez seja mais visível justamente no âmbito de uma transferência
ocorrida dentro do território nacional em função de uma realidade reconhecida
até pela Constituição Federal: as grandes diferenças regionais. Disposições
convencionais relacionadas diretamente ao custo de vida local, como o subsídio
para alimentação do trabalhador, por exemplo, permaneceriam reguladas pelas
disposições vigentes no local de origem ou passariam a ser regidas pelas normas
vigentes no local de destacamento? Por outro lado, questões como participações
nos lucros e resultados, que dizem respeito aos resultados financeiros globais da
83
empresa e dos resultados individuais de todo o corpo de trabalhadores,
respeitariam qual ordem jurídica?
Em vista de tais problemas, a Lei nº 7.064, de 6 dez. 1982, adotou
outros critérios de conexão em caso de transferência provisória, o que obriga
reconhecer que o domicílio profissional não pode ser aplicado como único
instrumento de definição da regência legal do contrato de trabalho.
Por fim, as novas dinâmicas laborais, como as que se originam do
teletrabalho ou do trabalho em domicílio, exigem que se faça uma releitura do
próprio conceito de domicílio profissional, se é que é possível, de alguma forma,
compatibilizar o instituto com tais figuras.
2.4.2 Modelo dinâmico: os princípios do Direito Internacional
Privado.
Como observado ao longo dessas páginas, a adoção de um elemento
de conexão estático, seja a lex loci contractus, a lex loci executionis, o domicílio
profissional do trabalhador ou qualquer outro, jamais será capaz de oferecer uma
solução adequada e completa para as relações contratuais dinâmicas e que
envolvem múltiplas obrigações, cada uma com características e vínculos
diferentes. E o melhor exemplo dessas relações complexas é justamente o
contrato de trabalho.
A teoria moderna do Direito Internacional Privado percebeu tal
ineficiência há tempos. Ao iniciar o seu estudo sobre os elementos de conexão
possivelmente incidentes sobre as obrigações contratuais, Amílcar de Castro
(1987, p. 432) cuida logo de advertir o seu leitor que esse tem sido um trabalho
“penoso e interminável”, envolvendo a mais complexa questão de Direito
Internacional Privado e que, até então, estaria se apresentando como
“doutrinariamente insolúvel, e positivamente mal resolvida pela legislação e pela
jurisprudência”. O ponto agudo do problema, ainda segundo Castro, estaria
84
relacionado à insistência de se submeterem contratos complexos e com
características heterogêneas a uma única ordem jurídica.
De fato, o problema do Direito aplicável a uma relação contratual
surge somente quando as suas respectivas obrigações extrapolam os limites
territoriais de uma única ordem jurídica, projetando-se sobre pessoas e coisas
situadas sob o domínio de outro sistema legal; um contrato que se confina
integralmente em uma unidade jurídica, portanto, não representa um problema
de Direito Internacional Privado. Assim, contratos constituídos entre presentes,
de execução imediata e de âmbito local, dificilmente gerarão questionamentos a
respeito da lei a eles aplicáveis. Ao Direito Internacional Privado, quase sempre,
restam os contratos que envolvam obrigações complexas, celebrados entre
ausentes e geradores de prestações continuadas. Como advertido por Amílcar de
Castro (1987, p. 432), é mais próximo à realidade afirmar que tais contratos se
comportam mais como um encadeamento de múltiplos fatos jurídicos do que
como um ato unitário, razão pela qual torna-se difícil, senão impossível, vinculá-
los a uma única ordem jurídica. Seria como tentar classificar todas as espécies
vivas da terra em um único táxon: embora possível, o resultado final seria
insatisfatório.
Como todos os demais ramos da ciência jurídica, o Direito
Internacional Privado se estrutura sobre princípios fundamentais que conferem
a necessária ordenação e sistematização de suas regras. Tradicionalmente
acionados como instrumentos de integração, controle e restrição do
funcionamento das regras de conexão positivas, como um sistema de freios e
contrapesos (DOLINGER, 2007, p. 45-50), os princípios do Direito
Internacional Privado passaram pelo giro ontológico que, assim como em outras
disciplinas, sobretudo o Direito Constitucional, os colocou em posição cimeira
da dogmática jurídica. Nessa revolução, os princípios passaram a ser dotados de
carga eficacial suficiente para comporem, juntamente com as regras, o largo
espectro das normas jurídicas.
Há muito a doutrina de Direito Internacional Privado enfrenta os
problemas gerados pela adoção de elementos de conexão estáticos, determinados
85
de forma objetiva e apriorísticas e que, portanto, são imunes às peculiaridades e
às necessidades do caso concreto. E foi na confrontação desse problema que a
disciplina passou a assimilar modelos de conexão dinâmicos, desenvolvidos e
construídos incidentalmente ao caso concreto e, portanto, permeáveis aos
valores e às especificidades do conflito examinado. Concentrando-se nos
aspectos mais relevantes à pesquisa, o estudo passa a examinar os três princípios
que possuem maior aderência com o problema central da investigação.
2.4.2.1 Princípio da autonomia da vontade.
É reconhecido pela doutrina como o mais antigo princípio positivo
de Direito Internacional Privado. Fundado na proposta de que as partes são livres
para definirem a lei que deverá reger as suas obrigações, o princípio da
autonomia da vontade vem sendo desenvolvido teoricamente desde o século XV
(VALLADÃO, 1971, p. 112). Atualmente, é amplamente aceito pela doutrina e,
em alguma medida, está previsto em praticamente todos os tratados
internacionais e legislações modernos de Direito Internacional Privado.
A prerrogativa que os particulares têm de, por ato próprio,
constituírem obrigações recíprocas e mutuamente exigíveis representa a válvula
de abertura do conhecimento científico organizado e conhecido como Direito
Privado. Tal denominação, que já não empolga knovos defensores como em
outros tempos, provavelmente em razão dos diversos pontos de intersecção entre
interesses públicos e privados que vêm se observando nas legislações
contemporâneas, parece realmente nunca ter sido correta. Explica-se: a liberdade
de contratar concede aos particulares o poder de criar uma relação obrigacional
própria, individualizada e autônoma, que prescinde de prévia autorização
legislativa; aliás, o contrato é comumente representado pelo clássico adágio que
o identifica como lei entre as partes. Entretanto, o contrato não é somente lei
entre os contratantes, mas também é lei perante o Estado, que a ele se vincula
diretamente para garantir a força eficacial de suas disposições. O
inadimplemento de um pacto privado permite que a parte lesada acione as forças
86
do Estado – Judiciário e, eventualmente, Executivo – para que se lhe faça
cumprir. Em uma fórmula simplificada, pode-se dizer que os órgãos de Estado
estão vinculados ao contrato tal como estão vinculados às leis. O contrato,
portanto, não pode ser representado como sendo um fenômeno puramente
privado.
Se os particulares têm o poder de criar normas jurídicas que além de
obrigá-los também vinculam os órgãos de Estado, por qual razão tais indivíduos
não poderiam apenas escolher o conjunto normativo estatal que regerá os seus
interesses contratuais? Uma ordem estatal que concede a prerrogativa mais
ampla – a criação de normas - parece compatibilizar-se com a garantia de menor
amplitude – a escolha da lei que disciplinará o contrato. A aceitação dessa
dimensão da liberdade contratual consolidou as bases sobre as quais foram
edificadas as teorias que descrevem o princípio da autonomia da vontade e que
vêm sustentando sua aceitação por tribunais desde, pelo menos, o século XVIII16.
São os modernos diplomas de Direito Internacional Privado,
entretanto, que consagram o princípio da lex voluntatis como um dos mais
importantes instrumentos de solução dos conflitos interespaciais de leis em
matéria contratual. Jacob Dolinger (2007, p. 64-71) aponta uma extensa relação
de países cujas legislações internas franqueiam às partes de um contrato
internacional o direito de escolher qual ordenamento regerá as respectivas
obrigações, como é o caso, apenas a exemplo, da Alemanha, da Inglaterra, da
França, da Itália, da Suíça, da Bélgica, da Holanda, de Portugal e da Rússia. Já
no âmbito das convenções e tratados internacionais, Dolinger nomina pelo
menos 12 documentos, todos produzidos a partir da metade do século XX, em
que o princípio da autonomia da vontade não apenas está presente, mas ocupa
posição central.
Nesse sentido, a já citada Convenção de Roma (CEE, 1980) adota a
lex voluntatis de forma explícita ao estabelecer que os contratos internacionais
16 Segundo Jacob Dolinger (2007, p. 63), uma decisão proferida em 1796 por uma corte britânica constitui o registro mais antigo da aceitação do princípio da autonomia da vontade por um tribunal.
87
serão regidos pela lei que for escolhida pelas partes de forma expressa ou
presumida17. O Regulamento (CE) nº 593/2008 (UE, 2008) reafirma o direito
que os contratantes têm de eleger por escolha a ordem jurídica que regerá as suas
respectivas obrigações.
Tanto a Convenção de Roma como o Regulamento (CE) nº 593/2008
posicionam o princípio da autonomia da vontade como regra de solução de
conflitos internormativos de primeiro nível, o que significa que outras regras e
elementos de conexão serão verificados apenas caso as partes não manifestem
escolha, explícita ou implícita, pela lei de um determinado país.
O princípio da autonomia da vontade também protagoniza tratados e
acordos internacionais adotados por outros blocos políticos regionais e por
organizações globais. A respeito dos primeiros, a mais importante referência é a
chamada Convenção do México (OEA, 1994), que vincula o contrato à lei
expressamente escolhida pelas partes para regê-lo ou, na ausência de
manifestação explícita, àquela cujo comportamento das partes e as cláusulas
contratuais indicarem ter sido adotada para tal fim18.
No âmbito dos organismos suprarregionais, o Instituto de Direito
Internacional, reconhecendo a autonomia da vontade como um dos princípios
fundamentais de Direito Internacional Privado e consagrada como uma
expressão da liberdade individual em diversas convenções e resoluções da
Organização das Nações Unidas, aprovou em 1991 uma resolução que
estabelece que as partes são livres para eleger o Direito que regerá as obrigações
derivadas do contrato celebrado (IDI, 1991).
17 Conforme assentado em seu art. 3º, 1, in verbis: “o contrato rege-se pela lei escolhida pelas partes. Esta escolha deve ser expressa ou resultar de modo inequívoco das disposições do contrato ou das circunstâncias da causa” (CEE, 1980). 18 Tal como segue: “art. 7º. O contrato rege-se pelo direito escolhido pelas partes. O acordo das partes sobre esta escolha deve ser expresso ou, em caso de inexistência de acordo expresso, depreender-se de forma evidente da conduta das partes e das cláusulas contratuais, consideradas em seu conjunto. Essa escolha poderá referir-se à totalidade do contrato ou a uma parte do mesmo” (OEA, 1994).
88
Mais recentemente, a Conferência de Haia de Direito Internacional
Privado aprovou documento que organiza e sistematiza a aplicação da lex
voluntatis aos contratos comerciais internacionais, reconhecendo sua
importância no contexto do Direito Internacional Privado contemporâneo
(HCCH, 2015).
Construído a partir de uma ideia simples – a liberdade de escolha da
lei aplicável ao contrato – o princípio da autonomia da vontade desafia algumas
questões importantes e que ainda provocam esforços doutrinários. Uma delas diz
respeito à possibilidade de as partes escolherem a lei de um país ou território que
não possua qualquer conexão com o contrato ou com elas próprias; uma lei eleita
pelas partes de forma absolutamente livre. Outra questão relevante é se as partes
poderiam escolher ordens jurídicas distintas para reger partes diferentes do
contrato – a chamada dépeçage.
A mais complexa questão enfrentada na aplicação do princípio da
autonomia da vontade relaciona-se com tema bastante íntimo do Direito do
Trabalho: o problema das normas estatais de conteúdo imperativo, sobre as quais
os contratantes não podem dispor livremente. A dúvida consiste em saber se
autonomia da vontade teria espaço de atuação diante de um regramento estatal
de aplicação obrigatória.
A Convenção de Roma responde a essa indagação na forma de uma
regra geral (art. 7º) e de regras especiais, essas que dizem respeito
especificamente às relações de consumo (art. 5º) e contratos individuais de
trabalho (art. 6º). Segundo a regra geral, as leis imperativas do país em que a
situação regulada possuir conexão mais estreita pode prevalecer sobre a lei
escolhida pelas partes, desde que essa aplicação sobrejacente seja determinada
pela própria lei obrigatória. A aplicação efetiva de um Direito sobre o outro,
segundo a Convenção, dependerá da natureza e do objeto da questão, bem como
das consequências que a aplicação de uma ou outra norma poderá gerar19. Como
19 In verbis: “Ao aplicar-se, por força da presente Convenção, a lei de um determinado país, pode ser dada prevalência às disposições imperativas da lei de outro país com o qual a situação apresente uma conexão estreita se, e na medida em que, de acordo com o direito deste último país, essas disposições sejam aplicáveis, qualquer que seja a lei reguladora do contrato. Para se
89
se observa, a Convenção de Roma não possui uma regra geral estática e definida
aprioristicamente.
Mais relevante para o presente estudo é a norma especial dirigida aos
contratos individuais de trabalho. A Convenção de Roma não repele totalmente
a possibilidade de as partes de um contrato individual de trabalho escolherem a
lei que regerá as respectivas obrigações; entretanto, disciplina que tal escolha
não poderá ter como resultado a privação do trabalhador da proteção estabelecida
nas leis imperativas que seriam aplicáveis ao contrato na falta de escolha - a lei
do país da prestação habitual de serviços ou, não havendo prestação de serviços
habitual em um único local, a lei do país em que está sediado o estabelecimento
que contratou o trabalhador, salvo, quanto a essa, se o contrato de trabalho
apresentar uma conexão mais estreita20 com outro país, situação em que a lei
desse último será observada21.
Como se observa, a Convenção de Roma delimita o espaço em que
o princípio da autonomia da vontade possa produzir efeitos, o qual corresponde
exatamente àquele não demarcado pelas leis imperativas. É um modelo bastante
conhecido pelo Direito do Trabalho brasileiro.
O Regulamento (CE) nº 593/2008 não alterou substancialmente as
disposições da Convenção de Roma sobre a lei aplicável aos contratos
decidir se deve ser dada prevalência a estas disposições imperativas, ter-se-á em conta a sua natureza e o seu objecto, bem como as consequências que resultariam da sua aplicação ou da sua não aplicação” (CEE, 1980, art. 7º). 20 A ideia de “conexão mais estreita”, já invocada anteriormente, será explorada de forma detida mais adiante. 21 Assim está disposto no art. 6 da Convenção de Roma: “1. Sem prejuízo do disposto no artigo 3º, a escolha pelas partes da lei aplicável ao contrato de trabalho, não pode ter como consequência privar o trabalhador da protecção que lhe garantem as disposições imperativas da lei que seria aplicável, na falta de escolha, por força do nº 2 do presente artigo. 2. Sem prejuízo do disposto no artigo 4º e na falta de escolha feita nos termos do artigo 3º, o contrato de trabalho é regulado: a) Pela lei do país em que o trabalhador, no cumprimento do contrato, presta habitualmente o seu trabalho, mesmo que tenha sido destacado temporariamente para outro país, ou b) Se o trabalhador não prestar habitualmente o seu trabalho no mesmo país, pela lei do país em que esteja situado o estabelecimento que contratou o trabalhador, a não ser que resulte do conjunto das circunstâncias que o contrato de trabalho apresenta uma conexão mais estreita com um outro país, sendo em tal caso aplicável a lei desse outro país”.
90
individuais de trabalho, mantendo a ideia central a respeito dos limites da
autonomia da vontade das partes na escolha da lei de regência.
Outros instrumentos normativos internacionais são mais restritivos
em relação à aplicação do princípio da autonomia da vontade em matéria de
relações do trabalho, alguns até a proscrevendo. Em documento que sistematiza
a aplicação do princípio da autonomia da vontade nos contratos comerciais
internacionais, a já referida Conferência de Haia de Direito Internacional
Privado expressamente ressalva a adoção da lex voluntatis em contratos que
envolvam consumidores ou que digam respeito às relações de trabalho (art. 1,
1). A entidade justifica a inaplicabilidade do princípio da autonomia da vontade
a esses contratos sob o reconhecimento de que muitos países os protegem por
normas especiais de tutela que não podem ser derrogadas contratualmente e que
são destinadas a proteger a parte mais fraca da relação jurídica, consumidores e
trabalhadores, de abusos que possam ser praticados sob a liberdade contratual
(Commentary, 1.10).
Não é diferente no âmbito interno. A Lei nº 7.064, de 6 dez. 1982,
que dispõe sobre a transferência de trabalhadores para o exterior, estabelece que
alguns aspectos do contrato de trabalho, como o salário-base e o adicional de
transferência, serão regulados pelas próprias partes em ajuste escrito (art. 4º,
caput). Tal disposição, entretanto, diz respeito apenas à fixação das condições
iniciais do ajuste, não representando a escolha da lei que regerá a relação; tanto
que os parágrafos do citado diploma vinculam o contrato à lei brasileira,
obrigatoriamente. Não se observa, na Lei nº 7.064, de 6 dez. 1982, espaço para
adoção da lex voluntatis.
O postulado de que as partes podem regular livremente o contrato
que as vincula pressupõe, para ser verdadeiro, a presença de uma condição
fundamental e que sustenta todo o edifício teórico do liberalismo: a autonomia
da vontade. Essa expressão pode ser compreendida a partir de dois vetores; o
primeiro, como a supremacia da vontade sobre convenções de qualquer natureza,
inclusive legais; o segundo, talvez mais relevante, como referente à reserva
mental pura, desvencilhada de qualquer elemento que a condicione ou a
91
direcione para um ou outro sentido. Para ser considerada fonte legítima de
obrigações, a autonomia da vontade deve ser manifestada em um ambiente de
equilíbrio material entre os contratantes, atmosfera raramente observada em
relações jurídicas em que um dos contratantes se encontra em posição de
vantagem sobre o outro, seja ela de natureza econômica, técnica, informacional,
moral, dogmática ou mesmo derivada de sua menor dependência em relação ao
objeto do ajuste.
O Direito do Trabalho foi construído sob essa premissa, seguida por
outra que reconhece a relação entre empregado e empregador como um vínculo
entre desiguais. Como resultado, o ordenamento trabalhista concede às partes
um espaço negocial bastante restrito, o qual está à margem das matérias
objetivamente reguladas em lei. No âmbito do Direito do Trabalho interno, é
possível, em uma síntese, afirmar que a vontade não opera no espaço já
demarcado pela lei.
É evidente que o problema da autonomia da vontade no Direito do
Trabalho não se resume ao que foi dito nos parágrafos anteriores, já que se trata
de um dos temas mais pesquisados na área e que dispõe de amplo acervo teórico.
O que releva para o estudo é que, além dessa questão que envolve a livre
manifestação do agir, a adoção da lex voluntatis em matéria trabalhista esbarraria
em outro aspecto: o caráter imperativo das normas de tutela do trabalho. Tal
problema, por sua vez, gera uma espiral que faz com que se retorne ao ponto
inicial. Qual lei é imperativa? Seria a do local em que o trabalhador foi
contratado, a do seu domicílio profissional ou a do local para o qual foi
destacado? Como se observa, a ideia corrente de que as normas de Direito do
Trabalho são imperativas provoca o retorno ao problema inicial da norma de
regência do contrato de trabalho. Em nosso sentir, tal efeito afasta totalmente a
possibilidade das partes escolherem por determinação própria o ordenamento
que regerá o contrato.
Carlos Roberto Husek (2015, p. 192) defende que a escolha da lei
pelos contratantes, em matéria trabalhista, é válida, desde que o ordenamento
não rejeite expressamente a escolha. O referido autor prossegue reconhecendo
92
que, entre nós, o campo de aplicação da autonomia da vontade seria
consideravelmente restrito, ante o grande número de normas que são
reconhecidas como sendo de ordem pública; ao final, Husek se posiciona
afirmando que o trabalhador realmente deve ser protegido pela lei, mas tal
proteção não pode ter como consequência reduzi-lo a um ponto próximo da
incapacidade, retirando-lhe toda a perspectiva de crescimento que poderia ser
alcançado a partir de sua autodeterminação.
O pensamento de Husek merece algumas considerações. A lex
voluntatis é examinada no presente estudo em uma única dimensão: a
possibilidade das partes elegerem a ordem jurídica que irá reger o respectivo
contrato. Assim, se um trabalhador brasileiro for destacado para Angola, por
exemplo, a adoção da lex voluntatis, na dimensão ora estudada, significaria que
as partes, empregado e empregador, poderiam convencionar que, no período de
destacamento, o contrato ficaria regido em todo ou em parte pela lei brasileira,
pela lei angolana ou, até mesmo, pela lei de um terceiro país. As partes teriam a
liberdade de escolher a ordem jurídica que regerá o contrato de trabalho ou partes
específicas dele. Isso não se confunde com a possibilidade dada às partes de
convencionarem condições contratuais adicionais, que serão observadas de
forma concomitante com a lei que rege o contrato. É o que ocorre em nosso
Direito interno, em que as partes podem pactuar livremente condições de
trabalho, desde que essa convenção não implique restrição dos direitos já
previstos em lei. Ainda no exemplo do trabalhador destacado para Angola,
imagine-se que a ordem jurídica determine que o contrato seja regido no período
pela lex loci executionis, afastando a adoção da lex voluntatis. Tal fato não
impediria que as partes convencionassem direitos e obrigações adicionais,
acessórios ou mesmo dispor sobre questões que não colidam com a lei angolana.
Como se observa, são institutos diferentes: a lex voluntatis, na dimensão ora
examinada, representa a escolha da lei que regerá o contrato e não se confunde
com a possibilidade de as partes pactuarem em contrato obrigações recíprocas –
esta, outra dimensão da autonomia da vontade.
93
Se a adoção da lex voluntatis em matéria de Direito Internacional do
Trabalho é no mínimo controvertida, sua aplicação em relação aos conflitos
internos de leis é ainda mais desafiadora.
Além de consideráveis custos, o destacamento de um trabalhador
para o exterior também representa para a empresa um problema de ordem legal,
notadamente com o visto de trabalho. É evidente que as empresas evitam ao
máximo tais transtornos, só transferindo ao exterior os empregados efetivamente
essenciais à realização da atividade. Aliás, muitos países vinculam a emissão de
visto a funcionários expatriados à comprovação de que não existe no local de
destino cidadão nacional com igual capacitação técnica ou da impossibilidade
de se designar a atividade a residentes locais. Os trabalhadores destacados,
portanto, costumam ter alta competência técnica e grande importância para os
negócios da companhia. São empregados que têm uma capacidade de
negociação, frente ao empregador, um pouco mais elevada que os demais
trabalhadores da empresa.
O cenário tende a ser diferente nos destacamentos internos. É
comum que tanto os integrantes do quadro técnico-operacional da empresa como
os ocupantes de posição mais elevada sejam indistintamente designados para a
realização de atividade em outro local. É o que ocorre, apenas como exemplo,
na indústria da construção civil. Outra nota distintiva é que os destacamentos
internos prescindem de atos preparatórios mais elaborados como exigem as
viagens internacionais, muitas vezes reduzindo-se a uma singela ordem de
cumprimento de uma tarefa em outro local. O tempo de permanência no local de
destino, que tende a ser superior nas designações ao exterior, é outro fator
diferencial.
Tal conjunto contextual implica se reconhecer que a vontade do
trabalhador é mais suscetível de ser condicionada – e, portanto, desprovida de
autonomia – em um destacamento interno do que em uma transferência
internacional.
94
Como se observa, a adoção da lex voluntatis nos conflitos internos,
em matéria de Direito do Trabalho, tende a produzir um resultado insatisfatório,
pois, invariavelmente, resultaria em discussões sobre os atributos da vontade
manifestada pelo trabalhador, além de um problema adicional que
compreenderia o desacordo entre as partes a respeito da lei de regência do
contrato. Nada justifica a adoção de uma regra de conexão que, longe de
pacificar e trazer segurança jurídica, implicará um ambiente conflituoso e
incerto. Ademais, como se verá adiante, o contrato de trabalho possui uma
complexidade tal que torna impossível, nos destacamentos provisórios, submetê-
lo integralmente à ordem legal do local de origem ou do local de destacamento.
2.4.2.2 Princípio da proteção.
Alguns autores reconhecem a existência de um princípio de Direito
Internacional Privado que é assimilado com confortável intimidade pelos
operadores do Direito do Trabalho. O princípio da proteção sustentaria uma
regra de conexão que determina que a situação jurídica internacionalizada deva
ser regulada, em sua substância, pelo ordenamento que se apresentar mais
favorável à parte identificada como vulnerável ou hipossuficiente na relação
jurídica, seja em função de um atributo subjetivo ou de critério objetivo. O
princípio da proteção, portanto, teria aplicação reservada às relações jurídicas
travadas entre indivíduos materialmente desiguais, sobre elas repousando em
garantia de tutela da parte mais fraca. Ante tal condição de incidência, o princípio
da proteção é invocado, especialmente, à solução dos conflitos internormativos
que envolvam consumidores, contratos de trabalho e relações familiares.
O denominado princípio da proteção, do Direito Internacional
Privado, parece não receber, por parte da doutrina especializada, a mesma
atenção que recebem os outros institutos que compõem tal cadeira acadêmica.
Esse tratamento diferenciado, que se evidencia pela ausência de uma
sistematização completa do princípio, pode ter como causa o fato de seu campo
de estudo se situar em fronteiras interdisciplinares, atraindo o interesse de outros
95
ramos do Direito, como o do Trabalho e do Consumidor. Nessa guarda
compartilhada, o esboço inicial do princípio da proteção, feito pela doutrina do
Direito Internacional Privado, acabou não recebendo até o momento a sua arte
final.
Essa obscuridade no conhecimento jurídico é visível até mesmo
entre os grandes nomes do Direito Internacional Privado. Após constatar que a
jurisprudência brasileira rejeita a aplicação das regras de conexão previstas na
Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro (local de constituição do
contrato), dada a característica especial do contrato de trabalho, Haroldo
Valladão (1978, p. 99-100) reconhece que as obrigações derivadas da relação de
emprego, como regra geral, devam ser regidas pela lei do lugar do efetivo
exercício da atividade profissional do trabalhador (lex loci executionis). Em
franco apoio à lei do local da prestação de serviços, o referido autor faz menção
a anteprojeto de lei de sua autoria, que almejava substituir a LINDB, no qual
postulara que os contratos de trabalho iniciados, executados ou encerrados no
Brasil estariam sujeitos à lei nacional relativamente aos “direitos, vantagens e
garantias, mínimos, do empregado”. Prosseguindo, Valladão afirma que essa
ideia da existência de um contingente de direitos mínimos dá sustentação à
aplicação de outro critério de conexão, o da norma mais favorável ao empregado,
o qual determinaria a aplicação do conjunto normativo que se afigurar mais
benéfico ao trabalhador.
Concluindo essa parte de seu estudo, Haroldo Valladão afirma que,
se o trabalhador executar a sua atividade em múltiplos lugares, os elementos de
conexão serão diferentes dos anteriores: se um dos locais de prestação de
serviços se situar no Brasil, adotar-se-á a lei comum às partes, empregado e
empregador, portanto, a lei brasileira; se todos os locais forem no exterior, então
será observável a lei do domicílio do trabalhador, pessoa protegida pelo Direito
do Trabalho; por fim, no caso de empregado viajante, o Direito de regência do
contrato será aquele vigente no domicílio do empregador. Encerrando, o autor
em referência ainda reconhece algum espaço para a aplicação do princípio da
autonomia da vontade (VALLADÃO, 1978, p. 100).
96
Há uma aparente contradição entre as diversas regras de conexão
sugeridas por Haroldo Valladão. Se o contrato de trabalho é regido pela lei da
terra em que o trabalhador cumpre sua prestação, então a ele tocariam todos os
direitos previstos na lei do lugar e não apenas os chamados direitos mínimos. Se
considerarmos como mínimos apenas os direitos fundamentais dos
trabalhadores, tal contradição deixa de ser meramente aparente para se tornar
concreta. Da mesma forma, a premissa de adoção da lei mais favorável talvez
afaste, por incompatibilidade, a tese de adoção da lei do domicílio do trabalhador
ou do domicílio do empregador. E, por fim, é bastante difícil assimilar a
coexistência de um princípio que ordena a aplicação da norma mais favorável
com outro que prestigia a autonomia da vontade.
Como se observa, além da ausência de uma sistematização em
relação ao chamado princípio da proteção, bem como das demais regras de
conexão citadas, Valladão parece referir-se a direitos mínimos – que, segundo
ele, justificariam a regra de aplicação da norma mais favorável – como um
patamar social garantido pela ordem estatal brasileira aos trabalhadores aqui
contratados ou que executam no Brasil as suas atividades, patamar esse que seria
assegurado por normas especiais cuja eficácia repeliria a aplicação da lei
estrangeira em relação às matérias por elas disciplinadas. Tal ideia, no entanto,
integra o núcleo de um dos mais importantes institutos do Direito Internacional
Privado: o princípio da ordem pública. Valladão, então, acaba justificando um
princípio (o da proteção) em outro princípio (o da ordem pública), o que, de
plano, não parece sustentável.
Jacob Dolinger (2014, p. 357; 2007, p. 97-98) reconhece o princípio
da proteção do Direito Internacional Privado, porém lhe confere pouquíssimo
espaço em sua extensa produção técnica, suficiente apenas para comunicar o
leitor a respeito de sua existência, informar o seu propósito de tutelar a parte
mais fraca da relação jurídica e exemplificar o Direito do Trabalho como um dos
seus campos de aplicação. Não se observa em Dolinger, tal como não se observa
em nenhum outro autor do Direito Internacional Privado, o aprofundamento
teórico que seria de se esperar ao se tratar de um instituto que tem a pretensão
de ser um dos princípios da disciplina. Entretanto, o autor mencionado oferece
97
um referencial que pode ajudar a entender os motivos dessa omissão. Dolinger
(2007, p. 97) afirma que o princípio da proteção opera por intermédio de normas
imperativas e tem o apoio frequente de outro instituto fundamental do Direito
Internacional Privado: o princípio da ordem pública. Ao congregar os princípios
da proteção e o da ordem pública, Dolinger acabou incidindo na mesma confusão
observada em Haroldo Valladão.
Amílcar de Castro (1987, p. 482 e segs.) não envereda por tal senda.
Esse autor não faz qualquer referência à existência de um princípio da proteção.
Ao contrário dos autores acima citados, Castro prefere distinguir o que denomina
“disposições de polícia em matéria de trabalho” das “disposições imperativas de
direito privado”. A primeira categoria compreenderia as normas de natureza
regulamentar administrativa, de Direito Público, cuja inobservância deflagraria
a imediata ação do Estado contra o ofensor por intermédio de sanções de
natureza penal; tal categoria incluiria as normas relativas à segurança e higiene
do trabalho, ao trabalho do menor, à duração do trabalho e aos períodos de
repouso. A segunda categoria diria respeito às normas que regulam a relação
horizontalmente estabelecida entre empregado e empregador, cujo
descumprimento empolgaria ação judicial por parte do ofendido em busca da
reparação dos danos sofridos.
A partir dessa divisão, Amílcar de Castro (op. cit.) assenta que as
normas de polícia não repercutem no Direito Privado, nem mesmo em relação
às situações internacionalizadas. É como se esse conjunto de normas especiais
restasse à margem de toda discussão envolvendo o conflito de leis no espaço,
situando-se além dos domínios do Direito Internacional Privado e a elas se
aplicando a lei do foro (lex fori). Já em relação às demais normas de Direito
Privado, Castro invoca alguns exemplos de relações de trabalho desenvolvidas
de forma transnacional para demonstrar a existência de bases fáticas e jurídicas
distintas em cada uma delas e, ao final, vaticinar que não é possível se
estabelecer uma única regra de conexão que se aplique a todos os casos.
Os três autores citados convergem para um ponto comum. Eles
reconhecem que a relação de trabalho está sujeita à incidência de algumas
98
normas que se diferenciam das demais quanto ao seu critério de conexão ao
contrato. Tais normas, que garantem direitos mínimos dos trabalhadores
(Haroldo Valladão), compõem a ordem pública (Jacob Dolinger) e veiculam
disposições de polícia em matéria de trabalho (Amílcar de Castro), detêm uma
carga eficacial diferenciada que é capaz de repelir a aplicação do Direito
estrangeiro em relação ao fato ocorrido no Brasil, e até mesmo no exterior,
quando se verificar algum componente de conexão do contrato à ordem jurídica
brasileira.
O Direito Internacional Privado concentra o estudo dessas normas e
a forma como elas se projetam sobre as diversas situações jurídicas
internacionalizadas no antigo e complexo princípio da ordem pública. Com a
simplicidade que convém à compreensão, o referido princípio delimita um
âmbito de salvaguarda do Direito nacional que neutraliza a eficácia da lei
estrangeira, ainda que as regras de conexão conduzam a ela, impede o
reconhecimento de atos jurídicos praticados no exterior e obsta a execução de
sentenças proferidas por tribunais adventícios (DOLINGER, 2014, p. 411).
Um dos maiores problemas do Direito Internacional Privado consiste
em definir com precisão qual é esse âmbito de salvaguarda, ou seja, quais leis,
princípios, costumes, traços culturais, dentre outros institutos, integram esse
conceito indeterminado chamado ordem pública. Jacob Dolinger reconhece que
o princípio da ordem pública é o “grande drama” (2007, p. 115) do Direito
Internacional Privado e assim ocorre porque sua natureza não seria
exclusivamente jurídica, mas também, e principalmente, de ordem “filosófica,
moral, relativa, alterável e, portanto, indefinível” (2014, p. 412). Dimensionando
ainda mais o problema, Dolinger afirma que o princípio em questão reflete a
“filosofia sócio-político-jurídica” de um sistema estatal, representando a “moral
básica” de uma nação. Logo em seguida, Dolinger surpreende o leitor, à altura
já consumido por conceitos tão vagos, ao advertir que não é possível encontrar
uma fórmula que esclareça “o que vem a ser básico na filosofia, na política, na
moral e na economia de um país” (idem).
99
O princípio da ordem pública é aplicado universalmente. No plano
do Direito Internacional Privado brasileiro, a Lei de Introdução às Normas do
Direito Brasileiro o reconhece ao determinar que “as leis, atos e sentenças de
outro país, bem como quaisquer declarações de vontade, não terão eficácia no
Brasil, quando ofenderem a soberania nacional, a ordem pública e os bons
costumes” (art. 17).
Como, no entanto, é possível aplicar um princípio cujo suporte fático
é tão vago a ponto de não ser possível defini-lo?
Em determinadas situações, a existência de uma questão de ordem
pública parece ser evidente. Bom exemplo são as disposições legais a respeito
da idade mínima para o trabalho. Alguns países, como é o caso da Indonésia,
definem a capacidade para o trabalho a partir dos 13 anos de idade22, enquanto o
Brasil a fixa aos 16 anos, ressalvada a condição especial do aprendiz. Supondo
que a capacidade civil, incluindo a do trabalho, fosse definida pela lei do
domicílio da pessoa, seria possível cogitar, prima facie, que um adolescente
indonésio de 13 anos pudesse trabalhar no Brasil em condição de destacamento.
É evidente, contudo, que tal hipótese não seria admitida e a razão para tanto é
que a lei brasileira sobre o trabalho do menor constitui questão de ordem pública,
repelindo a lei estrangeira ainda que as regras de conexão aplicáveis a atraia à
regulação da situação jurídica.
Em outros casos, no entanto, a existência de uma questão de ordem
pública não é tão evidente. Uma dívida de jogo contraída licitamente no exterior
poderia ser executada no Brasil, onde tal prática é considerada ilícita? E uma
família poligâmica constituída em território estrangeiro em conformidade com a
lei local, mas que muda seu domicílio para um país que não reconhece tal
configuração familiar? São apenas dois exemplos entre inúmeros outros que
poderiam ser citados e que ilustram as dificuldades envolvidas na definição do
conceito de ordem pública. E tais dificuldades remanescem mesmo que se
22 Segundo a lei indonésia, o trabalho infantil entre os 13 e 15 anos será admitido apenas em “trabalhos leves e desde que a atividade não atrapalhe ou perturbe os seus desenvolvimentos físicos, mentais e sociais” (INDONÉSIA, 2003)
100
delimite o campo de estudo ao Direito positivo. A dificuldade, nesse âmbito, é a
mesma: identificar quais leis são consideradas como disposições de ordem
pública e quais normas não se enquadram em tal conceito.
Essa discussão, no entanto, parece um tanto improdutiva para os
pesquisadores do Direito do Trabalho brasileiro e a razão para assim parecer é
que, entre nós, todas as leis que versam sobre direitos dos trabalhadores são
consideradas como normas de ordem pública, imperativas, alheias à vontade das
partes, mesmo que pela via da contratação coletiva. O Direito do Trabalho
brasileiro considera que todo o seu universo normativo de origem estatal é
composto por disposições de ordem pública - esteja isso correto ou não.
Nesse cenário, as leis brasileiras que versam sobre Direito do
Trabalho teriam o poder de produzir efeitos sobre todas as situações jurídicas
que, de alguma forma, conectam-se à ordem jurídica brasileira, caso dos
contratos de trabalho executados ou iniciados no território nacional. Assim, a
legislação trabalhista brasileira, por ser integralmente considerada de ordem
pública, constituiria um patamar mínimo de direitos que nenhuma lei estrangeira
poderia afastar.
Como visto anteriormente, a ideia de que o contrato de trabalho deve
ser regido pela lei do local da prestação de serviços (lex loci executionis) é
resistente no ideário do Direito do Trabalho. De outra ponta, também é insistente
a ideia de que o acervo legal que disciplina a relação de trabalho é constituído
integralmente por disposições de ordem pública. Como equalizar aquela regra
de conexão (lex loci executionis) com o princípio da ordem pública? É
exatamente neste ponto que ocorre toda a confusão em torno do chamado
princípio da proteção.
A solução adotada foi simples: aplica-se a lei do local da prestação
de serviços, garantindo-se, sempre, o patamar mínimo previsto na lei nacional.
Se a aplicação da legislação estrangeira implicar uma condição menos favorável
ao trabalhador que seria garantido pela lei brasileira, esta prevalece, por ser de
ordem pública. Ao contrário, afigurando-se a lei estrangeira mais benéfica ao
101
trabalhador, reputa-se que a ordem pública brasileira foi respeitada e, então,
aplica-se a lex loci executionis.
Esse modelo, que nada mais é do que a aplicação da lex loci
executionis condicionada pelo princípio da ordem pública, passou a ser
chamado, indevidamente, como princípio da proteção. É indevido falar em
princípio da proteção porque, mesmo que exista uma norma dispondo sobre a
aplicação do Direito mais benéfico – e há, como veremos logo adiante – essa
disposição não tem natureza finalística, mas sim o caráter de norma instrumental
que visa dar efetividade ao princípio da ordem pública. Nessa linha, poder-se-ia,
no máximo, falar na existência de uma regra da norma mais favorável que
operaria como instrumento de efetividade do princípio da ordem pública. Tratar
tal regra como um princípio autônomo constitui grande equívoco – daí a razão
por que a doutrina não foi sequer capaz de sistematizá-lo.
Como se observa, não existe, no âmbito do Direito Internacional
Privado, um princípio chamado da proteção. O que existe é apenas a atuação do
princípio da ordem pública em caráter condicionante e regulador da aplicação da
regra lex loci executionis ou de qualquer outra regra de conexão.
A Lei nº 7.064, de 6 dez. 1982, como veremos de forma mais detida
à frente, absorveu a ideia de aplicação do Direito mais benéfico ao trabalhador
nas hipóteses de destacamento, o que, para muitos, constitui a adoção do
(equivocado) princípio da proteção. Essa conclusão é resultado de uma leitura
desatenta da norma, pois um olhar mais cuidadoso é capaz de revelar que a lei
citada adotou diversos elementos de conexão diferentes, como o domicílio
profissional (ex. art. 1º, § único) e a lex loci executionis (ex. art. 3º, caput),
sempre condicionados pelo princípio da ordem pública (ex. art. 3º, I, II e §
único), além de fragmentar os diferentes aspectos do contrato de trabalho. Como
será visto na seção seguinte, a Lei nº 7.064, de 6 dez. 1982, adotou um modelo
de conexão dinâmico que nada mais é do que a efetivação do princípio da
proximidade.
102
Como dissemos, é equivocado atribuir o status de princípio à
proposta de que o contrato internacional do trabalho deva ser regido pela ordem
jurídica que se afigurar mais benéfica ao trabalhador, uma vez que tal mecanismo
constitui apenas uma regra que instrumentaliza outro princípio, o da ordem
pública. Qualquer regra que determine a aplicação do Direito mais benéfico ao
trabalhador está, em verdade, protegendo a ordem pública nacional, uma vez que
as normas brasileiras sobre trabalho, todas consideradas como integrantes
daquela categoria de leis, ficarão resguardadas diante de qualquer outra regra de
conexão aplicável. O valor protegido, portanto, é a ordem pública, devendo ela
constituir o objeto principal do estudo.
Direcionando-se o problema para o objeto da pesquisa, surge a
necessidade de indagar como o princípio da ordem pública se portaria diante de
um conflito interno de leis em matéria de trabalho.
Como já antecipado, o Brasil adota uma organização federativa que
concentra na União a competência para legislar sobre quase todas as matérias,
reservando aos estados e municípios um espaço muito pequeno para a atividade
legislativa. Esse modelo centralizado atribuiu à União a competência privativa
para editar normas sobre Direito do Trabalho (CF, art. 22, I), o que torna a ordem
jurídica estatal sobre a matéria um corpo unitário. O fato de toda regulação
estatal sobre Direito do Trabalho ser produzida pela União implica reconhecer
que, no Brasil, não é possível falar na existência de normas de ordem pública
estadual ou municipal em relação a direitos dos trabalhadores. É provável, aliás,
que a concentração legislativa no Brasil impeça falar em ordem pública local em
relação a qualquer disciplina23.
Tal constatação afasta a aplicação do princípio da ordem pública
como instrumento de solução de um conflito interno de leis trabalhistas no
23 Diferentemente do que ocorre em países cuja organização estatal concede aos entes federados maiores prerrogativas legislativas. Nos Estados Unidos da América, por exemplo, compete aos governos estaduais definirem a política local sobre consumo de substâncias entorpecentes, o que, no momento em que essas linhas são escritas, vem gerando uma multiplicidade de ordens jurídicas distintas em relação ao assunto. Os Estados que proscrevem o uso recreativo ou medicinal de algumas substâncias consideram que tal postura reflete os valores da sociedade regional, o que, portanto, integraria a ordem pública local.
103
Brasil. Até mesmo a possibilidade de existir um conflito dessa natureza é remota,
senão inexistente, devido ao caráter unitário e federal da legislação sobre
relações de trabalho24.
O princípio da ordem pública, ou da defesa da ordem social, como
prefere Amílcar de Castro (1987, p. 273), notavelmente relevante no plano
internacional, é incapaz de atuar como instrumento de solução de um conflito
espacial interno de leis sobre Direito do Trabalho, na medida em que, entre nós,
não existem disposições legais regionais ou locais em relação à matéria, muito
menos diplomas legais que veiculem normas de ordem pública tangentes à
disciplina. Se o princípio é afastado, as regras que dele decorrem e que dele
extraem seus fundamentos de validade, também são inaplicáveis, não gerando
efeitos.
É possível que alguém objete tal afirmação usando como argumento
a existência de um princípio homônimo ao que dá título à presente seção e que,
satisfatoriamente descrito na teoria geral do Direito do Trabalho, é amplamente
aceito pela doutrina especializada. Tal objeção poderia ser contraditada com a
advertência de que o princípio da proteção do Direito do Trabalho e,
especialmente, a sua regra da norma mais favorável, foram sistematizados como
instrumento de solução dos conflitos hierárquicos de normas trabalhistas, o que
não se confunde com o objeto da presente pesquisa, que se concentra nos
conflitos espaciais de normas. Trata-se de fenômenos absolutamente distintos,
24 A Constituição Federal de 1988 atribui aos estados a prerrogativa de legislar, de forma concorrente com a União, sobre produção e consumo, proteção do meio ambiente e controle da poluição, proteção e integração social das pessoas portadoras de deficiência (art. 24, V, VI, XIV), dentre outras matérias. É possível conjecturar que uma lei estatual que discipline algum desses temas possa, de alguma forma, projetar reflexos sobre as relações de trabalho locais, o que, por sua vez, abriria campo para se pensar na possibilidade de um conflito de normas no espaço infranacional em matéria afeta ao Direito do Trabalho. Tal cenário, no entanto, não passa de mera conjectura. Tendo em vista a competência privativa da União para legislar sobre Direito do Trabalho, eventual reflexo de uma norma estadual seria, no máximo, tangencial à relação de emprego, a ponto de não poder criar posições obrigacionais ou prestacionais diretamente exigíveis das partes do contrato de trabalho. Nesse aspecto, a jurisprudência do STF é coerente no sentido que a competência dos estados para legislar sobre meio ambiente ou proteção da saúde não inclui a regulação do meio ambiente do trabalho ou da saúde dos trabalhadores (ADI nº 2.609/RJ, DJe de 11 dez. 2015; ADI 1.862/RJ-MC, DJ de 1º dez. 2006; ADI nº 1.893/RJ, DJ de 4 jun. 2004) ou a possibilidade de estabelecer sanções administrativas com o propósito de coibir atos discriminatórios contra a mulher nas relações de trabalho (ADI nº 3.165/SP, DJe de 10 mai. 2016; ADI nº 2.487/SC, DJe de 28 mar. 2008; ADI nº 953/DF, DJ de 2 mai. 2003), dada a competência exclusiva da União em relação à matéria.
104
tanto que o Direito Internacional Privado construiu uma metodologia
absolutamente própria para a solução dos conflitos espaciais e que em nada se
confunde com a metódica empregada na solução dos conflitos hierárquicos de
leis.
Um último aspecto deve ser evidenciado em relação ao tema em
reflexão. A presente pesquisa adotou como objeto de estudo o conflito
intersistemático de normas coletivas de trabalho. É quase dispensável recordar
que as normas que decorrem da contratação coletiva, no Brasil, produzem efeitos
apenas quando se apresentam como ato incremental de direitos ou quando atuam
sob a autorização da lei em relação a matérias específicas. Disso resulta que a
norma coletiva, pelo menos no Brasil, jamais poderá dispor sobre questões de
ordem pública, o que abona a conclusão de que o chamado princípio da proteção
do Direito Internacional Privado e, como corolário, as regras que dele poderiam
decorrer, tal como a que determina a adoção da norma mais favorável, passam
ao largo de uma teoria que tenha a pretensão de descrever a eficácia da norma
coletiva no espaço infranacional e sistematizar um modelo de solução dos
conflitos dessa natureza.
2.4.2.3 Princípio da proximidade.
Ao longo do presente capítulo, a pesquisa analisou as principais
regras que se candidatam a solucionar o problema da regulação legal de um
contrato que se desenvolve por espaços ocupados por ordens jurídicas distintas.
Foram enfrentadas, inicialmente, as regras constituídas a partir, ou por
intermédio, de elementos de conexão estáticos; o local de constituição do
contrato, o local de prestação de serviços, o domicílio profissional do
trabalhador. Passou-se, em seguida, ao exame das regras de conexão derivadas
de princípios postulados pela teoria do Direito Internacional Privado; o da
autonomia da vontade, o da proteção, o da ordem pública. Evidentemente, o
trabalho limitou-se ao exame dos institutos que possuem maior aderência com o
objeto central da pesquisa.
105
Como se observou nas seções precedentes, nenhuma das regras e
princípios examinados é capaz de oferecer uma solução completa, coerente e
sobretudo justa para o problema da conexão do contrato de trabalho internacional
a uma ordem jurídica estatal. Como mecanismos de aplicação simples, as regras
e princípios estudados facilitam muito a atuação dos juízes e tribunais que se
deparam com um conflito de leis no espaço; todavia são incapazes de resolver
de forma racional o problema. Conduzem, portanto, a soluções meramente
precárias, que não resistem a uma reflexão mais profunda e que se mostram
divorciadas da realidade das relações de emprego. Esse cenário se torna mais
nebuloso quando o conflito de leis se inscreve no âmbito interno de um país.
A razão para tal fenômeno, pensamos, reside em três equívocos. O
primeiro deles está em insistir na ideia simplista de se submeterem contratos
complexos – e o contrato de trabalho é provavelmente o mais complexo de todos
– a regras de conexão estáticas, que ancoram a relação jurídica de forma
definitiva e absoluta em uma única ordem estatal. O segundo equívoco resulta
da insistência em se estabelecer uma regra única e universal para contratos que
não se manifestam sempre da mesma forma, apresentando contornos muito
diferentes uns dos outros. O terceiro erro está em se tentar aplicar uma regra
única para todos os diferentes aspectos de contratos que não se resumem a uma
obrigação pontual, mas envolvem uma multiplicidade de situações distintas.
A teoria do Direito Internacional Privado, possivelmente tentando
superar tais equívocos, há muito vem desenvolvendo um modelo de conexão
dinâmico e aberto, que não incide de forma apriorística, tal como as regras e
princípios estudados, mas sim de modo incidental à situação jurídica in concreto.
Esse novo referencial, construído de forma gradual e consistente pela doutrina a
partir de uma ideia bastante antiga, alcançou, já há algumas décadas, a posição
de principal instrumento de solução dos conflitos intersistemáticos de leis,
especialmente em matéria contratual.
A Convenção de Roma (CEE, 1980), um dos mais importantes
documentos de Direito Internacional Privado, é a mais notória expressão do
princípio da proximidade. Segundo o documento, caso as partes não tenham
106
escolhido expressamente o Direito que regulará o contrato (princípio da
autonomia da vontade), este será regido pela lei do país com o qual apresentar
uma conexão mais estreita. Para tal fim, complementa a Convenção, uma parte
do contrato poderá ser destacada do todo e, caso essa parte apresente uma
conexão mais estreita com a lei de outro país, apenas essa fração específica do
contrato poderá ser regida por essa última ordem jurídica.
Embora o princípio da proximidade já tivesse sido veiculado em atos
convencionais anteriores, como a Convenção sobre a Lei Aplicável aos
Contratos de Mediação e à Representação (HCCH, 1978, arts, 6º e 11), foi a
partir da Convenção de Roma que o princípio da proximidade passou a
protagonizar diversos tratados e acordos multilaterais de âmbito global, tais
como a Convenção sobre a Lei Aplicável ao Trust e a seu Reconhecimento
(HCCH, 1985, art. 7), a Convenção sobre a Lei Aplicável aos Contratos de
Compra e Venda Internacional de Mercadorias (HCCH, 1986, art. 8º, 3), a
Declaração de Princípios do International Institute for the Unification of Private
Law (UNIDROIT, 1994, art. 1.10), dentre vários outros instrumentos25.
Nas américas, a já referida Convenção do México (OEA, 1994) se
destaca como o mais importante documento multilateral a adotar o princípío da
proximidade como instrumento de solução dos conflitos de leis no espaço. Tal
como a Convenção de Roma, o documento americano garante às partes
contratantes a prerrogativa da escolha do Direito que será aplicável ao contrato
internacional e estabelece que, na ausência de tal manifestação de vontade ou na
hipótese de sua ineficácia, o contrato será regido pela ordem jurídica com que
apresentar “vínculos mais estreitos”. A Convenção do México também prevê a
possibilidade de segmentação de uma parte do contrato e a conexão dessa fração
a outro Direito estatal, caso apresente com esse uma conexão mais estreita (art.
9º).
25 A esse respeito, vide Jacob Dolinger (2007, p. 241 e segs) e seu exaustivo trabalho de identificação dos diversos atos convencionais de Direito Internacional Privado que incorporaram o princípio da proximidade como diretriz para solução dos conflitos de leis no espaço.
107
A origem do princípio da proximidade ainda é um ponto
controvertido na doutrina. Alguns autores atribuem à Savigny, e ao seu
postulado de que a natureza da relação jurídica é que determina a lei que irá regê-
la26, a ideia que serviu de fundamento para o princípio em questão. Outros
sugerem uma origem ainda mais antiga, que remontaria a um texto do século XII
em que Aldricus já teria proposto que o juiz deve julgar de acordo com a lei que
seja melhor e mais útil ao caso examinado (DOLINGER, 2004). Há, por fim,
aqueles que afirmam que a origem do princípio da proximidade está na teoria do
centro de gravidade do Direito norte-americano, deflagrando uma disputa entre
os doutrinadores dos dois lados do Atlântico.
O Direito norte-americano constitui importante fonte teórica em
relação aos conflitos de leis no espaço, o que se deve, sobretudo, ao seu sistema
federativo que reconhece aos seus estados ampla autonomia legislativa. Tal
realidade, e os frequentes conflitos intersistemáticos que ela produz, precipitou
a adoção pela doutrina e pela jurisprudência americanas de um modelo dinâmico
de conexão de leis, à semelhança do princípio da proximidade, décadas antes da
Convenção de Roma.
A mudança no paradigma americano ocorreu em 1954 no caso Auten
vs. Auten, um conflito envolvendo uma disputa entre ex-cônjuges cuja solução
atraía a aplicação das leis de Nova Iorque e da Inglaterra. Para solucionar o
conflito, a Corte de Apelação de Nova Iorque adotou um modelo teórico então
postulado pela doutrina e que já havia sido adotado em algumas recentes
decisões: a teoria do centro de gravidade, que orientava pela aplicação do Direito
mais intimamente conectado com o caso. A decisão acabou se transformando em
precedente jurisprudencial e exerceu influência direta no Restatement (Second)
of Conflict of Laws27, cujos trabalhos haviam sido iniciados um ano antes e só
foram concluídos em 1971 (RICHMAN e REYNOLDS, 2002, p. 205).
26 “To ascertain for every legal relation (case) that law to which, in its proper nature, it belongs or is subject” (SAVIGNY, 1896, p. 27).
27 Publicado pelo American Law Institute desde 1923, o Restatement of the Law é uma importante fonte de pesquisa do Direito comum norte-americano. Organizado em diversos volumes, cada um deles dedicado a uma matéria específica, o trabalho organiza e sistematiza os
108
Complexo e detalhado, o Restatement (Second) of Conflict of Laws
adota o conceito de relacionamento mais significativo (“most significant
relationship”) como regra-padrão para a escolha do Direito aplicável a uma
situação jurídica internacional ou interestadual. Embora não esclareça de uma
forma explícita o alcance exato da expressão, o Restatement aponta as direções
que o aplicador do Direito deve seguir; em relação aos contratos, por exemplo,
o documento afirma que, para a identificação do relacionamento mais
significativo, a corte deverá considerar o local da contratação, o lugar da
negociação, a localidade de execução das obrigações, a localização do objeto do
contrato, além de outros elementos como o domicílio, a residência, a
nacionalidade, o local de constituição e o lugar da sede das partes (RICHMAN
e REYNOLDS, 2002, p. 208-232).
O princípio da proximidade vem irradiando efeitos sobre as leis
internas de diversos países, tal como consignado no proficiente trabalho de Jacob
Dolinger (2007, p. 276), no qual o autor aponta a Áustria, o Canadá, a Suíça, a
Alemanha, a Itália, a China, a Venezuela, a Rússia, Liechtenstein, a Tunísia e a
Bélgica como exemplos de Estados que já teriam introduzido o princípio
expressamente em suas leis domésticas. Embora seja signatário da Convenção
do México, o Brasil não dispõe de nenhuma norma interna que reconheça
explicitamente o princípio da proximidade; entretanto, como se verá adiante, a
ideia de conexão mais estreita está presente de forma implícita na lei brasileira,
assim como já se observa, entre nós, o desenvolvimento de uma jurisprudência
cada vez mais consistente assimilando o princípio em questão.
A doutrina contemporânea reconhece o princípio da proximidade
como o mais importante instituto moderno do Direito Internacional Privado,
constituindo, juntamente com o princípio da autonomia da vontade, a base
fundamental de solução dos conflitos de leis em matéria contratual. Necessário,
então, compreender como o princípio da proximidade efetivamente opera.
textos legais e os precedentes jurisprudenciais em um conjunto de princípio e regras, o que o faz assumir relevante papel na compreensão e aplicação do Direito.
109
Além de ser reconhecido como um dos principais autores
contemporâneos de Direito Internacional Privado no Brasil, Jacob Dolinger é,
muito provavelmente, o doutrinador brasileiro que mais se dedicou ao estudo do
princípio da proximidade, o que tornou a sua obra um marco para a compreensão
da disciplina e especialmente para o instituto ora examinado. Diante da
importância e densidade de seu trabalho, adotamos Dolinger como o principal
referencial teórico para este ponto da pesquisa.
Jacob Dolinger (2007, p. 242) adverte que a ideia de proximidade a
que se refere o princípio não pode ser confundida com a ideia de aproximação
física, geográfica, obtida pela demarcação do fato jurídico no espaço e a
identificação do país ou estado com o qual guarda menor distância. Para
Dolinger, a proximidade que inspira o princípio está ligada à noção de
adequação, pertinência, de maneira que se afiguraria mais próxima à relação
jurídica a lei que, considerando as características daquela, se afirmar como mais
apropriada, mais estreitamente conectada com o fato concreto.
É certo, acrescenta Jacob Dolinger (2007, p. 245), que a adoção do
princípio da proximidade implica menor previsibilidade e certeza do que seriam
conferidas pelas regras de conexão estáticas. Dolinger, entretanto, pontua que
nenhuma das regras clássicas teria sido capaz de oferecer solução adequada a
todas as múltiplas e variáveis situações que defluem do complexo ambiente
contratual. Então, ainda para Dolinger, a incerteza que o princípio da
proximidade produziria, pelo menos a priori, é o preço que deveria ser pago para
se obter uma solução que faça justiça às partes e se amolde à realidade e
especificidades da relação jurídica em concreto. O referido autor recorda, ainda,
que a imprevisibilidade é um aspecto natural da maior parte das situações
jurídicas e é intimamente ligada à própria essência das relações contratuais
O princípio da proximidade possui caráter valorativo-finalístico, na
medida em que direciona o seu aplicador para um objetivo específico: vincular
a situação jurídica à lei que se apresentar mais adequada, mais apta, mais
próxima dos fatos e das partes, enfim, à lei que se mostrar mais intimamente
ligada à questão concreta. O amplo suporte fático do princípio da proximidade
110
impõe ao seu aplicador o ônus de integração da sua estrutura normativa aberta
com os elementos concretos que a situação apresentar. Nesse sentido, a
Convenção do México estabelece que, para aplicação do princípio, deverão ser
considerados “todos os elementos objetivos e subjetivos que se depreendam do
contrato” (art. 9º).
Essa abertura que o princípio da proximidade oferece também se
projeta sobre o objeto de sua incidência e sobre o momento em que será aplicado
na relação jurídica. Como visto linhas acima, tanto a Convenção de Roma como
a Convenção do México preverem expressamente a dépeçage dos diferentes
aspectos ou partes do contrato e a vinculação de cada um desses fragmentos à
ordem jurídica com que apresentar uma conexão mais estreita. O princípio da
proximidade, portanto, não incide sobre o contrato como se este fosse um objeto
unitário, mas como um fenômeno jurídico complexo, composto por múltiplas
faces diferentes, cada uma delas hábeis a se conectar com uma lei específica. O
mesmo ocorre em relação ao momento em que a proximidade deve ser verificada.
O dinamismo que constitui a essência do princípio da proximidade é
manifestamente contrário à ideia de se enclausurar ou limitar sua aplicação ao
momento de celebração do contrato ou ao momento de seu cumprimento. Como
refere Jacob Dolinger (2007, p. 264), a conexão pode se estabelecer em qualquer
momento ou estágio da relação jurídica.
O Direito interno brasileiro assimila expressamente a dépeçage. A
Convenção Interamericana sobre Normas Gerais de Direito Internacional
Privado reconhece que diferentes aspectos de uma mesma relação jurídica
podem ser regulados por ordens jurídicas distintas. Referida convenção foi
internalizada no Brasil pelo Decreto nº 1.979, de 9 ago. 1996, substituindo o
paradigma de aplicação de uma única lei para a regência de toda a substância do
contrato, que tinha como referencial a Lei de Introdução às Normas do Direito
Brasileiro. A dépeçage, portanto, integra a ordem jurídica interna brasileira.
A Convenção acima referida dispõe, ainda, que a aplicação de
múltiplos ordenamentos deverá ser realizada de forma harmônica, respeitando-
se os objetivos estabelecidos em cada legislação e observando os imperativos de
111
equidade no caso concreto28. Tais postulados só podem ser alcançados a partir
de um regime de conexão dinâmico, aberto e flexível, o que não se conforma
com as regras estáticas vistas nas seções anteriores. É impossível a realização de
equidade no caso concreto a partir de regras fixas, que obrigam o juiz a trilhar
um caminho único, invariável e conducente a uma solução pré-definida in
abstrato. Os ideais de harmonia, respeito à finalidade da norma jurídica e
equidade só podem ser satisfeitos por meio de um critério de conexão que tenha
as características do instituto examinado nessa seção do trabalho. É possível
dizer, portanto, que, ainda que de forma implícita, o princípio da proximidade
habita a Convenção Interamericana de 1979, dotada de plena eficácia interna no
Brasil por força do Decreto nº 1.979, de 9 ago. 1996.
O princípio da proximidade incide em sua plenitude sobre as
relações de trabalho internacionalizadas.
O Regulamento (CE) nº 593/2008 do Parlamento Europeu e do
Conselho da União Europeia (UE, 2008), como já referido anteriormente, dispõe
sobre as regras de conexão incidentes sobre os contratos individuais de trabalho
(art. 8º). De forma sinóptica, o Regulamento estabelece que: (i) as partes do
contrato de trabalho poderão escolher a lei que regerá a respectiva relação de
emprego (princípio da autonomia da vontade), desde que tal escolha não prive o
trabalhador da proteção prevista em normas de ordem pública ou de caráter
imperativo aplicáveis ao contrato por força de suas disposições subsequentes;
(ii) na falta de escolha e como limite à autonomia da vontade, o contrato será
regido pela lei do local do domicílio profissional do trabalhador, o qual não se
reputará alterado em função de destacamento provisório; e, (iii) não sendo
possível determinar o domicílio profissional do empregado, o contrato será
regido pela lei do local em que estiver situado o estabelecimento empresarial que
o contratou.
28 Tal como segue, in verbis: “As diversas leis que podem ser competentes para regular os diferentes aspectos de uma mesma relação jurídica serão aplicadas de maneira harmônica, procurando-se realizar os fins colimados por cada uma das referidas legislações. As dificuldades que forem causadas por sua aplicação simultânea serão resolvidas levando-se em conta as exigências impostas pela equidade no caso concreto” (OEA, 1979, art. 9º).
112
Imediatamente em seguida, o Regulamento (CE) nº 593/2008 produz
uma ruptura nas regras de conexão estáticas que ele mesmo prevê. O
Regulamento realiza um recorte dinâmico, uma espécie de teste de validade que,
conforme seu resultado, implicará a vinculação do contrato de trabalho a uma
ordem jurídica totalmente diversa. A norma europeia afirma que “se resultar do
conjunto das circunstâncias que o contrato apresenta uma conexão mais estreita
com um país diferente do indicado [pelas regras de conexão anteriores], é
aplicável a lei desse outro país” (art. 8º, 4).
O Regulamento (CE) nº 593/2008 impõe a prevalência do princípio
da proximidade sobre as regras de conexão estáticas previstas no próprio
documento; estas somente serão observadas se o contrato não possuir uma
conexão mais estreita com outra lei. É possível concluir que a redação do art. 8º
do Regulamento (CE) nº 593/2008 está invertida: em primeiro lugar estaria a lei
próxima; em segundo, a lei do domicílio ou estabelecimento; por fim, a
autonomia da vontade.
Uma análise ainda mais cuidadosa, todavia, revela outra estrutura
para o art. 8º do Regulamento (CE) nº 593/2008. O documento adota o princípio
da proximidade como único critério de conexão do contrato de trabalho, ou seja,
a lei a ser aplicada será sempre a mais significativamente relacionada com
substância do contrato. As referências feitas pelo Regulamento ao domicílio
profissional ou ao local do estabelecimento empresarial constituem meras
presunções de proximidade, daí a razão de elas serem afastadas caso a
proximidade in concreto se mostre diferente. Tais presunções operam como um
direcionamento para a localização da conexão mais íntima ou como instrumento
de solução do conflito de leis caso não seja possível estabelecer o relacionamento
mais estreito do contrato com um sistema legislativo específico.
O Regulamento (CE) nº 593/2008, então, está de fato organizado da
seguinte forma: (i) o contrato de trabalho é regido pela ordem jurídica com que
apresentar conexão mais estreita, consideradas as suas circunstâncias concretas;
(ii) há presunção iuris tantum que o contrato de trabalho tenha conexão mais
estreita com o local do domicílio profissional do trabalhador, o qual não se
113
reputará alterado em função de destacamento provisório; e, (iii) não sendo
possível aplicar a presunção anterior, ela será substituída pela presunção,
igualmente relativa, de que o contrato de trabalho possui vínculos mais próximos
com a lei do local em que estiver situado o estabelecimento empresarial que
contratou o trabalhador; por fim (iv) presume-se que o contrato mantenha um
relacionamento mais íntimo com a lei do país para tal efeito escolhido pelas
partes, desde que tal escolha não implique uma redução da condição
socioeconômica do trabalhador em relação às presunções anteriores.
A ideia de que todas as regras de conexão defluem do princípio da
proximidade – acabamos de empregar o Regulamento (CE) nº 593/2008 como
exemplo – foi habilmente explorada por Jacob Dolinger. Revisitando um texto
antiquíssimo, do século XII, que, como vimos, é considerado o marco inaugural
do Direito Internacional Privado como ciência, Dolinger (2004) revela a solução
dada pelo doutrinador medieval, o primeiro da disciplina, a um conflito de leis
no espaço: o juiz “deve julgar de acordo com a lei que seja melhor e mais útil”.
O postulado de lei melhor e mais útil, ainda segundo Dolinger, corresponderia
exatamente ao postulado de conexão mais estreita que decorre do princípio da
proximidade, o que demonstraria não ser este um instituto moderno como se
imagina, mas sim a pedra fundamental a partir da qual todo o Direito
Internacional Privado teria sido edificado.
As regras de conexão previstas nas legislações e documentos de
Direito Internacional Privado seriam, conforme Jacob Dolinger (2004),
irradiação direta dessa premissa central que determina a aplicação da melhor e
mais útil lei à questão em conflito. Assim, acrescenta Dolinger, quando o
legislador fixa o domicílio, a nacionalidade ou o lugar de constituição do
contrato como elemento de conexão, por exemplo, ele estaria dizendo apenas
que a questão substantiva possui uma ligação mais estreita com a lei do lugar do
domicílio, com a lei pessoal, ou, ainda, com a lei do lugar em que o contrato foi
celebrado.
O que Jacob Dolinger propõe, se bem compreendido, é que todas as
regras de conexão, tanto aquelas ancoradas em elementos estáticos, como as que
114
decorrem dos princípios clássicos do Direito Internacional Privado, constituem
apenas juízos hipotéticos deduzidos de forma apriorísticas pelo legislador. Nessa
linha, ao estabelecer que o contrato de trabalho deva ser regido pela lei do local
de execução dos serviços, por exemplo, o legislador estaria apenas constituindo
uma presunção de que o contrato de trabalho possui uma conexão mais estreita
com a lei do local de execução da atividade do trabalhador. Se as regras de
conexão constituem meras presunções de proximidade, então elas estariam
sempre sujeitas à experimentação empírica, ocasião em que poderão ser
confirmadas ou afastadas. Dolinger parece endossar esse racínio ao afirmar que
o princípio da proximidade é o fundamento de todas as regras de conexão
existentes, as quais “só podem funcionar enquanto realmente satisfizerem o
princípio da proximidade, o objetivo da proximidade, a razão da proximidade”
(DOLINGER, 2004, p. 144).
O Regulamento (CE) nº 593/2008 confirma o pensamento de Jacob
Dolinger. Como visto, o Regulamento transita por regras de conexão estáticas –
a vontade, o domicílio profissional, o local da sede do estabelecimento – porém
determina que esses somente serão aplicáveis se o contrato de trabalho, in
concreto, não apresentar conexão mais estreita com a lei de outro país.
Colocando-se os vetores em ordem, o Regulamento diz que a relação de emprego
deve ser regida pela lei do país com que apresentar conexão mais íntima; não
sendo possível identificar esse vínculo de proximidade, presume-se que ele
ocorre com o lugar do domicílio profissional ou com o lugar da sede da empresa
ou com o lugar escolhido pelas partes, conforme o caso.
Depreende-se, portanto, que o Regulamento (CE) nº 593/2008 não
apenas confirma a aplicabilidade do princípio da proximidade nas relações de
trabalho; ele endossa a leitura feita por Jacob Dolinger que reconhece que o
princípio em questão constitui o núcleo fundamental de todo o Direito
Internacional Privado e que todas as regras de conexão nada mais são do que
presunções de conexão mais estreita, elidíveis no exame in concreto da questão
jurídica.
115
A Convenção de Roma possui a mesma estrutura do Regulamento
(CE) nº 593/2008 em relação aos contratos individuais de trabalho,
reconhecendo, em caráter de primazia, a aplicabilidade do princípio da
proximidade às relações de emprego.
Oportuno ceder algumas linhas para rápidas considerações a respeito
da Diretiva nº 97/71/CE do Parlamento Europeu e do Conselho da União
Europeia (UE, 1997), que dispõe sobre o destacamento de trabalhadores no
âmbito de uma prestação de serviços transnacional-comunitária. O espaço é
necessário porque uma leitura açodada da Diretiva em questão pode conduzir à
equivocada conclusão de que ela não assimila o princípio da proximidade, mas
empregaria elementos de conexão estáticos para fixar o contrato de trabalho à
ordem jurídica do país de origem ou do país de destacamento. Seria um equívoco
defender tal interpretação.
Em seus consideranda, a Diretiva nº 97/71/CE faz referência
expressa às disposições constantes da Convenção de Roma e, de forma mais
direta, salvaguarda os critérios de conexão por ela adotados, dentre os quais se
destaca o princípio da proximidade (item 8). Em imediata sequência, a Diretiva
recorda que a citada Convenção de Roma afirma que a escolha da lei pelas partes
não pode resultar na privação dos trabalhadores da proteção que lhes é
assegurada pelas disposições legais imperativas (itens 9 e 10). A premissa de que
existe um grupo de normas indisponíveis e imediatamente aplicáveis às relações
de emprego é repetida diversas vezes pelo documento em sua exposição de
motivos, ora sob a forma de “regras imperativas relativas à proteção mínima”
(item 13), ora como “núcleo duro de regras de proteção” (item 14), ora sob a
expressão “regras imperativas de proteção mínima” (item 17).
Como é possível depreender, antes mesmo de iniciar sua parte
regulamentar, a Diretiva nº 97/71/CE deixa evidente os seus objetivos: garantir
ao trabalhador destacado um contingente de direitos mínimos e de observação
obrigatória. Esse propósito fica absolutamente claro quando a Diretiva afirma
que “independentemente da lei aplicável à relação de trabalho” (art. 3º, I) serão
garantidos aos trabalhadores as disposições legais e convencionais vigentes no
116
local de destacamento relativamente a matérias específicas, a saber: duração do
trabalho e períodos de repouso, duração mínima das férias anuais, remuneração
mínima, segurança, saúde e higiene, condições de trabalho das mulheres
grávidas e puérperas, das crianças e dos jovens, igualdade de tratamento entre
homens e mulheres e outras disposições de tutela contra discriminação no
trabalho. A Diretiva nº 97/71/CE nada mais faz do que dar efetividade ao
princípio da ordem pública.
Como dissemos páginas atrás, a unidade legislativa brasileira em
matéria de Direito do Trabalho impede que, entre nós, se cogite a existência de
disposições normativas de ordem pública regional, estadual ou municipal em
relação à disciplina – e, muito provavelmente, em relação a qualquer outra. Não
bastasse, o objeto central da presente pesquisa - as normas coletivas de trabalho
- operam sempre perifericamente ao espaço demarcado pelas normas estatais que
incidem sobre as relações de emprego, do que resulta que o Direito convencional
trabalhista brasileiro jamais transita por questões de ordem pública.
Retomando-se, há amplo espaço para atuação do princípio da
proximidade no âmbito de um conflito interno de normas trabalhistas. Aliás, a
larga experiência norte-americana, em relação aos conflitos internos de leis, e a
evolução da jurisprudência daquele país, que dos elementos de conexão estáticos
convergiu para o dinâmico “most significant relationship”, conferem a
segurança necessária para se afirmar que o princípio da proximidade constitui o
mais adequado instrumento de solução do problema de vinculação de uma
situação jurídica interlocal à lei regional.
O principal referencial legislativo brasileiro em matéria de conflito
de leis trabalhistas no espaço internacional é resultado da irradiação direta do
princípio da proximidade. A já citada Lei nº 7.064, de 6 dez. 1982, parece não
adotar uma regra de conexão única; ela determina a vinculação do contrato de
trabalho a uma ordem jurídica com base de elementos de conexão variados,
como o domicílio profissional (ex. art. 1º, § único), a lex loci executionis (ex. art.
3º, caput) e a lex loci contractus (ex. art. 2º, I, c/c art. 3º, § único). Não se pode,
117
prima facie, induzir uma regra de conexão uniforme a partir dos elementos de
conexão adotados pelo legislador.
Chama atenção, ainda, o fato de que a lei em exame define o
elemento de conexão a ser observado a partir da substância de cada
particularidade do contrato, ou seja, o elemento de conexão é alterado conforme
a matéria envolvida em cada aspecto da relação jurídica. Como exemplo disso,
a Lei nº 7.064, de 6 dez. 1982, determina que os reajustes salariais compulsórios
sejam regulados pela lei brasileira, mesmo que o trabalhador esteja executando
suas atividades no exterior em destacamento (art. 4º, § 1º). Como se observa, o
legislador partiu de um aspecto substancial do contrato, no caso, os reajustes
salariais, para definir a ordem jurídica que deverá ser observada em relação à
matéria.
Essa forma de abordagem corresponde exatamente ao padrão de
comportamento que o princípio da proximidade impõe. O princípio da
proximidade, como já dito, exige que se aplique à situação jurídica a lei mais
adequada, mais apta, mais próxima da questão substantiva, mais intimamente
ligada à questão material concreta. É justamente nesse ponto que se estabelece a
grande diferença entre as clássicas regras de conexão e o princípio em questão;
enquanto aquelas são construídas de forma apriorística e se aplicam sobre a
substância do contrato como um todo, o princípio da proximidade se desenvolve
de modo incidental sobre cada particularidade da situação jurídica in concreto.
No caso da Lei nº 7.064, de 6 dez. 1982, o legislador fragmentou o contrato de
trabalho de acordo com as diversas questões nele envolvidas para, então,
encontrar a lei mais próxima a cada um desses fragmentos; difere de um juiz
aplicando o princípio da proximidade apenas pelo fato de que esse não estaria
diante de uma situação hipotética, mas objetivamente determinada.
Estruturalmente, a Lei nº 7.064, de 6 dez. 1982, é muito semelhante
ao Regulamento (CE) nº 593/2008 do Parlamento Europeu e do Conselho da
União Europeia, na medida em que ambos veiculam juízos hipotéticos,
deduzidos pelo legislador de forma apriorística e que se manifestam sob a forma
de elementos de conexão estáticos.
118
Observada a questão sob tal lente, torna-se possível induzir a regra
de conexão que foi adotada pela Lei nº 7.064, de 6 dez. 1982. O legislador
fracionou (dépeçage) os diferentes aspectos materiais da relação de trabalho e, a
partir da natureza específica de cada um deles, indicou o elemento de conexão
que, em juízo hipotético, considerou ser mais hábil, mais adequado, mais
intimamente relacionado com a questão. Não há dúvidas de que a lei em questão,
enquanto regra, constitui direta irradiação do princípio da proximidade.
Ainda no plano do Direito interno brasileiro, a mais importante
manifestação do princípio da proximidade é encontrada na jurisprudência dos
tribunais trabalhistas.
O Tribunal Superior do Trabalho vem discutindo, já há algum tempo,
o problema da lei aplicável aos contratos de trabalho dos tripulantes de navios
estrangeiros em navegação por águas territoriais brasileiras. A questão jurídica
orbita disposição existente no Código Bustamante que determina que as
obrigações e responsabilidades dos capitães e armadores serão regidas pela lei
do lugar em que a embarcação obteve sua patente de navegação e sua certidão
do registro (arts. 274 e 279). O Código, como se vê, elege a nacionalidade da
embarcação como elemento de conexão dos contratos de trabalho à lei que
deverá regê-lo.
O Código Bustamante prevê um elemento de conexão absolutamente
estático – a lei do pavilhão – para situações jurídicas que possuem contornos
muito variáveis. Uma embarcação engajada em navegação de longo curso passa
a maior parte do seu tempo em águas internacionais, o que parece justificar a
adoção da lei do registro da nave como critério de vinculação dos fatos ocorridos
em seu interior. Tais embarcações adentram em limites nacionais em manobras
de aproximação, atracação, embarque, desembarque e reparo; sempre em portos
distintos sem qualquer fixação em qualquer um deles. Em casos como esse,
parece fazer sentido a adoção da lei da bandeira.
Ocorre que nem toda navegação é de longo curso; há, também, a
chamada navegação de cabotagem, aquela que, singrando exclusivamente águas
119
territoriais, tem origem e destino em portos do mesmo país. O melhor exemplo
são as grandes embarcações de passageiros em turismo, os chamados navios de
cruzeiro. Especificamente em relação a essas, é comum que os contratos de
trabalho de seus tripulantes, normalmente celebrados por prazo determinado,
sejam constituídos e executados integralmente no Brasil. Em situações como
essa, a aplicação do elemento de conexão previsto no Código Bustamante pode
implicar a adoção de uma lei absolutamente alheia à realidade local e sem
qualquer correspondência com a nacionalidade, o domicílio, o lugar de
constituição ou execução do contrato ou a vontade das partes. Justifica-se,
racionalmente, a adoção de tal elemento de conexão? Aqui se apresenta de forma
clara o problema dos elementos de conexão estáticos: eles ignoram as
peculiaridades de cada caso, tratando situações jurídicas muito diferentes entre
si como se fossem iguais.
Esse problema foi levado à Justiça do Trabalho. Sem entrar no
mérito das questões jurídicas específicas de cada caso, interessa à presente
pesquisa exclusivamente a abordagem que foi dada pelo Tribunal Superior do
Trabalho a dois conflitos distintos que guardam similitudes com os exemplos da
navegação de longo curso e da navegação de cabotagem acima cedidos. No
primeiro caso, o quadro fático dava conta de que o autor da ação, tripulante de
um navio de cruzeiro, executara as suas atividades predominantemente em águas
internacionais e territoriais de outros países e, apenas “incidentalmente”, atuou
dentro do território marinho brasileiro. O segundo caso, por sua vez, envolvia
situação um pouco distinta: a trabalhadora brasileira fora contratada no Brasil e
executara parte do contrato no território nacional.
Em ambos os casos, o Tribunal Superior do Trabalho adotou o
princípio da proximidade como diretriz fundamental para a solução do conflito
espacial de leis instaurado. Embora o mesmo instituto tenha integrado a ratio
decidendi de ambas as ações, os seus resultados foram notavelmente diferentes.
No primeiro caso (Ementário, caso nº 2), o Tribunal reconheceu a
existência e a validade da regra que determina a aplicação da lei do pavilhão
(Código Bustamante), mas ressaltou que tal regra não tem caráter absoluto, uma
120
vez que “em decorrência do princípio do centro de gravidade (most significant
relationship), as regras de Direito Internacional Privado [...] deixarão de ser
aplicadas quando, observadas as circunstâncias do caso, verificar-se que a causa
tem uma ligação muito mais forte com outro direito”. Portanto, segundo o
Tribunal Superior do Trabalho, a regra de conexão estática (a lei do pavilhão) é
válida, porém deixará de ser aplicada se as circunstâncias concretas da causa
indicarem que a relação jurídica possui um relacionamento mais estreito com
outra ordem legal, situação em que essa deve prevalecer. No caso específico, na
medida em que não se verificou o relacionamento mais íntimo do contrato de
trabalho com Direito diferente, não foi possível afastar a regra de conexão
prevista no Código Bustamante, aplicando-se ao litígio a lei do país figurado na
bandeira da embarcação.
O segundo processo (Ementário, caso nº 3) contém um dado
relevante para a compreensão do princípio da proximidade. O cenário fático
refere que o contrato de trabalho da tripulante foi constituído e “parcialmente”
executado no Brasil. Não há maiores detalhes acerca da execução do contrato,
tampouco o que representaria a expressão “parcialmente”; a autora teria
trabalhado metade do tempo em território brasileiro e a outra metade no exterior?
Ou, diversamente, ela teria passado mais tempo no Brasil ou mais tempo no
estrangeiro? Essa métrica temporal, como bem demonstrou o Tribunal Superior
do Trabalho, não é o fator determinante para a identificação da conexão mais
estreita, do relacionamento mais significativo. O princípio da proximidade não
se aplica por critérios deduzíveis matematicamente ou que possam ser
condensados em regras objetivas – isso seria um retorno às regras de conexão
estáticas, exatamente o que o princípio propõe superar. No caso concreto, o
Tribunal concluiu que a conjunção de três fatos – a contratação ter iniciado no
Brasil, a trabalhadora ser brasileira e os serviços terem sido prestados
parcialmente no País – constitui um “conjunto de circunstâncias [que] leva à
consideração de que a causa está intimamente conectada com o direito nacional”.
Em desfecho, portanto, a lei do pavilhão cedeu passagem à lei brasileira pela
aplicação do princípio da proximidade.
121
Outros casos poderiam se somar aos exemplos mencionados. Por
todos, em 6 de outubro de 2010, a 1ª Turma do Tribunal Superior do Trabalho
resolveu um conflito de leis no espaço mediante a utilização de um “novo
mecanismo de solução de conflitos [...], segundo o qual não se busca de maneira
objetiva a lei aplicável, mas sim a norma aplicável que melhor solucione o litígio
a partir de fatores relevantes [...] concebido como princípio da proximidade ou
da relação mais significativa” (Ementário, caso nº 4). Referida decisão foi,
posteriormente, confirmada pela Seção Especializada em Dissídios Individuais
do Tribunal.
Ao recorrer ao princípio da proximidade, a jurisprudência trabalhista
brasileira reconheceu que as regras de conexão apoiadas em elementos estáticos
são incapazes de solucionar de forma racional e completa os conflitos
intersistemáticos de leis em matéria de trabalho.
É momento, portanto, de formular uma importante premissa
conclusiva alcançada pela pesquisa: o princípio da proximidade constitui o único
modelo capaz de conferir aos conflitos de leis no espaço solução coerente,
adequada, correspondente à realidade dos fatos e das pessoas neles envolvidas,
aplicando-se tanto às tensões internacionais como às infranacionais e com
perfeita permeabilidade às relações de trabalho.
Coloca-se, então, o problema da aplicação do princípio da
proximidade ante os conflitos intersistemáticos de normas coletivas de trabalho.
122
3 O CONFLITO INTERSISTEMÁTICO DE NORMAS
COLETIVAS DE TRABALHO: O PRINCÍPIO DA
PROXIMIDADE COMO PARADIGMA DE VINCULAÇÃO E
SOLUÇÃO DE COLISÕES.
Antes de avançar a investigação, convém suscitar uma questão
anterior que ainda não foi devidamente atacada. A primeira linha de indagação
a ser ultrapassada pela pesquisa é a que diz respeito à possibilidade de uma
norma coletiva produzir efeitos jurídicos sobre uma prestação de serviços
executada em território não abrangido pela base de atuação do sindicato que a
subscreveu. De forma mais direta: uma norma coletiva celebrada por um
sindicato, cuja base territorial se inscreve em uma cidade, poderia ser aplicada a
um contrato de trabalho executado em outra cidade?
3.1 Sobre a capacidade de a norma coletiva de trabalho produzir
efeitos fora da base territorial da respectiva entidade sindical:
estudo sob os paradigmas contratual e legal.
Páginas atrás (seção 1.5), afirmamos que a relação de emprego como
um todo é um fenômeno imaterial e espacialmente difuso, embora alguns de seus
aspectos possam acontecer ou se identificar com um único local. Um contrato
celebrado em um lugar, executado de forma normal e de forma acidental em
outros e vinculando empregador sediado em local ainda distinto dos anteriores é
um exemplo dessa difusão espacial. Se analisados de forma isolada, é possível
situar geograficamente a maior parte dos fatos jurídicos que compõe a relação
de emprego – ato de contratação, local da sede do empregador, local de execução
dos serviços, local de extinção, etc. A relação de emprego, todavia, não se
resume a apenas um ou a alguns desses aspectos; ela é um fenômeno que
compreende um largo conjunto de fatos jurídicos, inclusive ocorridos antes da
formalização do contrato e após a sua extinção. E há, ainda, eventos que ocorrem
em ambiente exclusivamente virtual, sem correspondência em um local do plano
123
físico. A relação de emprego em si é, pois, é uma realidade que não se inscreve
em um ponto no espaço.
Sendo um fenômeno imaterial e difuso, a relação de emprego tocaria
ao mesmo tempo as diversas ordens normativas instituídas pelos diferentes
sindicatos que exercem a representação da mesma categoria profissional. A
relação de emprego, portanto, nutriria vínculos com diversos microssistemas
jurídicos; todavia, apenas uma (ou algumas) dessas múltiplas ordens normativas
é que teria a atribuição de reger o contrato de trabalho.
Nessa linha de ideias, o problema central da pesquisa seria resolvido
mediante a identificação de qual (ou de quais) ambiente normativo teria a
atribuição de regular a relação de emprego como um todo ou os seus diferentes
aspectos. No capítulo anterior, analisamos as diversas possibilidades de conexão
do contrato de trabalho a uma ordem legal, ocasião em que anunciamos que a
solução deve ser obtida pela aplicação do princípio da proximidade, único
método hábil a produzir regras de conexão coerentes, adequadas e
correspondentes às diversas realidades das relações de trabalho e de seus atores.
A partir dessas premissas, afirmamos ser irrelevante para a pesquisa
discutir a natureza jurídica do sindicato ou das normas decorrentes da
contratação coletiva. Como dissemos, é irrelevante se as normas convencionais
constituem ato legislativo ou ato contratual; os seus efeitos perante o contrato
individual de trabalho, em um ou em outro caso, são exatamente os mesmos. A
norma que emana de um contrato, assim dissemos, obriga tanto quanto a norma
que provém de um ato legislativo.
Ocorre que, como já antecipamos, o Tribunal Superior do Trabalho
esboçou um modelo de eficácia territorial das normas coletivas que está apoiado
em dois fundamentos distintos; um deles típico da teoria dos contratos e outro
que diz respeito ao exercício de uma prerrogativa de poder sobre um espaço
objetivamente demarcado, portanto, envolve um fundamento atrelado à ideia de
soberania. Isso impõe um ônus argumentativo à pesquisa que deve ser
enfrentado. Com tal objetivo, as premissas que passarão a ser examinadas terão
124
apenas o propósito de adimplir tal encargo, compondo-se, assim, a dialeticidade
esperada em um trabalho com as pretensões do presente.
Feitas tais advertências, sentimo-nos livres para, a partir deste ponto,
abordar o problema da eficácia espacial das normas coletivas na forma de um
discurso integrado que por vezes extrairá fundamentos da teoria dos contratos,
noutras buscará elementos no Direito Público. E ele tem início em uma questão
fundamental: a definição dos sujeitos de direito das normas coletivas, ou seja, a
identificação daqueles que detêm a titularidade do interesse jurídico regulado
pela contratação coletiva.
A doutrina pavimentou um caminho que permite afirmar com
segurança que a titularidade do interesse jurídico objeto de uma negociação
coletiva não pertence aos sindicatos, mas sim ao corpo coletivo de trabalhadores
(a categoria profissional) e de empregadores (a categoria econômica)
representados por tais entes. Os sindicatos, portanto, não podem ser
considerados como o sujeito de direito das obrigações resultantes das
negociações coletivas29.
Como dissemos anteriormente, a ideia de base territorial está
relacionada exclusivamente à organização do sindicato no Brasil e não aos
sujeitos por ele representados. Em palavras mais diretas: quem possui uma base
territorial é o sindicato e não a categoria ou o trabalhador individualmente
considerado. O primeiro – a categoria – é um fenômeno difuso, tal como visto
anteriormente; o segundo – o trabalhador – é a pessoa humana em si, protegida
em seus direitos e responsável em suas obrigações onde quer que esteja.
As obrigações que derivam de uma negociação coletiva vinculam os
entes representados pelos seus respectivos sindicatos e não os sindicatos
propriamente ditos. Enquanto o sindicato pode estar atrelado a uma zona
29 É certo que a contratação coletiva pode estabelecer obrigações diretamente aos sindicatos, como é o caso das chamadas cláusulas obrigacionais exemplificadas no art. 613, V, VI e VIII, da CLT. Entretanto, o objetivo essencial da negociação coletiva é a constituição de obrigações que vinculam e se dirigem diretamente a empregados e empregadores.
125
geográfica de atuação, os efetivos sujeitos de direito não têm a sua capacidade
de assumir direitos e obrigações refreada por um limite espacial.
Se fosse possível fazer uma analogia com um contrato mercantil
internacional, seria como se um dos contratantes tivesse nomeado um
representante e este viesse a assumir obrigações em seu nome; à tal situação
hipotética se somariam, ainda, dois elementos: primeiro, que o mandato
outorgado ao representante possuísse cláusula limitando a sua atuação a um
determinado país; segundo, que o contrato firmado pelo representante, embora
constituído dentro da área prevista em seu instrumento de mandato,
estabelecesse obrigações a serem executadas ou adimplidas em outro país, fora
dos marcos territoriais previstos em sua procuração.
A questão, portanto, consiste em saber se um contrato é capaz de
produzir efeitos fora da área geográfica de poderes do representante que o
constituiu em nome do representado. É relevante destacar que, no exemplo ora
cogitado, o contrato teria sido celebrado dentro da área de atuação do procurador,
porém, de alguma forma, ter-se-ia desenvolvido para além desse território. É o
que ocorreria em um contrato de venda e compra celebrado em um local para ser
executado em outro, sendo este último fora da área de atuação do representante.
Seria um contrato único regendo obrigações que devem ocorrer em diversas
localidades, uma delas situada fora do território em que o mandato foi outorgado.
O exemplo dado constitui um dos problemas mais recorrentes no
Direito Internacional Privado e, justamente por essa razão, o que provavelmente
desfruta da mais ampla regulação, conferida tanto por tratados internacionais
como por normas comunitárias e internas.
No capítulo anterior, tecemos algumas considerações sobre a lei de
regência dos contratos, ocasião em que tratamos da clássica polarização entre a
lex loci contractus (lei do local de constituição do contrato) e a lex loci solutionis
(lei do local onde a obrigação deva ser cumprida)30 como elemento de conexão
30 O lugar de solução do contrato (loci solutionis) é o local em que a principal obrigação do ajuste foi ou virá a ser cumprida. Assim, por exemplo, a principal prestação de um contrato de venda e
126
para os vínculos de natureza obrigacional. Lançamos o foco sobre esses dois
elementos porque ambos tratam da norma que deve reger a substância do
contrato, questão que guarda maior aderência com o problema da pesquisa.
Há, entretanto, uma importante questão que diz respeito aos
contratos internacionais: a escolha do ordenamento que deve reger os aspectos
formais de validade do contrato. Não se trata mais da escolha do conjunto
normativo que regerá a substância do ajuste, mas a ordem legal que deva ser
observada no exame da validade do contrato.
O Direito Internacional Privado consolidou a regra da locus regit
actum como instrumento de definição do ordenamento que deve reger os
aspectos formais do contrato. Segundo Jacob Dolinger (2007, p. 514), trata-se
de uma norma básica de Direito Internacional Privado assimilada em alguma
extensão por todos os sistemas jurídicos vigentes e que, por ter origem
consuetudinária, não dependeria de previsão expressa no Direito positivo local.
Amílcar de Castro (1987, p. 517) conta que a regra é conhecida desde o século
XIV e que sempre se impôs e provavelmente jamais será abandonada, pois
permite que pessoas sujeitas a ordens jurídicas distintas possam contratar.
Segundo a regra locus regit actum, os aspectos de validade de um
negócio jurídico são disciplinados pela lei em vigor no local em que o ato foi
realizado. É a lei do local de feitura do ato que define a sua existência e validade.
Se o ato for reputado como válido pela lei do local de sua realização, tal condição
deverá ser respeitada por qualquer outra ordem jurídica, ainda que o mesmo ato,
sob a vigência dessa legislação, não pudesse ser assim considerado.
compra de um bem móvel é a transferência de sua propriedade, pois todas as demais obrigações e a própria constituição do contrato derivam desse fato jurídico específico; nesse exemplo, considera-se que o contrato será solucionado no lugar em que ocorrer a tradição do bem que constitui o seu objeto. Em relação aos contratos de trabalho, no entanto, cuja principal prestação – a atividade laborativa – se renova diariamente em uma linha de prestações sucessivas, é comum substituir-se a expressão lex loci solutionis por uma expressão que transmite com mais precisão a ideia de continuidade temporal: lex loci executionis. É importante esclarecer, ainda, que a lex loci executionis pode se referir, ainda, à lei do local em que se processa a execução forçada de uma obrigação. Esse último sentido não será invocado no trabalho.
127
A regra locus regit actum tem assento destacado no Direito positivo
brasileiro. A Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro afirma que tanto
o conteúdo substancial do contrato como os seus requisitos extrínsecos –
elementos de existência e validade - serão regidos pela lei do local em que a
obrigação for constituída (art. 9º, caput e § 1º, in fine), sendo reputado como tal
o lugar de residência do proponente (art. 9º, § 2º)31.
A ideia de que o local rege o ato também foi absorvida em diversos
documentos regulatórios internacionais. A já citada Convenção de Roma (CEE,
1980), confere validade formal ao ato jurídico se ele estiver em conformidade
com a lei vigente no local em que fora constituído (locus regit actum) ou com a
lei que rege a sua substância (art. 9º, 1 e 2). Tratando-se especificamente do
contrato celebrado por um representante – hipótese apresentada no exemplo – a
Convenção de Roma prediz que, em tal caso, o contrato deve ser considerado
válido se os seus aspectos formais estiverem em conformidade com a lei do país
em que os poderes representativos são exercidos (art. 9º, 3).
A Convenção sobre a Lei Aplicável aos Contratos de Mediação e à
Representação (HCCH, 1978) regula especificamente a hipótese aventada no
exemplo. Ela determina que a relação entre o representante e o terceiro
contratante, a extensão dos poderes daquele e os efeitos dos seus atos são regidos
pela lei do país em que o representante mantenha o seu estabelecimento
profissional (art. 11). A Convenção de 1978, portanto, aplica a regra locus regit
31 A respeito dos requisitos de existência e validade do ato jurídico, a LINDB assim afirma: “destinando-se a obrigação a ser executada no Brasil e dependendo de forma essencial, será esta observada, admitidas as peculiaridades da lei estrangeira quanto aos requisitos extrínsecos do ato” (art. 9º, § 1º). A redação desse dispositivo é bastante criticada na doutrina por utilizar dois conceitos legais indeterminados – “forma essencial” e “requisitos extrínsecos” – que dificultam a compreensão do seu alcance. Enfrentando esse problema, Jacob Dolinger (2007, p. 517-520) oferece um exemplo que ilustra a sua compreensão: um imóvel situado no Brasil é objeto de um contrato de venda e compra constituído e formalizado inteiramente no exterior; o conteúdo substancial (objeto, preço, obrigações principais e acessórias etc.), assim como as características extrínsecas do ato (formalização por documento público ou particular, número de testemunhas, língua utilizada etc.) serão regidas pela lei do país em que a obrigação foi constituída, nos exatos termos do caput e do § 1º, in fine, do art. 9º da LINDB; entretanto, a lei brasileira prevê uma forma essencial a esse ato: a transcrição do contrato no competente registro imobiliário. Dolinger esclarece que este último ato – a transcrição no registro imobiliário – é o que a LINDB reputa como “forma essencial”. Ainda para o referido autor, o que a Lei de Introdução faz é separar o conteúdo de direito obrigacional (os requisitos de validade e a substância do contrato) do conteúdo de direito real (a transcrição no registro competente); ao primeiro, a LINDB determina a aplicação da locus regit actum; ao segundo, a observação da lex rei sitae.
128
actum e, para efeitos de sua observação, considera como local de realização do
ato jurídico o domicílio profissional do representante.
Como observado, o Direito Internacional Privado interno e externo
responde à questão proposta com uma afirmativa: os efeitos do contrato não se
limitam à área geográfica em que estavam inscritos os poderes do representante
que o subscreveu agindo em nome do representado. O próprio desenvolvimento
dessa disciplina, aliás, está intimamente relacionada com a proposta de que as
obrigações assumidas por um indivíduo em um determinado país podem
produzir efeitos em qualquer lugar do planeta. Transpor limites territoriais é
justamente o objetivo do Direito Internacional Privado.
Necessário, ainda, examinar a questão da representação sob o ponto
de vista do Direito interno brasileiro, no qual o Código Civil sobressai como
primeiro referencial legislativo. Antes de avançar ao exame da lei, há lugar para
algumas reflexões a respeito do vínculo contratual em si.
A doutrina há muito organiza os direitos civis em duas ordens
distintas, descritas conforme o vínculo nuclear sobre o qual recai a proteção
estatal. Nos chamados direitos reais, a ordem legal tutela fundamentalmente o
vínculo que se estabelece entre o indivíduo e o bem material sobre o qual ele
exerce uma pretensão de domínio. Já os direitos pessoais se concentram nas
relações obrigacionais estabelecidas entre diferentes indivíduos que, embora
possam ter como propósito um objeto material, constituem elas próprias, as
relações entre sujeitos, os vínculos sobre os quais repousam a ação do Estado.
Nos direitos pessoais, o objeto que recebe a atenção da norma jurídica é a relação
jurídica sujeito-sujeito. Trata-se, portanto, de um vínculo entre pessoas e não um
vínculo estabelecido entre um indivíduo e um objeto.
A relação contratual constitui um vínculo pessoal, fixado entre os
sujeitos que contratam, e não um vínculo ancorado no objeto do ajuste. Sendo
um vínculo pessoal, as obrigações derivadas de uma avença aderem aos sujeitos
contratantes, acompanhando-os no tempo e no espaço. Tome-se como exemplo
dessa aderência temporal uma obrigação pessoal assumida por indivíduo capaz
129
que, por qualquer razão, venha a perder a sua capacidade civil; tal fato
superveniente não constituiria motivo para invalidação do ajuste, uma vez que a
incapacidade só induziria à invalidade do negócio jurídico se contemporânea à
sua celebração (CC, art. 166). A aderência espacial, por sua vez, poderia ser
observada na disposição legal que determina que o pagamento de uma obrigação
pessoal, salvo estipulação em sentido diverso, deverá ser efetuada no local do
domicílio do devedor (CC, art. 327), o qual, evidentemente, pode ser alterado a
qualquer momento. Exemplo dessa aderência espacial das obrigações pessoais é
a jurisprudência que reconhece ser exequível no Brasil dívida de jogo contraída
legalmente no exterior, ainda que obrigações dessa natureza, entre nós, seja
reputada ilícita e, portanto, inexigível (Ementário, caso nº 5).
Os atos de manifestação de vontade, portanto, aderem aos sujeitos
de direito, e não aos objetos dos respectivos contratos. Se pensássemos em uma
relação de emprego, poderíamos afirmar que as suas obrigações vinculam as
pessoas do empregado e do empregador, seguindo-as no tempo e no espaço.
Assim, se as obrigações ajustadas pelas partes ficam imantadas a elas próprias e
não ao objeto principal da relação jurídica – no caso do contrato de trabalho, a
prestação pessoal de serviços – essa última não pode ser empregada como fator
limitador, condicionante ou determinante daquelas obrigações. O local da
prestação de serviços, portanto, não teria qualquer efeito sobre as obrigações
convencionadas. Se a norma coletiva fosse assimilada como um contrato puro,
seria forçoso reconhecer essa adesão pessoal.
Retomando o exame da lei, destaca-se, quanto ao problema da
representação, a disposição contida na Lei Civil segundo a qual a vontade
manifestada pelo representante produz efeitos em relação ao representado, nos
limites de seus poderes (Código Civil, art. 116). Referido dispositivo deve ser
analisado de forma sistemática com regra locus regit actum inserta na Lei de
Introdução às Normas do Direito Brasileiro, anteriormente denominada Lei de
Introdução ao Código Civil, e com a previsão existente no próprio diploma legal
que reputa o contrato celebrado no lugar em que foi proposto (Código Civil, art.
435).
130
É possível imaginar uma situação concreta de aplicação desses
conceitos: A empresa “A”, com sede administrativa na cidade de Belo Horizonte,
procura o representante comercial da empresa “B” que atua naquela zona
territorial; ambos formalizam um contrato pelo qual a empresa “B” fornecerá
determinado produto a preço certo. Entretanto, as partes convencionam que os
bens, objeto do contrato, serão entregues diretamente nas diversas filiais de “A”,
situadas em várias regiões do País. Em um caso como esse, seria possível
considerar o contrato inválido por qualquer das partes, tendo em vista que ele
será parcialmente executado fora da área de representação? A solução que a
ordem jurídica dá ao problema já foi anunciada neste trabalho: segundo a regra
locus regit actum, consagrada na Lei de Introdução às Normas do Direito
Brasileiro, os elementos de existência e validade do contrato são regidos pela lei
do local em que a obrigação for constituída, sendo irrelevante, para tal fim, o
local de solução da avença.
Ainda a respeito do problema representação, o art. 611 da CLT
contém importantes elementos que, em razão da organização do presente
trabalho, serão analisados mais adiante, quando do enfrentamento dos
fundamentos invocados pela atual jurisprudência do TST a respeito da eficácia
das normas coletivas. Necessário adiantar, entretanto, que a representação
tratada no referido dispositivo legal se refere apenas à sua dimensão material e
não ao seu âmbito territorial, como muitos supõem. De todo modo, tal como
afirmamos linhas atrás, a regra locus regit actum constitui a diretriz fundamental
que regula a existência e a validade dos contratos, irradiando-se sobre todos os
aspectos dessa questão.
Alterando-se o vetor do estudo, atinge-se o ponto em que se examina
a possibilidade de a norma coletiva, considerada como um ato legislativo não
estatal, produzir efeitos que superem a base territorial do sindicato que a
convencionou.
Como visto no capítulo anterior, a premissa de que as leis se
habilitam a alcançar fatos e relações jurídicas ocorridas além dos limites
territoriais de soberania do ente estatal que a produziu constitui o fundamento
131
nuclear da disciplina conhecida como Direito Internacional Privado, que, com o
seu modelo de regras e princípios, regula não apenas os conflitos normativos
entre nações, mas também os conflitos internos: intermunicipais,
interprovinciais, interestaduais, dentre outros. A resposta, portanto, já se
encontra no presente trabalho, havendo ainda lugar, apenas, para algumas
questões adicionais.
A eficácia espacial dinâmica da lei é reconhecida por,
provavelmente, todos os ramos do Direito, os quais expressam sua dimensão
internacional sempre que um fator extraterritorial venha a incidir sobre a situação
jurídica regulada, seja ele relacionado aos sujeitos ou ao objeto da relação
(DOLINGER, 2014, p. 26). O Direito Penal brasileiro, apenas como exemplo,
prevê em seu estatuto legal um rol de situações em que a norma brasileira
expande seu alcance para recair sobre fatos praticados no estrangeiro (Código
Penal, art. 7º).
Para explicar como a lei se projeta para além das fronteiras do país,
Amílcar de Castro (1987, p. 4) inicia desfazendo um equívoco comum e que, no
caso específico das normas coletivas, é o principal obstáculo para a compreensão
de sua eficácia ultraterritorial. Castro recorda que o território físico (espaço
geográfico) é diferente do território jurídico (âmbito de sujeição ao poder), sendo
que apenas o último integra a noção de Estado. Nessa linha de ideias, a eficácia
de uma lei não teria necessariamente a mesma dimensão do território geográfico
do país; ela teria dimensão equivalente ao seu território jurídico, isto é, à
extensão de poder daquele Estado. Tal noção nos auxilia na compreensão do que
já dissemos e repetiremos em breve: base territorial é um conceito que diz
respeito apenas à organização das entidades sindicais e não um atributo da
categoria em si.
É seguro afirmar que a área de atuação de uma lei não se confunde e
tampouco se limita ao espaço compreendido pelas fronteiras do Estado; ela vai
além, alcançando fatos jurídicos ocorridos em áreas exóticas. Entretanto, vale
questionar se esse mesmo efeito ocorreria no plano interno com as leis
produzidas por um município, uma província ou um estado da federação. Como
132
visto no capítulo anterior, a denominação Direito Internacional Privado não é
precisa, pois transmite a ideia de que tal ramo do Direito se ocupa
exclusivamente com os conflitos internacionais de leis, enquanto, em realidade,
ele se ocupa igualmente com os conflitos internos de normas jurídicas, aliás,
justamente dos quais se originou. Mas, o Direito brasileiro assimila a existência
de conflitos espaciais de leis internas?
De início, é necessário recordar que a Lei de Introdução às Normas
do Direito Brasileiro, exatamente como sua denominação pretende, irradia
efeitos por todo o Direito Privado interno, dirigindo-se indistintamente aos
conflitos internacionais como aos conflitos intersistemáticos locais. É certo, no
entanto, que o fato de o modelo legislativo brasileiro centralizar na União a
competência legislativa sobre quase todas as matérias, ou, pelo menos, sobre as
matérias mais relevantes, não estimula a produção legislativa e o
desenvolvimento doutrinário a respeito de conflitos internos de leis entre nós.
Tendo em vista a descentralização das competências tributárias, a legislação de
impostos constitui uma das poucas exceções.
O Código Tributário Nacional reconhece a capacidade que uma lei
estadual ou municipal possui de produzir efeitos fora dos limites territoriais da
respectiva unidade federativa ou local, afirmando textualmente a sua eficácia
extraterritorial. Segundo a Lei Tributária, a legislação de impostos de um estado,
do Distrito Federal ou de um município vigora fora dos territórios respectivos
em conformidade com os convênios celebrados pelos entes ou na forma prevista
em lei32. Independentemente do alcance dessa disposição legal, ela serve como
demonstração de que eficácia espacial das normas legais tem amplitude maior
do que o tamanho do território a que está adstrito o ente estatal que a editou.
A relação que supostamente existe entre os limites geográficos da
competência do órgão estatal e a eficácia espacial do ato por ele produzido no
32 Tal como segue, in verbis: Código Tributário Nacional, art. 102: “A legislação tributária dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios vigora, no País, fora dos respectivos territórios, nos limites em que lhe reconheçam extraterritorialidade os convênios de que participem, ou do que disponham esta ou outras leis de normas gerais expedidas pela União”.
133
exercício dessa competência já foi debatida amplamente pelo Superior Tribunal
de Justiça. Nos casos examinados, a questão jurídica dizia respeito à extensão
dos efeitos territoriais da coisa julgada produzida em ação civil pública ou, mais
especificamente, se os efeitos da sentença estão limitados à “competência
territorial do órgão prolator”, tal como previsto de forma literal no art. 16 da Lei
nº 7.347, de 24 jul. 1985. O Superior Tribunal de Justiça acabou consolidando a
tese de que os efeitos da decisão, na hipótese, transcendem os limites da
competência espacial do órgão judicante, rompendo a correlação entre âmbito
de poder e eficácia jurídica do ato de poder (Ementário, casos nº 6 e 7).
Até este ponto, a pesquisa procurou demonstrar que os atos jurídicos
dotados de características distintas, provenientes de fontes igualmente diferentes
e providos de regulação legal própria, têm em comum o fato de produzirem
efeitos além do âmbito de atuação ou de poder do ente público ou privado que
os produziu. Um contrato, uma lei e uma sentença; como atos jurídicos tão
díspares entre si, tão peculiares em relação aos outros, são capazes de projetar
sua carga eficacial do mesmo modo? Deve existir uma resposta que explique
como institutos tão diferentes assumam essa identidade comum. Para nós, assim
arriscamos, a resposta é singela: a eficácia ultra ou extraterritorial que
reconhecemos nesses atos jurídicos decorre da necessidade de se dar às partes
de um contrato a segurança de que ele não perderá sua validade pelo simples fato
de ser executado em outro lugar; necessidade de garantir que a lei alcançará o
objeto específico de sua regulação ainda que esse ultrapasse uma fronteira;
necessidade de se garantir a força pacificadora e isonômica de uma sentença. A
eficácia supraterritorial desses atos é, antes de tudo, uma exigência de
racionalidade.
As normas que resultam da contratação coletiva, cujo genótipo
concentra elementos típicos dos contratos, das leis e, por vezes, até das
sentenças, exigem essa mesma racionalidade. Tanto assim é verdadeiro, que as
normas coletivas – aqui já falando em plano empírico – efetivamente dispõem
de uma carga eficacial que transcende a base territorial do sindicato que a
convencionou. A eficácia ultraterritorial das normas coletivas é um fenômeno
real, concreto; basta olhar em volta. Imaginemos um trabalhador que, por um
134
único dia, seja destacado pelo seu empregador para realizar atividades em local
inserido na base territorial de um sindicato diferente do que atua no lugar de
origem. É fantasioso supor que o empregador, em função desse único dia, vá
alterar o salário do trabalhador para ajustá-lo ao piso salarial previsto na norma
coletiva vigente no local de destino ou vá calcular a participação nos lucros e
resultados considerando aquele único dia trabalhado sob outro regime
normativo. O que de fato ocorre, em casos como esse, é a manutenção das
condições de trabalho originais, ou seja, mantém-se a aplicação da norma
coletiva de origem ao trabalho realizado em outro lugar.
Algumas situações mais específicas demonstram com grande
evidência a necessidade de se organizar a eficácia das normas coletivas em uma
ordem sistemática racional. Dentre elas, notabiliza-se o caso das empresas de
transporte, cujos trabalhadores, no exercício normal de suas atividades,
percorrem localidades que integram a base territorial de diferentes sindicatos que
representam a categoria, cada um com uma disciplina normativa própria. Qual
valor seria devido, a título de ajuda alimentação, por exemplo, para um
trabalhador que, em um único dia, percorreu as bases territoriais de diversos
sindicatos, cada um deles com previsão normativa própria sobre o tema33?
Pode-se objetar sob o argumento que os exemplos acima retratam
deslocamentos de curtíssimos períodos, nos quais a inexistência de fixação do
trabalhador no local de destino autorizaria a manutenção do padrão normativo
33 Entre as empresas de transporte, chama atenção o caso das companhias ferroviárias. A Companhia Paulista de Trens Metropolitanos (CPTM) é um exemplo curioso. Por razões históricas, as seis linhas que compõem a malha ferroviária da CPTM são divididas, quanto à representação dos trabalhadores, por três sindicatos diferentes (Sindicato Central do Brasil, Sindicato dos Ferroviários da Zona Sorocabana e Sindicato dos Ferroviários de São Paulo). Tendo em vista que todas as linhas transitam pela Capital Paulista, um fato singular ocorre: os trabalhadores da companhia em São Paulo são representados por três sindicatos diferentes apenas por trabalharem em linhas distintas. No caso desses trabalhadores, sequer é preciso falar em destacamento; basta que a empresa determine a realização de uma atividade junto a linha diversa, ainda que na mesma cidade, para que surja o problema da eficácia da norma coletiva no espaço. Outros casos prescindem desse tipo de movimentação. A Ferrovia Centro Atlântica S.A. (FCA) é um bom exemplo: sua malha ferroviária possui 7.220 quilômetros de extensão, cortando 316 municípios distribuídos entre sete estados e o Distrito Federal e, consequentemente, cruzando bases territoriais de diversos sindicatos. Observamos que a empresa se esforça para celebrar acordos coletivos com teor semelhante com todos os sindicatos, o que nem sempre é possível. Assim, em uma viagem regular, um maquinista da FCA é, supostamente, regido por um conjunto normativo diferente conforme a quilometragem percorrida.
135
do local de origem. Tal objeção seria, ao contrário, um endosso do que
afirmamos, pois ela reconheceria que a norma coletiva pode alcançar o trabalho
prestado em outro lugar, ainda que por breve espaço de tempo. O fato de o
contrato de trabalho continuar sendo regido pela mesma norma coletiva, no
período em que o trabalhador estiver executando um trabalho de um único dia,
até mesmo de algumas horas, em local fora da base territorial do sindicato que a
formalizou, é o bastante para que se confirme a premissa de que a norma coletiva
produz efeitos ultraterritoriais.
3.2 A ruptura do padrão que define a lex loci executionis como
elemento de conexão da relação de emprego às normas coletivas
de trabalho (...).
Como observado nas seções precedentes, a norma coletiva,
independentemente de ser considerada um vínculo de natureza contratual ou
como um ato legislativo produzido por um ente não estatal, possui a capacidade
in abstrato de produzir efeitos jurídicos fora da área territorial de atuação do
sindicato que a formalizou. Verificou-se, igualmente, que o plano empírico
confirma que a dimensão espacial de eficácia da norma coletiva transcende
limites territoriais.
Tal constatação impõe a necessidade de se descrever a eficácia
espacial da norma coletiva, elucidando como ela se desenvolve no âmbito de
uma relação privada de emprego, e modular uma teoria que organize
sistematicamente tal fenômeno, estabelecendo-se um modelo de princípios e
regras com pretensão de generalidade.
Como visto no capítulo anterior, o Código Bustamante falhou em
sua aspiração de uniformizar o Direito Internacional Privado nas Américas, não
dispondo da adesão que os seus criadores projetaram ou da aceitação doutrinária
que seria necessária para alçá-lo ao posto idealizado. A despeito desse fato, o
Código de Direito Internacional Privado de 1928 acabou recebendo um
136
incompreensível apoio da jurisprudência trabalhista brasileira, o que é fruto
direto de uma interpretação equivocada das disposições contidas no documento.
Como observado anteriormente, o Código Bustamante enfrenta o
problema do conflito de leis no espaço de forma bastante genérica, definindo
apenas o estatuto de conexão das normas jurídicas e não os elementos de conexão
destas. Tal como dissemos, o Código faz apenas uma classificação preliminar
que identifica o aspecto fundamental - o estatuto - sobre o qual a norma deve
recair, que pode ser o indivíduo (leis pessoais), o objeto (leis territoriais) ou o
ato de vontade (leis voluntárias).
Assim, quando o Código Bustamante define uma determinada lei
como pessoal, significa que o país signatário do tratado deve estabelecer em seu
Direito interno um elemento de conexão vinculado com os atributos próprios do
indivíduo, como, por exemplo, a sua nacionalidade ou o seu domicílio. O Código
de 1928 define o estatuto de conexão (a pessoa), sendo que o elemento de
conexão (a nacionalidade ou o domicílio) deverá ser definido pelo Direito
interno de cada país, bastando apenas que este esteja vinculado àquela diretriz
fundamental definida no documento elaborado por Bustamante y Sirvén. Como
exemplo do que foi dito, o Código de Direito Internacional Privado de 1928
dispõe que “a rescisão dos contratos, por incapacidade ou ausência, determina-
se pela lei pessoal do ausente ou incapaz” (art. 181). Nesse caso, qual seria a lei
pessoal do ausente ou incapaz: seria a lei do país da nacionalidade do indivíduo
(lex patriae)? Ou a lei pessoal seria aquela em vigor no país em que o sujeito
possuir o seu domicílio (lex domicilli)? Como se observa, o Código Bustamante
não define qual será o elemento de conexão – a lex patriae ou a lex domicilli.
Tal definição competirá ao país signatário do documento por sua legislação
interna, bastando que tenha aderência aos atributos individuais do ausente ou
incapaz.
Nessa linha, ao afirmar que sobre uma determinada matéria recai a
lei territorial, o Código Bustamante está apenas determinando que o país
signatário não poderá definir para a respectiva matéria um elemento de conexão
que se relacione com atributos pessoais; neste caso, o país deve definir um
137
elemento de conexão impessoal, capaz de vincular qualquer pessoa que esteja no
território, independentemente de qualquer condição individual do sujeito.
Voltando com os exemplos, o Código Bustamante afirma que “as demais causas
de rescisão [dos contratos] e sua forma e efeitos subordinam-se à lei territorial”
(art. 182). Como se observa, o Código afirma que, para as questões apontadas
(rescisão dos contratos etc.), deverá ser observada a lei territorial; entretanto, ele
estaria fazendo referência à lei de qual território? Seria a lei do território em que
o contrato foi constituído (lex loci contractus); ou seria a lei do local onde a
obrigação principal deva ser cumprida (lex loci solutionis)? Como se observa
mais uma vez, o Código não define qual é o elemento de conexão aplicável
àqueles aspectos do contrato, atribuindo tal prerrogativa ao Direito interno de
cada país. A única regulação que o Código de 1928 faz é delimitar as opções de
escolha do país: o elemento escolhido não pode se vincular aos atributos
individuais dos contratantes, como a sua nacionalidade e o seu domicílio,
devendo ser impessoal e abrangente a ponto de alcançar qualquer pessoa dentro
do território nacional. É exatamente o que o Código Bustamante deixa claro em
seu art. 3º, II, ao afirmar que as leis por ele consideradas como territoriais nada
mais são do que aquelas que atingem todos os que residam no território,
independentemente de sua nacionalidade.
Como abordado no capítulo anterior, o Código Bustamante define o
território como estatuto de conexão das questões relativas a acidentes do trabalho
e proteção social do trabalhador (art. 198). Tal como exposto, o Código está
apenas afirmando que o elemento de conexão que deve ser escolhido pelos países
signatários do tratado, em relação às questões destacadas, não pode estar atrelado
a uma condição pessoal do trabalhador, especialmente à sua nacionalidade. O
Código Bustamante apenas determina, assim como o faz o art. 5º da Constituição
Federal de 1988, que os países aderentes do tratado não podem limitar a
aplicação da legislação sobre acidentes do trabalho e proteção social do
trabalhador aos seus nacionais, devendo, ao contrário, estendê-la a todos que
residam em seus territórios, independentemente da nacionalidade.
Apesar desse limitado alcance, o Tribunal Superior do Trabalho,
como já visto, a partir de uma hermenêutica criativa e bastante distendida,
138
enxergou no Código Bustamante a consolidação de um “princípio da
territorialidade”, o qual estabeleceria a lex loci executionis, ou seja, a lei do local
de execução do contrato de trabalho, como elemento de conexão das respectivas
obrigações a uma ordem normativa34.
Essa concepção contém dois equívocos. Como anunciamos páginas
atrás, os princípios de Direito Internacional Privado foram desenvolvidos pela
doutrina inicialmente como instrumentos de integração, controle e restrição do
funcionamento das regras de conexão, operando como verdadeiras válvulas de
escape e controle que asseguram a integralidade e racionalidade do sistema. Em
momento posterior, a doutrina consolidou novos princípios que, amplamente
absorvidos pelas legislações internas e diplomas internacionais, consolidaram
modelos de conexão dinâmicos, especificamente em matéria contratual, em
contraposição aos modelos estáticos até então adotados. Ao falar em “lei
territorial”, o Código Bustamante, como visto exaustivamente, não oferece
nenhuma regra ou elemento de conexão, seja ele estático ou dinâmico, pois, na
medida em que se limita a dispor sobre o estatuto de conexão da norma, não é
capaz de, por si, oferecer uma solução ao problema da lei de regência das
obrigações derivadas de um contrato. Tal incapacidade impede que se atribua a
condição de princípio à territorialidade de que trata o Código Bustamante; este,
o primeiro equívoco cometido. O segundo, e deste também já muito se tratou no
presente relatório, reside no fato de que o Código Bustamante não define
qualquer elemento de conexão em matéria de relações de trabalho, sendo
impossível nele divisar a adoção da lex loci executionis ou qualquer outro
conectivo.
Alheio a essas constatações, um dogma foi se consolidando no
pensamento da comunidade jurídica brasileira e, principalmente, na
jurisprudência do Tribunal Superior do Trabalho: a existência de um princípio,
34 Tal interpretação ficou estampada de forma evidente em um dos precedentes jurisprudenciais que deram origem à súmula de jurisprudência nº 207 do Tribunal Superior do Trabalho, cancelada em 16 de abril de 2012, oportunidade em que o Tribunal afirmou que “em matéria trabalhista dá-se a aplicação da ‘lex loci executionis’ face ao princípio da territorialidade (Código de Bustamante)” (TST, 1ª Turma, RR nº 3621/83, relator Min. Marco Aurélio, DJ de 2 ago. 1985).
139
o da territorialidade, que determinaria que as relações de trabalho seriam
reguladas, sempre, pelas normas coletivas em vigor no local em que o
trabalhador executa a sua prestação laboral. Esse pensamento, que ganhou
contornos próximos aos de um axioma, permeou o debate em torno da eficácia
espacial das normas coletivas.
Doutrina e a jurisprudência, possivelmente acomodadas com a
solução simplista – porém incompleta - que o denominado princípio da
territorialidade oferece, trataram de encontrar em nossa ordem jurídica interna
uma sustentação para o mesmo, de forma a justificar a sua aplicação ao conflito
intersistemático de normas convencionais. Evidentemente, não foi difícil fazê-
lo em um ambiente antidemocrático em que o Estado limita, de diversas formas,
a constituição de entidades sindicais, sendo que uma dessas restrições se refere,
justamente, ao território.
Como já se encontra escrito, a ordem jurídica positiva vigente no
Brasil delimita geograficamente a área de atuação de uma entidade sindical.
Embora tal demarcação diga a respeito do espaço mínimo, e não do máximo, em
que um sindicato deve atuar, essa determinação espacial, juntamente com a
organização dos sindicatos a partir de grupos pré-definidos em lei, o direito de
representação de todos os trabalhadores pertencentes ao grupo em regime de
monopólio e a taxação financeira compulsória dos representados, fragmentou os
entes sindicais em diversas organizações locais e permitiu que cada uma delas
passasse a se portar como soberana de sua categoria em seu pedaço de terra. Ao
adotar as denominações federação e confederação para dispor sobre a
organização das entidades sindicais de graus superiores, remetendo a conceitos
próprios da Teoria do Estado, a lei reforçou a ideia de que o sindicato constitui
um ente que se assemelha a um órgão soberano.
O pensamento jurídico corrente encontrou na ideia de base territorial
das entidades sindicais o primeiro argumento para justificar a existência do
princípio da territorialidade no plano interno. Justificativa falha, contudo.
140
Não exige muito esforço constatar que o art. 8º, II, da Constituição
Federal de 1988, que confere sustentação jurídica às chamadas bases territoriais,
está se referindo exclusivamente aos critérios e limites legais que dizem respeito
à organização das entidades sindicais. Chega a ser curioso que, enquanto a
doutrina é unânime ao reconhecer que sindicatos e categorias são fenômenos
jurídicos absolutamente distintos entre si, como visto anteriormente, tal
diferenciação tenha sido completamente ignorada ao se tratar da eficácia espacial
das normas coletivas. Como dissemos páginas atrás, quem possui base territorial
é o sindicato, não a categoria, da qual aquele é mero representante.
Já foi dito: a chamada categoria profissional é um fenômeno difuso,
cuja amplitude não se limita a um espaço de solo. Assim ocorre porque o critério
de identificação do grupo de trabalhadores, definido em lei, é igualmente difuso
– a similitude de condição de vida decorrente do exercício de um determinado
ofício ou profissão. Um grupo criado por um critério genérico será sempre
genérico.
Afirmar que a norma coletiva possui eficácia territorial restrita
simplesmente porque o sindicato que representa o titular da norma, a categoria
profissional, possui uma base territorial de atuação limitada é um verdadeiro
sofisma.
Tal como já observado, até mesmo as leis produzidas por uma
Nação, que inegavelmente exerce sua soberania exclusivamente dentro de seu
território, é capaz de alcançar fatos e produzir efeitos além de suas fronteiras. A
ideia de soberania de uma Nação, como é da essência do Direito Internacional
Privado, não constitui obstáculo para que as normas jurídicas de outro Estado
produzam efeitos em seu território. No Brasil, por exemplo, questões relativas à
capacidade civil são reguladas pela lei do país em que a pessoa for domiciliada
(LINDB, art. 7º), ou seja, a lei estrangeira produz efeitos no território brasileiro.
Esse fenômeno não importa em qualquer mitigação da soberania do Brasil, assim
como de qualquer outro país.
141
Dizer que os efeitos de uma norma coletiva jamais poderiam invadir
o território ocupado por outro sindicato equivaleria a afirmar que a “soberania”
de um sindicato seria mais “forte” do que a soberania de uma Nação. Isso se
fosse possível falar em soberania de um ente interno de Direito privado, o que
seria absolutamente equivocado.
Há, ainda, importante distinção a fazer. No caso das leis produzidas
por um Estado, o titular da norma jurídica é também o detentor do atributo
soberania, conjunção esta que não se observa em se tratando de normas coletivas,
em que titular (categoria) e ente de poder (sindicato) não se confundem. No
primeiro caso, a lei de um Estado é aplicada no território de outro, ou seja, aplica-
se a lei de um titular sobre os domínios de outro titular de suas próprias normas
jurídicas. No caso das normas coletivas, isso não ocorre, na medida em que não
se pretende a aplicação das disposições normativas para outro titular; ao
contrário, a norma que pertence a uma categoria (titular) vai ser aplicada no
âmbito dela própria.
A necessidade de clareza justifica a redundância de argumentos:
sindicato e categoria são institutos jurídicos inconfundíveis; aquele mero
representante deste, o efetivo titular da norma coletiva. Base territorial é um
conceito relacionado apenas e tão somente à organização das entidades sindicais
e não relacionado à conformação da categoria em si. Não existe divisão ou
delimitação espacial no conceito legal de categoria (CLT, art. 511). A questão
da eficácia especial das normas coletivas, portanto, não tem qualquer relação
com a ideia de base territorial.
Outro marco legislativo importante relacionado ao problema da
eficácia das normas convencionais é encontrado no corpo da CLT. A Lei
Trabalhista define convenção coletiva de trabalho como sendo o “acordo de
caráter normativo, pelo qual dois ou mais Sindicatos representativos de
categorias econômicas e profissionais estipulam condições de trabalho
aplicáveis, no âmbito das respectivas representações, às relações individuais de
trabalho” (art. 611).
142
A expressão “no âmbito das respectivas representações” é
comumente assimilada como sendo uma referência ao chamado princípio da
territorialidade. Pensamos que tal conclusão é o resultado de um tipo de
hermenêutica que, infelizmente, tem sido cada vez mais comum, em que o
intérprete extrai exclusivamente de suas convicções pessoais o resultado que
considera mais justo ou mais fácil de aplicar ao caso e, posteriormente, procura
no texto legal alguma passagem que o sustente, ainda que para tanto tenha que
descontextualizá-lo ou subverter alguns sentidos. É fácil perceber que essa
interpretação como ato de vontade ocorre em relação à norma em exame. O art.
611 da CLT fala primeiramente em “sindicatos representativos de categorias
econômicas e profissionais” para, logo depois, dizer ”no âmbito das respectivas
representações”. Como se observa, além de dividirem o mesmo elemento
mórfico, existe uma clara continuidade narrativa entre as duas expressões,
evidenciando uma conexão entre ambas as ideias. É evidente, portanto, que a
expressão “respectivas representações” está se referindo à representação da
categoria econômica e profissional, ou seja, o elemento vinculativo é o grupo
(bancários, metalúrgicos, etc.), não havendo absolutamente nada relacionado a
lugar, à base territorial. É equivocado sustentar a premissa de que o art. 611 da
CLT delimita a eficácia espacial das normas coletivas.
Todavia, a partir justamente dessas premissas equivocadas, o
Tribunal Superior do Trabalho vem acumulando decisões que afirmam a
existência de um princípio da territorialidade e, por irradiação direta deste,
determinando que as relações de emprego sejam regidas pelas normas coletivas
celebradas pelo sindicato que possui base territorial no local da respectiva
prestação de serviços (Por todos, vide ementário, caso nº 8).
É importante destacar que tais decisões do Tribunal Superior do
Trabalho foram extraídas de um mesmo e específico contexto fático: em todos
os casos examinados, havia uma polarização entre a adoção da sede do
empregador e a adoção da loci executionis como elemento de conexão do
contrato de trabalho às normas convencionais. Inserindo-se o problema nessa
ordem binária, em que se deveria optar pela aplicação das normas coletivas
celebradas pelo sindicato cuja base territorial compreendia o local da sede da
143
empresa ou pela aplicação das disposições convencionais do sindicato mais
próximo do lugar da prestação de serviços, a solução adotada pelo Tribunal
realmente afigurou-se como a mais razoável, pelos motivos expostos no capítulo
anterior e pelos que serão apresentados adiante. A questão que importa para o
presente estudo, no entanto, não é a solução que foi dada pelo TST em si; o que
importa neste momento é o fundamento que o Tribunal adotou, ao qual já nos
opusemos criticamente, além de o problema de se transformar a ideia de
territorialidade em uma regra absoluta.
A respeito desse último aspecto, a adoção da lex loci executionis
como elemento de conexão da relação de emprego à norma coletiva de trabalho
de forma plena, irrestrita e inconteste, equivaleria a levar a efeito algo divorciado
da realidade, impondo aos empregados e empregadores um comportamento sem
coesão com a racionalidade. Ora, se a lex loci executionis constituísse uma regra
absoluta, então seria correto dizer que sempre, em qualquer situação, deverão ser
aplicadas as normas coletivas do local da prestação de serviços. Nesse cenário,
o destacamento do trabalhador para a realização de um trabalho pontual
implicaria obrigar o empregador a observar, ainda que para um período de
poucas horas ou de um único dia, as disposições convencionais do local de
destino. E se o piso salarial daquele local for maior; o trabalhador deverá receber
o respectivo aumento salarial? E no dia seguinte, quando retornar ao local de
origem, permanecerá com um salário maior do que todos os seus colegas? E se
a participação nos lucros e resultados no local de destino for menor do que a do
local de origem? Ele receberá um valor menor do que os seus colegas apenas por
ter trabalhado um único dia em um local diferente? Em qualquer um dos casos,
a solução dada pela lex loci executionis é isonômica e racional? Ela protegerá
esse trabalhador ou o colocará em uma situação de singularidade frente ao
grupo? E se o trabalhador costuma realizar atividades em diversas cidades ao
longo do mês, como ficarão os seus direitos e como a empresa será capaz de
coordenar a incidência de uma norma coletiva a cada dia?
Como se observa, adotar a lex loci executionis de maneira
axiomática é absolutamente inviável, pois resultaria em inúmeros e
possivelmente incontornáveis problemas para ambas as partes. Não por acaso, é
144
fato imune a qualquer dúvida que nenhuma empresa adota referido elemento de
conexão em seus destacamentos de curta duração, mantendo a aplicação da
norma coletiva do local de origem para a regência do contrato de trabalho
executado em outros lugares. É um fenômeno natural que o Direito não pode
ignorar.
E esse fenômeno deve ser descrito, adequadamente fundamentado e,
sobretudo, organizado em um modelo racional de aplicação. Seguimos nessa
proposta.
3.3 (...) e a adoção do princípio da proximidade como padrão de
vinculação da relação de emprego às normas coletivas de
trabalho.
O capítulo anterior foi quase integralmente dedicado ao exame
crítico das principais regras de conexão e princípios de Direito Internacional
Privado eventualmente incidentes sobre as relações de trabalho transnacionais e,
de uma forma puramente hipotética, dado que não existem conflitos de leis
trabalhistas entre estados e municípios brasileiros, de como essas regras se
comportariam diante de um conflito de leis regionais. Não abordamos o
problema específico das normas coletivas de trabalho, para o qual este espaço
ficou reservado.
Ao final do capítulo anterior, apontamos o princípio da proximidade
como único modelo capaz de conferir aos conflitos de leis no espaço uma
solução coerente, adequada, correspondente à realidade dos fatos e das pessoas
e, sobretudo, que conduza a um resultado racional. Para chegar a tal conclusão,
a pesquisa passou pelas regras de conexão apoiadas em elementos estáticos (lex
loci contractus, lex loci executionis e domicílio profissional) e pelos princípios
clássicos do Direito Internacional Privado (autonomia da vontade, proteção e
ordem pública). Em relação ao primeiro grupo, o dos elementos estáticos, a
pesquisa evidenciou a impossibilidade de se obter por intermédio deles uma
145
solução completa para problema da colisão de leis no espaço; em relação ao
segundo grupo, a pesquisa debateu o problema da autonomia da vontade em
matéria de Direito do Trabalho, demonstrou os equívocos envolvidos na ideia de
um princípio da proteção em Direito Internacional Privado e afastou a aplicação
do princípio da ordem pública do plano dos conflitos internos de leis.
Todas as considerações feitas em relação às regras e aos princípios
clássicos do Direito Internacional Privado – e os exemplos rapidamente
mencionados já no presente capítulo assim confirmam – valem para o problema
da norma coletiva aplicável às relações de trabalho. Nenhuma regra estática,
sejam aquelas apoiadas nos elementos de conexão, sejam as resultantes dos
princípios clássicos do Direito Internacional Privado, é capaz de solucionar de
forma coerente o problema da vinculação lei-contrato aqui investigada.
Isso ocorre, sobretudo, porque as regras estáticas repousam sobre o
contrato de trabalho como se ele fosse um todo unitário, ignorando que a relação
de emprego é um fenômeno composto por múltiplas situações fático-jurídicas,
cada uma delas exigindo um tratamento próprio.
Um trabalhador, por exemplo, é destacado provisoriamente para uma
unidade fabril de seu empregador, situada em outro estado. Os sindicatos que
atuam na localidade de destacamento não convencionaram a obrigatoriedade de
pagamento de seguro-saúde por parte da empresa, direito esse que está previsto
nas normas coletivas do local de origem. Por outro lado, vamos supor que o valor
do auxílio-alimentação previsto na norma coletiva de destino seja superior,
notadamente em função do custo de vida mais alto nessa localidade.
O exemplo acima mostra como não é possível aplicar um elemento
de conexão estático e universal. Se aplicarmos a lex loci executionis, o
trabalhador passaria a receber uma ajuda alimentação maior, porém a empresa
estaria desobrigada a manter o seu plano de saúde. Por outro lado, a adoção do
domicílio profissional ou da lex loci contractus apenas inverteria a equação, ou
seja, o trabalhador não se alimentaria adequadamente no período do
destacamento, porém manteria seu plano de assistência médica.
146
É possível que alguém, como solução do problema, cogite a adoção
do princípio da proteção, do qual emanaria uma regra determinando a aplicação
da norma mais favorável ao trabalhador em relação a cada instituto; nesses
termos, o trabalhador do exemplo manteria o plano de saúde e passaria a receber
o subsídio alimentar no maior valor. Tal solução, contudo, não é válida. O
primeiro motivo é que o princípio da proteção do Direito do Trabalho e a sua
regra que determina a observação da norma mais favorável foram sistematizados
como instrumentos de solução dos conflitos verticais (hierárquicos) e de normas
trabalhistas, e não para atuarem nos conflitos horizontais (espaciais) de leis. O
segundo óbice é que não existe, no seio do Direito Internacional Privado, um
princípio da proteção; o que de fato existe, tal como explorado na seção 2.4.2.2,
supra, é a incidência do princípio da ordem pública, o qual, todavia, passa ao
largo dos conflitos internos de normas coletivas de trabalho, como já dito mais
de uma vez.
O terceiro óbice, e mais importante para que se desfaça de uma vez
o mito da norma mais favorável, está no próprio sentido de proteção. De forma
direta: em um conflito entre duas normas coletivas, aplicar aquela oferece mais
direitos ao trabalhador, seja na forma de um conglobamento amplo ou limitado
por institutos, realmente representaria uma proteção?
Adote-se, como exemplo, um trabalhador da construção civil que
execute as suas atividades indistintamente nas cidades de São Paulo e Rio de
Janeiro, sem prevalência de nenhuma delas (a proposta aqui é isolar todas
variáveis para que o foco se concentre, exclusivamente, na ideia de norma mais
favorável). O problema que se coloca diz respeito aos reajustes salariais desse
trabalhador. A empresa seguirá os reajustes convencionais pactuados pelos
sindicatos paulistanos, pelos sindicatos cariocas ou, como a questão enfrentada
sugere, adotará sempre o reajuste que se apresentar mais favorável ao
trabalhador?
A tabela abaixo ilustra os reajustes salariais pactuados em convenção
coletiva de trabalho pelos sindicatos da construção civil de São Paulo e do Rio
de Janeiro nos últimos 7 anos. Os dados tabulados mostram que os reajustes
147
salariais variaram de uma cidade para outra em um mesmo ano, oscilação essa
que chegou a 30% em 2011 em favor dos trabalhadores paulistanos. Entretanto,
percebe-se claramente que um reajuste menor ocorrido em um ano acabou sendo
compensado em anos posteriores com um reajuste superior, inclusive em relação
à outra cidade, como se a negociação coletiva carregasse de um ano para outro a
memória das negociações passadas. Como resultado, é possível observar que os
trabalhadores das duas cidades, embora tenham recebido reajustes diferentes ano
a ano, acabaram o período de comparação (2010 a 2016) com um reajuste salarial
acumulado muito parecido: São Paulo, 71,20%; Rio de Janeiro, 72,14%:
Em relação aos reajustes salariais, a proposta de adoção da norma
coletiva que se apresentar mais favorável ao trabalhador já romperia, de plano,
o caráter contínuo da negociação, a memória que a contratação coletiva possui.
O processo de autorregulação capital-trabalho não é um fenômeno
compartimentado no tempo, como se a celebração final de uma norma coletiva
fosse capaz de reestabelecer os seus atores a um ponto inicial e neutro. Ao
contrário, muitas vezes as partes só conseguem firmar uma convenção ou um
acordo coletivo porque os seus atores assumiram compromissos para o futuro,
Ano Sinduscon-RJSintraconst-Rio
(1)(%)
Sinduscon-SPSintracon-SP
(2)(%)
2010 7,00 8,01
2011 7,50 9,75
2012 9,00 7,47
2013 9,00 8,99
2014 9,00 7,32
2015 7,00 8,00
2016 8,00 6,38
Acumulado 72,14 71,20
Tabela 1 Reajustes salariais estipulados em convenções coletivas de trabalho pelas representações sindicais indicadas
Fonte: Sistema M ediador (M inistério do Trabalho e Emprego)Notas: (1) Data-base em 1º de março. (2) Data base em 1º de maio. Os valores se referem ao reajuste aplicável às menores faixas salariais, quando tal distinção ocorrer.
148
que serão cumpridos nos anos seguintes em uma espécie de compensação.
Assim, uma reinvindicação não atendida em um ano, por uma razão econômica
por exemplo, fica comprometida para as próximas datas-bases. Essa
continuidade da negociação coletiva é facilmente visível na Tabela 1, na qual se
pode identificar que um reajuste salarial menor em um ano foi compensado com
um reajuste maior nos anos seguintes.
Essa memória da negociação coletiva está diretamente vinculada ao
projeto fundamental do Direito do Trabalho, que é a autorregulação dos
interesses dos trabalhadores e empregadores. Basta observar que categorias
constituídas há menos tempo raramente possuem tantos direitos assegurados em
normas coletivas como possuem as categorias constituídas há mais tempo. O
processo de consolidação de um patamar socioeconômico para uma categoria
não se completa em um único ciclo negocial.
Aplicar ao trabalhador do exemplo sempre o reajuste salarial de
maior valor, entre os previstos nas normas coletivas de São Paulo e do Rio de
Janeiro, produziria uma elevação salarial absolutamente artificial, uma vez que
ela não teria correspondência com a negociação coletiva ocorrida em nenhuma
das duas cidades, considerada em seu caráter de continuidade. A tabela abaixo
ilustra o que ocorreria:
149
O trabalhador teria um reajuste salarial de 79,06% ao final do
período de observação, enquanto, no mesmo período, os seus colegas que
permaneceram apenas no Rio de Janeiro teriam 72,14% de correção de salário e
os trabalhadores de São Paulo, 71,20%. A adoção de um reajuste salarial que
não encontra eco nas reais tratativas intersindicais só se justificaria a partir de
uma ideologia que autorizasse afirmar que o trabalhador deva ser sempre
beneficiado, ainda tal graça decorra da aleatoriedade dos fatos e da imprevisão
dos acontecimentos. Não há, entretanto, justificativa ética ou jurídica.
Cabe ainda indagar se esse trabalhador, que se beneficiou de uma
conjugação aleatória de fatos isolados e atingiu um patamar salarial superior aos
de seus colegas, estaria realmente protegido. O empregador teria diante de si um
empregado que, por circunstancias alheias à sua vontade, possuiria um salário
mais elevado em relação aos demais trabalhadores da empresa. Além do custo
extra que ele imediatamente geraria, esse trabalhador poderia ser fonte
involuntária de descontentamento e questionamentos acerca da disparidade
salarial. Não seria remota a possibilidade de o empregador não querer assumir a
despesa adicional, assim como querer se prevenir dos conflitos gerados por essa
Ano Sinduscon-RJSintraconst-Rio
(1)(%)
Sinduscon-SPSintracon-SP
(2)(%)
2010 7,00 8,01
2011 7,50 9,75
2012 9,00 7,47
2013 9,00 8,99
2014 9,00 7,32
2015 7,00 8,00
2016 8,00 6,38
Acumulado 79,06
Tabela 1a Reajustes salariais estipulados em convenções coletivas de trabalho pelas representações sindicais indicadas
Fonte: Sistema M ediador (M inistério do Trabalho e Emprego)Notas: (1) Data-base em 1º de março. (2) Data base em 1º de maio . Os valores se referem ao reajuste aplicável às menores faixas salariais, quando tal distinção ocorrer.
150
circunstância. Como repetiremos mais adiante, a igualdade de tratamento e
condições confere uma homogeneidade ao grupo de pessoas que, no âmbito das
relações de trabalho, pode representar uma espécie de invisibilidade protetora do
indivíduo.
As considerações acima demonstram o equívoco da aplicação da
norma mais favorável como instrumento de solução dos conflitos de leis no
espaço em matéria trabalhista; não há fundamento jurídico ou ético para a sua
adoção, assim como tal proposta sequer atinge efetivamente o ideal de proteção.
Por fim, a adoção de elementos de conexão estáticos em relação às
normas oriundas da contratação coletiva poderia encontrar um obstáculo que não
se observa em relação às normas jurídicas estatais: ela poderia vincular o
contrato a um Direito inexistente. Isso ocorreria na hipótese de o elemento de
conexão aplicável indicar as normas coletivas de um determinado lugar para a
regência do contrato de trabalho, porém não existir instrumento de contratação
coletiva naquele local. Tome-se um exemplo: em parceria com o Governo do
Estado do Mato Grosso, a Companhia do Metropolitano de São Paulo – Metrô
destaca alguns de seus funcionários para realizarem estudos de viabilidade
técnica para a implantação do modal na cidade de Cuiabá, onde permaneceram
por dois meses. Supondo que o elemento de conexão aplicável fosse a lex locus
executionis, tais trabalhadores ficariam vinculados às normas coletivas
celebradas pelos sindicatos com base territorial na capital mato-grossense no
período. Ocorre que não existe sindicato que represente a categoria profissional
dos metroviários no local de destacamento, não havendo qualquer regulação
convencional aplicável aos trabalhadores locais. O elemento de conexão estático
acabou direcionando a regulação coletiva-contratual da relação de emprego para
o vazio, o que reforça a inaptidão desse critério de vinculação do contrato de
trabalho às normas coletivas.
É possível, então, sustentar a primeira premissa conclusiva
alcançada pela pesquisa:
151
A relação de emprego é regida pelas normas convencionais com que
apresentar conexão mais estreita. O princípio da proximidade
constitui o modelo de conexão da relação de emprego às normas
coletivas de trabalho.
3.4 Modelo de aplicação do princípio da proximidade.
O princípio da proximidade, como dito páginas atrás, oferece uma
abordagem aberta e flexível para o problema da escolha da norma que regerá a
situação jurídica internacionalizada ou inter-regionalizada. Isso ocorre,
principalmente, pelo fato de que a regra ao final produzida pelo princípio da
proximidade, ou seja, o comando concreto de observação desta ou daquela lei, é
obtida a partir das características específicas do caso examinado, a ele se
direcionando de forma exclusiva e particularizada. O princípio da proximidade
produz uma regra de conexão específica para cada caso – daí sua habilidade em
alcançar uma solução adequada, coerente e justa.
O princípio da proximidade, com efeito, não é capaz de conviver
com regras de conexão estáticas; são ideias absolutamente incompatíveis entre
si. As propostas de conexão mais estreita ou, como prefere o Direito norte-
americano, de relacionamento mais significativo, foram construídas exatamente
para superar a rigidez das regras de conexão clássicas, as quais chegaram a ser
equiparadas por Jacob Dolinger (2004, p. 140) a “uma armadura pesada,
apertada, uma camisa de força um tanto inconfortável, da qual é válido querer se
desvencilhar um pouco”.
Seria, portanto, inadmissível que a presente pesquisa, ao seu final,
postulasse a adoção de uma ou mesmo de várias regras de conexão estáticas para
o problema do conflito de normas coletivas no espaço. Proposta dessa natureza
constituiria uma contradição insuperável que romperia com a coerência interna
esperada em trabalhados científicos, como o presente pretende ser reconhecido.
152
Segurança jurídica. É recorrente que em debates acadêmicos um dos
interlocutores acabe acionando a ideia de segurança jurídica em contraponto ou
mesmo para repelir uma ideia mais progressista. A salvaguarda da segurança
jurídica - e isso é curioso - costuma ser frequentemente acionada quando se
propõe a aplicação direta e imediata de um princípio de Direito sobre uma
situação jurídica em conflito. O suporte fático amplo e o grau de generalidade
próprios dos princípios costumam assustar aqueles que encontram maior
conforto na norma infraconstitucional positiva, objetiva e detalhada. Os temores
causados pelos princípios de Direito, então, acabam sendo exorcizados com o
dogma da segurança jurídica. Dissemos que esse embate entre princípios e
segurança jurídica é curioso porque esse último, a segurança jurídica, constitui
também um princípio. Questiona-se a aplicação de um princípio de Direito
opondo-lhe, paradoxalmente, um princípio de Direito! Além desse conflito
lógico, que somos incapazes de resolver, existe a questão de fundo: as regras de
conexão estáticas trazem previsibilidade, porém não produzem resultados
coerentes e justos. Inverter os vetores dessa equação, ou seja, abrir mão de certa
previsibilidade, em troca da garantia de justiça, parece ser uma permuta bastante
acertada.
Por outro lado, parece bastante razoável que tamanha
indeterminação gerada pelo princípio da proximidade seja colmatada com
presunções de conexão mais estreita constituídas de forma hipotética e
apriorística – vimos na seção 2.4.2.3 do presente relatório que o legislador
brasileiro adotou esse procedimento na Lei nº 7.064, de 6 dez. 1982, assim como
fez o legislador europeu por ocasião do Regulamento (CE) nº 593/2008 do
Parlamento Europeu e do Conselho da União Europeia (UE, 2008)35.
A opção de se constituir presunções de proximidade se justifica por
três objetivos essenciais: (i) elas oferecem um ponto de partida para o trabalho
de investigação da conexão mais estreita da questão concreta com as múltiplas
35 É certo, no entanto, que ambos os legisladores veicularam suas presunções sob a forma de regras aparentemente rígidas. Nesse ponto, o legislador europeu foi muito mais hábil que o brasileiro, pois deixou claro que as regras-presunções estabelecidas no Regulamento (CE) nº 593/2008 devem ser afastadas no exame, in concreto, da conexão mais estreita, enquanto a lei brasileira exige maior esforço hermenêutico para identificar tal possibilidade.
153
ordens jurídicas que se oferecem a regê-la, no caso, com as múltiplas normas
coletivas que se habilitam a incidir sobre a relação de trabalho; (ii) as presunções
permitem que o juiz solucione a causa mesmo quando não for possível identificar
concretamente a conexão mais íntima da situação jurídica com uma ordem
normativa específica, além de se apresentar como diretriz inicial para a
organização e a distribuição do ônus probatório entre os litigantes; (iii) o Direito
do Trabalho dos tribunais brasileiros possui tendência a se acomodar em
fórmulas simplificadas, sendo comum que questões jurídicas complexas acabem
sendo reduzidas a enunciados curtos e que assumem – equivocadamente, vale
dizer – o status de regras absolutas; em um ambiente em que teses jurídicas são
acomodadas em um único parágrafo, é conveniente não deixar espaços abertos
para pensamentos que se comportam como axiomas; as presunções preenchem
tal espaço.
Colocadas tais considerações, a pesquisa pode avançar e partir para
a investigação de possíveis presunções de proximidade. Não é demais repetir:
são apenas juízos construídos a partir de um exercício intelectual, portanto, são
conceitos hipotéticos e apriorísticos. Há total abertura para que o juiz, no exame
do caso concreto, identifique que a relação de emprego apresenta uma conexão
mais estreita com normas coletivas diversas daquelas sugeridas em nossas
presunções e afaste a aplicação dessas. Há, igualmente, espaço para que tais
presunções não resistam a futuro teste empírico ou à eventual contradita por
parte da proficiente doutrina brasileira; em um ou outro caso teremos absoluta
tranquilidade para rever nossos juízos. É com tal advertência que prosseguimos
o trabalho.
3.4.1 Presunção geral de proximidade.
Algumas relações de emprego, provavelmente a maior parte delas,
são constituídas e integralmente realizadas em um único local. Como contratos
estáticos, que não se movimentam entre espaços ocupados por diferentes normas
coletivas, o problema do conflito espacial de diferentes normas convencionais
154
parece não existir. Tal aparência, no entanto, não corresponde à realidade;
mesmo em relação aos contratos com perenidade territorial, o conflito
intersistemático de normas coletivas pode se apresentar.
Tal colisão é visível, em primeiro lugar, nas empresas que
descentralizam suas atividades em múltiplos estabelecimentos locais, ocasião
em que surge o problema da norma coletiva a ser aplicada aos contratos de
trabalho executados em cada unidade empresarial. Referidos contratos possuem
conexão mais estreita com as normas coletivas em vigor no local da constituição
do contrato e execução dos serviços – aqui supondo que ambos coincidam – ou
com as normas convencionais em vigor no local em que a empresa mantém a sua
unidade administrativa central, sua matriz?
Adiciona-se ao problema a hipótese do trabalhador ter sido
contratado no estabelecimento matriz e designado para trabalhar de forma
exclusiva em estabelecimento situado em outro lugar. Nesse caso, o contrato
manteria um relacionamento mais íntimo com o local de sua constituição ou com
o local de execução das atividades?
No capítulo anterior, foram tecidas algumas considerações sobre a
adoção da lex loci contractus como elemento de conexão aplicável aos contratos
de trabalho internacionais, ocasião em que se discutiu incidentalmente a
aplicação da sede do empregador como conectivo da relação de emprego à lei
(vide seção 2.4.1.1). Todas as críticas anteriormente feitas à adoção desses
elementos de conexão estáticos devem ser consideradas integralmente repetidas
neste espaço.
No entanto, a proposta neste momento vai um pouco além:
identificar com qual instrumento de contratação coletiva a relação de emprego,
analisada em seus termos gerais, manteria um vínculo mais estreito. Nesse
recorte, três possibilidades de relacionamento mais íntimo se apresentam de
forma mais evidente: (i) com a norma coletiva do local em que o empregador
mantém a sua sede; (ii) com a do local da contratação; ou (iii) com os
155
documentos convencionais celebrados pelos sindicatos atuantes no local da
prestação de serviços.
Como visto anteriormente (seção 2.4.1.1), o Direito Internacional
Privado adota uma qualificadora universal que indica que o local de constituição
do contrato deve ser considerado o lugar do domicílio do proponente. Tal
qualificadora representaria, no âmbito das relações de emprego, que o local de
constituição do contrato coincidiria com a sede (domicílio) do empregador
(proponente). Na ocasião, rebatemos tal premissa, o que fizemos sob o
argumento de que, enquanto os contratos internacionais quase sempre são
celebrados entre ausentes, o que justificaria a ficção da qualificadora, os
contratos de trabalho são firmados pessoalmente, o que torna absolutamente
possível que estes sejam formalizados em um local totalmente diverso do lugar
em que o empregador mantém sua sede. Assim, para efeitos do estudo aqui
conduzido, consideraremos que o local de constituição do contrato não se
confunde com o endereço em que a empresa mantém sua matriz administrativa.
As normas coletivas de trabalho constituem um instrumento de
adaptação econômica da relação de emprego às realidades regionais, tão díspares
no Brasil. Uma recente pesquisa relata que, em 2014, o custo de vida no Distrito
Federal era 15% acima da média nacional, enquanto, no mesmo ano, o custo para
se viver em Fortaleza era 19% abaixo da média brasileira (ALMEIDA e
AZZONI, 2016). A pesquisa em questão se fixou apenas nas regiões
metropolitanas brasileiras; se tivesse rumado para as pequenas cidades do País,
provavelmente os seus números seriam ainda mais distantes.
As negociações coletivas de trabalho promovem o ajuste das
condições econômicas do contrato de trabalho com o contexto regional; basta
ver que a pauta de reivindicação dos trabalhadores nesses instrumentos costuma
incluir questões como pisos remuneratórios e benefícios diretamente ligados ao
custo de vida local, caso dos subsídios para alimentação do trabalhador. Mais
adiante, demonstraremos um exemplo concreto desse fenômeno a partir do
resultado de negociações coletivas ocorridas em estados diferentes envolvendo
a mesma categoria profissional.
156
Os instrumentos de contratação coletiva realizam, ainda, a
adequação do contrato de trabalho às condições materiais concretas dos
trabalhadores e, principalmente, dos empregadores. Em períodos em que a
atividade econômica produz resultados favoráveis à empresa, a negociação
coletiva atua como um limitador da concentração de capital e fomentador da
melhoria do estado social dos trabalhadores: aumentos salariais reais, benefícios
desvinculados da remuneração e participação nos lucros e resultados são
exemplos de questões que entram em pauta. Por outro lado, nos períodos em que
a atividade econômica sofre retração, a convenção e o acordo coletivo de
trabalho atuam como instrumentos de preservação da atividade empresarial e
proteção dos contratos de trabalho: redução de salários, redução de jornadas,
suspensão dos contratos de trabalho e programas de demissão voluntária passam
a protagonizar as rodadas de negociação.
Por fim, a unicidade sindical e o regime de definição legal de
categoria, adotados no Brasil, fazem com que os efeitos de uma negociação
coletiva atinjam indistintamente todo o corpo de trabalhadores de um mesmo
estabelecimento empresarial36. Essa homogeneidade jurídica também vem se
desenvolvendo, porém de forma espontânea, nos países que reconhecem a
democrática pluralidade sindical; neles, a unidade da negociação coletiva tem
resultado da vontade dos parceiros sociais em construir um marco legal único
aos trabalhadores inseridos no mesmo contexto fático37. O valor social da
igualdade e a proscrição de uma possível concorrência em termos de custos de
mão-de-obra são razões que poderiam justificar a busca por essa coesão. Disso
resulta que – no Brasil por imposição legal, no exterior por vontade – a
negociação coletiva vem promovendo a construção de um ambiente regulatório
uniforme, aplicável aos trabalhadores que compartilham o mesmo meio
profissional.
36 Evidentemente ressalvadas, por constituírem exceção, as chamadas categorias profissionais diferenciadas. 37 Como exemplo desse movimento de unidade negocial, podemos citar recente acordo coletivo de trabalho firmado em Lisboa entre as empresas do grupo Portugal Telecom e 15 entidades sindicais que atuam em mesmo âmbito territorial, porém representando massas diferentes de trabalhadores (PORTUGAL, 2016).
157
Como dito em linhas passadas, o princípio da proximidade constitui
uma abordagem valorativa e finalística que direciona o juiz à aplicação da lei
mais adequada, mais apta, mais próxima dos fatos e das partes, mais intimamente
ligada à questão concreta. Tal premissa exige que o teste de proximidade tenha
como paradigma a identificação da lei que melhor alcance os objetivos e as
funções da negociação coletiva acima citados (outros poderiam ser incluídos):
(i) o ajuste das condições econômicas do contrato de trabalho ao custo de vida
regional; (ii) a adaptação do contrato de trabalho às condições materiais reais das
partes; e (iii) a constituição de um ambiente regulatório uniforme aos
trabalhadores que se ombreiam diariamente.
Existem, como dito, três conjuntos normativos que se apresentam
como mais habilitados à regência das relações de emprego estáticas: (i) o do
local em que o empregador mantém a sua sede; (ii) do local da contratação; ou
(iii) do local da prestação de serviços38.
O local da contratação constitui um ponto estático no espaço e no
tempo; é o lugar onde um fato específico ocorreu e que não será alterado jamais.
Como consequência, a regulação normativa da relação de emprego ficaria
definitivamente sob a tutela do sindicato cuja base territorial coincide com o
lugar de celebração do contrato de trabalho. A adoção de elementos de conexão
imutáveis para determinar a lei aplicável a contratos dinâmicos, como é o caso
do contrato de trabalho, constitui um equívoco já evidenciado anteriormente e
que o princípio da proximidade visa superar. Não bastasse, a regência do
contrato de trabalho poderia ficar a cargo de entidades coletivas que têm bases
territoriais em local totalmente diverso daquele em que o contrato se desenvolve
e as partes mantêm seus domicílios, o que ocorreria em caso de transferência do
estabelecimento empresarial. Por fim, o local da contratação pode não ter sido
38 A possibilidade de adoção da norma coletiva escolhida pelas partes (autonomia da vontade) não é cogitada ante as incontornáveis restrições à liberdade sindical imposta pelo nosso modelo de organização dos entes coletivos de representação dos trabalhadores. A adoção do domicílio ou residência pessoal do trabalhador fica afastada pelas razões expostas na seção 2.4.1.3.
158
igual para todos os trabalhadores, o que implicaria a adoção de normas coletivas
diferentes para empregados inseridos no mesmo contexto profissional.
A adoção das normas coletivas do local em que o empregador
mantém a sua sede administrativa supera dois problemas apresentados pela lei
do local da contratação; o primeiro, não haveria a perpetuação do ponto de
ancoragem legal do contrato de trabalho, pois ele se movimentaria no espaço
seguindo o endereço da matriz da empresa; o segundo, todos os trabalhadores da
empresa estariam submetidos à mesma ordem jurídica, não havendo tratamento
diferenciado para nenhum empregado. Entretanto, a vinculação do contrato de
trabalho à lei do empregador impõe alguns desafios.
A localização da sede ou matriz de uma empresa nem sempre é uma
tarefa simples, notadamente nas organizações que descentralizam não apenas as
suas operações, mas também as suas atividades administrativas. Tal problema,
de todo modo, perde relevância quando se leva em consideração que a simples
mudança da sede da empresa alteraria todo o ambiente regulatório do contrato
de trabalho, inclusive daqueles celebrados e executados nos demais
estabelecimentos da companhia, situados em outras cidades e estados. A
alteração da norma coletiva que rege os contratos de trabalho pela simples
mudança do domicílio jurídico do empregador, sem qualquer alteração no
contrato-realidade, não parece uma medida razoável. Em uma situação-limite,
permitiria que o empregador, de forma deliberada, transferisse sua sede para um
local em que a regulação normativa se lhe apresentasse como mais favorável –
o que, por correspondência, significaria um ambiente normativo menos benéfico
aos trabalhadores. Como afirmou João Leal Amado (2009, p. 25), em relação à
globalização, mas que aqui se encaixa com perfeição, isso representaria não
apenas o triunfo das leis do mercado, mas também o reconhecimento de um
mercado das leis.
Não bastassem todos esses aspectos, a adoção da lei do empregador,
assim como a do local da contratação, implicaria a adoção de normas coletivas
formalizadas por sindicatos que têm suas bases territoriais em local
absolutamente distinto daquele em que se desenvolve a relação de emprego e
159
que serve como referência para o problema da adequação das bases econômicas
do contrato de trabalho ao custo de vida regional. É razoável supor que um
sindicato seja capaz de conhecer de forma mais precisa a realidade
socioeconômica de sua base territorial do que a de outras regiões do País. Nesse
único aspecto, a proximidade geográfica se vincula com a ideia de conexão mais
estreita.
A adoção das normas coletivas do lugar em que o trabalhador exerce
as suas atividades parece transpor tais problemas. É um critério dinâmico que
acompanha a evolução e o desenvolvimento da relação de emprego, uniformiza
a regulação dos contratos de trabalho desenvolvidos em um mesmo contexto
fático e adere o vínculo às normas celebradas pelos sindicatos locais, que
acompanham de forma mais próxima os fatos e a realidade circundantes da
prestação de serviços.
Seria possível dizer, ainda, que a lei do lugar da prestação de serviços
teria o mérito de vincular o contrato de trabalho às normas coletivas constituídas
pelos sindicatos que representam as duas partes da relação de emprego,
diferentemente do que ocorreria com as possibilidades anteriores, que poderiam
associar o contrato apenas ao sindicato que representa os interesses do
empregador (lei da sede da empresa), já que o trabalhador de uma filial situada
em outra cidade não seria representado pelo sindicato de trabalhadores do lugar
da matriz. Pensamos, todavia, que tal afirmação não é verdadeira, apesar de
reconhecermos que ela está bastante consolidada no pensamento jurídico
brasileiro. Como já defendido neste trabalho, a categoria profissional ou
econômica constitui um ente difuso, que não se limita a espaços geográficos
delimitados; as chamadas bases territoriais dizem respeito apenas à organização
das entidades sindicais e não à categoria. Os sindicatos podem dividir entre si o
território nacional, mas atuam em nome de um grupo uno de trabalhadores que
se espraia por todo o País. Disso decorre que o sindicato representa toda a
categoria e, portanto, todos os trabalhadores que a integram, estejam onde
estiverem.
160
De toda sorte, embora o Brasil possua sindicatos de grupos e não
sindicatos de massas, não existindo entre os seus integrantes o elemento
aglutinador específico de que falamos no primeiro capítulo, é fato que as
entidades de defesa dos interesses de empregados e de empregadores são
integradas por indivíduos que fazem parte do corpo coletivo representado, sendo,
portanto, inevitável reconhecer que, em alguma medida ,existe uma
identificação, talvez se poderia falar até em affectio, entre os integrantes do
sindicato e a base de trabalhadores e de empresas. É inegável que o trabalhador
possui uma ligação mais estreita com o sindicato dirigido e composto por colegas
de trabalho que ele próprio elegeu do que com um sindicato cuja diretoria é
desconhecida e que foi conduzida a tal posição sem que ele pudesse opinar.
Observadas todas essas questões, é inevitável presumir que a relação
de emprego estática - aquela cuja execução ocorre junto a um único
estabelecimento da empresa – possui um relacionamento mais íntimo com as
normas coletivas celebradas pelos sindicatos cuja base territorial compreende o
lugar em que ocorre o desempenho da obrigação característica do contrato de
trabalho: o local em que o trabalhador realiza normalmente a prestação de
serviços.
Reconhecemos que tal afirmação decepcionou o obstinado leitor que
chegou até este ponto. De fato, a presunção de proximidade com as normas
coletivas do local da prestação de serviços parece não representar nada de novo,
sugerindo que foi quebrada a promessa de que as normas coletivas possuiriam
uma carga eficacial que transcenderia as bases territoriais dos sindicatos que a
celebraram. Em nossa defesa, pedimos apenas que o leitor seja paciente e
prossiga a leitura das páginas que restam neste relatório.
Acima, cogitamos que o contrato de trabalho possui uma conexão
mais estreita com as normas coletivas do local em que o trabalhador
normalmente realiza a prestação de serviços. O advérbio normalmente é
empregado como referente ao fato que ocorre de maneira habitual, usual,
ordinária, tendo como contraposto o que ocorre de forma acidental, eventual,
meramente ocasional.
161
Essa ideia de constância, de permanência, já foi objeto de algumas
reflexões. Um trabalhador que atua na cidade de São Paulo, por exemplo, é
designado pela empresa para realizar uma atividade específica, com duração de
apenas um dia, na cidade do Rio de Janeiro, localidade que compõe a base
territorial de outro sindicato. O fato de ter trabalhado um único dia na cidade do
Rio de Janeiro alteraria a conexão do seu contrato de trabalho com as normas
coletivas da cidade de São Paulo? A simples realização de uma atividade em um
determinado lugar é um fato que, por si, é suficiente para atrair toda a regulação
normativa da relação de emprego para ele?
A proximidade a que se refere o princípio homônimo, como já
dissemos, não pode ser confundida com aproximação física, espacial,
geográfica; de forma absolutamente distinta, ela está relacionada à noção de
adequação, pertinência, coerência, de norma mais estreitamente conectada com
o fato concreto. Nesse sentido, é evidente que um fato isolado – no caso, o
simples fato de executar uma atividade em outro local – não é suficiente para
definir o vínculo mais estreito. É necessário ir além dessa ideia, investigando-se
as demais características da relação jurídica – o ponto no território em que o
trabalho é executado é apenas uma delas.
Tal como assinalado anteriormente, a Convenção de Roma (CEE,
1980) adota exatamente tal premissa ao veicular a presunção de que o contrato
de trabalho possui conexão mais estreita com a “lei do país em que o trabalhador,
no cumprimento do contrato, presta habitualmente o seu trabalho, mesmo que
tenha sido destacado temporariamente para outro país” (art. 6º, 2). Como parece
claro, a Convenção adota a presunção de que a mera prestação de serviços
realizada de forma acidental em outro local não é capaz de alterar os vínculos
que tornam a relação jurídica mais próxima da ordem normativa original. A
prestação de serviços é executada em outro local, mas o contrato de trabalho
continua gravitacionando o seu ponto inicial.
O Regulamento (CE) nº 593/2008 do Parlamento Europeu e do
Conselho da União Europeia (UE, 2008) confirma essa mesma presunção. A
norma comunitária dita que o contrato de trabalho será “regulado pela lei do país
162
em que o trabalhador presta habitualmente o seu trabalho” e, em
complementação, esclarece que “não se considera que o país onde o trabalhador
presta habitualmente o seu trabalho mude quando o trabalhador estiver
temporariamente empregado noutro país” (art. 8º).
A Diretiva nº 97/71/CE do Parlamento Europeu e do Conselho da
União Europeia (UE, 1997) não se põe como exceção. O documento estabelece
que algumas de suas disposições poderão não ser aplicadas pelos Estados-
membros nos casos de destacamentos de curta duração (art. 3º, 2, 3 e 4).
Entre nós, a Lei nº 7.064, de 6 dez. 1982, também adota tal
presunção. Referida norma, que regula as obrigações decorrentes de
transferência de um trabalhador do Brasil para o exterior, estabelece que suas
disposições não serão aplicadas na hipótese de destacamento para a realização
de “serviços de natureza transitória”, definindo-o como aquele que venha a
ocorrer “por período não superior a 90 (noventa) dias” (art. 1º, § único). Para a
lei em referência, o destacamento de um trabalhador por até 90 dias constitui um
fato meramente ocasional e que não altera a regulação do contrato de trabalho,
que permanece sob a custódia da lei brasileira.
Os diplomas normativos acima citados convergem entre si nas
seguintes premissas: (i) presume-se que o contrato de trabalho possua conexão
mais estreita com a lei do país em que o trabalhador realiza normalmente a sua
prestação pessoal de serviços; (ii) a realização de atividades em outro país não é
fato suficiente para, por si, aproximar a relação de emprego à sua ordem jurídica;
e, (iii) o pêndulo de proximidade somente será atraído para a lei do país de
destacamento quando nele passar a ocorrer a prestação normal de serviços.
Parece inevitável reconhecer que tais presunções também se fazem
presentes em âmbito infranacional e diante do problema da adesão do contrato
de trabalho às normas coletivas de trabalho. Já dissemos repetidas vezes que não
é possível imaginar que a prestação de serviços meramente pontual e efêmera
em outro local atraia toda a regulação convencional do contrato de trabalho para
esse lugar. Há, nessa afirmação, uma ideia de permanência, motivo pelo qual
163
suscitamos a presunção de que o contrato de trabalho possua conexão mais
estreita com as normas coletivas do local em que o trabalhador realiza
normalmente a prestação de serviços.
Páginas atrás, na já distante seção 2.4.1.3, tecemos algumas
reflexões sobre o instituto jurídico do domicílio. Naquela ocasião, verificamos
as distinções existentes entre as noções de habitação, residência e domicílio;
observamos que o Código Civil reconhece o domicílio pessoal e o domicílio
profissional da pessoa como situações não necessariamente coincidentes e
estabelece que as questões relacionadas ao exercício da profissão observarão
exclusivamente esse último; e propusemos que as distinções entre habitação,
residência e domicílio devam ser transportadas, mutatis mutandis, para o
conceito de domicílio profissional. A partir dessas considerações, fizemos uma
correlação entre os conceitos de habitação, residência e domicílio e as
disposições da Lei nº 7.064, de 6 dez. 1982, ocasião em que afirmamos que essa
estabelece que as obrigações derivadas do contrato de trabalho são regidas pela
lei do local do domicílio profissional do trabalhador, o qual não se consideraria
como alterado nos destacamentos por prazo não superior a 90 dias.
Posteriormente, verificamos que a lei em questão nada mais faz do que aplicar o
princípio da proximidade, veiculando a presunção de que a relação de emprego
mantém um relacionamento mais íntimo com as normas em vigor no domicílio
profissional do trabalhador.
A presunção de relacionamento mais íntimo do contrato de trabalho
com as normas coletivas do local em que ocorre a prestação normal de serviços
deve ser conciliada com ideia de domicílio profissional, tal como parece contido
no programa da Lei nº 7.064, de 6 dez. 1982.
O local da prestação normal de serviços corresponde a um dado
objetivo, identificável pela simples observação da dinâmica da relação de
emprego; se fizéssemos um paralelo com os institutos de Direito Civil, ele
equivaleria à residência do contrato de trabalho. Já o domicílio profissional
envolve um elemento adicional, o mesmo exigido para a configuração de
domicílio civil, que corresponde à intenção de permanência, de fixação em
164
caráter definitivo. O domicílio profissional, com efeito, é o local em que o
trabalhador normalmente realiza as suas atividades com ânimo de
definitividade39.
Não podemos deixar de realizar algumas advertências absolutamente
necessárias. A primeira delas é que o emprego do conceito de domicílio
profissional, em hipótese alguma, deve ser confundido com um retorno aos
elementos de conexão estáticos, tão combatidos ao longo do presente trabalho e
superados, definitivamente, pelo princípio da proximidade. A expressão
domicílio carrega, em si, um sentido de permanência, perenidade, definitividade,
que poderia ser inconscientemente transportado ao problema da vinculação do
contrato de trabalho às normas coletivas. A segunda advertência é que a
expressão domicílio não pode ser interpretada sob o cânone dos elementos de
conexão estáticos, ou seja, como algo absoluto. Como veremos adiante, o
destacamento interno do trabalhador poderá modificar a presunção de conexão
mais estreita do contrato de trabalho em alguns de seus aspectos, ainda que o seu
domicílio profissional não seja alterado.
Com efeito, é possível organizar uma presunção geral de
proximidade no seguinte enunciado:
39 O Código Civil dispõe que, em relação às questões concernentes à profissão, considera-se domicílio da pessoa o lugar onde aquela é exercida (art. 72). Uma leitura açodada pode levar à conclusão de que o elemento intencional, o animus manendi, não é exigido para a definição de domicílio profissional, tal como se exige para a qualificação do domicílio civil. Pensamos que tal interpretação não encontra amparo nem mesmo no texto legal. O Código Civil, inicialmente, define o domicílio da pessoa natural como sendo o “lugar onde ela estabelece a sua residência com ânimo definitivo” (art. 70). Posteriormente, refere que, para as questões profissionais, o domicílio da pessoa natural é o local onde ela exerce sua profissão (art. 72). O Código Civil, como se vê, trata do mesmo instituto jurídico – o domicílio da pessoa natural; a denominação domicilio profissional, como dito anteriormente, foi cunhada pela doutrina. Pensamos que não é possível compreender adequadamente um instituto jurídico, qualquer que seja ele, analisando as suas correspondentes disposições legais de maneira fragmentada; ao contrário, é necessário que o intérprete analise a legislação pertinente de forma conjunta, integrada, em um conjunto harmônico e que se completa em cada dispositivo. A partir desse método hermenêutico, conseguimos extrair do texto legal a seguinte norma: o domicílio da pessoa natural é composto pela conjunção de um fato objetivo (a residência) e um fato subjetivo (animus manendi); para as questões relativas à profissão da pessoa, altera-se apenas o elemento objetivo, que passa a ser o local onde aquela é exercida, mantendo-se o elemento subjetivo original. Pensar de forma diferente implicaria considerar-se como domicílio profissional qualquer lugar onde a pessoa venha a exercer a sua profissão, ainda que em caráter precário, eventual ou acidental. A noção de domicílio não se conforma com a ideia de volatilidade, inconstância e instabilidade.
165
Presume-se que o contrato de trabalho possua conexão mais estreita
com as normas coletivas celebradas entre os sindicatos atuantes no
lugar do domicílio profissional do trabalhador, ainda que ele tenha
sido contratado em outro local.
Duas advertências são necessárias. A presunção enunciada acima se
aplica apenas aos contratos de trabalho executados junto a estabelecimento do
empregador. Os contratos executados na residência do trabalhador, por meio
telemático, ou naqueles em que o trabalhador realiza atividades exclusivamente
externas podem manter vínculos de proximidade distintos, como será visto
adiante.
A segunda advertência é que a presunção acima é válida apenas na
ausência de outros fatos capazes de alterar o equilíbrio do pêndulo da
proximidade. Um desses fatos é o destacamento do trabalhador para a realização
de atividades em outro local, ainda que por tempo insuficiente para que se
considere alterado o lugar onde ocorre a habitual prestação de serviços. É esse o
ponto em que a eficácia ultraterritorial das normas coletivas se mostrará visível.
Comecemos, então, pelo enfrentamento desse problema.
3.4.2 O problema dos destacamentos internos de trabalhadores.
Os contratos de trabalho executados por diferentes espaços, ou de
forma mais específica, por bases territoriais de sindicatos distintos, enfrentam de
maneira mais desafiadora o problema da regulação normativa a eles aplicável.
Enquanto nos contratos executados em um único local a bússola da proximidade
aponta para as normas coletivas vigentes no lugar do domicilio profissional do
trabalhador, nos contratos dinâmicos a agulha sofre a influência de novas forças,
exigindo algumas correções de rumo por parte daqueles que pretendam alcançar
um resultado coerente e justo.
166
Algumas páginas atrás, demos o exemplo de um trabalhador
destacado provisoriamente para um estabelecimento situado na base territorial
de outra entidade sindical que, em suas normas coletivas, não estipulou qualquer
cláusula obrigando a empresa ao pagamento de seguro-saúde, diferentemente do
previsto nas normas coletivas da cidade de origem. Incluímos nesse mesmo
exemplo outra variável: o valor do auxílio-alimentação, previsto nas normas
coletivas do local de destino, é superior ao que está previsto nas normas do local
de origem, o que decorre especificamente do mais elevado custo de vida nessa
localidade.
O exemplo serviu para demonstrar que não é possível aplicar ao
contrato de trabalho, nessa condição do exemplo, uma regra de conexão
universal. Se adotássemos as normas do local de destacamento, o trabalhador
passaria a receber um auxílio-alimentação maior, condizente com a realidade
econômica local; todavia, a empresa poderia cancelar o seu plano de saúde no
período, o que, além de eventual dano imediato, lhe causaria problemas em sua
futura reinserção no seguro, quando do seu retorno. Por outro lado, a manutenção
das normas do local de origem apenas inverteria a equação, ou seja, o trabalhador
não se alimentaria adequadamente no período do destacamento, porém manteria
seu plano de assistência médica.
O exemplo acima traduz uma situação que, independentemente da
norma coletiva que vier a ser adotada, a do local de origem ou a do local de
destino, o resultado final será sempre insatisfatório, incompleto, incoerente e,
portanto, injusto. Isso ocorre porque, como já dissemos, não é possível adotar
uma regra de conexão única para fenômenos fático-jurídicos compostos por
múltiplas situações específicas, como é o caso dos contratos de trabalho.
Essa incompletude no sistema das regas de conexão estáticas, como
visto anteriormente, foi corrigida pelo princípio da proximidade no ponto em
que ele assimila que os diferentes aspectos de um mesmo contrato possam ser
regidos por ordens jurídicas distintas, conforme com elas apresentem uma
conexão mais estreita. Assim, no caso do exemplo, seria possível realizar a
dépeçage dos diversos institutos envolvidos na relação de emprego e,
167
identificando-se o relacionamento mais íntimo de cada um desses aspectos,
vinculá-los às normas coletivas do local de origem ou do local de destino,
conforme a proximidade in concreto. Não haveria, portanto, a escolha de uma
única ordem convencional para reger a integralidade do contrato; ao contrário,
ambas incidiriam sobre a relação jurídica ao mesmo tempo, cada uma regulando
determinadas questões do vínculo obrigacional.
A alteração do local de execução do contrato de trabalho, em caráter
provisório, não é capaz de provocar a total ruptura dos vínculos da relação
jurídica com o local de origem; por outro lado, esse fato faz surgir novos laços
de afinidade do contrato, agora com o local de destacamento. Cria-se, então, uma
situação singular em que o contrato de trabalho passa a orbitar dois centros de
gravidade, aproximando-se de um ou de outo foco de atração conforme se
desenvolve. Uma solução geral, uma regra de conexão única, forçaria a relação
jurídica em direção a apenas um dos polos de gravidade, ignorando a força real
que é exercida pelo outro, implicando um resultado divorciado da realidade.
Assim, uma solução racional para p problema da conexão normativa
dos contratos de trabalho que se movimentam no espaço só pode ser obtida pela
aplicação do método da dépeçage, tal como orienta o princípio da proximidade.
Essa é a primeira premissa aqui adotada.
A segunda premissa talvez tangencie o óbvio: os destacamentos
internos, assim compreendidos como a designação do trabalhador para a
realização de atividades em localidade diversa daquela em que ele normalmente
executa suas atividades, podem assumir contornos diferentes, conforme exijam
maior ou menor tempo no local de destino, além de outras circunstâncias
subjetivas, tal como o ânimo de permanência definitiva no lugar.
De fato, é fácil perceber que o deslocamento de um trabalhador por
algumas horas para a realização de uma atividade pontual em outra cidade, por
exemplo, é um fato que possui contornos notavelmente diferentes do que teria o
seu destacamento por um período de meses ou a sua transferência definitiva para
outro lugar. No primeiro caso, é bastante provável que o contrato mantenha
168
intocados todos os seus vínculos de proximidade com o local de origem; no
segundo caso, é possível que algum desses vínculos passem a ser mais
fortemente atraídos pelas normas do lugar do destacamento; já no terceiro caso,
da transferência definitiva, é provável que todos os aspectos do contrato passem
a manter um relacionamento mais íntimo com as normas do local de destino.
Essa é a segunda premissa adotada nesta seção.
Por organização do trabalho, começaremos pelas distinções entre os
diversos tipos de destacamento.
3.4.2.1 Destacamentos transitórios.
A expressão destacamento vem sendo empregada desde o início do
presente relatório como referente ao simples ato de se designar o trabalhador
para executar atividades em local diverso do seu domicílio profissional.
Utilizamos destacamento para deixarmos claro que o ato em questão não se
confunde com a transferência retratada no art. 469 da CLT, esta que exige, para
sua configuração, um elemento adicional que, até o momento, não ganhou
interpretação uniforme por parte da jurisprudência e, pensamos, ainda não foi
adequadamente compreendido pela doutrina. De todo modo, as disposições
celetistas acerca da transferência de trabalhadores dizem respeito apenas à
licitude do ato em si e à exigibilidade do adicional remuneratório
correspondente. Tais institutos em nada influenciam a presente pesquisa, razão
pela qual ela passa ao largo do que está assentado no art. 469 da Lei Trabalhista.
Assim, para adequada compreensão do discurso, a expressão
destacamento deve ser compreendida como o simples ato do trabalhador exercer
suas atividades fora do seu domicílio profissional, independentemente de
qualquer outro elemento. A expressão transferência, quando empregada no
presente trabalho, deve ser entendida como mero sinônimo de destacamento e
também de designação.
169
Como visto anteriormente, a Lei nº 7.064, de 6 dez. 1982, afirma que
o destacamento do trabalhador por curto período, assim definido como o de até
90 dias (art. 1º, § único), é incapaz de alterar a presunção de relacionamento mais
íntimo do contrato de trabalho com a lei brasileira, que continuará a reger as
obrigações das partes no período.
A Diretiva 97/71/CE do Parlamento Europeu e do Conselho da
União Europeia (UE, 1997) também confere um tratamento diferenciado aos
destacamentos de curta duração, os quais poderão permanecer sob a regência da
lei do local de origem. A Diretiva, no entanto, adotou critérios temporais
distintos para qualificar esses breves deslocamentos de trabalhadores, os quais,
conforme o caso, poderão ser oito dias (art. 3º, 2) ou um mês (art. 3º, 3 e 4).
Como já dissemos, a designação do trabalhador para a realização de
atividades em outro local, por algumas horas, por um dia inteiro ou até por alguns
dias, é um fato notavelmente distinto de um destacamento por período mais
prolongado. No primeiro caso, o trabalhador mantém os seus vínculos
profissionais com o estabelecimento de origem, assim como não sofre mudanças
significativas em sua vida pessoal. Já na hipótese de uma transferência, o
trabalhador muitas vezes passa a ter o seu contrato de trabalho dirigido pelo
estabelecimento de destino, além de ter sua rotina pessoal profundamente
alterada. É visível que o pêndulo da proximidade não se comporta da mesma
forma em um e outro caso.
Parece, portanto, bastante acertada a fórmula que orienta a se
conferir um tratamento diferenciado aos destacamentos de curtíssima duração.
Transportando o problema para as designações internas, a assimilação dessa
proposta se torna um verdadeiro imperativo de racionalidade, dado que os
deslocamentos de trabalhadores entre cidades diferentes – e, portanto, bases
territoriais distintas - é um fato cada vez mais comum.
Dissemos que se presume que o contrato de trabalho tenha um
relacionamento mais relevante com as normas coletivas do local do domicílio
profissional do trabalhador. A questão agora colocada é se o fato de o empregado
170
realizar suas atividades em outro local por um período muito curto – um único
dia, por exemplo - constitui elemento suficiente para alterar tal vínculo de
proximidade. A solução desse problema passa pela seguinte indagação: em um
destacamento de curtíssima duração, as normas do local de destino passam a
exercer uma força atrativa sobre o contrato, ou sobre partes dele, superior à força
exercida pelas normas do local de origem?
Pensamos que tal força parece não ter tamanha potência. Em
destacamentos de curta duração, como se disse, os vínculos pessoais e
profissionais do trabalhador não se alteram, não ocorrendo nada mais do que a
mudança do solo em que o trabalho é exercido. Em tais casos, o empregado
permanece vinculado ao estabelecimento de origem, de forma que sua atividade,
embora realizada em terreno diferente, se dirige ao mesmo núcleo
organizacional. A atividade continua se revertendo em proveito do mesmo
estabelecimento da empresa, porém apenas realizada em ambiente físico
diferente.
Pouco mais adiante, discutiremos o problema das cláusulas
convencionais que tratam de matérias diretamente vinculadas com o custo de
vida regional, ocasião em que defenderemos que tais aspectos do contrato de
trabalho mantêm, em presunção, um relacionamento mais estreito com as
normas coletivas vigentes no local de destacamento. Nesse cenário, é possível
indagar se tal efeito também não se aplicaria aos destacamentos transitórios a
que nos referimos nesta seção.
Nos destacamentos de curta duração, as diferentes realidades
regionais e suas consequências financeiras não projetam efeitos tão
significativos sobre o patamar social do trabalhador; diferentemente do que
ocorre com aqueles que permanecem por tempo mais dilatado em um
determinado ambiente socioeconômico. Entretanto, é válido reconhecer que
determinadas questões relacionadas ao custo de vida podem impactar a vida do
trabalhador mesmo em caso de um destacamento transitório - um exemplo já
trazido ao presente relatório é o das normas coletivas que dispõem sobre subsídio
171
para alimentação. Tais casos envolvem um delicado equilíbrio que merece
algumas reflexões.
Em primeiro lugar, convém recordar que estamos tratando de normas
originárias das negociações coletivas e que, portanto, apresentam-se como
arranjos obrigacionais que incrementam as disposições normativas estatais, estas
de ordem pública. Tal advertência é feita para que argumentos extraídos da
Teoria dos Direitos Fundamentais não sejam opostos ao exemplo do subsídio
para alimentação. Importante deixar claro: não temos dúvidas da relevância que
uma adequada alimentação durante a prestação laboral tem para o trabalhador; o
que estamos dizendo é apenas que o Direito brasileiro não reconhece tal posição
jurídica como fundamental, tanto que não há lei que a imponha aos
empregadores.
A segunda observação é de ordem empírica. Impor ao empregador a
obrigação de pagar vantagens convencionais do local de destino, em casos de
destacamentos de curtíssima duração, representaria adotar um modelo sem
qualquer coesão com a realidade das relações de emprego e que, provavelmente,
teria o mesmo desfecho que encontram as exigências impossíveis. Aliás, é
exatamente o que se vê nesses tempos em que o mito da territorialidade das
normas coletivas permanece vivo no pensamento jurídico. E isso ocorre,
pensamos, porque uma proposta dessa natureza não se revestiria de
razoabilidade e nem de racionalidade. Se um trabalhador percorrer em um único
dia três cidades adjacentes, por exemplo, cada uma dispondo de regulação
normativa própria sobre auxílio para refeição, como ficaria o cálculo da parcela?
E como ficariam as questões que não adotam base de cálculo diária, tais como
pisos salariais e fornecimento de cestas básicas? E se a empresa possuir um
grande contingente de trabalhadores nessa situação? É bastante provável que
uma modulação que obrigue o empregador ao pagamento de tais vantagens,
mesmo proporcionalmente, seja simplesmente descumprida, talvez não por
locupletamento, mas em função da complexidade e dos custos em implementá-
la.
172
Pensamos, então, que a coerência e a racionalidade – ambas forças
que operam e interferem no largo espectro do princípio da proximidade –
reforçam a indicação de que o destacamento meramente transitório não altera a
presunção de que o contrato de trabalho, em todos os seus aspectos, possui
relacionamento mais estreito com as normas coletivas vigentes no domicílio
profissional do trabalhador. Assim constatado, é possível visualizar que a
contratação coletiva celebrada no local de origem produz efeitos que
transcendem a base territorial das entidades sindicais que a conduziram,
alcançando a prestação de serviços executada em qualquer lugar. O
destacamento transitório, portanto, deflagra e atrai a eficácia ultraterritorial das
normas coletivas vigentes no domicílio profissional do trabalhador.
Por reforço, vale recordar que, nos casos de destacamentos de curta
duração para o exterior (Lei nº 7.064, de 6 dez. 1982), o contrato de trabalho
permanece regido pelas normas estatais e convencionais vigentes no domicílio
profissional. Não haveria qualquer coerência propor que o destacamento para
uma cidade vizinha imponha a observação das normas coletivas do local de
destino.
O que, entretanto, qualificaria um destacamento como transitório?
Exaustivamente citada, a Lei nº 7.064, de 6 dez. 1982, o define como sendo
aquele cuja duração não exceda 90 dias. Já a Diretiva 97/71/CE do Parlamento
Europeu e do Conselho da União Europeia o estabelece em oito dias ou um mês,
conforme o caso. Qual critério estaria correto e qual deve ser observado em
relação aos deslocamentos internos?
Antes de examinar a questão mais a fundo, antecipamo-nos em
manifestar nossa adesão a eventuais objeções que se levantem contra a adoção
de critérios taxativos e, evidentemente, arbitrários. Propor algo desse tipo, após
tudo o que dissemos a respeito da abertura que o princípio da proximidade traz
para o sistema, seria uma contradição que equivaleria à renúncia de tudo o que
defendemos até agora. O que se pretende é apenas estabelecer mais um juízo
hipotético e apriorístico e que, portanto, só terá validade se as circunstâncias do
caso concreto o confirmarem. Trata-se de uma presunção relativa, e nada mais.
173
Os paradigmas normativos à disposição – a Lei nº 7.064, de 6 dez.
1982, e a Diretiva 97/71/CE da União Europeia – regulam situações fáticas
sensivelmente distintas. Enquanto a lei brasileira trata da transferência de um
trabalhador do Brasil para qualquer país do mundo, a diretiva europeia dispõe,
exclusivamente, sobre os deslocamentos realizados em âmbito interno daquele
espaço comunitário. A diferença resultante é significativa. A União Europeia
constitui um mercado econômico único, fundado na liberdade de
estabelecimento e de prestação de serviços e na livre circulação de mercadorias,
de capitais e de trabalhadores. Tal contexto promove a difusão das atividades
empresariais por todo o bloco e, como consequência, um intenso fluxo de
deslocamentos internos de trabalhadores, muitas vezes designados para a
realização de atividades pontuais em outro local. É notável, ainda, que os
destacamentos regulados pela Diretiva 97/71/CE da União Europeia limitam-se
a uma área geográfica que corresponde, aproximadamente, à metade do território
brasileiro e ocorrem entre países que possuem marcos regulatórios comuns em
relação a diversas matérias.
Os destacamentos internos de trabalhadores no Brasil possuem mais
semelhança com os contornos fáticos que cercam as transferências tuteladas pela
Diretiva 97/71/CE da União Europeia do que com as designações ao exterior
reguladas na Lei nº 7.064, de 6 dez. 1982. Nessa condição, a diretiva europeia
se apresenta como um referencial normativo mais próximo ao problema da
qualificação de um destacamento como transitório.
Em conformidade com o que já dissemos, a Diretiva 97/71/CE da
União Europeia dispõe que os trabalhadores destacados para outro país do bloco,
por curto período, poderão ter os seus contratos de trabalho mantidos sob a
regência da lei do país de origem em determinadas hipóteses; para algumas delas,
a diretiva europeia assinala um período de destacamento máximo de oito dias
para que o contrato permaneça sob a regência da lei de origem; para outras, o
prazo máximo é estendido para 30 dias.
Em nosso sentir, não é possível adotar o período de 30 dias para que
um destacamento interno seja presumido como meramente transitório.
174
Conforme será observado em seguida, existem cláusulas convencionais que
dispõem sobre benefícios cujos valores estão atrelados às variações do custo de
vida regional. Um destacamento de 30 dias, pensamos, parece suficiente para
submeter o trabalhador aos impactos das variantes econômicas locais em relação
a algumas matérias – o subsídio alimentar é a mais evidente. Nessa situação,
parece que o contrato de trabalho acaba adquirindo uma proximidade maior, em
relação a tais aspectos, com as normas do local de destino. Esse assunto será
debatido de forma mais detida pouco adiante.
O período de oito dias, previsto no art. 3º, 2, da Diretiva 97/71/CE
da União Europeia, pode ser adotado como um norte para a presunção ora
investigada. É um intervalo que, por um lado, parece ser insuficiente para a
formação de vínculos de proximidade entre o contrato de trabalho e o local de
destino; por outro, não é demasiado a ponto de fazer o trabalhador sofrer de
forma significativa os efeitos de eventuais diferenças econômicas regionais. É
certo que todo critério numérico, em alguma medida, é resultado de
arbitrariedade. Entretanto, vale repetir mais uma vez, o que se propõe neste
momento é apenas a constituição de uma presunção iuris tantum e não a
consolidação de uma regra absoluta. Entre se adotar um número arbitrário,
extraído dos juízos valorativos do pesquisador, parece ser mais acertado utilizar
um número igualmente arbitrário, porém objeto de consenso pelo Parlamento
Europeu e pelo Conselho da União Europeia.
Assim, alcança-se a segunda presunção de proximidade dos
contratos de trabalho às normas coletivas de trabalho:
O destacamento meramente transitório não altera a presunção de
conexão mais estreita do contrato de trabalho com as normas
coletivas vigentes no domicílio profissional do trabalhador, as quais
se mantêm aplicáveis no período sobre todos os aspectos da relação
de emprego. Presume-se como transitório o destacamento do
trabalhador para execução de serviços em local diverso do seu
domicílio profissional por período não superior a oito dias, por
175
aplicação analógica do art. 3º, 2, da Diretiva 97/71/CE do
Parlamento Europeu e do Conselho da União Europeia.
3.4.2.2 Destacamentos provisórios.
Seguindo nossa proposta de sistematização, o destacamento
provisório é aquele que mantém o trabalhador em local diverso do seu domicílio
profissional por um período maior, suficiente para que o contrato passe a nutrir
vínculos com o lugar de destino, porém sem romper todas as suas conexões com
a localidade de origem. De uma forma mais simples, o destacamento provisório
é aquele que não se afigura como meramente transitório e nem implica a
alteração do domicílio profissional do trabalhador.
A definição acima já revela uma direção. No destacamento
provisório, por não haver a mudança do domicílio profissional, o trabalhador
mantém, em alguma medida, as suas relações profissionais e pessoais com o
local de origem. A provisoriedade da designação implica uma situação precária,
temporária, em que o retorno à localidade inicial é certo ou muito provável. Por
outro lado, o tempo de permanência no local de destino não é simplesmente
transitório; ao contrário, é suficiente para que o destacado sinta os efeitos do
ambiente socioeconômico local e os efeitos do contexto normativo lá vigente.
Exemplos anteriores demonstraram não ser possível, nos
destacamentos provisórios, submeter a integralidade do contrato de trabalho,
como um todo indivisível, à regência do conjunto normativo do local de destino
ou à regulação pelas normas coletivas do local de origem. Como dissemos,
somente pela aplicação do método da dépeçage, que integra o arsenal teórico do
princípio da proximidade, é que se pode obter uma solução racional para o
problema da norma coletiva aplicável aos contratos de emprego executados de
forma móvel no espaço. E tal método tem lugar especificamente nas
transferências provisórias, como se verá a seguir. Antes, porém, cabe consignar
tais premissas no seguinte enunciado:
176
O destacamento provisório, assim considerado aquele que não se
afigura como meramente transitório e nem implica a alteração do
domicílio profissional do trabalhador, atrai a aplicação do método da
dépeçage (fragmentação), a partir do qual diferentes aspectos do
contrato de trabalho podem se conectar com as normas coletivas do
local de origem ou com as normas do local de destacamento,
conforme apresentem com elas conexão mais estreita.
Assim, as presunções de proximidade devem ser identificadas a
partir do exame de cada aspecto do contrato de trabalho isoladamente
considerado.
Realizar tal trabalho no plano abstrato é tarefa bastante exigente. As
relações de emprego compreendem um largo complexo de situações fáticas,
econômicas e jurídicas, que dificilmente poderiam ser examinadas em um único
trabalho acadêmico. Além disso, muitas dessas questões não costumam ser
objeto das negociações coletivas de trabalho, motivo pelo qual o exame de cada
uma delas prestaria pouca ou nenhuma contribuição à solução do problema
central da pesquisa. Nesse cenário, propõe-se, como método de estudo, que a
análise das diversas questões inerentes ao contrato de trabalho seja feita a partir
das normas coletivas de trabalho, ou seja, adotar-se o vetor inverso: examinar as
disposições contidas nos instrumentos de contratação coletiva, identificar sobre
quais aspectos do contrato de trabalho elas se projetam e, então, identificar o
mais relevante relacionamento existente.
Ainda como método de trabalho, propõe-se que a análise das
disposições contidas em normas coletivas de trabalho não seja feita de maneira
individual, cláusula por cláusula, mas agrupando-as de acordo com a natureza
do objeto de sua regulação e dos seus efeitos. A análise individualizada de
cláusulas normativas, uma a uma, além de ser de difícil conclusão, afastaria
totalmente a pesquisa do alcance de uma sistematização geral para o problema
que ela enfrenta. Assim, examinaremos as famílias de normas coletivas de
trabalho, evitando casuísmos e situações singulares.
177
Por fim, vale recordar que a proposta é apenas identificar algumas
presunções de proximidade, jamais criar regras absolutas e estáticas. Os juízos
de proximidade aqui deduzidos, hipotéticos e apriorísticos, derivam
inequivocamente da experiência40. De fato, parece ser impossível afirmar que
um determinado aspecto da relação de emprego tenha uma conexão mais estreita
com esta ou com aquela norma coletiva de maneira totalmente independente da
experiência do pesquisador. É a partir da observação dos fatos que nossa
racionalidade produz esse tipo de conhecimento; método, aliás, próprio das
ciências humanas. E é justamente neste ponto que reside um problema. A base
empírica adotada em uma pesquisa pode facilmente se confundir com as
experiências subjetivas ou com a convicção pessoal do pesquisador, os quais
jamais poderiam justificar de forma válida um enunciado teórico (POPPER,
2013, p. 41).
Portanto, é necessário eliminar, tanto quanto possível, a influência
das experiências subjetivas e as convicções pessoais sobre o resultado do estudo.
Por não ser possível imunizar totalmente a pesquisa de tais influências,
adotaremos um método que garanta, pelo menos, algum grau de testabilidade às
presunções anunciadas no trabalho, de forma que o próprio leitor seja capaz de
submetê-las à prova e, ser for o caso, refutá-las com argumentos que, por sua
vez, também possam ser testados.
Nessa proposta, optamos por analisar apenas algumas das grandes
famílias de disposições normativas existentes em instrumentos de contratação
coletiva, escolhidas pelo critério de universalidade e difusão. De forma mais
40 As expressões apriorística e a priori foram empregadas no presente relatório apenas e tão somente para designar um juízo constituído de forma precedente ao exame do conflito real e concreto de normas coletivas no espaço. Trata-se, portanto, de uma dimensão exclusivamente temporal. Tal advertência é relevante porque Immanuel Kant, em sua Crítica da Razão Pura, emprega um sentido diverso para os que ele denomina juízos a priori. Segundo Kant, os juízos a priori derivam de um processo de conhecimento que é totalmente independente de toda e qualquer experiência, ao contrário dos juízos a posteriori, ou empíricos, que têm suas fontes na experimentação. Na Crítica, Kant investiga a forma como o conhecimento humano é produzido. Há, portanto, uma distinção clara: na presente pesquisa, a expressão a priori relaciona-se com o momento do juízo, enquanto na Crítica a mesma expressão está vinculada à forma do conhecimento. Se tendêssemos a classificar as presunções de proximidade identificadas no presente trabalho a partir da teoria kantiana, poderíamos dizer que elas constituem juízos sintéticos a posteriori.
178
objetiva: a pesquisa se concentrará apenas nos grupos de cláusulas
convencionais que figuram de maneira mais frequente nos documentos
derivados das negociações coletivas e desde que seja possível identificar, para o
respectivo grupo, atributos gerais de proximidade.
Disso resultará que uma determinada cláusula de uma norma
coletiva de trabalho poderá não encontrar, no corpo do presente trabalho, a sua
presunção de proximidade, conforme não se enquadre em nenhuma das grandes
famílias analisadas. Tal hipótese não representará um defeito da pesquisa, já que
esta, repetimos, não pretende criar regras de conexão universais e absolutas;
significará apenas que, em relação a tal aspecto da relação de emprego, não foi
possível desenvolver um juízo hipotético e apriorístico de proximidade de forma
dominantemente desvencilhada de nossas experiências e convicções pessoais ou
que, pelo menos, pudesse ser comprovado pela experimentação da maioria dos
leitores. O silêncio, algumas vezes, representa compromisso científico. Para tais
cláusulas, incidirá normalmente o princípio da proximidade, porém sem o apoio
de uma presunção que o direcione; apenas isso. E é bom que assim ocorra, pois
essa ausência servirá para reforçar a ideia de que todas as presunções aqui
ventiladas podem sucumbir ao exame do caso concreto, este sempre soberano.
3.4.2.2.1 Disposições convencionais que versam sobre padrões
econômicos e sociais e outras questões de aspecto
predominantemente comunitário.
É bastante frequente, e verdadeira, a afirmação de que o conflito do
qual emerge o instrumento de contratação coletiva envolve interesses de
natureza transindividual, cuja titularidade pertence ao corpo coletivo de
trabalhadores representados por uma entidade sindical. Embora não se
controverta que o trabalhador acabe se beneficiando pelas normas coletivas de
trabalho, é inequívoco que elas constituem um marco regulatório destinado a
reger a coletividade operária de um estabelecimento empresarial ou de uma
179
categoria profissional. A norma coletiva, portanto, se dirige ao grupo e não ao
trabalhador individualmente considerado.
Algumas disposições de normas coletivas de trabalho deixam clara
essa vocação ao disporem sobre situações fáticas que dizem respeito diretamente
à coletividade de trabalhadores. O exemplo mais óbvio são as cláusulas que
versam sobre participação nos lucros e resultados da empresa, as quais, embora
possam considerar critérios individuais de produtividade e eficiência, costumam
adotar como base de cálculo, e até condição para o pagamento da verba, os
produtos econômicos globais do estabelecimento. Desse modo, o benefício,
individualmente auferido pelo trabalhador, acaba sendo resultado também do
esforço de toda a coletividade que o circunda.
Em um destacamento provisório, o trabalhador é designado para
prestar serviços em outro local sem ânimo de permanência definitiva, daí por
que não há mudança em seu domicílio profissional. Em casos como esse, é
intuitivo supor que os serviços realizados na localidade de destino se revertam
em benefício econômico do estabelecimento de origem, ou seja, o trabalhador
executa atividades em lugar diferente, porém em prol da mesma unidade
empresarial. Ainda que no local de destacamento exista outra filial da empresa,
é bastante provável que a cessão temporária do trabalhador para essa não ocorra
de forma franca, desprovida de compensação direta ou indireta. Se tais
afirmações forem verdadeiras, então seria possível afirmar que a riqueza gerada
pelo trabalho individual integrou os resultados financeiros auferidos pelo
estabelecimento de origem.
A participação nos lucros e resultados provém de uma negociação
direta entre os interessados, seja por meio de comissão interna de representantes,
seja por acordo entre a empresa e o sindicato local. Mesmo as negociações
intercategoriais, celebradas por convenções coletivas de trabalho, costumam
contar com a participação dos empregadores, ainda que esta se limite ao
fornecimento de dados econômicos sobre os resultados das empresas. A
negociação, portanto, costuma refletir a realidade econômica da empresa ou de
um determinado grupo de empregadores.
180
O estabelecimento de origem, por meio de negociação coletiva41,
convenciona distribuir uma fatia dos lucros obtidos para os seus empregados.
Opera-se, então, outro momento de solidariedade entre os trabalhadores, uma
vez que o montante total destinado à distribuição é partilhado entre todos.
Independentemente da adoção de critérios individuais de resultados, o fato é que
o valor recebido por um trabalhador é deduzido do montante total, restando aos
demais a partilha do remanescente. A posição individual de um trabalhador,
portanto, acaba influenciando a posição dos demais.
O que se conjecturou até o momento já permite reconhecer a
existência de um relacionamento entre a participação nos lucros e resultados e
as normas coletivas do local de origem. A questão é saber se haveria um
relacionamento mais forte entre esse mesmo aspecto do contrato de trabalho e as
normas convencionais vigentes no local de destacamento. Testemos tal
possibilidade.
É bastante provável que a empresa ou o estabelecimento a que está
vinculado o trabalhador destacado não tenha participado do processo de
negociação da norma coletiva do local de destino. Nessa situação, a contratação
coletiva ignoraria dados concretos sobre os resultados operacionais da
companhia, o que a tornaria um produto desvinculado da realidade. Isso
produziria um desequilíbrio que poderia operar tanto em desfavor do trabalhador
como do empregador.
Suponhamos que as normas coletivas do local de destacamento
prevejam um valor, a título de participação nos lucros e resultados, menor do
que o previsto nas normas do local de origem. Seria razoável que o trabalhador
recebesse um valor inferior apenas porque parte da execução do contrato ocorreu
em outro local? O lugar de execução do contrato de trabalho constitui uma
variável absolutamente irrelevante para efeitos de participação nos lucros e
resultados; o que importa é o resultado operacional da empresa e não o lugar em
que o trabalhador estava quando produziu a riqueza que contribuiu para os lucros
41 Nesse ponto, compreendendo também a negociação por meio de comissão interna prevista no art. 2º, I, da Lei nº 10.101, de 19 dez. 2000.
181
do empregador. Ainda no exemplo dado, o trabalhador receberia um valor menor
que os seus colegas e isso, além de não ter qualquer justificativa concreta,
produziria um efeito adicional: haveria uma sobra no valor destinado
originalmente à distribuição que, ou seria repassado aos demais, ampliando a
diferença entre eles, ou seria embolsada pelo empregador, representando uma
violação do compromisso inicial assumido.
E os efeitos apenas se inverteriam caso as normas coletivas do local
de destacamento estabelecessem um valor maior do que o previsto nas normas
de origem. Haveria o pagamento de um valor superior ao recebido pelos demais
trabalhadores – o que poderia impactar os valores finais recebidos por estes –
sem qualquer justificativa ou razão concreta para tanto.
E se o trabalhador permaneceu em destacamento por apenas poucas
semanas durante o exercício financeiro ou, ainda, foi destacado provisoriamente
diversas vezes para locais distintos durante o período, como seria calculada ao
final sua participação nos lucros e resultados? E como explicar, de forma
racional, que ele terá um valor diferente dos demais colegas apenas porque, por
algumas semanas ao longo do ano, executou suas atividades em outro lugar? Não
parece razoável que obrigações tão relevantes quanto o direito à participação nos
lucros e resultados sejam regidas pelo acaso.
É possível reconhecer, portanto, que o direito à participação nos
lucros e resultados possui um relacionado mais íntimo com as normas coletivas
vigentes no local do domicílio profissional do trabalhador, as quais devem
produzir efeitos sobre a prestação de serviços executada em outro local, em
situação de destacamento provisório.
As cláusulas convencionais que versam sobre participação nos
lucros e resultados integram a família das disposições convencionais que versam
sobre padrões econômicos e sociais que se dirigem de forma mais específica ao
corpo coletivo de trabalhadores da empresa, regulando, portanto, direitos que
assumem aspecto predominantemente comunitário. Esse grupo de normas é,
182
provavelmente, o mais abrangente, devido à natural vocação da contratação
coletiva de ser o marco regulatório de um grupo ou de uma massa operária.
Páginas atrás, quando tratamos da ideia de aplicação da norma mais
favorável ao trabalhador, recorremos ao exemplo de um trabalhador da
construção civil que execute suas atividades nas cidades de São Paulo e Rio de
Janeiro e discutimos o problema do reajuste salarial que lhe seria aplicável. A
partir de uma representação tabular (Tabela 1, supra), observamos que, em um
mesmo ano, os reajustes salariais variaram significativamente entre as duas
cidades comparadas; todavia, constatamos que, se os mesmos dados forem
analisados em recorte temporal mais amplo, no caso foram sete anos, é possível
observar um reajuste total acumulado muito semelhante entre as duas capitais.
Não se trata de um caso isolado. A ocorrência desse mesmo
fenômeno se verifica também no âmbito de outras categorias profissionais.
Como ilustração, podemos citar os reajustes salariais aplicados aos trabalhadores
em empresas de processamento de dados das mesmas cidades (São Paulo e Rio
de Janeiro) e para o mesmo período de levantamento. Observa-se que,
comparando-se ano a ano, há uma oscilação significativa entre os valores
percentuais aplicados em uma e outra cidade; em 2015, os trabalhadores do Rio
de Janeiro tiveram um reajuste salarial 43,71% superior ao dos trabalhadores de
São Paulo. No entanto, se compararmos o reajuste acumulado nas duas capitais
ao longo de todo o período de comparação, 2010 a 2016, a diferença acaba sendo
ínfima: 67% (Rio de Janeiro) e 66,85% (São Paulo):
183
Esse exemplo confirma o que dissemos anteriormente: a negociação
coletiva é um fato político-social que não se esgota no momento em que o seu
instrumento de contratação é assinado; ao contrário, ela carrega de um ano para
os outros compromissos que são assumidos pelas partes e que vão sendo
cumpridos e acomodados no tempo. Tal como já dito, a negociação coletiva
possui uma memória que conserva reivindicações e promessas para o futuro.
O que dissemos a respeito da aplicação da norma mais favorável
também cabe com exatidão neste ponto da pesquisa: aplicar o reajuste salarial
previsto nas normas coletivas vigentes no local do destacamento provisório
implicaria adotar um reajuste salarial sem qualquer correspondência com as
contínuas tratativas negociais. Equivaleria a abdicar da real negociação coletiva
para adotar algo ficcional, resultado de uma contingência acidental, incerta,
aleatória.
Os exemplos tabulados referem-se apenas aos reajustes anuais de
salários, mas é possível afirmar que a mesma dinâmica negocial se aplica a
Ano Sindpd-RJSeprorj
(1)(%)
Sindpd-SPSeprosp
(2) (3)(%)
2010 6,00 6,00
2011 7,60 7,50
2012 6,70 7,50
2013 7,30 7,00
2014 7,00 7,50
2015 10,06 7,00
2016 8,60 10,67
Acumulado 67,00 66,85
Tabela 2 Reajustes salariais estipulados
em convenções coletivas de trabalho
pelas representações sindicais
indicadas ou em sentença normativa
Fonte: Sistema M ediador (M inistério do Trabalho e Emprego) e Justiça do Trabalho (TRT 2º Região)Notas: (1) Data-base em 1º de setembro (2) Data base em 1º de janeiro . (3) Os valores relativos a 2011 e 2014 foram fixados em sentença normativa.
184
outras questões econômicas da relação de emprego. É possível ir além e
reconhecer que não apenas as cláusulas econômicas, mas também as disposições
convencionais que versam sobre padrões sociais constituem posições jurídicas
que o corpo coletivo de trabalhadores conquistou gradativamente ao longo do
seu histórico de negociações coletivas.
O respeito a esse histórico, que reflete toda densidade e toda a
complexidade das negociações que polarizam os interesses do capital e do
trabalho, parece imantar os aspectos econômicos e sociais da relação de emprego
às normas coletivas do domicílio profissional do trabalhador, mesmo no período
em que este executar suas atividades em outro local, em uma situação de
destacamento provisório. Com efeito:
Presume-se que tenham conexão mais estreita com as normas
coletivas do domicílio profissional do trabalhador, devendo
permanecer por elas regidas, as cláusulas convencionas que versem
sobre padrões salariais, reflitam as conquistas sociais e disponham
sobre questões de aspecto predominantemente comunitário.
Incluem-se nesse grupo, mas não o limitam, as disposições
normativas relacionadas à data-base da categoria, ao reajuste anual
de salários, à participação nos lucros e resultados, às estabilidades e
proteções no emprego, às licenças de trabalho, às vantagens pessoais
vinculadas ao tempo de serviço e às obrigações rescisórias e seus
acessórios.
3.4.2.2.2 Benefícios convencionais atrelados ao custo de vida regional.
Dentro do grande grupo de normas convencionais tratado na seção
anterior, existe um subgrupo que, por uma condição específica, merece ser
examinado de forma destacada. O recorte ora proposto compreende as cláusulas
normativas que fixam vantagens econômicas, remuneratórias ou não, que de
alguma forma estejam vinculadas ou recebam a influência das variações
185
regionais do custo de vida. Trata-se de uma situação de exceção à presunção de
conexão vislumbrada na seção anterior.
A esse respeito já se falou no presente relatório. Páginas atrás,
observamos que o custo de vida no Brasil varia significativamente entre cidades
de diferentes regiões (ALMEIDA e AZZONI, 2016) e reconhecemos que as
negociações coletivas de trabalho promovem o ajuste das condições materiais da
relação de emprego às realidades econômicas regionais.
Um dos mais evidentes pontos de adaptação do contrato de trabalho
ao contexto econômico local são as disposições convencionais que tratam dos
subsídios para alimentação do trabalhador. Um exemplo permite uma rápida
visualização do que se pretende dizer. Um trabalhador da construção civil que
trabalha no Estado de Rondônia recebe, por força da convenção coletiva de
trabalho celebrada entre os sindicatos locais, um “tíquete refeição” no valor
facial diário de R$ 10,00 (SINDUSCON-RO e STICCERO, 2016). Os sindicatos
representantes das mesmas categorias econômica e profissional, porém com base
territorial em São Paulo, convencionaram que igual subsídio, e para o mesmo
período, terá o valor diário de R$ 20,00 (SINDUSCON-SP e SINTRACON-SP,
2016). É bastante provável que a grande diferença de valor – o dobro – seja
resultado do notório custo de vida mais elevado da cidade de São Paulo.
No exemplo acima, parece claro que as condições econômicas
locais, especificamente o valor médio praticado pelos restaurantes em cada uma
das regiões, constituiu um fator considerado pelos sindicados para a fixação dos
subsídios alimentares. E é certo que, em ambos os casos, se partiu da premissa
de que o trabalhador efetivamente utilizaria o benefício na mesma região. Chega-
se, então, à seguinte indagação: se um trabalhador rondoniano for destacado
provisoriamente para São Paulo, ele deverá receber, no período, o auxílio-
refeição previsto nas normas coletivas de origem (R$ 10,00) ou deverá receber
a subvenção fixada nas normas de destino (R$ 20,00)?
A resposta é intuitiva. Se o valor de origem for mantido, é provável
que o trabalhador não consiga manter o seu padrão alimentar habitual em razão
186
do notório mais elevado custo de vida em São Paulo. A aplicação da norma
coletiva do local de destino, nesse caso, não apenas garantiria ao trabalhador o
acesso a uma alimentação adequada como – isso parece contraditório -
asseguraria efetividade à norma coletiva do local de origem. Explica-se: o
compromisso original assumido na negociação coletiva de Rondônia foi
proporcionar ao trabalhador uma alimentação adequada; o valor fixado foi
apenas um meio de assegurá-la. Ao aplicar o valor previsto na norma coletiva de
destino, o empregador estará apenas garantindo que o trabalhador se alimente de
forma adequada no local de destacamento, ou seja, estará apenas dando
efetividade à obrigação principal que fora objeto da negociação coletiva
conduzida pelos sindicatos do domicílio profissional do trabalhador.
No exemplo acima, tanto as normas coletivas do local de origem
como do local de destino preveem o direito ao subsídio alimentar, embora com
valores distintos. Em um cenário diferente, em que o instrumento convencional
do domicílio profissional do trabalhador não preveja o direito ao auxílio-
refeição, a situação seria outra? Dever-se-ia, nesse caso, respeitar o histórico
negocial do local de origem, que não estabelece o direito ao benefício para
alimentação? Lembrando que estamos exercitando apenas juízos hipotéticos e,
portanto, relativos, pensamos ser mais provável que benefícios de subsistência,
como o auxílio-alimentação, sejam convencionados em lugares em que o custo
de vida é mais elevado do que em localidades em que tal custo não se apresenta
da mesma forma. Além disso, outras circunstâncias regionais, como o
adensamento populacional, que dificulta ao trabalhador alimentar-se em sua
própria residência, também podem ter influenciado o resultado da contratação
coletiva. É possível presumir, então, que qualquer previsão normativa que se
traduza em um benefício de subsistência do trabalhador decorra diretamente do
contexto econômico-social observável no território em que a negociação se
desenvolveu. Assim, o fato de a norma coletiva do lugar de origem não prever o
mesmo direito poderia apenas significar que as partes daquela contratação
coletiva, em razão das circunstâncias materiais correntes no lugar, não reputaram
necessário conceder aquele benefício aos trabalhadores. Tal premissa,
entretanto, não seria válida se houvesse alteração do contexto econômico em que
187
se dá a prestação de serviços, hipótese que ocorreria em um destacamento
provisório.
É presumível, portanto, que os aspectos econômicos da relação de
emprego que estejam atrelados às variações regionais do custo de vida tenham
conexão mais estreita com as normas coletivas vigentes no local da efetiva
execução dos serviços.
Até o momento, adotou-se como exemplo o subsídio para refeição
do trabalhador; este, porém, não é o único benefício convencional que absorve
influência das condições econômicas regionais. Além de outros auxílios, como
aqueles destinados a despesas com educação, creche e habitação, existe outro
aspecto bastante importante das relações de emprego e igualmente conectado à
realidade social local: são as disposições normativas que estabelecem patamares
remuneratórios mínimos, os chamados pisos salariais.
A Constituição Federal de 1988 garante aos trabalhadores o direito
a um “piso salarial proporcional à extensão e à complexidade do trabalho” (art.
7º, V), o qual, evidentemente, não se confunde com o salário mínimo
nacionalmente unificado previsto no dispositivo anterior (art. 7º, IV). Para a
maioria das categorias profissionais, o referido piso remuneratório é fixado nos
instrumentos de contratação coletiva; para algumas profissões específicas, o
patamar mínimo de salário está previsto em lei. Para os trabalhadores que não
contam com piso salarial definido em norma coletiva de trabalho ou na
legislação, a Lei Complementar nº 103, de 14 jul. 2000, atribuiu aos estados a
competência para fixá-los.
Ao delegar às unidades federativas a atribuição de fixar pisos
salariais, o legislador deixou claro que tal instituto está diretamente ligado às
variações econômicas regionais que a Carta da República expressamente
reconhece existir (art. 3º, III; art. 43, caput; art. 170, VII; art. 198, § 3º, II). Não
haveria por que se adotar interpretação diferente para os pisos salariais fixados
em normas coletivas de trabalho.
188
Apresentam-se, então, dois problemas. O primeiro deles, saber se
seria possível reduzir uma vantagem econômica caso a norma coletiva do local
de destacamento a preveja em valor inferior ao até então praticado, ou mesmo
suprimi-la, caso as disposições convencionais do lugar de destino não obriguem
o empregador ao seu pagamento. O segundo, saber se uma vantagem concedida
em razão da aplicação da norma do local de destacamento seria definitivamente
incorporada à remuneração do trabalhador.
Suponhamos, então, que o piso salarial e o auxílio alimentação
previstos na norma coletiva do local do destacamento sejam inferiores aos
fixados na contratação coletiva do lugar de origem. A ideia de se reduzir o
patamar salarial do trabalhador encontra obstáculo de difícil transposição no
texto constitucional, que veda o rebaixamento de salários em uma hipótese como
a ora cogitada. É importante frisar que, no exemplo dado, o padrão salarial mais
elevado do trabalhador é resultado de uma condição normal, regular do contrato
de trabalho e que, portanto, o integra de forma definitiva.
Com relação à verba alimentar, o mesmo raciocínio poderia ser
aplicado, sendo possível adotar a premissa de que o padrão regular do contrato
não deva ser afetado por uma situação provisória. Pensamos, todavia, que o mais
relevante argumento em prol da manutenção dos valores pagos a título de
subsídio para alimentação é de ordem sistemática. Explica-se: na seção anterior,
demonstramos que as negociações coletivas possuem uma memória que
conserva de um ano para o outro as reivindicações não atendidas e as promessas
realizadas mutuamente pelas partes e que é a partir de tal dinâmica negocial que
os trabalhadores vão gradativamente conquistando padrões sociais e econômicos
mais elevados. Desse modo, sustentamos, a real negociação coletiva é aquela
representada por seu histórico, e não por um único instrumento de contratação.
Dissemos, ao final, que o respeito a esse fluxo negocial atrai a regulação da
relação de emprego, em seus aspectos econômicos e sociais, às normas coletivas
do local do domicílio profissional do trabalhador, ainda que este se encontre em
uma situação de destacamento provisório.
189
As cláusulas convencionais que dispõem sobre auxílios diversos –
alimentação, educação, creche, habitação, etc. – resultam do histórico de
sucessivas negociações coletivas e representam conquistas sociais que
provavelmente tiveram suas contrapartidas ao longo do tempo. Um auxílio-
alimentação maior pode ter sido obtido a partir da aceitação de um reajuste
salarial menor no mesmo ano. Assim, existe um sinalagma que deve ser mantido
íntegro tanto quanto possível. Defendemos, na seção anterior, que as cláusulas
que versam sobre padrões salariais e sociais dos trabalhadores possuam conexão
mais estreita com as normas coletivas do domicílio profissional, o que
compreende os auxílios discutidos neste momento.
Existe uma aparente contradição em se afirmar que os auxílios
alimentares integram o grupo de cláusulas normativas examinado na seção
anterior e estudá-los neste espaço de forma destacada – e, pior, sustentar uma
presunção de conexão diversa. Tal contradição não existe. A ideia de se
estabelecer uma presunção de conexão diferente para as vantagens atreladas à
variação do custo de vida regional constitui uma exceção à presunção de
relacionamento mais estreito com as normas coletivas do lugar de origem. Por
ser uma exceção ao modelo-padrão, ela só pode ser acionada se forem satisfeitas
as condições específicas e restritas que lhe dão sustentação lógica. No caso dos
benefícios ora estudados, existe uma única condição de incidência da exceção: o
mais elevado custo de vida no local de destacamento. Como não estamos
examinando nenhuma situação in concreto, mas, apenas, exercitando juízos
hipotéticos, é possível presumir que, se uma mesma categoria profissional possui
um subsídio alimentar mais elevado em um local específico, é por representar o
maior custo de vida na localidade. Como consequência, a exceção aqui discutida
teria aplicação apenas na hipótese de a norma coletiva do lugar do destacamento
prever valor superior ou direito não previsto nas normas de origem.
Por fim, o segundo problema acima cogitado diz respeito à
possibilidade de incorporação do maior valor previsto nas normas coletivas do
local de destacamento ao salário do trabalhador. Então, imagine-se que as
normas coletivas do lugar de destino prevejam um piso salarial superior ao
salário do trabalhador. Nesse caso, reconhecemos que, por se tratar de patamar
190
remuneratório mínimo atrelado ao custo de vida local, haveria, em relação a esse
aspecto do contrato de trabalho, uma conexão mais estreita com as normas
coletivas do local de destacamento. Indaga-se, então, caso a presunção seja
confirmada in concreto, se o trabalhador poderia retornar ao padrão salarial
inicial ao final do seu destacamento provisório.
Ao longo do trabalho, defendemos com ênfase a necessidade de se
respeitar a dimensão histórica da negociação coletiva, cujos efeitos devem ser
preservados diante de fatos acidentais e provisórios, ressalvadas as exceções
examinadas na presente seção. Também tivemos a oportunidade de discutir se a
elevação do trabalhador a um patamar salarial superior ao de seus colegas, por
circunstâncias alheias à vontade das partes, realmente produzirá para ele efeitos
benéficos a longo prazo.
Como dissemos linhas acima, a aplicação das normas coletivas do
lugar de destacamento constitui uma exceção ao modelo-padrão, que somente
pode ser invocada se estiverem presentes as condições restritas que lhe dão
suporte lógico. Uma vantagem como um piso salarial maior, portanto, só se
sustenta enquanto a condição – o destacamento – existir. É uma situação muito
semelhante aos adicionais remuneratórios ou salários-condição: paga-se o
suplemento enquanto sua causa subjacente for contemporânea.
Como consequência, pensamos que as vantagens previstas nas
normas coletivas do local de destino devam ser pagas apenas enquanto a
condição de destacamento persistir, podendo ser suprimidas após o retorno do
trabalhador ao seu local de origem, em respeito ao histórico das negociações
coletivas desenvolvidas em seu domicílio profissional.
Em síntese de tudo o que foi desenvolvido na presente seção, é
possível anunciar que
Presume-se que tenham conexão mais estreita com as normas
coletivas do local de efetiva prestação de serviços, devendo passar a
ser por elas regidas, as disposições normativas que tenham relação
191
direta com as variações regionais do custo de vida, salvo se o valor
até então praticado a idêntico título for superior, hipótese em que
deverá ser mantido. Nesse conjunto, inserem-se, mas não o limitam,
as disposições relacionadas ao piso salarial e aos subsídios para
alimentação e transporte e - caso tais despesas sejam transferidas
para o local de destacamento - educação, creche e habitação. As
vantagens pagas ou cedidas em razão da conexão presumida com a
localidade de destacamento não serão incorporadas ao contrato
individual do trabalho, não se lhes aplicando a vedação
constitucional à redutibilidade salarial.
3.4.2.2.3 Recorte necessário: o problema da isonomia.
A aplicação a um trabalhador de um marco regulatório diverso do
que é aplicado à coletividade operária que o circunda pode ter como
consequência a sua exposição a situações arbitrárias e discriminatórias. A
pesquisa passa a investigar, então, como os princípios da isonomia e da tutela do
meio ambiente de trabalho poderiam afetar as presunções de proximidade ora
desenvolvidas.
Tem sido produtivo adotar exemplos como ponto de partida: Um
trabalhador é destacado provisoriamente para um local em que as normas
coletivas vigentes preveem um adicional para trabalho suplementar de 60%,
enquanto as normas do lugar de origem fixam o mesmo adicional no patamar
mínimo legal (50%). Nesse caso, a remuneração de eventuais horas extras deve
observar os adicionais previstos nos instrumentos de contratação coletiva do
local de origem ou do destino?
No exemplo dado, manter as normas coletivas do local de origem
implicaria adotar para o funcionário destacado um adicional pelo trabalho
extraordinário inferior ao aplicado aos trabalhadores locais. Resultaria que as
horas suplementares prestadas pelo empregado transferido teriam remuneração
192
inferior, seriam mais baratas do que as horas em acréscimo dos demais
trabalhadores com os quais ombreia diariamente no lugar de destino. Esse
contexto seria capaz de estimular o empregador a concentrar mais atividades
sobre o trabalhador destacado, uma vez que o seu tempo à disposição custaria
menos que o tempo dos demais, o que poderia causar a degradação do seu
ambiente profissional. Parece claro que esse cenário colidiria frontalmente com
diversos princípios fundamentais e valores universais de tutela da dignidade do
cidadão-trabalhador.
E como seria em uma situação inversa, em que as normas coletivas
do local de origem prevejam adicional de horas extras de 60%, enquanto as
normas em vigor no lugar de destacamento fixem o mesmo adicional em apenas
50%? Tal questão foi tangenciada algumas páginas atrás, ocasião em que
questionamos se seria razoável que o trabalhador transferido, já em uma situação
de maior desgaste pelo fato de estar trabalhando fora do seu domicílio
profissional, passasse a receber pelo seu trabalho extraordinário um valor menor
do que os seus colegas que permaneceram na localidade inicial e não sofreram
igual dificuldade. Podemos indagar, ainda, se seria razoável que a remuneração
pela força de trabalho do indivíduo sofra uma depreciação pelo simples fato de
realizar em outro local as tarefas a ele designadas pelo empregador. Além desses
aspectos, vale invocar nesse espaço o que foi dito nas seções precedentes: o
adicional de horas extras em valor superior, conquistado nas negociações
coletivas de origem, pode ter resultado de concessões por parte dos trabalhadores
e um histórico negocial que deve ser respeitado.
Como se pode observar, o problema exige uma solução que, de um
lado, garanta o respeito ao histórico das negociações coletivas da localidade de
origem e não implique que a retribuição do trabalho sofra depreciação em função
de fatos acidentais e unilateralmente produzidos, como é o caso de um
destacamento provisório. Por outro lado, a solução deve assegurar que o
trabalhador tenha um tratamento isonômico em relação aos demais empregados
da localidade de destino, ganhando retribuição pelo trabalho suplementar
equivalente.
193
O problema parece exigir a adoção da mesma dinâmica observada
na seção anterior. Como presunção geral, reconhece-se que a relação de
emprego, no tocante aos adicionais pelo trabalho extraordinário, possua uma
conexão mais estreita com as normas coletivas do domicílio profissional do
trabalhador. A presunção geral seria alterada na hipótese de as normas coletivas
do local de destino estabelecerem adicional de horas extras em valor superior,
situação esta que deslocaria o pêndulo da proximidade para o local da efetiva
execução dos serviços por atração dos princípios da isonomia e da tutela do meio
ambiente de trabalho.
Pelas mesmas razões, as presunções acima também se aplicam a
outros adicionais salariais, como o destinado à remuneração do trabalho noturno,
perigoso e insalubre. Assim:
Em respeito aos princípios da isonomia e da tutela do meio ambiente
de trabalho, presume-se que as disposições normativas que versem
sobre adicionais remuneratórios guardem conexão mais estreita com
as normas coletivas celebradas pelos sindicatos atuantes na
localidade de destacamento, salvo se o valor até então praticado a
idêntico título se mostrar superior, hipótese em que deverá ser
mantido. Nesse grupo incluem-se, sem limitá-lo, as cláusulas
convencionais que regulem os adicionais de horário suplementar e
noturno e relativas aos trabalhos insalubre e perigoso.
É possível que se cogite aplicar esse mesmo sistema de presunções
às cláusulas convencionais que disponham sobre jornadas de trabalho e períodos
de repouso. Pensamos de forma diversa. As presunções acima desenvolvidas se
aplicam à matéria diretamente relacionada com a precificação da mão de obra, o
que nos parece não ser o caso das jornadas de trabalho e períodos de descanso.
Além disso, afastamos, páginas atrás, o mito da norma mais favorável, o qual,
por certo, permearia o debate em torno de questões relacionadas à duração do
trabalho. Por fim, é necessário ter em conta que tais aspectos da relação de
emprego podem ser objeto de múltiplas regulações normativas – limites
máximos, compensações, trabalho em feriados, intervalo, etc. – o que impede a
194
constituição de um juízo apriorístico que assimile todas as possibilidades. É
necessário que cada situação concreta seja analisada individualmente,
confrontando-se a norma coletiva do local de origem com a norma do lugar de
destino e verificando-se as condições fáticas do destacamento. Assim, por
compromisso científico, não deduziremos qualquer presunção em relação a tais
temas, pois qualquer tentativa nesse sentido, pensamos, implicaria um juízo
arbitrário e contaminado por sentimentos pessoais.
3.4.2.2.4 Disposições convencionais de trato continuado ou que envolvam
terceiros.
É comum que os instrumentos de contratação coletiva imponham às
partes, sobretudo ao empregador, obrigações que somente podem ser satisfeitas
mediante a constituição de vínculos jurídicos com terceiros. Os exemplos mais
notórios são os planos de assistência médica e odontológica e os planos de
previdência privada. Embora tais questões integrem o que já nos referimos como
patamares sociais dos trabalhadores, existe uma questão específica em relação a
elas que merece ser destacada.
Suponhamos que as normas coletivas do lugar de origem prevejam
a obrigatoriedade de concessão de plano de assistência médica, o que resultou
em vínculo contratual dessa natureza entre o trabalhador e a empresa fornecedora
do serviço. Se a norma coletiva do local do destacamento provisório não prever
obrigação semelhante, o empregador poderia simplesmente suprimir o seguro
saúde?
A resposta intuitiva é negativa. Não parece razoável que o
trabalhador, em função de uma designação temporária, perca a assistência à
saúde conquistada pelo sindicato de seu domicílio profissional. Como já
repetimos, existe a necessidade de se protegerem os efeitos da negociação
coletiva de origem, tanto quanto possível, de eventuais influências que fatos
acidentais e interinos possam produzir. Mas há um ponto além.
195
No destacamento provisório, não há alteração do domicílio
profissional do trabalhador, que mantém fundada expectativa de retorno ao lugar
de origem. O plano de assistência médica constitui um amparo à pessoa do
trabalhador, destinando-se à sua proteção. Assim, parece que o lugar em que a
pessoa do trabalhador está estabilizada exerce uma atração maior do que o local
de execução do contrato, simples ponto de cumprimento de uma de suas
obrigações. Além disso, é de se considerar a possibilidade de que os familiares
do trabalhador, que provavelmente não alteraram os seus domicílios pessoais,
também possam ser beneficiários da assistência. Por fim, deve ser levado em
conta que a hipótese de supressão da assistência médica provocaria a
necessidade, ao final do destacamento, de se formalizar novo contrato, com
novos períodos de carência, durante os quais o trabalhador ficaria desamparado,
em violação às cláusulas instituídas no lugar de origem.
Esse último efeito se observaria também na hipótese inversa. Em
função dos períodos de carência que costumam ser exigidos, é possível que o
trabalhador em um destacamento provisório não consiga efetivamente se
beneficiar da cobertura de um plano de assistência à saúde exigido pelas normas
coletivas do lugar de destino. Em um destacamento de poucas semanas, por
exemplo, seria uma operação meramente protocolar – e com custos ao
empregador.
Em contratos de projeção mais longa, como os de previdência
complementar, esses efeitos seriam mais evidentes. É possível, então,
estabelecer uma presunção específica às relações jurídicas continuativas como
as referidas nos exemplos citados, que poderia ser enunciada nos seguintes
termos:
Presume-se que tenham conexão mais estreita com as normas
coletivas do domicílio profissional do trabalhador, devendo
permanecer por elas regidas, as cláusulas convencionas que versem
sobre relações jurídicas de trato continuado envolvendo terceiros,
tais como previdência privada e assistência médica e hospitalar.
196
3.4.2.2.5 Normas convencionais de desenvolvimento e expansão da
efetividade dos direitos fundamentais dos trabalhadores.
Na seção anterior, afirmarmos que o plano de saúde suplementar
constitui uma assistência à pessoa do trabalhador, destinando-se à proteção do
indivíduo em si. Tal asserção introduziu uma premissa que pode exercer grande
influência na definição dos vínculos de proximidade em relação a alguns
aspectos das relações de emprego. As disposições normativas que não se portam
apenas como marcos regulatórios das obrigações contratuais das partes, mas que
atuam, principalmente, como instrumento de tutela das liberdades do cidadão-
trabalhador constituem o objeto de estudo neste espaço.
O processo de formação e consolidação dos direitos fundamentais
constitui um dos capítulos mais amplos e de maior destaque na História do
Direito. De origem que remonta às antigas escolas do Direito Natural até
alcançar a posição de núcleo essencial do ordenamento jurídico nas ordens
democráticas contemporâneas, as disposições constitucionais que veiculam
valores diretamente identificados com a dignidade da pessoa humana foram
reconhecidas pela Teoria do Direito como integrantes de uma categoria
normativa singular e especial e que, como tal, produz efeitos específicos e
substancialmente distintos das demais normas constitucionais. Atualmente, a
discussão sobre a força normativa da constituição e o seu poder de irradiar efeitos
diretos e imediatos sobre a ordem jurídica se encontra praticamente encerrada
(CANARIS, 2009, p. 36). As normas definidoras de direitos fundamentais não
dependem de interposição legislativa de grau inferior para atuarem no corpo
social, provendo, a partir de sua própria matriz, uma suficiente esfera de proteção
aos direitos básicos dos cidadãos.
É certo, também, que o Direito infraconstitucional, e mais
notavelmente o Direito Privado, absorveu essa força irradiada diretamente da
Constituição Federal, passando a se conformar com tal vinculação e a atuar como
instrumento de desenvolvimento da máxima efetividade das normas definidoras
de direitos fundamentais. Tal fenômeno de constitucionalização do Direito
Privado opera-se não apenas no âmbito das normas jurídicas estatais, mas,
197
também, no espectro das normas produzidas diretamente pelos particulares para
regência de suas próprias relações jurídicas. Nessa dimensão encontram-se as
normas coletivas de trabalho.
Exemplo interessante desse fenômeno de constitucionalização das
normas coletivas de trabalho é o “acordo sobre o equilíbrio entre trabalho e vida
privada” formalizado entre a empresa Alston e entidades sindicais francesas
(ALSTON et al, 2016). No Brasil, tem-se observado com crescente frequência a
pactuação de cláusulas convencionais que instituem políticas de combate às
diversas formas de discriminação, como à mulher, às minorias étnicas ou em
função da orientação sexual do trabalhador; cláusulas que criam mecanismos de
proteção contra o assédio moral e que tutelam a intimidade e a imagem do
empregado; que reconhecem o seu direito de informação em caso de
despedimento motivado; que estabelecem garantias às trabalhadoras vítimas de
violência doméstica e proteção especial à família; que tutelam o meio ambiente
natural e profissional; enfim, disposições convencionais que possuem um
argumento em termos de direitos fundamentais, isto é, que são diretamente
relacionadas com os valores intrínsecos à condição humana, como a liberdade, a
igualdade e a dignidade (ALEXY, 2011, p. 446-449).
Trata-se, portanto, de cláusulas normativas que expandem a
efetividade das liberdades públicas de primeira, segunda e terceira dimensões
que são exercidas durante a relação de emprego, em função desta ou por seu
intermédio. Nesse âmbito, o direito de greve destaca-se como a liberdade
fundamental mais intimamente relacionada com o contrato de trabalho.
A presente pesquisa não se dedica ao exame analítico dos assuntos
tangenciados neste espaço – liberdades fundamentais, constitucionalização do
Direito Privado, direito de greve – empreita dessa magnitude, dada à
complexidade de cada um desses institutos, assumiria dimensão tratadística. A
proposta é muito mais singela: adotando como premissas (i) a existência de
normas coletivas que dispõem sobre liberdades fundamentais e (ii) o postulado
de máxima efetividade das normas definidoras de direitos fundados na dignidade
da pessoa humana, esboçar um juízo hipotético de proximidade. Se tais
198
premissas não forem válidas, o efeito será apenas a negativa da presunção a
seguir definida:
Por conectarem-se à pessoa do trabalhador e não ao contrato de
trabalho, e tendo em vista o princípio de máxima efetividade dos
direitos fundamentais, as cláusulas convencionais que disponham
sobre direitos e garantias individuais (CF, art. 5º), sobre direitos
sociais individuais de expressão coletiva (CF, arts. 8º a 11) e sobre
direitos difusos (CF, art. 170, ex vi) produzem eficácia em conjunto,
assegurando ao trabalhador valer-se das disposições normativas
tanto do local de origem como do local de destacamento,
indistintamente. Na hipótese de exercício do direito de greve na
localidade de destacamento, as disposições de convenção ou acordo
coletivo de trabalho que venham a pôr fim no movimento continuam
a produzir efeitos sobre o contrato de trabalho mesmo após o retorno
do trabalhador ao local de origem.
3.4.2.2.6 Relações sindicais.
A última questão analisada quanto aos destacamentos provisórios diz
respeito à relação existente entre o trabalhador transferido e os sindicatos que
atuam no seu domicílio profissional e no local de execução dos serviços. A
investigação se inicia pelo problema da destinação das contribuições sindicais.
Problema que não deveria existir. Em um ambiente de liberdade
sindical, o trabalhador tem a autodeterminação de se vincular à entidade sindical
de sua escolha, a qual atua em qualquer lugar, onde quer que estejam os seus
associados. Loteamento do poder sindical em bases territoriais, representação de
não associados e contribuições compulsórias são ideias desconhecidas nos países
que possuem sistemas democráticos de representação de trabalhadores.
199
A Constituição Federal de 1988 adotou uma retórica que teve a
pretensão de acomodar interesses corporativos e alguns anseios de liberdade
sindical. Um texto que começa proclamando ser livre a associação sindical (art.
8º, caput), prossegue criando verdadeiros limites ao seu exercício (art. 8º, II e
IV) - como se fosse possível limitar a liberdade sem violá-la por completo.
Posicionando tais questões à margem, é possível, senão forçoso,
identificar no texto constitucional um princípio que reconhece a liberdade
sindical como valor fundamental. Se tal formulação de fato estiver correta, então
haveria um “mandamento de otimização” ordenando que tal propósito “seja
realizado na maior medida possível dentro das possibilidades jurídicas e fáticas
existentes” (ALEXY, 2011, p. 90). A liberdade sindical, portanto, seria um fim
a ser sempre alcançado, respeitados apenas os seus limites imanentes.
Tradicionalmente, as contribuições destinadas ao custeio do sistema
sindical são direcionadas à entidade cuja base territorial contém o local em que
o trabalhador normalmente executa a prestação característica do contrato de
trabalho, este quase sempre coincidente com o seu domicílio profissional. Já em
uma situação de destacamento provisório, tal coincidência deixa de existir; a
execução do contrato ocorre em um lugar distinto do domicílio profissional do
trabalhador e, como aqui tem-se defendido, tanto as normas coletivas de um e de
outro local se habilitam igualmente a reger a relação de emprego. Nesse cenário,
para qual entidade devem ser destinadas as contribuições sindicais?
Para nós, o compromisso de se atribuir máxima efetividade às
normas definidoras de direitos fundamentais constitui a força que opera de
maneira prevalecente sobre o pêndulo da proximidade. Se a liberdade sindical
constitui um fim a ser alcançado, então todas as questões que são dela derivadas
possuem uma conexão mas estreita com o ser-livre. A autonomia da vontade –
manifestação básica de todas as liberdades – é, portanto, a solução indicada pelo
princípio da proximidade. Nesse contexto, as contribuições sindicais devem ser
direcionadas à entidade sindical para tal fim indicada pelo trabalhador.
200
O princípio da proximidade, portanto, consolida uma regra que
vincula à autonomia da vontade a destinação das contribuições sindicais. A
questão residual, já muito estudada pelo Direito Internacional Privado, diz
respeito à forma como essa vontade deve ser manifestada para ser considerada
válida. Mais diretamente: seria possível presumir a intenção do trabalhador
diante de seu silêncio?
A exaustivamente citada Convenção de Roma (CEE, 1980)
incorporou a solução há tempos defendida pela doutrina; adotando a premissa de
que o contrato deva ser regido pela lei escolhida pelas partes, o documento
afirma que tal escolha “deve ser expressa ou resultar de modo inequívoco das
disposições do contrato ou das circunstâncias da causa” (art. 3º, I). Disposição
semelhante pode ser encontrada na Convenção do México (OEA, 1994),
precisamente no ponto em que ela afirma que os contratantes devem escolher a
lei de regência do contrato de forma expressa ou, inexistindo manifestação
nesses termos, “depreender-se de forma evidente da conduta das partes e das
cláusulas contratuais, consideradas em seu conjunto”. Como se observa, o
Direito Internacional Privado assimila que a vontade, não manifestada
expressamente, possa ser presumida a partir dos elementos concretos da relação
jurídica.
O silêncio do trabalhador destacado quanto à destinação de suas
contribuições sindicais pode ser entendido como a intenção de mantê-las
endereçadas tal como se encontram. O silêncio, nesse caso, pode ser lido como
a intenção de não alterar a entidade beneficiária de suas contribuições sindicais.
É possível sintetizar tudo o que foi exposto na presente sessão no
seguinte enunciado:
Em razão do princípio da liberdade sindical, as contribuições
sindicais exigíveis de todos os trabalhadores, sindicalizados ou não,
serão direcionadas ao sindicato indicado pelo trabalhador, podendo
ser tanto o do local de destacamento como o do seu domicílio
profissional. Na ausência de manifestação da vontade expressa,
201
presume-se que as disposições legais relacionadas ao financiamento
das entidades sindicais possuam conexão mais estreita com o
sindicato do domicílio profissional do trabalhador. O destacamento
provisório do trabalhador não afasta suas obrigações perante a
entidade sindical à qual livremente se associou.
Além da destinação das contribuições sindicais, outro aspecto
importante é o que diz respeito à representação do trabalhador em situação de
destacamento provisório. Qual dos sindicatos está habilitado a exercer a tutela
judicial ou extrajudicial dos interesses dos trabalhadores provisoriamente
transferidos?
Para nós, ambos os sindicatos estão investidos em tal poder/dever.
De um lado, não há como se confundir a eficácia das normas coletivas de
trabalho com o dever de assistência ao trabalhador; são institutos jurídicos
absolutamente distintos. De outro, o sindicato, como dito anteriormente,
representa um ente difuso e unitário, entre nós conhecido por categoria
profissional, que não está atrelado à ideia de base territorial. O sindicato – este
organizado em bases espaciais – representa um ente único e espraiado em todo
território nacional. Como consequência, qualquer integrante do grupo
representado deve ser assistido pelos sindicatos que detêm o múnus de tutelar os
interesses da categoria. Com efeito:
O dever de assistência e representação por parte de entidade sindical
não depende da eficácia das normas convencionais celebradas pelo
respectivo ente ou do direcionamento das contribuições sindicais,
assegurando-se ao trabalhador o direito de ser assistido e
representado tanto pelo sindicato do local de destacamento como
pelo sindicato da localidade de origem.
202
3.4.2.3 Destacamentos definitivos.
Em uma transferência definitiva, o trabalhador tem o seu domicílio
profissional deslocado para a localidade de destino. Como consequência da
primeira presunção de proximidade esboçada linhas atrás, a relação de emprego
passaria, então, a ser regida integralmente pelas normas convencionais vigentes
em tal lugar.
Tal situação, no entanto, não deve ser vista como ponto de descanso
intelectual. Muito distinto disso, aliás. Em um destacamento definitivo, parece
certo afirmar que a relação jurídica passa a ter como marco regulatório as normas
do lugar de destacamento. A questão que surge, no entanto, consiste em saber se
o contrato de trabalho se liberta totalmente dos efeitos até então produzidos pelas
disposições convencionais do lugar de origem.
Um contexto que ilustra o problema é o que envolve as garantias de
emprego. Cogite-se, como exemplo, um cenário em que as normas coletivas do
local de origem prevejam uma garantia de emprego especial ao trabalhador e que
este, antes da transferência, tenha preenchido todos os requisitos estabelecidos
no instrumento convencional para fruição do benefício. Nessa situação,
imaginando-se que as disposições coletivas do local de destino não prevejam
igual direito, surge a questão: o trabalhador ainda se valeria da garantia de
emprego assegurada pelas normas da localidade de origem?
Enfrentando problema tangente, a jurisprudência do Tribunal
Superior do Trabalho vem afirmando que o trabalhador continua sendo
beneficiário da garantia de emprego prevista em norma coletiva de trabalho,
mesmo após encerrada a vigência do documento, desde que tenha preenchido
todos os requisitos para a aquisição do direito durante o período em que a norma
convencional esteve em vigor (TST, SDI-1, OJ nº 41).
A citada jurisprudência do Tribunal Superior do Trabalho envolve
institutos diversos daqueles que são abordados na presente pesquisa. O tribunal
admitiu a tese de que, em situações específicas, determinadas disposições
203
convencionais passam a integrar os contratos individuais de trabalho em caráter
definitivo. O problema, portanto, diz respeito à incorporação da cláusula
normativa ao contrato individual de trabalho; é como se a cláusula convencional
se tornasse uma cláusula do contrato de emprego e, como tal, passasse a ter carga
eficacial própria, que independe da eficácia do documento que lhe deu origem.
Como se observa, a questão não diz respeito, propriamente, ao plano de eficácia
(temporal ou espacial) da norma coletiva, mas sim do plano de efeitos
(integração) das mesmas sobre o contrato individual de trabalho.
Supondo que uma determinada cláusula de norma coletiva tenha sido
incorporada de forma definitiva ao contrato individual de trabalho, passando a
integrá-lo como se fosse uma cláusula dele originária, então seria possível
afirmar que a submissão da relação jurídica a outra ordem convencional não
produziria qualquer efeito sobre tal aspecto do vínculo existente. Seria possível
dizer, então, que a transferência definitiva não implica, de forma absoluta, o
completo afastamento de todas os efeitos das normas coletivas vigentes no local
de origem; é possível que algumas de suas disposições tenham aderido de forma
permanente ao contrato individual, situação que obrigaria sua observação,
mesmo no local de destino.
Por não constituir o objeto do estudo ora relatado, passaremos ao
largo do debate em torno dos efeitos das normas coletivas sobre o contrato
individual de trabalho, notadamente o problema da incorporação das cláusulas
normativas ao ajuste particular. O tema foi ventilado neste espaço apenas como
advertência de cautela contra possíveis confusões entre os efeitos e a eficácia das
normas coletivas de trabalho.
3.4.3 Teletrabalho e atividades externas.
Páginas atrás, reconhecemos a existência de uma presunção que
indica que o contrato de trabalho possui conexão mais estreita com as normas
coletivas vigentes no local do domicílio profissional do trabalhador. Na ocasião,
204
advertimos expressamente que esse juízo hipotético se aplicaria somente aos
contratos de trabalho executados no estabelecimento do empregador, uma vez
que outras configurações contratuais poderiam apresentar um relacionamento
mais estreito com outras ordens normo-convencionais.
Realidade que se destaca entre os novos arquétipos contratuais, o
trabalho realizado prioritariamente na residência do trabalhador, ou em outro
local por ele escolhido, merece ter seus vínculos de proximidade investigados.
Em um contrato de trabalho executado remotamente, o elemento
território não possui a mesma relevância que possui no modelo tradicional de
produção; enquanto neste o empregador fundeia a prestação de serviços em um
ponto determinado, naquele a prestação do trabalho não se prende à ancoragem,
derivando conforme a vontade do trabalhador. No primeiro, há ponto fixo
determinado pelo empregador; no segundo, o ponto é móvel e determinado pelo
empregado. Seria possível, até, afirmar que o fato trabalho sofre uma espécie de
distensão espacial: ele iniciaria em um local qualquer – a residência do
trabalhador, por exemplo – e se estenderia até a sede do empregador, local em
que o trabalho executado se somaria aos outros recursos do processo produtivo.
Nesse ambiente, como identificar o domicílio profissional do
trabalhador? Aliás, a ideia de domicílio profissional seria compatível com o
contexto do teletrabalho ou estamos diante de uma situação nova que não se
acomoda nos tradicionais institutos de Direito Civil? Tais indagações parecem
logo afastar a presunção de relacionamento mais estreito do contrato de trabalho
com as normas vigentes no domicílio profissional do trabalhador. Aos testes de
proximidade, então.
Supor que o contrato de trabalho possua um relacionamento mais
relevante com as normas vigentes no local em que o trabalho é normalmente
prestado permitiria algumas importantes objeções. A primeira delas está
relacionada ao fato de que o modelo contratual aqui examinado (teletrabalho)
tem como característica justamente a mobilidade do trabalhador, que, pelo
menos em tese, possui a faculdade de realizar as suas atividades em qualquer
205
local, sem qualquer interferência por parte do empregador quanto a isso. Em uma
prestação laboral que tem como característica a indeterminação territorial,
localizá-la em um único ponto pode ser bastante difícil, senão impossível. Indo
além, tentar identificar o local em que o trabalho é normalmente prestado seria
insistir na ideia de que o contrato possui uma sede de execução, o que, assim
pensamos, é incompatível com a fluidez espacial que caracteriza tais relações
jurídicas.
É certo que não haveria maiores dificuldades em se identificar a sede
de execução do contrato nos casos em que o trabalho fosse realizado
exclusivamente, ou normalmente, na residência do trabalhador; tal situação,
entretanto, é atingida pelas demais objeções. A segunda delas é de ordem
organizacional. Uma empresa que possua um contingente de trabalhadores em
regime domiciliar, cada um residindo na base territorial de um sindicato
diferente, teria que respeitar um estatuto jurídico específico para cada um de seus
trabalhadores. Além das dificuldades que a empresa teria em operacionalizar
pisos salariais, adicionais e benefícios distintos para cada funcionário, não seria
possível instituir padrões econômicos e sociais ao corpo coletivo de
trabalhadores, prejudicando os institutos de aspecto predominantemente
comunitário, como, por exemplo, participação nos lucros e resultados. Não
haveria, ademais, igualdade em relação a pisos salariais, reajustes, adicionais
remuneratórios e benefícios.
Outra contradita à adoção das normas vigentes no local em que o
trabalho é executado relaciona-se com o fato de que ela permitiria que uma das
partes pudesse alterar o marco regulatório do contrato de trabalho de forma
absolutamente unilateral. Nos contratos de trabalho executados junto ao
estabelecimento do empregador, em que a figura do domicílio profissional se
apresenta como elemento atrativo dos vínculos de proximidade, a transferência
do trabalhador constitui sempre um ato bilateral42. Como consequência, em tais
42 A transferência do trabalhador para outra localidade, como regra, só é permitida com a sua anuência expressa (CLT, art. 469, caput). A necessidade de assentimento expresso com o destacamento é dispensada em relação aos trabalhadores exercentes de cargo de confiança ou cujo contrato tenha como condição implícita ou explícita a transferência (CLT, art. 469, § 1º). Na hipótese desses últimos, contudo, a transferência não pode ser interpretada como um ato absolutamente unilateral do empregador, mas sim um ato com o qual o trabalhador já exprimiu
206
contratos, a alteração do referencial legal que incide sobre o contrato de trabalho
depende da vontade de ambos os contratantes. Tal bilateralidade, própria dos
negócios jurídicos, não estaria presente em um cenário em que uma das partes
concentrasse poder para, isoladamente, alterar a normatividade aplicável à
relação jurídica.
Por fim, a última oposição corresponde ao fato de que não existiria
um corpo coletivo de trabalhadores representado por uma única entidade
sindical, o que fulminaria a unidade do processo negocial, prejudicando a
atuação dos sindicatos. A organização de uma greve, por exemplo, exigiria a
coordenação de vários sindicatos, o que nem sempre é fácil de se conduzir.
Tais objeções no mínimo fragilizam os vínculos de proximidade
entre a relação de emprego remotamente dirigida e as normas coletivas em vigor
no local de execução do contrato. Cabe investigar, então, outras possibilidades
de relacionamento, como a lei do local do estabelecimento empresarial ou do
local de constituição do contrato de trabalho. A respeito dessa última hipótese
de conexão, a presente pesquisa já cuidou de afastá-la em momentos anteriores
e as críticas suscitadas naquelas oportunidades também têm lugar em relação ao
teletrabalho; desnecessário repeti-las.
Do que se conjecturou até o momento, é possível identificar um
direcionamento à adoção da lei do local do estabelecimento empresarial ao qual
o trabalhador está vinculado.
A assimilação de tal vínculo de conexão contornaria alguns dos
problemas suscitados em relação à adoção da lei do lugar da execução das
atividades profissionais: seria fácil identificar o local do estabelecimento e a
ordem jurídica nele vigente; seria de fácil operacionalização; instituiria um
marco regulatório comum aos trabalhadores da empresa; e, por fim, haveria
previamente seu consentimento no momento em que passou a desempenhar um cargo de confiança ou se vinculou a uma relação de emprego cuja transferência era condição implícita ou explícita. Ao afirmar que, em relação a esses, a transferência só será válida se houver real necessidade de serviços, a própria deixa claro que tal ato não está inserido na absoluta esfera da autonomia da vontade do empregador (CLT, art. 469, § 1º, in fine).
207
unidade da representação coletiva dos trabalhadores no processo negocial. Em
contrapartida, e aqui já se abrem as oposições a essa alternativa, ela permitiria a
alteração unilateral do marco regulatório da relação de emprego e haveria, ainda,
o problema das normas convencionais que estabeleçam benefícios atrelados às
variações do custo de vida regional, já examinado no presente trabalho.
Tais contestações à adoção da lei do estabelecimento, no entanto,
não parecem afastar o vínculo de proximidade que existe entre a referida ordem
normativa e a relação de emprego. É necessário ressaltar que o que se está
investigando é o relacionamento da relação de emprego com as normas vigentes
no local do estabelecimento ao qual o trabalhador está vinculado, e não com as
normas do local da sede da empresa. Em empresas com múltiplos
estabelecimentos, é razoável supor que o trabalhador estará vinculado àquele
mais próximo do seu domicílio ou área de atuação, o que atrairia a aplicação das
normas coletivas de trabalho vigentes em localidade próxima, provavelmente
inserida na mesma região econômica.
O problema da possibilidade de alteração unilateral do marco
regulatório parece persistir. Entretanto, é necessário considerar a existência de
outra força que irradia efeitos sobre o pêndulo da proximidade: a autonomia da
vontade. É absolutamente necessário deixar claro que não se propõe a adoção do
Princípio da Autonomia da Vontade, examinado na seção 2.4.2.1; o que se
coloca neste momento é que a intenção das partes constitui uma das múltiplas
variáveis que devem ser consideradas na investigação do relacionamento mais
estreito de um contrato, apenas isso. Feita tal advertência, pode-se dizer que, ao
aderir a um contrato remotamente dirigido, o trabalhador aceita a se submeter a
um poder diretivo que advém de outro lugar. Parece existir, então, uma natural
submissão do contrato de trabalho ao âmbito normativo produzido e emanado
do estabelecimento ao qual está vinculado, o que deriva exclusivamente da
vontade das partes em constituir uma relação dotada de tal característica. Não
parece ser demasiado também lhe aplicar a ordem normo-convencional que
provém desse mesmo local.
208
Em relação aos contratos de trabalho executados em ambiente
exclusivamente externo, hipótese, como exemplo, do empregado que tem por
atribuições agenciar negócios e representar seu empregador em uma zona
territorial, não permanecendo na unidade da empresa ou em sua residência, a
adoção da lei do estabelecimento empresarial local parece ser a única solução
razoável. Distingue-se da situação examinada anteriormente pelo fato de não
existir um local em que o trabalho é normalmente executado. Não há, portanto,
qualquer tipo de fixação do trabalhador em um único lugar.
Tal situação parece imantar os vínculos de proximidade do contrato
de trabalho às normas coletivas vigentes no local em que se situa o
estabelecimento empresarial ao qual o trabalhador está vinculado. O princípio
da proximidade, portanto, apontaria para a lei do empregador.
É possível objetar tal presunção nos casos em que a zona de atuação
do trabalhador estivesse integralmente inserida na base territorial de um único
sindicato, situação que poderia atrair a adoção das normas coletivas celebradas
por este. Embora tal objeção não possua qualquer equívoco em sua formulação,
ela poderia criar um ambiente em que não seria possível instituir um padrão
econômico e social único aos trabalhadores da empresa, além de prejudicar a
unidade das negociações coletivas e o desenvolvimento de um histórico
negocial, estes que teriam consequências danosas, sobretudo, aos próprios
trabalhadores.
É possível reconhecer que o trabalho realizado nas condições ora
examinadas é uma realidade que vem sendo enfrentada – atente-se que este é
apenas o recorte que o pesquisador tem da realidade – pela adoção das normas
coletivas vigentes no local do estabelecimento, o que não vem gerando maiores
controvérsias. Tal fenômeno, caso verdadeiro, atrairia ainda mais o pêndulo da
proximidade em direção às normas coletivas vigentes no local do
estabelecimento do empregador. Assim:
Nos contratos executados em âmbito domiciliar ou
predominantemente em ambiente externo ao estabelecimento
209
empresarial, conduzidos sob a direção remota do empregador,
presume-se que a relação de emprego possua conexão mais estreita
com as normas coletivas vigentes no local em que está situada a
unidade empresarial à qual o empregado está vinculado, ainda que
este tenha sido contratado em outro local ou execute a prestação de
serviços em localidade que integra a base territorial de entidade
sindical diversa.
210
4 CONCLUSÃO: MODELO DESCRITIVO E SISTEMÁTICO
DA EFICÁCIA ULTRATERRITORIAL DAS NORMAS
COLETIVAS DE TRABALHO.
A pesquisa relatada demonstrou um movimento global e uniforme
no Direito Internacional Privado, adotado como referencial teórico do presente
estudo, em direção à superação do método clássico de conexão das relações
jurídicas contratuais a uma determinada ordem legal, baseado em elementos
estáticos, objetivos, apriorísticos e, como consequência, imunes às
peculiaridades e às necessidades do caso concreto. Em substituição aos
elementos de conexão, o princípio da proximidade alçou a condição de principal
instrumento de solução dos conflitos intersistemáticos de leis, sobretudo em
matéria de contratos.
Como dissemos, o princípio da proximidade constitui o único
modelo capaz de conferir aos conflitos de leis no espaço uma solução coerente,
adequada, correspondente à realidade dos fatos e das pessoas nele envolvidas,
aplicando-se plenamente às colisões normativas infranacionais, inclusive
havidas no contexto de uma relação de trabalho.
E o princípio da proximidade já habita a nossa ordem jurídica. Ele
foi adotado de forma implícita na Lei nº 7.064, de 6 dez. 1982, no momento em
que o legislador fracionou os diferentes aspectos materiais da relação de trabalho
e, a partir da natureza específica de cada um deles, indicou a lei que, em juízo
hipotético, considerou ser mais hábil, mais adequada, mais intimamente
relacionada com a questão. E, como se viu, a jurisprudência do Tribunal Superior
do Trabalho vem aplicando o princípio da proximidade em substituição ao
elemento de conexão estático previsto no Código Bustamante para as obrigações
e responsabilidades dos capitães e armadores de navios.
Se tais razões já eram suficientes para se afastar a adoção de qualquer
elemento estático de ligação contrato-lei, a pesquisa enfrentou um verdadeiro
dogma difundido na comunidade jurídica brasileira e, principalmente, na
jurisprudência do Tribunal Superior do Trabalho, o qual corresponde à suposta
211
existência de um princípio, na verdade, um elemento de conexão, que
determinaria que as relações de trabalho seriam reguladas, sempre, pelas normas
coletivas em vigor no local onde o trabalhador executa a sua prestação laboral.
Como resultado desse enfrentamento, a pesquisa revelou que esse standard foi
resultado de uma hermenêutica criativa e bastante distendida de um documento
internacional que jamais teve efetiva relevância jurídica entre seus signatários, à
exceção do Brasil, e da interpretação equivocada da legislação interna brasileira.
Como antecipado na introdução do presente estudo, a pesquisa
defende uma tese central que está sedimentada em três postulados:
(1) O contrato individual de trabalho não é regido, necessariamente,
pelas normas convencionais celebradas pelo sindicato cuja base
territorial compreende o local em que o trabalhador executa as suas
atividades profissionais;
(2) A relação de emprego é regida pelas normas coletivas com as
quais mantiver um relacionamento mais estreito, em conformidade
com o princípio da proximidade;
(3) É possível que diferentes aspectos do contrato de trabalho se
conectem com diferentes normas coletivas, conforme apresentem
com elas uma conexão mais estreita, tal como orienta o método da
dépeçage.
Tais postulados descrevem a possibilidade de uma norma coletiva de
trabalho produzir efeitos sobre uma prestação de serviços executada em local
diverso da base territorial dos sindicatos signatários do documento. Essa
produção exógena de efeitos é o que chamamos de eficácia ultraterritorial da
norma coletiva de trabalho.
Os postulados descritivos acima, embora suficientes para a solução
dos conflitos reais de normas coletivas no espaço, se beneficiariam de uma
sistematização que lhes atribuísse maior eficácia e melhor assimilação pela
ciência jurídica. Com essa proposta, a pesquisa organizou um modelo
212
sistemático de aplicação que, juntamente com os enunciados teóricos, é
composto por uma série de presunções relativas de proximidade:
I. Modelo de conexão.
A relação de emprego é regida pelas normas convencionais com que
apresentar conexão mais estreita. O princípio da proximidade
constitui o modelo de conexão da relação de emprego às normas
coletivas de trabalho.
II. Presunção de proximidade geral.
Presume-se que o contrato de trabalho possua conexão mais estreita
com as normas coletivas celebradas entre os sindicatos atuantes no
lugar do domicílio profissional do trabalhador, ainda que ele tenha
sido contratado em outro local.
III. Destacamentos transitórios.
O destacamento meramente transitório não altera a presunção de
conexão mais estreita do contrato de trabalho com as normas
coletivas vigentes no domicílio profissional do trabalhador, as quais
se mantêm aplicáveis no período sobre todos os aspectos da relação
de emprego. Presume-se como transitório o destacamento do
trabalhador para execução de serviços em local diverso do seu
domicílio profissional por período não superior a oito dias, por
aplicação analógica do art. 3º, 2, da Diretiva 97/71/CE do
Parlamento Europeu e do Conselho da União Europeia.
IV. Destacamentos provisórios.
O destacamento provisório, assim considerado aquele que não se
afigura como meramente transitório e nem implica a alteração do
domicílio profissional do trabalhador, atrai a aplicação do método da
dépeçage (fragmentação), a partir do qual diferentes aspectos do
213
contrato de trabalho podem se conectar com as normas coletivas do
local de origem ou com as normas do local de destacamento,
conforme apresentem com elas conexão mais estreita:
(1) Presume-se que tenham conexão mais estreita com as normas
coletivas do domicílio profissional do trabalhador, devendo
permanecer por elas regidas, as cláusulas convencionas que versem
sobre padrões salariais, reflitam as conquistas sociais e disponham
sobre questões de aspecto predominantemente comunitário.
Incluem-se nesse grupo, mas não o limitam, as disposições
normativas relacionadas à data-base da categoria, ao reajuste anual
de salários, à participação nos lucros e resultados, às estabilidades e
proteções no emprego, às licenças de trabalho, às vantagens pessoais
vinculadas ao tempo de serviço e às obrigações rescisórias e seus
acessórios.
(2) Presume-se que tenham conexão mais estreita com as normas
coletivas do local de efetiva prestação de serviços, devendo passar a
ser por elas regidas, as disposições normativas que tenham relação
direta com as variações regionais do custo de vida, salvo se o valor
até então praticado a idêntico título for superior, hipótese em que
deverá ser mantido. Nesse conjunto, inserem-se, mas não o limitam,
as disposições relacionadas ao piso salarial e aos subsídios para
alimentação e transporte e - caso tais despesas sejam transferidas
para o local de destacamento - educação, creche e habitação. As
vantagens pagas ou cedidas em razão da conexão presumida com a
localidade de destacamento não serão incorporadas ao contrato
individual do trabalho, não se lhes aplicando a vedação
constitucional à redutibilidade salarial.
(3) Em respeito aos princípios da isonomia e da tutela do meio
ambiente de trabalho, presume-se que as disposições normativas que
versem sobre adicionais remuneratórios guardem conexão mais
estreita com as normas coletivas celebradas pelos sindicatos atuantes
na localidade de destacamento, salvo se o valor até então praticado
214
a idêntico título se mostrar superior, hipótese em que deverá ser
mantido. Nesse grupo incluem-se, sem limitá-lo, as cláusulas
convencionais que regulem os adicionais de horário suplementar e
noturno e relativas aos trabalhos insalubre e perigoso.
(4) Presume-se que tenham conexão mais estreita com as normas
coletivas do domicílio profissional do trabalhador, devendo
permanecer por elas regidas, as cláusulas convencionas que versem
sobre relações jurídicas de trato continuado envolvendo terceiros,
tais como previdência privada e assistência médica e hospitalar.
(5) Por conectarem-se à pessoa do trabalhador e não ao contrato de
trabalho, e tendo em vista o princípio de máxima efetividade dos
direitos fundamentais, as cláusulas convencionais que disponham
sobre direitos e garantias individuais (CF, art. 5º), sobre direitos
sociais individuais de expressão coletiva (CF, arts. 8º a 11) e sobre
direitos difusos (CF, art. 170, ex vi) produzem eficácia em conjunto,
assegurando ao trabalhador valer-se das disposições normativas
tanto do local de origem como do local de destacamento,
indistintamente. Na hipótese de exercício do direito de greve na
localidade de destacamento, as disposições de convenção ou acordo
coletivo de trabalho que venham a pôr fim no movimento continuam
a produzir efeitos sobre o contrato de trabalho mesmo após o retorno
do trabalhador ao local de origem.
(6) Em razão do princípio da liberdade sindical, as contribuições
sindicais exigíveis de todos os trabalhadores, sindicalizados ou não,
serão direcionadas ao sindicato indicado pelo trabalhador, podendo
ser tanto o do local de destacamento como o do seu domicílio
profissional. Na ausência de manifestação da vontade expressa,
presume-se que as disposições legais relacionadas ao financiamento
das entidades sindicais possuam conexão mais estreita com o
sindicato do domicílio profissional do trabalhador. O destacamento
provisório do trabalhador não afasta suas obrigações perante a
entidade sindical à qual livremente se associou.
215
(7) O dever de assistência e representação por parte de entidade
sindical não depende da eficácia das normas convencionais
celebradas pelo respectivo ente ou do direcionamento das
contribuições sindicais, assegurando-se ao trabalhador o direito de
ser assistido e representado tanto pelo sindicato do local de
destacamento como pelo sindicato da localidade de origem.
V. Trabalho em regime domiciliar ou predominantemente em
ambiente externo.
Nos contratos executados em âmbito domiciliar ou
predominantemente em ambiente externo ao estabelecimento
empresarial, conduzidos sob a direção remota do empregador,
presume-se que a relação de emprego possua conexão mais estreita
com as normas coletivas vigentes no local em que está situada a
unidade empresarial à qual o empregado está vinculado, ainda que
este tenha sido contratado em outro local ou execute a prestação de
serviços em localidade que integra a base territorial de entidade
sindical diversa.
Como se deixou claro ao longo do relatório, as presunções de
conexão mais estreita constantes do modelo acima foram constituídas de forma
hipotética e apriorística a partir de um exercício intelectual que se apoia nas
experiências pessoais do pesquisador. Elas integram o modelo de aplicação
porque, como se disse, (i) oferecem um ponto de partida para a investigação dos
vínculos de proximidade do caso concreto, como uma agulha que aponta uma
direção que pode ser útil para a localização do caminho certo; (ii) oferecem ao
juiz um instrumento que pode contribuir para a solução do caso concreto quando
não for possível identificar efetivamente os vínculos de proximidade envolvidos
na questão, assim como podem constituir uma diretriz inicial para a distribuição
do ônus probatório entre os litigantes; (iii) a ideia de presunções impede que, no
futuro, criem-se padrões de proximidade absolutos e que acabem promovendo o
retorno aos elementos estáticos de conexão.
216
O sistema de presunções não substitui o exame dos vínculos de
proximidade no caso concreto. Há, como se deixou claro, total abertura para que
o juiz identifique e declare que a relação de emprego, no todo ou em parte,
apresenta uma conexão mais estreita com normas coletivas diferentes daquelas
sugeridas em nossas presunções e afaste a aplicação dessas. Há, igualmente, a
possibilidade de que tais presunções não resistam ao teste empírico ou acabem
sucumbindo frente a objeções de autores que tenham uma visão diversa ou, quem
sabe, em uma futura revisão de nossos juízos hipotéticos.
217
EMENTÁRIO
Caso nº 1 “Na hipótese, colidem as leis ainda em vigor nos Estados de São
Paulo e Paraná: o que uma faculta, a outra veda. No conflito entre as duas leis, há de
prevalecer aquela sob cujo império estão os bens que fazem objeto dos atos
jurisdicionais em conflito, em cuja esfera territorial de ação hão de esses atos produzir
os seus efeitos jurídicos. Por analogia, é de aplicar-se a regra de Direito Internacional
Privado, segundo o qual, com relação à jurisdição sobre imóveis, rege a lex rei sitae”
[grafia adequada ao padrão ortográfico atualmente vigente]. (BRASIL. Corte Suprema.
Conflito de jurisdição nº 1.109-SP. Suscitante: o espólio de Luiz Alves Thomaz.
Suscitados: Juiz de Direito da 2ª Vara da Comarca de Santos (SP) e Juiz de Direito da
Comarca de Jacarezinho (PR). Relator: Min. Carvalho Mourão. Rio de Janeiro, 11 dez.
1935. Archivo Judiciário, Rio de Janeiro, v. 39, p. 284-285, jul. ago. e set. 1936).
Caso nº 2 “RECURSO DE REVISTA - COMPETÊNCIA - EMPREGADO
CONTRATADO NO BRASIL PARA LABORAR EM OUTRO PAÍS - CRUZEIRO
MARÍTIMO 1. A despeito de o art. 9º da Lei de Introdução às Normas do Direito
Brasileiro dispor que a regra geral de conexão se fixa pelo local em que se constitui a
obrigação, em se tratando de obrigação trabalhista, a regra de conexão é fixada pelo
local da prestação do serviço. Inteligência do art. 198 do Código de Bustamante. 2.
Além disso, em decorrência do princípio do centro de gravidade (most significant
relationship), as regras de Direito Internacional Privado somente deixarão de ser
aplicadas quando, observadas as circunstâncias do caso, verificar-se que a causa tem
uma ligação muito mais forte com outro direito. 3. No caso em tela, é incontroverso que
a prestação do serviço se dava em embarcação privada (cruzeiro) de pavilhão
estrangeiro, tendo a maior parte da contratualidade ocorrido no exterior. Apenas
incidentalmente ocorreu prestação de serviços no Brasil. 4. Considerando-se esse
contexto fático, impõe-se a aplicação da legislação internacional, afastando-se a
incidência do direito brasileiro e a competência da Justiça do Trabalho para julgamento
da matéria” [ementa com omissis] (BRASIL. Tribunal Superior do Trabalho. 8ª Turma.
Recurso de revista nº 287-55.2010.5.02.0446. Recorrente: Rui Carlos Lopes.
Recorridos: Msc Cruzeiros do Brasil Ltda e Infinity Empregos em Navios de Cruzeiros
Ltda. Redatora: Ministra Maria Cristina Irigoyen Peduzzi. Brasília, 25 mai. 2016. Diário
eletrônico da Justiça do Trabalho de 17 jun. 2016).
Caso nº 3 “TRABALHO EM NAVIO ESTRANGEIRO - EMPREGADO
PRÉ-CONTRATADO NO BRASIL - CONFLITO DE LEIS NO ESPAÇO -
LEGISLAÇÃO APLICÁVEL 1. O princípio do centro de gravidade, ou, como chamado
no direito norte-americano, most significant relationship, afirma que as regras de Direito
Internacional Privado deixarão de ser aplicadas, excepcionalmente, quando, observadas
218
as circunstâncias do caso, verifica-se que a causa tem uma ligação muito mais forte com
outro direito. É o que se denomina "válvula de escape", dando maior liberdade ao juiz
para decidir que o direito aplicável ao caso concreto. 2. Na hipótese, em se tratando de
empregada brasileira, pré-contratada no Brasil, para trabalho parcialmente exercido no
Brasil, o princípio do centro de gravidade da relação jurídica atrai a aplicação da
legislação brasileira”. [ementa com omissis] (BRASIL. Tribunal Superior do Trabalho.
8ª Turma. Recurso de revista nº 12700-42.2006.5.02.0446. Recorrente: Costa Cruzeiros
Agência Marítima e Turismo Ltda. Recorrida: Natalie Lassalvia Vaz de Lorena.
Relatora: Ministra Maria Cristina Irigoyen Peduzzi. Brasília, 06 mai. 2009. Diário
eletrônico da Justiça do Trabalho de 22 mai. 2009).
Caso nº 4 “RECURSO DE REVISTA - CONFLITO DE LEIS NO ESPAÇO -
CONTRATO INTERNACIONAL DE TRABALHO. A discussão sobre o mecanismo
de solução do conflito de leis no espaço ganha relevo no ponto de desenvolvimento do
capitalismo brasileiro, em que as empresas nacionais ou transnacionais, cada vez mais,
expandem seus negócios além das fronteiras, fazendo com que empregados brasileiros
tenham seus contratos de trabalho executados, parcial ou totalmente, em outros países.
Essa tendência crescente leva à reflexão se os modelos tradicionais de solução atendem
a essa realidade complexa e em contínua mutação. Tradicionalmente, os modelos
clássicos de solução de conflito de leis no espaço têm seguido dois enfoques: i) norma
do art. 9º da Lei de Introdução ao Código Civil, pela qual as obrigações são qualificadas
e regidas pela lei do país em que se constitui o contrato; (ii) norma do art. 198 do Código
de Bustamante e consagrado na Súmula nº 207 do TST, que adota o princípio da
territorialidade e estabelece a -lex loci executionis-, na qual se pressupõe que o contrato
de trabalho seja pactuado para a prestação dos serviços em país diverso do país onde
efetuada a contratação, adotando-se as regras integrais daquele em detrimento das deste.
Mais recentemente, por construção jurisprudencial, tem sido, ainda, aplicada a norma
do art. 3º da Lei nº 7.064/82, inicialmente prevista para os trabalhadores do ramo de
engenharia civil, que relativiza a regra do art. 198 do Código de Bustamante,
determinando a observação da lei brasileira, quando mais favorável do que a legislação
territorial no conjunto de normas em relação à matéria. Aponta-se, ainda, como novo
mecanismo de solução de conflitos o método unilateral, segundo o qual não se busca de
maneira objetiva a lei aplicável, mas sim a norma aplicável que melhor solucione o
litígio a partir de fatores relevantes, consagrado no direito americano no -Restatement
Second of Conflict of Law-, também concebido como princípio da proximidade ou da
relação mais significativa. Verifica-se que a situação do autor, contratado no Brasil,
tendo aqui prestado serviços e, posterior e sucessivamente, sido transferido a dois outros
países, mas com manutenção do contrato de trabalho no Brasil, inclusive com depósitos
na conta vinculado do FGTS, o que indiscutivelmente concede a expectativa de retorno,
confirmada pela conclusão do contrato de trabalho em território brasileiro, aponta uma
dessas situações em que, pela unicidade contratual, não há elemento de conexão capaz
219
de abranger a complexidade da contingência, fugindo aos enfoques clássicos de solução.
Nessa medida, a decisão da Corte Regional em que se adotou a regra do art. 3º da Lei
nº 7.064/82 não contraria a Súmula nº 207 do TST. Recurso de revista não conhecido”
(BRASIL. Tribunal Superior do Trabalho. 1ª Turma. Recurso de revista nº 186000-
18.2004.5.01.0034. Recorrente: Shell Brasil Ltda. Recorrido: José Pereira Marques.
Relator: Ministro Luiz Philippe Vieira de Mello Filho. Brasília, 06 out. 2010. Diário
eletrônico da Justiça do Trabalho de 14 out. 2010).
Caso nº 5 “CARTA ROGATÓRIA - CITAÇÃO - AÇÃO DE COBRANÇA
DE DÍVIDA DE JOGO CONTRAÍDA NO EXTERIOR - EXEQUATUR -
POSSIBILIDADE. Não ofende a soberania do Brasil ou a ordem pública conceder
exequatur para citar alguém a se defender contra cobrança de dívida de jogo contraída
e exigida em Estado estrangeiro, onde tais pretensões são lícitas” (BRASIL. Superior
Tribunal de Justiça. Corte Especial. Agravo regimental na carta rogatória nº 3.198/US.
Agravante : Abraham Orenstein. Agravado: Trump Tm Mahal Associates. Justiça
rogante: Tribunal Superior de Nova Jérsei. Relator: Ministro Humberto Gomes de
Barros. Brasília, 30 jun. 2008. Diário da Justiça eletrônico de 11 set. 2008).
Caso nº 6 “A liquidação e a execução individual de sentença genérica
proferida em ação civil coletiva pode ser ajuizada no foro do domicílio do beneficiário,
porquanto os efeitos e a eficácia da sentença não estão circunscritos a lindes geográficos,
mas aos limites objetivos e subjetivos do que foi decidido, levando-se em conta, para
tanto, sempre a extensão do dano e a qualidade dos interesses metaindividuais postos
em juízo (arts. 468, 472 e 474, CPC e 93 e 103, CDC)” [ementa com omissis] (BRASIL.
Superior Tribunal de Justiça. Corte Especial. Recurso especial em regime de recursos
repetitivos nº 1.243.887/PR. Recorrente: Banco Banestado S.A. Recorrido: Deonísio
Rovina. Relator: Ministro Luís Felipe Salomão. Brasília, 19 out. 2011. Diário da Justiça
eletrônico de 12 dez. 2011).
Caso nº 7 “No julgamento do recurso especial repetitivo (representativo de
controvérsia) n.º 1.243.887/PR, Rel. Min. Luís Felipe Salomão, a Corte Especial do
Superior Tribunal de Justiça, ao analisar a regra prevista no art. 16 da Lei n.º 7.347/85,
primeira parte, consignou ser indevido limitar, aprioristicamente, a eficácia de decisões
proferidas em ações civis públicas coletivas ao território da competência do órgão
judicante” [ementa com omissis] (BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Corte
Especial. Embargos de divergência no recurso especial nº 1.134.957/SP. Embargante:
Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor. Embargado: Caixa Econômica Federal e
Outros. Relatora: Ministra Laurita Vaz. Brasília, 24 out. 2016. Diário da Justiça
eletrônico de 30 nov. 2016).
220
Caso nº 8 “ENQUADRAMENTO SINDICAL. NORMA COLETIVA
APLICÁVEL. BASE TERRITORIAL. LOCAL DA PRESTAÇÃO DOS SERVIÇOS.
1 - Atendidos os requisitos do art. 896, § 1º-A da CLT. 2 - A aplicação das normas
coletivas rege-se pelos artigos 611 da CLT e 8º, II, da Constituição Federal, que
consagram o princípio da territorialidade. Nesse contexto, prevalecem os instrumentos
coletivos da base territorial onde o empregado prestou serviços (Porto Alegre).
Julgados” [ementa com omissis] (BRASIL. Tribunal Superior do Trabalho. 6ª Turma.
Recurso de revista nº 20324-88.2013.5.04.0011. Recorrente: WMS Supermercados do
Brasil Ltda. Recorrido: Marcos Alex Dias. Relatora: Ministra Kátia Magalhães Arruda.
Brasília, 26 out. 2016. Diário eletrônico da Justiça do Trabalho de 28 out. 2016).
221
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS.
ALEXY, Robert. Teoria dos direitos fundamentais. Tradução de Virgílio
Afonso da Silva. 2ª ed. São Paulo: Malheiros, 2011.
ALMEIDA, Alexandre Nunes; AZZONI, Carlos Roberto. Custo de vida
comparativo das regiões metropolitanas brasileiras: 1996-2014. Revista
Estudos Econômicos, São Paulo, v. 46, n. 1, p. 253-276, mar. 2016. ISSN 1980-
5357.
ALSTON et al. Accord sur l'equilibre travail & vie privee. Saint-Ouen: 14
dez. 2016. Disponível em <http://www.dialogue-social.fr/files_upload/
documentation/201703131618130.Alstom%20QVT%202017.pdf>. Acesso em
28 abr. 2017.
AMADO, João Leal. Contrato de trabalho. Coimbra: Coimbra Editora, 2009.
BATIFFOL, Henri; LAGARDE, Paul. Droit international privé. 7ª ed. Paris:
Librairie générale de droit et de jurisprudence, 1981.
BOBBIO, Norberto. A era dos direitos. Tradução de Carlos Nelson Coutinho.
2ª ed. Rio de Janeiro: Elsevier, 2004.
BRASIL. Decreto nº 18.871, de 13 ago. 1929. Promulga a convenção de direito
internacional privado, de Havana. Diário Oficial da União, Poder Executivo,
Rio de Janeiro, 22 out. 1929. Seção 1, p. 21237.
______. Decreto nº 1.979, de 9 ago. 1996. Promulga a convenção interamericana
sobre normas gerais de direito internacional privado, concluída em Montevidéu,
Uruguai, em 8 de maio de 1979. Diário Oficial da União, Poder Executivo,
Brasília, DF, 12 ago. 1996. Seção 1, p. 15177.
CANARIS, Claus-Wilhelm. Direitos fundamentais e direito privado.
Coimbra: Almedina, 2009.
222
CASTRO, Amílcar de. Direito internacional privado. 4ª ed. Rio de Janeiro:
Forense, 1987.
CEE. Comunidade Econômica Europeia. Convenção sobre a Lei Aplicável às
Obrigações Contratuais (80/934/CEE). Roma, 19. jun. 1980. Jornal Oficial das
Comunidades Europeias, n. L-266/1, ed. especial portuguesa, cap. 1, fasc. 3,
p. 36-54. Roma, 9 out. 1980.
DOLINGER, Jacob. Direito internacional privado: o princípio da proximidade e
o futuro da humanidade. Revista de direito administrativo, Rio de Janeiro,
235, jan./mar. 2004, p. 139-146.
______. Direito internacional privado (parte especial): direito civil
internacional. Rio de Janeiro: Renovar, v. II. Contratos e obrigações no direito
internacional privado, 2007.
______. Direito internacional privado: parte geral. 11ª ed. Rio de Janeiro:
Forense, 2014.
FLEINER-GERSTER, Thomas. Teoria geral do estado. São Paulo: Martins
Fontes, 2006.
HCCH. Hague Conference on Private International Law. Convention on the
law applicable to agency (concluded on 14 mar. 1978). Haia, 1978. Disponível
em <https://assets.hcch.net/docs/68b15c35-5a56-4f67-9eca-
c4aa8a792aa0.pdf>. Acesso em 5 nov. 2016.
______. Convention on the law applicable to trusts and on their recognition
(concluded on 1st jul. 1985). Haia, 1985. Disponível em
<https://assets.hcch.net/docs/8618ed48-e52f-4d5c-93c1-56d58a610cf5.pdf>.
Acesso em 5 nov. 2016.
______. Convention on the law applicable to contracts for the international
sale of goods (concluded on 22 dec. 1986). Haia, 1986. Disponível em
<https://assets.hcch.net/docs/b4698bc5-9d42-4352-934f-5232a8dcb12c.pdf>.
Acesso em 5 nov. 2016.
223
______. Principles on choice of law in international commercial contracts
(approved on 19 mar. 2015). Haia, 2015. Disponível em
<https://assets.hcch.net/upload/conventions/txt40en.pdf>. Acesso em 5 nov.
2016.
HUSEK, Carlos Roberto. Curso básico de direito internacional público e
privado do trabalho. 3ª ed. São Paulo: LTr, 2015.
IBGE - Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Anuário estatístico do
Brasil - 1941/1945. Rio de Janeiro: IBGE, 1946.
______. Arranjos populacionais e concentrações urbanas do Brasil. 2ª ed.
Rio de Janeiro: IBGE, 2016.
______. Estatísticas do século XX. Rio de Janeiro, 2006. Disponível em
<http://biblioteca.ibge.gov.br/visualizacao/livros/liv37312.pdf>. Acesso em 7
fev. 2017.
______. Diretoria de Pesquisas, Coordenação de Metodologia das Estatísticas de
Empresas, Cadastros e Classificações, Cadastro Central de Empresas 2014.
Disponível em <https://sidra.ibge.gov.br/tabela/995>. Acesso em 13 fev. 2017.
IDI - Institut de Droit International. 7ª Comissão (31 ago. 1991). L'autonomie
de la volonté des parties dans les contrats internationaux entre personnes
privées. Basiléia (Suíça), 1991. Disponível em
<http://www.justitiaetpace.org/idiE/resolutionsE/1991_bal_02_en.pdf>. Acesso
em 5 nov. 2016.
INDONÉSIA, Law nº 13/2003 concerning Manpower. ILO Natlex Database.
Unofficial ILO translation, 84 p. ISN: IDN-2003-L-64764. In <
http://www.ilo.org/dyn/natlex/docs/SERIAL/64764/56412/F811830039/IDN64
764%20New.pdf> Acesso em 5 abr. 2017.
KANT, Immanuel. Crítica da razão pura. 4ª ed. Petrópolis: Vozes, 2015.
KELSEN, Hans. Teria geral do direito e do estado. 5ª ed. São Paulo: Martins
Fontes, 2016.
224
LAURINDO, Salvador Franco de Lima. Destacamento de trabalhadores:
dumping social e os desafios à afirmação do espaço social europeu. São Paulo:
LTr, 2013.
MTE - Ministério do Trabalho e Emprego (Brasil). Cadastro nacional de
entidades sindicais. Disponível em
<http://www3.mte.gov.br/sistemas/cnes/relatorios/painel/GraficoTipo.asp#>.
Acesso em 14 fev. 2017.
______. Secretaria de Relações do Trabalho. Sistema de negociações coletivas
de trabalho (Mediador). Disponível em
<http://www3.mte.gov.br/sistemas/mediador/ConsultarInstColetivo>. Acesso
em 14 fev. 2017.
OEA. Organização dos Estados Americanos. Convenção interamericana sobre
direito aplicável aos contratos internacionais (aprovada em 17 mar. 1994).
Cidade do México, 1994. Disponível em
<http://www.oas.org/juridico/portuguese/treaties/b-56.htm>. Acesso em 20 abr.
2017.
POPPER, Karl Raimund. A lógica da pesquisa científica. 2ª ed. São Paulo:
Cultrix, 2013.
PORTUGAL. Ministério do Trabalho, Solidariedade e Segurança Social.
Acordo coletivo entre a MEO - Serviços de Comunicações e Multimédia SA e
outras e o Sindicato Nacional dos Trabalhadores das Telecomunicações e
Audiovisual - SINTTAV e outros - Revisão global. Boletim do Trabalho e
Emprego, nº 41, v. 83, 8/11/2016, p. 3244-3278. Disponível em
<http://bte.gep.msess.gov.pt/completos/2016/bte41_2016.pdf>. Acesso 28 abr.
2017.
RICHMAN, William M.; REYNOLDS, William. L. Understanding Conflict
of Laws. 3rd ed. Newark: LexisNexis, 2002.
SANTOS, Ronaldo Lima dos. Teoria das normas coletivas. 3ª ed. São Paulo:
LTr, 2014.
225
SÃO PAULO (Cidade). Secretaria Municipal de Finanças. Cadastro de
empresas de fora do município. Disponível em
<https://www3.prefeitura.sp.gov.br/cpom2/Consulta_Tomador.aspx>. Acesso
em 13 fev. 2017.
SAVIGNY, Friedrich Carl von. Private international law: a treatise on the
conflict of laws, and the limits of their operation in respect of place and time.
Edimburgo: T. & T. Clark, 1896.
SILVA, Luís Gonçalves da. Notas sobre a eficácia normativa das convenções
colectivas. Coimbra: Almedina, 2002.
SINDUSCON-RO, Sindicato das Indústrias da Construção Civil do Estado de
Rondônia; STICCERO, Sindicato dos Trabalhadores na Indústria da Construção
Civil do Estado de Rondônia. Convenção Coletiva de Trabalho 2016/2017.
Vigência: 1º mai. 2016 a 30 abr. 2017. Registro MTE n. RO000063/2016, de 10
mai. 2016. Rondônia: 5 mai. 2016.
SINDUSCON-SP, Sindicato da Indústria da Construção Civil de Grandes
Estruturas no Estado de São Paulo; SINTRACON-SP, Sindicato dos
Trabalhadores nas Indústrias da Construção Civil de São Paulo. Convenção
Coletiva de Trabalho 2016/2017. Vigência: 1º mai. 2016 a 30 abr. 2017.
Registro MTE n. SP010357/2016, de 6 set. 2016. São Paulo: 25 mai. 2016.
STRENGER, Irineu. Autonomia da vontade em direito internacional
privado. São Paulo: RT, 1968.
______. Direito internacional privado. vol. I. Parte geral. São Paulo: Revista
dos Tribunais, 1986.
TENÓRIO, Oscar. Direito internacional privado. 9ª. ed. Rio de Janeiro: Freitas
Bastos, 1968.
TST – Tribunal Superior do Trabalho (Brasil). Estatísticas processuais de
primeiro grau (classificação por assuntos). Disponível em:
<http://www.tst.jus.br/documents/10157/2ac40bb8-c47c-4471-8823-
6f22759caa8c>. Acesso em 14 fev. 2017.
226
UE. Parlamento Europeu e Conselho da União Europeia. Diretiva nº 97/71/CE.
Estrasburgo, 16 dez. 1996. Jornal Oficial das Comunidades Europeias,
Estrasburgo, 21 jan. 1997. n. L-18, ed. portuguesa, p. 1-6, 21 jan. 1997.
______. Regulamento (CE) nº 593/2008. Estrasburgo, 17 jun. 2008. Jornal
Oficial das Comunidades Europeias, n. L-177, ed. portuguesa, p. 6-16, 4 jul.
2008. Estrasburgo, 17 jun. 2008.
UNIDROIT. International Institute for the Unification of Private Law.
Principles of international commercial contracts. Roma, 1994. Disponível em
<http://www.unidroit.org/instruments/commercial-contracts/unidroit-
principles-1994>. Acesso em 20 abr. 2017.
VALLADÃO, Haroldo. Direito internacional privado: em base histórica e
comparativa, positiva e doutrinária, especialmente dos Estados americanos. 3ª.
ed. Rio de Janeiro: Freitas Bastos, v. I, 1971.
______. Direito internacional privado: em base histórica e comparativa,
positiva e doutrinária, especialmente dos Estados americanos. Rio de Janeiro:
Freitas Bastos, v. III, 1978.