Anais do “EMERJ Debate o Novo Código Civil” - 9
Ao Excelentíssimo SenhorDoutor ARMANDO FALCÃODD. Ministro de Estado da Justiça
Brasília
Senhor MinistroNa qualidade de Supervisor da �Co-
missão Revisora e Elaboradora do Códi-go Civil�, cabe-me a honra de submeterà consideração de Vossa Excelência oAnteprojeto de Código Civil, elaboradocom inestimável colaboração dos Profes-sores JOSÉ CARLOS MOREIRA ALVES(Parte Geral), AGOSTINHO DE ARRUDAALVIM (Direito das Obrigações), SYLVIOMARCONDES (Atividade Negocial),EBERT VIANNA CHAMOUN (Direito dasCoisas), CLÓVIS DO COUTO E SILVA (Di-reito de Família) e TORQUATO CASTRO(Direito das Sucessões).
Não obstante já conhecidas as di-retrizes fundamentais do Anteprojeto,através das Exposições de Motivosredigidas pelo signatário e demais mem-bros da Comissão, não será demais, comoremate final dos trabalhos iniciados háquase seis anos, a 23 de maio de 1969,recapitular os seus pontos essenciais,com os aditamentos indispensáveis aopleno esclarecimento da matéria.
Ao fazê-lo, Senhor Ministro, posso afir-mar que, pela forma como se desenvolveramos estudos, com base em reiteradas pesqui-sas próprias, mas também graças às precio-sas sugestões e críticas que nos chegaramde todos os quadrantes do País, a obra oraapresentada transcende a pessoa de seusautores, o que me permite apreciá-la com aindispensável objetividade.
Preferimos, os integrantes da Co-missão, agir em sintonia com a comuni-dade brasileira, corrigindo e completan-do os Anteprojetos anteriores, publica-
dos no Diário Oficial da União, respecti-vamente, de 7 de agosto de 1972 e 18 dejunho de 1974, por uma razão essencialde probidade científica, a qual se iden-tifica com o natural propósito de bemservir ao povo.
NECESSIDADE DA ATUALIZAÇÃO DOCÓDIGO CIVIL
1. Não é de hoje que vem sendo recla-mada a reforma da Lei Civil em vigor,como decorrência das profundas altera-ções havidas no plano dos fatos e dasidéias, tanto em razão do progressotecnológico como em virtude da nova di-mensão adquirida pelos valores da soli-dariedade social.
A exigência de atualização dos precei-tos legais foi notada, preliminarmente, nocampo das relações de natureza negocial,como o demonstra a elaboração de um pro-jeto autônomo de �Código de Obrigações�,há mais de trinta anos, da autoria dos emi-nentes jurisconsultos HAHNEMANN GUIMA-RÃES, PHILADELPHO AZEVEDO eOROSIMBO NONATO. Essa iniciativa nãovingou, entre outros motivos, por ter-se re-conhecido que se impunha a revisão globalde nossa legislação civil, visto não ser me-nos sentida a sua inadequação no que serefere às demais partes das relações soci-ais por ela disciplinadas.
É a razão pela qual o problema foiretomado, em 1963, tendo sido, então,preferida a elaboração de dois Códigos,um Código Civil � destinado a reger tão-somente as relações de propriedade, fa-mília e sucessões � e um Código de Obri-gações, para integrar em unidade siste-mática assim as relações civis como asmercantis.
Não obstante os altos méritos dosjuristas que foram incumbidos dessa ta-
Exposição de Motivos do Supervisor da
Comissão Revisora e Elaboradora do Código
Civil, Doutor Miguel Reale, datada de
16 de Janeiro de 1975
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refa, não logrou boa acolhida a idéia dedois códigos distintos, merecendo, toda-via, aplausos o propósito de unificaçãodo Direito das Obrigações, que, como serálogo mais salientado, constitui verdadei-ra vocação da experiência jurídica bra-sileira.
Abandonada a linha da reforma quevinha sendo seguida, não foi posta delado, mas antes passou a ser insisten-temente pedida a atualização do CódigoCivil vigente, tais e tantos são os preju-ízos causados ao País por um sistemalegal não mais adequado a uma socie-dade que já superou a fase de estruturaprevalecentemente agrária para assumiras formas e os processos próprios do de-senvolvimento científico e industrial quecaracteriza o nosso tempo.
Não vai nessa afirmação qualquerdesdouro para a obra gigantesca de CLÓ-VIS BEVILÁQUA, cuja capacidade de le-gislador não será nunca por demaisenaltecida. Ocorre, todavia, que o Códigode 1916 foi concebido e aperfeiçoado apartir de 1899, coincidindo a sua feituracom os últimos reflexos de um ciclo his-tórico marcado, no plano político e jurídi-co, por acendrado individualismo.2. As dificuldades e os riscos inerentesao projeto de um Código sentiu-os pro-fundamente o preclaro CLÓVISBEVILÁQUA, ao assumir sobre os om-bros a responsabilidade de seu monu-mental trabalho, que ele prudentemen-te situou �no ponto de confluência dasduas forças de cujo equilíbrio depende asolidez das construções sociais: a con-servação e a inovação, as tradições na-cionais e as teorias das escolas, o ele-mento estável que já se adaptou ao ca-ráter e ao modo de sentir de nosso povo,a maneira pela qual ele estabelece e pro-cura resolver os agros problemas da vidae o elemento progressivo insuflado peladoutrina científica�. E ainda advertia oMestre: �Mas, por isso mesmo que o Di-reito evolui, o legislador tem necessida-de de harmonizar os dois princípios di-vergentes (o que se amarra ao passadoe o que propende para o futuro), para
acomodar a lei e as novas formas de re-lações e para assumir discretamente aatitude de educador de sua nação, gui-ando cautelosamente a evolução que seacusa no horizonte�.
Outra não pode ser a atitude docodificador, dada a natureza essencial-mente ambivalente de sua missão, queconsiste em afundar raízes no passadopara melhor se alçar na visão do porvir.
Não é menos verdade, porém, queo nosso tempo se mostra mais propícioa vislumbrar as linhas do futuro do queo de CLÓVIS, quando ainda o planetanão fora sacudido pela tormenta de duasguerras universais e pelo impacto dosconflitos ideológicos. Muito embora se-jamos partícipes de uma �sociedade emmudança�, já fizemos, no Brasil, a nos-sa opção pelo sistema e o estilo de vidamais condizentes com as nossas aspi-rações e os valores de nossa formaçãohistórica. Se reconhecemos os impera-tivos de uma Democracia Social, repu-diamos todas as formas de coletivismoou estatalismo absorventes e totalitári-os. Essa firme diretriz não só nos ofere-ce condições adequadas à colocação dosproblemas básicos de nossa vida civil,como nos impõe o dever de assegurar,nesse sentido, a linha de nosso desen-volvimento.3. Superado de vez o individualismo, quecondicionara as fontes inspiradoras doCódigo vigente, reconhecendo-se cadavez mais que o Direito é social em suaorigem e em seu destino, impondo a cor-relação concreta e dinâmica dos valo-res coletivos com os individuais, paraque a pessoa humana seja preservadasem privilégios e exclusivismos, numaordem global de comum participação,não pode ser julgada temerária, mas an-tes urgente e indispensável, a renova-ção dos códigos atuais, como uma dasmais nobres e corajosas metas de go-verno.
Por outro lado, os que têm se ma-nifestado sobre a chamada �crise daJustiça� reconhecem que uma das cau-sas desta advém do obsoletismo de mui-
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tas normas legais vigentes, quer pelainadequação de seu conteúdo à reali-dade social contemporânea, quer pelovincado sentido formalista que as ins-pira, multiplicando as áreas e os moti-vos dos conflitos de interesse.
Acresce que, tendo sido antecipa-da a promulgação do novo Código de Pro-cesso Civil, mais ainda se impõe a pron-ta reforma da lei substantiva, tal acomplementariedade que liga um pro-cesso normativo ao outro.
Nem se diga que nossa época é pou-co propícia à obra codificadora, tantas etamanhas são as forças que atuam nestemundo em contínua transformação, pois,a prevalecer tal entendimento, só resta-ria ao jurista o papel melancólico de acom-panhar passivamente o processo históri-co, limitando-se a interferir, intermiten-temente, com leis esparsas e extravagan-tes. Ao contrário do que se assoalha, acodificação, como uma das expressões má-ximas da cultura de um povo, não consti-tui balanço ou arremate de batalhasvencidas, mas pode e deve ser instrumen-to de afirmação de valores nas épocas decrise. Mesmo porque, tal como a históriano-lo comprova, há codificações, como ade Justiniano, elaboradas no crepúsculode uma civilização, enquanto que outras,como o Código Civil de Napoleão,correspondem ao momento ascencional deum ciclo de cultura.
O que importa é ter olhos atentos aofuturo, sem o temor do futuro breve oulongo que possa ter a obra realizada. Có-digos definitivos e intocáveis não os há,nem haveria vantagem em tê-los, pois asua imobilidade significaria a perda do quehá de mais profundo no ser do homem,que é o seu desejo perene deperfectibilidade. Um Código não é, em ver-dade, algo de estático ou cristalizado, des-tinado a embaraçar caminhos, a travariniciativas, a provocar paradas ou retro-cessos: põe-se antes como sistema de so-luções normativas e de modelosinformadores de experiência vivida de umaNação, a fim de que ela, graças à visãoatualizada do conjunto, possa com segu-rança prosseguir em sua caminhada.
DIRETRIZES FUNDAMENTAIS
4. Penso, Senhor Ministro, ter sidoacertado o processo de estudo e pes-quisa firmado em nossas reuniões ini-ciais, no sentido de se proceder à revi-são por etapas, a primeira das quaisconsistiu na feitura de projetos parci-ais, acordados os princípios fundamen-tais a que deveria obedecer o futuroCódigo, a saber:
a) Compreensão do Código Civilcomo lei básica, mas não global, do DireitoPrivado, conservando-se em seu âmbito,por conseguinte, o Direito das Obriga-ções, sem distinção entre obrigações ci-vis e mercantis, consoante diretriz jáconsagrada, nesse ponto, desde o Ante-projeto do Código de Obrigações de 1941,e reiterada no Projeto de 1965.
b) Considerar elemento integrantedo próprio Código Civil a parte legislativaconcernente às atividades negociais ouempresárias em geral, como desdobra-mento natural do Direito das Obriga-ções, salvo as matérias que reclamamdisciplina especial autônoma, tais comoas de falência, letra de câmbio, e outrasque a pesquisa doutrinária ou os impe-rativos da política legislativa assim o exi-jam.
c) Manter, não obstante as altera-ções essenciais supra-indicadas, a es-trutura do Código ora em vigor, por con-siderar-se inconveniente, consoante opi-nião dominante dos juristas pátrios, asupressão da Parte Geral, tanto do pon-to de vista dos valores dogmáticos, quan-to das necessidades práticas, sem pre-juízo, é claro, da atualização de seus dis-positivos, para ajustá-los aos imperati-vos de nossa época, bem como às novasexigências da Ciência Jurídica.
d) Redistribuir a matéria do CódigoCivil vigente, de conformidade com osensinamentos que atualmente presidema sistemática civil.
e) Preservar, sempre que possível,a redação da atual Lei Civil, por se nãojustificar a mudança de seu texto, a nãoser como decorrência de alterações defundo, ou em virtude das variações se-
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mânticas ocorridas no decorrer de maisde meio século de vigência.
f) Atualizar, todavia, o Código vigen-te, não só para superar os pressupostosindividualistas que condicionaram a suaelaboração, mas também para dotá-lo deinstitutos novos, reclamados pela socie-dade atual, nos domínios das atividadesempresárias e nos demais setores da vidaprivada.
g) Aproveitar, na revisão do Códigode 1916, como era de se esperar de tra-balho científico ditado pelos ditames dointeresse público, as valiosas contribui-ções anteriores em matéria legislativa,tais como os Anteprojetos de Código deObrigações, de 1941 e de 1965, este re-visto pela douta Comissão constituídapelos ilustres juristas OROSIMBONONATO, Presidente, CAIO MÁRIO DASILVA PEREIRA, Relator-Geral, SYLVIOMARCONDES, ORLANDO GOMES,THEOPHILO DE AZEVEDO SANTOS eNEHEMIAS GUEIROS; e o Anteprojeto deCódigo Civil, de 1963, de autoria do Prof.ORLANDO GOMES.
h) Dispensar igual atenção aos es-tudos e críticas que tais proposições sus-citaram, a fim de ter-se um quadro, omais completo possível, das idéias do-minantes no País, sobre o assunto.
i) Não dar guarida no Código senãoaos institutos e soluções normativas jádotados de certa sedimentação e estabi-lidade, deixando para a legislação aditiva
a disciplina de questões ainda objeto defortes dúvidas e contrastes, em virtudede mutações sociais em curso, ou na de-pendência de mais claras colocações dou-trinárias, ou ainda quando fossem previ-síveis alterações sucessivas para adap-tações da lei à experiência social e eco-nômica.
j) Eliminar do Código Civil quaisquerregras de ordem processual, a não serquando intimamente ligadas ao direito ma-terial, de tal modo que a supressão delaslhe pudesse mutilar o significado.
l) Incluir na sistemática do Código,com as revisões indispensáveis, a maté-ria contida em leis especiais promulga-das após 1916.
m) Acolher os modelos jurídicosvalidamente elaborados pela jurisprudênciaconstrutiva de nossos tribunais, mas fixar nor-mas para superar certas situações conflitivas,que de longa data comprometem a unidade ea coerência de nossa vida jurídica.
n) Dispensar as formalidades exces-sivamente onerosas, como, por exemplo,a notificação judicial, onde e quando pos-sível obter-se o mesmo resultado com eco-nomia natural de meios, ou dispensar-sea escritura pública, se bastante documen-to particular devidamente registrado.
o) Consultar entidades públicas eprivadas, representativas dos diversoscírculos de atividades e interesses, ob-jeto da disciplina normativa, a fim deque o Anteprojeto, além de se apoiar nosentendimentos legislativos, doutrinári-os e jurisprudenciais, tanto nacionaiscomo alienígenas, refletisse os anseioslegítimos da experiência social brasilei-ra, em função de nossas peculiares cir-cunstâncias.
p) Dar ao Anteprojeto antes um sen-tido operacional do que conceitual, pro-curando configurar os modelos jurídicosà luz do princípio da realizabilidade, emfunção das forças sociais operantes noPaís, para atuarem como instrumentosde paz social e de desenvolvimento.
ORIENTAÇÃO METODOLÓGICA
5. Posso afirmar, com tranqüilidade, quea elaboração do Anteprojeto de CódigoCivil obedeceu a um processo até certoponto inédito, marcado pela aderênciaaos problemas concretos da sociedadebrasileira, segundo um planopreestabelecido de sucessivos pronun-ciamentos por parte das pessoas e cate-gorias sociais a que a nova lei se desti-na. Essa linha metodológica tornou-semais nítida à medida que vieram sendodesenvolvidos os trabalhos, o que con-firma, no campo das ciências humanas,o acerto epistemológico de que, na pes-quisa científica, é o contato direto e efe-tivo com a realidade que gera as técni-cas e os métodos mais adequados à suacompreensão.
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Não é demais recordar que, após as-sentes as diretrizes fundamentais su-pra lembradas, e os necessários encon-tros preliminares, cada um dos membrosda Comissão projetou a parte que lhehavia sido atribuída. Na qualidade deSupervisor coube-me, depois, integrar emunidade sistemática os trabalhos rece-bidos.
Não podia, penso eu, ser de outraforma. Já vai longe o tempo das legisla-ções confiadas a Solon ou Licurgo solitári-os, tão diversos e complexos são os proble-mas de nosso tempo. Se se quer um Códi-go Civil que seja expressão dos valores dacomunidade, mister é o concurso de re-presentantes dos distintos �campos de in-teresse�, num intercâmbio fecundo deidéias. Para tanto, todavia, requer-se es-pírito científico, despido de preconceitos evaidades, pronto a reconhecer falhas eequívocos, mas sempre atento paradiscernir o que representa apenas preten-sões conflitantes com as necessidades co-letivas.6. Foi com base nos anteprojetos parci-ais e nas sugestões recebidas de outrasfontes que elaborei a primeira ordenação
sistemática da matéria, de conformidadecom o texto do Anteprojeto que apresen-tei ao então Ministro da Justiça, Prof.ALFREDO BUZAID, a 9 de novembro de1970. No ofício, com o qual encaminheiesse trabalho, constam as modificaçõesou acréscimos que entendi necessáriosintroduzir nos anteprojetos iniciais, so-licitando que o resultado de meus estu-dos fosse objeto da apreciação dos de-mais membros da Comissão.
Essa unificação, inclusive no tocan-te à linguagem, tinha, é claro, valor provi-sório, tendo por escopo fornecer a primei-ra e indispensável visão de conjunto, o queimportou a eliminação de normasporventura conflitantes, bem como a ela-boração de outras destinadas a assegurarao Código o sentido de �socialidade� e�concreção�, os dois princípios que funda-
mentalmente informam e legitimam a obraprogramada. Não se compreende, nem seadmite, em nossos dias, legislação que,em virtude da insuperável natureza abs-
trata das regras de direito, não abra pru-dente campo à ação construtiva da juris-prudência, ou deixe de prever, em suaaplicação, valores éticos, como os de boa-fé e eqüidade.
Saliento que, já a essa altura, alémdos subsídios tradicionais oriundos decorporações jurídicas, vinha somar-seum fator relevante, representado pelasmanifestações de múltiplas entidadesempresárias, públicas e privadas, bemcomo de integrantes de todos os círcu-los sociais, o que passou a dar ao Proje-to um sentido diverso, que, para empre-garmos expressões correntes ajustadasao caso, traduziu �verdadeiro diálogo comas forças vivas da nacionalidade�.7. Enviado o primeiro texto global do An-teprojeto aos meus ilustres colaborado-res, procederam eles à sua revisão semficarem adstritos às partes que inicial-mente lhes haviam sido confiadas. Pon-to alto desse trabalho de crítica objetivadeu-se na reunião de Campos do Jordão,em fins de dezembro de 1970, quandoforam examinados, um a um, os artigosdo primeiro Anteprojeto, ao qual foramoferecidas múltiplas emendas de conteú-do e de redação. A proposição foi, porém,aceita em sua estrutura sistemática, eno que se refere às principais alteraçõespor mim sugeridas.
Após esse encontro, pode-se dizerque o trabalho se concentrou no reexamemeticuloso das emendas oferecidas e dassugestões recebidas, de cuja análise re-sultou o texto do Anteprojeto publicadopela Imprensa Nacional em 1972. Não édemais acrescentar que esse estudo im-plicou alterações em um ou outro pontodo sistema, consoante será salientado aseguir.
Cabe repetir que, no trabalho inici-al, valemo-nos todos não só dos Ante-projetos anteriores, como já foi lembra-do, mas também do material recebido doMinistério da Justiça, contendo suges-tões provenientes de entidades oficiaise particulares, de professores e advoga-dos, sem se olvidar o pronunciamentodo homem comum, interessado na ela-boração de uma LEI que, acima de to-
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das, lhe diz respeito. Frizo a importân-cia dessas contribuições anônimas, quetrouxeram à Comissão material do maisalto significado para juristas empenha-dos na mais delicada das tarefas, qualseja a de encontrar modelos adequadosà multifária e surpreendente condiçãohumana.
Ficava, desse modo, firmada estadiretriz que foi das mais fecundas: a dealiar os ensinamentos da doutrina e dajurisprudência ao �direito vivido� pelasdiversas categorias profissionais.
Não se cuidou, por conseguinte, decompor um Código tão-somente à vistade outros códigos, num florilégionormativo resultante de preferênciaspessoais, mas sim de apurar e aferir alinha legal mais conveniente e própria,em função dos fatores operantes na re-alidade nacional.8. Obediente a essa diretriz metodológicaessencial, a Comissão propôs ao Gover-no da República que se editasse o Ante-projeto, tal como se deu em agosto de1972, isto é, três anos e meio após oinício de nossos trabalhos.
Tão grande foi o interesse por essapublicação que, esgotada a edição ofici-al, surpreendeu-nos a cooperaçãoexpontânea de uma empresa privada, a�Saraiva Livreiros Editores�, que possi-bilitou fosse o texto amplamente divul-gado em todo o País.
A esta altura, merece especial re-ferência, Senhor Ministro, como sinal deatenção dispensada a nosso trabalho, aadmirável iniciativa do Senado Federal,através de sua Subsecretaria de EdiçõesTécnicas, publicando o texto do Antepro-jeto de 1972, em precioso cotejo com asdisposições correspondentes do CódigoCivil em vigor e dos Anteprojetos anterio-res, com oportunas remissões a Códigosalienígenas. Essa publicação, na qual fi-guram as Exposições de Motivos iniciaisdos membros da Comissão Revisora eElaboradora do Código Civil, além de ou-tros seus estudos complementares, cons-tituirá inestimável subsídio para nossosparlamentares quando lhes couber o exa-me da matéria.
Era natural que o Anteprojeto de1972 suscitasse inúmeras sugestões ecríticas, as quais abrangeram todos osseus livros, sem que houvesse, todavia,objeção de maior monta quanto àestruturação dada à matéria, merece-dora que foi, ao contrário, de geraisaplausos.9. Não cabe, nos limites desta exposição,referir, uma a uma, as numerosas emen-das recebidas, objeto da mais cuidadosaanálise, nem falar nas modificações eacréscimos que constituíram, por assimdizer, o resultado de �autocrítica� por par-te da própria Comissão, representandotalvez cerca de metade das modificaçõesintroduzidas no texto.
Por outro lado, inclusive por motivosde ordem sistemática, mais perceptíveispor quem se acha empenhado nareelaboração global do ordenamento, asemendas, mesmo quando válidas quantoao conteúdo, tiveram que passar pelo cri-vo da natural adaptação. Outras vezes, acrítica ao texto era procedente, mas ina-ceitável a proposta substitutiva, o que le-vou a Comissão a oferecer outras solu-ções, superando ou corrigindo sua posi-ção inicial.
Sobretudo no que se refere à redação,adotou-se o critério de rever o texto toda vezque das manifestações recebidas se pudes-se inferir a existência de lacuna ou obscuri-dade.
Lembro tais fatos para demostrarcom que isenção procuramos proceder,dando ao primeiro Anteprojeto o �valorde uma hipótese de trabalho�, para se-guirmos a sábia lição metodológicatraçada por CLAUDE BERNARD.
Para confirmar ainda mais o ca-ráter �experiencial� da obra legislativaem curso, foi o texto, devidamente re-visto, republicado em junho de 1974,para nova manifestação dos círculosculturais do País, o que promoveu o apa-recimento de livros, artigos em revis-tas especializadas e jornais, bem comoa realização, em todo País, de ciclos deconferências e seminários, dos quaisparticiparam, com entusiasmo, osmembros da Comissão. Nem faltaram
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lisonjeiros pronunciamentos no exte-rior, não só quanto à estrutura do Pro-jeto como no concernente a várias desuas inovações.
Novas sugestões e emendas; novotrabalho de paciente reexame, elabo-radas que foram cerca de 300 emen-das, de fundo ou de forma, com asquais a Comissão dá por concluída suatarefa, com a apresentação a Vossa Ex-celência do Anteprojeto de Código Ci-vil anexo, o qual, repito, transcende apessoa de seus autores, tão significa-tiva foi a colaboração dos meios soci-ais, científicos e econômicos, que noshonraram com as suas ponderações ecríticas construtivas.
Se o Direito é, antes de tudo, fru-to da experiência, bem se pode afir-mar que o nosso trabalho traz a mar-ca dessa orientação metodológica es-sencial.
ESTRUTURA E ESPÍRITO DOANTEPROJETO
10. As considerações expendidas jáelucidam, de certo modo, quais as li-nhas dominantes da codificação propos-ta, mas a matéria, por sua relevância,reclama esclarecimentos complementa-res.
Em primeiro lugar, cabe observarque, ao contrário do que poderia pare-cer, não nos subordinamos a teses abs-tratas, visando a elaborar, sob a denomi-nação de �Código Civil�, um �Código deDireito Privado�, o qual, se possível fora,seria de discutível utilidade ou conveni-ência.
Na realidade, o que se realizou,no âmbito do Código Civil, foi a unidadedo Direito das Obrigações, de confor-midade com a linha de pensamento pre-valecente na Ciência Jurídica pátria,desde TEIXEIRA DE FREITAS e INGLEZDE SOUSA até os já referidos Antepro-jetos de Código das Obrigações de 1941e 1964.
Essa unificação seria imperfeita ouclaudicante se não a integrassem pre-ceitos que disciplinam, de maneira ge-
ral, os títulos de crédito e as atividadesnegociais.
Note-se que me refiro aos títulos decrédito em geral, pois no Anteprojeto nãofiguram senão as regras básicas comunsa todas as categorias de títulos de crédi-to, como tipos formais que são do Direitoobrigacional. Os títulos cambiais consti-tuem espécie desse gênero, e, quer porsuas implicações de caráter internacio-nal, como o atesta a Lei comum de Ge-nebra, quer pela especificidade e varia-bilidade de seus dispositivos, melhor éque sejam disciplinados por lei aditiva.Lembro tal fato como exemplo de orien-tação por nós seguida, acorde com umadas diretrizes fundamentais supra dis-criminadas.
Pela mesma razão, embora de iní-cio prevalecesse opinião diversa, foitransferido para a legislação especial oproblema das sociedades anônimas, as-sim como já quedara fora do Código todamatéria de natureza falimentar.
Não há, pois, que falar em unifica-ção do Direito Privado a não ser em suasmatrizes, isto é, com referência aos ins-titutos básicos, pois nada impede que dotronco comum se alonguem e se desdo-brem, sem se desprenderem, ramosnormativos específicos, que, com aque-las matrizes, continuam a compor o sis-tema científico do Direito Civil ou Co-mercial. Como foi dito com relação aoCódigo Civil italiano de 1942, a unifica-ção do Direito Civil e do Direito Comer-cial, no campo das obrigações, é de al-cance legislativo, e não doutrinário, semafetar a autonomia daquelas disciplinas.No caso do Anteprojeto ora apresentado,tal autonomia ainda mais se preserva,pela adoção da �técnica da legislaçãoaditiva�, onde e quando julgada conve-niente.
Não é demais advertir, consoanteacentua SYLVIO MARCONDES, na Ex-posição de Motivos que acompanha o An-teprojeto de 1974, a unidade do Direitoobrigacional já é uma realidade no Bra-sil, no plano prático, pois o Código Co-mercial de 1850 preceitua, em seu art.121, que, salvo as restrições esta-
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belecidas, �as regras e disposições do Di-reito Civil para os contratos em geral sãoaplicáveis aos contratos mercantis�. Como advento do Código Civil de 1916, dava-se prosseguimento à mesma linhaunificadora, pela aplicação de seus pre-ceitos às atividades negociais, sempreque não houvesse normas de naturezaespecífica.11. Restrito o plano unificador à maté-ria obrigacional e seus corolários imedi-atos, não havia que cuidar, como não secuidou, de normas gerais sobre a vigên-cia das leis e sua eficácia no espaço eno tempo, tanto no Direito Interno comono Direito Internacional, matéria estaobjeto da chamada Lei de Introdução aoCódigo Civil, mas que, consoanteensinamento inesquecível de TEIXEIRADE FREITAS, melhor corresponde a umaLei Geral, na qual se contenham os dis-positivos do Direito Internacional Priva-do, o que tudo demonstra que não nostentou veleidade de traçar um �Códigode Direito Privado�.12. Pois bem, se o Anteprojeto coincide,em parte, com os modelos suíço e italia-no no que tange à unificação das obriga-ções, a sua ordenação da matéria obede-ce à orientação própria inconfundível, vin-culada às mais gloriosas tradições denosso Direito.
Deve-se, com efeito, recordar que,mais de quatro décadas antes do CódigoCivil alemão de 1900, o mais genial denossos jurisconsultos, TEIXEIRA DEFREITAS, já firmara a tese de uma ParteGeral como elemento básico da sistemá-tica do Direito privado. Obedece a essecritério a Consolidação das Leis Civis, deautoria daquele ínclito jurista, consoan-te texto aprovado pelo Governo Imperialde 1858. Não abandonam essa orienta-ção as edições seguintes da Consolida-ção, as de 1865 e 1875, figurando, comroupagens científico-doutrinárias do maisalto alcance, no malogrado Esboço de Có-digo Civil, ponto culminante na DogmáticaJurídica nacional.
Se lembrarmos que os Anteproje-tos de Código Civil dos eminentes juris-tas FELICIO DOS SANTOS, de 1881, e
COELHO RODRIGUES, de 1893, conser-vam a Parte Geral no plano ordenadorda matéria; e se, sobretudo, tivermospresente que a Parte Geral compõe e go-verna o sistema do Código Civil vigente,graças à lúcida colocação dos problemasfeita por CLÓVIS BEVILÁQUA, facilmen-te se compreende por qual motivo a idéiade abandonar tão conspícuo valor de nos-sa tradição jurídica não favorecia a re-forma programada em 1963/64.
Ora, basta a existência de uma Par-te Geral para desfazer a increpação deque teríamos seguido o modelo italianode 1942, o qual a não possui. Além domais, no Código Civil peninsular figuratoda a disciplina do Direito do Trabalho,que não integra o nosso Anteprojeto, portratar-se prevalecentemente de matériade Direito público, equacionável segun-do outros ditames e parâmetros.
Pode dizer-se, por conseguinte, quea estrutura do Anteprojeto correspondea um plano original, como desdobramen-to de uma diretriz que caracteriza e eno-brece a experiência jurídica pátria, tantono que se refere à Parte Geral, seguidade cinco livros especiais, como noconcernente ao tratamento unitário dosinstitutos mais consolidados do Direitodas Obrigações.13. Não procede a alegação de que umaParte Geral, como a do Código Civil ale-mão, ou do nosso, de 1916, não representamais que uma experiência acadêmica dedistínguos conceituais, como fruto tardioda pandectística do século passado. Quan-do a Parte Geral, além de fixar as linhasordenadoras do sistema, firma os princípi-os ético-jurídicos essenciais, ela se tornainstrumento indispensável e sobremanei-ra fecundo na tela da hermenêutica e daaplicação do Direito. Essa função positivaainda mais se confirma quando a orienta-ção legislativa obedece a imperativos desocialidade e concreção, tal como se dá nopresente Anteprojeto.
Não é sem motivos que reitero es-ses dois princípios, essencialmentecomplementares, pois o grande risco detão reclamada socialização do Direito
consiste na perda dos valores particu-
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lares dos indivíduos e dos grupos; e orisco não menor da concretude jurídica
reside na abstração e olvido de carac-terísticas transpessoais ou comuns aosatos humanos, sendo indispensável, aocontrário, que o individual ou o concreto
se balance e se dinamize com o serial
ou o coletivo, numa unidade superior desentido ético.
Tal compreensão dinâmica do quedeva ser um Código implica uma atitudede natureza operacional, sem quebra dorigor conceitual, no sentido de se preferirsempre configurar os modelos jurídicoscom amplitude de repertório, de modo apossibilitar a sua adaptação às esperadasmudanças sociais, graças ao trabalho cri-ador da Hermenêutica, que nenhum ju-rista bem informado há de considerar ta-refa passiva e subordinada. Daí o cuidadoem salvaguardar, nas distintas partes doCódigo, o sentido plástico e operacionaldas normas, conforme inicialmente assen-te como pressuposto metodológico comum,fazendo-se, para tal fim, as modificaçõese acréscimos que o confronto dos textosrevela.
O que se tem em vista é, em suma,uma estrutura normativa concreta, istoé, destituída de qualquer apego a me-ros valores formais e abstratos. Esse ob-jetivo de concretude impõe soluções quedeixam margem ao juiz e à doutrina,com freqüente apelo a conceitosintegradores da compreensão ética, talcomo os de boa-fé, eqüidade, probida-de, finalidade social do direito, equiva-lência de prestações etc., o que talveznão seja do agrado dos partidários deuma concepção mecânica ounaturalística do Direito, mas este é in-compatível com leis rígidas de tipo físi-co-matemático. A �exigência deconcreção� surge exatamente da con-tingência insuperável de permanenteadequação dos modelos jurídicos aosfatos sociais �in fieri�.
A estrutura do Código � e já se per-cebeu que quando emprego o termo es-trutura não me refiro ao arcabouçoextrínseco de suas normas, mas às nor-mas mesmas na sua íntima e comple-
mentar unidade, ou à sua forma subs-tancial e global � essa estrutura é, porconseguinte, baseada no propósito queanima a Ciência do Direito, tal como seconfigura em nossos dias, isto é, comociência de experiência social concreta.
O PROBLEMA DA LINGUAGEM
14. O problema da linguagem do Ante-projeto preocupou, desde o início, osmembros da Comissão, lembrados deque, quando da elaboração do Código de1916, tais questões prevaleceram, comocom sutil ironia foi sublinhado por CLÓ-VIS, numa preferência pela forma, � emdetrimento da matéria jurídica�.
Embora seja belo ideal a ser atingi-do � o da composição dos valores formaiscom os da técnica jurídica �, nem sempreserá possível atendê-lo, não se podendodeixar de dar preferência, vez por outra, àlinguagem do jurista, sempre vinculada aexigências inamovíveis de certeza e se-gurança.
Essa dificuldade cresce de ponto sese lembrar que o Anteprojeto conserva,imutáveis, centenas de dispositivos do Có-digo Civil de 1916, onde o gênio de RUIBARBOSA esculpiu as configuraçõesnormativas segundo impecável estruturaidiomática. Coube-nos a tarefa ingrata denão destoar desse contexto, mas sem cer-tos preciosismos inadmissíveis em nossotempo.
O problema da linguagem éinseparável do conteúdo essencial da-quilo que se quer comunicar, quandonão se visa apenas a informar, mas tam-bém a fornecer modelos e diretivas deação. A linguagem de um Código não sedirige a meros espectadores, mas sedestina antes aos protagonistas prová-veis da conduta regulada. Como o com-portamento deles implicará sançõespremiais ou punitivas, mister é que abeleza formal dos preceitos não compro-meta a clareza e precisão daquilo quese enuncia e se exige.
Com essa compreensão da lingua-gem jurídica � e, consoante a atualEpistemologia, toda ciência é, no fun-
18 - Anais do “EMERJ Debate o Novo Código Civil”
do, a sua própria e irrenunciável lin-guagem �, ver-se-á que, apesar de nos-so propósito de elaborar uma legisla-ção dotada de efet ivo valoroperacional, não descuidamos da for-ma. Procuramos, em última análise,preservar a beleza formal do Código de1916, modelo insuperável davernaculidade, reconhecendo que umalei bela já é meio caminho andado paraa comunicação da Justiça.15. Intimamente ligado ao problema dalinguagem é o da manutenção, no An-teprojeto, como já foi salientado, decentenas de artigos do Código Civil vi-gente.
Ao contrário do que poderia pare-cer, a um juízo superficial, o Código de1916, não obstante ter mais de meio sé-culo de vigência, conserva intactas, nofundo e na forma, soluções dotadas devitalidade atual, que seria erro substi-tuir, só para atender ao desejo de umaredação �modernizada�.
A modernidade de um preceito nãodepende tão-somente da linguagem em-pregada, a não ser quando ocorreram mu-tações semânticas, alterando a acepçãooriginal. Em casos que tais impunha-sea atualização do texto, e ela foi feita comcritério e prudência. Fazer alteraçãonuma regra jurídica, por longo tempo tra-balhada pela doutrina e pela jurispru-dência, só se justifica quando postos emevidência os seus equívocos e deficiên-cias, inclusive de ordem verbal, ou então,quando não mais compatíveis com as ne-cessidades sociais presentes. De outraforma, a alteração gratuita das palavraspoderia induzir, erroneamente, o intérpre-te a buscar um sentido novo que não es-tava nos propósitos do legislador.
Quanto às remissões de uns arti-gos a outros do Anteprojeto, preferiu-sefazê-lo tão-somente quando a compreen-são do dispositivo o impunha, e não ape-nas em virtude da correlação da maté-ria. O problema das remissões é maisdenso de conseqüências do que à pri-meira vista parece, inclusive quando setem por fim determinar o sentido ple-no dos dispositivos, correlacionando-os
logicamente com os de conotação com-plementar. Se o significado de um dis-positivo legal depende da totalidade doordenamento, essa exigênciahermenêutica cresce de ponto, parti-cularizando-se, quando o próprio legis-lador se refere a outros preceitos paraa integração normativa. É a razão pelaqual o legislador deve vincular, com adevida parcimônia, um artigo a outro,deixando essa tarefa à dinâmica cria-dora da doutrina, à luz dos fatos e va-lores emergentes.
Cumpre, por fim, ressaltar que, nãoobstante seus méritos expressionais, jus-tamente louvados por sua correção e be-leza de linguagem, não é menos certo, to-davia, que o Código atual carece, às ve-zes, de rigor técnico-conceitual, sobretu-do se examinado à luz das mais recentesconquistas da Teoria Geral do Direito.
Forçoso foi, por conseguinte, in-troduzir na sistemática do Código al-gumas distinções básicas, como, porexemplo, entre validade e eficácia dosatos jurídicos; resolução e rescisão doscontratos; ou entre ratificação e con-firmação, e outros mais, que não sãode mero alcance doutrinário, e muitomenos acadêmico, por envolverem an-tes conseqüências práticas, sobretudopara mais segura interpretação e apli-cação dos preceitos.
Ao terminar estas referências aoproblema da linguagem, quero deixar as-sinalada a valiosa colaboração do Prof.JOSÉ CARLOS MOREIRA ALVES, ao re-alizarmos a revisão final dos textos, vi-sando à unidade expressional compatí-vel com a diversidade das questõesabrangidas pelo Código.
PARTE GERAL
16. Sendo esta Exposição de Motivos decaráter complementar, à vista das queconstam dos Anteprojetos de 1972 e1974, às quais peço vênia para me re-portar, vou limitar-me a fixar os pontoscapitais que distinguem a Parte Geraldo Anteprojeto, em confronto com a le-gislação vigente.
Anais do “EMERJ Debate o Novo Código Civil” - 19
Mais do que em qualquer outra par-te do Código, vale, nesta, a verdade deque, em matéria de Direito Civil, as re-formas mais aparatosas nem sempre sãoas de mais ricas conseqüências. É lícitodizer-se, parafraseando antiga parêmia,que uma pequena alteração normativa�maximas inducit consequentias juris�.Basta, com efeito, a dispensa de uma sim-ples formalidade para favorecer o cursodos negócios e contribuir ao desafogo doforo; a simples conversão de um ato jurí-dico nulo em anulável é suficiente paraalterar-se todo o sentido do ordenamento.
Por outro lado, atendendo aos jáapontados imperativos técnicos da lin-guagem do Direito, é sobretudo na Par-te Geral que, além de serem fixados osângulos e parâmetros do sistema, se ele-gem os termos adequados às distintasconfigurações jurídicas, o que implicourigorosa atualização do Código atual,onde não raro se empregam,indiscriminadamente, palavras que de-vem ter sentido técnico unívoco.
Tal orientação importou, desde logo,uma tomada de posição que se reflete nocorpo todo do Projeto, quanto à delicada,mas não despicienda, necessidade de dis-tinguir-se entre validade e eficácia dos atosjurídicos em geral, e dos negócios jurídi-cos em particular. Na terminologia do An-teprojeto, por validade se entende o com-plexo de requisitos ou valores formais quedetermina a vigência de um ato, por re-presentar o seu elemento constitutivo,dada a sua conformação com uma normajurídica em vigor, seja ela imperativa oudispositiva. Já a eficácia dos atos se refe-re à produção dos efeitos, que podem exis-tir ou não, sem prejuízo da validade, sen-do certo que a incapacidade de produzirefeitos pode ser coeva da ocorrência doato ou da estipulação do negócio, ou so-brevir em virtude de fatos e valores emer-gentes.
Quem analisar com cuidado a ParteGeral poderá notar o zelo e rigor com quese procurou determinar a matéria relati-va à validade e eficácia dos atos e negóci-os jurídicos, assim como a pertinente aosvalores da pessoa e dos bens.
17. Relembradas essas diretrizes de or-dem geral, será bastante focalizar algunspontos mais relevantes da reforma, abs-tração feita de aperfeiçoamentos outrosde ordem técnica ou dogmática, já apre-ciados por MOREIRA ALVES em exposi-ções anteriores.
a) Substancial foi a alteração ope-rada no concernente ao tormentoso pro-
blema da capacidade da pessoa física ounatural, tão conhecidos são os contras-tes da doutrina e da jurisprudência nabusca de critérios distintivos válidos en-tre incapacidade absoluta e relativa. Apóssucessivas revisões chegou-se, afinal, auma posição fundada nos subsídios maisrecentes da Psiquiatria e da Psicologia,distinguindo-se entre �enfermidade ou re-tardamento mental� e �fraqueza da men-te�, determinando aquela a incapacida-de absoluta, e esta a relativa.
b) Ainda no concernente ao mesmotema, reconhece-se a incapacidade ab-soluta dos que, ainda por causa transi-tória, não possam exprimir sua vontade,ao mesmo tempo em que se declaramrelativamente capazes, não apenas ossurdos mudos, mas todos �os excepcio-nais sem desenvolvimento mental com-pleto�.
c) Todo um capítulo novo foi dedicadoaos Direitos da personalidade, visando à suasalvaguarda, sob múltiplos aspectos, des-de a proteção dispensada ao nome e à ima-gem até o direito de se dispor do própriocorpo para fins científicos ou altruísticos.Tratando-se de matéria de per si comple-xa e de significação ética essencial, foipreferido o enunciado de poucas normasdotadas de rigor e clareza, cujos objetivospermitirão os naturais desenvolvimentosda doutrina e jurisprudência.
d) Como continuidade lógica dasquestões atinentes à pessoa, cuidou-sede regrar, na Parte Geral, a ausência,adotando-se critérios mais condizentescom as facilidades de comunicação e in-formação próprias de nosso tempo.
e) Tratamento novo foi dado ao temapessoas jurídicas, um dos pontos em que oCódigo Civil atual se revela lacunoso e va-cilante. Fundamental, por sua repercus-
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são em todo sistema, é uma precisa dis-tinção entre as pessoas jurídicas de finsnão econômicos (associações e fundações)e as de escopo econômico (sociedade sim-ples e sociedade empresária), aplicando-se a estas, no que couber, as disposiçõesconcernentes às associações. Revisto tam-bém foi todo capítulo relativo às fundações,restringindo-se sua destinação a fins reli-giosos, morais, culturais, ou de assistên-cia.
f) Daí as regras disciplinadoras davida associativa em geral, com disposi-ções especiais sobre as causas e a for-ma de exclusão de associados, bem comoquanto à repressão do uso indevido da per-
sonalidade jurídica, quando esta for des-viada de seus objetivos socioeconômicospara a prática de atos ilícitos, ouabusivos.
g) Foram reformulados os dispositi-vos concernentes às pessoas jurídicas de
Direito Público interno, inclusive paraatender à situação dos Territórios, aosquais se não pode recusar aquela quali-dade, quando a possuem os municípiosque os integram. Os Territórios não sãounidades político-administrativas dotadasde autonomia, mas devem ser conside-rados pessoas jurídicas de Direito Públi-co, dada a extensão que tal conceito ad-quiriu no mundo contemporâneo, com oaparecimento de entidades outras comoas autarquias, fundações de Direito Pú-blico etc.
h) Mais precisa discriminação dosbens públicos, cuja impres-criptibilidadefoi mantida, inclusive quanto aos domi-nicais, mas com significativa ressalva dodisposto em leis especiais, destinadas asalvaguardar os interesses da Fazenda,mas sem prejuízo de determinadas situ-ações privadas merecedoras de amparo.
i) Atualização das normas referen-tes aos fatos jurídicos, dando-se prefe-rência à disciplina dos negócios jurídi-
cos, com mais rigorosa determinação desua constituição, de seus defeitos e desua invalidade, fixadas, desse modo, asbases sobre que se assenta toda a par-te relativa ao Direito das Obrigações.Nesse, como em outros pontos, procu-
ra-se obedecer a uma clara distinçãoentre validade e eficácia dos atos jurí-dicos, evitando-se os equívocos em quese enreda a Dogmática Jurídica que pre-sidiu à feitura do Código de 1916.
j) As disposições relativas à lesão
enorme, para considerar-se anulável onegócio jurídico pelo qual uma pessoa,sob premente necessidade, ou porinexperiência, se obriga a prestação ma-nifestamente desproporcional ao valor daprestação oposta.
l) Correlação mais harmônica en-tre a disciplina dos atos ilícitos e a par-te do Direito das Obrigações pertinenteà �responsabilidade civil�.
m) Maior distinção, sem perda dosentido de sua complementariedade, en-tre as normas pertinentes à representa-
ção e ao mandato, as deste transferidaspara o Livro do Direito da Obrigações.
n) Foi atualizada, de maneira ge-ral, a terminologia do Código vigente, acomeçar pelo superamento da obsoletasinonímia entre �juridicidade� e�licitude�, por ser pacífico, na atual Te-oria Geral do Direito, sobretudo a partirde HANS KELSEN, a tese de que nãopodem deixar de ser considerados �jurí-dicos� os atos que, embora ilícitos, pro-duzem efeitos jurídicos. (Cfr. as consi-derações expendidas, sobre esse e ou-tros problemas técnico-dogmáticos nasExposições de Motivos de MOREIRAALVES e do signatário, publicadas como Anteprojeto de 1974).
o) Relevante alteração se fez no to-cante ao instituto da simulação, que passaa acarretar a nulidade do negócio jurí-dico simulado, subsistindo o dissimula-do, se válido for na substância e na for-ma.
p) Atendendo a justas pondera-ções, foi suprida relevante lacunaquanto à falta de determinaçãonormativa da �escritura pública�, atéagora regida por usos e costumes, queremontam às Ordenações do Reino,completados por disposições regula-mentares. No Projeto foramcompendiados os requisitos essenci-ais desse instrumento, a que os Códi-
Anais do “EMERJ Debate o Novo Código Civil” - 21
gos e as leis se referem, sem que hou-vessem sido claramente fixadas assuas exigências formais, como meiofundamental de prova.18. Menção à parte merece o trata-mento dado aos problemas da prescri-
ção e decadência, que, anos a fio, a dou-trina e a jurisprudência tentaram emvão distinguir, sendo adotadas, às ve-zes, num mesmo Tribunal, tesesconflitantes, com grave dano para aJustiça e assombro das partes.
Prescrição e decadência não seextremam segundo rigorosos critérios ló-gico-formais, dependendo sua distinção,não raro, de motivos de conveniência eutilidade social, reconhecidos pela Polí-tica legislativa.
Para por cobro a uma situação deve-ras desconcertante, optou a Comissão poruma fórmula que espanca quaisquer dúvi-das. Prazos de prescrição, no sistema do Pro-jeto, passam a ser, apenas e exclusivamen-te, os taxativamente discriminados na ParteGeral, Título IV, Capítulo I, sendo de deca-
dência todos os demais, estabelecidos, emcada caso, isto é, como complemento decada artigo que rege a matéria, tanto naParte Geral como na Especial.19. Ainda a propósito da prescrição, háum problema terminológico digno de es-pecial ressalte. Trata-se de saber seprescreve a ação ou a pretensão. Apósamadurecidos estudos, preferiu-se a se-gunda solução, por ser considerada amais condizente com o Direito Proces-sual contemporâneo, que de há muitosuperou a teoria da ação como simplesprojeção de direitos subjetivos.
É claro que nas questõesterminológicas pode haver certa margemde escolha opcional, mas o indispensável,num sistema de leis, é que, eleita umavia, se mantenha fidelidade ao sentido téc-nico e unívoco atribuído às palavras, o quese procurou satisfazer nas demais secçõesdo Anteprojeto.20. Finalmente, não posso deixar sem repa-ro a manutenção no Código Civil dos disposi-tivos referentes às pessoas e bens públicos.
Não há razão para considerarincabível a disciplina dessa matéria no
âmbito da Lei Civil. Não se trata de ape-go a uma concepção privatista do Direi-to Administrativo, que está bem longedas conhecidas posições do autor destaExposição, mas reflete, antes de maisnada, a compreensão da Filosofia e Teo-ria Geral do Direito contemporâneo, asquais mantêm a distinção entre direitoPúblico e Privado como duas perspecti-vas ordenadoras da experiência jurídi-ca, considerando-os distintos, mas subs-tancialmente complementares e atémesmo dinamicamente reversíveis, enão duas categorias absolutas e estan-ques. Abstração feita, porém, desse pres-suposto de ordem teórica, há que consi-derar outras razões não menos relevan-tes, que me limito a sumariar. A perma-nência dessa matéria no Código Civil,além de obedecer à linha tradicional denosso Direito, explica-se:
1) Por ser grande número dos prin-cípios e normas fixados na Parte Geralde larga aplicação nos domínios do Di-reito Público, em geral, e Administrativo,em particular, como o reconhece, entretantos outros, o mestre GUIDO ZANOBINI,um dos mais ardorosos defensores da au-tonomia dogmática de sua disciplina (Cfr.�Novissimo Digesto Italiano�, vol. V, pag.788).
2) Por melhor se determinarem osconceitos de personalidade e bens públi-cos e privados, quando postos em con-fronto uns com os outros, dada a sua na-tural polaridade.
3) Por inexistir um Código de Di-reito Administrativo, ainda de incertaelaboração, sendo o Código Civil,sabidamente, a lei comum, que fixa oslineamentos lógico-normativos da expe-riência jurídica.
4) Por resultarem da disciplina fei-ta várias conseqüências relevantes nasistemática do Código, a começar pelaatribuição ao Território, erigido à digni-dade de pessoa jurídica, de uma sériede direitos antes conferidos à União.
5) Por serem aplicáveis as normasdo Código Civil às entidades constituídaspelo Poder Público em função ou para osfins de seus serviços, sempre que a lei
22 - Anais do “EMERJ Debate o Novo Código Civil”
que as instituir não lhes der ordenaçãoespecial, o que se harmoniza com o quedetermina o art. 170, § 2o da Constitui-ção de 1969, segundo o qual �na explora-ção, pelo Estado, da atividade econômi-ca, as empresas públicas e as socieda-des de economia mista reger-se-ão pelasnormas aplicáveis às empresas privadas�.
PARTE ESPECIALLIVRO I
DO DIREITO DAS OBRIGAÇÕES
21. Mantida, em linhas gerais, a siste-matização da matéria proposta pelo ilus-tre Professor AGOSTINHO ALVIM, e porele tão minuciosa e objetivamente fun-damentada, apresenta a redação finaldo Projeto algumas modificações, resul-tantes da orientação seguida nas demaispartes do sistema, bem como para acen-tuar a atendimento às já apontadas exi-gências de socialidade e concreção, emconsonância com o imperativo da fun-ção social do contrato, �ad instar� do quese dá com o direito de propriedade.
Outras alterações resultaram doestudo de sugestões recebidas de órgãosrepresentativos de diversos �campos deinteresse�, como se dá, por exemplo,quanto ao contrato de empreitada. Asreivindicações dos construtores foramatendidas, sem se deixar de salvaguar-dar, concomitantemente, os direitos dosproprietários. Este é, dentre muitos, umexemplo de como se procurou semprecompor os imperativos do bem individu-al com os do bem comum.
Observo, outrossim, que, em mais deum passo, o Projeto final integra em seucontexto algumas proposições normativasconstantes dos Anteprojetos de Código dasObrigações, de 1941 e 1965, às vezes semlhes alterar a redação, assim como adotaoutras soluções inspiradas nas mais re-centes codificações ou reformaslegislativas estrangeiras aplicáveis às nos-sas circunstâncias.
Não me posso alongar nas razõesdeterminantes das modificações ouacréscimos propostos à legislação vigen-te, neste como nos demais Livros do An-
teprojeto, mas elas se explicam graçasao simples cotejo dos textos. Limito-me,pois, a lembrar os pontos fundamentais,sem ser necessário fazer referências mi-nuciosas às novas figuras contratuais quevieram enriquecer o Direito das Obriga-ções, como os contratos de comissão, deagência e distribuição, corretagem, in-corporação edilícia, transporte etc., aosquais foram dadas soluções inspiradasna experiência doutrinária ejurisprudencial brasileira, indo-se alémdos conhecidos modelos das mais recen-tes codificações. Demonstração cabal denosso cuidado em dotar o País de insti-tutos reclamados pelo estado atual denosso desenvolvimento está no fato de,ainda agora, já em terceira revisão dotexto, acrescentarmos um conjunto denormas disciplinando �o contrato sobredocumentos� de grande relevância so-bretudo no comércio marítimo.
Por outro lado, firme consciênciaética da realidade socioeconômicanorteia a revisão das regras gerais so-bre a formação dos contratos e a garan-tia de sua execução eqüitativa, bem comoas regras sobre resolução dos negóciosjurídicos em virtude de onerosidade ex-
cessiva, às quais vários dispositivos ex-pressamente se reportam, dando a me-dida do propósito de conferir aos contra-tos estrutura e finalidade sociais. É umdos tantos exemplos de atendimento da�socialidade� do Direito.
Além disso, entendeu-se conveni-ente dar diversa configuração aos contra-tos aleatórios, nos quais não se prevê ape-nas a entrega de coisas futuras, mas todae qualquer prestação que, por sua nature-za ou convenção, possa importar risco, ex-plicável em função da estrutura do negó-cio jurídico. O mesmo se diga quanto aoscontratos preliminares ou os estipuladoscom pessoa a declarar.22. Nesse contexto, bastará, por conse-guinte, lembrar alguns outros pontos fun-damentais, a saber:
a) Conservar a sistemática atual, peladisciplina das obrigações, a partir da dis-criminação de suas modalidades, umadas mais elegantes contribuições do di-
Anais do “EMERJ Debate o Novo Código Civil” - 23
reito pátrio, não obstante indispensáveiscomplementos e retificações, desprezan-do-se a referência inicial ao sempre con-trovertido problema das fontes, e tambémem razão do já disciplinado na Parte Ge-ral.
b) Harmonizar a matéria relativa aoinadimplemento das obrigações (Título IVdo Livro I) com os demais artigos do Pro-jeto que firmam novas diretrizes ético-sociais em matéria de responsabilidadecivil.
c) Tornar explícito, como princípiocondicionador de todo o processohermenêutico, que a liberdade de con-
tratar só pode ser exercida em conso-nância com os fins sociais do contrato,implicando os valores primordiais daboa-fé e da probidade. Trata-se de pre-ceito fundamental, dispensável talvezsob o enfoque de uma estreita compre-ensão positivista do Direito, mas es-sencial à adequação das normas parti-culares à concreção ética da experi-ência jurídica.
d) Atualizar e reordenar as dis-posições gerais concernentes à com-
pra e venda, mantendo, sempre quepossível, neste como em outros pon-tos do Projeto, uma rigorosa distinçãoentre validade e eficácia dos negóciosjurídicos. No tocante à questão do pre-ço, foi dada, por exemplo, maior flexi-bilidade aos preceitos, prevendo-se, talcomo ocorre no plano do Direito Admi-nistrativo, a sua fixação medianteparâmetros. Não é indispensável queo preço seja sempre predeterminado,bastando que seja garantidamentedeterminável, de conformidade comcrescentes exigências da vida contem-porânea. Tal modo de ver se impõe,aliás, pela unidade da disciplina dasatividades privadas, assente comobase na codificação.
e) Prever, além da venda à vista deamostras, a que se realiza em funçãode protótipos e modelos.
f) Conferir ao juiz poder moderador,no que se refere às penalidades resul-tantes do inadimplemento dos contratos,como, por exemplo, nos de locação, sem-
pre que julgar excessiva a exigência dolocador.
g) Incluir normas sobre contratos de ade-
são, visando a garantir o aderente peranteo ofertante, dotado este de vantagens quesua posição superior lhe propicia.
h) Disciplinar a locação de serviços demaneira autônoma, em confronto com asregras pertinentes ao Direito do Traba-lho, prevendo-se, entre outros, os casosem que se deverá considerar exigível aretribuição devida a quem prestar os ser-viços, embora sem título de habilitação,com benefício real para a outra parte.
i) No capítulo relativo à empreitada,estabelecer disposições mais adequadasàs exigências tecnológicas hodiernas, demodo a atender às finalidades sociaisdo contrato e às relações de equilíbrioque devem existir entre o dono da obra,o projetista e o construtor, tais como re-velado pela experiência dos últimos anos.
Por outro lado, os contratos de cons-trução põem problemas novos, como osconcernentes aos direitos e deveres doprojetista, distintos dos do construtor, su-perando-se, desse modo, sentida lacu-na do Código atual. Também neste capí-tulo, como nos demais, foi dada especialatenção aos casos de excessivaonerosidade, prevendo-se regras capa-zes de restabelecer o equilíbrio dos in-teresses em conflito, segundo critériospráticos para a sua solução. Embora sepudesse considerar tal matéria implíci-ta nos preceitos relativos à �resoluçãodos contratos por onerosidade excessi-va�, atendeu-se a algumas particulari-dades da matéria no âmbito do negóciode empreitada.
j) Dar novo tratamento ao contrato
de seguros claramente distinto em �se-
guro de pessoa� e �seguro de dano�, ten-do sido aproveitadas, nesse ponto, as su-gestões oferecidas pelo Prof. FABIOKONDER COMPARATO, conforme estu-do anexado ao citado ofício de 9 de no-vembro de 1970. Nesse, como nos de-mais casos, procura o projeto preservara situação do segurado, sem prejuízo dacerteza e segurança indispensáveis a taltipo de negócio.
24 - Anais do “EMERJ Debate o Novo Código Civil”
l) Disciplinar o contrato de transpor-
te que tem existido entre nós como sim-ples contrato inominado, com base emnormas esparsas. A solução normativaoferecida resulta dessa experiência, àluz dos modelos vigentes em outros pa-íses, com precisa distinção entretransporte de pessoas e transporte decoisas.
m) Disciplinar, com a devida am-plitude e precisão, a matéria relativa aocontrato de incorporação de edifícios emcondomínio, que se preferiu denominarcontrato de �incorporação edilícia�, dis-criminando as responsabilidades doincorporador, do construtor e de quantosparticipam do referido negócio.
n) Adotar as disposições sobre con-tratos bancários, salvo modificação de re-dação e alguns elementos complemen-tares, constantes do Projeto de Códigode Obrigações de 1965.
o) Dar à disciplina geral dos títulosde crédito um tratamento mais amplo,conforme sugestões oferecidas pelo Pro-fessor MAURO BRANDÃO LOPES, cujoanteprojeto e respectiva Exposição de Mo-tivos foram anexados ao ofício supra-refe-rido.
p) Novo enfoque dado à matéria deresponsabilidade civil, não só pela amplitu-de dispensada ao conceito de dano, paraabranger o dano moral, mas também por seprocurar situar, com o devido equilíbrio, oproblema da responsabilidade objetiva.
q) Disciplina da venda com reservade domínio, cuja regulamentação no Có-digo de Processo Civil mistura textos dedireito substantivo com os de direito adje-tivo.
r) Alteração substancial no Títulopertinente aos atos unilaterais, por en-tender-se, consoante sistematizaçãoproposta por AGOSTINHO ALVIM, queentre as obrigações originárias da de-claração unilateral da vontade devemfigurar a gestão de negócios, o paga-mento indevido e o enriquecimentosem causa.
s) Aceitação da revalorização damoeda nas dívidas de valor, mas proi-bição de cláusulas de correção mone-
tária nos demais casos, com expressaressalva, porém, da validade da esti-pulação que prevê aumentos progres-sivos no caso de serem sucessivas asprestações.
t) Reformulação do contrato compessoa a nomear, para dar-lhe maioraplicação e amplitude, enquanto que, noAnteprojeto anterior, ficara preso, se-gundo o modelo do Código Civil italianode 1942, ao fato de já existir a pessoano ato de conclusão do contrato.
u) Limitação do poder de denúnciaunilateral dos contratos por tempoindeterminado, quando exigidos da outraparte investimentos de vulto, pressupondoela poder dispor de prazo razoável, compa-tível com as despesas feitas. Esta suges-tão, por mim feita e acolhida pela Comis-são, é um dos tantos exemplos da preocu-pação que tivemos no sentido de coarctaros abusos do poder econômico.
v) Inclusão, entre os casos depreempção ou preferência, de normaaplicável quando o Poder Público não derà coisa expropriada o destino para quese desapropriou, ou não for utilizada emobras ou serviços públicos.
x) Reformulação do contrato deagência e distribuição para atender àLEI especial que disciplina a matéria sobo título impróprio de �representação co-mercial�. As ponderações feitas pelos in-teressados foram levadas na devida con-ta, o que vem, mais uma vez, confirmara diretriz seguida no sentido de se pro-curar sempre a solução normativa maisadequada aos distintos campos de ativi-dade, conciliando-se os interesses dascategorias profissionais com as exigên-cias da coletividade.
y) A idênticos propósitos obedeceua revisão do contrato de transporte, quetambém não pode dispensar a existênciade LEI especial, em virtude de proble-mas conexos de Direito Administrativoou Tributário. Isto não obstante, a Co-missão acolheu várias sugestões recebi-das, visando a dar maior certeza a essetipo de contrato, de modo a amparar osinteresses dos transportadores e os dosusuários.
Anais do “EMERJ Debate o Novo Código Civil” - 25
z) E, finalmente, para dar mais umexemplo do cunho de �socialidade� ou �jus-tiça social� que presidiu a elaboração doProjeto, em todas as suas fases, destaco anova redação do preceito que fixa a medi-da das indenizações: �Se houver excessivadesproporção entre a gravidade da culpa eo dano, poderá o juiz reduzir, eqüitativa-mente, a indenização.23. O método de submeter os Antepro-jetos à aferição pública, ouvidas as ca-tegorias profissionais, possibilitou a re-visão dos textos �in concreto�, assimcomo revelou imperfeições e lacunas noque se refere a determinados proble-mas postos pela unificação do Direitodas Obrigações.
Verificada a inexistência de dis-posições capazes de atender a certos as-pectos da atividade negocial, houve su-gestões no sentido de se acrescentaremregras especiais sobre mandato ou de-pósito mercantis, como tipos autônomosde contrato, a fim de satisfazer a exi-gências da vida comercial ou empresá-ria. Examinando detidamente a maté-ria, cheguei à conclusão, compartilhadapelos demais companheiros de trabalho,de que o que se impunha era antes arevisão daqueles e outros institutos, en-riquecendo-se o Anteprojeto com normascapazes de resolver questões que nãopodem, efetivamente, deixar de ser con-templadas, uma vez fixada a diretrizunificadora do Direito das Obrigações.A essa luz, o mandato ou depósito passa-ram a ser disciplinados sob o duplo as-pecto de sua gratuidade ou onerosidade,segundo sejam exercidos ou não em vir-tude de atividade profissional e para finsde lucro. Nessa obra integradora aindase revelaram, por sinal, de plena atuali-dade as disposições do nosso Código deComércio de 1850.
O mesmo se diga quanto aos pre-ceitos que, no Projeto definitivo, vieramdisciplinar a questão do lugar da tradição
da coisa vendida. Desse modo, em fun-ção dos ditames da experiência, comple-tou-se a obra de integração das relaçõesobrigacionais, sem perda de seu sentidounitário e de suas naturais distinções.
LIVRO IIDA ATIVIDADE NEGOCIAL
24. Como já foi ponderado, do corpo doDireito das Obrigações se desdobra, semsolução de continuidade, a disciplina daAtividade Negocial. Naquele se regramos negócios jurídicos; nesta se ordena aatividade enquanto se estrutura paraexercício habitual de negócios. Uma dasformas dessa organização é representa-da pela empresa, quando tem por escopoa produção ou a circulação de bens oude serviços.
Apesar, porém, da relevância reco-nhecida à atividade empresarial, estanão abrange outras formas habituais deatividade negocial, cujas peculiaridades oAnteprojeto teve o cuidado de preservar,como se dá nos casos:
1) do pequeno empresário, ca-racterizado pela natureza artesanal daatividade, ou a predominância do tra-balho próprio, ou de familiares, em re-lação ao capital.
2) dos que exercem profissão
intelectual de natureza científica, literá-ria, ou artística, ainda que se organi-zem para tal fim.
3) do empresário rural, ao qual,porém, se faculta a inscrição no Regis-tro das Empresas, para se subordinar àsnormas que regem a atividade empresá-ria como tal.
4) da sociedade simples, cujo es-copo é a realização de operações econômi-cas de natureza não empresarial. Comotal, não se vincula ao Registro das Empre-sas, mas sim ao Registro Civil das Pesso-as Jurídicas. Note-se, outrossim, que umaatividade de fins econômicos, mas não em-presária, não se subordina às normas re-lativas ao �empresário�, ainda que se cons-titua segundo uma das formas previstaspara a �sociedade empresária�, salvo sepor ações.
Como se depreende do exposto, naempresa, no sentido jurídico deste termo,reúnem-se e compõem-se três fatores, emunidade indecomponível: a habitualidadeno exercício de negócios, que visem à pro-dução ou à circulação de bens ou de servi-
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ços; o escopo de lucro ou o resultado eco-nômico; a organização ou estrutura está-vel dessa atividade.
Não será demais advertir, para dis-sipar dúvidas e ter-se melhor entendi-mento da matéria, que, na sistemáticado Anteprojeto, empresa e estabelecimen-
to são dois conceitos diversos, embora es-sencialmente vinculados, distinguindo-se ambos do empresário ou sociedadeempresária que são �os titulares da em-presa�.
Em linhas gerais, pode dizer-se quea empresa é, consoante acepção domi-nante na doutrina, �a unidade econômi-ca de produção�, ou �a atividade econô-mica unitariamente estruturada para aprodução ou a circulação de bens ou ser-viços�. A empresa, desse modo concei-tuada, abrange, para a consecução deseus fins, um ou mais �estabelecimen-tos�, os quais são complexos de bens ou�bens coletivos� que se caracterizam porsua unidade de destinação, podendo, deper si, ser objeto unitário de direitos e denegócios jurídicos.
Destarte, o tormentoso e jamais cla-ramente determinado conceito de �ato decomércio�, é substituído pelo de empresa,assim como a categoria de �fundo de co-mércio� cede lugar à de �estabelecimen-to�. Consoante justa ponderação de RENÊSAVATIER, a noção de �fundo de comér-cio� é uma concepção jurídica envelhecidae superada, substituída com vantagempelo conceito de estabelecimento, �que éo corpo de um organismo vivo�, �todo o con-junto patrimonial organicamente grupadopara a produção.� (�La Théorie desObligations�, Paris, 1967, pag. 124).
Disciplina especial recebem, noProjeto, os �titulares da empresa�, quepodem ser tanto uma pessoa física (o em-
presário) como uma pessoa jurídica (a so-
ciedade empresária).Fixados esses pressupostos para a
disciplina de todos os tipos de socieda-de, fica superada de vez a categoria im-própria, ora vigente, de �sociedade civil
de fins econômicos�, pois, no âmbito doCódigo Civil unificado, são civis tanto asassociações como as sociedades, qual-
quer que seja a forma destas. Distin-guem-se apenas as sociedades em sim-
ples ou empresárias, de conformidadecom o objetivo econômico que tenhamem vista e o modo de seu exercício.25. Reportando-me à ampla exposiçãofeita pelo ilustre Professor SYLVIOMARCONDES, bastará, penso eu, parater-se uma idéia geral do Anteprojeto �objetivo que me move neste trabalho �,salientar mais os seguintes tópicos:
a) Revisão dos tipos tradicionais de
sociedade, para configurá-los com me-lhor técnica, em função das caracterís-ticas que a atividade negocial, em ge-ral, e a empresária, em particular, as-sume no mundo contemporâneo.
b) Fixação dos princípios que gover-nam todas as formas de vida societária,em complementariedade ao já estabe-lecido, na Parte Geral, quanto às asso-ciações.
c) Com a instituição da sociedade sim-
ples, cria-se um modelo jurídico capaz dedar abrigo ao amplo espectro das ativida-des de fins econômicos não empresari-ais, com disposições de valor supletivopara todos os tipos de sociedade.
d) Minucioso tratamento dispensa-do à sociedade limitada, destinada a de-sempenhar função cada vez maisrelevanteno setor empresarial, sobretu-do em virtude das transformações por quevêm passando as sociedades anônimas, aponto de requererem estas a edição delei especial, por sua direta vinculação coma política financeira do País.
Nessa linha de idéia, foi revista amatéria, prevendo-se a constituição deentidades de maior porte do que as atu-almente existentes, facultando-se-lhesa constituição de órgãos complementa-res de administração, como o ConselhoFiscal, com responsabilidades expressas,sendo fixados com mais amplitude os po-deres da assembléia dos sócios.
e) Fixação, em termos gerais, dasnormas caracterizadoras das sociedades
anônimas e das cooperativas, para ressal-va de sua integração no sistema do Có-digo Civil, embora disciplinadas em leiespecial.
Anais do “EMERJ Debate o Novo Código Civil” - 27
f) Capítulo próprio destinado ao de-licado e momentoso problema das soci-
edades ligadas, distintas em controla-das, filiadas e de simples participação,correspondendo a cada uma dessas ca-tegorias estatuições e exigências diver-sas, sobretudo no que se refere à obri-gação ou não de publicação de balançosconsolidados, patrimonial e de resulta-do econômico.
g) Normas atualizadas sobre o pro-cesso de liquidação das sociedades, parapôr termo às delongas e erosões que carac-terizam, hoje em dia, essa fase sempre crí-tica, quando não tormentosa, da vidasocietária.
h) Idem quanto aos processos detransformação, incorporação e fusão das so-ciedades.
i) Disciplina das sociedades depen-dentes de autorização, quer nacionais,quer estrangeiras, com o que se preen-che grave lacuna na legislação vigente.
j) Determinação das notas distin-tivas do �estabelecimento�, que, como jáfoi frisado, representa o instrumento oumeio de ação da empresa.
l) Disposições especiais estabele-cendo, com a devida prudência, as exi-gências mínimas a que estão obrigadostodos os empresários e sociedades em-presárias em sua escrituração.
m) Atualização, nesse sentido, dosistema de contabilidade, com a permis-são de processos mecanizados ou ele-trônicos, o que foi alvo de referênciaseconomiásticas por autores estrangei-ros que trataram do assunto.
n) Elaboração de outros institutoscomplementares sobre Registro, Nome ePreposição, de modo a assegurar o ple-no desenvolvimento de nossa vida em-presarial.
LIVRO IIIDO DIREITO DAS COISAS
26. Demonstração cabal da objetividadecrítica, com que sempre procurou se con-duzir na feitura do Anteprojeto, deu-a aComissão ao restabelecer o art. 485 do
Código Civil atual em matéria de posse,não só para atender às objeções suscita-das pelo novo texto proposto, mas tam-bém para salvaguardar o cabedal da vali-osa construção doutrinária ejurisprudencial resultante de mais demeio século de aplicação.
Nos demais pontos foi mantida, po-rém, a orientação do Anteprojeto, o qualefetivamente dá contornos mais preci-sos e práticos a várias disposições sobreposse, inspirando-se na experiência dasúltimas décadas.
A atualização do Direito das Coisasnão é assunto opcional, em termos demera perfectibilidade teórica, mas simimperativo de ordem social e econômi-ca, que decorre do novo conceito consti-tucional de propriedade e da função quea esta se atribui na sociedade hodierna.
Por essa razão, o Anteprojeto, tan-to sob o ponto de vista técnico, quantopelo conteúdo de seus preceitos, inspi-ra-se na compreensão solidária dos va-lores individuais e coletivos, que, longede se conflitarem, devem se completar ese dinamizar reciprocamente,correspondendo, assim, ao desenvolvi-mento da sociedade brasileira, bem comoàs exigências da Ciência Jurídica con-temporânea.
Bastará, nesse sentido, atentarpara o que o Anteprojeto dispõe sobre oexercício do direito de propriedade; ousucapião; os direitos de vizinhança,ou os limites traçados aos direitos doscredores hipotecários ou pignoratícios,para verificar-se como é possível satis-fazer aos superiores interesses coleti-vos com salvaguarda dos direitos indivi-duais.27. Em complemento às consideraçõesexpendidas pelo ilustre professor EBERTVIANNA CHAMOUN, nas publicações an-teriores, vou focalizar apenas alguns as-pectos mais salientes da reforma:
a) Em primeiro lugar, a substancialalteração feita na enumeração taxativados direitos reais, entre eles se incluin-do a superfície e o direito do promitentecomprador do imóvel.
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b) O reconhecimento do direito depropriedade, que deve ser exercido emconsonância com as suas finalidadeseconômicas e sociais e de tal modo quesejam preservados, de conformidade como estabelecido em lei especial, a flora, afauna, as belezas naturais e o equilíbrioecológico, bem como evitada a poluiçãodo ar e das águas.
São defesos os atos que não tra-zem ao proprietário qualquer comodi-dade, ou utilidade, e sejam animadospela intenção de prejudicar outrem.
c) O proprietário também pode serprivado da coisa se o imóvel reivindican-do consistir em extensa área, na posseininterrupta e de boa-fé, por mais de cin-co anos, de considerável número de pes-soas, e estas nela houverem realizado,em conjunto ou separadamente, obras eserviços considerados pelo juiz de inte-resse social e econômico relevante. Nes-se caso, o juiz fixará a justa indeniza-ção devida ao proprietário. Pago o preço,valerá a sentença como título para trans-crição do imóvel em nome dos possuido-res. Trata-se, como se vê, de inovaçãodo mais alto alcance, inspirada no sen-tido social do direito de propriedade, im-plicando não só novo conceito desta, mastambém novo conceito de posse, que sepoderia qualificar como sendo de posse-
trabalho, expressão pela primeira vez pormim empregada, em 1943, em parecersobre projeto de decreto-lei relativo àsterras devolutas do Estado de São Pau-lo, quando membro de seu �Conselho Ad-ministrativo�.
Na realidade, a lei deve outorgarespecial proteção à posse que se traduzem trabalho criador, quer este secorporifique na construção de uma resi-dência, quer se concretize em investi-mentos de caráter produtivo ou cultu-ral. Não há como situar no mesmo planoa posse, como simples poder manifesta-do sobre uma coisa, �como se� fora ativi-dade do proprietário, com a �posse qua-lificada�, enriquecida pelos valores dotrabalho. Este conceito fundante de �pos-se-trabalho� justifica e legitima que, aoinvés de reaver a coisa, dada a relevân-
cia dos interesse sociais em jogo, o titu-lar da propriedade reivindicada receba,em dinheiro, o seu pleno e justo valor,tal como determina a Constituição.
Vale notar que, nessa hipótese,abre-se, nos domínios do Direito, umavia nova de desapropriação que se nãodeve considerar prerrogativa exclusivados Poderes Executivo ou Legislativo. Nãohá razão plausível para recusar ao Po-der Judiciário o exercício do poderexpropriatório em casos concretos, comoo que se contém na espécie analisada.
d) As mesmas razões deter-minantes do dispositivo supra mencio-nado levaram a Comissão a reduzir paraquinze anos o usucapião extraordinário se,durante esse tempo, o possuidor, hou-ver pago os impostos relativos ao prédio,construindo no mesmo a sua morada ourealizando obras ou serviços de caráterprodutivo. Pareceu mais conforme aos di-tames sociais situar o problema em ter-mos de �posse trabalho�, que se manifes-ta através de obras e serviços realizadospelo possuidor. O mero pagamento de tri-butos, máxime num país com áreas tãoralamente povoadas, poderia propiciar di-reitos a quem se não encontre em situ-ação efetivamente merecedora do am-paro legal.
e) O mesmo se diga no concernenteao dispositivo que reduz a cinco anos ousucapião fundado em justo título e boa-fé,quando o imóvel houver sido adquiridoonerosamente, com base em transcriçãoconstante do registro de imóveis.
f) Por ter-se reconhecido o Territóriocomo pessoa jurídica de Direito Público in-terno, passam os imóveis urbanos abando-
nados a caber aos respectivos Municípios,tal como se dá quando estes integram osEstados. Exceção a essa regra geral é re-lativa a imóvel rústico abandonado, pois, nes-se caso, é natural que seja destinado àUnião para fins de política agrária.
g) A fim de dirimir dúvidas que têmcausado graves danos, outorga-se ao propri-etário do solo o direito de explorar recursos
minerais de reduzido valor, independente deautorização �in casu�, salvo o disposto emlei especial.
Anais do “EMERJ Debate o Novo Código Civil” - 29
h) Tendo sido firmado o princípioda enumeração taxativa dos direitos re-ais foi mister atender à chamada �con-
cessão de uso�, tal como já se acha emvigor, �ex vi� do Decreto-lei nº 271, de28 de fevereiro de 1967, que dispõe so-bre loteamento urbano. Trata-se de ino-vação recente de legislação pátria, mascom larga e benéfica aplicação. Como alei estende a �concessão de uso� às re-lações entre particulares, não pode o Pro-jeto deixar de contemplar a espécie. Con-soante justa ponderação de JOSÉCARLOS DE MOREIRA ALVES, a �migra-ção� desse modelo jurídico, que passouda esfera do Direito Administrativo paraa do Direito Privado, veio restabelecer,sob novo enfoque, o antigo instituto dasuperfície.
i) Na mesma linha de idéias, foramreexaminadas algumas questões perti-nentes ao direito de vizinhança, encon-trando-se nova solução para o delicadoproblema das construções erguidas emterreno limítrofe, caso em que é misterconciliar o direito do proprietário, quesofreu a invasão, com o valor intrínsecodo que se edificou. Pelas normasadotadas, o acréscimo, resultante dautilização da área ocupada, passa, emdeterminadas hipóteses, a ser compu-tado no cálculo da indenização devida,distinguindo-se, outrossim, entre inva-são de boa ou de má-fé. Pode dizer-seque, desse modo, se faz um �balanço debens�, compondo-se o direito individualde propriedade com o valor econômicodo que se construiu.
j) Fundamentais foram também asalterações introduzidas no instituto queno Projeto recebeu o nome de �condomí-
nio edilício�. Este termo mereceu repa-ros, apodado que foi de �barbarismo inú-til�, quando, na realidade, vem depuríssima fonte latina, e é o que melhorcorresponde à natureza do instituto, malcaracterizado pelas expressões �condo-mínio horizontal�, �condomínio especial�,ou �condomínio em edifício�. Na realida-de, é um condomínio que se constitui,objetivamente, como resultado do ato de
edificação, sendo, por tais motivos, de-
nominado �edilício�. Esta palavra vem de�aedilici (um)�, que não se refere ape-nas ao edil, consoante foi alegado, mas,como ensina o Mestre F. R. SANTOS SA-RAIVA, também às suas atribuições, den-tre as quais sobrelevava a de fiscalizaras construções públicas e particulares.
A doutrina tem salientado que adisciplina dessa espécie de condomíniosurgiu, de início, vinculada à pessoa doscondôminos (concepção subjetiva) dando-se ênfase ao que há de comum no edifí-cio, para, depois, evoluir no sentido deuma concepção objetiva, na qual prevale-ce o valor da unidade autônoma, em vir-tude da qual o condomínio se instaura,numa relação de meio a fim. Donde sernecessário distinguir, de maneira obje-tiva, entre os atos de instituição e os deconstituição do condomínio, tal como seconfigura no Projeto. Para expressar essanova realidade institucional é que se em-prega o termo �condomínio edilício�, de-signação que se tornou de uso correntena linguagem jurídica italiana, que, con-soante lição de RUI BARBOSA, é a quemais guarda relação com a nossa. Esta,como outras questões de linguagem, de-vem ser resolvidas em função das ne-cessidades técnicas da Ciência Jurídi-ca, e não apenas à luz de critérios pura-mente gramaticais.
Ainda no concernente a essa maté-ria, apesar de expressa remissão à lei es-pecial, entendeu-se de bom alvitre incluirno Código alguns dispositivos regrando osdireitos e deveres dos condôminos, bemcomo a competência das assembléias edos síndicos.
l) De grande alcance prático é oinstituto da propriedade fiduciária ,discisplinado consoante proposta feitapelo Prof. JOSÉ CARLOS MOREIRAALVES, que acolheu sugestões rece-bidas do Banco Central do Brasil e ana-lisou cuidadosamente ponderações fei-tas por entidades de classe. Passou aser considerada constituída a propri-edade fiduciária com o arquivamento,no Registro de Títulos e Documentosdo domicílio do devedor, do contratocelebrado por intrumento público ou
30 - Anais do “EMERJ Debate o Novo Código Civil”
particular, que lhe serve de título.Note-se que, em se tratando de veícu-los, além desse registro, exige-se o ar-quivamento do contrato na repartiçãocompetente para o licenciamento, fa-zendo-se a anotação no certificado depropriedade.
Os demais artigos, embora de ma-neira sucinta, compõem o essencial paraa caracterização da propriedadefiduciária, de modo a permitir sua apli-cação diversificada e garantida no mun-do dos negócios.
m) A igual exigência de certeza jurí-dica obedece a disposição segundo a qualo penhor de veículos se constitui medianteinstrumento público ou particular, tam-bém inscrito no Registro de Títulos e Do-cumentos, com a devida anotação no cer-tificado de propriedade.
n) Relativamente à proposta feitano sentido de se incluir no Código anormação das letras hipotecárias, enten-deu a Comissão preferível deixar o as-sunto para a lei aditiva, tal como estáprevsito no Projeto. O mesmo deveráocorrer, aliás, com as cédulas ruraispignoratícias, ou as de penhor industri-al ou mercantil.
o) Foi mantida entre os direitos re-ais de garantia a anticrese, mas devida-mente atualizada e suscetível de servircomo modelo jurídico de aplicação práti-ca.
p) Atualizado foi o instituto da hipoteca,acolhendo-se valiosas propostas feitas peloProf. CLOVIS DO COUTO E SILVA, conso-ante por mim lembrado na Exposição queacompanha o Anteprojeto de 1972.
q) Finalmente, não se manteve oinstituto da enfiteuse no que se refereaos bens particulares.
LIVRO IVDO DIREITO DE FAMÍLIA
28. A Comissão Revisora e Elaboradorado Código Civil, como já se terá nota-do, não obstante o seu constante em-penho em adequar a lei civil às exi-gências de nosso tempo, sempre pre-feriu preservar a estrutura da ora em
vigor, enriquecendo os seus títulos comnovos institutos e figuras.
No caso, porém, do Direito de Fa-mília, deu-se razão ao Professor COUTOE SILVA no sentido de se destinar umTítulo para reger o direito pessoal, e ou-tro para disciplina do direito patrimonial
de família. Na realidade é esse o Livrodo Código atual que mais se ressente defalta de harmonia sistemática, nem sem-pre se sucedendo os capítulos segundorigoroso desdobramento lógico. Todavia,os dispositivos referentes à tutela e àcuratela compõem um Título à parte, tala correlação que, nesses institutos, exis-te entre os aspectos pessoais epatrimoniais.29. No que se refere ao conteúdo dos dis-positivos, como era de se esperar, a parterelativa ao Direito de Família foi a quemais suscitou divergências e críticas, re-sultantes, quase sempre, de falha inter-pretação dos textos, inclusive pelo vezode se analisar um artigo sem situá-lo natotalidade do sistema.
Observe-se, desde logo, que algumasdisposições foram alvo de críticas anta-gônicas, uns entendendo que a Comis-são assumira uma posição retrógrada,mesmo em confronto com a legislação vi-gente, enquanto que outros a condena-vam por desmedidos excessos...
Tais contradições da crítica ocor-reram especialmente no que se refere àposição dos cônjuges, parecendo aos tra-dicionalistas um grave erro o abandonoda natural preeminência que deveria serassegurada ao marido, a cobro de qual-quer contrasteação; em franco contras-te, pois, com os defensores da absolutaigualdade entre os esposos, a ponto decondenarem quaisquer disposições ten-dentes a proteger a mulher no seio dafamília.
Entre esses dois extremos situa-seo Anteprojeto, que põe termo ao �podermarital�, pois não se pode dizer que estesubsista só pelo fato de caber ao maridoa direção da sociedade conjugal, vistocomo ele só poderá exercer com a colabo-ração da mulher, no interesse do casal edo filho.
Anais do “EMERJ Debate o Novo Código Civil” - 31
Além do mais, essa direção sofre li-mitações expressas, conforme resulta daanálise conjunta das seguintes diretivas:
1) As questões essenciais são deci-didas em comum, sendo sempre neces-sária a colaboração da mulher na dire-ção da sociedade conjugal. A mulher, emsuma, deixa de ser simples colaboradorae companheira �consoante posição quelhe atribui a lei vigente � para passar ater �poder de decisão�, conjuntamente como esposo.
2) Prevalecem as decisões tomadaspelo marido, em havendo divergência,mas fica ressalvada à mulher a faculda-de de recorrer ao juiz, desde que não setrate de matéria personalíssima.
3) O domicílio do casal é escolhi-do por ambos os cônjuges, e não ape-nas pelo marido, como dispõe o Códigoatual, que se limita a conferir à mu-lher a faculdade de recorrer ao juiz,no caso de deliberação que a prejudi-que, de conformidade com a redaçãodada ao seu art. 233 pela Lei nº 4.121,de 27 de agosto de 1962, que dispõesobre a situação jurídica da mulhercasada.
4) Pode a mulher, assim como o ma-rido, ausentar-se do domicílio conjugalpara atender a encargos públicos, aoexercício de sua profissão, ou a interes-ses particulares relevantes.
5) O exercício do pátrio poder com-pete a ambos os cônjuges, com a mesmaconfiguração jurídica consagrada pela leiatual.
6) Cabe à mulher, como norma ge-ral, a administração dos bens próprios.
Posta essa questão nos seus de-vidos termos, outras alteraçõesintroduzidas no Livro IV merecem re-ferência, a começar pelas duas omis-sões que efetivamente não se justifi-cavam, uma no tocante à proibição decasamento do adúltero com o seu co-réu por tal condenado; a outra relativaà possibilidade de dispensa de prazopara que possa a viúva contrair novasnúpcias, em se verificando ocorrênciade gravidez.30. Abstração feita dessas duas lacunas,
que resultaram de lapso na transposi-ção de artigos, parece-me bastante sa-lientar mais alguns pontos, pois não ca-beria repetir o que se acha minuciosa-mente exposto na Exposição de MotivosComplementar do Prof. CLOVIS DOCOUTO E SILVA, ao Anteprojeto de 1974:
a) As normas sobre o registro civildo casamento religioso, de conformidadecom o que dispõe a Constituição, com oscorolários indispensáveis para se por ter-mo aos abusos que ora se praticam.
b) Nova disciplina dada à matériade invalidade do casamento. Segundo anova sistemática, que corresponde me-lhor à natureza das coisas, além deser nulo de pleno direito o casamentorealizado com infringência de qualquerimpedimento, tal como já o declara oCódigo atual (arts. 183, I a VII e 207),também o será quando convida civil.Todas as demais hipóteses passam aconstituir motivo de anulação, como sedá no caso de falta de idade mínimapara casar; se o casamento for do in-capaz de consentir ou manifestar, demodo inequívoco, o consentimento; ouse incompetente a autoridadecelebrante.
c) Considerar erro essencial, quan-to à pessoa do outro cônjuge, a ignorân-cia, anterior ao casamento, de doençamental grave, incurável e que, por suanatureza, torne insuportável a vida emcomum ao cônjuge enganado, caso emque o casamento pode ser anulado.
d) Elevação para quatro anos do pra-zo de decadência para anulação do ca-samento em virtude de coação.
e) Revisão dos preceitos pertinen-tes à contestação, pelo marido, da legiti-
midade do filho nascido de sua mulher,ajustando-os à jurisprudência dominan-te .
f) Direito reconhecido à mulher deretomar seu nome de solteira, se conde-nado o marido na ação de desquite.
g) Previsão da hipótese de separa-
ção ininterrupta do casal, por mais de cin-co anos, para equipará-la ao desquite,tão-somente para fim de reconhecimen-to dos filhos adulterinos.
32 - Anais do “EMERJ Debate o Novo Código Civil”
h) Se não houver acordo entre ospais no tocante à autorização para o ca-
samento de filho menor de vinte e um anos,prevalecerá a opinião do pai, ressalvadoà mãe o direito de recorrer ao juiz parasolução de divergência em questões es-senciais, ad instar do que já dispõe o Pro-jeto sobre a direção da sociedade conju-gal, ou o exercício do pátrio poder.
i) Exigência de ação direta paradecretação da nulidade do casamento.
j) A obrigação de ambos os cônju-ges, quando casados no regime de sepa-ração, de contribuir para as despesas do
casal na proporção dos rendimentos deseu trabalho e de seus bens, salvo esti-pulação em contrário no pactoantenupcial.
l) Nova disciplina do instituto da ado-
ção, distinta em �adoção plena� e �ado-ção restrita�, de sorte a permitir aten-dimento de situações distintas, preven-do-se, no primeiro caso, a plenaintegração do adotado na família doadotante.
m) Homologação pelo juiz da escri-tura que institui a adoção restrita, reco-nhecendo-se que a dispensa de homolo-gação poderia dar lugar a abusos.
n) Estabelecer, como regime legal,o da comunhão parcial com comunhão de
aqüestos, de conformidade com o que vi-nha sendo insistentemente reclamadopela doutrina. Facilita-se, todavia, aadoção do regime da comunhão univer-sal mediante simples declaração dosnubentes, no ato de casar, desde quedevidamente tomada por termo.
o) Sob a denominação de �regime
de participação final nos aqüestos�, paradistingui-lo do regime de comunhãoparcial, que implica aquela participa-ção desde a celebração do casamen-to, prevê-se um novo regime de bensque poderá atender a situações es-peciais, tal como se verifica nas Na-ções que vão atingindo maior grau dedesenvolvimento, sendo freqüente ocaso de ambos os cônjuges exercerematividades empresariais distintas.
p) Disciplina da prestação de alimen-
tos segundo novo espírito, abandonando
o rígido critério da mera garantia demeios de subsistência.
q) Manter a instituição do bem de
família, mas de modo a torná-lo suscetí-vel de realizar efetivamente a alta fun-ção social que o inspira, inclusive de umaforma que, a meu ver, substitui, com van-tagem, as soluções até agora oferecidasno Brasil ou no estrangeiro, prevendo-se aformação de um patrimônio separado cujarenda se destine a efetiva salvaguarda dafamília.
r) Revisão das normas relativas àtutela, a fim de melhor disciplinar a com-petência do tutor, tornando-a mais con-dizente com a realidade.
s) Nova discriminação dos casos decuratela, em consonância com a disposi-ção da Parte Geral sobre incapacidaderelativa, acrescentando-se a hipótese decuratela do enfermo ou portador de de-ficiência física.
t) Transferência para lei especial dadisciplina das relações patrimoniais entre
concubinos, a fim de que possam ser con-siderados outros aspectos da questão, in-clusive em termos de sociedade de fato,consoante vem sendo elaborado pela ju-risprudência.31. Antes de concluir estas notas sobreDireito de Família, cabe lembrar que seestranhou houvesse sido previsto um �re-gime de participação final dos aqüestos�,não correspondente a nenhum modeloalienígena. Trata-se, efetivamente, decontribuição original, que tem algunspontos de contato com o estabelecidopela Lei que entrou em vigor em Quebec,em julho de 1970. Na Exposição de Moti-vos ministerial que precede este docu-mento legal, é dito que esse novo regi-me �quer expressar uma realidade pro-funda: dois seres, que se unem pelo ca-samento, contribuem, através dos dias,cada um a seu modo, em forma diferen-te, à acumulação, salvaguarda e acrés-cimo do patrimônio familiar. Parece, por-tanto, justo e eqüitativo que, ao termi-nar a associação conjugal, os cônjugespossam, na ausência de convenções ex-pressas em contrário, dividir em dois oque houverem adquirido juntos�. Não
Anais do “EMERJ Debate o Novo Código Civil” - 33
obstante a diferença entre os dois mo-delos, tais palavras servem de fundamen-to ao que se disciplina no Anteprojeto.
Essa e outras contribuições, semse olvidar as de natureza sistemática,como a rigorosa distinção do Direito deFamília em pessoal e patrimonial, demons-tram que o Livro IV do Anteprojeto foielaborado não só com ciência, mas tam-bém com plena consciência do valor so-cial e espiritual da instituição da famí-lia, que constitui a base inamovível dosvalores mais altos da comunidade.
LIVRO VDO DIREITO DAS SUCESSÕES
32. As modificações operadas no Direitode Família implicaram correspondentesalterações no Direito das Sucessões,cujos dispositivos foram também revis-tos para atender a lacuna e deficiênciado Código Civil atual, apontadas pela dou-trina e a jurisprudência.
Com a adoção do regime legal deseparação parcial com comunhão deaqüestos, entendeu a Comissão que es-pecial atenção devia ser dada aos di-reitos do cônjuge supérstite em maté-ria sucessória. Seria, com efeito,injustificado passar do regime da co-munhão universal, que importa a co-municação de todos os bens presentese futuros dos cônjuges, para o regimeda comunhão parcial, sem se atribuirao cônjuge supérstite o direito de con-correr com descendentes e ascenden-tes. Para tal fim, passou o cônjuge aser considerado herdeiro necessário,com todas as cautelas e limitaçõescompreensíveis em questão tão delica-da e relevante, a qual comporta diver-sas hipóteses que exigiram tratamen-to legal distinto.
Por outro lado, havia necessidadede superar-se o individualismo quenorteia a legislação vigente em matériade direito de testar, excluindo-se a possi-bilidade de ser livremente imposta a clá-usula de inalienabilidade à legítima. É,todavia, permitida essa cláusula se hou-ver justa causa devidamente expressa no
testamento. Aliás, a exigência de justacausa, em tais casos, era da tradição doDireito pátrio, antes do sistema do Códi-go vigente.33. Relembrados esses pontos capitais,reporto-me à Exposição de Motivos do ilus-tre Professor TORQUATO CASTRO, limi-tando-me a salientar mais os seguintesaspectos não menos relevantes da refor-ma:
a) Mais precisa determinação do va-lor da aceitação e da renúncia da herança.
b) Legitimação para suceder, no to-cante ao nasciturus conceptus e nondum
conceptus, estabelecendo-se prazo razo-ável para a consolidação da herança.
c) Disciplina da herança, enquantoindivisível, extremando-se as normas ma-teriais das de natureza processual.
d) Maior amparo aos filhos ilegítimos,aos quais tocarão dois terços da heran-ça cabível a cada um dos legítimos.
e) Novas normas no que se refere àsituação do filho adotivo e do adotado, con-forme se trate de adoção plena ou res-trita, quer em relação aos seus ascen-dentes naturais, quer no tocante à pes-soa do adotante.
f) Reexame das disposições relati-vas ao problema da colação e redução dasliberalidades feitas em vida pelo autor daherança, em virtude do princípio daintangibilidade da legítima dos herdeiros ne-cessários.
g) Simplificação, em geral, dos atos
de testar, sem perda, todavia, dos valoresde certeza e segurança.
h) Melhor sistematização dos pre-ceitos concernentes ao direito de acres-
cer entre herdeiros e legatários.i) A declaração de que o testamento é
ato personalíssimo, suscetível de ser re-vogado a qualquer tempo, numa fórmulaconcisa que evita a tão discutida defi-nição contida no Códig Civil vigente.
j) Revisão das disposições relativasao testamento cerrado, para admitir possaser feito por outra pessoa, a rogo do tes-tador.
l) Manter os preceitos do Código atu-al relativos aos requisitos essenciais dotestamento particular, mas declarando que,
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para a sua confirmação, serão suficien-tes duas testemunhas contestes.
m) Revisão do instituto dofideicomisso, inclusive prevendo-se ocaso de sua conversão em usufruto.
n) O novo tratamento dado à arre-
cadação de herança jacente, bem como àdeclaração de sua vacância, para aten-der ao disposto no novo Código de Pro-cesso Civil.
DISPOSIÇÕES FINAIS ETRANSITÓRIAS
34. Breve referência desejo fazer a estaparte final do Projeto na qual, de manei-ra concisa, evitando-se enumeraçãocasuística, se estabelecem as normas quedevem presidir a passagem da antiga paraa nova lei.
Nesse sentido, foi considerado debom alvitre ressaltar a vigência das leisespeciais relativas à locação de prédiosurbanos, bem como a das disposições denatureza processual, administrativa oupenal, constantes de leis, cujos precei-tos de natureza civil hajam sido incorpo-rados ao novo Código.
Por outro lado, declarou-se proibi-da a constituição de enfiteuses esubenfiteuses, regendo-se as ainda exis-tentes pelas disposições do antigo Códi-go, até que por outra forma se disciplinea matéria.35. São essas, Senhor Ministro, as con-siderações complementares com quesubmeto à alta apreciação de Vossa Exce-lência o texto revisto do Anteprojeto, es-perando que o Governo da República haja
por bem submetê-lo à alta apreciação doCongresso Nacional.
Ao fazer a entrega deste trabalhode equipe, ao qual foram incorporadasvaliosas contribuições oriundas das maisvariadas fontes do sentir e do saber dacomunidade brasileira, conforta-me, bemcomo aos demais companheiros, a cons-ciência de termos agido com serena ob-jetividade, procurando harmonizar, demaneira concreta e dinâmica, as idéiasuniversais do Direito com as que distin-guem e dignificam a cultura nacional;os princípios teóricos com as exigênciasde ordem prática; a salvaguarda dos va-lores do indivíduo e da pessoa com osimperativos da solidariedade social; osprogressos da ciência e da técnica comos bens que se preservam ao calor datradição.
Quero, por fim, consignar os agra-decimentos dos membros da ComissãoElaboradora e Revisora do Código Civilao ilustre Presidente ERNESTO GEISELe a Vossa Excelência, por nos teremconfirmado na incumbência anterior-mente recebida, de elaborar a lei bási-ca das relações privadas, numa demons-tração de confiança que constitui a me-lhor paga de quase seis anos de tão gran-des preocupações quanto de aturadosestudos e pesquisas.
Muito cordialmenteSão Paulo, 16 de Janeiro de 1975
MIGUEL REALE
Supervisor da Comissão Revisora eElaboradora e do Código Civil.
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