UNIVERSIDADE FEDERAL DE MINAS GERAIS ESCOLA DE ENFERMAGEM
Tatiana Silva Tavares
O CUIDADO ÀS CRIANÇAS COM CONDIÇÕES CRÔNICAS E A GARANTIA DE
SEUS DIREITOS SOCIAIS
Belo Horizonte - MG
2017
Tatiana Silva Tavares
O CUIDADO ÀS CRIANÇAS COM CONDIÇÕES CRÔNICAS E A GARANTIA DE
SEUS DIREITOS SOCIAIS
Tese apresentada ao Programa de Pós-graduação em Enfermagem da Universidade Federal de Minas Gerais como requisito para obtenção do título de Doutora em Enfermagem. Área de concentração: Saúde e Enfermagem. Orientadoras: Elysângela Dittz Duarte e Roseni Rosângela de Sena (in memoriam).
Belo Horizonte - MG
2017
Tavares, Tatiana Silva.
T231c O cuidado às crianças com condições crônicas e a garantia de seus
direitos sociais [manuscrito]. / Tatiana Silva Tavares. - - Belo Horizonte:
2017.
221f.: il.
Orientador: Elysângela Dittz Duarte; Roseni Rosângela de Sena (in
memorian).
Área de concentração: Saúde e Enfermagem.
Tese (doutorado): Universidade Federal de Minas Gerais, Escola de
Enfermagem.
1. Crianças com Deficiência. 2. Doença Crônica. 3. Defesa da Criança
e do Adolescente. 4. Família. 5. Seguridade Social. 6. Enfermagem
Pediátrica. 7. Dissertações Acadêmicas. I. Duarte, Elysângela Dittz. II.
Sena, Roseni Rosângela de. III. Universidade Federal de Minas Gerais,
Escola de Enfermagem. IV. Título.
NLM: WS 105.5
Ficha catalográfica elaborada pela Biblioteca J. Baeta Vianna – Campus Saúde UFMG
Às mulheres de luta que inspiraram minha
trajetória, especialmente, à Roseni Sena e
às mães das crianças com condições
crônicas.
AGRADECIMENTOS
À Professora Roseni Sena pelo aprendizado com afeto, muito além da academia.
Nesse momento a falta é amenizada, pela convicção de que está eternizada nos
aprendizados que proporcionou.
À Professora Elysângela por me ensinar sobre o cuidado e trazer leveza ao
cotidiano de ensino e pesquisa.
À Professora Kênia por inspirar a interdisciplinaridade.
Aos participantes do NUPEPE e às bolsistas de iniciação científica pela vivência da
construção coletiva do conhecimento.
À Professora Izabel Magalhães pela generosidade em ensinar.
Às Professoras Ivone Cabral, Regina Lima, Claudia Alves e Patrícia Braga pela
disponibilidade em participar da banca e contribuir com o aprimoramento deste
estudo.
Aos colegas de trabalho do CTI Pediátrico por me acolherem.
Aos familiares e amigos pelo apoio e compreensão da distância que a dedicação ao
doutorado ocasionou.
À CAPES, ao CNPq e à FAPEMIG por fomentarem a pesquisa e incentivarem a
formação de pesquisadores brasileiros.
Não serei o poeta de um mundo caduco Também não cantarei o mundo futuro
Estou preso à vida e olho meus companheiros Estão taciturnos e nutrem grandes esperanças
Entre eles, considero a enorme realidade O presente é tão grande, não nos afastemos
Não nos afastemos muito, vamos de mãos dadas (...)
O tempo é a minha matéria, o tempo presente, os homens presentes
A vida presente. (Carlos Drummond)
RESUMO
Introdução: As crianças com condições crônicas têm aumentado nas últimas décadas, porém, o atendimento das necessidades e a inclusão social dessas crianças são prejudicados pelas dificuldades que as famílias vivenciam para realizar os cuidados no domicílio e ter acesso aos serviços de saúde, assistência social e educação. Objetivo Geral: Analisar os direitos sociais garantidos às crianças com condições crônicas. Objetivos Específicos: Verificar as políticas públicas brasileiras relacionadas aos direitos sociais das crianças com condições crônicas; e analisar o acesso da criança com condição crônica aos serviços prestados pelas instituições educacionais, de saúde e de assistência social. Método: Foram desenvolvidos pesquisa documental das legislações brasileiras que configuravam políticas sociais e estudo de casos múltiplos etnográfico, com abordagem qualitativa. Como referencial teórico-metodológico, foram adotados a abordagem de cidadania e direitos sociais e os princípios da sociologia das ausências e das emergências de Boaventura Santos. A partir da indicação de crianças com condições crônicas em serviços da regional Norte do município de Belo Horizonte, Minas Gerais, foram estudadas as experiências de 3 crianças com condições crônicas e de suas famílias, por meio de entrevistas com familiares, gestores e profissionais das instituições de saúde, assistência social e educação, além de observação participante nos espaços sociais. Os critérios para a indicação foram a criança ter condição crônica (segundo Stein e colaboradores) e a experiência da família em relação à garantia dos direitos sociais. Para a análise dos dados foi utilizada Análise de Discurso Crítica, conforme proposta por Fairclough, e o desenvolvimento de ecomapas. Foram atendidas as diretrizes e normas regulamentadoras de pesquisas envolvendo seres humanos. Resultados: Os direitos sociais estão constitucionalizados para as crianças com doenças crônicas e deficiências nos textos das legislações brasileiras, mas é incipiente a regulamentação das ações das políticas públicas para concretizá-los. No município, a oferta de serviços e ações é menor que a demanda dessas crianças e de suas famílias e persistem processos de exclusão, revelando a hegemonia das ideologias neoliberal e de normalização nas práticas sociais. Os direitos foram assegurados quando os familiares constituíram identidades inconformistas e politizadas e os profissionais representavam as crianças com condições crônicas como sujeitos de direitos, a serem valorizados e incluídos na sociedade. Evidenciou-se pouca expressividade da atuação do enfermeiro. Conclusões: Faz-se necessário priorizar a implementação das políticas sociais para assegurar os direitos das crianças com condições crônicas; romper com as ideologias hegemônicas que sustentam a formação dos profissionais que atuam nas instituições de saúde, assistência social e educação; e propiciar informações aos familiares dessas crianças para que se constituam enquanto sujeitos políticos. O cuidado para a cidadania exige nas práticas familiares e profissionais a construção de subjetividades que rompam com as ideologias hegemônicas e reconheçam essas crianças como sujeitos de direitos. Contribuições para enfermagem: É urgente buscar caminhos para maior participação do enfermeiro no cuidado dessas crianças, sendo preciso incluir em sua formação competências para a defesa de seu bem-estar e inclusão social. Recomenda-se o uso do ecomapa para analisar organização e rede social das famílias, norteando orientações sobre recursos da rede. Palavras-chave: Crianças com deficiência; Doença crônica; Família; Seguridade Social; Defesa da Criança e do Adolescente; Enfermagem Pediátrica.
ABSTRACT
Introduction: Children with chronic conditions have risen in the last decades, however, meeting the needs and social inclusion of these children are hampered by the difficulties that families experience in home care and access to health, social care and educational services. General objective: to analyze the social rights guaranteed to children with chronic conditions. Specific Objectives: to verify Brazilian public policies related to social rights of children with chronic conditions; and analyze access of children with chronic conditions to services provided by educational, health and social care institutions. Method: was carried out documentary research of Brazilian legislations that constituted social policies and multiple ethnographic case study with a qualitative approach. As a theoretical and methodological framework, we adopted the approach on citizenship and social rights and the principles of the sociology of absences and emergencies developed by Boaventura Santos. From the indication of children with chronic conditions in services of the northern region of Belo Horizonte city, state of Minas Gerais, the experiences of 3 children with chronic conditions, and their families were studied through interviews with family members, managers and professionals from health, social assistance and education institutions, also participant observation of children and their families in social spaces. The criteria for the indication were a child with a chronic condition (according to Stein and coworkers) and the family experience regarding the guarantee of social rights. For the data analysis was used the Critical Discourse Analysis proposed by Fairclough and the development of ecomaps. Guidelines and standards regulating research involving human beings were addressed. Results: Social rights are constitutionalised for children with chronic diseases and with disability in the texts of Brazilian legislation, but it is still incipient to regulate the actions of public policies to achieve them. In the municipality, service and action offerings are less than the demand of children with chronic conditions and their families and the exclusion processes persist, revealing the hegemony of neoliberal ideologies and normalization in social practices. Access to services for guaranteeing the children´s social rights was ensured when family members constituted nonconformist and politicized identities and the professionals represented children with chronic conditions as subjects of rights, to be valued and included in the society. There was little expressiveness of nurses' performance. Conclusions: It is necessary to prioritize the implementation of social policies to ensure the rights of children with chronic conditions; to break with the hegemonic ideologies that supports professionals’ background who work in health, social assistance and educational institutions and to provide information to the families of these children so that they can be constituted as political subjects. The care of children with chronic conditions for citizenship demands in family and professional practices the construction of subjectivities that break hegemonic ideologies and recognize these children as subjects of rights, acting to defend their welfare and social inclusion. Nursing contributions: It is urgent to seek ways to increase nurses' participation in the care of these children, being necessary to include competences for the defense of well-being and social inclusion in their formation. It is recommended to use the ecomap to analyze the organization and social network of families, guiding recommendations on network resources. Keywords: Disabled Children; Chronic Disease; Family; Social Welfare; Child Advocacy; Pediatric Nursing.
LISTA DE ILUSTRAÇÕES E TABELAS
Tabela 1 – População por distrito de Belo Horizonte segundo IVS 2012. 49
Quadro 1 - Dados produzidos na Regional Norte e no âmbito municipal
durante a inserção em campo, 2015-2016.
53
Quadro 2 – Dados produzidos por caso durante a inserção em campo. 58
Figura 1 – Linha do tempo das legislações relacionadas aos setores da
saúde, assistência social e educação e aos direitos humanos,
entre 1988 e 2015.
68
Quadro 3 - Descrição das legislações da saúde, assistência social e
educação.
71
Gráfico 1 - IQVU por regional administrativa de Belo Horizonte, 2012. 81
Figura 2 - Mapa dos serviços públicos municipais de saúde, assistência
social e educação da Regional Norte, 2012.
82
Figura 3 - Ecomapa de Pablito e família. 91
Figura 4 - Ecomapa do Campeão e sua família. 112
Figura 5 - Ecomapa de Pequeno Príncipe e sua família. 134
Quadro 4 - Aspectos linguísticos das identidades familiares. 154
Quadro 5 - Tipo de legislações, número, data de promulgação, objeto e
âmbito de aplicação das legislações da linha do tempo.
190
LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS
ACS Agentes Comunitários de Saúde
ADC Análise de Discurso Crítica
AS Assistência Social
AMR Associação Mineira de Reabilitação
APS Atenção Primária à Saúde
BPC Benefício de Prestação Continuada
CCC Crianças com Condições Crônicas
CEP Comitê de Ética em Pesquisa
CIF Classificação Internacional de Funcionalidade, Incapacidade e Saúde
CMPD Conselho Municipal da Pessoa com Deficiência
CMDCA Conselho Municipal de Direitos da Criança e do Adolescente
CAADE Coordenadoria de Apoio e Assistência à Pessoa com Deficiência
CDPD Coordenadoria de Direitos das Pessoas com Deficiência
CRAS Centros de Referência de Assistência Social
CRIANES Crianças com Necessidades Especiais de Saúde
CS Centros de Saúde
FOCA Fórum de Atenção à Criança e ao Adolescente
IBGE Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística
IVS Índice de Vulnerabilidade à Saúde
MEC Ministério da Educação
MDS Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome
MS Ministério da Saúde
NASF Núcleo de Apoio à Saúde da Família
NUPEPE Núcleo de Estudos e Pesquisas sobre Ensino e Prática de
Enfermagem
OMS Organização Mundial de Saúde
PBH Prefeitura de Belo Horizonte
PNAD Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios
PNAISC Política Nacional de Atenção Integral à Saúde da Criança
PNAS Política Nacional de Assistência Social
QuICCC-R Questionário para Identificação de Crianças com Condições Crônicas-
Revisado
SARMU-N Secretaria de Administração Regional Municipal Norte
SMAAS Secretaria Municipal Adjunta de Assistência Social
SME Secretaria Municipal de Educação
SMS Secretaria Municipal de Saúde
SPSPD Serviço de Proteção Social a Pessoa com Deficiência
SUAS Sistema Único de Assistência Social
SUS Sistema Único de Saúde
TCLE Termo de Consentimento Livre e Esclarecido
UMEI Unidades Municipais de Ensino Infantil
UPA Unidade de Pronto Atendimento
SUMÁRIO
1 INTRODUÇÃO 14
1.1 Objetivos 19
1.1.1 Objetivo geral 19
1.1.2 Objetivos específicos 19
2 CONTINUIDADE DO CUIDADO ÀS CRIANÇAS COM CONDIÇÕES
CRÔNICAS
21
3 DA CONSTITUCIONALIZAÇÃO À INSTITUCIONALIZAÇÃO DOS
DIREITOS SOCIAIS
31
3.1 Direitos de cidadania: a constitucionalização dos direitos sociais 31
3.2 A institucionalização dos direitos sociais: desafios para assegurar
o exercício dos direitos por meio de politicas públicas
36
4 DEFINIÇÕES METODOLÓGICAS 43
4.1 Referencial teórico-metodológico e abordagem de pesquisa 43
4.2 Processo de imersão na realidade investigada 46
4.2.1 Busca e seleção de legislações 50
4.2.2 Inserção em campo 51
4.3 Análise dos dados 59
4.4 Aspectos éticos 64
5 CONTEXTO DA GARANTIA DE DIREITOS SOCIAIS ÀS CRIANÇAS
COM CONDIÇÕES CRÔNICAS NO CAMPO DE ESTUDO
66
5.1 Legislações e políticas públicas brasileiras 67
5.2 Ações das instituições de saúde, assistência social, educação e
defesa de direitos no município
72
5.3 Situação socioeconômica da Regional Norte 80
6 AS EXPERIÊNCIAS DAS CRIANÇAS COM CONDIÇÕES CRÔNICAS
E DE SEUS FAMILIARES NA GARANTIA DOS DIREITOS SOCIAIS
84
6.1 Caso de Pablito e de sua mãe Vitória: “todo mundo tem sua
responsabilidade”
84
6.1.1 Descrição do caso 84
6.1.2 Análise crítica das experiências sociais 90
6.2 Caso de Campeão e de sua mãe Feliz: “primeiro cê pede pra Deus,
depois cê corre atrás”
103
6.2.1 Descrição do caso 103
6.2.2 Análise crítica das experiências sociais 111
6.3 Caso de Pequeno Príncipe e de seus pais Miguel e Esther: “eles
tinha que dar prioridade pros menino especial”
126
6.3.1 Descrição do caso 126
6.3.2 Análise crítica das experiências sociais 133
7 EXPERIÊNCIAS SOCIAIS QUE NÃO DEVEM SER
DESPERDIÇADAS: REINVENTANDO O CUIDADO PARA A
CIDADANIA
147
8 CONSIDERAÇÕES FINAIS 161
REFERÊNCIAS 164
APÊNDICES 180
Apêndice A - Roteiros de observação e entrevistas 180
Apêndice B - Carta convite para colaborar na pesquisa 185
Apêndice C - Convenções para transcrições
Apêndice D - Termos de Consentimento Livre e Esclarecido
186
187
Apêndice E - Informações referentes às legislações da linha do tempo 190
Apêndice F - Artigo “Direitos sociais das crianças com condições
crônicas: análise crítica das políticas públicas brasileiras”
196
ANEXOS 216
Anexo A - Carta de aprovação do projeto de pesquisa 216
CAPÍTULO 1
INTRODUÇÃO
14
1 INTRODUÇÃO
A oportunidade de desenvolver pesquisas e vivenciar a assistência ao
recém-nascido e à criança no Sistema Único de Saúde (SUS) brasileiro me
suscitaram inquietações acerca da capacidade das repostas do modelo de atenção
à saúde predominante atenderem às necessidades das Crianças com Condições
Crônicas (CCC) e de suas famílias. Contribuíram em minha trajetória, sobretudo, o
envolvimento em atividades no Núcleo de Estudos e Pesquisas sobre Ensino e
Prática de Enfermagem (NUPEPE), da Universidade Federal de Minas Gerais
(UFMG)1 (DUARTE; SENA; TAVARES, 2010; DUARTE et al., 2012; DUARTE et al.,
2013; DUARTE et al., 2015a; DUARTE et al., 2015b); e a atuação na assistência à
criança na unidade de pediatria do Hospital das Clínicas da UFMG.
Nas pesquisas desenvolvidas sobre a integralidade do cuidado ao recém-
nascido de risco, durante minha iniciação científica, destacaram-se aspectos a
serem superados em relação a: ampliação do cuidado para abranger dimensões
biopsicossociais do recém-nascido; reorganização do processo de trabalho em
unidades neonatais para incorporar o cuidado por equipe multiprofissional centrado
no recém-nascido e na família, com participação dos familiares; e continuidade do
cuidado (DUARTE; SENA; TAVARES, 2010; DUARTE et al., 2012; DUARTE et al.,
2013).
A incipiência de estudos nacionais sobre a integralidade e continuidade do
cuidado ao recém-nascido de risco verificada em revisão da literatura (DUARTE;
SENA; TAVARES, 2010), as evidências cientificas da insuficiente articulação dos
serviços de saúde que dificultava um acompanhamento adequado após a alta das
unidades neonatais (DUARTE et al., 2013) e a vivência na atenção ao recém-
nascido e à criança em serviços do município demonstraram a relevância do
desenvolvimento de estudos acerca da continuidade do cuidado aos egressos
dessas unidades. Foi constatada a pertinência de essas investigações focalizarem o
grupo de egressos das unidades neonatais com condições de saúde de longa
1 Participação, durante a iniciação científica e mestrado, respectivamente nas pesquisas “A construção da integralidade da atenção recém-nascido: desafios e oportunidades” e “A continuidade do cuidado às crianças com condições crônicas: desafios e potencialidades para a construção da integralidade”, à qual minha dissertação “A continuidade do cuidado às crianças com condições crônicas egressas de terapia intensiva neonatal: a perspectiva das famílias” estava integrada.
15
duração e necessidades de cuidado complexas, que apresentavam maior demanda
de atenção nos serviços de saúde.
Procuramos na literatura científica um referencial para conceituar esse grupo
que fosse passível de operacionalização para desenvolver as pesquisas sobre a
continuidade do cuidado, às quais estava integrado meu estudo de mestrado. Foi
identificada a utilização de denominações diversas, como criança com doença
crônica, dependentes de tecnologia, com condições crônicas e com necessidades
especiais de saúde. Optou-se por adotar a definição de condições crônicas na
infância baseada nas repercussões provocadas por essas condições na vida da
criança, proposta por Stein et al. (1993). Essa definição orientou o desenvolvimento
de instrumentos, como o Questionário para Identificação de Crianças com
Condições Crônicas-Revisado (QuICCC-R)2.
Os resultados da dissertação evidenciaram que essas crianças podem
apresentar condições crônicas leves, moderadas ou graves, que repercutem
determinando necessidades de saúde diferenciadas. Dentre essas necessidades
evidenciaram-se as de receber cuidados com complexidade e frequência variável e
apoio para atividades da vida diária; obter medicamentos, alimentação especial e
dispositivos tecnológicos; ter atendimento por profissionais de saúde e de outros
setores acima do esperado para crianças da mesma idade; desenvolver ações
lúdicas, de lazer e de aprendizado. De forma a possibilitar o atendimento das
necessidades dessas crianças, o cuidado deve ser realizado pela família, por
profissionais dos serviços de saúde e profissionais dos diversos setores favorecendo
o desenvolvimento de atividades cotidianas no domicílio e na comunidade
(TAVARES, 2012; TAVARES; SENA; DUARTE; 2016).
Contudo, os dados demonstraram dificuldades da família para realizar os
cuidados no domicílio, ter acesso e utilizar os serviços de saúde e dos diversos
setores, e obter medicamentos, alimentação especial e dispositivos tecnológicos,
prejudicando a continuidade do cuidado (TAVARES, 2012; TAVARES; SENA;
DUARTE; 2016). Dificuldades semelhantes foram constatadas em outros estudos
regionais realizados no país (BALTOR et al., 2013; GAVAZZA et al., 2008; NEVES;
CABRAL, 2009; NEVES et al., 2015; OKIDO et al., 2012; SILVEIRA; NEVES;
2 Traduzido para o português por pesquisadores do NUPEPE, extraído do relatório de pesquisa A continuidade do cuidado ao recém nascido em condição crônica egresso da UTI neonatal: desafios e potencialidades para a construção da integralidade, de 2012. (Relatório de Pesquisa).
16
PAULA, 2013), evidenciando a insuficiência do modelo de atenção a saúde atual
para dar respostas às necessidades das CCC (CABRAL; MORAES, 2015; DUARTE
et al., 2015a; SILVEIRA; NEVES, 2012; TAVARES, 2012).
Foi possível apreender que recai sobre os familiares considerável
responsabilidade de busca e produção de um cuidado resolutivo (TAVARES, 2012),
o que tem sido evidenciado também por outros estudos nacionais (NEVES;
CABRAL, 2009; NEVES et al., 2015; OKIDO et al., 2012; SILVEIRA; NEVES;
PAULA, 2013). O familiar responsável pelo cuidado, em geral a mãe, precisa
empreender uma busca persistente para assegurar o atendimento das necessidades
da criança com condição crônica, desenvolvendo estratégias para o acesso aos
serviços e insumos, traçando suas próprias trajetórias na rede de serviços de saúde
pública e suplementar. Entretanto, essa busca depende de sua capacidade de
identificar as necessidades das crianças e mobilizar recursos, sendo influenciada por
suas experiências de vida, sua capacidade de adaptação ao estresse decorrente do
cuidado, seu acesso a apoio e informação, suas condições socioeconômicas, entre
outros (TAVARES, 2012). Deve-se considerar o risco dessas crianças ficarem
desassistidas caso os responsáveis por seu cuidado não tenham essa capacidade,
principalmente, por estudos sinalizarem a vulnerabilidade social de suas famílias
(NEVES; CABRAL, 2008; SILVEIRA; NEVES, 2012; TAVARES, 2012).
As dificuldades mencionadas podem implicar em descontinuidade do cuidado
e impedir o atendimento das necessidades das CCC, comprometendo suas
possibilidades de autonomia e participação social (TAVARES, 2012). A insuficiência
de políticas do Estado ocasiona a transferência de uma responsabilidade pública de
proteção social, assumida na Constituição Federal (BRASIL, 1988), para a dimensão
privada das famílias das CCC e impõe limites para a garantia do direito à saúde e de
outros direitos sociais dessas crianças, direitos inerentes à condição de cidadania
(FLEURY; OUVERNEY, 2012).
Portanto, as evidências científicas e a vivência na realidade local indicaram
que os avanços políticos e tecnocientíficos na atenção à saúde de recém-nascidos e
crianças, sobretudo os altos investimentos em unidades neonatais e pediátricas,
permitiram o aumento da sobrevida de crianças com condições crônicas (CASTRO,
RUGOLO, MARGOTTO, 2012; FAROOQI et al., 2006; FAROOQI et al., 2011;
GLASS et al., 2015; HACK et al., 2005; HACK et al., 2011; MARKESTAD et al.,
2005; MOORE et al., 2012; STEIN, 2011). Porém, além de investimentos para a
17
sobrevida dessas crianças é preciso compromisso ético com sua qualidade de vida e
inclusão social, assegurando promoção da saúde, educação, assistência social,
lazer, esporte, cultura e acessibilidade, para a efetivação de seus direitos de
cidadania.
Essas reflexões despertaram novas inquietações acerca das crianças com
condições crônicas, que extrapolam o cuidado no âmbito do domicílio e dos serviços
de saúde, sendo preciso considerar a inclusão dessas crianças na comunidade
garantida pelas politicas públicas sociais no país. Para a defesa dos direitos sociais
das crianças visando a igualdade e o reconhecimento de suas diferenças, recorre-se
ao conceito de cidadania conforme discutido por Santos (2001).
A cidadania corresponde à pertença igualitária a uma dada comunidade
política, com direitos e deveres, assegurados social e politicamente por instituições,
sendo constituída por diferentes tipos de direitos e instituições. Os direitos sociais
possibilitam a participação igualitária de todos os membros de uma comunidade nos
seus padrões básicos de vida e são assegurados por meio de instituições como as
de educação, de saúde e de assistência social. A cidadania social permite que as
pessoas compartilhem da herança social e tenham acesso à vida civilizada segundo
os padrões prevalecentes na sociedade (MARSHALL, 1967; SANTOS, 2001).
Santos (2001) ressalta a tensão entre subjetividade e cidadania que percorre
toda a modernidade. A cidadania enriquece a subjetividade e abre horizontes de
autorrealização ao consistir em direitos e deveres. Porém, ao fazê-lo por via de
direitos e deveres gerais e abstratos reduz a individualidade ao que nela há de
universal, transformando os sujeitos em unidades iguais no interior de
administrações burocráticas públicas e privadas, receptores passivos de estratégias
de produção e de dominação. Assim, a igualdade da cidadania embate com a
diferença da subjetividade, sendo que no marco da regulação liberal a igualdade é
seletiva e deixa as diferenças intocadas. Essa tensão só é suscetível de superação,
na perspectiva do autor, no caso de a relação entre a subjetividade e cidadania
ocorrer no marco da emancipação e não, como até aqui, no marco da regulação. No
marco da emancipação, é possível considerar formas de cidadania coletivas,
baseadas em participação, nas quais se teria uma relação mais equilibrada com a
subjetividade (SANTOS, 2001).
Formulou-se como problema de pesquisa que a organização dos serviços e
a oferta de ações no contexto brasileiro atual são insuficientes para garantir a
18
cidadania das crianças com condições crônicas, que permanecem sem visibilidade.
Defende-se a tese que os direitos sociais constitucionalizados não são assegurados
às crianças com condições crônicas por políticas sociais efetivas e eficazes. O
pressuposto deste estudo é que a formulação e implementação de políticas
públicas que garantam os direitos sociais das crianças com condições crônicas,
reconhecendo suas diferenças, contribuirão para sua inserção na sociedade como
cidadãos.
A reflexão sobre os desafios para a garantia da cidadania das crianças com
condições crônicas me proporcionaram os seguintes questionamentos: Qual o
papel do Estado brasileiro na garantia de direitos às crianças com condições
crônicas? Como é o modo de andar a vida da CCC e de sua família na sociedade?
Como tem sido o acesso e a utilização dos serviços prestados pelas instituições
educacionais, de saúde e de assistência social? Existem experiências com potencial
emancipatório nas redes sociais de apoio da família da criança com condição
crônica?
Tomando como objeto a cidadania das crianças com condições crônicas, este
estudo pretendeu sinalizar desafios e potencialidades para a garantia dos direitos de
cidadania dessas crianças na realidade, contribuindo para o seu reconhecimento
crianças e a reformulação de politicas públicas sociais. A pertinência do
desenvolvimento dessa pesquisa foi reforçada pela incipiente produção científica
sobre o tema na enfermagem (CASTRAL, DARÉ, SCOCHI et al., 2013, SILVEIRA;
NEVES; PAULA, 2013).
A contextualização do tema de estudo foi realizada a partir da revisão da
literatura organizada no Capítulo 2 “Continuidade do cuidado às crianças com
condições crônicas” e no Capítulo 3 “Da constitucionalização à institucionalização
dos direitos sociais”. A abordagem sobre direitos humanos, cidadania e direitos
sociais realizada por Boaventura de Sousa Santos foi utilizada como referencial
teórico do estudo.
19
1.1 Objetivos
1.1.1 Objetivo geral
Analisar os direitos sociais garantidos às crianças com condições crônicas.
1.1.2 Objetivos específicos
Analisar as políticas públicas brasileiras relacionadas aos direitos sociais das
crianças com condições crônicas.
Analisar o acesso da criança com condição crônica aos serviços prestados
pelas instituições educacionais, de saúde e de assistência social.
20
CAPÍTULO 2
CONTINUIDADE DO CUIDADO ÀS CRIANÇAS COM CONDIÇÕES CRÔNICAS
21
2 CONTINUIDADE DO CUIDADO ÀS CRIANÇAS COM CONDIÇÕES CRÔNICAS
A literatura científica evidencia que as condições crônicas na infância têm
aumentado mundialmente nas últimas décadas, passando a representar proporção
considerável da morbidade infantil (FAROOQI et al., 2006; FAROOQI et al., 2011;
HACK et al., 2005; HACK et al., 2011; PLESS; STEIN; WALKER, 2010; STEIN,
2011). Esse aumento está relacionado ao progresso na atenção à saúde, a partir da
segunda metade do século XX, com tendência epidemiológica de controle de
doenças infecciosas e desenvolvimento de cuidados biomédicos para problemas de
saúde graves, possibilitando o aumento da expectativa de vida das crianças. Dentre
essas condições estão desde asma, diabetes mellitus e distúrbios convulsivos até
anomalias congênitas e erros inatos do metabolismo raros (STEIN, 2011).
A incorporação tecnológica, a produção de conhecimentos e a especialização
dos profissionais na assistência neonatal permitiram reduzir notadamente a
mortalidade de recém-nascidos por problemas congênitos, como malformações,
alterações metabólicas e síndromes, ou por problemas perinatais (CASTRO,
RUGOLO, MARGOTTO, 2012; MARKESTAD et al., 2005; MIRANDA; CUNHA;
GOMES, 2010; MOORE et al., 2012; PRIGENZI et al., 2008; VICTORA et al., 2011).
Nos países desenvolvidos, a partir de 1980, houve aumento expressivo no índice de
sobrevivência de prematuros com idades gestacionais e pesos extremamente baixos
(MARKESTAD et al., 2005). No Brasil, essa situação está se configurando desde
meados da década de 1990, porém ainda associada a elevadas taxas de
morbimortalidade por afecções perinatais (CASTRO, RUGOLO, MARGOTTO, 2012;
PRIGENZI et al., 2008; VICTORA et al., 2011).
Muitos desses recém-nascidos desenvolvem morbidades e incapacidades,
decorrentes tanto do estado de saúde ao nascimento quanto dos efeitos do
tratamento intensivo em unidades neonatais, que podem determinar condições
crônicas (FAROOQI et al., 2006; FAROOQI et al., 2011; HACK et al., 2005; HACK et
al., 2011; JOHNSON et al., 2009; MARLOW et al., 2005; MOORE et al., 2012;
STEIN, 2011). Estudos evidenciaram que os neonatos prematuros e de baixo peso
após a alta hospitalar apresentam maior prevalência de alterações de crescimento,
comprometimentos motores, cognitivos ou comportamentais, asma, deficiência
visual e paralisia cerebral (FAROOQI et al., 2006; FAROOQI et al., 2011; GLASS et
22
al., 2015; HACK et al., 2005; HACK et al., 2011; JOHNSON et al., 2009; MARLOW et
al., 2005; MOORE et al., 2012; SASSA et al., 2011).
Devem ser consideradas também condições crônicas que podem manifestar-
se ou serem adquiridas durante a infância, como alguns distúrbios metabólicos e
neuromusculares determinados geneticamente, disfunções musculoesqueléticas ou
articulares, transtornos mentais de longa duração, disfunções respiratórias crônicas,
neoplasias e doenças infecciosas persistentes (WHALEY; HOCKENBERRY;
WILSON, 2011). Verificam-se estudos que enfocam crianças com asma, fibrose
cística, síndrome de Down, paralisia cerebral, diabetes mellitus, câncer, autismo,
dentre outros (BRANCAGLIONI et al., 2016; DEZOTI et al., 2015; EBERT;
LORENZINI; SILVA, 2015; NUNES; DUPAS; NASCIMENTO, 2011; PIZZIGNACCO;
MELLO; LIMA, 2011; SANCHES; NASCIMENTOS; LIMA, 2014).
Diante do aumento das condições crônicas, um grupo de pesquisadores dos
Estados Unidos e Canadá, denominado Research Consortium on Children With
Chronic Conditions, tem desenvolvido desde 1980 uma série de estudos sobre
prevalência, gravidade e impactos dessas condições na infância (PLESS; STEIN;
WALKER, 2010). As evidências produzidas indicavam que uma abordagem comum
e abrangente para lidar com as doenças crônicas da infância poderia favorecer
pesquisas e programas destinados a melhorar suas vidas. Entretanto, encontrar
novos termos e formas de operacionalização para uma abordagem abrangente foi
um desafio. Inicialmente, foi utilizada doença crônica, mas algumas condições, como
asma e diabetes, apresentavam sintomas de forma intermitente e outras, como
paralisia cerebral, mielomeningocele e fenda palatina, não podem ser consideradas
doenças. Outra opção foi crianças com deficiência, mas nem todas apresentavam
incapacidade. Diante disso, optou-se pelo termo crianças com condições crônicas,
que tem sido amplamente utilizado ao longo das últimas décadas (STEIN, 2011).
Os pesquisadores desse grupo propuseram a definição de condição crônica
contemplando condições com base biológica, psicológica ou cognitiva que duraram
ou têm potencial para durar pelo menos um ano e que produzem uma ou mais das
seguintes repercussões: limitações de função, atividade ou papel social em
comparação com crianças da mesma idade sem alterações no crescimento e
desenvolvimento; dependência, para compensar ou minimizar as limitações de
funções, de medicamentos, alimentação especial, dispositivos tecnológicos ou
cuidados; necessidade de atendimento nos serviços de saúde ou de educação
23
acima do usual para a idade da criança, em relação a tratamentos, intervenções ou
acomodações especiais (STEIN et al., 1993).
Ao analisarmos as repercussões das condições crônicas para funções e
estruturas do corpo, desempenho de atividades ou papel social é importante
considerar os conceitos de funcionalidade, incapacidade e deficiência. As funções e
estruturas do corpo, o desempenho de atividades e a participação social referem-se
ao conceito de funcionalidade, abordado na Classificação Internacional de
Funcionalidade, Incapacidade e Saúde (CIF), destinada a retratar o impacto das
condições de saúde na vida dos indivíduos. Incapacidade, nessa classificação,
corresponde às alterações que acarretam prejuízo na função ou estrutura corporal,
limitações de atividades e restrições à participação (DI NUBILA; BUCHALLA, 2008;
FARIAS; BUCHALLA, 2005; OMS, 2003). No contexto brasileiro, incapacidade
poderia ser designada por deficiência (DINIZ; MEDEIRO; SQUINCA, 2007), sendo
produto de um meio social adverso à singularidade, que apresenta barreiras sociais
restritivas à expressão das capacidades daqueles com alterações de estruturas e
funções, produzindo repercussões psicológicas e sociais (BERNARDES et al.,
2009).
A definição de condição crônica e outras questões conceituais discutidas
pelos pesquisadores desse grupo tornaram-se pilares para os trabalhos
desenvolvidos no campo, contribuindo para a definição de Children With Special
Health Care Needs (MCPHERSON; ARANGO; FOX, 1998), no Brasil, intituladas
Crianças com Necessidades Especiais de Saúde (CRIANES). As CRIANES podem
ser designadas como crianças que têm ou estão em risco aumentado de uma
condição crônica física, de desenvolvimento, comportamental ou emocional e que
também necessitam de cuidados de saúde e de serviços relacionados de tipo ou
quantidade além do exigido pelas crianças em geral (NEWACHECK; RISING; KIM,
2006).
O termo crianças com necessidades especiais foi concebido, em 1981, para
ser uma designação ampla, precisa e também socialmente aceita, pois o termo
crianças com condições crônicas pode ser mal interpretado e relacionado à
letalidade ou desesperança. Posteriormente, adotou-se a designação crianças com
necessidades especiais de saúde e, mais tarde, crianças e jovens com
necessidades especiais de saúde (STEIN, 2011).
24
Ressalta-se que o grupo de crianças com condições crônicas esta inserido no
grupo de Crianças com Necessidades Especiais de Saúde. Embora tenham sido
incluídas as crianças em risco, Stein (2011) ressalta que ainda não existem formas
aceitáveis para operacionalizar essa parte da definição. Neste estudo, optou-se pela
definição apresentada por Stein et al. (1993) devido à possibilidade de ser
operacionalizada. Essa definição tem sido a base de vários métodos amplamente
utilizados para identificar crianças com condição crônica, como o Questionnaire for
Identifying Children With Chronic Conditions, sua versão reduzida Questionnaire for
Identifying Children With Chronic Conditions-Revised e o Children With Special
Health Care Needs Screener (STEIN, 2011).
Embora as crianças com condições crônicas apresentem doenças de longa
duração e deficiências diversas, é possível identificar aspectos em comum nas
experiências dessas crianças e de suas famílias e nos fatores que influenciam sua
qualidade de vida. Portanto, é pertinente considerar uma abordagem para
identificação desse grupo de crianças e de suas necessidades que considere as
repercussões das condições de saúde em suas vidas (STEIN, 2011). Essa
abordagem abrangente das condições crônicas na infância pode favorecer a
realização de pesquisas, a visibilidade desse grupo de crianças, a elaboração de
políticas públicas e a organização do sistema de saúde, assim como dos serviços
dos diversos setores.
No Brasil, vários conceitos têm sido utilizados nos estudos acerca do tema.
Identifica-se a designação criança com doença crônica ou com condição crônica, em
geral, sem abordagem conceitual. Verifica-se o uso da denominação crianças
dependentes de tecnologia, que correspondem àquelas que apresentam problemas
crônicos e dependem de dispositivos farmacológicos ou tecnológicos para sua
sobrevivência (OKIDO, 2012, 2016). Identifica-se também denominação crianças
com necessidades especiais de saúde (CABRAL; MORAES, 2015; GÓES; CABRAL,
2017; SILVEIRA; NEVES, 2012; NEVES; CABRAL; SILVEIRA, 2013; NEVES;
SILVEIRA; ARRUE, 2013; NEVES et al., 2015; SILVA et al., 2017; SILVEIRA;
NEVES; PAULA, 2013), utilizada em referência a proposta de McPherson, Arango e
Fox (1998).
A revisão da literatura brasileira sobre o tema evidencia que os dados
nacionais de prevalência de doenças crônicas e deficiências em crianças são
escassos. Estudo buscou identificar e caracterizar as crianças com condições
25
crônicas egressas durante um ano de unidades de cuidado ao neonato de alto risco
de um hospital de Minas Gerais. Foi realizada busca, nos prontuários, de
diagnósticos ou necessidades de cuidado relacionados à condição crônica,
considerando o conceito de CCC proposto por Stein e colaboradores (1993). Foram
identificadas dentre os egressos 138 (12,77%) crianças com provável condição
crônica no momento da alta, sendo que dessas 73,7% nasceram prematuras e
67,9% com baixo peso (TAVARES et al., 2014).
Em relação às doenças crônicas, um estudo realizado a partir dos dados do
suplemento saúde da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD-2008)
estimou as prevalências de 12 doenças na população brasileira - doença de coluna
ou costas, artrite ou reumatismo, câncer, diabetes, bronquite ou asma, hipertensão,
doença do coração, insuficiência renal crônica, depressão, tuberculose, tendinite ou
tenossinovite e cirrose. Apesar da amostra (391.868 indivíduos) ser constituída
majoritariamente por indivíduos com 18 anos ou mais (69,3%) e das doenças
investigadas acometerem principalmente adultos, verificou-se que a prevalência de
doenças crônicas na faixa etária de 0 a 9 anos é de 10,7% no sexo masculino e
8,6% no sexo feminino. Dentre as doenças crônicas investigadas, a com maior
prevalência na amostra nesta faixa etária foi bronquite ou asma (8,48%) (BARROS
et al., 2011).
Sobre as deficiências, a análise dos dados coletado pelo Instituto Brasileiro de
Geografia e Estatística (IBGE), no censo demográfico de 2010, permitiu descrever a
prevalência dos diferentes tipos de deficiência e as características das pessoas que
compõem esse segmento populacional. A deficiência foi classificada pelo grau de
gravidade de acordo com a percepção das pessoas sobre suas funcionalidades, por
meio de uma abordagem conceitual e metodológica baseada na CIF. Na faixa etária
de 0 a 14 anos, 3.459.401 (7,53%) pessoas apresentavam pelo menos uma das
deficiências investigadas e 1.098.003 (2,39%) deficiências severas. Nessa faixa
etária, a proporção de crianças com deficiência era: visual 5,3%, auditiva 1,3%,
motora 1% e mental ou intelectual 0,9% (BRASIL, 2012).
O contingente populacional que tem pelo menos uma das deficiências
investigadas pelo Censo de 2010 revela que a prevalência é bastante alta na
população brasileira e se distribui por todos os grupos de idade. No grupo de 5 a 9
anos foi possível observar forte aumento da frequência (BRASIL, 2012). As causas
de deficiência apresentadas são: congênitas; decorrentes da falta de assistência ou
26
relacionadas à assistência às mulheres durante a gestação e o parto; desnutrição,
especialmente em crianças de famílias de baixa renda a partir do primeiro ano de
vida; consequência de doenças transmissíveis, como a rubéola, o sarampo, a
paralisia infantil e as doenças sexualmente transmissíveis; doenças e eventos
crônicos; perturbações psiquiátricas; e traumas e lesões. Ressalta-se que diversas
dessas causas afetam as crianças e podem ser evitáveis por políticas públicas
intersetoriais para a melhoria da assistência à saúde no pré-natal, gestação e parto,
proteção à infância, redução da violência, melhoria das condições gerais de vida
(habitação, escolaridade, oportunidades, esporte, arte, lazer) e de mudanças de
hábitos da população (BRASIL, 2010).
Verificam-se estudos brasileiros a respeito do impacto das condições crônicas
para a criança, a sua família, a rede social e os serviços de saúde. A respeito das
repercussões das condições crônicas nas necessidades das crianças os estudos
nacionais evidenciam atraso no desempenho das habilidades funcionais (MANCINI,
2002, 2003, 2004a, 2004b; TAVARES, 2012). O atraso da mobilidade, associado a
atrasos na comunicação e cognição contribuem para a dependência para a
realização das atividades da vida diária dessas crianças. As limitações da
funcionalidade ocasionam dependência de medicações, alimentação especial e
dispositivos tecnológicos, repercutindo nas necessidades de cuidados diferenciados
dessas crianças, com maior complexidade e frequência no domicílio e em serviços
de saúde para reabilitação ou atendimento de especialidade médica (GUERINI,
2012; NEVES; CABRAL, 2008; OKIDO et al., 2012; OKIDO et al., 2016; TAVARES,
2012).
Os estudos sobre o cuidado a essas crianças são, principalmente, da área
da enfermagem e enfocam o cuidado pela família e por profissionais dos serviços de
saúde. No trabalho em saúde, o cuidado é central no agir profissional da
enfermagem, mas também é desenvolvido por outros profissionais de saúde, que
têm em seu trabalho uma dimensão cuidadora (PIRES, 2009). A tendência dos
estudos está voltada para a organização do cuidado pela família, a rede de apoio
social e o atendimento nos serviços de saúde, principalmente, nos especializados.
Porém, identificaram-se lacunas no que tange ao preparo destas famílias para dar
continuidade ao tratamento e aos cuidados no domicílio (CUSTODIO et al., 2013;
GÓES; CABRAL, 2017; SILVEIRA; NEVES, 2011; TAVARES; SENA; DUARTE,
2016). Os familiares precisam aprender sobre as práticas de cuidado indispensáveis
27
ao atendimento das necessidades das crianças com condições crônicas e receber
orientações a respeito dos recursos da rede de serviços (GÓES; CABRAL, 2017;
TAVARES; SENA; DUARTE, 2016).
Em relação ao cuidado familiar os estudos evidenciam que as CCC
apresentam demanda de cuidados no domicílio para prevenção, tratamento e
reabilitação, além de uma vigilância permanente das mães junto aos filhos, para
monitorar alterações no estado de saúde, que podem estar relacionadas à
agudização ou complicações da condição crônica. Os pais, sobretudo a mãe, são
responsáveis pelo cuidado e para realizar determinados procedimentos precisam
adquirir conhecimentos e realizar atividades do campo de saber e prática dos
profissionais de saúde, principalmente, para os cuidados com as ostomias
(GUERINI, 2012; NEVES; CABRAL, 2008; SILVEIRA; NEVES; PAULA, 2013;
TAVARES, 2012; WOODGATE et al., 2015). A rede social é composta
principalmente pelos familiares mais próximos, que apoiam a lidar com a experiência
da condição crônica e no cuidado (CABRAL; MORAES, 2015; NEVES; CABRAL;
SILVEIRA, 2013; NEVES; SILVEIRA; ARRUE, 2013; NEVES et al., 2013; NEVES et
al., 2015; PIZZIGNACCO; MELLO; LIMA, 2011; TAVARES, 2012).
Em relação ao cuidado em serviços de saúde, verifica-se a necessidade de
uso desses serviços por essas crianças acima do esperado para a idade, porém
com dificuldade de acesso e utilização dos serviços (ASTOLPHO; OKIDO; LIMA,
2014; NEVES et al., 2015; NÓBREGA et al., 2015; OKIDO et al., 2016; SILVEIRA;
NEVES, 2012, TAVARES, 2012). Os profissionais mais atuantes no
acompanhamento dessas crianças são de serviços de saúde destinados ao
atendimento de especialidade e reabilitação, sendo pediatra, fisioterapeuta,
terapeuta ocupacional, fonoaudiólogo e médicos especialistas, de acordo com a
condição de cada criança (TAVARES, 2012).
Os familiares da criança acessam uma rede fragmentada, constituída
principalmente por serviços especializados, como os hospitais e os serviços
destinados ao atendimento por especialidades e à reabilitação, apresentando
vínculo frágil com a Atenção Primária à Saúde (CABRAL; MORAES, 2015; DUARTE
et al., 2015; NEVES et al., 2013; NÓBREGA et al., 2015; PIZZIGNACCO; MELLO;
LIMA, 2011; TAVARES, 2012). Esse resultado contrapõe a proposta de abordagem
conjunta do Modelo de Cuidados Crônicos e das redes integradas de serviços de
saúde. Dentre diversos elementos apresentados para melhorar os cuidados e
28
resultados em saúde, enfatiza-se que na Atenção Primária à Saúde (APS) seja
assegurado o acesso aos serviços de saúde e realizada a integração e coordenação
das ações, a serem determinadas pelas necessidades de saúde da população
(BARCELÓ et al., 2012).
A ineficácia do modelo hegemônico, centrado no atendimento médico
hospitalar, para o cuidado de crianças com condições crônicas é sinalizada pelas
taxas de internação e reinternação hospitalar (OMS, 2003). Estudo que caracterizou
as internações pediátricas em quatro hospitais públicos, no município do Rio de
Janeiro, identificou que de 170 internações ocorridas na pediatria, no período de
janeiro a dezembro de 2008, as crianças com doenças crônicas corresponderam a
47,6% das internações e 35,3% das reinternações (DUARTE et al., 2012).
Diante dessas evidências, ressalta-se a importância da continuidade do
cuidado para o bem-estar das CCC. A continuidade está relacionada ao cuidado
prestado por profissionais de saúde ao longo do tempo, com foco na experiência
individual do paciente de integração e coordenação dos serviços. Os autores
diferenciam três tipos de continuidade: informacional, gerencial e relacional. A
continuidade informacional diz respeito à conexão de informações entre os
diferentes responsáveis pela condução do cuidado; a gerencial envolve oferta de
serviços de forma oportuna, complementar e flexível para atender as necessidades
do indivíduo e a relacional refere-se a uma relação terapêutica entre profissional de
saúde e paciente ao longo do tempo, com confiança e senso de
responsabilidade (HAGGERTY et al., 2003).
A situação dessas crianças, no país, é agravada ainda pela vulnerabilidade
social de suas famílias, que em maioria tem renda insuficiente para adquirir
alimentação especial, medicamentos e dispositivos e para dar continuidade ao
acompanhamento nos serviços (TAVARES, 2012). Estudos evidenciam a
desestruturação financeira das famílias de crianças com necessidades especiais de
saúde (NEVES; CABRAL, 2008; SILVEIRA; NEVES, 2012). Foi abordado que essas
crianças apresentam vulnerabilidade individual, social e programática, evidenciada
pela sua fragilidade clínica, a dificuldade de acesso aos serviços de saúde e a
inexistência de políticas públicas específicas (SILVEIRA; NEVES, 2012).
Constata-se que as repercussões da condição crônica configuram desafios
para o andar a vida dessas crianças e suas famílias que, além do atendimento nos
serviços de saúde, precisam contar com suporte dos setores de educação,
29
assistência social e lazer. Porém, também foram verificadas dificuldades de acesso
aos serviços desses setores (CABRAL; MORAES, 2015; NEVES et al., 2013;
MILBRATH et al., 2009a; TAVARES, 2012). O cuidado a essas crianças deve ser
amparado por políticas públicas que assegurem justiça social e potencializem os
modos de andar a vida singulares dessas crianças, um cuidado em defesa dos
direitos de cidadania.
30
CAPÍTULO 3
DA CONSTITUCIONALIZAÇÃO À INSTITUCIONALIZAÇÃO DOS
DIREITOS SOCIAIS
31
3 DA CONSTITUCIONALIZAÇÃO À INSTITUCIONALIZAÇÃO DOS DIREITOS
SOCIAIS
3.1 Direitos de cidadania: a constitucionalização dos direitos sociais
Thomas Humphrey Marshall, Em Cidadania, Classe Social e Status (1967),
formulou uma tipologia dos direitos de cidadania a partir da observação da realidade
histórica da Inglaterra. A cidadania, compreendida como um status concedido a
todos os membros de uma comunidade política, foi decomposta nos elementos
constitutivos civil, político e social, de acordo com a evolução histórica distinta de
cada um deles no caso inglês. O autor associou ao surgimento de cada um dos
elementos a correspondência com instituições públicas responsáveis pela garantia
de sua vigência.
O elemento civil esta relacionado aos direitos necessários à liberdade
individual (liberdade de ir e vir, liberdade de imprensa, pensamento e fé, o direito à
propriedade e de contratos válidos e o direito à justiça), sendo as instituições
associadas os tribunais de justiça. O elemento político corresponde ao direito de
participar no exercício do poder político, como membro de um organismo investido
de autoridade política ou como eleitor dos membros de tal organismo; as instituições
correspondentes são o parlamento e conselhos do governo local. O elemento social
refere-se ao direito a um mínimo bem-estar econômico e segurança, assim como ao
direito de participar por completo na herança social e levar a vida de um ser
civilizado de acordo com os padrões que prevalecem na sociedade; as instituições
correspondentes são, sobretudo, o sistema educacional e os serviços sociais
(MARSHALL, 1967).
Santos (2001) aborda que os direitos sociais se desenvolveram com
plenitude na Europa depois da Segunda Guerra Mundial, têm como referência social
as classes trabalhadoras e são aplicados por meio de várias instituições que
correspondem em conjunto ao Estado-providência3. As classes trabalhadoras
conquistaram significativos direitos sociais no domínio das relações de trabalho, da
segurança social, da saúde, da educação e da habitação.
3 Foi mantida a designação adotada nas referências citadas, Estado-providência ou Estado de bem-estar social.
32
A social-democracia se estabeleceu por meio do pacto social entre
trabalhadores e patrões com respaldo do Estado, sob a forma política de Estado-
providência. Nesse pacto, os trabalhadores abdicaram das reinvindicações mais
radicais de eliminação do capitalismo e construção do socialismo, e os patrões
aceitaram ser tributados, renunciando a alguns dos seus lucros, para ser viabilizada
a proteção e segurança social para as classes trabalhadoras. A integração social
dos indivíduos e de suas famílias foi promovida por meio de política de pleno
emprego e de política fiscal redistributiva. Portanto, o contrato social expressa uma
tensão dialética entre a regulação social e a emancipação social (SANTOS, 2010).
A cidadania social, por ter se apoiado socialmente nos interesses das
classes trabalhadoras e servido a estes em grande medida, colidiu
significativamente com o princípio do mercado, conduzindo a uma relação mais
equilibrada entre o princípio do Estado e o princípio do mercado e a uma nova
estrutura da exploração capitalista, o capitalismo organizado. Este maior equilíbrio
entre Estado e mercado foi alcançado por pressão do princípio da comunidade,
enquanto campo das lutas sociais de classe que estiveram na base da conquista
dos direitos sociais (SANTOS, 2001).
A comunidade baseia-se na obrigação política horizontal entre indivíduos ou
grupos sociais e na solidariedade que dela decorre, uma solidariedade participativa
e socialmente contextualizada. Como as lutas operárias pela cidadania social
tiveram lugar no marco da democracia liberal, a obrigação política horizontal do
princípio da comunidade só foi eficaz na medida em que se submeteu à obrigação
política vertical entre cidadão e Estado. A expansão e o aprofundamento dessa
obrigação política foram expressos pela concessão dos direitos sociais e das
instituições que os distribuíram socialmente (SANTOS, 2001).
Nesse período, agravou-se a tensão entre subjetividade e cidadania. A
ampliação da cidadania abriu novos horizontes ao desenvolvimento da
subjetividade, pois a segurança da existência cotidiana propiciada pelos direitos
sociais tornou possíveis vivências de autonomia e liberdade e de programação das
trajetórias familiares. Todavia, os direitos sociais e as instituições estatais foram
partes integrantes de um desenvolvimento social que aumentou o peso burocrático e
a vigilância controladora sobre os indivíduos, sujeitou esses ainda mais às rotinas da
produção e do consumo; e criou um espaço urbano desagregador e atomizante,
destruidor das solidariedades das redes sociais de interconhecimento e de
33
entreajuda. Esse modelo de desenvolvimento transformou a subjetividade num
processo de individuação e numeração burocráticas e subordinou o mundo da vida
às exigências de uma razão tecnológica, que converteu o sujeito em objeto de si
próprio (SANTOS, 2001).
Segundo Marshall (1967), os três elementos da cidadania foram firmados
em momentos distintos no caso inglês, existindo uma relação histórica e causal
entre eles. Os direitos políticos foram produto do exercício dos direitos civis, assim
como os direitos sociais foram resultado da participação política na sociedade
democrática. Entretanto, esse modelo não foi o único curso para o desenvolvimento
da cidadania em outros países (FLEURY; OUVERNEY, 2012).
No Brasil, entre as décadas de 1930 e 1940, como parte do processo de
construção do Estado moderno, intervencionista e centralizador, foi organizado um
padrão de proteção social iníquo e excludente. Esse padrão combinava um modelo
de seguro social na área previdenciária, incluindo a atenção à saúde, com um
modelo assistencial para a população sem vínculos trabalhistas formais (FLEURY;
OUVERNEY, 2012). Em meados da década 1970, o resgate da dívida social passa a
ser um tema central da democracia, convergindo movimentos de naturezas diversas,
como o Movimento Sanitário. No centro das discussões políticas, foram introduzidos
temas como a institucionalidade democrática e a cidadania. As reformas do Estado e
da seguridade social entraram na agenda e no discurso, sendo vistas como
prioritários o fortalecimento das políticas públicas e a construção das bases de um
Estado de Bem-Estar Social. Nos trabalhos da Assembleia Nacional Constituinte,
iniciados em 1987, foi consolidado o projeto de reforma democrática na Constituição
Federal de 1988 (FLEURY, 2009).
A Constituição Federal de 1988 representou uma profunda transformação no
padrão de proteção social brasileiro ao garantir, no Capítulo da Ordem Social, um
conjunto de direitos sociais e consagrar o modelo de seguridade social. Buscou-se
romper com as noções de cobertura restrita a setores inseridos no mercado formal e
abrandar os vínculos entre contribuições e benefícios, gerando mecanismos mais
solidários e redistributivos. Os benefícios passaram a ser concedidos pelo Estado a
partir das necessidades com fundamentos nos princípios da justiça social. A inclusão
da previdência, da saúde e da assistência como partes da seguridade social
introduziu a noção de direitos sociais universais como parte da condição de
cidadania (FLEURY, 2009).
34
A noção de seguridade representou avanço na institucionalização de um
modelo ampliado de proteção social, que previa: reconhecimento dos direitos sociais
com universalização do acesso; responsabilidade estatal compartida entre os três
níveis de governo, com descentralização de competências e recursos; integração
entre as três áreas e a criação de um orçamento próprio, exclusivo e com novas
fontes de financiamento; participação e controle social, com criação de instâncias
colegiadas e atribuições legais de formular e acompanhar a implementação das
ações (FLEURY, 2009; LOBATO, 2009). Contudo, apesar do princípio orientador da
universalização, foram mantidos os critérios de acesso para a previdência social,
mediante contribuição, e para a assistência social, dependente da necessidade.
Somente para a saúde, a universalização se deu sem qualquer critério de acesso
(LENAURA, 2009).
Na Constituição Federal, instituída em 1988 e alterada nos anos posteriores
por emendas constitucionais, “a saúde é direito de todos e dever do Estado,
garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de
doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços
para sua promoção, proteção e recuperação.” (BRASIL, 1988). Considerando o
conceito ampliado de saúde, o acesso às ações e serviços para sua promoção,
proteção e recuperação vai além da oferta do setor da saúde, dependendo da
garantia dos direitos sociais, assegurados por políticas sociais e econômicas. Os
direitos sociais são “a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a moradia, o
lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a
assistência aos desamparados [...]” (BRASIL, 2010).
Fleury (2009) destaca que o movimento que impulsionou a reforma sanitária
brasileira colocou como projeto a construção contra-hegemônica de um novo
patamar civilizatório, o que implica uma profunda mudança cultural, política e
institucional capaz de viabilizar a saúde como um bem público. Os princípios que
orientaram este processo foram: um princípio ético-normativo que insere a saúde
como parte dos direitos humanos; um princípio científico que compreende a
determinação social do processo saúde doença; um princípio político que assume a
saúde como direito universal inerente à cidadania em uma sociedade democrática;
um princípio sanitário que entende a proteção à saúde de uma forma integral, desde
a promoção, passando pela ação curativa até a reabilitação (FLEURY, 2009).
35
Compreendendo o direito à saúde e os demais direitos sociais como direitos
humanos, é interessante considerar a abordagem de Santos (1997, 2012) desta
temática. O autor discute as condições em que direitos humanos podem ser
colocados a serviço de uma política progressista e emancipatória. A marca
ocidental-liberal do discurso dominante dos direitos humanos pode ser identificada
na Declaração Universal de 1948, elaborada sem a participação da maioria dos
povos do mundo, ou na prioridade concedida aos direitos cívicos e políticos sobre os
direitos econômicos, sociais e culturais. Em contrapartida, milhões de pessoas e
milhares de Organizações Não Governamentais (ONG) em todo o mundo têm vindo
a lutar pelos direitos humanos em defesa de classes sociais e grupos oprimidos. Os
objetivos políticos de tais lutas são frequentemente explicita ou implicitamente
anticapitalistas. Gradualmente, foram sendo desenvolvidos discursos e práticas
contra-hegemônicos de direitos humanos e propostas concepções não ocidentais
desses direitos, organizando diálogos interculturais (SANTOS, 1997). É com o
diálogo e a ação transnacionalmente organizados de grupos oprimidos que se
distinguirá uma política meramente regulatória de uma política emancipatória
(SANTOS, 2013).
O excesso de regulação convive desde a década 1980 (SANTOS, 2001)
com a emergência de novos sujeitos sociais e de novas práticas de mobilização
social. Os novos movimentos sociais fazem interseção na relação entre regulação e
emancipação e na relação entre subjetividade e cidadania. A identificação da
interseção dos novos movimentos sociais nesta dupla relação é tarefa difícil ao se
considerar a diversidade destes movimentos, sendo debatível se essa diversidade
pode ser reconduzível a um conceito ou a uma teoria sociológica. Se nos países
centrais a enumeração dos novos movimentos sociais inclui tipicamente os
movimentos ecológicos, feministas, pacifistas, antirracistas e de consumidores, a
enumeração na América Latina é bastante heterogênea. Santos (2013) destaca
que, para construir concepção e prática contra-hegemônicas de direitos humanos, é
preciso tanto o trabalho político dos movimentos e organizações sociais que lutam
por uma sociedade mais justa e digna, quanto o trabalho teórico da construção
alternativa dos direitos humanos para despojá-los da ambiguidade que lhes tem
garantido o consenso.
36
3.2 A institucionalização dos direitos sociais: desafios para assegurar o
exercício dos direitos por meio de políticas públicas
A efetivação dos direitos sociais depende da elaboração e implementação de
políticas públicas e serviços públicos pelo Estado, gerando condições para seu
exercício. As políticas públicas podem ser entendidas como o Estado em ação: as
ações de programas implantados pelo Estado em um projeto de governo,
direcionadas a setores específicos da sociedade. Essas políticas são de
responsabilidades do Estado quanto à formulação e implementação, em um
processo de tomada de decisões que envolvem órgãos públicos e diferentes
organismos e agentes da sociedade (HÖFLING, 2001).
As políticas sociais correspondem às ações para a redistribuição dos recursos
visando diminuir as desigualdades estruturais produzidas pelo desenvolvimento
econômico. Essas políticas determinam o padrão de proteção social implementado
pelo Estado, assumindo características diversas em diferentes concepções de
Estado e sociedades. Portanto, é importante a compreensão da concepção de
Estado e de política social que amparam tais ações, considerando a atuação do
Estado em uma determinada sociedade e período histórico (HÖFLING, 2001).
O estado que assume como responsabilidade estatal a garantia do bem-estar
básico dos cidadãos é comumente definido como Estado de bem-estar social.
Porém, essa definição não aborda o que significa básico, se as políticas sociais são
emancipadoras ou não, se ajudam a legitimação do sistema ou não e se
contradizem ou ajudam o mercado (ESPING-ANDERSON, 1991). Diante disso,
Esping-Anderson (1991) apresenta três critérios para caracterizar um Estado como
de bem-estar social: a maioria de suas atividades rotineiras estarem voltadas para
as necessidades de bem-estar das famílias; a prática ser universalista e representar
um compromisso institucionalizado com o bem-estar social; e partir das demandas
promovidas realmente pelos atores que consideramos críticos na história do
desenvolvimento desse tipo de estado.
Para a reconceituação do Estado de bem-estar social, Esping-Anderson
(1991) especifica a proposição de Marshall (1967) de que a cidadania social constitui
a ideia fundamental desse tipo de estado. O Estado de bem-estar social deve
envolver a garantia de direitos sociais, como status legal e prático, invioláveis e
assegurados com base na cidadania ao invés de serem baseados no desempenho,
37
implicando uma “desmercadorização” do status dos indivíduos frente ao mercado.
Além disso, o Estado de bem-estar social não pode ser compreendido apenas em
termos de direitos e garantias, sendo preciso também considerar de que formas as
atividades estatais se articulam com o papel do mercado e da família em termos de
provisão social.
Nos países centrais, o Estado-providência e, sobretudo, as políticas sociais
basearam-se, no campo econômico, no processo de acumulação capitalista que
passou a exigir, além da integração pelo trabalho, a integração pelo consumo dos
trabalhadores e das classes populares; e, no campo social, no confronto com a
proposta do socialismo, mais igualitária e menos excludente (SANTOS, 2010). Em
alguns países periféricos e semiperiféricos, a conquista da cidadania social por parte
de alguns setores das classes trabalhadoras ocorreu posteriormente de um modo
muito menos característico e intenso (SANTOS, 2001).
Gough e Therbon (2010) abordam que a consolidação da responsabilidade do
Estado pelo bem-estar da população, no formato reconhecido como Estado de bem-
estar social na Europa, no século XX, foi possível devido à interação de
industrialização, interesses, instituições, ideologias e influência internacional. Os
autores avaliam que é improvável o Estado de bem-estar social europeu ser
reproduzido em outros lugares do mundo, principalmente nos países em
desenvolvimento. Nesses países, verificam-se diferenças nos setores da
industrialização, nos interesses por direitos sociais, nas instituições do Estado
democrático, na participação popular, na apropriação de ideias sob influência do
neoliberalismo e nas contrapartidas das relações com instituições internacionais.
A partir de análise da diversidade de padrões dos regimes de bem-estar em
países do Sul global, em 2000, Gough e Therbon (2010) geraram oito grupos de
países de acordo com a distância dos estados de bem-estar da Organização para
Cooperação e Desenvolvimento Econômico, sendo o grupo A o mais próximo e os
grupos G e H os mais distantes. O Brasil encontra-se dentre os países do grupo A,
apenas estes possuem algumas características dos Estados de bem-estar social
europeus e podem ser designados Proto-estado de bem-estar social, apresentando
compromissos relativamente extensos do Estado com a proteção social, com
prestação parcialmente eficaz de serviços e resultados de bem-estar superiores.
Os países relativamente industrializados do sul da América do Sul que
compõe este grupo desenvolveram políticas de proteção social semelhantes as dos
38
Estados de bem-estar social europeus em meados do século XX. Porém, sofreram
degradação deste processo no final do século XX através da imposição externa de
programas neoliberais. Os autores destacam que no Brasil surgiram coalizões
progressistas excepcionais, como na elaboração da Constituição Federal do país em
1988; porém, tal aglutinação de interesses tem sido difícil de sustentar em políticas e
instituições consistentes (GOUGH; THERBON, 2010).
Vale destacar que nos anos 1960, nos países centrais, o processo histórico
do desenvolvimento da cidadania social sofreu uma transformação devido à crise do
Estado-providência e do movimento sindical (SANTOS, 2001). A crise da social-
democracia foi decorrente das transformações no capitalismo mundial que alteraram
as condições nacionais de produção da sociedade, que ocasionaram, dentre outros,
a transnacionalização da economia protagonizada por empresas multinacionais que
converteu economias nacionais em economias locais, dificultando os mecanismos
de regulação nacional; o aumento de desemprego estrutural gerador de processos
de exclusão social, por sua vez, agravados pela crise do Estado-providência; e a
redução da oferta pública de bens coletivos, tais como saúde, ensino, e habitação. A
partir disso, foram desestruturados os protagonistas e os interesses nacionais do
pacto nacional social-democrático (SANTOS, 2010).
Essas transformações ocorreram de diferentes formas nas sociais-
democracias e nas sociedades de desenvolvimento intermediário ou semiperiférico,
onde o Estado assumiu alguma responsabilidade social (SANTOS, 2010). Porém,
em todas as sociedades foi evidenciada a degradação dos poderes do Estado de
regulação social, principalmente, enquanto Estado-providência para as classes
populares. O autor ressalta que nos países de desenvolvimento intermediário, como
o Brasil, as condições para a construção tardia do pacto social democrático são
muito complexas e difíceis.
No Brasil, a institucionalização do modelo de proteção social proposto na
Constituição Federal de 1988 tem sido conflituosa devido ao embate entre o previsto
e os projetos governamentais após a sua promulgação, além dos conflitos inerentes
à institucionalidade da democracia em construção. No contexto após a aprovação
dessa constituição, foram retomadas as orientações neoliberais que defendem uma
forte redução da presença do Estado na economia e nas políticas sociais (FLEURY,
2009, 2010; LENAURA, 2009). Verificam-se desde então “híbridos de políticas
progressistas com restrições importantes na cobertura, no financiamento e na
39
qualidade da atenção, ainda com baixo impacto na construção da cidadania social
prevista” (LOBATO, 2009, p. 723).
Além disso, cultural e socialmente, valores como o individualismo e o
consumismo foram exacerbados, sobretudo nas elites, em detrimento de valores
como a solidariedade, a igualdade e a participação cívica. O esgarçamento do tecido
social e a negação das expectativas consolidadas com a transição à democracia
ocasionaram a ausência de mecanismos de integração social, por meio de um
mercado de trabalho cada vez mais informal e de políticas de proteção social que
não conseguiram combater a exclusão e a desigualdade (FLEURY, 2009).
Considerando o impacto das reformas neoliberais sobre a seguridade social
e o Sistema Único de Saúde, instituído na Constituição de 1988, Fleury (2009,
p.744) ressalta que é necessário:
avaliar de forma crítica e criativa as demandas atuais de uma reforma que possa retomar os princípios e diretrizes propugnadas na democratização, considerando o novo contexto de agudização dos problemas que colocam em risco a coesão social e a necessidade de transformar os direitos constitucionalizados em direitos em exercício. Para isto, mais além de direitos constitucionalizados, é necessária a existência de direitos institucionalizados, por meio de políticas públicas efetivas e eficazes.
Segundo a autora, a materialização do projeto da reforma sanitária ocorre
por meio dos processos de subjetivação, constitucionalização e institucionalização
que são concomitantes, porém têm compassos distintos. A subjetivação refere-se à
constituição de sujeitos políticos, a constitucionalização relaciona-se a garantia de
direitos sociais e a institucionalização trata do aparato institucional que implementa a
política de saúde, incluindo os saberes e as práticas. Portanto, os dilemas que
limitam a efetivação das políticas sociais, em particular a construção do Sistema
Único de Saúde, devem ser analisadas considerando as convergências e
divergências desses três movimentos (FLEURY, 2009).
Em sua perspectiva, o maior desafio da fase atual da reforma consiste em,
além de assegurar o acesso dos usuários, reorientar as lógicas burocrática e
profissional que organizam o sistema. Deve-se buscar uma lógica que tenha
centralidade no usuário e garanta a exigibilidade de seus direitos, a humanização do
acolhimento e a eficácia e resolubilidade do cuidado. Para isso, é preciso um
processo permanente de construção de sujeitos políticos, visando uma relação de
forças que possibilite a mudança na distribuição do poder. A sustentabilidade do
processo de reforma depende, dentre outros, da capacidade de promover mudanças
40
efetivas ao nível do controle institucional, da qualidade dos serviços e da eficácia
das ações e serviços e da redução das restrições financeiras e de ordem política à
construção de um sistema amplo de proteção social (FLEURY, 2009).
Em relação à Assistência Social, a prestação de serviços assistenciais não
apresentou uma evolução significativa durante a década de 1990, sendo
precariamente organizada e sem coordenação efetiva com os entes federados. Em
2004, com a aprovação da Política Nacional de Assistência Social (PNAS) foi
instituído o Sistema Único de Assistência Social (SUAS). Foi verificada, em estudo
destinado a avaliar os resultados da implementação do SUAS após quatro anos da
criação, expansão discreta das condições operacionais das prefeituras e na provisão
de serviços assistenciais, com redução da disparidade entre os municípios.
Destacou-se que o desenvolvimento da política foi mais concentrado em cidades
que apresentavam piores desempenhos na gestão da assistência social
(CAVALCANTE; RIBEIRO, 2012).
Estudo sobre a proteção social à infância e à adolescência no Brasil
analisou a política social configurada após a incorporação da noção de proteção
social na Constituição de 1988 e nas leis regulamentadoras dos direitos
assegurados. Foi evidenciada a reordenação dos programas e ações sociais para a
população jovem pobre, compatíveis com alguns avanços dos indicadores sociais da
área da saúde, educação e trabalho. Entretanto, essa reorientação renovou a tensão
entre a focalização nos segmentos mais vulneráveis e a universalização com
integralidade da proteção social (MENDONÇA, 2002).
Em estudo, baseado na literatura, no qual são apresentadas estratégias
individuais e coletivas destinadas à proteção e promoção da qualidade de vida para
a infância e adolescência, foi enfatizado o papel dos adultos como fator de proteção,
sobretudo dos familiares e dos profissionais da saúde, educação e serviço social.
Dessa forma, destacou-se a importância das redes sociais na implementação de
práticas interdisciplinares e intersetoriais visando o bem-estar e qualidade de vida
para a comunidade (COSTA, BIGRAS, 2007).
Revisão documental de legislações e outros documentos referentes aos
direitos das crianças e adolescentes brasileiros indicou que existem no país
legislações que protegem o direito da criança, como a Declaração dos Direitos da
Criança de 1959, a Constituição Federal do Brasil de 1988, o Estatuto da Criança e
do Adolescente de 1990 e a Resolução 41 de 1995 do Conanda, relativa aos direitos
41
da criança e do adolescente hospitalizados. Porém, os autores advertem que é
necessário assegurar o usufruto desses direitos (GOMES; CAETANO; JORGE,
2008).
Em estudo de reflexão, que confrontou a legislação brasileira a respeito da
criança com necessidades especiais com a prática cotidiana, ressaltou-se que os
direitos fundamentais dessas crianças são garantidos pelo Estatuto da Criança e do
Adolescente promulgado em 1990. Porém, foi indicado que cotidianamente
evidencia-se uma lacuna entre o que é garantido por lei e o que é concretizado na
prática (MILBRATH et al., 2009b).
Verifica-se dentre os estudos que analisam as políticas de proteção social
brasileiras uma incipiente abordagem das crianças com condições crônicas e a
prevalência de estudos de revisão da literatura ou de reflexão. Porém, pesquisas
regionais sobre o acesso das crianças com condições crônicas aos serviços
evidenciam barreiras que limitam o atendimento das necessidades dessas crianças
nos setores da saúde, conforme abordado no capítulo anterior, e também nos
setores da assistência social e educação (BRIANT; OLIVER, 2012; COSTA et al.,
2016; MACEDO; OLIVEIRA, 2015; RIOS; NOVAES, 2009; SANTOS, 2011; VITTA;
VITTA; MONTEIRO, 2009).
Assy (2012) destaca que tanto no processo de internalização da regra
generalizada quanto no impacto que essa produz sobre a construção valorativa da
imagem do próprio sujeito, é crucial que o ordenamento de fato promova acesso
efetivo do direito à saúde, e não apenas anuncie sua promessa normativa
programática. A igualdade formal do acesso público do direito à saúde a todos,
garantida pelas formulações dos direitos sociais dos ordenamentos jurídicos, caro à
fundamentação dos direitos humanos, não é suficiente. A inclusão e o acesso factual
aos direitos fortalecem a confiança no próprio ordenamento jurídico e ao mesmo
tempo supera o patamar meramente normativo, abstrato e procedimental no qual a
fundamentação dos direitos humanos vem sendo majoritariamente compreendida.
42
CAPÍTULO 4
DEFINIÇÕES METODOLÓGICAS
43
4 DEFINIÇÕES METODOLÓGICAS
4.1 Referencial teórico-metodológico e abordagem de pesquisa
A construção do método neste estudo considerou as questões
paradigmáticas e pragmáticas que envolvem o conhecimento e a prática social no
contexto das ciências sociais, sobretudo na saúde. A crítica da ciência e da
sociedade realizada por Boaventura de Sousa Santos (SANTOS, 2001; 2004; 2007;
2010; 2012), assim como, os princípios da sociologia das ausências e sociologia
das emergências (SANTOS, 2004), foram utilizados como referencial para a
definição do desenho metodológico desta investigação.
Assume-se que na pesquisa social, os dados são produzidos, já que os fatos
não existem de forma independente do meio pelo qual são interpretados. Dessa
forma, a teoria social associada à pesquisa é de central importância nas ciências
sociais, pois, além de ser útil para a interpretação dos dados empíricos, possibilita
uma reflexão crítica sobre o próprio processo de pesquisa e a vida nos sistemas
sociais em geral (MAY, 2004).
Santos (2004) discute a ciência enquanto forma de conhecimento e prática
social. O conhecimento científico, como forma privilegiada de conhecimento na
atualidade, é objeto de debate acerca de sua natureza, suas potencialidades, seus
limites e sua contribuição para o bem-estar da sociedade. A justificação ou
contestação de uma dada forma de conhecimento envolve a justificação ou
contestação de seu impacto social.
As sociedades ocidentais têm privilegiado epistemológica e
sociologicamente a ciência moderna como forma de conhecimento desde o século
XVII. Esta se propôs a explicar e transformar o mundo, porém, pretendeu-se isenta
às transformações dele (SANTOS, 2004). Na perspectiva de Santos (2012), a
ciência moderna está em profunda crise. Vivemos na transição entre o paradigma da
ciência moderna e um novo paradigma, que o autor intitula ciência pós-moderna,
diante da falta de melhor designação. Considerando essa transição paradigmática,
Santos (2012) discute o perfil teórico e sociológico da forma de conhecimento que
transporta os sentidos emergentes nesse novo paradigma da ciência, submetendo
as correntes dominantes da reflexão epistemológica a uma crítica sistemática.
44
Santos (2004) critica o modelo de racionalidade que designa por razão
indolente e propõe outro modelo, que chama de razão cosmopolita. A razão
indolente sustenta o conhecimento hegemônico filosófico e científico produzido no
ocidente. A indolência da razão ocorre como:
[...] a razão impotente, aquela que não se exerce porque pensa que nada pode fazer contra uma necessidade concebida como exterior a ela própria; a razão arrogante, que não sente necessidade de exercer-se porque se imagina incondicionalmente livre e, por conseguinte, livre da necessidade de demonstrar sua própria liberdade; a razão metonímica que se reivindica como a única forma de racionalidade e, por conseguinte, não se aplica a descobrir outros tipos de racionalidade, ou se o faz, fá-lo apenas para as tornar em matéria-prima; e a razão proléptica, que não se aplica a pensar o futuro, porque julga que sabe tudo a respeito dele e o concebe como uma superação linear, automática e infinita do presente. (SANTOS, 2010, p. 95-96)
A racionalidade cosmopolita segue a trajetória inversa: expandir o presente
e contrair o futuro. Assim, será possível conhecer e valorizar a inesgotável
experiência social que esta um curso no mundo de hoje, evitando o desperdício da
experiência (SANTOS, 2004). O autor propõe estabelecer a razão cosmopolita
pelos procedimentos da sociologia das ausências, da sociologia das emergências e
do trabalho de tradução (SANTOS, 2010). A sociologia das ausências expande o
presente, o domínio das experiências sociais já disponíveis; e a sociologia das
emergências contrai o futuro, o domínio das experiências sociais possíveis
(SANTOS, 2004). Por sua vez, o trabalho de tradução visa criar inteligibilidade entre
experiências possíveis e disponíveis sem anular sua identidade (SANTOS, 2010).
A sociologia das ausências trata de uma investigação para demonstrar que o
que não existe é ativamente produzido como não existente, sendo então
desqualificado e tornado invisível, ininteligível ou descartável de um modo
irreversível. Por meio dessa sociologia, pretende-se transformar as ausências em
presenças focando na experiência social não socializada pela totalidade metonímica
(SANTOS, 2010). Maior será a expansão do presente e a contração do futuro quanto
maior forem a multiplicidade e a diversidade de experiências - conhecimentos,
práticas sociais e agentes - disponíveis e possíveis (SANTOS, 2004).
A razão metonímica produz a não existência do que não está contemplado
na sua totalidade e no seu tempo linear por meio de várias lógicas e processos. O
autor analisa as lógicas de produção de não existência baseadas na monocultura do
saber e no rigor do saber, na monocultura do tempo linear, na monocultura da
naturalização das diferenças para classificação social baseada, na escala dominante
45
e na monocultura dos critérios de produtividade capitalista. A superação das
totalidades homogêneas e excludentes ocorre na sociologia das ausências ao serem
substituídas as monoculturas por ecologias: ecologias dos saberes, dos tempos, das
diferenças, das escalas e das produções (SANTOS, 2010).
Destaca-se nesta investigação a ecologia dos saberes, que confronta a
monocultura por meio da identificação de outros saberes e critérios de rigor que
operam nas práticas sociais; e a ecologia dos reconhecimentos, que confronta a
colonialidade4 buscando uma nova articulação entre os princípios da igualdade e da
diferença. No campo das experiências de reconhecimento a multiplicidade e a
diversidade se revelam. Esse campo aborda conflitos e diálogos possíveis entre
sistemas de classificação social, pois nas margens dos sistemas dominantes
existem como disponíveis ou possíveis experiências de natureza anticapitalista
(SANTOS, 2004).
Na sociologia das emergências realiza-se “a ampliação simbólica dos
saberes, práticas e agentes de modo a identificar neles tendências de futuro sobre
os quais é possível atuar para maximizar a probabilidade de esperança em relação à
probabilidade de frustração” (SANTOS, 2010, p. 118). Essa ampliação visa
conhecer melhor as condições de possibilidade da esperança e definir princípios de
ação que promovam a realização dessas condições.
A inclusão social das crianças com condições crônicas, sobretudo daquelas
com deficiência, depende da sociedade ser capaz de prever e incorporar a
diversidade, sendo que para esse propósito pode contribuir o uso da sociologia das
ausências e das emergências. Nessa perspectiva crítica, analisar a garantia da
cidadania das crianças com condições crônicas, implica em aproximar das
experiências sociais disponíveis.
A apreensão do objeto de estudo, nesta investigação, foi realizada com
abordagem qualitativa. Optou-se por esta abordagem devido à ênfase sobre os
processos e os significados do mundo da vida, levando em conta a complexidade
histórica do campo, o contexto do objeto de pesquisa e a experiência vivida. O
conjunto de técnicas utilizadas na abordagem qualitativa, como notas de campos,
entrevistas, conversações, dentre outros, possibilitam tornar o mundo visível e
4 De acordo com Santos (2010), o capitalismo, o colonialismo e o patriarcado são os principais modos de dominação contemporânea. Em relação ao reconhecimento, a colonialidade do poder capitalista moderno ocidental está em determinar quem é diferente e em identificar diferença com desigualdade.
46
transformá-lo a partir do ato de pesquisar (DENZIN; LINCOLN, 2011). Foi também
utilizada a abordagem da Análise de Discurso Crítica (ADC), proposta por
Fairclough (2001a, 2001b, 2003), por permitir articular as perspectivas social e
linguística na análise. O teórico utiliza o termo discurso para se referir ao uso da
linguagem como parte da prática social, um modo de ação e representação,
socialmente e historicamente situado, em uma relação dialética com a estrutura
social5 (FAIRCLOUGH, 2001a).
4.2 Processo de imersão na realidade investigada
O referencial adotado no estudo norteou a opção metodológica pelo estudo
de caso. Foi utilizado o estudo de caso etnográfico em pesquisa qualitativa,
conforme discutido por Robert Stake, de forma a compreender os casos
considerando seu contexto e complexidade (STAKE, 1995, 2011). Desenvolveu-se
estudo de casos múltiplos, orientado pela questão: como é a garantia dos direitos
sociais das crianças com condições crônicas nos serviços públicos e nas redes
sociais do município de Belo Horizonte?
Em relação às potencialidades do método de estudo de caso, Santos (1983,
p. 11-12) cita que:
em vez de reduzir os casos às variáveis que os tornam mecanicamente semelhantes, procura analisar, com o máximo de detalhe descritivo, a complexidade do caso, com vista a captar o que há nele de diferente ou mesmo único. A riqueza do caso não está no que há nele de generalizável, mas na amplitude de incidências estruturais que nele se denunciam pela multiplicidade e profundidade das interações que o constituem.
A escolha de um número limitado de casos é realizada considerando
aqueles que condensam com particular incidência os vetores estruturais mais
importantes das interações dos diferentes participantes numa dada prática social. A
base do método é a observação participante, podendo também ser utilizadas para a
5 A estrutura social tanto restringe a ação dos indivíduos nas práticas sociais quanto é resultado dessa ação, que pode reproduzi-la ou recriá-la. A vida social é organizada em torno de práticas que “constituem maneira habituais, em tempos e espaços particulares, pelas quais pessoas aplicam recursos – materiais ou simbólicos – para interagirem.” (RAMALHO; RESENDE, p. 173). A prática social articula diferentes elementos como ação e interação, relações sociais, pessoas (com suas crenças, valores, atitudes e histórias), mundo material e discurso. Esses elementos reunidos configuram momentos da prática que se relacionam dialeticamente, propiciando uma relativa permanência das articulações de elementos sociais da estrutura social hegemônica (RAMALHO; RESENDE, 2011).
47
produção de dados as entrevistas não estruturadas e a análise documental,
buscando articular as diferentes técnicas disponíveis (STAKE, 1995, 2011).
O papel do Estado brasileiro na garantia dos direitos sociais das CCC foi
investigado por meio da pesquisa documental de legislações, já que estas
estabelecem normas que repercutem na estrutura social e nas ordens de discurso
da sociedade e deveriam determinar as práticas sociais das instituições
responsáveis por efetuar esses direitos. Foi realizada busca de legislações que
configuram as políticas sociais relacionadas às crianças com condições crônicas,
nos âmbitos dos direitos humanos, da saúde, da assistência social e da educação.
Essas legislações sustentaram a análise das experiências das famílias na garantia
dos direitos sociais das crianças com condições crônicas.
Para compreender as experiências das crianças com condições
crônicas e dos familiares responsáveis por seu cuidado, transitei por diferentes
espaços e práticas sociais, seguindo trajetórias inesperadas nos múltiplos locais de
atividade, de acordo com as trajetórias dos participantes do estudo. Nesses locais,
busquei seguir relações e conexões, realizando uma descrição densa por meio da
observação, que acompanhou o movimento dos participantes, suas histórias de vida
e suas lógicas, conforme indicado por Mendes (2003).
A observação é o ato de perceber, através dos sentidos, as atividades e
relacionamentos das pessoas no cotidiano. Essa técnica, desenvolvida em cenários
de vida real, permite experimentar do mundo do outro e compreender o contexto no
qual os participantes do estudo estão inseridos e realizam suas práticas, assim, tem
como foco as condições de vida e as práticas dos sujeitos (AGROSINO, 2009;
MENDES, 2003). Foi utilizado o diário de campo do pesquisador (FERNANDES;
MOREIRA, 2013) para registrar as anotações provenientes da vivência da imersão
na realidade, contemplando acontecimentos, impressões e sentimentos sobre os
espaços, os participantes, os encontros, as práticas e as interações estabelecidas. A
gravação de áudio durante as observações foi utilizada para auxiliar no registro
(FERNANDES; MOREIRA, 2013) das conversas do cotidiano, aquelas em situações
informais de interação entre as pessoas nos diversos espaços (MENEGON, 2013).
A entrevista pode ser utilizada para apreender o mundo da vida construído
pelos indivíduos em seu cotidiano. Permite a apreensão de aspectos das relações
entre os atores sociais e a compreensão detalhada de atitudes, valores, motivações
e crenças em relação aos comportamentos das pessoas em contextos sociais
48
específicos (GASKELL, 2004). Foram realizadas entrevistas semi-estruturadas com
atores das instituições de saúde, assistência social e educação e das redes sociais
para compreender a atuação em relação às CCC; e com familiares responsáveis
pelas CCC para aprofundar sobre a experiência na garantia dos direitos sociais
dessas crianças. Além disso, foram realizadas entrevistas à medida que foram
identificadas questões a serem aprofundadas por atores sociais reconhecidos como
importantes para apreensão do objeto de estudo, como outros familiares,
profissionais dos serviços que atendiam a criança ou o familiar, pessoas da
comunidade e participantes de movimentos sociais. As entrevistas foram registradas
em áudio por gravador digital. Os roteiros de observação e entrevistas estão
apresentados no Apêndice A.
Os espaços sociais nos quais se desenvolveu este estudo estão localizados
no município de Belo Horizonte (Minas Gerais). O município tem o território
dividido em nove Administrações Regionais que são utilizadas para organização
administrativa e oferta descentralizada de serviços das Secretarias Municipal de
Saúde, Educação e Assistência Social (PORTAL PBH, 2014)6. Optou-se por definir
como cenário uma das regionais do município, pois todas dispõem de serviços
básicos de saúde, educação e assistencial social em seu território. Os mapas de
distribuição dos serviços nas regionais evidenciam uma distribuição semelhante de
serviços básicos nas regionais, como Centros de Saúde (CS), Centros de
Referência de Assistência Social (CRAS), Escolas municipais e Unidades Municipais
de Ensino Infantil (UMEI). Os serviços especializados que compõem a rede do
município, independente da localização nas regionais, atendem de acordo com as
especialidades ofertadas e a demanda da população.
A vulnerabilidade social foi o critério norteador para a definição da regional
cenário do estudo. A vulnerabilidade é definida na interseção entre o direito das
pessoas, a sua participação política e institucional e a organização estrutural-
histórica da sociedade e suas decorrências. Desse modo, a vulnerabilidade às
condições crônicas na infância distribui-se de maneira diferente entre indivíduos,
grupos sociais e regiões e relaciona-se com as condições socioeconômicas
(WATTS; BOHLE, 1993).
6 Informações disponibilizadas no site da Prefeitura de Belo Horizonte. Disponível em: <http://portalpbh.pbh.gov.br>. Acesso em: Out. 2014.
49
Para essa definição, foi considerado o Índice de Vulnerabilidade à Saúde
(IVS), um indicador composto construído pela Secretaria Municipal de Saúde (SMS)
para investigar a vulnerabilidade da saúde de uma população, com uma abordagem
das relações entre modo de vida e saúde. O IVS ao associar diferentes variáveis
socioeconômicas e de ambiente em um único indicador pretende evidenciar as
desigualdades no perfil epidemiológico dos grupos sociais e propiciar a identificação
de áreas com condições socioeconômicas desfavoráveis no espaço urbano (BELO
HORIZONTE, 2012). O IVS foi utilizado para direcionar a implantação da Estratégia
de Saúde da Família, nos Centros de Saúde, a partir de 2002. As equipes de saúde
da família atendem as populações de risco médio, elevado e muito elevado
(PORTAL PBH, 2014).
O índice foi recalculado em 2012, com base em variáveis socioeconômicas e
de saneamento, sendo os 3.830 setores censitários do município categorizados em
baixo, médio, elevado e muito elevado risco, conforme apresentado na Tabela1.
Destaca-se, quanto à distribuição de setores censitários categorizados como de
elevado e muito elevado risco, os distritos sanitários (correspondem às regionais)
Norte (47,5 %), Venda Nova (35%) e Barreiro (32,7%) (BELO HORIZONTE, 2012).
Portanto, optou-se por desenvolver o estudo na regional Norte do município.
Tabela 1 – População por distrito de Belo Horizonte segundo IVS 2012
Fonte: BELO HORIZONTE, 2012.
50
No que diz respeito às crianças com condições crônicas é importante
considerar que: a prevalência de mães adolescentes é cerca de cinco vezes maior
na população residente em áreas classificadas como elevado ou muito elevado e
três vezes maior nas áreas classificadas como médio quando comparadas à
população da área de baixo IVS; a prevalência de mães com seis ou menos
consultas de pré-natal é cerca de três vezes maior na população residente em áreas
classificadas como elevado ou muito elevado e duas vezes maior nas áreas
classificadas como médio quando comparada à população da área de baixo IVS; e o
risco de morrer entre os 28 e 364 dias de vida completos (componente pós-neonatal
da taxa de mortalidade infantil ) é duas vezes maior nas áreas classificadas como
muito elevado, elevado e médio, em relação às áreas de baixo IVS (BELO
HORIZONTE, 2012).
4.2.1 Busca e seleção de legislações
A busca e a recuperação dos documentos foram realizadas, entre janeiro e
dezembro do ano de 2015, a partir de bancos de dados de legislações
disponibilizados pelo governo federal na internet nos sites do Ministério da Saúde
(Saúde da Criança e Aleitamento Materno e Saúde da Pessoa com Deficiência), do
Ministério do Desenvolvimento Social combate à Fome (Assistência Social),
Ministério da Educação (Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização,
Diversidade e Inclusão) e Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da
República (Crianças e Adolescentes e Pessoa com Deficiência).7
Obteve-se uma lista com 373 legislações. Para a recuperação das legislações
foi utilizada a base de dados Portal da Legislação. Após a leitura da parte preliminar
do texto, que indica o tipo de legislação, a data de promulgação, o objeto e o âmbito
de aplicação, foram selecionados 95 documentos (22 leis, 31 decretos, 5 resoluções
e 37 portarias) relacionados ao objeto de estudo. Realizou-se busca de legislações
citadas nos documentos. As legislações foram organizadas em uma linha do tempo
elaborada por meio do programa Office timeline para Power Point.
7 Disponível em: <http://portalsaude.saude.gov.br/index.php/o-ministerio/principal/secretarias/sas/dapes>;
<http://mds.gov.br/assuntos/assistencia-social>; <http://portal.mec.gov.br>; <http://www.sdh.gov.br/assuntos/criancas-e-
adolescentes>; <http://www.sdh.gov.br/assuntos/pessoa-com-deficiencia>; <http://www.pessoacomdeficiencia.gov.br>. Acesso em: Jan. 2015.
51
4.2.2 Inserção em campo
O percurso metodológico proposto no projeto de pesquisa foi subsidiado por
dados de fonte secundária sobre os serviços públicos da regional Norte. Esses
dados foram obtidos por meio do site da Prefeitura de Belo Horizonte e de conversa
com uma informante, que atuava como assistente social há muitos anos em serviços
do território. Dessa forma, foi possível indicar possíveis serviços e espaços nos
quais seria iniciada a busca pelas crianças com condições crônicas e seus
familiares:
a) FOCA: fórum que ocorre periodicamente na regional Norte, coordenado
pelas gerências de Saúde, Educação e Políticas Sociais, para discussão e
formação buscando fortalecer o trabalho em rede para garantir condições de
crescimento e desenvolvimento às crianças. O Fórum foi escolhido por sua proposta
de trabalho intersetorial e comprometimento com o cumprimento do Estatuto da
Criança e do Adolescente.
b) Serviços básicos de saúde e assistência social: nos Centros de Saúde e
Centros de Referência de Assistência Social devem ser ofertadas atenção à saúde e
proteção social básica à população do território de abrangência, considerando
situações de risco e vulnerabilidade social. A opção por esses serviços foi devido a
sua capilaridade e a realização de busca pelas equipes para conhecer a população.
c) Conselhos e redes sociais: foi proposta ainda busca de atores sociais que
pudessem informar sobre crianças com condições crônicas no conselho tutelar da
regional, nas redes comunitárias, nos movimentos sociais pelos direitos de crianças
e em instituições religiosas.
A inserção em campo teve início em janeiro e fevereiro de 2015, quando foi
realizado contato por telefone ou e-mail com os responsáveis pelas gerências
regionais de saúde, assistência social e educação para apresentar o projeto e
pactuar o percurso metodológico da pesquisa. Na gerência de saúde, foi realizada
uma reunião para apresentação do projeto em 9 de março do mesmo ano, quando
foi abordada a submissão do projeto ao Comitê de Ética em Pesquisa (CEP) da
Secretaria Municipal de Saúde e foram indicadas possibilidades para inserção em
campo. Nas gerências de Assistência Social (AS) e educação as orientações foram
realizadas por e-mail. Os responsáveis pelas gerências informaram, durante o mês
de março, sobre o processo para aprovação do projeto nas respectivas secretarias:
52
CEP/SMS; Secretaria Municipal Adjunta de Assistência Social (SMAAS); e
Secretaria Municipal de Educação (SME). O projeto também foi submetido à
Secretaria de Administração Regional Municipal Norte (SARMU-N).
Mediante a aprovação do projeto, retomei contato com os responsáveis
pelas gerências solicitando a indicação de profissionais que pudessem me
apresentar os serviços e ações que contemplavam às CCC. Foram indicados
profissionais tanto da regional quanto do município, com os quais realizei entrevistas
para compreender a organização dos serviços e ações ofertados. Vale destacar que
durante as entrevistas foram indicados outros atores que poderiam contribuir para
apreender essa organização, sendo estes incluídos na pesquisa. O roteiro de
entrevista utilizado durante a fase exploratória esta apresentado no Apêndice A. A
aproximação dos profissionais das instituições de saúde, assistência social,
educação e de grupos de familiares que atuavam na defesa dos direitos das CCC
também ocorreu por meio da observação em eventos indicados pelos participantes
durante a inserção em campo. O Quadro 1 apresenta os dados produzidos na
Regional Norte e no âmbito municipal.
Não foi possível realizar entrevista no âmbito municipal com a representante
do Núcleo de Inclusão Escolar da Pessoa com Deficiência e a representante do
programa de atendimento educacional para crianças sujeitas à longa permanência
hospitalar devido à inviabilidade de agendamento após três tentativas. A
representante do Núcleo de Inclusão Escolar da Pessoa com Deficiência respondeu
as questões por escrito via e-mail (08/07/2015). Obtive informação a respeito da
inauguração, em março de 2016, do Centro Dia Barreiro - Serviço Especializado de
Assistência Social para Pessoas com Deficiência, porém, devido à incipiência da
atuação, não foi possível contato com representante do serviço durante a fase de
exploração do campo.
53
Quadro 1 – Dados produzidos na Regional Norte e no âmbito municipal
durante a inserção em campo, 2015-2016.
Âmbito Técnicas de produção de dados e participantes Data
Regional Entrevista com assistente social do Centro de Saúde Floramar 13/03/2014
Observação da Pré-Conferência de Direitos da Criança e do Adolescente 26/03/2015
Entrevista com Coordenadora da Rede Tupi Lajedo 29/04/2015
Entrevista com Gerente de Assistência Social 07/05/2015
Observação da reunião da Rede Tupi-Lajedo 08/05/2015
Entrevista com Responsável pelo acompanhamento das escolas com alunos com deficiência da Equipe de Apoio à Inclusão da Pessoa com Deficiência
13/05/2015
Entrevista com Presidente do Conselho Tutelar 18/05/2015
Observação da Pré-Conferência de Direitos da Pessoa com Deficiência 20/05/2015
Observação do Fórum de Atenção à Criança e ao Adolescente (FOCA) 28/05/2015
Entrevista com Coordenadora do Núcleo de Apoio à Saúde da Família (NASF)
30/07/2015
Observação do Fórum de Atenção à Criança e ao Adolescente (FOCA) 30/07/2015
Entrevista com Equipe do Serviço de Proteção Social a Pessoa com Deficiência (SPSPD)
31/07/2015
Entrevista com representante do Centro de Desenvolvimento do Down 14/09/2015
Entrevista com representante do Núcleo Assistencial Caminhos para Jesus 15/09/2015
Observação da Roda de conversa realizada pela Equipe de apoio à inclusão da Pessoa com Deficiência da regional Norte
23/09/2015
Municipal Entrevista com Responsáveis pelo acompanhamento técnico metodológico do Serviço de Proteção Social a Pessoa com Deficiência
07/05/2015
Entrevista com Presidente do Conselho Municipal de Direitos da Criança e do Adolescente (CMDCA)
20/05/2015
Entrevista com Coordenadora da Atenção à Saúde da Criança e do Adolescente
08/06/2015
Entrevista com Presidente do Conselho Municipal da Pessoa com Deficiência (CMPD)
02/06/2015
Entrevista com Coordenadora da Coordenadoria de Direitos das Pessoas com Deficiência (CDPD) do município
07/07/2015
Entrevista com Representante do Superar 16/07/2015
Entrevista com Representante da Associação Mães que Informam 17/07/2015
Entrevista com Coordenadora do NASF e Reabilitação 21/07/2015
Entrevista com Representante Instituto Superação 22/07/2015
Observação da audiência pública para discutir "Democracia e participação popular e suas implicações para os direitos humanos" com Leonardo Boff
07/08/2015
Observação da Passeata dos Familiares da Pessoa com Deficiência promovida pela AMI
17/08/2015
Observação da Audiência pública realizada pela Comissão de Defesa dos Direitos da Pessoa com Deficiência da Assembleia Legislativa do Estado de Minas Gerais devido a Semana Nacional dos Direitos da Pessoa com Deficiência Intelectual e Múltipla
25/08/2015
Entrevista com Representante da Associação Mineira de Reabilitação (AMR)
26/08/2015
Entrevista com Conselheira do CMPD 31/08/2015
Entrevista com Conselheira do CMDCA 11/09/2015
Observação da Roda de conversa com os gestores da Prefeitura de Belo Horizonte e do Estado de Minas Gerais sobre “As políticas Sociais e as pessoas com deficiência”, promovida pela AMI durante o 2º Seminário Do Dia Mundial Da Paralisia Cerebral
12/09/2015
Entrevista com Coordenador da Coordenadoria de Apoio e Assistência à Pessoa com Deficiência (Caade) do estado
22/09/2015
Fonte: Elaboração da própria autora a partir dos dados da pesquisa, Belo Horizonte (MG), 2016.
54
A realização das entrevistas e a participação nesses eventos permitiu a
compreensão do contexto municipal e regional em relação às ações propostas para
as crianças com condições crônicas, às dificuldades para a efetivação e à defesa
dos direitos dessas crianças. A partir dos dados produzidos na fase de exploração
do campo sobre a organização dos serviços e sua oferta de ações para as CCC,
foram definidos aqueles nos quais seria realizada a busca dessas crianças:
a) Centros de saúde mediante contato com as equipe de saúde da família e
as equipe do NASF;
b) CRAS e Serviço de Proteção Social à Pessoa com Deficiência (SPSPD)
por meio de contato com os psicólogos e assistentes sociais das equipes;
c) Escolar regular por meio da interação com a equipe de apoio à inclusão
da Pessoa com Deficiência da Regional Norte;
d) Conselhos tutelar da regional por intermédio da presidente do conselho.
Verificou-se que o FOCA, apesar de possibilitar discussões sobre o tema não
seria um espaço propício para a indicação de casos. Em relação às redes sociais, foi
identificada a Rede Lajedo, que desenvolve projetos na comunidade Tupi/Lajedo.
Entretanto, ao participar das reuniões verifiquei que tinham pouca aproximação da
temática da criança com condição crônica. Em uma das reuniões da Rede, fiz
contato com uma representante da Pastoral da Criança, ela me apresentou o
trabalho desenvolvido, que não contemplava crianças com condições crônicas. A
partir da entrevista com a representante da Associação Mães que Informam, tive a
oportunidade de apresentar a pesquisa ao grupo de mães da associação e fazer o
convite para colaborarem com a pesquisa indicando crianças com condições
crônicas. Esse contato foi realizado por meio do aplicativo WhatsApp, no qual fui
incluída no grupo Família especial. Nenhuma mãe do grupo residia na regional Norte
ou conhecia mães de crianças com condições crônicas que morassem lá. Apesar
disso, a participação no grupo permitiu acompanhar relatos de desafios para a
garantia de direitos, experiência de apoio social entre as mães e ações para
assefurar os direitos das CCC.
Dessa forma, procurei os representantes dos serviços para apresentação da
pesquisa e dos critérios para indicação das crianças com condições crônicas. Essa
apresentação foi feita individualmente com a Presidente do Conselho Tutelar e uma
profissional da equipe de apoio à inclusão da Pessoa com Deficiência da Regional
Norte (a equipe contava com três profissionais, a indicação das CCC foi realizada
55
pela profissional que entrevistei e tive contato nos eventos); e em grupos com as
equipes de saúde da família de dois centros de saúde, a equipe do NASF, a equipe
de um CRAS, a equipe do SPSPD e com os representantes do Superar.
Na época, a regional contava com 20 centros de saúde e 5 CRAS, em
reunião com gerentes dos serviços de saúde da regional (gerentes dos centros de
saúde, coordenadora do NASF, entre outros), foi sugerido iniciar o contato com
centros de saúde que estivessem em área de CRAS, por serem áreas de maior
vulnerabilidade. Foi disponibilizada lista de e-mails dos Centros de Saúde e CRAS.
Após a reunião enviei e-mails para disparar os agendamentos, tive retorno dos
gerentes do Centro de Saúde Lajedo, Centro de Saúde Novo Aarão Reis e CRAS
Novo Aarão Reis. No Centro de Saúde Novo Aarão Reis a gerente sugeriu que eu
participasse das reuniões realizadas semanalmente por cada equipe de saúde da
família, sendo 3 equipes no serviço. No Centro de Saúde Lajedo a gerente sugeriu
reunir os ACS em um dia que todos estivessem no serviço. No CRAS Novo Aarão
Reis o gerente marcou uma reunião com ele e toda a equipe.
Na reunião com as equipe dos serviços, foi realizada apresentação da
pesquisa e discussão dos critérios para indicação das crianças. Disponibilizei uma
carta com convite para colaboração na identificação de CCC, na qual eram
apresentados os critérios (disponível no Apêndice B), e um impresso para o
preenchimento dos dados das crianças indicadas (nome da criança, idade, condição
de saúde, experiência em relação aos direitos sociais, motivo da indicação, nome
dos pais ou responsáveis, endereço e telefone, nome e telefone de quem indicou).
Os critérios norteadores para a indicação das crianças e familiares responsáveis por
seu cuidado foram:
a) Idade: crianças com até aproximadamente 12 anos. Essa idade foi
estabelecida de acordo com a definição de criança do Estatuto da Criança e do
Adolescente para direcionar as indicações. Contudo, considerando as implicações
das condições crônicas para o crescimento e desenvolvimento e os diferentes
marcos de idade apresentados nos documentos, não foram excluídas as crianças
indicadas com pouco mais que essa idade para não prejudicar a variedade de
experiências.
b) Condição crônica: condição de saúde que produza uma ou mais das
seguintes repercussões limitação de função, atividade ou papel social; dependência
de medicamentos, alimentação especial, dispositivos tecnológicos ou cuidados; ou
56
necessidade de serviços de saúde ou educacionais acima do usual (STEIN et al.,
1993). Foi esclarecido que a definição incluía tanto crianças com doenças crônicas
quanto crianças com deficiências e foram apresentados exemplos.
c) Experiências em relação aos direitos sociais: ausência de busca por
direitos sociais por parte da família; dificuldades de acesso ou utilização mediante a
busca aos serviços de saúde, educação ou assistência social (situações de vazios
assistenciais em que as crianças e seus familiares não têm acesso a nenhuma das
instituições, situações em que há possibilidade de acesso a alguns serviços e
restrição a outros, situações de descontinuidade da atenção); acesso ou utilização
mediante a busca dos serviços de saúde, educação e assistência social.
Mediante questionamento dos profissionais quanto ao número de crianças
que deveriam ser indicadas, foi explicado que se buscavam histórias que
despertassem a atenção e fossem diversificadas em relação à experiência quanto
aos direitos sociais. Reconheço que a indicação das crianças dependeria do
conhecimento dos profissionais da população do território e da sua avaliação
subjetiva quanto àquelas que seriam interessantes para o estudo. Apesar disso,
essa estratégia de identificação foi considerada a mais apropriada dentre outras
possibilidades, já que não existe no município um registro amplo sistematizado
dessas crianças. Procurar nos cadastros de centros de reabilitação, de hospitais ou
de beneficiários do Benefício de Prestação Continuada (BPC) geraria a tendência de
incluir crianças com condições crônicas que já tiveram acesso aos serviços para
atender suas necessidades. Buscou-se a indicação por profissionais de serviços dos
setores da saúde, assistência social e educação, assim como por conselheiros
tutelares e associações de familiares de CCC, considerando que cada um desses
grupos apresentaria diferentes olhares sobre a situação das crianças com condições
crônicas.
Foram indicadas 103 crianças, sendo 62 pelas equipes de saúde, 20 pela
profissional da educação, 18 pelas equipes da assistência social, 11 pelos
representantes do serviço de esporte e lazer e 1 pela conselheira tutelar e 9 crianças
foram indicadas simultaneamente por mais de um setor. Do total de crianças 4
tinham até 2 anos, 27 de 2 a 5 anos, 45 de 6 a 11 anos, 24 de 12 a 15 anos e de 3
não foi informada idade. As crianças apresentavam doenças crônicas e deficiências
variadas, incluindo: anemia falciforme, autismo, epilepsia, deficiências múltiplas,
distrofia muscular congênita, diabetes mellitus, mielomeningocele, síndrome de
57
Down, problemas de saúde decorrentes da condição nascimento, câncer, entre
outros.
Os dados das crianças foram digitados em uma planilha do Microsoft Excel.
Foram realizadas tentativas de contato telefônico com as famílias visando variedade
de indicação por setor, faixa etária e condição de saúde. Buscou-se crianças que os
dados indicavam serem representativos de muitos outros casos ou por serem
completamente distinto dos outros. Foi inviável estabelecer contato com diversas
famílias, devido ao preenchimento incompleto dos dados pelos profissionais que
indicaram ou a mudança de endereço e telefone das famílias.
Realizei contato telefônico com sete familiares, no qual apresentei a pesquisa
para o responsável da criança, em geral a mãe, e esclareci sobre a situação da
CCC. Mediante a concordância, foi agendada visita domiciliar para realização da
entrevista. O convite para participar do estudo foi feito de forma intermitente, entre
os meses de novembro de 2015 e janeiro de 2016, de acordo com a possibilidade de
conciliar o desenvolvimento da produção de dados simultaneamente com os
diferentes familiares. Quatro familiares agendaram a visita domiciliar e os outros
três, embora não tenham recusado participar, não tiveram disponibilidade para
agendar visita no período.
Durante os meses de novembro de 2015 a abril de 2016, foram realizados
contato periódicos com as famílias, aproximadamente de 15 em 15 dias, por ligação
ou mensagem telefônica, para saber como estava a criança, atualizar informações
em relação aos direitos sociais e agendar observações. Procurei acompanhar as
vivências da criança e de sua família nos espaços sociais identificados nas suas
trajetórias de acordo com a rotina da família. Além disso, nos serviços, as
observações eram agendadas mediante disponibilidade dos profissionais. Foram
realizadas entrevistas com os profissionais mencionados pelas famílias ao
descreverem os serviços que a criança utilizava. Os roteiros de observação e
entrevistas com familiares e profissionais estão apresentados no Apêndice A. Para
verificar o atendimento ao objetivo do estudo, foi realizado teste desses roteiros com
a mãe de uma criança indicada pela conselheira tutelar. O roteiro e os
procedimentos da entrevista foram aprimorados após esse teste, portanto, os dados
referentes a essa criança não foram utilizados no estudo.
Foram estudados três casos: 1) a criança Pablito e sua mãe Vitória; 2) a
criança Campeão e sua mãe Feliz; 3) a criança Pequeno Príncipe e seus pais Miguel
58
e Esther. Foi interrompida a produção de dados do caso de dois irmãos e de sua
mãe. Devido à Síndrome do X Frágil, uma condição de origem genética, a mãe
também apresentava comprometimento intelectual, o que dificultou o
acompanhamento das vivências da família por meio de entrevistas e conversas do
cotidiano, configurando critério de exclusão. Realizou-se a substituição dos nomes
das CCC e de seus familiares pelos codinomes que escolheram para serem
identificados. Pablito e a irmã sugeriram os seus codinomes e o da mãe. Feliz
escolheu o seu codinome e o dos seus filhos. Miguel propôs seu codinome, o da
esposa e o do filho. O Quadro 2 apresenta os dados produzidos sobre cada caso
durante a inserção em campo.
Foi realizado contato, porém não foi possível agendar entrevista ou
observação participante com: equipe do programa de atenção domiciliar do hospital
estadual infantil que atendia Pablito, pois houve resistência de profissionais da
equipe e ausência de retorno do comitê de ética da instituição; nutricionista e
enfermeiro do centro de saúde que atendiam Pablito, devido à mudança de
endereço da família para a área de abrangência de outro centro de saúde;
observação do atendimento da equipe do NASF ao Pequeno Príncipe, pois não foi
agendada visita domiciliar durante o período de inserção em campo. O período
previsto para contato e acompanhamento dos casos foi de 6 meses. A inserção em
campo foi interrompida no mês de abril de 2016, sendo cada caso foi acompanhado
por aproximadamente 4 meses.
Quadro 2 – Dados produzidos por caso durante a inserção em campo, 2015-2016.
Caso Técnica de produção de dados e participante Data Duração
Pablito Entrevista com a mãe Vitória 26/11/2015 1h
Conversa com Conselheira Tutelar 23/09/2015 1h
Entrevista com psicóloga e assistente social do SPSPD 25/01/2016 1:30h
Observação da rotina na escola municipal 23/02/2016 09:00h - 12:00h
Entrevista com auxiliar de apoio à inclusão 09/04/2016 45 minutos
Campeão Entrevista com a mãe Feliz 07/12/2015 2h
Observação do atendimento no AEE 11/12/2015 8:00h - 9:00h
Entrevista com a professora do AEE 22/12/2015 1h
Entrevista com psicóloga e assistente social do CRAS 23/02/2016 30 minutos
Entrevista com psiquiatra da equipe de saúde mental 29/02/2016 45 minutos
Observação na escola municipal 02/03/2016 8:00h - 11:00h
Observação da rotina da família 02/03/2016 11:00h - 13:00h
Observação do atendimento na clínica de reabilitação 02/03/2016 13:00h - 14:00h
Entrevista com professora da escola municipal 05/04/2016 40 minutos
Pequeno Príncipe
Entrevista com os pais, Miguel e Esther 15/12/2015 1:30h
Entrevista com médico e enfermeira da ESP 18/01/2016 35 minutos
Entrevista com profissionais do CRAS 23/02/2016 30 minutos
Entrevista com a fisioterapeuta do NASF 15/03/2016 35 minutos
Fonte: Elaboração da própria autora a partir dos dados da pesquisa, Belo Horizonte (MG), 2016.
59
A inserção em campo durante um ano possibilitou aproximar das vivências
dos profissionais e dos familiares nas relações com as CCC, ampliando e
aprofundando minha compressão dessa realidade. Essa vivência foi desafiadora
pelo receio de transitar em alguns bairros da regional sobre os quais tive
informações a respeito da criminalidade; pelos sentimentos de tristeza e indignação
gerados ao conviver com situações de sofrimento e privação de direitos; e pela
demanda de atenção necessária para captar e registrar as experiências diversas.
Além disso, foi preciso buscar um equilíbrio na forma de me posicionar em campo
que permitisse aproximar dos participantes e deixá-los a vontade, sem comprometer
a formalidade e o rigor necessários para a realização das entrevistas. Procurei
eliminar durante o processo de transcrição os trechos dos enunciados dos
participantes que poderiam ter sido induzidos.
Para garantir qualidade do estudo foram utilizadas as seguintes estratégias,
considerando a proposta para pesquisas qualitativas (GUBA, 1981): prolongado
período em campo para apreender a cultura dos participantes, desenvolver
confiança nos participantes e averiguar informações contraditórias; a combinação de
diferentes fontes (familiares e profissionais) e técnicas (entrevista e observação) de
produção de dados para a compreensão do objeto de estudo; a busca de inclusão
de casos com características diversas para evidenciar a variedade de experiências;
e a revisão da produção e da análise dos dados pelas orientadoras.
4.3 Análise dos dados
A análise crítica dos dados provenientes dos documentos, entrevistas e
conversas foi orientada pela proposta de Análise de Discurso Crítica de
Fairclough (2001a, 2001b, 2003). Fairclough (2001a) propõe um quadro
tridimensional de análise, considerando que cada evento discursivo tem as
dimensões de texto, de prática discursiva e de prática social. A vida social é
composta por redes interligadas de práticas sociais econômicas, políticas, culturais e
familiares. A prática social corresponde a uma forma de atividade social
relativamente estável, que inclui diversos elementos sociais relacionados
dialeticamente: atividades, sujeitos e suas relações sociais, instrumentos, objetos,
tempo e lugar, formas de consciência, valores e discurso. O foco da abordagem de
ADC de Fairclough está nas transformações na vida social contemporânea e no
60
papel do discurso nos processos de mudança, assim como nas alterações na
relação entre semiose e outros elementos sociais nas redes de práticas
(FAIRCLOUGH, 2012). A prática social é intermediária a estrutura social e a ação
social, mediando a relação entre as possibilidades definidas na estrutura social para
a realização da ação social e a concretização de eventos (RESENDE, 2009).
A análise do texto é uma análise de forma e significado, podendo ser
organizada nas categorias relacionadas a: vocabulário (significado e criação de
palavras), gramática (transitividade, tema e modalidade), coesão e estrutura textual
(controle interacional, polidez, ethos) (FAIRCLOUGH, 2001a; 2001b). Os domínios
da análise textual são a representação e a significação do mundo e da experiência;
a constituição, reprodução e negociação das identidades dos participantes e as
relações sociais e pessoais entre eles; além da distribuição da informação, se é
dada ou nova, se é o foco ou é pano de fundo (FAIRCLOUGH, 2001a).
Na análise da prática discursiva podem ser utilizadas categorias
relacionadas à produção do texto (intertextualidade constitutiva ou
interdiscursividade e intertextualidade manifesta), distribuição do texto (cadeias
intertextuais) e consumo do texto (coerência). A análise na dimensão da prática
discursiva é centrada no conceito de intertextualidade, que enfatiza sua
heterogeneidade, por recorrência a outros textos ou vozes (intertextualidade
manifesta) ou por meio de elementos das ordens do discurso (interdiscursividade). A
ordem do discurso corresponde à totalidade das práticas discursivas de um domínio
social e as relações estabelecidas entre elas (FAIRCLOUGH, 2001a, 2001b).
Para a análise da prática social deve ser especificada a natureza da prática
social da qual a prática discursiva é parte e os efeitos da prática discursiva sobre a
prática social, podendo ser considerados como categorias as ordens do discurso e
os efeitos ideológicos e políticos do discurso, destacando os efeitos de reprodução
ou transformação (FAIRCLOUGH, 2001b). Fairclough (2001b) enfoca o discurso
como modo de prática política e ideológica, abarcando as relações de poder e os
significados do mundo de posições diversas nas relações de poder. Para a análise
das dimensões políticas e ideológicas, o autor adota os conceitos de ideologia e de
hegemonia, que possibilitam uma teorização da mudança em relação à evolução
das relações de poder, permitindo abranger a mudança discursiva e também
considerar sua contribuição aos processos mais amplos de mudança e seu
amoldamento por esses processos.
61
Fairclough sumarizou as diversas categorias linguísticas para a análise,
ressaltando a possibilidade de se focalizar nas categorias que serão mais relevantes
e úteis (FAIRCLOUGH, 2001b). Dessa forma, a definição das categorias analíticas
foi realizada a partir da leitura dos textos, considerando a linguística como
instrumento para a crítica social, conforme explicitado por Resende (2009, p. 13):
A utilização de categorias linguísticas, portanto, justifica-se na medida em que possibilita ao analista explorar a materialização discursiva de problemas sociais, em termos dos efeitos dos aspectos discursivos em práticas sociais contextualizadas (vice-versa), da vinculação de textos a discursos particulares, dos efeitos de discursos particulares na constituição de identidades e na legitimação de modos de ação.
Para a análise dos dados, a fala gravada nas entrevistas foi transcrita,
evidenciando justaposições entre falantes, pausas, silêncios, entonação, ênfase,
interrupções e trechos incompreensíveis. Para isso, foram adotadas convenções
para transcrições (Apêndice C), adaptadas a partir da proposta de Magalhães (2000)
e Fontenele (2014). Tanto para a análise das legislações quanto das transcrições,
após a leitura dos textos foi realizada a seleção dos trechos a serem analisados por
meio da ADC, visando reduzir o material a dados relacionados às questões da
pesquisa. Os recortes foram realizados de forma a garantir que os trechos fossem
significativos em seu conjunto, evitando-se isolar enunciados (RESENDE, 2009;
RAMALHO; RESENDE, 2011). Foi utilizado o software MaxQDA para organização
dos dados, leitura e codificação de trechos de acordo com sua temática e
possibilidade de análise por meio da ADC.
Na análise das legislações, foram definidas as categorias linguísticas de
vocabulário para a análise textual; e de intertextualidade (intertextualidade manifesta
e interdiscursividade) e de distribuição do texto para a prática discursiva. Foi
considerado o Significado Representacional para analisar como as crianças com
condições crônicas são representadas. Essa análise está apresentada no
Subcapítulo 5.1 “Legislações e políticas públicas brasileiras” e no artigo “Direitos
sociais das crianças com condições crônicas: análise crítica das políticas públicas
brasileiras”, apresentado no Apêndice F.
Para a análise das entrevistas, foram focalizadas as categorias linguísticas
de vocabulário para a análise textual e de interdiscursividade na análise da prática
discursiva. Essa análise está apresentada no Subcapítulo 5.2 “Ações das
instituições de saúde, assistência social, educação e defesa de direitos no
62
município” e no Capítulo 6 “As experiências das crianças com condições crônicas e
de seus familiares na garantia dos direitos sociais”. Destacaram-se dos dados como
os familiares representam as crianças com condições crônicas e os profissionais e,
por sua vez, como os profissionais representam as crianças e os familiares. Além
disso, sobressaíram os posicionamentos dos familiares nos eventos que eles fazem
parte em sua vida. Portanto, os pressupostos do Significado Representacional e do
Significado Identificacional foram considerados no Capítulo 6.
O Significado Representacional está relacionado aos discursos, revelados
por valores, crenças e ideias utilizados para representar aspectos do mundo (físico,
mental e social). Na representação de atores sociais podem ser avaliadas diversas
variáveis, a representação de forma ativa ou passiva, pessoal ou impessoal, por
nome ou por classe e de forma específica ou genérica; assim como, a inclusão ou
exclusão de atores sociais (FAIRCLOUGH, 2003).
O Significado Identificacional é referente aos estilos, que estão vinculados
ao processo de identificação das pessoas por elas mesmas e pelos outros. As
pessoas constituem identidades sociais nos diversos eventos que participam em
suas vidas, sendo essa construção associada ao discurso. Os estilos são
concretizados por variadas características linguísticas, como o vocabulário e as
categorias modalidade e avaliação. A modalidade esta relacionada à como os atores
comprometem-se em relação ao que é verdadeiro ou necessário quando fazem
declarações e perguntas (modalidade epistêmica) ou demandas e ofertas
(modalidade deôntica). Já a avaliação está relacionada ao comprometimento dos
atores em relação ao que é desejável ou indesejável, bom ou ruim. A avaliação pode
ser feita por meio de enunciados avaliativos, enunciados com modalidade deônticas,
enunciados com verbos de processo mental afetivo e subentendidos relacionados a
valores (FAIRCLOUGH, 2003).
O processo de análise consistiu da descrição e da interpretação dos dados,
sendo as três dimensões do quadro de análise superpostas na prática, em uma
progressão da interpretação da prática discursiva à descrição do texto, à
interpretação de ambos considerando a prática social em que se situa o discurso
(FAIRCLOUGH, 2001b). Na análise da prática social, buscou-se desvelar discursos
que servem de suporte a estruturas de dominação e que limitam a capacidade de
transformação dessas estruturas ou aqueles que contribuem para a transformação.
63
Para a análise dos casos apresentados no Capítulo 6, primeiro foi realizada
a descrição e análise crítica dos dados das entrevistas de cada caso. Na descrição,
foram abordados a caracterização da família e de suas condições socioeconômicas,
a narrativa sobre a notícia da condição crônica e o processo de adaptação, as
experiências relacionadas ao acesso e utilização dos serviços sociais e a rotina da
criança e da família.
Os registros provenientes da observação dos movimentos, atividades e
interações dos familiares nos espaços sociais, assim como do contexto no qual
estavam inseridos, foram organizados de forma descritiva e analisados,
considerando o referencial teórico de Santos (2001; 2004; 2012) visando estabelecer
relações entre as representações discursivas e as práticas sociais. A análise das
observações foi relevante para a apreensão das contingências contextuais da
atividade social, por meio da aproximação com as ações desenvolvidas nas
experiências, não se limitando a representação da ação revelada no discurso dos
atores sociais (RESENDE, 2009).
Para representar e analisar o acesso das crianças e dos seus familiares aos
serviços de saúde, educação e assistência social e à rede social foi utilizado o
ecomapa, um diagrama das relações da família com pessoas, grupos e instituições
em um determinado momento da vida. Os membros da família aparecem no centro
do círculo e os contatos com pessoas, grupos ou instituições são representados em
círculos externos. Os tipos de conexão foram indicados utilizando linhas contínuas
como ligações fortes, pontilhadas como ligações frágeis, linhas com barras como
relações conflituosas. As setas sinalizam o fluxo de recursos (NASCIMENTO;
ROCHA; HAYES, 2005; WRIGTH; LEAHEY, 2002). Os dados sobre acesso aos
serviços foram confrontados com as informações das legislações.
Na análise crítica do caso, foram avaliadas as experiências das famílias que
se destacaram por revelar dificuldades ou potencialidades para o acesso e utilização
dos serviços. Os significados representacional e identificacional dos enunciados dos
familiares e profissionais sobre essas experiências foram analisados visando
compreender como as identidades dos familiares, as representações que esses
fazem dos profissionais e as representações que os profissionais fazem das
crianças com condições crônicas interferem na garantia dos direitos. Posteriormente,
no Capítulo 7 “Experiências sociais que não devem ser desperdiçadas: reinventando
o cuidado para a cidadania”, foi realizada uma análise através dos casos buscando
64
identificar os obstáculos que dificultam a garantia dos direitos sociais das CCC,
explicar a persistência destes na sociedade e identificar possíveis caminhos para
superá-los.
4.4 Aspectos éticos
A pesquisa foi desenvolvida respeitando as diretrizes e normas
regulamentadoras de pesquisas envolvendo seres humanos definidas na Resolução
466/2012 do Conselho Nacional de Saúde (BRASIL, 2012). A inserção em campo
foi precedida da submissão do projeto de pesquisa a apreciação do Comitê
de Ética em Pesquisa da Universidade Federal de Minas Gerais. Foi solicitada
autorização para desenvolver a pesquisa nos serviços da regional Norte do
município. O projeto foi aprovado por: Secretaria Municipal de Educação (SME) em
10 de março, Comitê de Ética em Pesquisa da UFMG em 11 de março, Secretaria
Municipal Adjunta de Assistência Social (SMAAS) em 24 de abril e Comitê de Ética
em Pesquisa da Secretaria Municipal de Saúde (CEP/SMS) em 12 de maio. As
cartas de aprovação estão apresentadas no Anexo A. O projeto também foi
submetido à Secretaria de Administração Regional Municipal Norte (SARMU-N) para
o conhecimento do responsável.
Aos participantes do estudo, foi entregue carta individual de apresentação
do projeto de pesquisa e Termo de Consentimento Livre Esclarecido (TCLE),
apresentados no Apêndice D, de forma a solicitar seu consentimento para
participação na pesquisa. Foi requerido o consentimento do familiar responsável
pela criança para a realização de observação e entrevista no momento da sua
inclusão no estudo. Para os demais participantes das observações foi solicitado
consentimento após essas serem realizadas, visto que são situações do cotidiano
que não são passíveis de serem definidas previamente. A não autorização do
participante implicava na inutilização do dado coletado. O consentimento para a
realização das entrevistas com gerentes e profissionais dos serviços, assim como
com atores da comunidade foi solicitado previamente.
65
CAPÍTULO 5
CONTEXTO DA GARANTIA DE DIREITOS SOCIAIS ÀS CRIANÇAS COM
CONDIÇÕES CRÔNICAS NO CAMPO DE ESTUDO
66
5 CONTEXTO DA GARANTIA DE DIREITOS SOCIAIS ÀS CRIANÇAS COM
CONDIÇÕES CRÔNICAS NO CAMPO DE ESTUDO
A regional Norte do município de Belo Horizonte, capital do estado de Minas
Gerais, foi o campo para a investigação sobre a garantia dos direitos sociais às
crianças com condições crônicas. O Brasil adota, desde a Constituição da República
de 1988, um sistema político federativo, constituído por três esferas de governo:
União, estados e municípios. Destaca-se a atribuição da União na definição do
arcabouço legal para as políticas públicas sociais e dos municípios na
implementação dos serviços de saúde, assistência social e educação.
Fairclough discorre sobre a relação dialética entre as práticas sociais e a
estrutura social, sendo a estrutura tanto uma condição como um efeito das práticas.
Como elemento das práticas sociais, o discurso:
é moldado e restringido pela estrutura social no sentido mais amplo e em todos os níveis: pela classe e por outras relações sociais em um nível societário, pelas relações específicas em instituições particulares, como o direito ou a educação, por sistemas de classificação, por várias normas e convenções, tanto de natureza discursiva como não discursiva, e assim por diante (FAIRCHLOUGH, 2001, p. 91).
Por sua vez, o discurso também contribui para a constituição das dimensões
da estrutura social (FAIRCLOUGH, 2001). De acordo com a abordagem da ADC
proposta por Fairclough, é oportuno realizar a análise da rede de práticas sociais, da
prática particular e do discurso relacionados ao problema de estudo, visando à
identificação de obstáculos para que seja superado (FAIRCLOUGH, 2003).
A análise da rede de práticas sociais e da prática particular considerando a
relação do discurso com outros elementos das práticas sociais - atividades, sujeitos
e suas relações sociais, instrumentos e objetos - possibilita que os textos sejam
relacionados ao seu contexto no processo de interpretação. Neste capítulo, buscou-
se desenvolver a análise da rede de práticas sociais, para tanto foram abordados: as
legislações nacionais que garantem direitos sociais às crianças com condições
crônicas por meio da análise documental; as ações das instituições de saúde,
assistência social, educação e defesa de direitos dessas crianças no município
mediante a análise das entrevistas com gestores das instituições sociais e
presidentes dos conselhos municipais de direitos; e a situação socioeconômica da
Regional Norte a partir dos dados secundários disponibilizados pela Prefeitura de
Belo Horizonte.
67
5.1 Legislações e políticas públicas brasileiras
A pesquisa documental de legislações evidenciou que a partir da
transformação do padrão de proteção social brasileiro com a promulgação da
Constituição Federal de 1988, foram publicadas legislações explicitando o dever do
estado na garantia dos direitos sociais e regulamentando os direitos das crianças.
As legislações que visam garantir o direito à saúde, assistência social e educação
das crianças contemplam aquelas com doenças crônicas ou com deficiências e
foram elaboradas pela Casa Civil, Ministério da Saúde, Ministério da Educação e
Ministério do Desenvolvimento Social. Vale destacar que foi utilizada a designação
pessoa portadora de deficiência ou pessoa portadora de necessidades especiais até
2006, a partir disso foi priorizado o uso de pessoa com deficiência.
A Figura 1 apresenta a linha do tempo com as legislações relacionadas aos
direitos das crianças com doenças crônicas ou com deficiências entre 1988 e 2015.
Foram ressaltadas as legislações que garantem o direito à saúde, assistência social
e educação. Verifica-se, sobretudo, a partir dos anos 2000 o aumento dos decretos
e portarias regulamentando as leis instituídas e definindo diretrizes para execução.
Foram detalhadas as informações referentes às legislações citadas na linha do
tempo (tipo de legislação, número, data de promulgação, objeto e âmbito de
aplicação) no Apêndice E.
As convenções das Nações Unidas sobre os direitos das crianças de 1989 e
das pessoas com deficiência de 2006 foram ratificadas no país, respectivamente em
1990 e 2009 (BRASIL, 1990a; 2009a). O Estatuto da Criança e do Adolescente, em
1990, assegurou com prioridade às crianças e aos adolescentes o direito à vida e à
saúde, à liberdade, ao respeito e à dignidade, à convivência familiar e comunitária, à
educação, à cultura, ao esporte e ao lazer, à profissionalização e à proteção no
trabalho (BRASIL, 1990b). Além desses direitos, a Lei Brasileira de Inclusão da
Pessoa com Deficiência - Estatuto da Pessoa com Deficiência garantiu em 2015 às
crianças e aos adolescentes com deficiência direito à igualdade e não discriminação,
à habilitação e à reabilitação, à moradia, à assistência social, ao transporte e à
mobilidade e à acessibilidade (BRASIL, 2015). Foram criados o Conselho Nacional
dos Direitos da Criança e do Adolescente – CONANDA, em 1991, (BRASIL, 1991) e
68
Figura 1 – Linha do tempo das legislações relacionadas aos direitos das crianças com doenças crônicas ou com deficiências, entre 1988 e 2015.
Fonte: Elaboração da própria autora a partir dos dados da pesquisa, Belo Horizonte (MG), 2016.
69
o Conselho Nacional dos Direitos da Pessoa Portadora de Deficiência – CONADE
em 1999 (BRASIL, 1999a, 1999b).
As legislações relativas à acessibilidade dispõem sobre condições para
utilização de espaços, equipamentos urbanos, transporte, informação e
comunicação. Vale destacar as legislações que garantem: o direito ao passe livre no
transporte coletivo (BRASIL, 1994a) e a isenção de imposto sobre produtos
industrializados na aquisição de automóveis (BRASIL, 1995a); a prioridade de
atendimento para pessoas com deficiência (BRASIL, 2000a); a regulamentação para
promoção de acessibilidade das pessoas com deficiência ou mobilidade reduzida
(BRASIL, 2000b), incluindo a adaptação de parte dos brinquedos e equipamentos
dos parques de diversões.
Quanto às legislações relativas à saúde ressaltaram-se aquelas que
regulamentam a organização da Saúde (BRASIL, 1990c) e a atenção ao parto e ao
nascimento (BRASIL, 2000c, 2000d, 2007a, 2012a, 2013); a que institui (BRASIL,
2001a) e as que ampliam (BRASIL, 2002a, 2014a) o Programa Nacional de Triagem
Neonatal (PNTN) e o tratamento e acompanhamento das doenças diagnosticadas;
as que estabelecem as redes de atenção, como a Rede Cegonha (BRASIL, 2011a),
a Rede de Cuidados à Pessoa com Deficiência (BRASIL, 2012b) e a Rede de
Atenção à Saúde das Pessoas com Doenças Crônicas (BRASIL, 2014b); e a que
institui a Política Nacional de Atenção Integral à Saúde da Criança (PNAISC) no
âmbito do Sistema Único de Saúde (BRASIL, 2015a).
A respeito das legislações da assistência social destacaram-se as que
deliberam sobre a organização da Assistência Social (BRASIL, 1993, 2011b); a que
institui Política Nacional de Assistência Social – PNAS (BRASIL, 2004a); a que
define as diretrizes e normas para a implementação do Programa de Atenção
Integral a Família – PAIF (BRASIL, 2004b); a que aprova a Tipificação Nacional de
Serviços Socioassistenciais (BRASIL, 2009b), incluindo na proteção social básica o
Serviço de Proteção Social Básica no Domicílio para Pessoas com Deficiência e
Idosas; e as relacionadas ao Benefício de prestação continuada da Assistência
Social (BRASIL, 1995b, 2002b, 2003, 2007b 2008a, 2009c, 2009d, 2011c, 2015b).
Dentre as legislações sobre a educação sobressaem a Lei de Diretrizes e
Bases da Educação Nacional (BRASIL, 1996), as Diretrizes Nacionais para a
Educação Especial na Educação Básica (BRASIL, 2001b), as Diretrizes Curriculares
Nacionais para a Formação de Professores (BRASIL, 2002c), o Plano de Metas
70
Compromisso Todos pela Educação (BRASIL, 2007c), a Política Nacional de
Educação Especial na perspectiva da Educação Inclusiva (BRASIL, 2007d), as
diretrizes para o atendimento educacional especializado (BRASIL, 2011d) e o Plano
Nacional de Educação – PNE (BRASIL, 2014c). A necessidade de complementar os
currículos de formação de docentes e outros profissionais que interagem com
pessoas com necessidades especiais foi definida em 1994 (BRASIL, 1994b).
Em relação à saúde, assistência social e educação, destacam-se por sua
atualidade e relevância na regulamentação das políticas públicas vigentes para as
crianças com doenças crônicas e pessoas com deficiência: a Política Nacional de
Atenção Integral à Saúde da Criança instituída pela Portaria MS/GM nº 1.130, de 5
de agosto de 2015 (BRASIL, 2015a); a Lei nº 12.435, de 6 de julho de 2011
(BRASIL, 2011b), que altera a Lei nº 8.742 de 1993, que dispõe sobre a organização
da Assistência Social; e o Decreto nº 7.611, de 17 de novembro de 2011 (2011d),
que dispõe sobre a educação especial e a estratégia de Atendimento Educacional
Especializado (AEE) no ensino regular. O Quadro 3 explicita população alvo,
objetivo, ações relacionadas às crianças com condições crônicas, estrutura,
competências e participação social explicitados nestas legislações. A análise crítica
dessas legislações na íntegra foi realizada no artigo “Direitos sociais das crianças
com condições crônicas: análise crítica das políticas públicas brasileiras”8,
apresentado no Apêndice F.
O escopo legislativo brasileiro, a partir de 1988, adota as disposições das
convenções internacionais sobre os direitos das crianças e das pessoas com
deficiência. Verificaram-se nas legislações os discursos das crianças e das pessoas
com deficiência como sujeitos de direitos e da responsabilidade do estado na
garantia dos direitos sociais, com corresponsabilidade da família. Contatou-se que
os direitos sociais das crianças com condições crônicas estão constitucionalizados.
Entretanto, a análise crítica das três legislações citadas revelou que a definição de
estratégias e ações nas políticas públicas para essas crianças ainda são incipientes
e com indícios de restrição de financiamento, revelando conflito entre a ideologia de
direitos humanos e a ideologia de normalização.
8 Artigo de autoria de Tatiana Tavares, Elysângela Duarte e Roseni Sena, aprovado para publicação no periódico Esc. Anna Nery, v. 21, n. 04, 2017.
71
Quadro 3 - Descrição das legislações da saúde, assistência social e educação.
Legislação Portaria MS/GM nº 1.130 / 2015 Lei nº 12.435 / 2011 Decreto nº 7.611 / 2011
População alvo
Da gestação aos 9 anos de vida, com especial atenção à primeira infância e às populações mais vulneráveis.
Família, mulheres no contexto da maternidade, criança e adolescente, idoso, pessoas com deficiência.
Pessoas com deficiência, com transtornos globais do desenvolvimento e com altas habilidades ou superdotação.
Objetivo PNAISC: Promover e proteger a saúde da criança e o aleitamento materno, mediante a atenção e cuidados integrais e integrados, visando à redução da morbimortalidade e um ambiente facilitador à vida com condições dignas de existência e pleno desenvolvimento.
Assistência social: proteção social (garantir a vida, a redução de danos e a prevenção da incidência de riscos); vigilância socioassistencial (analisar territorialmente a capacidade protetiva das famílias e nela a ocorrência de vulnerabilidades, de ameaças, de vitimizações e danos); e defesa de direitos (garantir o pleno acesso aos direitos no conjunto das provisões socioassistenciais).
AEE: prover condições de acesso, participação e aprendizagem no ensino regular e garantir serviços de apoio especializados de acordo com as necessidades individuais dos estudantes; garantir a transversalidade das ações da educação especial no ensino regular; fomentar o desenvolvimento de recursos didáticos e pedagógicos que eliminem as barreiras no processo de ensino e aprendizagem; e assegurar condições para a continuidade de estudos.
Ações Atenção Integrada às Doenças Prevalentes na Infância – AIDPI, construção de diretrizes de atenção e linhas de cuidado, fomento da atenção e internação domiciliar às crianças com doenças crônicas; articulação e intensificação de ações para inclusão de crianças com deficiências nas redes temáticas, mediante a identificação de situação de vulnerabilidade e risco de agravos e adoecimento, reconhecendo as especificidades deste público.
Benefício de Prestação Continuada (BPC); programas voltados para a integração da pessoa com deficiência.
Aprimoramento do atendimento educacional especializado já ofertado; implantação de salas de recursos multifuncionais; formação continuada de professores; formação de gestores, educadores e demais profissionais da escola para a educação na perspectiva da educação inclusiva; adequação arquitetônica de prédios escolares para acessibilidade; elaboração, produção e distribuição de recursos educacionais para a acessibilidade.
Estrutura Rede de saúde materna neonatal e infantil, atenção básica à saúde, atenção especializada.
Centro de Referência de Assistência Social e Centro de Referência Especializado de Assistência Social.
Escolas regulares da rede pública e escolas especiais ou especializadas de instituições comunitárias, confessionais ou filantrópicas.
Competências
Parceria entre Ministério da Saúde (articular e apoiar), Secretarias de Saúde dos Estados (coordenar implementação) e dos Municípios (implementar). Financiamento tripartite.
Articulação entre esferas federal (coordenação e normas gerais), estadual e municipal (coordenação e execução). Cofinanciamento dos entes federados, União responde pelo BPC.
Ministério da Educação prestará apoio técnico e financeiro aos sistemas públicos de ensino dos Estados e Municípios, e às instituições comunitárias, confessionais ou filantrópicas sem fins lucrativos.
Participação social
Participação e controle social. Participação da população, por meio de organizações representativas.
Participação da família.
Fonte: Elaboração da própria autora, apresentado no artigo “Direitos sociais das crianças com condições crônicas: análise crítica das políticas públicas brasileiras”.
72
5.2 Ações das instituições de saúde, assistência social, educação e defesa de
direitos no município
As entrevistas realizadas com os gestores municipais das instituições de
saúde, assistência social e educação permitiram mapear as ações ofertadas para as
crianças com condições crônicas. Os gestores abordaram a proposta de
organização dos serviços e ações de cada setor no município e os desafios para
implementação.
No âmbito da Secretaria Municipal de Saúde, as ações destinadas às
crianças com condições crônicas estavam sob a responsabilidade da Coordenação
de atenção à criança e ao adolescente e da Coordenação do NASF e Reabilitação.
Os dados apresentados a seguir são provenientes das transcrições das entrevistas
com a Coordenadora da atenção à criança e ao adolescente e a Coordenadora do
NASF e reabilitação, que foi indicada pela primeira. Os atendimentos eram
realizados nos centros de saúde, pela equipe de saúde da família e pela equipe do
Núcleo de Apoio à Saúde da Família, nos centros de especialidades médicas, nas
unidades de referência secundária e nos centros de reabilitação. As ações eram
orientadas por legislações do SUS, diretrizes desenvolvidas pelo Ministério da
Saúde e normas específicas da Secretaria Municipal de Saúde.
De acordo com a Coordenadora da atenção à criança e ao adolescente, as
linhas de cuidados no município abrangiam a promoção da saúde, a prevenção de
doenças, a recuperação da saúde e a reabilitação da criança (até 9 anos) e do
adolescente (de 10 a 19 anos). A atenção primária era a porta de entrada
preferencial para o atendimento da criança. A equipe de saúde da família - composta
por médico generalista, enfermeiro, dois técnicos de enfermagem e quatro a seis
agentes comunitários de saúde - era responsável pela atenção às famílias
residentes no território. Os centros de saúde contavam também com médico
pediatra como profissional de apoio.
Nessas linhas de cuidado, as ações propostas que estavam relacionadas à
atenção às crianças com condições crônicas, mesmo que não direcionadas
especificamente a elas, eram: cuidado da gestante no pré-natal, visando diminuir a
incidência de partos prematuros e de intercorrências, com o referenciamento
daquelas em situação de risco; boas práticas no parto e no nascimento; alta
responsável da maternidade, sendo realizado contato da equipe do hospital com o
73
centro de saúde antes da alta para marcar consulta de toda criança que permaneça
mais de 5 dias internada; visita domiciliar pelo enfermeiro até 72 horas após alta da
maternidade; consulta do quinto dia com avaliação da mãe e do bebê, identificação
de situações de risco, doenças ou má formação ao nascimento, realização do teste
do pezinho (triagem de 6 doenças), agendamento da triagem auditiva neonatal e das
consulta de puericultura; consultas de puericultura, alternando atendimento por
médico, enfermeiro e pediatra, sendo que para as crianças com condições crônicas
a frequência de consultas deve ser maior e complementada com as consultas na
atenção especializada.
Segundo a Coordenadora do NASF e reabilitação, os profissionais do NASF
atuavam no município apoiando as equipes de saúde da família nos centros de
saúde, visando ampliar e qualificar as ações da atenção primária. A proposta era
que cada equipe do NASF prestasse apoio em média para 9 equipes de saúde da
família, porém algumas equipes do NASF estavam como referência para um número
maior até que fosse feita a ampliação do número de equipes do município de 58
para 82. As equipes do NASF tinham composição variada, podendo ser composta
por fisioterapeuta, fonoaudiólogo, terapeuta ocupacional, nutricionista, assistente
social, psicólogo, educador físico, farmacêutico, acupunturista, homeopata e médico
antroposófico. Eram desenvolvidas ações nas áreas de alimentação e nutrição,
atividades físicas e práticas corporais, reabilitação, assistência farmacêutica,
práticas integrativas e complementares, sendo que no planejamento do NASF no
município a reabilitação era prioritária.
Para o apoio matricial das equipes do NASF às equipes de saúde da família
do município, eram realizadas reuniões mensais nos centros de saúde das
regionais. Nessas reuniões, eram discutidos a demanda dos usuários e definidos os
atendimentos a serem realizados: individual no centro de saúde, individual em visita
domiciliar ou em grupo. A proposta era que o atendimento fosse compartilhado entre
as equipes de saúde da família e do NASF. Em geral, nos atendimentos individuais
eram feitas orientações para reabilitação e nos atendimento em grupo eram
abordadas informações sobre cuidados com sobrepeso ou obesidade, asma e
dificuldade de aprendizagem.
A Coordenadora da atenção à criança e ao adolescente explicitou que no
município era adotada a coordenação do cuidado pela APS. A partir da avaliação
dos profissionais do centro de saúde, as crianças com condições crônicas eram
74
encaminhadas para atenção especializada, composta por 4 Unidades de Referência
Secundária (URS), 9 Centros de Especialidades Médicas distribuídos nas regionais,
3 Centros de reabilitação (Creab) com proposta de inaugurar mais 2, e clínicas da
rede complementar. A URS Saudade era referência para o seguimento de crianças
nascidas prematuras e o atendimento de crianças em diversas especialidades. No
Creab, de acordo com a Coordenadora do NASF e reabilitação, além do
atendimento de reabilitação também eram ofertados equipamentos, órteses,
próteses e cadeiras de rodas, fabricados sob medida nas oficinas ortopédicas. O
Creab Centro Sul, antigo Centro Geral de Reabilitação estadual que foi
municipalizado, era responsável pelo atendimento das regionais Centro Sul,
Pampulha, Norte e Barreiro.
A coordenadora da atenção à saúde da criança e do adolescente mencionou
diversas dificuldades para executar a proposta de atendimento das crianças com
condições crônicas município. Apenas 30% das visitas domiciliares eram realizadas
após alta devido à sobrecarga dos enfermeiros da equipe de saúde da família. A
rotatividade do médico da equipe de saúde da família dificultava o matriciamento
pelos pediatras. O atendimento compartilhado entre atenção primária e serviços
especializados nem sempre ocorria após o encaminhamento da criança para os
serviços especializados e a coordenação do cuidado pela equipe de saúde da
família ainda não estava sendo realizada de fato. Os serviços especializados
estavam sobrecarregados por encaminhamentos indevidos que o atendimento
poderia ser realizado na APS, além disso, para os serviços de reabilitação a
demanda era maior que a oferta. Faltavam médicos pediatras nos serviços
especializados e de urgência e existia uma lista de espera para atendimento por
neuropediatra e cardiologia.
Conforme avaliado pela coordenadora, devido à restrição de recursos e
problemas no processo de licitação, ocorria atraso na aquisição de insumos de alto
custo, como a sonda botton de gastrostomia, que é mais adequada para longa
permanência e confortável, e os aparelhos para aspiração de traqueostomia. A
judicialização equivocada, por exemplo, para solicitação de dietas sem indicação,
aumentava os gastos do sistema de saúde do município. Foi mencionado ainda que
as crianças dependentes de tecnologias e cuidados profissionais diariamente
permaneciam em hospitalizações prolongadas por falta de vagas de internação
domiciliar para crianças. O hospital geral municipal e o hospital infantil estadual
75
assumiam a atenção domiciliar de algumas crianças, por vezes articulando com
NASF e equipe de saúde da família.
Em relação à formação dos profissionais, a coordenadora ressaltou os
desafios relacionados aos valores e modo de ação dos profissionais, influenciados
por sua formação, que interferem na implementação da política:
Agora eu acho que um grande desafio que a gente tem também na gestão publica é a questão da formação do profissional já na graduação. Acho que o foco da graduação das ciências da saúde né, dos cursos de saúde, ainda é muito voltado para doença em detrimento do [...] e isso acaba interferindo muito no acompanhamento das crianças e dos adolescentes em condições crônicas né, esse cuidado que é necessário [...] o foco do profissional é muito protocolar, eles ficam presos a um protocolo, e é uma prescrição, a despeito da singularidade né, do caso a caso, de cada um tem a sua história, tem suas questões subjetivas, que se não forem conhecidas, acho que dificilmente a gente consegue de fato avançar nos cuidados (Coordenadora da Atenção à Criança e ao Adolescente).
Diante do exposto, a coordenadora da atenção à saúde da criança e do
adolescente avaliou que os serviços ainda não conseguem assegurar os direitos das
crianças com condições crônicas:
Mas a gente tá, eu acho que as crianças com doenças crônicas precisam de, de muita atenção e eu acho que o serviço ainda não consegue garantir, essa questão do direito dessas crianças, a uma condição adequada de acompanhamento, de, de prevenção, de promoção, de reabilitação, recuperação e sofre excessos também, a gente tem tanta falta, problema de falta né, de serviço, de, de serviços especializados para atender, quanto do excesso também, essa criança virando um mercado ai, um objeto de uso né, de profissionais, de serviços, serviços da saúde complementar. É muito grave, a situação da criança hoje e do adolescente eu acho que é muito desamparo, que são sujeitos absolutamente dependentes do cuidado né, e, o cuidado tá tão desvalorizado nesse mundo contemporâneo né, ((risos)) que é o mundo do consumo, do mercado em detrimento do cuidado (Coordenadora da Atenção à Criança e ao Adolescente).
Na Secretaria Municipal Adjunta de Assistência Social, vinculada à
Secretaria Municipal de Políticas Sociais, a Gerência de Proteção Social Básica era
responsável pelo CRAS e pelo Serviço de Proteção Social à Pessoa com Deficiência
que ofertavam ações para as crianças vulneráveis e as pessoas com deficiências.
As informações sobre o SPSPD foram extraídas da transcrição da entrevista com
duas profissionais responsáveis pelo Acompanhamento Técnico Metodológico do
serviço no município, indicadas pela Gerente da Proteção Social Básica. Os
documentos que direcionavam as ações eram a PNAS (BRASIL, 2004a), a Política
Nacional da Pessoa com Deficiência (BRASIL, 1999b), o Estatuto da Criança e do
Adolescente (BRASIL, 1990b), o Decreto nº 5.296 de 2004, que regulamenta a
prioridade de atendimento e as normas e critérios para promoção da acessibilidade
76
da pessoa com deficiência (BRASIL, 2004c), a Lei nº 12.435 de 2011 sobre a
organização da Assistência Social (BRASIL, 2011b) e as normas específicas da
Secretaria Municipal Adjunta de Assistência Social.
De acordo com profissionais responsáveis pelo Acompanhamento Técnico
Metodológico do SPSPD, a proposta do serviço era realizar ações de
acompanhamento sociofamiliar no domicílio e de articulação da rede de serviço ou
rede social, visando à inclusão social das pessoas com deficiência. A equipe era
composta por dois técnicos de nível superior de serviço social ou de psicologia, um
educador social e dois estagiários de serviço social ou de psicologia. O serviço era
destinado ao atendimento da pessoa com deficiência, conforme especificado no
Decreto nº 5.296 (BRASIL, 2004c), sem restrição de faixa etária, mas estava em
processo de reorganização, de acordo com a legislação do MDS sobre a Tipificação
Nacional de Serviços Socioassistenciais (BRASIL, 2009b).
As profissionais explicitaram que o acesso ao SPSPD era por meio de
encaminhamentos da rede de serviços ou da comunidade e por busca ativa. A
periodicidade dos atendimentos às famílias cadastradas e a indicação da visita
domiciliar para desenvolvimento de atividades pelo educador social eram definidas a
partir da avaliação da vulnerabilidade. Na regional Norte, segundo a profissional
responsável pelo acompanhamento da equipe que atendia este território, existiam
aproximadamente 200 famílias cadastradas no SPSPD, mas não era realizada visita
domiciliar regular para todas. No domicílio, a atuação buscava desenvolver a
autonomia da pessoa com deficiência e da família, o vínculo familiar e a inclusão
social por meio de orientações, encaminhamentos para os recursos sociais e
desenvolvimento de atividades lúdicas, denominadas mala de recursos lúdicos. Na
comunidade, a proposta do serviço era discutir problemas relacionados à inclusão
no território da regional e realizar oficinas lúdicas pelo educador social com as
famílias.
As profissionais responsáveis pelo Acompanhamento Técnico Metodológico
do SPSPD reconheceram a existência de desafios na implementação do SUAS,
porém não especificaram quais. Elas mencionaram apenas que algumas equipes do
serviço estão incompletas: “Hoje a gente tá com algumas defasagens né, não esta,
em ALGUMAS regionais a, a equipe não esta completa.” (Profissionais responsáveis
pelo Acompanhamento Técnico Metodológico do SPSPD). No momento da coleta de
dados, os serviços da Assistência Social estavam organizados no município de
77
forma que o SPSDP atendia apenas as famílias que residiam em territórios que não
localizados na área de abrangência dos CRAS.
Não foram indicados para entrevista profissionais responsáveis pelo
gerenciamento do CRAS no nível municipal. Porém, a transcrição das conversas
com o Gerente Regional de Assistência Social Norte e com profissionais de um
CRAS da regional permitiu apreender que os centros de referência estão localizados
em áreas com altos índices de vulnerabilidade social, totalizando 5 CRAS na
regional Norte. O público prioritário do serviço eram famílias inseridas no Cadastro
Único para Programas Sociais do Governo Federal e aquelas com beneficiário do
BPC. O MSD disponibilizava uma listagem dessas famílias ao CRAS para o
acompanhamento. O atendimento aos familiares das crianças com condições
crônicas era realizado mediante demanda espontânea da família, encaminhamento
de outros serviços, como os centros de saúde, e busca ativa. Eram desenvolvidas
com os familiares ações de orientação para a garantia dos direitos da pessoa com
deficiência, como o BPC, o passe livre e a inclusão escolar. Foi apontado o número
insuficiente de CRAS na regional considerando a população classificada como
vulnerável:
[...] a gente tem demanda de mais 3 equipamentos [CRAS], no MÍNIMO, aqui na regional, por essas características que você já sabe, é uma regional extremamente vulnerável [...] seria no São Tomaz, São Bernardo, os outros tá sendo estudado ainda, não tá certo não. Inclusive porque têm equipamentos, no caso do Novo Aarão reis, a ideia do CRAS é um território de 5 mil famílias, no Novo Aarão a gente já tá atingindo quase oito, quer dizer já seria quase pra dois equipamentos, um território muito grande (Gerente Regional de Assistência Social Norte).
Na Secretaria Municipal de Educação, o Núcleo de Inclusão Escolar é
responsável pela gestão e implementação da inclusão escolar no município. Os
dados apresentados são provenientes do texto elaborado pelo Núcleo de Inclusão
Escolar da Pessoa com Deficiência em resposta as questões apresentadas. No
município, a ênfase era na inclusão escolar da criança com deficiência nas escolas
municipais, pautada na Política Nacional da Educação Especial na Perspectiva da
Educação Inclusiva. Nas regionais, as ações eram desenvolvidas pela Equipe de
Apoio a Inclusão, uma equipe gestora, e pela Equipe de Professores do Atendimento
Educacional Especializado AEE, professores especializados que atuam nas salas
multifuncionais promovendo a acessibilidade pedagógica de alunos com deficiência
para participação no contexto escolar. As ações destinavam-se a assegurar a
educação inclusiva para os estudantes com deficiência física, intelectual, visual
78
(cegueira e baixa visão), auditiva (surdez e perda auditiva), múltipla, síndromes que
acarretam deficiências, transtorno do espectro do autismo e altas habilidades.
As estratégias para a inclusão escolar na rede municipal eram: prioridade de
matrícula para crianças com deficiência e transtornos globais do desenvolvimento na
educação infantil e ensino fundamental, sendo no ensino fundamental encaminhada
para a escola mais próxima da residência; disponibilização de auxiliar de apoio à
inclusão; transporte acessível para atendimento aos alunos com mobilidade reduzida
do ensino fundamental em locais de difícil acesso; benefício inclusão que garante
gratuidade no transporte público no município para atender alunos e suas famílias;
atendimento educacional especializado; articulação com a família por meio da
realização de encontros mensais. Foi apontado como desafio, pela profissional do
Núcleo de Inclusão Escolar, o “aumento do número de veículos para atender a
recente demanda” por transporte para alunos com deficiência e com mobilidade
reduzida.
A atuação do auxiliar de apoio à inclusão tinha como objetivo de assessorar
os professores no atendimento às necessidades educacionais destes estudantes na
sala de aula e de apoiar a criança nas atividades de higienização, locomoção e
alimentação, sempre que necessário. Os critérios para disponibilização do auxiliar
eram o estudante apresentar comprometimento da autonomia para as atividades da
vida diária devido à alteração motora, deficiência múltipla, alterações decorrentes de
síndromes ou transtornos invasivos do desenvolvimento. No AEE eram identificados,
elaborados e organizados recursos pedagógicos e de acessibilidade visando
eliminar barreiras para a plena participação dos alunos, considerando suas
necessidades específicas. Esse atendimento tinha funções próprias do ensino
especial e complementava a formação do aluno com deficiência para a sua
autonomia na escola e fora dela, constituindo oferta obrigatória pelos sistemas de
ensino. Os encontros mensais com as famílias tinham objetivo de desenvolver
atitude participativa por parte dos familiares dos estudantes; estabelecer troca de
experiência entre as famílias; e propiciar diálogo sistemático entre as famílias e a
gestão da educação inclusiva, visando o aprimoramento das estratégias do
município.
Para alunos surdos na Educação Infantil era disponibilizado instrutor de
LIBRAS para iniciar o aprendizado da língua com a criança surda e as demais
crianças (havendo concordância da família); no Ensino Fundamental, no 1º e 2º
79
ciclos, eram disponibilizados professores com fluência em LIBRAS e intérprete de
LIBRAS; e, no 3º ciclo, professores com e sem fluência em LIBRAS e intérprete de
LIBRAS. Para os alunos com deficiência visual a Gerência de Coordenação do
Centro de Apoio Pedagógico para pessoas com deficiência visual – GECCAP
realizada orientação pedagógica para o AEE de alunos com cegueira e baixa visão,
transcrição para Braille de materiais pedagógicos, orientação para adaptação de
recursos e produção do Livro Acessível. Além disso, era oferecido atendimento
educacional domiciliar e hospitalar para crianças que se encontram em tratamento
médico/hospitalar que não podiam frequentar as aulas. Esse atendimento era
desenvolvido por setor na Gerência de Articulação da Política Educacional.
Os relatos dos gestores sobre os serviços evidenciaram que a proposta de
organização dos serviços de saúde, educação e assistência social no município
estava em consonância com a legislação nacional. Foram evidenciados discursos de
integralidade do cuidado, inclusão social e acessibilidade. Na saúde as ações
contemplam crianças com doenças crônicas e com deficiência, já nos setores da
assistência social e da educação as ações são destinadas, sobretudo, às crianças
com deficiência. Destacaram-se dentre os desafios para institucionalização dos
direitos das crianças com condições crônicas a oferta de serviços e profissionais
menor do que a demanda de atendimento. Diante disso, faz-se necessária a defesa
de direitos dessas crianças no município pelos conselhos, como o CMDCA e o
CMPD. Porém, as presidentes desses conselhos relataram que:
É, é.. O que hoje é um grande problema, sabia? É um dos maiores problemas... Em relação a representação no conselho, isso é um ponto mesmo, porque nós temos, não há uma dicussão específica sobre esse tema que você traz [crianças com condições crônicas]. Isso é um tema novo [...] no Brasil há uma insufiência enorme dassa discussão (Presidente do Conselho Municipal de Diretos da Criança e do Adolescente). A gente fica muito focado na pessoa com deficiência e esquece de ver particularidades da criança, do idoso, do adulto né? E acaba que a política, ela fica, assim, como é que eu vou falar, muito ampla, e as pessoas que de fato precisam acabam, muitas vezes as politicas não atingem efetivamente né, para garantir o direto dessas pessoas. [...] De certa forma o conselho ele participa muito dessas políticas [educação e saúde], mas ainda é muito, como é que eu vou falar, de forma fragmentada, isolada. Não tem muita ação conjunto do conselho da pessoa com deficiencia da criança e do adolescente (Presidente do Conselho Municipal da Pessoa com Deficiência).
Portanto, os dados das entrevistas com as presidentes do Conselho
Municipal de Diretos da Criança e do Adolescente e do
80
Conselho Municipal da Pessoa com Deficiência revelaram pouca especificidade das
ações do CMDCA para contemplar as necessidades das crianças com condições
crônicas e do CMPD para contemplar aquelas com doenças crônicas.
5.3 Situação socioeconômica da regional norte
A Regional Norte configura-se como zona de expansão de Belo Horizonte e
sua ocupação vem acontecendo de forma gradativa e desordenada desde 1930,
intensificando-se com a criação de vilas operárias durante o crescimento
demográfico acentuado da cidade. A regional tem uma população de 212.055
habitantes, abrange uma área de 32,56 km² que faz limite com o município de Santa
Luzia e com as regionais Nordeste, Pampulha e Venda Nova (PORTAL PBH,
2017)9.
A regional é composta por 48 bairros e vilas. Verificam-se bairros com
população de melhor poder aquisitivo e infraestrutura urbana em contraste com
bairros e vilas com população carente e condições mínimas de moradia. Destaca-se
que apresenta o maior número de domicílios do tipo conjunto habitacional para baixa
renda promovido pelo poder público em relação às outras regionais. Entre 1993 e
2006, as obras do Orçamento Participativo permitiram a urbanização de bairros e a
construção de equipamentos públicos. As atividades econômicas predominantes são
pequenos comércios e serviços, com algumas indústrias de médio porte (PORTAL
PBH, 2017).
Dentre os equipamentos públicos da Regional Norte, é relevante mencionar
a disponibilidade no setor da saúde de 20 centros de saúde, 1 Unidade de Pronto
Atendimento (UPA), 1 farmácia distrital, 1 Centro de Referência em Saúde Mental
Norte (CERSAM), 1 centro de convivência, 9 academias da cidade, 1 centro de
especialidade médicas e 1 hospital maternidade. No setor da educação, 20 escolas
municipais, 15 Unidades Municipais de Educação Infantil (UMEI), além das creches
conveniadas e escolas estaduais. No setor social, 5 CRAS integrados aos Espaços
BH Cidadania, 3 centros culturais, 1 ginásio poliesportivo e 7 quadras públicas
(PORTAL PBH, 2017).
9 Informações disponibilizadas no site da Prefeitura de Belo Horizonte. Disponível em: <http://portalpbh.pbh.gov.br>. Acesso em: Jan. 2017.
81
A Regional Norte sobressai em relação às outras regionais por apresentar
alto Índice de Vulnerabilidade à Saúde. Conforme discutido anteriormente, em 2012,
possuía a maior porcentagem de setores censitários categorizados como de elevado
e muito elevado risco (BELO HORIZONTE, 2012). Além disso, apresenta baixo
Índice de Qualidade de Vida Urbana (IQVU). O IQVU é um índice multidimensional
intraurbano para quantificar a desigualdade espacial em relação à disponibilidade e
acesso a bens e serviços urbanos, o valor varia entre 0 e 1, sendo 1 o pleno acesso
aos bens e serviços. Em 2014, O IQVU da regional foi 0,63, o menor dentre as
regionais do município, o que indica que o quantitativo de equipamentos públicos
estava abaixo do necessário para atender à população. A média do IQVU das nove
regionais do município foi 0,65, conforme apresentado no Gráfico 1 (BELO
HORIZONTE, 2014).
Gráfico 1 - IQVU por Regional Administrativa de Belo Horizonte, 2012.
Fonte: BELO HORIZONTE, 2014.
Vale destacar que para o cálculo do IVS são consideradas variáveis como
escolaridade, analfabetismo, renda familiar e infraestrutura dos domicílios, dessa
forma, a alta porcentagem de setores censitários categorizados como de elevado e
muito elevado risco na regional Norte revela condições socioeconômicas e de
saneamento desfavoráveis de parcela importante da população da regional. Os
82
bairros e vilas da região estão divididos em quatro territórios, o estudo foi realizado
nos bairros Tupi e Novo Aarão Reis, ambos localizados no Território 2, que
concentrava setores censitários categorizados como de elevado e muito elevado
risco. A Figura 2 apresenta o mapa com a distribuição dos serviços públicos
municipais nos territórios da regional Norte.
Figura 2 – Mapa dos serviços públicos municipais de saúde, assistência social e educação da Regional Norte, 2016.
Fonte: Elaboração da própria autora a partir de dados da Secretaria Municipal Adjunta De Gestão
Compartilhada da Prefeitura de Belo Horizonte, Belo Horizonte (MG), 2016.
83
CAPÍTULO 6
AS EXPERIÊNCIAS DAS CRIANÇAS COM CONDIÇÕES CRÔNICAS E DE SEUS
FAMILIARES NA GARANTIA DOS DIREITOS SOCIAIS
84
6 AS EXPERIÊNCIAS DAS CRIANÇAS COM CONDIÇÕES CRÔNICAS E DE
SEUS FAMILIARES NA GARANTIA DOS DIREITOS SOCIAIS
Neste capítulo, foi realizada a descrição dos casos e a análise dos
elementos das práticas sociais particulares familiares e institucionais para assegurar
os direitos sociais das crianças com condições crônicas. Foram analisadas as
entrevistas com os familiares e com os profissionais que realizavam atendimento à
criança e os registros da observação participante.
6.1 O caso de Pablito e de sua mãe Vitória: “todo mundo tem sua
responsabilidade”
6.1.1 Descrição do caso
Pablito tinha 14 anos, seu rosto era expressivo, tinha olhar atento e era
bastante comunicativo. Ele tinha o corpo emagrecido e os braços e as pernas
atrofiadas. A fraqueza muscular progressiva ocasionou comprometimento motor,
desencadeando a incapacidade de movimentar mãos e pés e de andar, por isso, ele
dependia de apoio para as atividades diárias e utilizava cadeira de rodas para se
locomover. Devido ao comprometimento da musculatura respiratória tinha
traqueostomia e dependia de suporte ventilatório. Ele tinha gastrostomia para o
recebimento de dieta, mas alimentava-se também por via oral.
Pablito vivia com a mãe Vitória, 32 anos, e a irmã Bárbara, 12 anos. Vitória
estava solteira, cursou ensino fundamental incompleto e já trabalhou como faxineira,
mas já há algum tempo não exercia atividade remunerada devido à demanda de
cuidado do filho. Pablito e Bárbara são filhos de companheiros diferentes, ambos
faleceram, havendo relatos de que foi por homicídio. A família residia em uma casa
alugada, composta de sala, cozinha, quarto e banheiro, localizada no Bairro Tupi. A
renda familiar era composta pelo Benefício de Prestação Continuada do governo
federal, no valor de um salário mínimo (R$ 788,00 em 2015) e pelo Bolsa moradia,
um auxílio aluguel no valor de R$ 500,00 fornecido pela Prefeitura de Belo
Horizonte.
Em dezembro de 2015, eles se mudaram para uma casa no Bairro Novo
Aarão Reis. Vitória herdou um “barracão” do pai de um dos filhos e iniciou uma
85
reforma para ser possível morar lá com Pablito e Bárbara. No térreo a casa tem
quintal, área de serviço, cozinha e sala integradas, quarto e banheiro. O segundo
andar ainda estava em construção. A residência tinha água encanada, rede de
esgoto, coleta de lixo e energia elétrica. A construção era acessível para o
deslocamento de Pablito com cadeira de rodas, exceto pelo segundo andar, que não
estava sendo utilizado. Não foram verificadas adaptações nos cômodos. Com a
mudança para esta casa própria o fornecimento do Bolsa moradia foi interrompido.
Vitória era a cuidadora principal de Pablito. Ela evitou abordar o momento do
diagnóstico da distrofia muscular e a organização do cuidado logo após a notícia,
esquivando responder as perguntas a respeito. Vitória narrou sua história e de
Pablito de forma direta, enfatizando o presente, que o filho estava bem e em casa.
Mencionou que tiverem dificuldades, mas que superaram. Quando abordou essas
dificuldades, em geral, ela utilizou a ironia para se expressar.
Você acredita que eu não lembro, falo pra todo mundo que eu não lembro / falo assim que eu não lembro, tipo assim, não é que eu NÃO LEMBRO, deixo, sabe... Como que foi? Foi difícil? Foi, mas a gente já superou, já conseguiu muita coisa né? Assim, o Pablito tá bem, né Pablito tá em casa, então o que conta é isso agora, que ele tá em casa, pronto (Vitória).
As informações do passado foram sendo recuperadas à medida que ela
contextualizava os fatos. Pablito foi diagnosticado com distrofia muscular congênita
quando tinha 1 ano e 9 meses. Com aproximadamente 2 anos, ele foi internado no
hospital municipal sendo necessário fazer a traqueostomia e iniciar o uso de suporte
respiratório. Foi então encaminhado para o serviço de atendimento domiciliar para
crianças com doenças neuromusculares do hospital infantil estadual10, que realizou
seu acompanhamento até abril de 2016. O programa garantia o atendimento por
equipe multiprofissional e o fornecimento do aparelho de ventilação, dos
medicamentos anti-hipertensivo e antiarrítmico e dos materiais para o cuidado no
domicílio, como cateteres para aspiração e gaze. A equipe, composta por médico,
pneumologista, fisioterapeuta, enfermeiro, fonoaudiólogo, psicólogo e assistente
social, realizava visitas domiciliares semanalmente. Após um conflito criado por um
ex-companheiro recente de Vitória na porta da sua casa, que constrangeu um dos
10 O serviço de atendimento domiciliar oferece atendimento domiciliar para crianças com doenças neuromusculares com complicações graves, como acometimento respiratório grave, quando a criança precisa de um ventilador domiciliar e de um aparelho de fisioterapia respiratória (aparelho de tosse). O atendimento é feito por uma equipe especializada e multidisciplinar. Informações disponibilizadas no site da Prefeitura de Belo Horizonte. Disponível em: <http://www.fhemig.mg.gov.br/pt/servicos/atendimento-
domiciliar-para-criancas-com-doencas-neuromusculares> Acesso em: Abr. 2017.
86
profissionais que atendia no domicílio, no final do ano de 2015, foi definido pela
equipe que Pablito passaria a ser atendido no centro de saúde ou na escola.
Pablito fazia reabilitação na Associação Mineira de Reabilitação,
encaminhado pelo centro de saúde. Porém, devido a dificuldade de transporte com o
aparelho, foi solicitada a interrupção do atendimento pela equipe de atenção
domiciliar. Ele também foi atendido pela equipe da Estratégia de Saúde da Família
do centro de saúde do bairro Tupi onde residiam, mas Vitória optou por manter o
atendimento com a equipe do hospital infantil estadual, segundo ela “porque
obedecer um médico já é difícil, uma equipe já é difícil, imagina duas”, então
permaneceu com a equipe do Hospital infantil estadual que realizava os
atendimentos em casa. A partir disso, Pablito passou a ser atendido apenas pela
nutricionista do centro de saúde, aproximadamente de 3 em 3 meses, quando ela
avaliava seu estado nutricional e a composição da dieta enteral. A nutricionista e o
enfermeiro do serviço faziam o relatório para fornecimento de material de aspiração,
da sonda de gastrostomia e da dieta pela Secretaria Municipal de Saúde. Vitória
relatou que em geral esse fornecimento era irregular, então recorria ao hospital
infantil estadual.
A equipe do programa de atenção domiciliar do hospital infantil estadual
realizou, em abril de 2016, a transferência da assistência do Pablito para o Hospital
geral estadual, que atendia pacientes com patologias respiratórias dependentes de
ventilação mecânica. A transferência devia ter ocorrido anteriormente devido a idade
de Pablito, contudo foi adiada, pois a equipe do programa de atenção domiciliar
estava avaliando seu quadro cardíaco e aguardando resultados de exames. Pablito
tinha risco de morte súbita devido aos seus problemas cardíacos. Após a
transferência, o atendimento de Pablito passou a ser realizado no Hospital geral
estadual com menor frequência. Vitória mencionou que o deslocamento com Pablito
até lá é difícil, dependendo da disponibilização do transporte pelo Centro de Saúde.
A equipe do hospital esporadicamente realizava visitas no domicilio da família.
A família era acompanhada pela equipe do Serviço de Proteção Social a
Pessoa com Deficiência, desde 2008, por encaminhamento dos profissionais do
NASF. A profissional de referência era a psicóloga, que os acompanhava desde
2013. Inicialmente, foram desenvolvidas atividades lúdicas com a família para
fortalecimento do vínculo com Pablito. A equipe atuou orientando Vitória a respeito
dos benefícios que Pablito tinha direito, como o Benefício de Prestação Continuada
87
(Ministério do Desenvolvimento Social/INSS) e o Cartão BHBUS Benefício Inclusão
– Pessoa com Deficiência11. O Cartão BHBUS Inclusão do Pablito foi suspenso por
solicitação da equipe do programa de atenção domiciliar para restringir o
deslocamento em transporte público.
Devido a situação de vulnerabilidade e pobreza, a família também recebia
uma cesta básica por mês e a transferência de renda do Bolsa família (Ministério do
Desenvolvimento Social). O fornecimento da cesta básica pela assistência social foi
cessado em dezembro de 2015. A transferência do Bolsa família foi interrompida
durante um período, mas Vitória voltou a receber em janeiro de 2016.
A profissional de referência do SPSPD, em geral, realizava visitas
domiciliares mensais a família. Nessas visitas, ela disponibiliza vales sociais quando
Vitória precisava de auxílio para pagar o transporte metropolitano por ônibus. Os
vales para transporte da assistência social são destinados ao deslocamento no
serviço de transporte coletivo metropolitano de usuários atendidos pelos diversos
serviços sociais desenvolvidos e administrados pela SMAAS. Devido à situação da
família, os vales eram fornecidos excepcionalmente a Vitória para atendimento nos
serviços da Secretaria Municipal de Saúde, pois o setor da saúde não fornece vales
ou transporte para o deslocamento aos serviços.
O serviço atendia às pessoas com deficiência que residiam fora das áreas
atendidas pelo CRAS. Como o novo endereço da família está na área do CRAS
Novo Aarão Reis, o acompanhamento da família pelo SPSPD foi interrompido e
Vitória foi orientada a fazer cadastro no CRAS. A profissional de referência do
SPSPD destacou que recentemente Vitória apresentava mais iniciativa para buscar
recursos, por exemplo, ela descobriu, no fim de 2015, sobre o Instituto Amparar,
uma organização sem fins lucrativos que ajuda pessoas com doenças crônicas. Ela
entrou em contato e o instituto forneceria cesta básica, a dieta hipercalórica e as
fraldas de Pablito. Ainda assim, na avaliação da profissional de referência, a família
11 Cartão BHBUS Benefício Inclusão permite aos seus titulares e aos seus acompanhantes, quando houver, usufruírem do benefício da gratuidade nos serviços públicos de transporte coletivo de passageiros gerenciados pela BHTRANS, conforme estabelecido pela Lei Orgânica do Município de Belo Horizonte. A BHTRANS emite o cartão para pessoas com deficiência física, mental, auditiva e visual, conforme definições da Portaria BHTRANS DPR Nº 080/2011, da Portaria BHTRANS DPR Nº 040/2012 e do Decreto Federal 5.296/2004. O cartão também é emitido para as pessoas diagnosticadas com o transtorno do espectro autista, conforme estabelecido na Lei Federal 12.764/2012. Ainda, esse benefício é estendido às pessoas com insuficiência renal crônica em terapia substitutiva, nos termos estabelecidos na Portaria BHTRANS DPR Nº 006/2012. Informações disponibilizadas no site da Prefeitura de Belo Horizonte Disponível em: <http://www.bhtrans.pbh.gov.br/portal/page/portal/portalpublico/Temas/Onibus/gratuidade-2013>. Acesso em: Abr. 2017.
88
permanecia em situação de vulnerabilidade e precisava continuar sendo
acompanhada.
Vitória foi atendida no conselho tutelar em 2008, quando o hospital fez uma
denúncia relacionada ao consumo de álcool por ela e seu companheiro àquela
época. A conselheira atuou junto ao Centro de Referência Especializado de
Assistência Social (CREAS). Desde então manteve vínculo com a conselheira tutelar
que a auxiliou a realizar articulações entre os serviços para a defesa dos direitos de
Pablito, por exemplo, quando precisou de um cabo de bateria portátil compatível
com o aparelho de ventilação do tipo BIPAP (Bilevel Positive Pressure Airway) para
que o equipamento não precisasse estar sempre conectado a energia elétrica e ele
pudesse ir para a escola. Outra situação de atuação da conselheira tutelar foi
quando a família estava sem condições de pagar aluguel e custear as despesas e foi
obtido o auxílio bolsa moradia, mesmo a situação da família não estando de acordo
com os critérios para receber o auxílio.
Pablito estudava em uma escola regular municipal desde os 7 anos. Ele já
estava no sétimo ano em uma escola localizada no Bairro Tupi. Vitória não teve
dificuldade em conseguir vaga na escola regular para Pablito, porém para que a
equipe do programa de atenção domiciliar consentisse foi preciso providenciar o
cabo de bateria portátil compatível com o BIPAP, meio de transporte com
acompanhante para o deslocamento entre sua casa e a escola e um profissional de
apoio escolar que deveria ser capacitado para realizar os cuidados com a
traqueostomia. As restrições para a inclusão escolar foram superadas com a
definição que Pablito seria conduzido pelo transporte escolar da prefeitura
acompanhado por ela e na escola seria acompanhado constantemente por um
auxiliar de apoio escolar contratado pela prefeitura e treinado pela equipe do
programa de atenção domiciliar. O treinamento durava algumas semanas e
abordava noções de higiene e prevenção de contaminação, aspiração da
traqueostomia e oferta de alimentação via oral. Quando o auxiliar que o
acompanhava, por algum motivo, se ausentava do serviço, Pablito não podia ir à
escola. Ele também ficava sem ir à escola quando a auxiliar tinha seu contrato
cancelado, sendo preciso aguardar a definição e treinamento de outro auxiliar. Ao
todo, Pablito já tinha sido acompanhado por 5 auxiliares, a penúltima
recorrentemente precisava de afastamento devido a problemas de saúde, o que
prejudicava sua frequência à escola.
89
A auxiliar de apoio atual esta com Pablito desde o início de 2015. Ele
interagia com ela definindo aspectos da sua rotina e do seu cuidado, como:
necessidade de aspiração, tempo que permanecia desconectado do suporte
ventilatório durante a aspiração, posicionamento na cadeira de roda para conforto,
onde queria ir, vontade de alimentar e preferências sobre eliminações. Pablito ia de
fralda para a escola, durante o período em que permanecia lá preferia não ser
trocado, deixando para Vitória trocar a fralda quando ele chegasse em casa. Ele
pediu a auxiliar que não comentasse com os colegas sobre ele usar fralda. Durante
o período que Pablito permanecia na escola era realizada aspiração da
traqueostomia 1 ou 2 vezes. Para Vitória o único problema na escola era não ter um
espaço destinado a Pablito receber os cuidados com a traqueostomia. Os cuidados
eram realizados em uma sala de aula improvisada, mas recentemente foi
providenciado um espaço destinado ao atendimento das necessidades das crianças
com deficiência.
Em sala de aula, Pablito assentava na primeira carteira da fileira próxima a
porta e durante a aula permanecia atento e participativo. A auxiliar fazia as
anotações no caderno, posicionava os livros para que ele lesse, sinalizava ao
professor quando ele queria falar:
Ai em sala de aula, eu copio a matéria e na casa dele, a irmã dele continua. Ou faz o para casa, muitas vezes também não faz, mas o Pablito ele, como também ele presta atenção, interage, tira as dúvidas, ele aprende muito nisso, né, assim, na hora da presença do professor, então assim, ele interage desse jeito, com a turma, os meninos vão ajudam, eu saio pra lanchar e deixo um sentado ao lado, né? E vai indo assim. Os professores também dão atenção, né? Explica a matéria, passa no quadro, ai você tem que/ Ai ele fala ‘Eu não estou vendo o quadro’ ai você vira, ele consegue ler normalmente, a questão do livro, eu tenho que abrir o livro, né? Ai ele da conta de ler, ele também fala ‘Levanta a mão [nome da auxiliar] que eu quero ler para o professor...’. Então é nessa, nessas horas que a gente vê assim que a inclusão realmente acontece. (Auxiliar de apoio à inclusão).
Pablito era responsável pelo jornal da escola e demonstrava empolgação
com a atividade. Ele gostava de ler e pegava livros emprestados na biblioteca.
Pablito interagia mais com 5 colegas de sala, com quem gostava de passar o
intervalo. Ele também costumava lanchar com a irmã.
Vitória tinha dificuldade em auxiliá-lo com o dever de casa, mas Bárbara o
ajudava. Mesmo com essa dificuldade, no Fórum Família-Escola, em agosto de
2015, Pablito foi citado como exemplo, “mesmo com limitações, se destaca como um
dos melhores alunos na Escola”. No evento foi abordada a importância da
90
participação familiar no processo da formação escolar das crianças e adolescentes,
e Vitória recebeu um certificado em reconhecimento à dedicação e
comprometimento com a vida escolar do filho. Segundo ela: “Sozinha eu não
conseguiria, e tudo que vem acontecendo na vida do Pablito é graça a parceria de
todos vocês. Portanto, temos mesmo que participar ativamente neste processo”
(Vitória).
No dia a dia, Vitória acordava aproximadamente as 6:00h da manhã,
arrumava Pablito e o acompanhava até a escola no transporte da prefeitura. Na
escola Pablito era recebido pela auxiliar de apoio à inclusão. Vitória voltava para
casa a pé, arrumava a casa, fazia almoço e então ia a pé para a escola, para
acompanhá-lo no transporte até em casa. Bárbara estava estudando na mesma
escola que Pablito, então ia para a escola e voltava com o irmão e a mãe no
transporte da prefeitura. Em geral, passavam o resto do dia em casa, Vitória falou
que ficavam “esperando se alguém aparecer”, pois os profissionais do programa de
atenção domiciliar nem sempre agendavam as visitas. Em casa Vitória aspirava a
traqueostomia de Pablito 4 ou 5 vezes. Ela ofertava a comida para ele: “[...] eu dou
comida pra ele, antes ele comia sozinho, mas aí né, foi perdendo, ele (.), quando
mexe nas mãos ele sente muita dor, quando mexe nos pés ele sente muita dor
também.” (Vitória).
Aos fins de semana, costumavam ir para a casa da irmã em Contagem, o
cunhado os buscava de carro e passavam o fim de semana lá. Recentemente Vitória
começou a ir a Igreja. Ela relatou que iam a casa de uma amiga no Bairro Novo
Aarão Reis e que já foram ao cinema. Com o novo aparelho de ventilação, que
Pablito estava utilizando desde meados do segundo semestre de 2015, era mais
fácil locomover, pois a bateria tinha duração de aproximadamente 6h. Apesar disso,
ainda tinham dificuldade devido a proibição de andar de ônibus pelo programa de
atenção domiciliar, o que restringia o acesso a serviços de lazer e cultura.
6.1.2 Análise crítica das experiências sociais
Para a análise das experiências de acesso aos serviços prestados pelas
instituições educacionais, de saúde e de assistência social no caso de Pablito e de
sua mãe Vitória foram utilizados as transcrições das entrevistas com a mãe, a
conselheira tutelar, a profissional de referência do SPSPD, a auxiliar de apoio à
91
inclusão de Pablito; os registros da observação da rotina de Pablito na escola
regular e o ecomapa elaborado a partir do relato de Vitória sobre os contatos da
família, apresentado na Figura 3.
Figura 3 – Ecomapa de Pablito e família
Fonte: Elaboração da própria autora a partir dos dados da pesquisa, Belo Horizonte (MG), 2016.
No setor da saúde, verificou-se vínculo fraco com a Equipe de Saúde da
Família e moderado com o NASF na atenção primária. Era garantido atendimento
periódico por nutricionista do NASF e acesso irregular a medicamentos e insumos
para o cuidado, porém não eram desenvolvidas ações de acompanhamento e
cuidado à saúde por meio da atenção domiciliar, de apoio e orientação às famílias,
de promoção a inclusão e a qualidade de vida e de coordenação do cuidado, mesmo
quando referenciado para outros pontos da Rede de Atenção à Saúde, conforme
definido nas legislações da Rede de Atenção à Saúde das Pessoas com Doenças
Crônicas e da Rede de Cuidados à Pessoa com Deficiência (BRASIL, 2012; 2014).
Na atenção especializada à saúde, o atendimento em centro de reabilitação foi
92
interrompido, não sendo desenvolvidas ações regulares para melhorar a
funcionalidade e promover a inclusão social previstas na portaria da Rede de
Cuidados à Pessoa com Deficiência (BRASIL, 2012; 2014). O vínculo mais forte na
atenção à saúde era com o hospital infantil, que contava com equipe de atenção
domiciliar, porém com esta a relação era conflituosa. O fomento da atenção e
internação domiciliar às crianças com doenças crônicas esta definido na PNAISC
(BRASIL, 2015)
No setor da assistência social, evidenciou-se vínculo forte com a equipe do
SPSPD que atuava de acordo com as legislações sobre a organização da
assistência social e a tipificação dos serviços socioassistenciais (BRASIL, 2009;
2011), desenvolvendo ações para a inclusão das pessoas com deficiência; para
estimular e potencializar recursos das pessoas com deficiência e de suas famílias no
processo de habilitação, reabilitação e inclusão social; para a defesa de direitos e
para inclusão de pessoas com deficiência e familiares no sistema de proteção social
e serviços públicos, conforme necessidade, com indicação de acesso a benefícios e
programas de transferência de renda (BRASIL, 2009), como o BPC e o bolsa família.
Contudo, como a família mudou de endereço esse serviço interrompeu o
acompanhamento, pois a nova residência estava localizada em área CRAS e as
ações deveriam ser desenvolvidas por este serviço.
No setor da educação, constatou-se vínculo forte com a escola municipal. A
equipe de apoio à inclusão assegurava transporte para Pablito entre a residência e a
escola, auxiliar de apoio para acompanhá-lo e adaptações de acordo com as suas
necessidades, em concordância com a legislação sobre o Atendimento Educacional
Especializado no ensino regular. Esta legislação estabelece que se deve prover
condições de acesso, participação e aprendizagem no ensino regular e garantir
serviços de apoio especializados de acordo com as necessidades individuais dos
estudantes, além da adequação arquitetônica de prédios escolares para
acessibilidade (BRASIL, 2011).
Para a realização dos atendimentos e a participação social destacaram-se
as barreiras ao deslocamento de Pablito, por ser uma criança cadeirante e
dependente dispositivos tecnológicos. Inicialmente, o uso do BIPAP que precisava
estar conectado a uma fonte energia era um limite para que Pablito saísse de casa.
Isso foi resolvido com a obtenção do cabo de bateria portátil compatível com o
aparelho. Mesmo assim, Vitória mencionou a dificuldade em fazer deslocamentos
93
longos no transporte público com o filho. A Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com
Deficiência define o dever do Estado em assegurar a efetivação do direito à
acessibilidade, ao transporte e à mobilidade da pessoa com deficiência ou
mobilidade reduzida, em “igualdade de oportunidades com as demais pessoas, por
meio de identificação e de eliminação de todos os obstáculos e barreiras ao seu
acesso.” (BRASIL, 2015). Outro problema relacionado aos deslocamentos era Vitória
arcar com o custo do transporte público, por exemplo, quando ia visitar o filho no
hospital ou quando precisava ir à Secretaria Municipal de Saúde resolver questões
relativas ao cuidado de Pablito. O cartão BH BUS de Pablito permitia o
deslocamento gratuito de Vitória quando acompanhando o filho. Porém, tinha sido
suspenso por deliberação dos profissionais da equipe de atenção domiciliar. Apenas
nos setores da educação e da assistência social foram verificadas estratégias para
viabilizar transporte, não foram verificadas estratégias na saúde, o que pode
prejudicar a continuidade do cuidado.
A análise do caso evidenciou que o acesso e a utilização dos serviços de
saúde, assistência social e educação por Pablito e Vitória, assim como a obtenção
de medicamentos e insumos para o cuidado, foram assegurados pela busca de
Vitória com o apoio da conselheira tutelar e de alguns profissionais dos três setores.
Quando questionada sobre as principais dificuldades na garantia dos direitos de
Pablito, Vitória não destacou alguma dificuldade específica por ser um processo com
diferentes fases, com demandas e dificuldades diversas. Evidenciou-se a avaliação
positiva, subentendida ao valor dado ao apoio dos profissionais no cuidado de
Pablito, acionada pelos elementos lexicais “tava do lado”, “juntando e grudando” e
“toda mobilizada”. Ela reconheceu importância das diferentes atribuições de cada
profissional. Porém, seus enunciados evidenciaram dificuldades no cuidado
ocasionadas pelas relações estabelecidas com profissionais do serviço hospitalar
que realizavam o atendimento domiciliar.
Não tem assim um destaque, cada etapa, cada ano cê tem uma dificuldade, então não tem uma assim que falo ‘Aí eu passei por aquilo!’, porque desde quando o Pablito nasceu, mesmo quando ele tava em, em apuros, vamos dizer assim, o pessoal do hospital infantil também tava do lado, entra Conselho Tutelar, tava do lado, então assim, é uma família, né, juntando e grudando no Pablito, então assim, é uma equipe toda mobilizada, então assim cê não pode destacar ninguém, cada um tem sua função [...] (Vitória).
Um tema mencionado tanto por Vitória quanto pela profissional de referência
do SPSPD e a conselheira tutelar foi a mobilização para obtenção do auxílio bolsa
94
moradia. Vitória mencionou também o envolvimento de um profissional do programa
família escola e do gerente de assistência social da Regional Norte. No enunciado
de Vitória, o uso da modalidade deôntica na afirmação em primeira pessoa sobre a
obtenção do apoio dos profissionais para conseguir o bolsa moradia revela tanto seu
comprometimento quanto a avaliação positiva do apoio dos profissionais da regional
e negativa da ausência de apoio dos profissionais do hospital nessa situação. Essa
avaliação é reforçada pela ênfase em partes do discurso e indica valores desejáveis
que deveriam motivar as ações dos profissionais.
[...] há dois anos atrás eu consegui o apoio do pessoal DA REGIONAL NORTE, só da Regional Norte, NADA do hospital estadual infantil, pra que eu conseguisse, principalmente entrou a conselheira tutelar, é, [profissional de referência do SPSPD], entrou uma equipe total da Regional Norte, pra que eu conseguisse um bolsa moradia (Vitória).
O Bolsa moradia é um auxílio aluguel da Prefeitura de Belo Horizonte
destinado às famílias removidas de áreas de risco geológico ou para a execução de
obras públicas, como também à população moradora de rua em situação de risco
social12. Destacou-se a articulação dos profissionais para conseguir o auxílio para
Vitória em 2013. Na época, ela procurou a equipe do SPSPD devido a agressões
verbais com ameaças de violência a ela e aos filhos realizadas pelo seu
companheiro. A situação ia além da possibilidade de atuação do serviço, pois
configurava violação de direitos, então, a profissional de referência a orientou a
entrar em contato no Conselho Tutelar.
Vitória buscou suporte da conselheira tutelar, que representou contra o
companheiro e, para não enviar Pablito para um abrigo, solicitou sua internação
social no hospital estadual infantil, em 11/07/2013. Bárbara foi para a casa do tio,
irmão de Vitória, que residia com a mulher e dois filhos em Esmeraldas. Vitória
dividia seu tempo entre permanecer com Pablito no hospital e com Bárbara na casa
do irmão. A profissional de referência do SPSPD forneceu vale social para que ela
fizesse os deslocamentos de transporte coletivo. Vitória separou do companheiro e
saiu da residência onde moravam juntos, cujo aluguel era pago por ele. Apenas com
a renda do BPC ela tinha dificuldade em encontrar um imóvel para alugar, que
atendesse aos critérios do programa de atenção domiciliar, e ainda ter dinheiro para
custear as despesas da família.
12 Informações disponibilizadas no site da Prefeitura de Belo Horizonte. Disponível em: <http://portalpbh.pbh.gov.br>. Acesso em: Abr. 2014.
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Pablito continuava internado. Foi realizada uma reunião com a conselheira
tutelar e a equipe do hospital para resolver a situação. A equipe não aceitava o
imóvel que Vitória tinha conseguido devido às condições da construção e pelo valor
do aluguel, pois não restaria dinheiro para sustentar a família. Os profissionais do
hospital sugeriram que Vitória, Pablito e Bárbara fossem morar com a família do
irmão de Vitória. Além disso, eles mantinham queixas da negligência de Vitória em
relação ao cuidado do filho. A conselheira tutelar defendeu Vitória em relação às
acusações de negligência, considerando as dificuldades para cuidar do Pablito e da
Bárbara, sendo cuidadora principal sem apoio de familiares no dia a dia. Diante
disso, ela considerava que Vitória não tinha vida própria, nem tempo para cuidar
dela. A conselheira tutelar alegou que o consumo de álcool de Vitória era moderado
e não prejudicava o cuidado dos filhos.
Na caracterização linguística de Vitória, os enunciados da conselheira tutelar
indicavam que ela cuidava bem dos filhos: “ela cuida [do Pablito] melhor que uma
enfermeira”, “eles assim se alimentam super bem, a casa é muito limpa, muita
limpa”, “os meninos era muito bem cuidado”. A conselheira tutelar em seu relato
revelou a compreensão da sobrecarga de Vitória devido às necessidades de cuidado
do filho, ao seu contexto social e à abdicação de cuidar de si. Além disso, ela
representou Vitória como sujeito de direitos, além dos diversos deveres citados:
[...] a Vitória é uma pessoa que vive 24 horas pro filho dela, até pra ela tomar banho ela tem que tá lá de porta aberta pra olhar o Pablito, que ela tem o direito sim, de fazer uso de uma cerveja, desde que ela não esteja embriagada, porque é um refúgio, é uma pessoa que teve violência doméstica, o pai dos meninos foi assassinado / (Conselheira Tutelar).
A conselheira tutelar destacou a afetividade existente entre Vitória, Pablito e
Bárbara e a menor expectativa de vida de Pablito: “tem uma afetividade muito
grande entre os três, e [...] (ininteligível) ele tem um tempo menor de vida, então a
gente tem que garantir esse convívio”. Ela expressou seu comprometimento em
mantê-los unidos e preservar a rotina familiar, que poderia ser prejudicada se
fossem morar com o irmão de Vitória. Para isso, a conselheira tutelar propôs
conseguir atendimento com psicólogo para Vitória e solicitar o Bolsa moradia. A
profissional de referência do SPSPD orientou em relação aos critérios para receber
o bolsa moradia. Mesmo ciente que a família não se enquadrava, a conselheira
tutelar optou por tentar conseguir o auxílio.
96
A conselheira tutelar solicitou uma reunião do Núcleo Intersetorial Regional
(NIR), com participação de profissionais dos setores de saúde, educação e
assistência social, para discussão da situação da família. Foi avaliada a obtenção de
atendimento por psicólogo para Vitória, de bolsa moradia para a família e de um
cuidador para Pablito. O cuidador é disponibilizado pelo programa Maior Cuidado
coordenado pela Secretaria Municipal de Assistência Social apenas para idosos
semidependentes e dependentes em situação de vulnerabilidade social residentes
nas áreas de abrangência dos CRAS13. A profissional de referência do SPSPD
relatou que solicitaram ao nível central a disponibilização de cuidador para o serviço,
mas não obtiveram. O atendimento por psicólogo no centro de saúde não era com a
frequência necessária, então a conselheira tutelar articulou com uma psicóloga que
conhecia da rede particular o atendimento gratuito. Quanto ao Bolsa moradia ficaram
aguardando resposta.
Diante da demora Vitória procurou o gerente de assistência social da
regional. No enunciado da profissional de referência do SPSPD a caracterização
linguística de Vitória, além de ter destacado sua iniciativa, também revelou a
compreensão de sua sobrecarga por meio das metáforas “se dividindo” e “se
desdobrar” que remetem a dificuldade de sozinha ela dar conta de atender as
necessidades dos filhos naquele momento, sendo preciso contar com apoio.
[…] Vitória que veio aqui com o Pablito / [Profissional do SPSPD: e sensibilizou] e chamou o gerente para conversar, partiu também muito de uma iniciativa dela, que não tava saindo de jeito nenhum, tava fora do critério, e ela já tava meio cansada né, se dividindo entre duas crianças / […] aí tinha que contar com a ajuda de vizinhos, ou na escola, essa coisa né, mas aí tinha que contar com a boa vontade dos outros, porque ela tinha que se desdobrar (Profissional de referência do SPSPD).
O termo de adesão ao auxílio foi assinado em 16/09, Vitória já tinha alugado
uma casa e Bárbara e Pablito estavam morando com ela, após um período de
aproximadamente 7 meses de permanência de Pablito no hospital. O relato de
Vitória enfatizou a avaliação como desejável da reunião dos profissionais e a
atuação em equipe para conseguir o Bolsa moradia no momento em que ela
precisava do auxilio financeiro. Por fim, ela também participou do processo de
obtenção do auxílio: “[...] fiquei só eu dando conta, você não pode trabalhar, cê não
pode fazer nada, então, eles conseguiram, todo mundo se reuniu, é: tive muito
13 O Programa maior cuidado faz parte da Proteção Social ao idoso. Informações disponibilizadas no site da Prefeitura de Belo Horizonte Disponível em: <http://portalpbh.pbh.gov.br> Acessado em: Abr. 2017.
97
contato, com o, com o diretor [gerente de assistência social da regional]”. No
enunciado foi evidenciado também a falta de apoio social de Vitória e a abdicação
de outras atividades em sua vida em detrimento do cuidado do filho.
No caso de Pablito a articulação intersetorial de profissionais para garantir
seus direitos ocorreu em outras situações, como evidenciaram, por exemplo, os
enunciados de Vitória sobre a atuação dos profissionais da regional para obtenção
do cabo compatível com BIPAP “[…] todo mundo se moveu pra ajudar o Pablito”,
“[…] então entrou todo mundo, juntou-se uma equipe toda”, “[...] é uma equipe toda
mobilizada”. Os enunciados de Vitória reforçam a avaliação positiva da atuação dos
profissionais da regional acionada pelos verbos reunir e mobilizar, evidenciando a
disposição dos profissionais para a atuação em equipe necessária a resolução dos
problemas. Os enunciados de Vitória revelaram a importância do apoio profissional
na organização do cuidado e garantia dos direitos da CCC, demonstrando o
desenvolvimento de vínculo, principalmente, com a conselheira tutelar.
A profissional de referência do SPSPD e a conselheira tutelar ao abordarem
a situação, além de mencionarem articulações realizadas para atender as
necessidades de Pablito, ressaltaram as exceções realizadas na assistência à
família, como a obtenção do bolsa moradia e a disponibilização vale social. Segundo
elas, essas exceções foram realizadas por ser um “caso atípico” (Profissional de
referência do SPSPD). Dessa forma, as profissionais desviam de sua atuação usual
e das regras dos serviços devido à condição de saúde de Pablito e à situação
socioeconômica da família.
Pablito foi representado pelas profissionais como uma criança inteligente,
cognitivamente preservado, que gosta de estudar, com corpo debilitado e com
menor expectativa de vida: “[…] ele [Pablito] é muito inteligente, né, só a questão
mesmo de um corpo debilitado, mas ele é muito preservado né, cognitivamente,
muito inteligente, gosta de estudar pelo que a Vitória fala”, “o caso dele, distrofia
muscular, né, é um caso irreversível né, é::, a gente não sabe a expectativa de vida
dele [Pablito], assim, ela [Vitória] nunca falou sobre isso, em relação a saúde dele é
um ponto delicado” (Profissional de referência do SPSPD). A permanência
prolongada no hospital sem motivos clínicos, além de prejudicar a convivência
familiar, privava Pablito de ir para a escola: “[Pablito foi] penalizado em função disso,
porque clinicamente não tinha motivos pra ele continuar, no hospital infantil. Era
mais porque, essa exigência da moradia né” (Profissional de referência do SPSPD).
98
Sobre as exceções realizadas na assistência à família para obtenção do
cabo compatível com BIPAP e do Bolsa moradia e na disponibilização vale social
verificaram-se nas justificativas apresentadas pelas profissionais discursos de
trabalho em equipe, integração entre serviços e intersetorialidade, da mulher da
criança como sujeitos de direitos, de cuidado centrado na família e de inclusão
social, que indicam a representação sobre o modo de ação profissional na atenção
às CCC:
A escola me acionou porque o Pablito, ele estava, eles mudaram esse aparelho que ele faz, ele é traqueostomizado e tudo, e que trocaram esse aparelho, e o aparelho faltava um cabo, pra ele poder ir pra escola, pra ligar na bateria e o Pablito não estava indo pra escola… Então nós fizemos uma reunião em rede, o profissional do Família Escola, a Escola, e chamei o diretor e a assistente social do hospital [...] que eu ia tentar esse direito dele né, a saúde, de conseguir esse cabo, e justifiquei que sem esse cabo ele [00:03:14.08] (ininteligível) não poder ir a escola e tem outros danos, o dano psicológico, sabe, ele tá sendo impedido da convivência, a gente sabe que ele tem um tempo de vida menor, do que né, que as crianças que não tem essa doença. … aí eu já oficializei, em 5 dias, o hospital não gostou não. Justifiquei que né, todos os motivos. E aí eu consegui esse relatório, entrei aqui na gerência da saúde, exigindo que o SUS, ele ganhou dois cabos (Conselheira tutelar). É um caso que saiu fora da linha de trabalho, pra você ver, é uma criança que não morava em área de risco, conseguiu bolsa moradia, um caso de exceção mesmo, pra garantir o convívio familiar (Conselheira tutelar). Eu analiso a situação dela [Vitória] naquele mês, o que que ela tem que resolver, na verdade nem poderia fornecer pra saúde, pra te falar a verdade, mas assim, considerando a sit/, porque, esse vale social é pra que, a gente daria pra pessoa tirar um documento, então esse vale seria pra isso, pra olhar trabalho, pra resolver problemas que, relativos à assistência também, e aí no caso dela, como é um caso muito atípico né (Profissional de referência do SPSPD).
A história de Pablito evidenciou a possibilidade de experiências de garantia
de direitos considerando a atuação intersetorial e o reconhecimento do direito à
diferença a partir da transformação nas instituições do Estado (SANTOS, 2001,
2013), embora relacionadas às intervenções pontuais de alguns profissionais. A
atuação intersetorial pode ter sido favorecida no caso de Pablito pela organização da
administração Regional Norte, que reúne os setores de saúde, educação, políticas
sociais em um mesmo local, aproximando os profissionais. Na regional também são
realizadas reuniões intersetoriais com esses profissionais para discussão de
diversos temas como o NIR e o Fórum da criança. Já no modo de ação dos
profissionais, com reconhecimento da diferença, destacou-se a representação que
os profissionais tem de Pablito e de Vitória como sujeito de direitos e a compreensão
de suas condições de vida, o que os motivou a buscar articulações e novas
99
possibilidades de intervenção, indo além da atuação protocolar das instituições para
assegurar seus direitos.
A representação dessas profissionais, avaliadas positivamente por Vitória,
se contrapõe à representação dos médicos do programa de atenção domiciliar do
hospital infantil. Mesmo reconhecendo a competência técnica da equipe do
programa de atenção domiciliar - “eles são muito competentes”, “o atendimento é
bom, não posso reclamar” - Vitória ressaltou problemas no relacionamento,
sobretudo, com um médico. Os enunciados de Vitória evidenciaram sua insatisfação
com a relação que o médico estabelecia com ela e o filho:
[...] não to reclamando de médico nenhum, foi a única coisa que o Dr. [nome] me falou, Dr. [nome SOBRENOME] me falou, que me deixou assim, meio que, ‘Você tem um filho, você não é responsável por ele, seu filho esta em casa é por minha conta’, então tipo quem manda no seu filho sou eu, então tipo, eu sou uma simples cuidadora do Pablito [...] (Vitória). [...] são tranquilos, são os mesmo médicos, de longa data, igual eu mencionei, Dr [nome sobrenome], que me proibiu de andar de ônibus, então, não tem problema nenhum [00:34:06.27] ((risada)), então não tem problema nenhum com médico, então são tudo tranquilo (Vitória).
Após fazer queixas em relação as ações dos médicos, a antífrase “não tem
problema nenhum com médico, então são tudo tranquilo” evidenciou a crítica de
Vitória, por meio da ironia, à relação autoritária estabelecida pelos médicos. Em
geral, ela negava estar queixando dos médicos e modalizava suas declarações que
expressavam valores sobre o atendimento à saúde. Era por meio do humor que
Vitória contestava o discurso médico e os papéis sociais convencionais entre
médico, mãe e criança.
Vitória expressou que Pablito era tratado como “propriedade” do hospital ou
do médico do programa de atenção domiciliar. Ele tomava a responsabilidade e
autoridade nas decisões relativas ao cuidado de Pablito para si e a posicionava
como “simples cuidadora”. Ela enfatizou em seu relato sua avaliação negativa sobre
a relação com a equipe de atenção domiciliar do hospital infantil, que impõe
obrigações em relação ao cuidado de Pablito, mas a desresponsabiliza como mãe,
em sua autonomia para decidir sobre o filho, por exemplo, ao precisar de
autorização para sair com seu filho de casa:
[...] mas assim o hospital infantil eu sempre cito, essa parte que eu não gosto entendeu, te der um filho que você não manda, você manda, você tem obrigação de levar para escola, você tem obrigação de fazer tudo, mas você não pode sair, tipo assim, eu não tenho autorização pra pegar o
100
Pablito e ir até um shopping, eu preciso de uma autorização da equipe, sim ou não (Vitória).
Os enunciados de Vitória remetem ao poder disciplinar exercido pelos
profissionais médicos. Foucault analisou a disciplina como uma técnica de poder que
implica na vigilância dos indivíduos, exercendo controle sobre o desenvolvimento
das ações. No final do século XVIII, a reorganização dos hospitais foi possibilitada
pela introdução dos mecanismos disciplinares em seu espaço, sendo o poder
disciplinar atribuído ao médico devido à transformação concomitante do saber e da
prática médica. A disciplina hospitalar teve como função “assegurar o
esquadrinhamento, a vigilância, a disciplinarização do mundo confuso do doente e
da doença, como também transformar as condições do meio em que os doentes são
colocados” (FOUCAULT, 1979, p. 108).
O programa de atenção domiciliar permitiu a Pablito a alta do hospital,
criando possibilidades de participação social. Contudo, transferiu para o domicílio os
mecanismos disciplinares desenvolvidos no hospital, como evidenciado no relato de
Vitória sobre a proibição do filho andar de ônibus, restringindo o deslocamento de
Pablito. Ela esclareceu que nunca tiveram problema nos deslocamentos de ônibus
ou metrô, mas que foi alegado pelos profissionais o risco de Pablito deslocar em
transporte coletivo. A proibição foi feita após a equipe do programa de atenção
domiciliar, em uma visita não programada, ter constatado que Vitória tinha se
ausentado do cuidado de Pablito temporariamente sem a presença de um segundo
cuidador treinado. O enunciado de Vitória revelou sua compreensão que a proibição
foi uma punição.
[...] restringiu, porque a gente ia muito sabe, falava ‘Dr. [nome], vou viajar...’, mas sempre teve que ter um papel, até então eu ia de ônibus pra casa da minha irmã, até que o ano passado, foi ano passado, meu pai faleceu, [...] ai eu deixei o Pablito com uma amiga, até então eu podia andar de ônibus e tudo, agora tenho que andar de carro tá, sou chique viu? Falar pra prefeitura pra comprar um carro pra mim ((risos)), aí, ele proibiu eu de andar [...] (Vitória).
Em análise do discurso médico pediátrico, Magalhães (2000) verificou que o
poder institucionalizado desse discurso determina uma posição de controle e
opressão dos médicos na relação com as mães das crianças. A identidade do
médico esta relacionada a uma competência que os diferencia daqueles que atende.
Dessa forma, os médicos se posicionam como orientadores das mães quanto à
forma de cuidar dos filhos. Os adjetivos utilizados no discurso médico para
101
representação das mães evidenciaram a classificação delas em tipos, de acordo
com os pressupostos ideológicos determinados pela instituição médica, resumidos
pela autora em a santa mãezinha e a mãe inadequada:
Com relação a primeira trata-se de uma identidade histórica da mulher no Brasil, como registra Mary del Priore. A segunda representa o excesso, o comportamento transgressivo, não enquadrado: trata-se da mãe que foge ao padrão estabelecido pelo senso-comum ideológico da prática discursiva pediátrica. A mãe inadequada é caracterizada como a que deixa de seguir as recomendações médicas estabelecidas as prescrições ou receitas [...]
(MAGALHÃES, 2000, p. 131).
Vitória expressou em seu discurso a avaliação que os profissionais,
principalmente a equipe médica, ultrapassavam seu limite de atuação, ao interferir
na vida familiar, privada. Ela associava o preço de ter uma equipe com competência
técnica acompanhando Pablito no domicílio à carga de responsabilidade do cuidado
imposta pela equipe ao interferir na rotina familiar, desrespeitando sua autoridade
como mãe. Vitória desconsiderava que como cidadã pagava os serviços públicos
garantidos pelo governo por meio de impostos.
[...] eles tomam decisões na vida né, não só de paciente, mas como, na vida pessoal da família, entendeu, mesmo que ajude muito né, não tô reclamando, que ajude muito, mas que eles ultrapassam o que eles deveriam fazer, né, não tão mais do que eles faz, que eles faz além da conta, sem necessidade e você paga, assim, é::, você ter uma criança com, com deficiência em casa, mantida por um programa, né, domiciliar que cê tem todo um suporte/ [...] é um programa, né, é tudo, você não paga nada por isso, todos os programas que eu mencionei eu não pago nem um centavo, só que se você for olhar, se paga um preço, não em dinheiro, mas é um preço, CARGA, RESPONSABILIDADE, então tipo assim, todo mundo tem sua responsabilidade, mas com a equipe que eu tenho pegando no meu pé, não estou reclamando, mais ou menos, né, entre aspas, você paga um preço muito caro, entendeu, era preferível cê pagar, se tivesse condições, é claro que eu não tenho condições de pagar [plano] [...] então assim, apesar, as vezes quer ajudar, você sabendo, convivendo com a criança o tempo que a gente convive, então assim, eles vem na sua casa uma vez por semana, de 15 em 15 dias, ou duas vezes por semana, se precisar eles vem, mas assim, eles não tá de noite, eles não tá, sabe, então assim, eu acho que eles mandam muito, a não ser que eles passassem um período maior na casa da pessoa né? Pra eles poder mandar tanto! (Vitória)
Embora as mães sejam consideradas fundamentais para o tratamento das
crianças, verificou-se uma tendência dos profissionais médicos a supervalorizar esse
papel, desconsiderando a sobrecarga dessas mulheres, devido às
responsabilidades, ao cansaço e às preocupações (MAGALHÃES, 2000). A crítica
de Vitória é reforçada pela Conselheira Tutelar e pela Profissional de referência do
SPSPD, que a representam como uma mulher sobrecarregada e que tem a vida
privada muito invadida. Verificou-se por parte dessas profissionais a defesa de um
102
discurso de humanização, em contraposição ao modo de atuar da equipe de
atenção domiciliar.
[...] aí acaba invadindo a privacidade né, não fica claro esse limite do que que é o serviço e o que que é a vida pessoal, o que que pessoa pode fazer, ela tá na casa dela [...] pelo menos eu procuro né, a gente como serviço procura ter um cuidado de saber o limite né, dentro da casa da pessoa, então eu não posso nem entrar se a pessoa não deixar ué, então quanto mais ficar ali controlando demais né (profissional de referência do SPSPD).
A exigência de Pablito estar sempre acompanhado por Vitória ou por
cuidador maior de idade treinado pela equipe de atenção domiciliar, sendo que ela
não tem como pagar um cuidador e não consegue esse apoio de familiares ou
amigos, dificultava para que ela conseguisse realizar atividades do dia a dia como
tomar banho ou ir ao supermercado. Em alguns momentos ela deixava Pablito com
Bárbara. As restrições repercutem na família, nas possibilidades de sair de casa
para momentos de lazer. Dessa forma, a posição de controle que os profissionais
médicos adotavam em relação a Vitória e Pablito limitava a participação social da
família, evidenciando a persistência do colonialismo nas relações, em que uma parte
mais fraca é expropriada de sua humanidade (SANTOS, 2007a).
[…] que essas exigências são muito, muito, tudo bem que é para o bem do Pablito, mas que suporte a saúde tá dando né? Então assim, a grande crítica é essa né [....] [o cuidador] tem que ser treinado por eles né, receber todo o treinamento, e aí, a pessoa ou tem boa vontade pra fazer o serviço gratuitamente, ou ela teria que pagar a pessoa, como que ela vai pagar, se ela tá com dificuldade financeira até pra ela? / […] qualquer coisa, se ela sair de casa, ela teria que ter esse segundo cuidador (profissional de referência do SPSPD).
Em 2000, Magalhães já alertava que os pais devem ser responsabilizados
pela saúde das crianças, mas deve se considerado o contexto socioeconômico
brasileiro, de pobreza e pouca escolaridade, e indagada a atribuição do Estado na
atenção às crianças. Os pais devem ser esclarecidos em relação aos cuidados com
as crianças, porém foi verificado o amoldamento, ou “domesticação”, do
comportamento das mães pela prática discursiva médica e críticas a elas com tom
desqualificador.
Ao narrar sua história e de Pablito, em geral, Vitória demonstrou resignação
“A gente já acostumou com vida que Deus deu prá nós, pronto.”. Contudo, foi
possível apreender uma mudança de sua posição diante das intervenções
autoritárias da equipe de atenção domiciliar. Inicialmente, ela não se opunha a
relação de “domesticação”, porém, após algum tempo passou a resistir ao poder
103
disciplinar médico. O enunciado revela que ela foi punida quando deixou de seguir
as recomendações médicas.
[...] cê tem que fazer alguma coisa, porque assim se você deixar todo mundo mandar na sua vida, fazer o que quiser, se você ficar lá de boca aberta, no começo eu era assim sabe, eu tive problema com o domiciliar, [serviço de atenção domiciliar], no começo eu obedecia tudo que eles falavam, era parec, eu sinceramente parecia um cachorrinho, late cachorro, latia, quando o cachorrinho parou de latir, ai acabou me ferrando que eu fui parar no Conselho, ai fazer o que, tá bom, acabou que entre mortos e feridos todos se salvaram ((risada)) (Vitória).
A análise do discurso de Vitória permite apreender sua identidade materna
por meio de seu posicionamento como mulher, mãe e cuidadora de Pablito e de sua
representação dos profissionais dos serviços que atendem Pablito. Após o
diagnóstico da condição crônica do filho, Vitória organizou o dia a dia em torno do
seu cuidado, reduzindo suas atividades de trabalho e lazer. A rotina de cuidado de
Pablito era desenvolvida sem apoio familiar. No decorrer dos anos, de uma postura
passiva, ela passou a buscar apoio nos serviços e em ONG para atendimento das
necessidades do filho, assim como a expressar seus valores e críticas com o modo
de ação de alguns profissionais. Porém, Vitória demonstrou não ter clareza de seus
direitos de cidadania.
6.2 Caso de Campeão e de sua mãe Feliz: “Primeiro cê pede pra Deus, depois
cê corre atrás”
6.2.1 Descrição do caso
Campeão tinha 9 anos, olhos amendoados, expressão meiga, corpo magro
e forte. Observava atentamente objetos, como o desenho na televisão, ou batia
palmas repetidamente, sendo difícil despertar sua atenção. Por vezes, quando
estava irritado introduzia a mão na boca. Comunicava-se por meio de expressões
faciais, grunhidos e gestos. Tinha limitações para as atividades da vida diária,
dependendo de apoio para alimentar, realizar higiene, ir ao banheiro, se vestir...
Andava sozinho, embora tivesse dificuldades para fazer transferências e subir ou
descer escadas.
Campeão morava com a mãe, Feliz, 36 anos, e a irmã, Jade, 4 anos. Feliz
estava solteira, Campeão e Jade são filhos de companheiros diferentes. Ela
completou o ensino médio e trabalhou como vendedora até o nascimento do
104
Campeão. Depois que teve notícia da condição de saúde do filho e dos cuidados
que ele precisaria, a vida passou a ser dedicada a ele. A família reside em casa
própria. No mesmo lote, no andar de cima da construção, ao nível da rua, reside a
mãe de Feliz. Ao descer as escadas na lateral da construção, passando por um
pequeno quintal com piso de cimento ao fundo, pode-se ter acesso a casa pela porta
da cozinha. A residência é composta por cozinha, dois cômodos com o piso
cimentado e paredes apenas com reboco no qual ficam rede e brinquedos, uma sala
de televisão, dois quartos e um banheiro. A casa tem fornecimento de água tratada,
rede de esgoto, coleta de lixo e energia elétrica. A construção é acessível para o
deslocamento de Campeão, exceto a escada, que ainda não tem corrimão. Não
foram verificadas adaptações nos cômodos. A renda familiar era composta pelo
Benefício de Prestação Continuada do governo federal, no valor de um salário
mínimo (R$ 788,00 em 2015) e pelo dinheiro que o pai de Jade fornecia
mensalmente, totalizando aproximadamente R$ 1.500,00.
Feliz era a cuidadora principal de Campeão. Ela demonstrou disponibilidade
e abertura para narrar a sua história e a do filho. Feliz é sorridente, afetuosa e
confiante. Durante a entrevista ela falou com espontaneidade, relembrando detalhes
em sua narrativa. Em alguns momentos, ela lacrimejou e a voz ficou embargada.
Não demonstrou resistência para abordar nenhum tema. Foi marcante seu
engajamento no cuidado do filho e na busca para garantir convivência social e
assistência nos serviços que considera necessário.
Campeão foi diagnosticado com síndrome de Down ao nascer. Feliz teve
uma gravidez tranquila, fez sete ultrassons e em nenhum exame foram verificadas
alterações. Ela pediu à médica para fazer a translucência nucal no ultrassom
morfológico, soube a respeito por meio da novela “Páginas da Vida” que foi exibida
na época e abordava a síndrome de Down, mas a profissional disse que ela não
precisava fazer o exame. O trabalho de parto iniciou uma semana antes do
esperado. Campeão nasceu por parto normal:
[...] foi um parto assim, normal, eles queriam que fosse, mais assim foi anormal né, eu tive muita dificuldade no parto, ele tava com o cordão umbilical, dilacerou, arrebentou o cordão no parto tiveram que reanimar, o apgar foi muito baixo e ai logo de cara eles perceberam né, que ele tinha problema, poderia ter um problema cardíaco. E aí no dia do nascimento dele assim, né, eu planejando que ser tudo de uma forma acabou sendo muito traumático o parto dele. Já começou pra mim ali já a dificuldade né, já pelo parto né, primeiro filho, a dificuldade no parto (Feliz).
105
Feliz aguardava ansiosamente para estar junto de Campeão, mas ele
precisou ser internado na unidade de terapia intensiva devido à condição de
nascimento. No dia seguinte, os médicos, junto a outros profissionais da equipe,
hesitaram em dar a notícia sobre a síndrome de Down. Os profissionais abordaram a
suspeita de que Campeão tinha a síndrome, devido a características dos olhos, da
linha na palma das mãos, entre outras. Ela estava sozinha no hospital, sem os
familiares, sentiu-se desamparada:
[...] na condição que eu tava né, que eu tava depois do parto e tudo, eles não quiseram foi afirmar, mas já me veio aquela certeza no meu coração sabe, e eu comecei a olhar pra ele, a olhar, olhar, olhar e olhar e os médicos ‘Oh mãe, mas calma mãe viu? Vai dar certo e tal’ e aí eles pediram prá eu olhar pra ele e tal, e eu fui olhando, e olhei, amei e apaixonei e assim eu já era louca com o meu filho né? Já sonhava em ter eles nos meus braços, quando o médico falou o baque é grande, dá um choque sim ((tom de voz embargado)), mais eu falo que Graças a Deus! Eu glorifico tanto ao senhor, que acho que a minha depressão durou cinco minutos, não mais que isso, porque era alguém que né? Se era um filho já ia precisar, eu sabia que ele ia precisar de mim, mas depois que eu fiquei sabendo isso, eu sabia que minha vida ia ser mesmo doada pra ele, e ali de cara eu peguei e falei ‘Não, é meu filho, eu já amava ele muito, muito, muito mesmo, sem ver, sem conhecer, e o senhor falando isso agora, doutor, eu tenho que assim, dobrar, triplicar, meu amor por ele acabou de aumentar e ele depende de mim e é a mim que ele tem e eu vou viver por ele e o que ele precisar eu vou fazer’ (Feliz).
Apesar da aceitação da condição do filho, ela ficou desapontada por não ter
sido identificado durante a gravidez: “eu tinha a oportunidade de saber e me tiraram
essa oportunidade de me preparar, de preparar a minha família, de preparar o pai
dele e prá todo mundo foi um baque”. O pai de Campeão e ela namoravam há
quatro anos quando ela engravidou. Ele não recebeu com satisfação a notícia da
gravidez, mas continuou com ela até o nascimento do filho. Feliz relatou que quando
soube do diagnóstico: “o pai não aceitou, o pai não ACEITA o filho especial, pra ele,
nem tem contato com o filho, entendeu? Não aceitou e isso não é só eu que vivo,
infelizmente a maioria das mães.”. Ela cuidou de Campeão sozinha, sem apoio da
família. Feliz chegou a entrar com processo na justiça contra o pai de Campeão
recentemente, pois ele “acha um ABSURDO a mãe não trabalhar e aí não quer
pagar pensão”.
A notícia da condição crônica do filho foi um marco na vida de Feliz, a partir
deste momento foram diversas mudanças e ela precisou buscar muita informação.
Ela recebeu orientações no hospital. Logo que teve alta da maternidade para casa,
Feliz passou a pesquisar a respeito de como cuidar e buscou atendimento nos
106
serviços para Campeão. Ela procurou a Família Down, uma Organização Não
Governamental, onde recebeu informações e ouviu o depoimento de outras mães
que já tinham experiência no cuidado. Além disso, a abordagem do tema na novela
“Páginas da vida” a ajudou no enfrentamento da situação, por apresentar
informações sobre a síndrome de Down e o cotidiano de uma criança com a
síndrome.
Devido a suspeita de ter um problema cardíaco, ainda no hospital, foi
marcada uma consulta para Campeão com cardiologista. Feliz também marcou
consulta com um pediatra, que solicitou exame de cariótipo e encaminhou para
geneticista e fisioterapeuta. Antes mesmo do resultado do exame, Feliz já tinha as
orientações sobre o que seria preciso: “fazer fisioterapia, ai cê tem que fazer muita
estimulação, a vida dele vai ser assim, assado”. Com um mês ele já estava fazendo
fisioterapia em um hospital geral pelo plano de saúde. A cada profissional que
atendia Campeão, Feliz recebia mais informações acerca das necessidades dele e
indicações de serviços, então procurou atendimento com fonoaudiólogo, terapeuta
ocupacional, psicólogo... Campeão fez acompanhamento em diversos serviços
vinculados ao plano de saúde e filantrópicos, até ser atendido no Centro Geral de
Reabilitação (CGR) que indicou a clínica da APAE, pois teria a assistência que ele
necessitava de forma integral. Foi feito contato pelo CGR com a APAE e Campão
conseguiu uma vaga no serviço quando ele tinha 3 anos, onde continuou realizando
acompanhamento.
Foi nos serviços que Feliz encontrou apoio dos profissionais, com quem
desenvolveu vínculo com a convivência frequente nos atendimentos e que auxiliam
no enfrentamento de períodos de estresse. Encontrou apoio também dos familiares
de outras crianças atendidas neste local, principalmente as mães, que dão suporte
umas às outras e orientam sobre recursos disponíveis nas redes de serviços. Feliz
relatou: “Se eu falto na APAE, eu sinto falta porque a gente que vive a mesma
história sabe direitinho o que que é, então fica mais fácil uma ajudar a outra”.
Por volta de três anos, Feliz teve outra notícia a respeito da condição de
saúde de Campeão. Sua tia, que tinha um filho esquizofrênico mais velho e “lidava
muito com pessoas especiais”, comentou com Feliz que Campeão tinha
características de comportamento autista. Então, Feliz buscou avaliação médica a
respeito. A geneticista disse que ele tinha um transtorno invasivo do
desenvolvimento. Diante da inespecificidade dessa informação para que
107
conseguisse atender às necessidades do filho, Feliz optou por procurar uma
psiquiatra. Perguntou para a psiquiatra da APAE, que incialmente mencionou os
transtornos invasivos. Com a insistência de Feliz, que argumentou precisar da
definição para orientar a busca de recursos para o cuidado do filho, a psiquiatra
definiu o diagnóstico de autismo. Logo após o diagnóstico, foi inaugurada uma sala
com o método TEACCH14 (Treatment and Education of Autistic and related
Communication-handicapped Children, em português Tratamento e Educação para
Autistas e Crianças com Déficits relacionados com a Comunicação) na APAE para
crianças autistas e Campeão foi incluído.
A partir desse diagnóstico, Feliz também procurou atendimento com
psiquiatra para o filho. Inicialmente, ele foi atendido por um psiquiatra da rede
particular, sendo encaminhado em 2010 para atendimento com a equipe
complementar de saúde mental em um Centro de Saúde da regional15. Campeão já
realizava acompanhamento com psicólogo e terapeuta ocupacional na APAE, então,
passou a ser atendido apenas pela psiquiatra da equipe complementar de saúde
mental a cada 2 meses. Em 2012, Campeão não estava dormindo bem à noite,
queria brincar e bater palmas, o que era um transtorno já que durante o dia eles
precisavam sair de casa para os diversos atendimentos nos serviços. Então a
psiquiatra prescreveu medicamentos para controlar os comportamentos agressivos e
as estereotipias. Ele fez uso prolongado de um antipsicótico (Risperidona) e,
atualmente, ainda faz uso contínuo de outro antipsicótico (Neuleptil).
Durante uma fase, Campeão teve problemas respiratórios recorrentes,
precisando usar antibióticos frequentemente e foi internado duas vezes devido à
pneumonia. Campeão fez cirurgia para correção do problema cardíaco aos quatro
meses. Feliz narrou: “era muito grave a situação dele, foi choque atrás de choque,
mais eu agradeço muito a Deus, a força que Deus me deu, porque eu consegui
14 O método TEACCH é um programa educacional e clínico com uma prática predominantemente psicopedagógica criado a partir de um projeto de pesquisa que buscou observar profundamente os comportamentos das crianças autistas em diversas situações frente a diferentes estímulos. Informações disponibilizadas no site APAE. Disponível em: < http://belohorizonte.apaebrasil.org.br/noticia.phtml/43754/METODO+TEACCH+UMA+FERRAMENTA+A+SERVICO+DA+EDUC
ACAO.html >. Acesso em: Abr. 2017. 15 As equipes complementares de saúde mental atuam no município desde 2002. Cada equipe, composta por psiquiatra, fonoaudiólogo e terapeuta ocupacional, era responsável pelo atendimento de uma regional. Os profissionais atendiam autistas, neuróticos graves e psicóticos. O encaminhamento para a equipe era feito pelo psicólogo da equipe de saúde mental dos Centros de Saúde em reunião de matriciamento realizada semanalmente. Nessas reuniões, também eram discutidos os casos em acompanhamento e construídos os projetos terapêuticos. Fonte entrevista com a psiquiatra da equipe complementar de saúde mental.
108
vencer, superar tudo isso”. Além dessa, ele realizou outras quatro cirurgias, duas
para correção de adenoide aos 2 e 3 anos, uma para remoção de amígdalas aos 4
anos, visando melhorar a respiração - “ele tinha oitenta por cento de obstrução
nasal, ele já quase morreu várias vezes, dormindo né?” - e uma para inserir um tubo
de ventilação no ouvido aos 5 anos. Para Feliz:
[...] é: o que ele tem hoje é basicamente é isso e assim em vista do que era o meu filho até os cinco anos de idade, hoje ele não tem nada, hoje mal, mal ele tem uma gripe, graças a Deus né? E vai passando o tempo cê vai aprendendo também a lidar e tudo, mas hoje, graças a Deus de saúde, ele é perfeito, saúde faz check up todo ano, sou muito rigorosa (Feliz).
Campeão continuou com o atendimento na APAE com fisioterapeuta,
fonoaudiólogo, terapeuta ocupacional, psicólogo e nutricionista. O atendimento da
fonoaudióloga e da psicóloga era realizado semanalmente de forma integrada. O
atendimento por terapeuta ocupacional e fisioterapeuta diminuiu a frequência, para
15 em 15 dias, sendo o último interrompido em 2016. Ele manteve o
acompanhamento regular com a geneticista desde o nascimento e com a psiquiatra
da equipe de saúde mental. Também realizava acompanhamento com cardiologista,
em consultório pelo plano de saúde, pois “ele continuou com um defeitinho no
coração, depois da cirurgia”.
A família é assistida pelo CRAS. Feliz participou algumas vezes da reunião
“Cuidando de quem cuida” realizada no serviço, sendo convidada por ser cuidadora
do Campeão. Além disso, a mãe de Feliz é idosa, tem deficiência e utiliza cadeira de
rodas, sendo acompanhada por cuidador do programa Maior Cuidado desde 2011.
A reunião era realizada com os familiares cuidadores de pessoas com deficiência ou
de idosos para compartilharem suas vivências e sentimentos. Ela avaliou o trabalho
realizado como “maravilhoso”, mas considera que as reuniões deveriam acontecer
com maior frequência. Os serviços da Assistência Social têm pouca atuação no caso
de Feliz e Campeão, o CRAS não oferta ações regulares para atender às
necessidades das famílias relacionadas ao cuidado das crianças com deficiência.
Campeão recebe o Benefício de Prestação Continuada e o passe livre do Ministério
dos Transportes.
Campeão foi incluído na UMEI do bairro Novo Aarão Reis, com
aproximadamente cinco anos, e em seguida passou a estudar em uma escola
regular municipal no Bairro Tupi. Desde o período na UMEI, ele contou com
atendimento extraclasse por uma professora da equipe do AEE, numa escola no
109
Bairro Venda Nova. O atendimento educacional especializado foi indicado pela
equipe de apoio à inclusão, visando desenvolver estratégias de acessibilidade para
acessar o currículo em sala de aula. Um recurso utilizado era o uso de jogos e
brincadeiras. A professora realizava atividades pedagógicas em atendimentos
individuais com Campeão durante uma hora pela manhã, duas vezes na semana,
em uma sala adaptada para crianças com deficiências. Ela também realizava visitas
à escola de Campeão para orientar as professoras e a auxiliar de apoio quanto a
abordagem pedagógica. Até o fim de 2015, Campeão estudava no turno da tarde,
sendo preciso mudar para a manhã no início de 2016 devido a ser o único turno em
que é ofertado o quarto ano, com essa mudança, o AEE passou para a tarde. Além
disso, será feito por outra professora, pois a que o acompanhava não continuará
atuando na regional Norte.
Na escola, ele permanecia junto à turma desenvolvendo atividades
pedagógicas com apoio do auxiliar, que incluem colorir e utilizar brinquedos ou jogos
com fins educativos, como o abaco (instrumento utilizado para ensinar operações
matemáticas). Quando percebem que ele esta cansado, a auxiliar ou a professora
posicionam o colchonete no chão para que ele deite, Campeão desenvolveu esse
hábito ainda quando estava na UMEI. Devido aos atendimentos nos serviços, em
geral, ele vai à escola três vezes na semana. Em alguns períodos, Feliz o busca
mais cedo ou opta por não levá-lo de acordo com a avaliação de alterações em seu
estado emocional e comportamento, por exemplo, quando nota que está mais
irritado.
Campeão estava no quarto ano. A professora de referência nesse ano, já
tinha acompanhado ele no primeiro e no segundo ano. A auxiliar de apoio
acompanhava Campeão desde o início de 2016. Durante o período que ele estava
na escola a auxiliar o encaminhava até a sala, assentava próximo a ele para
desenvolver as atividades, o levava ao banheiro, realizava atividades de higiene, o
acompanhava durante o intervalo, oferecia o lanche... Durante a aula, ela assentava
de frente para Campeão, sua carteira era a primeira ao lado da porta. Enquanto a
professora desenvolvia atividades com a turma, a auxiliar realizava atividades com
Campeão, que eram definidas junto com a professora. Quando ele batia palmas ou
inseria a mão na boca a auxiliar buscava ocupar as mãos dele com um objeto ou
fazendo brincadeiras de bater com as mãos, buscando despertar o interesse dele
para outras atividades. A professora por vezes se aproximava e interagia com ele.
110
Uma das colegas de sala frequentemente se aproximava de Campeão, entregava
objetos, o abraçava, segurava sua mão no deslocamento de um local para outro na
escola.
Feliz se inteirava das atividades de Campeão na escola, conversava com
professores, auxiliares de apoio, diretoria da escola e com a equipe de apoio à
inclusão da regional. Quando possível ela participava da roda de conversa
organizada mensalmente pela equipe de apoio à inclusão da regional, pois, em
geral, é agendada para quarta à tarde, coincidindo com os atendimentos de
Campeão na APAE. Ela já reivindicou para que alternem os dias e horários de
realização. Ela relatou que na roda de conversa os familiares das crianças com
deficiência “tem o momento de discutir, de tirar dúvidas, de levar as questões da
gente e foi assim que eu consegui muita coisa”.
Campeão realiza natação duas vezes por semana no Centro de Referência
Esportiva para Pessoa com Deficiência, do programa Superar, desde seis anos16.
Feliz soube do serviço pelo quadro de aviso da APAE. Na época Campeão ainda
não andava, ela queria que ele fizesse hidroterapia, na APAE a oferta era irregular e
ela não possuía condição de pagar particular. Feliz procurou o Superar, mas ele
ainda não tinha a idade mínima para ser atendido, então ela aguardou ele completar
seis anos e o inscreveu. Após avaliação da equipe do serviço, foi indicado que ele
fizesse natação: “um dia ele ama não quer sair da piscina e agora ele chegou na
fase dele ruim de novo, chega lá ele já começa, cheio de artimanha pra não entrar
na piscina. Ele ama água, mas lá não sei que que acontece” (Feliz).
No dia a dia, Feliz vive “por ele [Campeão] e pela filha”. De segunda a sexta,
ela levava os filhos para a escola e para as atividades esportivas, Campeão também
tinha os atendimentos do AEE e na APAE. Ele estava estudando à tarde e Jade pela
manhã. Terça e quinta-feira, pela manhã, Feliz levava Campeão para a natação no
Superar, Jade acompanhava. Quarta-feira a tarde, ela levava ele para o atendimento
na APAE. Durante o primeiro semestre de 2016, devido à mudança da professora do
16 O Superar foi desenvolvido em 1994 pela Secretaria Municipal de Esporte e Lazer da Prefeitura Municipal de Belo Horizonte. O programa tem a perspectiva de elaborar, coordenar, executar e supervisionar políticas públicas de esportes e lazer destinadas às pessoas com deficiência. No Centro de Referência Esportiva, localizado no Bairro Carlos Prates, para Pessoa com Deficiência é realizado atendimento direto e permanente nas modalidades basquete, bocha, dança, esgrima em cadeira de rodas, futsal, goalball, judô, natação, patinação, rugby em cadeira de rodas, tênis de mesa e voleibol sentado. As inscrições podem ser realizadas a partir de 6 anos, em até 2 modalidades. O programa oferece atendimento médico e fisioterápico aos usuários. Fonte Cartilha informativa elaborada pela PBH.
111
AEE, ele não realizou o atendimento extraclasse. Quando as atividades de
Campeão coincidiam com o turno que ele vai à escola, Feliz avisava aos professores
que ele não iria.
Feliz fazia os deslocamentos com os filhos de carro. Campeão tem direito ao
passe livre, mas para ir de ônibus até os serviços, precisaria carregar Campeão na
rua, pois ele anda apenas pequenas distâncias, e ela não suportava o peso dele
mais. Além disso, os serviços são distantes de onde moram e um do outro, o que
tornaria inviável o deslocamento de ônibus devido ao tempo que gastariam, como
Feliz relatou “SE eu fizesse tudo que eu tenho que fazer com ele de ônibus, talvez
eu não teria o pique de fazer, até mesmo pra por ele dentro do ônibus, é o maior
sacrifício. E tem/ como tem também a minha mãe, que a minha mãe também faz no
SUPERAR e é cadeirante, aí eu tenho que levar”. A mãe de Feliz faz atividade no
Superar nos mesmos dias que Campeão.
Quando estava em casa, Campeão gostava de ficar no sofá da sala ou no
colchão em seu quarto assistindo DVD infantil na televisão e de balançar na rede.
Feliz entendia as demandas de Campeão por meio dos grunhidos que ele emite e de
seus comportamentos. Para Campeão se alimentar, Feliz ofertava a comida em sua
boca, ele aceitava aos poucos, sendo um processo demorado. Ela dava banho e
fazia todas as atividades de higiene com ele. Diante da demanda de cuidados de
Campeão, ela tinha dificuldade de sair para trabalhar e deixá-lo sob
responsabilidade de outra pessoa.
Aos fins de semana, Feliz gostava de sair com os filhos: “quando eu tô
animada né, porque como gente sai tanto durante a semana, às vezes desanima no
final de semana, mas eu gosto sempre de tá saindo com ele”. Nos domingos de
manhã ela vai com eles ao culto da Igreja Batista. Quando possível, Feliz viajava
com os filhos. Nas férias, em janeiro ela foi com eles para a praia e em julho
programou ir a São Paulo e a Salvador, aproveitando o benefício que Campeão tem
de passagem de ônibus gratuita. Segundo ela, vai apresentar o mundo para o
Campeão e Jade, depois desses, vai traçar outros destinos e vão se aventurar.
6.2.2 Análise crítica das experiências sociais
Para a análise das experiências de acesso aos serviços prestados pelas
instituições educacionais, de saúde e de assistência social no caso de Campeão e
112
de sua mãe Feliz foram utilizados: as transcrições das entrevistas com a mãe, a
professora do AEE, a professora da escola regular, a psiquiatra da equipe
complementar de saúde mental e a profissional de referência do CRAS; os registros
das observações da rotina de Campeão na escola regular e do atendimento dele na
APAE; e o ecomapa elaborado a partir do relato de Feliz sobre os contatos da
família apresentado na Figura 4.
Figura 4 – Ecomapa do Campeão e sua família
Fonte: Elaboração da própria autora a partir dos dados da pesquisa, Belo Horizonte (MG), 2016.
No setor da saúde, não foi verificado vínculo na atenção primária com a
Equipe de Saúde da Família e o NASF, mas era realizado atendimento por
psiquiatra da equipe complementar de saúde mental (BRASIL, 2011e). Feliz
precisava comprar o medicamento de Campeão, pois ele não era disponibilizado
pelo SUS na apresentação em solução. A atenção primária não desenvolvia as
ações de acompanhamento e cuidado à saúde definidas nas legislações da Rede de
113
Atenção à Saúde das Pessoas com Doenças Crônicas e da Rede de Cuidados à
Pessoa com Deficiência (BRASIL, 2012; 2014). Na atenção especializada, o
atendimento de reabilitação para melhorar a funcionalidade e promover a inclusão
social (BRASIL, 2012) era realizado pela clínica da APAE, vinculada ao SUS. Neste
serviço verificou-se vínculo forte, porém a frequência dos acompanhamentos estava
em redução, já tendo sido interrompido o acompanhamento por fisioterapeuta. Feliz
questionou a frequência da reabilitação do filho, sendo preciso avaliar se a oferta de
ações era adequada para atender as necessidades de Campeão. O atendimento
com geneticista era realizado pelo SUS (BRASIL, 2014) e com cardiologista era feito
pelo plano de saúde. Feliz optou por pagar plano de saúde para o filho quando ele
ainda era pequeno.
No setor da assistência social, a oferta de ações pelo CRAS para estimular e
potencializar os recursos das pessoas com deficiência e de suas famílias era
irregular. As ações para a defesa de direitos e para a inclusão das crianças com
deficiência e seus familiares no sistema de proteção social e serviços públicos eram
desenvolvidas de acordo com a demanda das famílias. Campeão teve acesso ao
BPC e ao Passe Livre (BRASIL, 2009).
No setor da educação, identificou-se vínculo forte com a escola municipal e
o AEE, já com os auxiliares de apoio o vínculo era moderado e conflituoso. O
desenvolvimento de ações pela professora do AEE e pelo auxiliar de apoio estava
em concordância com a legislação sobre o Atendimento Educacional Especializado
no ensino regular (BRASIL, 2011). As atividades de formação continuada eram
destinadas apenas aos auxiliares de apoio, os professores da escola regular não
eram contemplados. As dificuldades para a garantia das adequações necessárias
para a inclusão escolar serão analisadas a seguir. Feliz fazia reinvindicações e
buscava a resolução das dificuldades com a equipe de apoio à inclusão, com a qual
ela tinha vínculo moderado.
O transporte de Campeão para a escola e os atendimentos nos serviços,
como a APAE e o Superar, eram realizados de carro. Contudo, Feliz indicou que, se
precisasse utilizar o transporte público, teria dificuldade em manter todos os
atendimentos que realizava, devido ao tempo de deslocamento e as limitações de
Campeão em permanecer no ônibus ou caminhar distâncias maiores. É importante
ressaltar que apenas nesse caso foi verificado acesso a um serviço de esporte.
114
O atendimento nos serviços e a obtenção de recursos para o cuidado de
Campeão foi assegurado pela busca persistente de Feliz, sendo potencializado pelo
encontro com alguns profissionais devido ao vínculo que construíram com ela e
Campeão. Feliz ressaltou como dificuldades a falta de informação sobre as
necessidades do filho e seu cuidado e o preconceito da sociedade que limitava a
inclusão social. Em relação à garantia dos direitos sociais de Campeão, um tema
mencionado por Feliz e pelos profissionais foram os desafios para a inclusão de
Campeão na escola regular.
Feliz não queria que Campeão estudasse na escola do seu bairro, pois já
tinha ouvido mães e professores falarem de forma negativa a respeito. Ela teve
dificuldade para conseguir vaga em outra escola por meio da regional, pois o
responsável que atuava na gerência de educação na época queria que Campeão
fosse matriculado na escola mais próxima de casa. Feliz buscou a promotoria do
deficiente e explicou a situação, foi então garantida vaga a Campeão na escola que
ela quisesse matriculá-lo. Ela procurou informações sobre a melhor escola perto de
onde moravam e optou por uma escola do bairro Tupi. O enunciado de Feliz
evidenciou sua avaliação positiva sobre o processo de inclusão de Campeão nesta
escola, embora tenha constatado dificuldades, ela afirma que o processo é válido,
enfatizando que Campeão foi bem acolhido:
[...] graças a Deus, foi muito bem recebido, muito bem recebido a inclusão lá realmente, tem dificuldade? Tem, mas vale, vale lá é o lugar onde que né? Graças a Deus/ a professora dele, primeiro ano, só agradeço a Deus é um anjo. É uma pessoa assim de um coração, maravilhoso, já teve há uns anos atrás na APAE. Ama / Já trabalhou com criança especial […] (Feliz).
Para representar uma das professoras da escola regular, Feliz utilizou a
metáfora do anjo e outros elementos lexicais que remetem a uma pessoa bondosa e
carinhosa. Essa professora foi referência para a turma de Campeão no primeiro e no
segundo ano, ministrando a maior parte das disciplinas. No quarto ano ela solicitou
voltar a ser referência da turma dele. Ela tinha tido uma experiência há muitos anos
no ensino de crianças necessidades especiais na APAE.
No primeiro ano de Campeão, inicialmente, a professora teve receio da
presença dele ou do auxiliar de apoio interferir na atenção dos alunos, por exemplo,
quando ele batia palmas. Apesar disso, ela e a outra professora buscaram incluí-lo
na escola e na turma: “E nós duas, assim, nós abraçamos o Campeão, as duas
professoras, […] Então, nós duas conversamos e nós fizemos um jeito de tratar o
115
Campeão e ele não se sentir excluído, da turma. A, a intenção era incluir, não era?”
(Professora escolar regular). O uso do verbo abraçar remete a adotar a inclusão de
Campeão como uma causa.
Para adequar o conteúdo à Campeão, a professora contou com as
estratégias desenvolvidas pela professora do AEE e com material de referência para
atividades disponibilizadas por uma profissional do Núcleo de Inclusão Escolar. Os
relatos da professora evidenciaram o interesse no processo de inclusão escolar e a
construção de um novo modo de atuar para incluir Campeão. Essa construção foi
feita por experimentação no dia a dia, em um processo permeado por incerteza
devido à falta de informação. As aulas eram preparadas junto a auxiliar de apoio.
Agora, eu pretendo fazer aqui, igual eu te falei, tirar a fralda dele, fazer ele reconhecer o nome, né? Pelo menos, e essa questão dos conceitos. Se a gente conseguir colocar pelo menos o Campeão mais dentro da sala, que ele quer muito sair da sala, toda hora ele gosta de ficar sentado no solzinho, né, ele procura sempre um solzinho pra ele, então se a gente conseguir isso, eu acho que a gente já vai estar conseguindo, assim, uma grande ajuda pra ele (Professora da escolar regular). Tem os números e tem os conceitos, dentro, fora, é: a massinha né, pra ele poder sentir, né, se é grossa, fina. São os conceitos básicos e os números mesmo. E nem é muito número não. A:, de início assim, nós ficamos 1, 2, 3... […] a gente tem uns joguinhos de matemática, que eu pego pra ele colocar, põe dentro, ai ele vai e tira. E insistindo com ele nesses conceitos (Professora da escolar regular). Ah, eu acho que é o grau dele de autismo, porque assim eu não entendo direito, eu leio muito sobre isso, mas eu, eu não consegui é::, eu, eu, assim, não consigo entender, se ele, o grau dele, se, como que ele está, se ele, se eu vou conseguir alguma coisa com ele, assim, no papel. Porque, assim, a gente sabe que emocionalmente eu já consegui bastante coisa. Mas eu queria ver se no papel, se eu vou conseguir alguma coisa, assim. Eu falar com ele e ele fazer. Sabe? O meu grande desafio é esse, eu quero poder falar e ele entender. E:, a falta de informação que a gente tem né? Porque se não fosse essas duas me ajudando, a [profissional da equipe de apoio à inclusão], a [professora do AEE], as três né, a [profissional da equipe de apoio à inclusão], a [professora do AEE] e [profissional do núcleo de inclusão escolar]. Eu acho que a [profissional do núcleo de inclusão escolar] me ajudou MUITO agora até que tem um tempo que eu não peço ela ajuda não, porque ela me mandou um material MUITO rico (Professora da escolar regular).
A professora do AEE acompanhava Campeão desde a UMEI. Em sua
atuação com Campeão considerava as características da pessoa autista, como a
necessidade de rotina e a tendência ao isolamento. A partir disso, ela buscou
conhecer os processos da escola visando integrá-lo. Foram desenvolvidas ações
para Campeão acostumar com o espaço físico, aprender onde era o banheiro e
conseguir ir até lá quando necessário, adquirir controle de esfíncteres para
116
desfraldar, permanecer na sala de aula e aprender comportamentos esperados para
sua faixa etária. A professora citou como estratégias o uso do lúdico, por meio de
imagens de personagens infantis e jogos, a adaptação de lápis e colher com
engrossador para favorecer que Campeão segure, dentre outras. Feliz representou a
professora do AEE a “ponte com a escola”, a metáfora foi utilizada, pois conversava
com ela sobre suas dúvidas e opiniões acerca do atendimento de Campeão na
escola regular.
Ai a gente planejou, criamos é: objetivos de trabalho com ele, que é pra ele a primeira coisa que eu queria com o Campeão era a rotina, e a gente conseguiu, ele precisava estabelecer uma rotina dentro da escola, ele precisava de saber, se constituir e saber que ele era aluno, ele não ficava sentado, ele não, ele não, não dava conta de perceber um lápis, um livro, um material, hoje ele da conta disso. Ele não CONSEGUE estar o tempo todo com esse material, ele ainda não da conta disso, mas ele consegue, ele já, ele já se vê como aluno, como estudante e ele se vê pertencente aquele lugar, ele gosta de ir pra escola, ele não se incomoda em ficar lá o horário inteiro como ele se incomodava antes. Ele não chora, não grita, não esperneia, então eu penso que esse foi um, um dos objetivos que a gente já conquistou que é a questão da rotina. E é muito lento tá, eu vou te falar que o trabalho com o Campeão tem, ele tem progressos a cada dia, mas é um trabalho muito lento. Hoje, é:, a gente precisa tentar e eu penso que agora já é o caminho, já é o momento, agora a gente precisa criar uma comunicação alternativa dele, ele precisa responder pra gente aquilo que ele quer (Professora do AEE). [...] então eu acho que é:, é: eu acho que passa muito por ai né, a questão da inclusão, porque a gente sabe que muito dos nossos alunos eles não vão acessar o currículo iguais aos outros alunos, é:, né, ditos normais, mais, (.) o que eles tem condição de acessar, direito de acessar, cabe a nós pensarmos [...] a gente tá falando de pegar o planejamento que foi feito pra aquela sala, não importa quem esteja ali dentro e adequar a cada aluno que necessita, é disso que a gente tá falando, talvez não seja somente o Campeão que precise, de uma adequação pra ele. Outros também vão precisar, entendeu? Então assim é um olhar pra cada estudante que faz a diferença dentro da sala de aula, né é isso que a gente tem que buscar, enquanto profissional da educação é isso que a gente tem que buscar o tempo todo, conseguir enxergar cada aluno com a sua diferença, né, porque todos nós somos especiais. Eu, você, né cada um é, mais a diferença né, o que difere a gente é o tempo de cada um né, e a gente precisa ter esse olhar mais ampliado, principalmente o professor dentro da sala de aula, acho que isso é muito bom, importante (Professora do AEE).
Evidenciou-se o discurso de inclusão na escola regular na fala tanto das
professoras quanto da mãe. A professora da escola regular se posicionou a favor da
inclusão, mesmo apresentando insegurança sobre como efetivá-la no dia a dia. Ao
representar Campeão, ela mencionou seu desenvolvimento emocional após a
inclusão escolar, porém expressou dúvida quanto à perspectiva de aprendizado da
escrita e de compreensão da comunicação verbal.
117
A professora do AEE também abordou os resultados da inclusão escolar em
relação à socialização de Campeão, pois foi constituída uma rotina para ele como
aluno na escola. Segundo ela, o processo de inclusão dele era lento, mas
apresentava progressos. Sua perspectiva era de desenvolver uma forma de
comunicação alternativa. A professora expressou o reconhecimento das diferenças
entre os alunos pelos profissionais da educação como um valor. A partir desse
reconhecimento, o programa deveria ser adequado de acordo com as necessidades
dos alunos. Na representação de Campeão e dos alunos a professora do AEE
contrapôs os alunos “ditos normais” àqueles diferentes, que “não vão acessar o
currículo iguais aos outros alunos”, pois precisam de adaptações no programa e de
recursos pedagógicos e de acessibilidade.
Feliz demonstrou em seu relato a compreensão que o filho tinha um tempo
diferente de aprendizado em comparação com as outras crianças e que a escola
adequava o método de ensino às suas necessidades. Ela ressaltou que durante a
aula as professoras desenvolviam atividades com a “sala toda”, mas que também
tinham que dedicar tempo ao ensino de Campeão. Evidenciou-se a fé de Feliz no
desenvolvimento do filho e a valorização por ela de seus aprendizados,
independente dele atingir marcos de desenvolvimento infantil, como aprender a falar
ou escrever. Nos enunciados, Feliz expressou seu comprometimento em respeitar o
desenvolvimento do filho e investir nele. A modalização utilizada em “eu posso
investir” seguida da conjunção adversativa “mas” evidenciou que mesmo buscando
oportunidades de aprendizado e melhora da funcionalidade do filho, pode ser que
ele não atinja os marcos de desenvolvimento. Foi possível apreender no relato de
Feliz como valores desejáveis em relação à inclusão escolar a igualdade no direito à
educação, o respeito às diferenças no aprendizado e a garantia de adequações para
acessibilidade.
EU tenho que entender e respeitar o tempo dele, ele não é um menino que hoje ele faz ABC, ele faz o alfabeto, não faz numeral. Ele, é, hoje vai pra escola, [...] as atividades pedagógicas, tem um tal de abaco lá que ele é doido. Então são brinquedos, tem a forma, é diferenciado a forma dele de trabalhar, porque não adianta eu querer/ inclusão é ele fazer tudo igual? É, ele ser igual aos outros, mas ele tem condição de ficar lá A, B, ele não vai, é querer demais, porque se nem falar ele não fala, quem dirá né, hoje escrever, creio em Deus que um dia ele vai ter possibilidade, mas eu tenho que é: respeitar aquilo que ele pode me oferecer né, então graças a Deus eu respeito (Feliz). [...] eu posso investir nele, eu posso correr atrás, daqui dali, não falta atendimento, mas se ele tem pra me oferecer só aprender acender a luz, que seja isso. Se ele aprender na escola, se ele ficar lá dez anos e eu
118
conseguir, que a escola é muito parceira com relação a isso, a desfraldar ele, ele aprendeu alguma coisa (Feliz).
Na relação com o auxiliar de apoio verificaram-se dificuldades para inclusão
de Campeão. Inicialmente, foram feitas tentativas com vários auxiliares de apoio, até
conseguir uma auxiliar que permaneceu com Campeão por quase 2 anos. Feliz
ficava resistente quanto à troca do auxiliar, mas explicaram que era preciso
Campeão aprender a lidar com essas mudanças. Ela passou a aceitar melhor essas
alterações, embora considerasse que “quebra a rotina” dele, “o autista vive de
rotina”, então “leva um tempo até ele se adaptar, a pessoa se adaptar com ele,
conhecer”. Além disso, ela mencionou que embora os auxiliares recebessem
treinamento, por vezes, tinham dificuldade em lidar com o comportamento de
Campeão, por exemplo, quando ele chorava e imediatamente ligavam para ela
buscar. Porém, sua dificuldade maior foi no início de 2015, quando devido às
mudanças da direção da escola durante alguns dias não teve auxiliar para
acompanhar Campeão:
[...] teve dias de eu chegar lá na escola, no início de ano e ter deixado ele na sala sem auxiliar, que eu sou orientada, meu filho tá na escola, a escola tem que se virar, que seja a diretora vai pra sala pra limpar a bunda dele, mas ela tem que ir. É direito dele, não é? Eu trabalho na cabeça do meu filho. Hoje tem escola, vão arrumar, vão vestir uniforme, ó, pra eu chegar na escola, e ai aconteceu no início do ano, passei muita raiva [...] eu saindo da escola a diretora correndo atrás de mim, ‘Oou infelizmente não tem como seu filho ficar aqui hoje’ e ai eu ‘Como é que é?’, ele já tava sentado no ambiente dele e ai eu virava pra ela e falava assim com ela ‘Cê vai mandar todos embora? Todos vão ou é só o meu? Que inclusão é essa? Não cê quer que eu levo? Tô levando agora, mas tô saindo daqui e vou lá na regional, vai ficar pequeno lá pra mim hoje, porque eu não conheço isso como inclusão social, não tem auxiliar não, se vira, porque eu não tenho, essa informação não chegou aos meus ouvidos: ‘Feliz cê leva na escola, se tiver auxiliar cê deixa, se não tiver você leva embora’, ‘Que que eu vou fazer?’ já teve dia de eu chegar lá e ficar parada com o Campeão meia hora lá ele sentado na cadeira e eu ficar esperando, e passa um e passa outro, e eu começar falar lá sozinha ‘É gente, tá o mundo inteiro gritando aqui na minha cara, Campeão cê não existe, Campeão cê realmente não é desse planeta, cê é de outro mundo, pera lá porque que os outros estão sentados na sala e o meu não?’ mas isso sem baixaria, é chegando e conversando e chorando e ai as pessoas passarem a mão ‘Não ele não vai voltar pra casa não, ele vai ficar aqui’ sabe pessoas que tem coração, que lá tem assim a coordenadora que é um amor e todos amam meu filho, mas ai por uma falta né de estratégia, de informação, sei lá porque a troca da direção era de dezembro, essa professora que passou pra direção e tal, e ai me admirou muito ela por ser uma mãe de uma criança especial, como diretora da escola né, fazer a gestão toda voltar pra trás, caminhar, foi aonde que eu comecei a ter muito problema com a escola e ai sentar e conversar”, ‘Não ué, como assim, cê não quer que o Campeão vem não, se ocê ainda me ligar quando ele tiver lá em casa quando eu tiver acordando é uma coisa: ‘O Feliz...’. Ai nós vão conversar: ‘Olha Feliz por esse, esse, esse motivo, realmente hoje não tem quem eu te dar’. Mas se tiver que pegar o porteiro pra ficar com ele cê tem que pegar! Ele chegou lá na escola, eu não volto
119
pra casa com ele, não volto, como é que eu vou explicar, que cara que eu vou explicar pro meu filho: ‘Ô filhinho, cê não cabe dentro da sala hoje não porque não tem ninguém pra ficar com cê meu amor, cê não é igual aos outros’, que diferença/ Ah para lá! Então assim, e eu conversando. [...] Depois disso, dessa conversa, sentei, conversei com a diretora, conversei com a vice, conversei com a coordenadora. Ó gente mas é um respeito comigo hoje, é um carinho e eu graças a Deus, não só comigo, elas entenderam, sabe e eu converso, eu cobro das mães (Feliz).
Esse foi um momento crítico em relação à inclusão de Campeão na escola.
Feliz referiu ao discurso de inclusão e reivindicou o direito do filho permanecer na
escola regular, sendo responsabilidade do sistema educacional garantir as
adequações e o apoio necessários para atender suas necessidades. Na fala da
diretora nesse momento predominou o discurso escolar tradicional, segundo o qual
os alunos que não se adaptavam ao currículo tradicional eram excluídos. Nesse
momento, evidenciou-se o conflito na realidade entre a inclusão ou exclusão dos
alunos com deficiência da escola regular. Feliz recusava-se a voltar com o filho para
casa. Diante da situação em que ela aguardava com Campeão do lado de fora da
sala de aula, enquanto as outras crianças estavam dentro da sala, ela questionou o
comprometimento da diretora com a prática da inclusão escolar.
Feliz designou o filho por meio de uma metáfora, ao falar “cê realmente não
é desse planeta, cê é de outro mundo”, para expressar a exclusão do filho da escola
regular diante da indisponibilidade de um auxiliar de apoio para atender suas
necessidades específicas. Os alunos foram classificados como aqueles que
acessam o currículo por meio das práticas tradicionais de ensino, considerados
“normais”, ou como aqueles que precisam de adequações para acessar o currículo
por serem “diferentes”. Nas representações de Campeão apresentadas
anteriormente, a diferença foi reconhecida e os participantes adotaram uma postura
de respeito e de busca da acessibilidade. Porém, neste enunciado de Feliz, a
diferença foi atribuída uma conotação inferiorizante, na medida em que por ser
diferente Campeão não poderia permanecer na escola sem a presença do auxiliar
de apoio.
Por meio da metáfora “Campeão cê não existe”, Feliz abordou a
invisibilidade do filho nesse momento na escola. Partindo da abordagem de Foucault
sobre a exclusão como um fenômeno sociocultural, Santos destaca que se trata de
um processo histórico no qual, por meio de um discurso de verdade, é criada a
interdição e rejeição de determinados grupos sociais. Produz-se um dispositivo de
normalização que consolida a exclusão ao desqualificar esses grupos (SANTOS,
120
2010). Nas sociedades capitalistas, tanto o sistema de exclusão quanto o sistema de
desigualdade são formas de domínios hierarquizados. O sistema de desigualdade
gera uma integração social hierarquizada, já o sistema de exclusão, também é
hierarquizado, mas o que esta fora da norma é descartado, desprezado e
desaparece. O autor alerta que há formas híbridas que se identificam com
elementos de desigualdade e de exclusão (SANTOS, 2007a).
Santos (2010) indica a articulação de políticas de igualdade e de identidade
como a principal dificuldade perante discriminação gerada pelos sistemas de
desigualdade e exclusão:
Antes de mais nada, há que se reconhecer que nem toda diferença é inferiorizadora. E, por isso, a política de igualdade não tem de se reduzir a uma norma identitária única. Pelo contrário, sempre que estamos perante diferenças não inferiorizadoras, a política de igualdade que as desconhece ou descaracteriza converte-se contraditoriamente numa política de desigualdade. [...] Sempre que estamos perante diferenças não inferiorizadoras, uma política de igualdade genuína é a que permite a articulação horizontal entre identidades discrepantes e entre as diferenças que elas assentam (SANTOS, 2010, p. 313).
O reconhecimento da diferença de Campeão deve permitir a valorização de
suas necessidades e a busca do atendimento delas para viabilizar sua permanência
e participação na escola e na sala de aula. Porém, a garantia da inclusão escolar era
circunstancial já que dependia da reivindicação do familiar e da postura de alguns
profissionais para ser efetivada na realidade. Os profissionais que atuam de forma a
viabilizar a inclusão são novamente caracterizados por Feliz por elementos lexicais
que remetem bondade, como em “pessoas que tem coração”. Porém, considerando
as legislações referentes à educação em vigor no país, deveriam orientar a prática
docente as diretrizes da inclusão escolar de promoção da aprendizagem e
valorização das diferenças, de forma a atender as necessidades educacionais de
todos os estudantes, assegurando recursos pedagógicos e de acessibilidade para
eliminar barreiras à participação (BRASIL, 2007d). É necessário revisar a formação
dos professores, na graduação e em serviço, e também dos auxiliares de apoio.
Estudo sobre discursos e práticas de letramento na educação inclusiva
reconheceu práticas emancipatórias e tradicionais/burocráticas nos contextos
investigados. Nas instituições onde predominava o discurso emancipatório, a ação
inclusiva foi possibilitada pela maior habilidade e formação dos docentes. Constatou-
se a necessidade de formação dos professores das salas do AEE e das salas
regulares em relação aos objetivos, princípios e ações da Educação Especial. Os
121
profissionais participantes do estudo abordaram as limitações de estrutura e falta de
recursos didáticos que desmotivam, mas refletiram sobre a importância de trabalhar
as potencialidades em uma tentativa de mudança da prática. Diante das lacunas na
formação, esses profissionais recorreram a outras práticas sociais e ao
conhecimento empírico para reorganizar a prática docente de forma alternativa,
visando à inclusão. Os participantes evocaram o discurso tradicional de gênero,
proveniente da experiência familiar, maternal ou feminina, e o discurso humanitário
da aceitação e da promoção da aprendizagem pela diversidade em sala de aula
(JUNIOR; SATO, 2015). O discurso humanitário foi verificado na representação da
Professora da escola regular e da Professora do AEE por Feliz que ressaltou a
relação de carinho e respeito com Campeão.
Devido ao desconhecimento em relação à educação especial, na maioria
das escolas pesquisadas, a atuação do AEE tendia para práticas pedagógicas
tradicionais, orientadas para a alfabetização ou utilização do lúdico como estratégia
para o desenvolvimento dos alunos. Em uma escola na qual a prática do AEE era
consolidada, eram desenvolvidas práticas com os alunos para habilidades de leitura,
compreensão e operações fundamentais; apoio pedagógico aos professores; e
acompanhamento do aluno nas atividades de rotina da escola, introduzindo a
criança na dinâmica escolar e dando-lhe a dimensão do seu papel de estudante.
Porém, mesmo nessa escola as professoras apresentavam práticas tradicionais
juntos às práticas de letramento inclusivo com técnicas e metodologias diferenciadas
(JUNIOR; SATO, 2015). As práticas educativas verificadas nessa escola para
escolarização da criança iam ao encontro das práticas descritas pela professora do
AEE deste estudo.
Além da inclusão escolar de Campeão, Feliz buscou a inclusão do filho na
sociedade. A modalidade deôntica utilizada no enunciado evidenciou o
comprometimento de Feliz em incluir Campeão e também com a necessidade da
sociedade reconhecer o filho.
[...] eu gosto de incluir ele mesmo, eu, eu, falo com todo mundo. Eu tenho que mostrar o Campeão, eu tenho que fazer ele ser visto pelas pessoas, eu não posso pegar meu filho e ser mais um enfiada dentro de casa, não vou enclausurar meu filho. As pessoas, as pessoas precisam saber que Campeão existe e vai saber através de ver ele na rua passeando. Então ele é uma criança NORMAL, ele frequenta parque, ele frequenta shopping, vai em todos os aniversários que é convidado, né (Feliz).
122
De acordo com a teoria de Honneth (2013), o reconhecimento social da
criança se realiza por meio de estágios no processo de socialização. A formação da
autoconfiança ocorre por meio da internalização do comportamento cuidadoso da
pessoa de referência primária, em geral a mãe ou o pai, no qual se aprende sobre o
valor das próprias necessidades e desejos. Já os estágios de autorespeito e
autoestima requerem a expansão da rede de interação. A criança inicia o
desenvolvimento da dignidade e do autorrespeito a partir da internalização do
comportamento lúdico na interação com outras crianças, sendo posteriormente
ampliado pela experiência de ser respeitado pelos outros membros da família como
um sujeito na tomada de decisões e pela gradativa experiência dos direitos e
deveres de cidadania. Concomitantemente, a autoestima é adquirida com a
consciência de suas habilidades físicas e intelectuais próprias por meio das
experiências intersubjetivas com outros parceiros de interação.
Considerando a importância dos grupos sociais para o amadurecimento
individual e o reconhecimento social (HONNETH, 2013), o uso recorrente do adjetivo
normal para representar Campeão e a busca de referências de “normalidade” no
discurso de Feliz quando aborda sua inserção na sociedade, geram
questionamentos sobre as interações que são propiciadas para as crianças fora da
“norma”. Evidencia-se um conflito entre o discurso de inclusão e os critérios de
normalidade do discurso biomédico, já que este fundamentou práticas de exclusão e
segregação e pressupõe (FAIRCLOUGH, 2003) a inferiorização dos que estão fora
da “norma”. Feliz desloca a fronteira normal-anormal, em geral restrita aos critérios
biológicos ou aos testes estatísticos (CANGUILHEM, 1995; SOUZA; LIMA, 2007), ao
buscar outros significados para o adjetivo normal. Ela mencionou como parâmetros
a participação social do filho, de acordo com suas capacidades, nas atividades de
lazer e socialização que crianças desenvolvem, ao invés de estruturas e funções do
corpo.
A inclusão de Campeão na Igreja revelou a possibilidade de reconhecimento
em uma experiência emancipatória na rede de apoio. Feliz narrou que é evangélica
e aos domingos, pela manhã, frequentava a Igreja Batista. À medida que Campeão
cresceu e ela não conseguia mais mantê-lo quieto, passou a ter dificuldade em
participar do culto, “para alimentar o espírito”. Na Igreja tinha uma sala onde as
crianças poderiam ficar durante o culto, ela deixava Jade lá, mas tinha receio em
deixar Campeão, pois não tinha alguém para ficar só com ele e eram crianças
123
diferentes todo domingo. Ela tentou deixá-lo duas vezes, mas ele não permaneceu
dentro da sala. Então, Feliz tentou participar do culto com Campeão, mesmo com a
estereotipia de bater palmas:
[...] a concentração de todo mundo se perde, você pensa na igreja batendo palma, tadinho do pastor né? Mas eu não deixava de ir pra igreja, a igreja se vira. Problema é deles a igreja tá pra todos e eu vou pra lá/ sentava na igreja, como todo mundo, só que eu arrumei uma estratégia, eu pegava o banco do canto da parede porque ai eu chegava, então eu punha ele no banco do canto da parede, então pra lá ele não ia incomodar ninguém, pra cá era só eu, entendeu. Então pra não ficar no meio de outras pessoas. Porque realmente ele começava a incomodar né (Feliz).
Os trechos do discurso de Feliz revelam sua avaliação que os espaços
sociais são para todos e a persistência em participar com Campeão, desenvolvendo
estratégias para viabilizar sua integração e minimizar o incomodo que poderia
ocasionar por seu comportamento diferente do esperado. Campeão permanecia na
Igreja durante o louvor, pois gostava da música, mas quando esta acabava ele
queria sair do ambiente fechado e Feliz precisava ir com ele: “ai eu ficava meu Deus,
mas eu preciso assistir o culto, eu quero assistir, eu tinha aquela vontade, aquele
desejo, às vezes, eu vinha embora, assistia da televisão, aqui em casa, era mais
fácil do que lá”. Assim, Feliz continuava insistindo nas tentativas.
Até que após algum tempo, uma pastora a procurou e perguntou o que era
preciso para que Campeão ficasse na sala com as crianças, pois seria
providenciado para inclui-lo. Feliz explicou que precisaria de televisão, DVD e
colchão, e de alguém que pudesse cuidar dele, oferecer água, trocar a fralda se
fosse necessário... No próximo domingo que foram à Igreja, Campeão foi recebido
na sala com respeito e “amor”, sendo providenciado o que Feliz pediu. Ela contou
que ainda teve “uma barreira”: a resistência de uma voluntária que acompanhava as
crianças nas salas a atender as especificidades das necessidades de Campeão.
Porém, de acordo com Feliz, a responsável enfatizou que ele ficaria, deveria ser
recebido com carinho e não faltaria nada pra ele, se ela não concordasse, ela que
não continuaria atuando lá. Campeão foi a primeira criança com deficiência a ser
incluída na Igreja e a responsável expressou que pretendiam incluir outras crianças.
Feliz demonstrou sua satisfação diante do acontecido: “eu fiquei muito feliz”, “eu falei
‘Gente o meu filho tá no lugar certo’, ali tinha alguém brigando por ele, tinha alguém
que não queria, mas tinha alguém também brigando por ele.”. Ela avaliou como
desejável a postura da pastora de defesa da inclusão de Campeão, porém por meio
da metáfora “isso é um milagre” evidenciou que é um acontecimento fora do comum
124
e que ainda predominam atitudes de descriminação nos eventos sociais. No fim de
2016, Campeão e Jade foram batizados na Igreja.
Essa experiência revelou o potencial emancipatório das redes sociais
(SANTOS, 2001) de apoio da família da criança com condição crônica. No relato de
Feliz, evidenciou-se a solidariedade, decorrente da obrigação política horizontal
entre indivíduos ou grupos sociais na comunidade, e a possibilidade de
reconhecimento social de Campeão com respeito às diferenças (SAAVEDRA;
SABOTTKA, 2008; SANTOS, 2001), sendo providenciadas adequações dos
espaços e atividades. Evidenciou-se no discurso de Feliz a representação daqueles
que buscam garantir a inclusão de Campeão, criando alternativas para ele participar
das atividades, como pessoas que “tem coração” e o tratam com “amor”, retomando
o discurso humanitarista, mas também como pessoas que brigam por ele,
remetendo a prática em defesa da inclusão.
Ao narrar sua história e de Campeão, Feliz expressou críticas, sobretudo, a
relação preconceituosa e discriminatória da sociedade com as pessoas com
deficiência, que configuraram barreiras para o cuidado do filho, principalmente logo
após o diagnóstico, quando não teve aceitação família.
É tanta coisa que a gente passa, que falar com cê é (.), a dificuldade, eu acho que a maior dificuldade é o maior, é um dos maiores empecilhos, que se você for fraca, cê não vai adiante, que é o preconceito, né, esse é, é, é o maior de todos, é o pior de todos e é o maior de todos, é o preconceito é a não aceitação, é a não aceitação da sociedade, né, é:: (.) assim o que marcou na minha vida mesmo assim que eu falo (.) (Feliz).
Depois do nascimento de Campeão, devido à demanda de cuidado dele, ela
estava disposta a não ter outros filhos. Porém, ao constatar que o filho não convivia
com familiares e amigos devido ao preconceito, ela se comprometeu a ter outro filho
pela necessidade de interação social de Campeão, para ele “não ser sozinho no
mundo”. Quando Campeão tinha 5 anos, ela teve outro relacionamento e engravidou
de Jade.
[...] o que mais me marcava é o preconceito, meu filho não tinha amigo pra brincar, meu filho não tem um primo pra vir na casa brincar, meu filho não tem ninguém que fala hoje eu vou ver o Campeão, meu filho não tem ninguém que fale isso, não tem ninguém que fale deixa eu levar o Campeão pra brincar com o meu filho? NUNCA! O Campeão tem nove anos, isso nunca aconteceu na nossa vida. ((tom de voz alterado, emocionada)) Ai eu falo com você, realmente é olhar pra ele e realmente ver que ele não é normal pra ninguém, é só pra mim entendeu? Então pra eu conseguir ver meu filho brincar com alguém eu tenho que ir buscar filho dos outros, deixa seu filho ir lá pra casa [...] e assim eu me vi OBRIGADA, obrigada se eu quisesse ver o meu filho feliz na vida e se eu quisesse ver meu filho ter
125
alguém do lado dele, eu me vi obrigada a ter outro filho, eu me vi obrigada (Feliz).
[...] ele passou a desenvolver por causa dela [Jade], hoje ele aprende muita coisa, porque o autista aprende por repetição né, e hoje a minha alegria é ver eles brincar, hoje ele tem companhia pra brincar, hoje ele tem companhia pra dormir, hoje ele tem companhia pra acordar, hoje ele tem companhia pra tudo (Feliz).
O preconceito produz experiências de desrespeito por degradação moral ou
injúria e impede o desenvolvimento da autoestima, sendo base motivacional para
desencadear a luta por reconhecimento (SAAVEDRA; SOBOTTKA, 2008). Os
trechos do discurso de Feliz evidenciam o enfrentamento do preconceito por meio da
busca por informações. Além disso, Feliz expressou sobre a importância de ter
informação para cuidar de Campeão no domicílio e procurar os
profissionais/serviços que poderiam auxiliar a atender suas necessidades. Ela
assume a postura de cuidado e luta pelo filho.
[...] ele precisa de tratamento, eu preciso saber o que ele tem pra eu tratar ele da forma correta, onde é que eu tenho que ir, em quem que eu tenho que ir, que que eu tenho que fazer, que remédio eu tenho que dar [...] (Feliz).
Santos (2007a) aborda o acesso à informação como uma das três condições
fundamentais para poder participar, juntamente com ter a sobrevivência garantida e
ter um mínimo de liberdade. Na atualidade, vivencia-se uma situação de cidadania
bloqueada, pois muitas pessoas não têm condições materiais de participação, sendo
que esta é a base do sistema democrático participativo.
Na narrativa de Feliz evidenciou-se o discurso de direitos. Seu relato
demonstrou a reivindicação para efetivação dos direitos do filho e de outras crianças
com deficiência nas instituições e nos espaços sociais que convivem, inclusive
informando outras mães sobre direitos e tentando mobilizá-las.
‘[...] cê sabe direito adquirido é direito seu, corre atrás, é a mesma coisa de cê tá gritando Meu filho existe, viu, ele existe, é direito dele ele conseguiu, corre atrás’, então eu levanto muito essa bandeira sabe? Quando eu tenho alguma informação eu passo adiante porque o que eu quero de bom pro meu filho eu quero de bom pro filho de todo mundo sabe? Eu vejo algumas mães mais pacatas assim tal e tal, então a gente, né, tenta ajudar, mas a força mesmo, essa união, essa corrente é das próprias mães que vivem no dia a dia, é uma falando com a outra mesmo e ai né ‘Ah corre atrás do beneficio corre atrás disso, corre atrás de não sei o que...’ (Feliz).
No momento que teve dificuldade em relação a inclusão escolar devido a
indisponibilidade de profissional de apoio, Feliz recorreu à gerência de educação da
126
regional para lutar pelos direitos do filho. Atualmente ela não tem dificuldades em
relação a escola, procura a diretora da escola e os profissionais da equipe de apoio
à inclusão para conversar, expressar os eventuais problemas e para buscar resolvê-
los. A diretora da escola, após várias conversas, a convidou para participar do
conselho, Feliz recusou a oferta: “Vou não porque eu não tenho tempo pra isso não,
mas eu quero participar da vida do meu filho, dessa ai eu vou participar.”.
Ela expressou que seu comprometimento com a garantia dos direitos de
outras crianças além de Campeão. Porém, Honneth defende que para que o
sentimento de injustiça do indivíduo passe a ter relevância política é preciso a
articulação política de um movimento social (SAAVEDRA; SOBOTTKA, 2008)
Eu não quero benefícios pro Campeão, eu quero pra todos’ porque eu sei o que eu fizer, eu não tô fazendo pro meu filho, quando ele sair vai vir outros, e ele não tá lá na escola sozinho tem outros, então o que eu quero de benefícios, eu não quero só pra ele, eu quero que atinja todos. Então quando eu brigo quando na escola que eu chego, que eu vou falar, vou comentar alguma coisa, é pra todos (Feliz).
A análise do discurso de Feliz possibilitou compreender sua identidade como
mulher, mãe, cuidadora e cidadã e sua representação dos profissionais dos serviços
que atendem ao filho, assim como das pessoas que interagem na sociedade. Desde
o nascimento de Campeão, Feliz dedicou sua vida ao seu cuidado. Ela renunciou a
trabalhar fora e organizou sua rotina para o cuidado de Campeão e de Jade. Feliz
demonstrou uma postura de busca de informações, dedicação a atender as
necessidades do filho e reivindicação por seus direitos. Os relatos evidenciaram seu
comprometimento com a luta pelo reconhecimento social de Campeão e pela
efetivação dos seus direitos de cidadania junto aos profissionais nas instituições.
Contudo, essa luta era feita de forma individual, ela não participava de movimentos
sociais.
6.3 Caso do Pequeno Príncipe e de seus pais Miguel e Esther: “eles tinha que
dar prioridade pros menino especial”
6.3.1 Descrição do caso
Pequeno Príncipe tinha 14 anos, era alto, emagrecido, apresentava
alterações na postura e limitações da movimentação dos membros superiores e
127
inferiores, com aumento do tônus muscular. Por vezes sorria, reagindo a estímulos
sonoros e físicos, e emitia grunhidos. Ele dependia de apoio para as atividades
diárias e utilizava cadeira de rodas para se locomover.
Pequeno Príncipe vivia com os pais, a mãe, Esther, 31 anos, o pai, Miguel,
35 anos, e as três irmãs. No início de 2016, nasceu mais um irmãozinho. Os pais
têm ensino fundamental incompleto, Miguel atuava como vendedor autônomo e
Esther não exercia atividade remunerada. A família residia em uma casa construída
no lote cedido pela mãe de Miguel, onde ela também tem sua casa, no bairro Novo
Aarão Reis. A residência era construída rente ao passeio da rua, composta por uma
sala, que além de sofá e armário, tinha também um beliche, um banheiro e dois
pequenos quartos. A cozinha ficava no andar de cima, o qual era acessado por uma
escada logo na entrada da casa em cimento. As portas e o espaço de circulação
dentro dos cômodos eram estreitos, dificultando o deslocamento com cadeira de
rodas no primeiro andar. Não havia rampa para o segundo andar, apenas escada.
Miguel carregava Pequeno Príncipe entre os cômodos. Não foram verificadas
adaptações nos cômodos. A residência tinha água encanada, rede de esgoto, coleta
de lixo e energia elétrica.
A renda familiar era composta pelo Benefício de Prestação Continuada do
governo federal, no valor de um salário mínimo (R$ 788,00 em 2015), pelo Bolsa
Família, e era complementada pelo valor de aproximadamente 500 reais obtido por
Miguel com a venda de CD / DVD. Miguel já trabalhou no supermercado próximo a
onde moravam, mas se assinassem sua carteira, perderiam o direito ao BPC de
Pequeno Príncipe, então preferiu não continuar lá.
Esther e Miguel compartilhavam o cuidado de Pequeno Príncipe. A mãe de
Miguel auxiliava olhando as crianças quando eles precisavam sair. Miguel conduziu
a narrativa sobre a história deles. Inicialmente, Esther parecia um pouco mais
retraída, aos poucos, foi se expressando mais. Ambos manifestaram a alegria por o
filho estar vivo e ressaltaram diversas dificuldades que vivenciaram, demonstrando
indignação em determinados momentos da narrativa.
Pequeno Príncipe nasceu com a pele “mais amarelada”. Ele teve alta do
hospital logo após o nascimento, porém, nos primeiros dias em casa os pais
perceberam que ele não estava mamando e “tava muito ruim”. Eles procuraram a
Unidade de Pronto Atendimento da regional e de lá foram encaminhados para o
hospital onde Pequeno Príncipe nasceu. Ele precisou ser internado na unidade de
128
terapia intensiva, a médica avisou que estava grave e podia não sobreviver. Existia a
possibilidade de ele precisar de uma transfusão de sangue, mas ele apresentou uma
melhora, “com certeza foi Deus que interviu, e não precisou não” (Miguel). Ele
permaneceu doze dias no hospital, dos quais 6 foram na UTI, depois teve alta para
casa. Até então, os pais não compreendiam que Pequeno Príncipe poderia ter um
problema de saúde de longa duração.
Quando Pequeno Príncipe fez três meses, Esther ficou desconfiada de que
estava com algum problema e o levou no centro de saúde do bairro. O médico
explicou que Pequeno Príncipe não estava desenvolvendo conforme o esperado
para a idade e que ele provavelmente tinha paralisia cerebral devido a uma lesão
relacionada à icterícia. Segundo Miguel: “a icterícia foi o que aconteceu com ele, ele
saiu do hospital já com a icterícia e veio pra casa, a gente não sabia de nada, era o
primeiro filho. Eles falou que era a cor dele normal mesmo e deu no que deu.”, “[...]
ele já saiu de lá amarelo.”. Os pais entenderam que houve erro na conduta médica.
O médico que atendeu Pequeno Príncipe no centro de saúde indicou
acompanhamento com a pediatra do serviço, que o encaminhou para neurologista
na URS da regional. A pediatra orientou sobre os cuidados que ele precisaria e
esclareceu quanto as possíveis limitações em seu desenvolvimento. Ela encaminhou
Pequeno Príncipe pra fisioterapia. A partir de então, Miguel já começou a correr
atrás do que era preciso para o cuidado do filho. Ele fez fisioterapia no ambulatório
de uma faculdade particular até aproximadamente dez anos. Quando Pequeno
Príncipe teve alta da fisioterapia, o pai passou a realizar os exercícios com ele em
casa, a partir do que aprendeu acompanhando os atendimentos no serviço.
Ele fez acompanhamento também com ortopedista, em um hospital geral
filantrópico que atende pelo SUS, “desde quando ele era pequenininho” até
aproximadamente três anos atrás. Segundo o pai a luxação do quadril à direita
começou a partir de 10 anos. Esse ortopedista não indicou a correção cirúrgica da
luxação do quadril. Em relação a interrupção do acompanhamento, Miguel
mencionou que “[o ortopedista] suspendeu e falou que ele não precisava, inclusive
ele tava luxando, começando a luxar o quadril, ele suspendeu assim mesmo”. Os
pais administravam analgésico, quando Pequeno Príncipe demonstrava sentir dor,
ele também fazia uso contínuo de ansiolítico e antiespástico. Eles não estavam
conseguindo os remédios pelo SUS, precisavam comprar.
129
Pequeno Príncipe tem asma, quando ele apresentava “muita dificuldade de
respirar”, devido à agudização do problema respiratório, os pais procuravam a
pediatra na UPA, que atendia também no centro de saúde. Ela os orientava sobre o
tratamento e os cuidados necessário em casa para evitar internação, pois a
imunidade do Pequeno Príncipe era baixa e ele teria maior risco de adquirir uma
infecção no ambiente hospitalar. Após alguns dias, eles retornavam com o filho no
centro de saúde para ela avaliar. Os pais compraram um equipamento para realizar
micronebulização com broncodilatador em casa e utilizavam quando o “tempo
fecha”.
Pequeno Príncipe fez cirurgia devido à hipertrofia de adenoide aos três
anos. Ele precisou ser internado duas vezes devido à pneumonia quando era mais
novo, na última vez ele estava com quatro anos. Os pais narraram 3 episódios nos
quais Pequeno Príncipe apresentou sinais de insuficiência respiratória, com
dificuldade de respirar e cianose, em geral, relacionada à obstrução das vias aéreas.
Foi preciso adotar medidas em casa para tentar reverter o quadro e levar ele para a
UPA ou acionar o SAMU. Esses foram momentos de apreensão para os pais, como
narrado por Miguel:
[...] Não tava passando o ar. Ai nisso ai, que que acontece, eu fui pegando ele, eu fui batendo nas costinhas, mas não adiantava, eu fui pressionando a barriguinha dele [...] ai tipo assim na hora que eu apertei a barriguinha dele saiu aquele negocio pelo nariz, eu forcei mesmo que saiu, ai parece que deu uma aliviada, tipo assim. Ele já puxou um pouco de ar com mingau pra dentro de novo, mas ai tipo assim, ele começou a negoçar, eu olhei pra ela e peguei o telefone e liguei pro SAMU, ai ele pega e para de respirar. Ai eu pego e largo telefone, e pego ele de volta, ai eu vi que ele tava todo negoçado, inclusive na hora que o médico do SAMU chegou ai, é: ainda bem que eles tava aqui perto, porque eles demorou o que, nem oito minutos, chegaram aqui ai ele já tava declinando já no meu colo. Ai falou assim ‘Eu vou levar ele’, ai colocou ele dentro do SAMU e ele teve outra parada respiratória. Ficou todo roxo, lábios roxo (Miguel).
Em 2011, Pequeno Príncipe foi encaminhado pela equipe de saúde da
família para o NASF para avaliação da deglutição e risco de aspiração pela
fonoaudióloga e pela demanda de uma cadeira de banho. A terapeuta ocupacional
fez o encaminhamento para o Centro Geral de Reabilitação, onde eram produzidas
cadeiras de rodas e de banho. Em 2013, foi feito encaminhamento para a
fisioterapeuta para avaliar a função respiratória. A fisioterapeuta não identificou
problemas respiratórios. Devido a luxação do quadril, ela realizou acompanhamento
de Pequeno Príncipe no domicílio, visando orientar e monitorar os pais em relação a
posicionamento, execução de transferências e realização de exercícios. Ela também
130
fez outro encaminhamento para o CGR, para confecção de uma nova cadeira de
rodas adequada ao tamanho de Pequeno Príncipe e de tutores. Devido a distância
do CGR, os pais tinham dificuldade em deslocar até o serviço o que prejudicava
comparecer aos atendimentos. As visitas domiciliares da fisioterapeuta inicialmente
foram mensais, sendo progressivamente aumentado o tempo entre os atendimentos,
até que foram interrompidos aguardando nova demanda. No centro de saúde, ele
também era atendido pelo dentista, mas de acordo com o tratamento que seria
necessário era encaminhado para serviço de odontologia especializado ou para o
hospital municipal.
Na última consulta com a neurologista pediátrica em 2014, Miguel falou com
a médica que o filho estava agitado e pediu que ela reavaliasse a dose do
medicamento, pois ele não dormia, chorava e gritava a noite toda. Ela optou por
manter a dose. Depois dessa consulta, a neurologista aposentou e, como tinham
poucos neurologistas pediatras atendendo no município, Pequeno Príncipe ficou
sem acompanhamento. Após algum tempo, o pai dobrou a dosagem do ansiolítico
por conta própria, pois o filho estava ficando muito agitado, sem dormir e não
estavam conseguindo consulta com neurologista. Com o aumento, Miguel avaliou
que ele ficou mais sossegado, então manteve a dose maior.
O médico da ESF passou a fazer acompanhamento mensal de Pequeno
Príncipe após ele completar 12 anos. Os pais explicaram ao médico que o filho
estava sentindo muita dor devido à luxação do quadril. Miguel contou sobre a
mudança na dosagem do ansiolítico. O médico passou a ajustar a dose dos
medicamentos e renovar as receitas de Pequeno Príncipe, inclusive a receita dos
remédios controlados que eram renovadas a cada 2 meses de acordo com o peso.
Em novembro de 2015, o médico da ESF fez encaminhamento para ortopedista e
neurologista. Pequeno Príncipe foi direcionado para o atendimento com médicos
sem especialidade pediátrica, devido à mudança de fluxo no município pelo reduzido
número desses especialistas na rede. Apesar disso, após 6 meses as consultas
ainda não tinham sido marcadas.
No início de 2016, Pequeno Príncipe teve outro episódio de aspiração que
culminou em parada cardíaca. Os pais acionaram o SAMU. Ele foi encaminhado
para o hospital municipal e permaneceu internado por algumas semanas. Durante
internação, Pequeno Príncipe foi avaliado por diversos especialista e os
medicamentos em uso foram reavaliados. Ele teve alta para casa em uso de
131
oxigênio e foi acompanhado pela Equipe Multiprofissional de Apoio (EMAD) do
Programa de Atenção Domiciliar do município17. A equipe realizava atendimento
semanal e contava com fisioterapeuta para atendimento respiratório relacionado à
oxigenoterapia.
A família foi atendida pelo extinto programa Muriqui18 da prefeitura do
município, logo depois que tiveram a notícia que Pequeno Príncipe tinha paralisia
cerebral. A equipe do programa foi informada pelos profissionais do centro de saúde
sobre a condição de Pequeno Príncipe. Durante alguns anos, os profissionais iam
até a casa da família para realizar orientações quanto aos direitos de Pequeno
Príncipe, como o acesso aos benefícios, e desenvolver atividades lúdicas. Os pais
avaliaram que “ajudou muito”, Miguel considerava o programa “bom demais” e
lamentou a interrupção do atendimento.
A família foi cadastrada no CRAS em 2010. Esther participou da reunião
“Cuidando de quem cuida” realizada no serviço em 2013, sendo convidada por ser
cuidadora de Pequeno Príncipe. Nessa reunião foram compartilhadas as
experiências e dificuldades das famílias enquanto faziam trabalhos manuais, Esther
considerou que foi “muito bom”. Porém, ela não pôde participar da reunião feita em
2014 e em 2015 não foi ofertada. A família não estava tendo um acompanhamento
regular pela assistência social. O último atendimento foi em julho de 2014 devido à
demanda dos pais em relação ao Bolsa Família, pois era preciso justificar que
Pequeno Príncipe não estava frequentando a escola devido à sua condição de
saúde.
Pequeno Príncipe frequentou a UMEI, desde três anos, e depois a escola
regular municipal do bairro Novo Aarão Reis. A inclusão dele na UMEI foi por
indicação dos profissionais da gerência de educação da regional, de acordo com
17 O Programa de Atenção Domiciliar (PAD) atende pessoas que necessitam de assistência, mas que não precisam necessariamente ficar internadas em hospitais. O atendimento é feito na própria residência do paciente. As equipes do programa executam ações de cuidado no domicílio e facilitam o acesso aos insumos e medicamentos, evitando a descontinuidade na assistência. Para ser atendido pelo PAD, as pessoas devem morar no município de Belo Horizonte e apresentar um quadro clínico simples que não recomende internação hospitalar e, ao mesmo tempo, difícil de ser tratado pelas equipes do Programa de Saúde da Família. O encaminhamento dos pacientes é sempre feito pelos profissionais dos centros de saúde, hospitais e UPAs, de acordo com sua necessidade clínica. Informações disponibilizadas no site da Prefeitura de Belo Horizonte. Disponível em: <http://portalpbh.pbh.gov.br>. Acesso em: Abr. 2017 18 De acordo com as profissionais responsáveis pelo Acompanhamento Técnico Metodológico do SPSPD, o programa Muriqui foi desenvolvido desde 1999 em 6 regionais do município. Em 2007, o programa foi reestruturado e ampliado para todas as regionais como o SPSPD. Fonte responsáveis pelo Acompanhamento Técnico Metodológico do SPSPD.
132
Esther: “[...] de lá, falaram que era obrigatório vim pra essa escola aqui, ai ele ficou
lá”. Como a dor piorava quando ele estava assentado na cadeira de rodas, os pais
conversaram com o médico do Centro de Saúde para fornecer um laudo que
justificasse a retirada dele da escola, enquanto não fosse resolvido o problema do
quadril:
[...] ai nem na escola ele tá indo. Como é que esse menino, ele ia na escola aqui, na escola normal, o menino ficava só chorando, chorando, chorando, chorando, chorando. Além de não deixar os outros meninos estudar, que que o menino ia ficar fazendo lá, se o menino, o menino precisa de tratamento, ele não precisa de ir pra escola, no caso ali. Ele ficava só chorando, ele ficava lá, e eles passando perto do menino, o menino sentindo dor e nem ai pro menino (Miguel).
Durante o período na escola, Pequeno Príncipe contava com um auxiliar de
apoio à inclusão. Quando ele chorava, ela saía com ele da sala de aula e não
desenvolvia outras atividades fora de sala. Segundo Esther, a auxiliar não conseguia
alimentá-lo, então ela precisava ir à escola para ofertar a comida: “eu mandava ele
uma hora, duas e meia eu tava lá, ai quando era mais ou menos, dez pras cinco eu
buscava ele de novo”.
No dia a dia, as meninas demandavam menos cuidados dos pais, a maior
cuidava das menores. Os pais dedicavam mais tempo ao cuidado de Pequeno
Príncipe, que ficava no colo ou na cama do quarto dele para assistir televisão. Ele
não gostava de ficar de roupa, em geral, ficava só de fralda, quando colocavam
roupa nele ele chorava até que tirassem. O pai fazia diariamente com ele os
exercícios que aprendeu na reabilitação, aproveitava, por exemplo, quando ia trocá-
lo, e de tempos em tempos alongava e mudava de posição. Ele que carregava
Pequeno Príncipe e dava banho, utilizando uma bacia. Eles tinham uma cadeira de
banho, mas o modelo não se adequava mais, então estavam tentando conseguir
outra. Quando Miguel estava em casa, ficava sempre com o filho, que era seu
“xodó”. No tempo que o pai saía para trabalhar, Esther cuidava das crianças, e a
mãe de Miguel às vezes auxiliava. Esther ofertava os alimentos para Pequeno
Príncipe, amassados ou picados, ele ingeria a comida via oral, mas de acordo com
os pais, não conseguia comer na cadeira de rodas devido a dor e aos espasmos,
sendo preciso retirá-lo da cadeira e colocá-lo no colo.
Os pais evitavam posicioná-lo na cadeira de rodas, pois ele sentia muita dor,
gritava e ficava sem dormir a noite. Então, estava difícil sair e Pequeno Príncipe
permanecia a maior parte do tempo em casa. Os pais também expressaram
133
dificuldades para o deslocamento de transporte coletivo, o filho gritava dentro do
ônibus e mesmo após voltar para casa continuava agitado. Esther expressou: “difícil
é a gente pegar ele e sair com ele e depois voltar e a gente não dormir, porque se a
gente não tiver bem, como é que a gente vai cuidar dele, não tem como.”. Ela contou
que desenvolveu gastrite nervosa com os estresses que passaram, durante um
período teve também depressão e fez acompanhamento com psicólogo.
Ao falar sobre os outros filhos, Miguel manifestou que sempre quis ter cinco
filhos e ficou satisfeito por ter vindo outro menino. Esther relatou que a filha do meio
tinha muito amor por Pequeno Príncipe, ela conversava, brincava e fazia carinho
nele. Eles demonstraram preocupação em passar para a filha os cuidados de
Pequeno Príncipe, pois caso se ausentem não podem contar com mais nenhum
parente. Eles eram evangélicos e frequentavam a igreja, Miguel e Esther se
revezavam, Esther ia aos domingos com as meninas e Miguel ia as quintas. Eles
expressavam fé em Deus: “Esther: Deus conhece todas as coisas, Deus sabe
[Miguel: Deus é bom demais, nosso Deus [Esther: só desse menino tá ai com a
gente”.
6.3.2 Análise crítica das experiências sociais
Para a análise das experiências de acesso aos serviços prestados pelas
instituições educacionais, de saúde e de assistência social no caso de Pequeno
Príncipe e de seus pais Miguel e Esther foram utilizados as transcrições das
entrevistas com os pais, com o médico e a enfermeira do Centro de Saúde e com a
fisioterapeuta do NASF; os registros da observação da rotina da família em casa e o
ecomapa elaborado a partir do relato de Miguel e Esther sobre os contatos da
família, apresentado na Figura 5:
134
Figura 5 – Ecomapa de Pequeno Príncipe e sua família
Fonte: Elaboração da própria autora a partir dos dados da pesquisa, Belo Horizonte (MG), 2016.
O ecomapa de Pequeno Príncipe e sua família evidenciou menor suporte
nas redes institucionais e comunitárias e vínculos mais fracos. No setor da saúde, foi
verificado na atenção primária vínculo forte com a Equipe de Saúde da Família e
vínculo fraco o NASF. A atenção primária desenvolvia as ações de
acompanhamento e cuidado à saúde, no Centro de Saúde ou no domicílio, além de
apoio e orientação à família. Contudo, verificaram-se limites na realização de ações
de promoção a inclusão e a qualidade de vida e de coordenação do cuidado,
conforme definido nas legislações da Rede de Atenção à Saúde das Pessoas com
Doenças Crônicas e da Rede de Cuidados à Pessoa com Deficiência (BRASIL,
2012; 2014). Os pais precisavam comprar medicamentos para Pequeno Príncipe.
Apesar da Atenção Primária encaminhar Pequeno Príncipe para a Atenção
Especializada (BRASIL, 2014), foi verificado dificuldade de acesso ao atendimento
com médico especialistas, havendo prolongado tempo de espera para consulta com
neurologista e ortopedista. O atendimento de reabilitação de Pequeno Príncipe, para
135
melhorar a funcionalidade e promover a inclusão social (BRASIL, 2012), foi
interrompido aproximadamente aos dez anos. O acesso aos atendimentos de
urgência e emergência na UPA e pelo SAMU, assim como a internação hospitalar
foram realizados quando necessário (BRASIL, 2012; 2014).
No setor da assistência social, a oferta de ações pelo CRAS para estimular e
potencializar os recursos para famílias de crianças com deficiência era irregular. As
ações para a defesa de direitos e para inclusão das crianças com deficiência e seus
familiares no sistema de proteção social e serviços públicos eram desenvolvidas de
acordo com a demanda das famílias. Em relação aos benefícios e programas de
transferência de renda, Pequeno Príncipe teve acesso ao BPC e ao bolsa família
(BRASIL, 2009).
No setor da educação, existiam dificuldades para o atendimento às
necessidades de Pequeno Príncipe durante o período na escola regular e para a
adequação das atividades de forma a incluí-lo na sala de aula, em desacordo com o
previsto na legislação sobre o Atendimento Educacional Especializado no ensino
regular (BRASIL, 2011). Como a dor da luxação piorava quando ele estava
assentado na cadeira de rodas, os pais optaram por retirá-lo da escola.
Os pais relataram dificuldades para o deslocamento com Pequeno Príncipe
no transporte público, por ser cadeirante e devido à dor e agitação que gerava.
Essas dificuldades restringiam sair de casa com o filho para atendimento em
serviços e também para participação em atividades de lazer. Dessa forma, não era
assegurado seu direito à acessibilidade, ao transporte e à mobilidade como previsto
na Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência (BRASIL, 2015).
Na análise do caso sobressaíram as dificuldades para o acesso e a
utilização dos serviços de saúde, assistência social e educação por Pequeno
Príncipe, Miguel e Esther. Na busca para atender às necessidades do filho os pais
contaram com o apoio dos profissionais da atenção primária. Quando questionados
sobre as principais dificuldades os pais mencionaram os momentos que o filho
precisou ser internado por insuficiência respiratória, devido à preocupação e ao
sofrimento que sentiam. Em relação à garantia dos direitos sociais de Pequeno
Príncipe, o relato dos pais evidenciaram diversas barreiras, sobretudo, para o
acesso aos serviços especializados da saúde.
Dentre as barreiras, destacaram-se do relato dos pais e dos profissionais da
atenção primária: a integração ineficiente entre as equipes dos serviços com fluxo
136
limitado de informações; equipe do NASF responsável pelo atendimento de um
número excessivo de famílias e incompleta, estavam sem fonoaudiólogo; a oferta
insuficiente de atendimentos nos serviços especializados para a demanda de
atendimento, principalmente de profissionais com especialidade pediátrica; escassa
contrarreferência para a atenção primária que compromete a continuidade do
cuidado; a distância dos serviços associada à dificuldade de deslocamento com a
criança cadeirante no transporte coletivo; indisponibilidade de transporte vinculado
ao setor da saúde para o deslocamento das crianças com deficiência aos serviços
de reabilitação ou de especialidades.
Igual, teve essa mudança do fluxo né. Então agora está ficando mais difícil né, principalmente na questão, quando ele é atendido pelos é: profissionais da pediatria né, que tem menor número na rede. Agora ele vai começa a ser atendido pelos profissionais, que atende adulto né, com neurologista ortopedista não mais da pediatria. Então o acesso vai ser mais facilitado porque os profissionais né, mas tem algumas especialidades uma dificuldade maior […] Pois é, quando chega o fluxo normal, geralmente esse paciente a cada seis meses eles eram atendidos né, ai no ultimo ano que parece foi o ultimo profissional que tinha foi desligado ai ficou essa questão né, teve que fazer uma revisão de todos os casos que já haviam sido encaminhados pra ver a real necessidade, mais e ai tão alguns pacientes ficaram até um ano sem ser atendido (Médico do centro de saúde). Porque assim, a gente precisa dessa equipe [equipe de saúde da família] monitorando porque não tem como a gente manter o acompanhamento com três centros de saúde com 20h. Com todos os pacientes que não estão fazendo nenhuma diferença, assim, então... [...] a equipe sempre vai conversando, a gente não da alta de abandono, é:, alta sem a equipe monitorar, mas as vezes essa comunicação falha... (Fisioterapeuta do NASF). O problema é que a prefeitura nem para reabilitação consegue transporte pra esses meninos. E é um dos motivos que eles largam a reabilitação MESMO, secundária. Porque a prefeitura não dá transporte. Não aparece uma ambulância, nada. Então assim, quem não tem carro, ainda complica ir de ÔNIBUS. E ai, as vezes é tenso, é a mesma coisa. O acesso é muito difícil (Fisioterapeuta do NASF).
Além dessas barreiras, evidenciou-se uma tendência nos serviços
especializados de dar alta para as crianças com deficiência aproximadamente aos
10 anos. O enunciado da fisioterapeuta do NASF revelou que essa alta é baseada
na restrição de oferta. Como a oferta de serviços de reabilitação é insuficiente para
atender à demanda das crianças do município, eram priorizadas as crianças mais
novas por terem melhores resultados em relação à funcionalidade. Assim, a
responsabilidade da realização dos exercícios é transferida para os pais.
E nas clínicas [de reabilitação] também as crianças chegam com idade de 10... 9 anos, eles dão alta porque ai é manutenção. Então assim, os pais já estão orientados a fazer os exercícios... E tudo. Então é manutenção disso.
137
Não tem mais aquele GAANHO, que o ganho mesmo é inicial, né? Quando a criança está mais nova... Por diversos fatores. Então, depois dessa idade 9, 10 anos que, que tudo, é... Eu, eu sou a favor, em particularmente, se pudesse, acompanhar o resto da vida. Que eu acho necessário. Mas em questão de SUS né? A demanda é muito grande e a oferta nem tanto... Então assim, chega essa idade 9, 10 anos as clínicas sempre dão alta. O [serviço de reabilitação filantrópico]... todas. O CGR por exemplo só pega criança até dois anos, depois já é clínica conveniada... Porque a criança chegou em um ponto, assim, de estabilidade. Que só mantém mesmo. Não tem... (Fisioterapeuta do NASF) Esther: […] desde pequenininho, começou [a reabilitação] [Miguel: isso ai depois liberaram ele [Esther: ai é assim, na medida que vai crescendo eles vão descartando, vão dando preferência pras outras. [...] porque, assim eles dão preferência pros meninos menores, porque como há possibilidade assim, não há possibilidade dele andar mais, ai eles preferem dar oportunidade pras outras crianças, porque tem criança com paralisia que anda (Miguel).
A mãe expressou por meio do verbo descartar a compreensão de que o filho
foi rejeitado pelo serviço, não sendo mais digno de atenção. O relato do pai indicou a
preferência para a realização de reabilitação nos serviços especializados com as
crianças que podem desenvolver maior funcionalidade. O enunciado dele evidenciou
o entendimento que essa lógica também influenciou a opção do ortopedista por não
realizar a cirurgia de quadril em seu filho, já que ele era dependente de cadeira de
rodas:
Ele falou assim que ele não precisaria operar não porque ele é cadeira de rodas mesmo [...] e lá no [hospital geral filantrópico] na realidade eles faz isso. Porque lá quando eu ficava lá, tinha menino lá que precisava, cê via algum menino que poderia tipo assim ter uma vida melhor, cê vê que a pessoa tá com dor lá, com deformações na coluna, mais eles não fazem, eles faz que é tipo assim, a pessoa não vai evoluir em nada, vou fazer uma operação só pra melhorar ela só um pouquinho só, esse camarada/ tinha menino lá de dezessete anos, dezoito anos lá com problema grave na coluna, todo torto precisando de ser operado, os caras não opera, eles não opera que é um/acho que eles tem um gasto lá quando eles faz essa cirurgia. Eles fala assim, ‘mas tem paralisia não precisa não deixa assim, só no medicamento mesmo, vou lá vou dar uma morfina pra ele la aguentar a dor dele lá até morrer’. Ele deve pensar nisso, só pode ser isso (Miguel).
Na tentativa de explicar a lógica que norteava os ortopedistas na indicação
ou não da cirurgia, o pai demonstrou a contraposição entre os seus valores (ter uma
vida melhor e reduzir a dor) e os que ele atribuía a esses profissionais (priorizar
crianças que vão evoluir e reduzir gasto). Diante desse entendimento e das dúvidas
sobre a indicação da cirurgia, Miguel se posicionava a favor de propiciar uma vida
melhor para o filho independente da possibilidade do desenvolvimento funcional.
Embora considerasse que a cirurgia era uma possibilidade de aliviar a dor, o pai
138
tinha receio em relação a como o filho iria recuperar no pós-operatório e quanto ao
risco do quadril luxar novamente após a cirurgia. Ele buscava a opinião de outros
ortopedistas e estava aguardando o agendamento de uma consulta a partir do
encaminhamento do médico do centro de saúde:
O cara que tava atendendo ele [no hospital geral filantrópico] falou que ele, ele não precisava, no [hospital geral municipal] disse que ele tinha que fazer a cirurgia. Ai tipo assim, um fala que não, o outro fala que pode, o outro fala que não, não ainda não tá na hora de fazer cirurgia, mais eu vou ficar com o menino sentindo dor? Não tem como (Miguel). [...] agora já deu os papel, tá esperando marcar lá, assim que sair eu vou levar lá. E agora eu vou brigar pra ver se opera, vão ver o que que eles vão fazer aqui porque aqui nele aqui já tem um ovo de todo tamanho, esse osso aqui ó saiu fora, esta afastado um tanto assim ó (Miguel).
Os dados não permitem analisar os motivos da conduta adotada pelo
ortopedista. O médico e a fisioterapeuta da atenção primária também expressaram
dúvidas a respeito da indicação ou não da cirurgia e ponderaram que mais de um
profissional adotou a mesma conduta. No enunciado a fisioterapeuta mencionou
como motivos relacionados à indicação ou não da cirurgia: a melhora da
funcionalidade, a redução da dor, a condição clínica das crianças, os riscos da
cirurgia e o momento da realização.
Ele não vai ter nenhum ganho funcional. Né? Porque as vezes tem paciente que faz cirurgia, mesmo ele não vai andar e tudo mas (ininteligível) posicionar melhor... Agora assim, eu acho que é uma questão ortopédica, do médico mesmo, no quadro geral, clínico dele. É a criança que vai ter uma recuperação boa após? Entendeu? Ele não vai ter um ganho funcional muito, mas pode ter um ganho de dor. [...] Mais de um médico, eu acredito que se fosse um médico só, eu falo "vai em outro", eu até acho na época eu falei vai em outro pra ver a opinião, mas vários médicos já foram. Eu não acredito que o médico, tem médico atualmente que não está nem ai. Não vai melhorar e tudo, mas eu acho que assim, se vários ortopedistas deram a mesma opinião, eu acho que o custo-benefício não vai ser grande. Entendeu? Para uma cirurgia pesada. Você vai tirar uma cabeça do fêmur dele e tudo... Pode ter o risco de uma infecção... [...] Acho que assim, talvez mais tempo atrás pudesse ter sido feita, entendeu? Assim, anteriormente. Mas agora, já está com outras deformidades (ininteligível) está rodando, ai vai dando escoliose, vai mudando um tanto de coisa. Eu acho que talvez lá atrás se tivesse sido feita, teria um ganho bom. Entendeu? Mas agora, assim, eu não sei se... Valeria a pena MESMO não (Fisioterapeuta do NASF).
De qualquer forma, é relevante questionar qual a lógica de cuidado tem
orientado a conduta dos profissionais com crianças com deficiência e como está
sendo realizada a comunicação entre profissionais e familiares para esclarecer
sobre as possibilidades terapêuticas e definir o plano de cuidado. A conduta dos
profissionais visava o tratamento para a cura ou o desenvolvimento funcional com
139
base nos critérios de normalidade do discurso biomédico. Evidenciou-se a
predominância da ideologia da normalização, que envolve a eliminação ou, pelo
menos, a redução da diferença (MCDONNELL, 2016). Nesse caso, essa ideologia
foi associada à lógica produtivista de custo-benefício. Habermas (2000) abordou a
colonização do mundo da vida por meio da racionalidade cognitivo-instrumental,
suscitando a formação de valores e normas de comportamento dos atores sociais
dominadas pelo dinheiro e poder. Diante disso, é preciso resgatar as dimensões
prático-moral e estético-expressiva da racionalidade mediada pela comunicação,
baseada no reconhecimento intersubjetivo.
Na dimensão cognitivo-instrumental, o discurso biomédico define o normal e
visa à cura do patológico (NASCIMENTO et al., 2013). No resgate da dimensão
prático-moral poderiam contribuir o discurso de humanização, introduzido pela
Política Nacional de Humanização (BRASIL, 2008b), que tem dentre suas diretrizes
o acolhimento, à clínica ampliada e a defesa dos direitos dos usuários, e também o
discurso de cuidados paliativos, que propõe o alívio do sofrimento e da dor visando
qualidade de vida. Estes discursos contemplam os valores apresentados pelos pais
em relação a uma prática desejável de atenção à saúde.
A atuação da enfermeira na definição do plano de cuidado poderia
incorporar a dimensão prático-moral. O trabalho da enfermagem tem estreita relação
com o cuidado, sendo realizado em encontro intersubjetivo, considerando as
múltiplas dimensões do objeto de trabalho em saúde, além da biológica, com ideais
de bem-estar e de justiça social. O processo de cuidar promove a vida dos seres
humanos na sua individualidade, na dimensão familiar e enquanto parte de grupos
sociais e de sociedades históricas (PIRES, 2009). Porém, a participação da
enfermeira da equipe de saúde da família não foi evidenciada em seu relato, nem
nos enunciados dos pais.
A preocupação dos pais com a dor do filho destacou-se em seus
enunciados. Assim, Miguel e Esther avaliaram os profissionais de acordo com o
modo como relacionavam com Pequeno Príncipe e que lidavam com sua dor no
atendimento.
Miguel: Aí que que acontece, ele tava com dor de dente aí chegou lá teve maior burocracia pra arrumar o lugar pra arrancar o dente dele porque talvez teria que ser, com anestesia geral. [...] Não podia mexer porque ele mordia muito, ai eles mandou esperar lá e teve que esperar mais de uma hora e meia, e ele gritando, pra eles conseguir ir lá marcar lá, liga daqui, liga pra lá, a gerente ligando, se empenhando pra tentar, pra depois eles
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mandar eu lá pro, pro [hospital municipal] pra arrancar o dente, quando chegou lá não tinha anestesista pra dar anestesia geral e na maior dificuldade eles tiveram que arrancar o dente do menino normal / [...] e eu lá, um tanto de médico segurando [Esther: chegou lá enfiaram um tanto de pau na, fizeram um negócio de pau lá e enfiaram na boca do menino pra segurar ele mordendo os dentes, pegou lá e puxou de qualquer maneira. Nem deram anestesia nem nada, puxaram o dente do meu filho, esse menino já sofreu tanto [Miguel: fizeram sacanagem sabe, e eles faz isso, com meninos especiais eles faz isso. Se, Nosso Pai, não ficar de olho eles faz isso, entendeu? Esther: é igual cê vê, lá em [uma regional do município] lá, tem uma mulher lá que ela atende menino especial, cê tem que ver o amor que ela tem pra atender as pessoas, nossa ela conversou com ele assim. Ele abriu a boca, ela conseguiu colocar a massinha, deu um jeito no dente dele / a gente não conseguiu voltar nela lá, mas muito boa. Nossa tratou muito bem [Miguel: excelente [...] foi conversando com ele, foi brincando não sei o que ‘janela, campainha’ não sei o que [Esther: ai ele abrindo a boca [Miguel: ele não mordeu o dedo dela, não teve negócio, começou a mexer, colocar massinha, deixou colocar o motorzinho pra arrancar o negócio, pra colocar massinha no dente dele, sem anestesia sem nada [Esther: ela colocou uma massinha [Miguel: e ele nem chorar chorou.
Foram avaliados positivamente os profissionais que atuam com amor,
conversam com a criança e previnem a dor; e foram avaliados negativamente
aqueles que atuam sem considerar o sofrimento e a dor da criança. Na
representação dos profissionais pelos pais foi possível apreender o discurso
humanitário associado à avaliação positiva.
Também sobressaiu o incomodo expressado por Esther acerca da relação
com ACS do centro de saúde que falava da sua vida, principalmente, sobre a
escolha de ter cinco filhos. Ela expressou sua indignação, pois não dependia de
ninguém para cuidar de seus filhos e cumpria com suas responsabilidades. Esther
ainda relatou que tiveram problemas com a entrega de marcação de consulta e
avaliou negativamente o trabalho da ACS. Diante da invasão da vida privada da
família, o discurso dos pais, principalmente, da mãe, revelou uma tentativa de
justificar a rotina com o filho e reforçar que cuidam bem dele, Miguel mencionou “eu
que trabalho e corro atrás” e Esther expressou “porque nós não paramos não sabe,
não paramos a nossa vida não.”.
Esther: [...] eu tô precisando de dar uma ida lá, porque eu vou conversar com duas ACS pra ela fazer os trabalhos dela porque elas incomodam demais a minha vida sabe? Igual, olha pro cê ver eu tenho cinco meninos, vai inteirar cinco menino. Mas aqui é so nós mesmo, é eu e ele mesmo. Nós e quando não dá pra ela ficar nós passa as mão nos meninos tudo. [....] agora tem duas, ACS no (trecho ininteligível) aqui, no Posto de Saúde, que fica cuidando demais da minha vida fica falando que, preocupando, porque que ela fica arrumando filho, eu posso arrumar mais quantos filhos porque eu não dependo dela pra nada, ai tipo assim eu vou procurar saber quem que eu procuro, pra questionar dela porque, essas mulher ai que invés de
141
fazer o trabalho delas, que não faz direito, inclusive é a ACS que deveria entregar o trabalho aqui e não entrega. Tem vez que ela entrega só o negócio no portão aqui [Miguel: a gente passa na rua elas fica apontando fala “ah lá, fulano arrumou mais um menino, com menino daquele jeito lá”. Vou procurar meus direitos se tiver até como entrar com, na justiça com elas, porque tem até testemunha, como elas fala, tá falando da nossa vida. Eu vou checar meus direitos e negoçar, eu vou conversar com a gerente do posto pra ver que que pode fazer, ser feito, porque as mulher tá cuidando da minha vida. Elas não me dá um litro de leite pro meu filho... Geralmente as pessoas chega aqui, e vê ele ali no quartinho ali, mas ele é assim mesmo, ele chorava o dia e noite a gente não sabia porque, ai a gente foi percebendo que é porque eu e ele dormia junto com ele na cama e não tinha espaço, ai nós tivemos que arrumar um quartinho pra ele ali, colocar ele na cama, ai agora ele fica. Então as vezes a pessoa chega ali, ele ta quietinho ali, o negócio dele é esse. Ele não gosta de sair, ele não gosta de sol, o negócio dele é ficar quietinho ali na cama dele, assistindo televisão (Esther). Ai o pessoal pergunta, mas pra ele com o quadril luxado assim, igual médico falou, ele não pode ficar na cadeira, se ele ficar na cadeira, ficar muito tempo na cadeira, quanto mais força ele fazer. Tem dia que esse menino chora, a noite toda, a noite toda gritando, ele grita a noite toda de dor no quadril. Eu vou pegar e vou colocar na cadeira ficar quatro horas sentado [na escola], só lá na cadeira gritando? Chegava em casa aqui, nossa senhora, ele chegava tão duro que nem o tarja preta, o remédio dele fazia efeito nele (Miguel).
O médico da equipe de saúde da família e a fisioterapeuta do NASF
mencionaram que os pais cuidavam bem do filho e buscavam recursos para atender
as necessidades dele. Os relatos dos pais evidenciaram que eles se organizaram
para o cuidado de Pequeno Príncipe após a notícia da condição crônica e optaram
por ter outros filhos. Embora compartilhassem o cuidado, Miguel trabalhava fora de
casa e durante uma parte do dia Esther assumia a rotina de cuidados das crianças
sozinha, contando apenas com o apoio ocasional da mãe de Miguel. Nesse contexto
familiar, as demandas de Pequeno Príncipe e dos outros filhos podem sobrecarregar
os pais e gerar uma maior demanda de apoio dos profissionais na articulação de
redes para o cuidado. Entretanto, Miguel e Esther demonstraram ter vínculo e
receber apoio apenas do Médico do centro de saúde e ainda sentir a cobrança de
alguns profissionais, como expressado no enunciado sobre a ACS.
As tentativas de justificar a rotina do filho permitem apreender o incômodo
que o contexto de Pequeno Príncipe produz. Por mais que os pais cuidem, tanto o
isolamento do filho no quarto quanto a dor ao tentar inseri-lo na sociedade
perturbam. A realidade de Pequeno Príncipe revela que os recursos dos familiares e
profissionais são limitados para construir caminhos para seu bem-estar e inclusão
social.
142
A fisioterapeuta fez uma reflexão a respeito do cuidado das crianças com
paralisia cerebral no contexto dos serviços e do domicílio à medida que crescem.
Ele é um paciente assim, que ele é PC grave que infelizmente lá, a tendência do quadro dele é de piora. Porque assim, a musculatura, Ele vai crescendo pra estar... Já está com 13, na época do estirão né? É... Mas o osso cresce e o músculo não acompanha, então isso vai gerando dor, vai gerando mais deformidades, então assim.... É: a família pode segurar isso, fazer um alongamento e tudo, se eles seguirem as orientações certinha, todo dia, pode segurar isso um pouco. Mas é um, uma história do quadro mesmo. É difícil uma criança PC grave não sofrer essas deformidades... [...] E assim, agora está começando com essas questões de aspiração, da condição/ vai ter que avaliar de novo a fono, que ele já teve (ininteligível) lá atrás. Mas a gente não tem fono no NASF. [...] Pra rever essa questão da dieta dele novamente, então assim, é um quadro que você vai vendo ai, vai dando pneumonia... [...] Mas é um quadro que a gente vê um declínio clínico mesmo. Não é de progressão de melhora não. É de declínio, então assim, a orientação e o apoio da família que é o mais importante, assim... Pra dar qualidade de vida. No caso do (ininteligível) a gente tem que pensar em qualidade de vida e não em um ganho funcional. Né? Mas... É difícil, não é... Em geral, não é só nesse não, em outras crianças PCs graves, espásticas é, é, complicado mesmo. E as famílias vão desanimando com o cuidado. [...] Mas você que os pais vão desistindo de fazer, ai para de levar na escola... Então vai tirando todo o social da criança e daqui a pouco tira da cadeira, vai pra cama e fica ali na cama vendo filme. [...] Porque realmente assim, se ele não está conseguindo ficar sentado muito tempo, na escola... [...] Eu até entendo assim, eu acho que, tem até uma época de fazer, mas a partir do momento que a criança começa a sofrer com aquilo ali, eu também acho que não tem que levar na ESCOLA não. Né? [...] A gente vê que leva na escola com 10 anos, 11, mas depois já fica complicado o acesso pra escola também, porque a criança já está pesada... (Fisioterapeuta do NASF).
O discurso da profissional revelou o limite do modo de organização dos
serviços para as crianças com deficiência que produzem prejuízos à funcionalidade
dessa magnitude. Devido à ausência de “ganho funcional” recebem alta dos serviços
de reabilitação, sendo transferida a responsabilidade de realizar exercícios motores
e alongamentos para os pais, a partir das orientações dos profissionais de saúde. As
visitas domiciliares para acompanhamento da realização desses exercícios no
domicílio pela equipe NASF são esparsas devido ao número elevado de famílias que
a equipe precisa atender. Além disso, a equipe estava incompleta, sem
fonoaudiólogo, inviabilizando o atendimento de determinadas necessidades. Mesmo
quando a família segue as orientações, em geral, a progressão da condição das
crianças com paralisia cerebral é com declínio de funções e estruturas do corpo.
A fisioterapeuta expressou que o desgaste provocado pela sobrecarga do
cuidado e pelo sofrimento diante da condição de saúde do filho, que sente dor à
mobilização, ocasionam o “desânimo” das famílias, sendo reduzido o convívio social
da criança até mesmo dentro do domicílio. Um dos significados do substantivo
143
desânimo remete a falta de determinação diante de obstáculos19. A profissional
justificou o desânimo demonstrando compreensão da situação dessas famílias,
porém o termo pode também remeter a culpabilização dos pais, com
desresponsabilização do estado. Evidenciou-se a transferência para a família de
responsabilidades que deveriam ser compartilhadas pelas instituições estatais, como
as ações relacionas à funcionalidade que são atribuição dos serviços de reabilitação
(BRASIL, 2012). Verificou-se no caso de Pequeno Príncipe tanto barreiras de
acesso aos serviços de saúde, assistência social e educação quanto baixa
qualidade do atendimento quando foi possível a utilização dos serviços.
A fisioterapeuta e o médico mencionaram a importância do apoio emocional
à família diante dessa situação, em um discurso que vai além da racionalidade
biomédica. Porém, o declínio da condição de saúde da criança e o desgaste da
família, em um contexto de condições socioeconômicas precárias, exigem maior
suporte nas redes institucionais e comunitárias, sendo imprescindível
responsabilização dos profissionais, gestores e formuladores das políticas sociais.
Os dados evidenciaram que à medida que Pequeno Príncipe cresceu sua
vida passou a ser marcada pela dor e carência de estímulos. Ele foi sendo destituído
das esferas de reconhecimento, sendo a luta da família (SAAVEDRA; SABOTTKA,
2008; HONNETH, 2013) insuficiente para reverter o agravamento de sua condição
de saúde e invisibilidade social. Deve-se considerar também a dimensão política do
processo de reconhecimento para a reparação em relação às injustiças.
Pequeno Príncipe foi progressivamente usufruindo menos os direitos sociais
garantidos pelas legislações e sendo excluído da sociedade. A persistência de
práticas de exclusão das crianças que não se adequam a determinados parâmetros
de comportamento e desempenho evidenciam as linhas estabelecidas pelo
pensamento abissal moderno (SANTOS, 2007b). Essas linhas dividem a realidade
social em dois universos: “deste lado da linha” e “do outro lado da linha”. Tudo do
outro lado da linha é produzido como inexistente e invisível, já que não existe de
qualquer modo relevante ou compreensível para o pensamento moderno. Dessa
forma, o que esta do outro lado da linha é excluído de forma radical e permanece
exterior até mesmo ao universo considerado como o “outro” pela concepção de
19: Desânimo: Falta de ânimo; abatimento, desalento, soçobro. Ânimo: Coragem ou determinação diante de obstáculos ou perigo; Vontade manifestada, a fim de alcançar algo; intenção. Informações disponibilizadas no site do Dicionário Michaelis. Disponível em: <http://michaelis.uol.com.br/>. Acesso em Maio 2017.
144
inclusão deste lado da linha. Essas formas de negação radical produzem ausência
de humanidade, a subhumanidade moderna. Como as linhas abissais separam o
humano do subhumano, os princípios de humanidade não são postos em causa por
práticas desumanas. Esses seres subhumanos não são nem ao menos
considerados candidatos à inclusão social.
A universalidade da tensão entre regulação e emancipação aplicada a este
lado da linha não entra em contradição, considerando as concepções abissais de
epistemologia e legalidade, com a tensão entre apropriação e violência aplicada ao
“outro lado da linha”, que inclui todas as formas de discriminação na esfera pública
ou privada. O “outro lado da linha” coincidiu historicamente com a zona colonial, mas
atualmente não tem uma localização territorial fixa, esta se expandindo como um
não-território em termos jurídicos e políticos, “um espaço impensável para o primado
da lei, dos direitos humanos e da democracia” (SANTOS, 2007b, p. 76).
Santos (2007) argumenta sobre a ocorrência, desde os anos 1970, de um
movimento designado “regresso do colonial e do colonizador” e de um contra
movimento intitulado “cosmopolitismo subalterno”. Vale ressaltar que o regresso do
colonizador provoca o retorno de formas de governo colonial nas sociedades
metropolitanas e naquelas anteriormente sujeitas ao colonialismo europeu, que o
autor descreve como ascensão do fascismo social: “um regime social de relações de
poder extremamente desiguais, que concedem à parte mais forte poder de veto
sobre a vida e o modo de vida da parte mais fraca” (SANTOS, 2007b, p. 80). O
fascismo social pode coexistir com a democracia política liberal enquanto promove o
capitalismo, configurando sociedades politicamente democráticas e socialmente
fascistas.
O fascismo social propaga sob a forma de pós-contratualismo e pré-
contratualismo “à sombra” do contrato social (SANTOS, 2007b). No pós-
contratualismo os grupos e interesses sociais, anteriormente incluídos, são
excluídos do contrato social sem perspectiva de retorno, enquanto no pré-
contratualismo o acesso a cidadania é bloqueado a grupos sociais que antes tinham
expectativa fundada de nela ingressar (SANTOS, 2007b, 2010). Nos quase-Estados-
Providência em países semiperiféricos ou de desenvolvimento intermediário, passa-
se de uma forma a outra sem nunca ter passado pelo contratualismo (SANTOS,
2010, p. 328):
145
Ao nível do discurso político, é frequentemente apresentado como pós-contratualismo o que é estruturalmente pré-contratualismo. Fala-se de pactos sociais e de compromissos anteriormente assumidos que agora se torna impossível continuar a honrar quando, de facto, a situação anterior nunca passou de contratos-promessas e de pré-compromissos que em verdade nunca se realizaram. [...] Do mesmo modo, ao nível das vivências e percepções das pessoas e grupos sociais atingidos, é frequente que ante a perda súbita da estabilização mínima das expectativas, as pessoas se dêem conta de que anteriormente eram afinal cidadãos sem o saberem sem terem excercido os direitos que eram titulares. Neste caso o pré-contratualismo é vivido subjectivamente como pós-contratualismo [...].
Santos (2010) argumenta a que as exclusões produzidas pelo pós-
contratualismo e pelo pré-contratualismo são radicais e inelutáveis. Pequeno
Príncipe é formalmente cidadão, mas de fato excluído da sociedade. A análise do
discurso de Miguel e Esther evidenciou o posicionamento deles como pais e
cuidadores e permitiu apreender a representação dos profissionais que atendem ao
filho. Após o diagnóstico da condição crônica do filho, eles se organizaram
compartilhando o cuidado de Pequeno Príncipe e dos outros filhos. Miguel continuou
trabalhando e Esther em casa se dedicando a rotina de cuidados. Os pais
demonstraram em seus relatos comprometimento com o cuidado e bem-estar do
filho e uma postura de busca do atendimento de suas necessidades, porém com
insuficiente capacidade de mobilização de recursos para conseguir resolutividade.
Evidenciou-se uma noção vaga sobre os direitos de cidadania do Pequeno Príncipe.
146
CAPÍTULO 7
EXPERIÊNCIAS SOCIAIS QUE NÃO DEVEM SER DESPERDIÇADAS:
REINVENTANDO O CUIDADO PARA A CIDADANIA
147
7 EXPERIÊNCIAS SOCIAIS QUE NÃO DEVEM SER DESPERDIÇADAS:
REINVENTANDO O CUIDADO PARA A CIDADANIA
Neste capítulo, foi desenvolvida uma análise transversal dos textos
provenientes das legislações e das entrevistas com gestores, familiares das crianças
com condições crônicas e profissionais dos serviços. Considerando o arcabouço da
ADC (FAIRCLOUGH, 2003), faz-se necessário investigar os obstáculos para
assegurar os direitos sociais das crianças com condições crônicas. Optou-se por
discorrer sobre os obstáculos aos processos envolvidos na transformação das
estruturas políticas, sociais e econômicas discutidos por Fleury (2009, 2014).
Em relação à constitucionalização, embora as legislações nacionais
reconheçam os direitos das crianças com doenças crônicas e das crianças com
deficiências, constatou-se a indefinição de estratégias e ações para implementação
das políticas de saúde, assistência social e educação e o conflito entre os discursos
de direitos humanos e de normalização.
No que concerne à institucionalização, a proposta de organização dos
serviços e ações no município apresenta conformidade com a legislação nacional e
inovou na definição de estratégias para efetuar as políticas sociais, porém com
oferta insuficiente para a demanda. No setor da saúde, foram verificadas restrições
na oferta de atendimentos pelas equipes do NASF na regional Norte na atenção
básica e por especialidades médica e para reabilitação na atenção especializada. A
integração entre atenção básica e especializada era restrita. Medicamentos de uso
contínuo pelas crianças com condições crônicas não eram disponibilizados pela
farmácia do SUS. Além disso, não era oferecido transporte para os serviços de
saúde, sendo identificadas dificuldades para o deslocamento, principalmente, para
aqueles destinados à reabilitação que não eram ofertados na regional de residência.
No setor da assistência social, o número de CRAS era menor que o previsto de
acordo com as áreas com alto índice vulnerabilidade social na regional Norte e as
equipes não realizavam ações sistemáticas para as crianças com deficiência e sua
família, atendendo apenas por demanda espontânea. As ações do SPSPD
contemplavam as crianças com deficiência, mas as equipes não atuavam nas áreas
de abrangência dos CRAS. Na educação, o número de veículos para o transporte
dos alunos com mobilidade reduzida para a escola era insuficiente.
148
Vale destacar que os serviços da assistência social e da educação
desenvolviam estratégias direcionadas para crianças com deficiência, não
abrangendo as crianças com doenças crônicas. Devido à mesma lógica de
organização no setor do transporte, as crianças com doenças crônicas não tem
direito ao passe para gratuidade no transporte público, embora também precisem
frequentemente deslocar para atendimentos nos serviços. No setor de esporte e
lazer, a oferta de apenas um Centro de Referência Esportiva do programa Superar
para todo o município era irrisória para a demanda.
Quanto à subjetivação, nas práticas dos profissionais das instituições de
saúde, assistência social e educação evidenciaram-se dificuldades impostas por
valores, discursos e relações que reproduzem opressão: o discurso biomédico e o
poder disciplinar na definição de planos de cuidado centrados na doença e no
controle do corpo por meio da vigilância, perpetuando a lógica da atenção hospitalar
na comunidade; o discurso assistencialista evidenciado pela redução da assistência
social ao provimento de condições de sobrevivência; e a lógica de normalidade
associada à racionalidade cognitivo-instrumental que priorizava o atendimento das
crianças com probabilidade de cura ou de desenvolvimento funcional e limitava a
inclusão daquelas que estavam fora da norma nos serviços de saúde e educação.
Nas práticas familiares, foram constatadas dificuldades para a constituição de
sujeitos políticos relacionadas à sobrecarga do cuidado, ao restrito apoio social e ao
pouco acesso à informação.
Diversos desses obstáculos têm sido constatados por estudos nacionais
sobre a atenção à saúde, assistência social e educação das crianças com condições
crônicas conforme apresentado anteriormente (BALTOR et al., 2013; BRIANT;
OLIVER, 2012; CABRAL; MORAES, 2015; COSTA et al., 2016; DUARTE et al.,
2015a; GAVAZZA et al., 2008; MACEDO; OLIVEIRA, 2015; NEVES; CABRAL, 2009;
NEVES et al., 2015; OKIDO et al., 2012; RIOS; NOVAES, 2009; SANTOS, 2011;
SILVEIRA; NEVES, 2012; SILVEIRA; NEVES; PAULA, 2013; TAVARES, 2012;
TAVARES; SENA; DUARTE; 2016; VITTA; VITTA; MONTEIRO, 2009).
Os resultados indicaram, no campo socioeconômico, a persistência de
estruturas e recursos insuficientes para a efetivação das políticas sociais devido ao
subfinanciamento, restringindo a universalidade e a qualidade do atendimento. A
redução dos investimentos estatais é típica do estado mínimo e sinaliza a
subordinação das políticas sociais à hegemonia da ideologia neoliberal. No campo
149
cultural e social, foi evidenciada a manutenção da lógica de classificação social que
desencadeia processos de exclusão das crianças com condições crônicas,
sobretudo daquelas com deficiência, inferiorizadas pelos critérios de normalidade.
As possibilidades para essas crianças na sociedade foram limitadas pela lógica
produtivista do capitalismo neoliberal de custo-benefício. Dessa forma, é propiciada
a reprodução do capitalismo na sociedade, com concentração de poder e renda em
detrimento da justiça social.
Santos (2010) discorreu sobre a contradição entre os princípios de
emancipação, que apontam para a igualdade e a inclusão social, e os princípios da
regulação, que passaram a gerir os processos de desigualdade e exclusão
produzidos pelo desenvolvimento capitalista. Nas sociedades modernas ocidentais,
as políticas sociais converteram-se em mecanismos de gestão controlada da
desigualdade e da exclusão:
A regulação social da modernidade capitalista se, por um lado, é constituída por processos que geram desigualdade e exclusão, por outro, estabelece mecanismos que permitem controlar ou manter dentro de certos limites esse processos. Mecanismos que, pelo menos, impedem que se caia com demasiada frequência na desigualdade extrema ou na exclusão/segregação extrema. Esses mecanismos visam uma gestão controlada do sistema de desigualdade e de exclusão, e, com isso a redução das possibilidades de emancipação social às que são possíveis na vigência do capitalismo. No campo social, tiveram sempre que se defrontar com os movimentos anti-sistêmicos, e as suas propostas de radical igualdade e inclusão (SANTOS, 2010, p. 282).
Porém, o autor destaca que atualmente este modelo de regulação social
está em crise, por uma degradação seletiva dos poderes do Estado, enquanto
aquele que protagoniza políticas de bem estar para as classes populares,
relacionada ao desgaste dos recursos redistributivos e assimilacionistas. As
transformações do Estado ocorrem sob formas diferentes nos países de
desenvolvimento intermediário, como o Brasil, que assumiram alguma
responsabilidade social, mas nos quais os imperativos do modelo neoliberal são
incisivos (SANTOS, 2010).
Diante dessa degradação seletiva da soberania e das capacidades do
estado nos domínios da providência para os cidadãos, deve ser defendido que o
Estado nacional não está em extinção e ainda permanece como um campo de luta
decisivo. Há que se estabelecer uma nova articulação entre políticas de igualdade e
de identidade ou reconhecimento da diferença. Perante diferenças não
inferiorizadoras, conforme abordado anteriormente, a política de igualdade deve
150
permitir a articulação horizontal entre as identidades discrepantes e entre as
diferenças nas quais se baseiam. Faz-se necessário que o Estado se adeque à nova
articulação entre essas políticas. A democracia redistributiva deve ser desenvolvida
por mecanismos de democracia participativa ou por combinações de democracia
representativa e participativa, possibilitando que a participação democrática incida
na atuação estatal de coordenação e na atuação das empresas, organizações não
governamentais e movimentos sociais que o Estado coordena. É preciso ainda
definir o espaço-tempo privilegiado para organizar as lutas sociais dentro e fora do
marco do Estado, sendo importante a globalização contra-hegemônica geradora do
cosmopolitismo (SANTOS, 2010).
Embora os caminhos para resolver essas dificuldades não estejam
delimitados, o meta-direito para articulação horizontal entre política de igualdade e
política de identidade indica uma orientação: “temos o direito a ser iguais sempre
que a diferença nos inferioriza; temos o direito a ser diferentes sempre que a
igualdade nos descaracteriza” (SANTOS, 2010, p. 316).
Para a realização desse imperativo, Santos (2010) enumera obstáculos a
serem superados:
a) A afirmação da diferença frequentemente resulta em reconhecimento
de desigualdade devido ao peso da normalização antidiferencialista20 na
modernidade capitalista, portanto, a articulação horizontal entre as
diferenças tende a deslocar para uma articulação vertical.
b) A ciência moderna é um paradigma epistemológico baseado numa
versão extrema de universalismo antidiferencialista, tendo sido sua
hegemonia obtida através de epistemicídios contra conhecimentos rivais e,
assim sendo, também de identicídios, já que esses conhecimentos
constituíam identidades e diferenças. Logo, recorrer ao conhecimento
moderno para abordar as diferenças resulta na descaracterização destas.
c) Os indivíduos e os grupos sociais acumulam diferentes identidades
complementares ou contraditória ao longo do tempo. A identidade é uma
20 O universalismo antidiferencialista foi o dispositivo ideológico para gestão da desigualdade e da exclusão priorizado pela teoria política liberal. Esse universalismo, que opera pela negação das diferenças, confrontou a desigualdade por meio das políticas sociais no Estado-Providência dos países centrais, das políticas desenvolvimentalistas nos países periféricos e semiperiféricos e de políticas assimilacionistas em relação às culturas e etnias minoritárias. A negação das diferenças atua por meio da norma da homogeinização, que só permite comparações simples e unidimensionais, impossibilitando comparações densas ou contextuais (SANTOS, 2010).
151
pausa transitória em um processo de identificação. De acordo com as
circunstâncias, uma dessas identidades predomina, sendo este processo
fundamental para compreender a política que tal identidade irá protagonizar
ou apoiar.
Contatou-se que nas legislações os discursos da criança com doença
crônica ou com deficiência como sujeito de direitos e da responsabilidade do estado
na garantia de direitos sociais garantem o reconhecimento legal das CCC;
entretanto, na realidade o predomínio das ideologias neoliberal e de normalização
comprometem o reconhecimento dessas crianças nas relações sociais e a
redistribuição econômica e social. Na sociologia das ausências, a ecologia dos
reconhecimentos confronta-se com a lógica de classificação social do capitalismo,
na qual ocorre a desqualificação das crianças com condições crônicas devido à
diferença ser identificada como desigualdade. Esse confronto foi realizado por meio
da luta dos familiares pelo reconhecimento dessas crianças e sua emancipação
social, na qual combatiam as formas de opressão e dominação.
Vale destacar que a interação entre familiares e profissionais nas práticas
sociais ocasionou configurações diversas de acesso às instituições e de sua
utilização, bem como, de participação social para as CCC, de acordo com as lutas
desenvolvidas pelos participantes. Fleury (2014) analisa a subjetivação como a
constituição de sujeitos políticos mediante a construção de identidades individuais e
de grupos que rompem com a alienação, por meio da produção da singularidade em
um contexto relacional e da construção de uma estratégia de transformação social e
ruptura com as relações de opressão.
Os discursos das mães e do pai participantes da pesquisa revelaram suas
identidades nas práticas sociais para o cuidado à criança com condição crônica.
Vitória, Feliz, Miguel e Esther apresentaram em comum o posicionamento de
aceitação dos filhos com condição crônica e o comprometimento com seu cuidado.
Nos relatos de Vitória e Feliz, destacou-se a abdicação de outras dimensões da vida
em detrimento do cuidado do filho com condição crônica. Os enunciados de Feliz
evidenciaram a valorização da experiência de ter Campeão como filho, mesmo com
a abdicação e a sobrecarga decorrente do cuidado.
Salomon (2013) desenvolveu estudo sobre a identidade dos pais de crianças
com síndrome de Down, autismo, deficiência, entre outras. A maioria dos pais
aprendeu a aceitar e celebrar os filhos diferentes do que esperavam originalmente.
152
Foi identificada a ambivalência entre os sentimentos dos pais de amor pelos filhos e
de sobrecarga e esgotamento, devido às demandas incessantes e a dependência
constante. O autor destaca que a experiência dessas famílias, além de gerar
dificuldades, possibilita prazeres quando os pais desenvolvem resiliência.
Evidenciaram-se relatos dos pais tanto sobre os danos à saúde decorrentes dessa
experiência quanto a respeito do aprendizado em relação à paciência, humildade,
gratidão, tolerância, fé, compaixão e sabedoria, revelando a valorização das próprias
vidas.
As interações dos pais com a criança influenciam como esta interpreta a si
mesmo, assim como a experiência de ser pai e mãe dessas crianças produz
mudanças nas identidades dos pais, eles serão sempre os pais de um filho com
deficiência. O hábito, que possibilita a intimidade com a diferença, e o amor
permitem aos pais reconciliar com a realidade inicialmente estranha e introduzir a
linguagem da identidade (SOLOMON, 2013). O autor defende que é preciso divulgar
as histórias desses pais, pois apontam um caminho para expandir as nossas
definições de família, promover a aceitação familiar e social dessas crianças e
provocar reformas, indispensáveis para amenizar as injustiças que esses grupos
vivenciam. Diante do uso de doença e outros termos médicos constantemente
depreciando um modo de ser e de identidade validando esse modo de ser, Salomon
(2013, p. 16) ressalta que:
[...] precisamos de uma vocabulário em que os dois conceitos não sejam opostos, mas aspectos compatíveis de uma condição. Temos de mudar o modo como avaliamos o valor dos indivíduos e das vidas, para alcançar uma visão mais ecumênica sobre saúde. [...] A ausência de palavras é a ausência de intimidade; essas experiências estão sedentas de linguagem.
Para a classificação social das crianças com doenças crônicas ou
deficiências geralmente são utilizados termos do discurso biomédico e da lógica de
normalidade, como saúde-doença, normal-patológico e normal-anormal. Essas
dicotomias, sustentadas pela razão metonímica, contêm uma hierarquia entre as
partes, produzindo relações de subordinação (SANTOS, 2010). Martins (2015, p.
270) destaca como o discurso biomédico e a hegemonia da normalidade podem
limitar “as possibilidades para os sujeitos e as diferenças corporais que se lhes
adscrevem se moverem de outro modo nos contextos de valores e relações”. Diante
disso, evidencia-se a relevância do modelo social da deficiência, cujos teóricos com
deficiência apresentaram, a partir de 1970, críticas ao vocabulário derivado dos
153
saberes biomédico e propudseram termos políticos que expressassem a deficiência
como opressão e restrição social às pessoas com limitações nas estruturas e
funções do corpo (DINIZ, 2012).
A monocultura do saber, que transforma a ciência moderna como único
critério de verdade, é um dos modos mais influentes de produção de não existência.
Portanto, para a crítica da razão metonímica nesses casos, a ecologia dos
reconhecimentos deve ser associada a uma ecologia de saberes (SANTOS, 2010).
As práticas e saberes que compõe a experiência social dos familiares das crianças
com condições crônicas não devem ser desperdiçados. O vocabulário utilizado por
Vitória, Feliz, Miguel e Esther para representar os filhos e avaliar suas experiências
como pais demonstrou a valorização das características das crianças e da interação
que estabelecem. Ao indicar perspectivas para a construção de outra vida possível
para essas crianças, em uma sociedade mais justa e democrática, as mães e o pai
resgataram as dimensões prático-moral e estético-expressiva da racionalidade.
Em relação aos direitos sociais dos filhos, o posicionamento dos familiares
revelou identidades distintas. Vitória procurou para o atendimento das necessidades
de Pablito os serviços de saúde, assistência social e educação, também recorreu ao
conselho tutelar para reivindicar a resolução de suas demandas, mas não foi
evidenciado em seu discurso a compreensão dela dos direitos de cidadania. Feliz
buscou os serviços de saúde, assistência social, educação e esporte e a
participação social para atendimento das necessidades do filho, foi constatada em
seu discurso a noção do filho enquanto sujeito de direitos e a luta pela efetivação
desses direitos; Miguel e Esther recorreram para atendimento das necessidades do
filho aos serviços, principalmente, de saúde, porém com menor capacidade de
mobilização de recursos e de reivindicação, sobressaindo uma postura de espera;
não foi identificado em seus discursos o entendimento dos direitos de cidadania. O
Quadro 4 apresenta aspectos linguísticos que diferenciam as identidades dos
familiares por meio das categorias linguísticas modalidade e avaliação.
154
Quadro 4 – Aspectos linguísticos das identidades dos familiares Vitória Feliz Miguel e Esther
Mo
dalid
ad
e
Eu consegui o apoio do pessoal DA REGIONAL NORTE, só da Regional Norte.
Cê tem que fazer alguma coisa, porque assim se você deixar todo mundo manda na sua vida, fazer o que quiser.
As mães ficou ‘Como é que cê conseguiu isso, como é que cê conseguiu?’, ai eu ‘Consegui? Primeiro cê pede pra Deus, depois cê corre atrás’
Eu tenho que fazer alguma coisa por ele e como ele não fala, sou eu que sou a voz, eu que sou as pernas, eu que sou o mover dele.
Então eu passo adiante tudo né, porque eu sei que eu aprendo, porque eu vejo que tem muita mãe que tem dificuldade. A informação realmente ela é difícil de chegar em determinadas pessoas sabe.
Miguel: ai eu já comecei a correr atrás dos negócios dele também [após diagnóstico]
Miguel: tá esperando marcar lá, assim que sair eu vou levar lá. E agora eu vou brigar pra ver se opera.
Esther: Igual esses negócios, marcação de consulta assim, eles tinha que dar prioridade pros menino especial.
Esther: porque a gente que tem menino especial assim a gente tinha que ter um acompanhamento, [...] igual o caso dele que não pode sair pra fazer a fisioterapia, eles tinham que mandar uma pessoa, pra vim fazer fisioterapia, nos ajudar né?
Avali
ação
Então assim, é uma equipe toda mobilizada, então assim cê não pode destacar ninguém, cada um tem sua função.
Eu sempre cito, essa parte que eu não gosto entendeu, te der um filho que você não manda, você manda/ você tem obrigação de levar para escola, você tem obrigação de fazer tudo, mas você não pode sair .
Todos os programas que eu mencionei eu não pago nem um centavo, só que se você for olhar, se paga um preço, não em dinheiro, mas é um preço, CARGA, RESPONSABILIDADE.
É o resto tem nada mesmo não, agora falar, o Conselho Tutelar não tenho nada a reclamar, a conselheira já puxou minhas orelhas, sabe, ela reclamou, claro, mas assim sem comentar, vou sentir muita falta da conselheira.
Eu fico me sentindo orgulhosa por isso porque realmente EU CORRO ATRÁS, cê só vai saber daquilo que é direito seu, cê só vai saber, se você correr atrás se você brigar, mas da forma certa, da forma correta.
Eu gosto de incluir ele mesmo, eu, eu, falo com todo mundo. Eu tenho que mostrar o Campeão, eu tenho que fazer ele ser visto pelas pessoas.
Minha ponte com a escola pra essas coisas de incluir o Campeão é a professora do AEE né, que é nosso anjo, [...] tudo que eu preciso, tudo que eu tenho duvida, tudo que eu né, vejo que tá errado, hoje, Graças a Deus, eu tenho muita liberdade na escola, eu sou muito presente mesmo.
[Esther: oh aqui a gente não tem assistência, se bem dizer quase nenhuma né? Se for olhar bem [Miguel: agora que começou a ter no posto de saúde [Esther: isso, mas antigamente...
Miguel: [sobre a cirurgia do quadril] Ai tipo assim um fala que não, o outro fala que pode, o outro fala que não, não ainda não tá na hora de fazer cirurgia, mais eu vou ficar com o menino sentindo dor? Não tem como.
Esther: nossa o doutor [médico do centro de saúde], tá quebrando um galhão fazendo isso pra gente [...] Miguel: [...]eu preciso de receita azul pra comprar o medicamento dele que é o tarja preta. Ele que faz pra mim, porque não ta tendo neuro, só tem três /
Fonte: Elaboração da própria autora a partir dos dados da pesquisa, Belo Horizonte (MG), 2016.
155
Foi possível apreender que Miguel e Esther enquanto pais e cuidadores,
embora manifestassem sua indignação, ainda permaneciam com identidades
submetidas ao domínio da racionalidade cognitivo-instrumental e à ideologia de
normalização que produziam a exclusão social de Pequeno Príncipe; Vitória
construiu identidades que romperam com a sujeição ao poder disciplinar, afirmando
sua liberdade enquanto mulher, mãe e cuidadora de Pablito; e Feliz além de
posicionar-se como mulher, mãe e cuidadora de Campeão constituiu-se enquanto
sujeito político, desenvolvendo estratégias de ruptura com as relações de opressão,
que produziam a exclusão do filho. Verificou-se a relevância da temporalidade na
construção das identidades familiares, sobretudo, do posicionamento como cuidador
do filho após a notícia da condição crônica e da postura como protagonista nas
relações.
Santos (2007) aborda que dentre os desafios a serem enfrentados para
reinventar o conhecimento emancipação está o desenvolvimento de subjetividades
insurgentes ao invés de subjetividades conformista, para isso sendo crucial
intensificar a vontade. O autor distingue a corrente fria e a corrente quente nos
indivíduos e na sociedade. A corrente fria é a consciência dos obstáculos,
necessária para não se enganar; enquanto, a corrente quente é a vontade de
ultrapassá-los, importante para não desistir. A distinção das identidades dos
familiares pode ser interpretada pela predominância da corrente fria, no caso de
Miguel e Esther, e da corrente quente, no caso de Vitória e Feliz.
Estudos sobre a resiliência familiar diante de uma situação de crise, como a
notícia da condição crônica do filho, indicam a influência de diversos fatores para a
adaptação como: o grau de ameaça à estabilidade familiar pelos elementos
estressores; o tipo de família caracterizado pela flexibilidade, vínculo, coesão e
senso de coerência; a vulnerabilidade da família; os recursos familiares disponíveis
para enfrentar as adversidades; o suporte social obtido na comunidade; a resolução
de problemas e as estratégias de coping; e a apreciação cognitiva quanto aos
estressores e à situação familiar (PEIXOTO; MARTINS, 2012; HALL et al., 2012). De
acordo com as variações desses fatores, cada família participante do estudo
vivenciou um processo de adaptação singular, que nos casos de Vitória e Feliz
possibilitou o desenvolvimento de estratégias para assegurar os direitos dos filhos.
Vale destacar o suporte social enquanto fator que contribuiu para a adaptação ao
156
ser garantido pelas instituições estatais, por meio das relações interpessoais e do
compartilhamento de informações.
Os relatos evidenciaram que nas relações da conselheira tutelar e da
assistente social com Vitória e Pablito foram construídas possibilidades, além da
atuação protocolar, para a proteção dos direitos dele na rede de serviços. Além
disso, a defesa das escolhas de vida de Vitória e da convivência familiar pelas
profissionais parece ter contribuído para ela posicionar-se de modo autonômo no
cuidado do filho. No caso de Feliz e de Campeão, as relações com a professora do
AEE e a professora da escola regular permitiram experimentar estratégias para
qualificar a inclusão escolar. As interações na escola regular e na gerência regional
de educação possibilitaram a Feliz o aprendizado de formas de participação e
reivindicação de direitos. A atuação dessas profissionais foi avaliada como desejável
no relato das mães que as representaram como aquelas que apoiam, são boas e
demonstram carinho e respeito pelas crianças. Por sua vez, as representações que
essas profissionais expressaram das CCC e das mães evidenciaram a valorização
dessas enquanto sujeitos de direitos e da participação social das crianças.
Por outro lado, as relações de Vitória com os médicos do serviço de atenção
domiciliar, de Feliz com alguns profissionais da escola regular e de Miguel e Esther
com determinados ortopedistas e odontólogos foram opressoras e produziram,
mesmo que momentaneamente, objetificação, invisibilidade, segregação ou
exclusão das crianças. Os familiares avaliaram negativamente a atuação desses
profissionais e os representaram como burocráticos, autoritários, sem consideração
pelos sentimentos e necessidades da criança. No caso de Pequeno Príncipe, os
relatos dos profissionais revelaram a falta de perspectivas quanto a construir outras
possibilidades de vida para a criança.
Os enunciados dos familiares e dos profissionais indicaram que os modos
destes agirem na prática social variaram de acordo com as representações das
crianças com condições crônicas e de seus familiares. A partir dos encontros com os
profissionais, Feliz e Campeão experimentaram uma cidadania emancipatória;
Vitória e Pablito rebelaram-se contra a cidadania regulada; e Miguel, Esther e
Pequeno Príncipe tiveram uma experiência gradativa entre a cidadania regulada, o
assistencialismo e a subcidadania. Nesses encontros, as crianças e seus familiares
vivenciaram fases de maior ou menor efetivação dos direitos sociais. No caso de
Feliz, é preciso ressaltar que o atendimento no Sistema Único de Saúde foi
157
complementado por atendimentos na rede particular por meio do pagamento de um
plano de saúde para o filho.
A efetivação dos direitos sociais nesses casos é produto dos encontros entre
familiares e profissionais em um determinado espaço e tempo, que em alguns
momentos potencializou a efetivação dos direitos promulgados nas legislações, mas
que em outros diversos momentos revelou obstáculos para a cidadania em uma
perspectiva emancipatória. Fleury (2014) argumenta que o reconhecimento sem
redistribuição constitui novos sujeitos, porém, como as relações de subordinação
material permanecem inalteradas, não possibilita uma inclusão autônoma e a
construção de uma nova sociedade. Em contrapartida, a redistribuição sem
reconhecimento gera uma inclusão tutelada, antagônica à cidadania, pois reproduz
relações de dominação por meio de políticas focalizadas e com distribuição
condicionada.
O estabelecimento e a consolidação dos sistemas de desigualdade e
exclusão transcorrem em um campo de relações sociais conflitantes nas quais
participam grupos sociais “constituídos em função da classe, do sexo, da raça, da
etnia, da religião, da região, da cidade, da língua, do capital escolar, cultural ou
simbólico, do grau de desvio face a critérios hegemônicos de normalidade e de
legalidade etc.” (SANTOS, 2010, p. 312). Esses fatores produzem de forma
combinada efeitos discriminadores na hierarquia de pertença nos sistemas de
desigualdade e exclusão, que variam de acordo com o tempo histórico ou a
sociedade (SANTOS, 2010). Santos (2010) destaca no sistema de desigualdade a
influência do fator classe, principalmente nos países centrais e semiperiféricos, e no
sistema de exclusão a preponderância de outros fatores, tendo a classe apenas
efeito complementar “potenciador” ou atenuador da discriminação. Portanto, as
crianças deste estudo estão incluídas em ambos os sistemas devido às condições
socioeconômicas das famílias e pelo desvio dos critérios de normalidade. Sem
ações para a distribuição do acesso às instituições sociais, o desenvolvimento das
capacidades das famílias e a inclusão social dessas crianças, o provimento do
benefício de prestação continuada permite apenas a integração pelo consumo.
Vale retomar a ideia do autor de cidadania bloqueada por insuficientes
condições materiais de participação (SANTOS 2007). O acesso à informação nesses
casos é uma condição para participar que pode ser propiciada pelos profissionais
das instituições sociais de forma a incrementar o capital social dessas famílias. A
158
busca de informações por Feliz ressaltou de seu relato desde a notícia da condição
crônica do filho, mas os profissionais contribuíram, tanto em seu caso quanto no de
Vitória, com informações sobre as instituições e os recursos da rede. O encontro
com os profissionais avaliados positivamente nesses casos possibilitou ou
potencializou condições de participação e luta por direitos, mesmo que os familiares
não demonstrassem apropriação do discurso legal.
Considerando que a subjetivação dos profissionais das instituições sociais
intervém na efetivação dos direitos, é necessário avaliar as ideologias que tem
sustentado a formação desses profissionais e romper com as ideologias
hegemônicas. Os conhecimentos, as habilidades e as atitudes dos profissionais
avaliadas positivamente devem ser contemplados nas competências e nos modelos
teóricos adotados na formação. O modo como os profissionais relacionam com os
usuários e suas condições de saúde é influenciado pelos modelos conceituais que
adotam e tem relação com a forma como o conhecimento e a experiência são
organizados. Esses modelos fundamentam os valores, os discursos e as relações
com os sujeitos o que repercute nos planos de ação construídos com o usuário
(SAMPAIO; LUZ, 2009).
Para isso, é importante resgatar a dimensão cuidadora do trabalho dos
profissionais de saúde. A reorientação das práticas profissionais pode ser feita por
meio da ecologia de saberes. Nessa ecologia, as experiências dos familiares
revelam saberes e práticas que permitem o reconhecimento das crianças com
condições crônicas e a construção de planos de cuidados que visam seu bem-estar
e inclusão social. Considerando que cuidado é central no agir do profissional da
enfermagem (PIRES, 2009), a composição com os saberes e práticas desses
profissionais contribuiria na ecologia de saberes, porém, os dados evidenciaram a
ausência ou pouca expressividade da atuação dos enfermeiros juntos a essas
crianças. Essa ausência tem sido indicada em outros estudos (DUARTE et al.,
2015a; DUARTE et al., 2015b, TAVARES; SENA; DUARTE, 2016), sendo urgente
buscar caminhos para maior participação do enfermeiro no cuidado às CCC.
O cuidado das crianças com condições crônicas para a cidadania exige nas
práticas familiares e profissionais a construção de subjetividades que rompam com
as ideologias hegemônicas e reconheçam essas crianças como sujeitos de direitos,
atuando para a defesa de seu bem-estar e inclusão social. Santos (2010) destaca a
importância das lutas sociais que impuseram ao Estado políticas redistributivas e
159
formas menos extremas de exclusão. A gestão controlada das desigualdades e da
exclusão não foi uma iniciativa ou uma concessão autônoma do Estado capitalista,
assim também não o serão, as possíveis evoluções da situação atual. A manutenção
dos direitos constitucionalizados, assim como, a radicalização na institucionalização
para efetivar o reconhecimento dessas crianças e a redistribuição serão produtos de
lutas sociais. A emancipação social de acordo com Santos (2007b) decorre da
resistência à lógica hegemônica pelos grupos que se mantiveram invisíveis e
marginalizados e da construção de alternativas a partir do outro lado da linha
abissal. Para a ecologia dos saberes deve-se fortalecer e dar valor epistemológico a
essa resistência, articulando-a aos saberes acadêmicos.
Santos (2013) pondera que, em qualquer âmbito, as transformações que
ocorrem na lei vão influenciando as instituições e conformando mentalidades e
subjetividades muito lentamente. Por fim, vale destacar a análise que o autor fez,
recentemente, sobre a realidade brasileira:
Mas é inequívoco que está em movimento a construção de um espelho novo onde o Brasil do século XXI se queira olhar, um Brasil mais justo e mais diverso, apostado em considerar a justiça histórica e cultural como parte integrante da justiça social. É uma construção acidentada, com muitos obstáculos e que certamente vai demorar muitos anos, mas tudo leva a crer que é uma construção irreversível (SANTOS, 2013, p. 80).
A perspectiva do autor sobre o país precisa ser reavaliada diante da
conjuntura política e econômica atual, na qual são sinalizadas maiores restrições de
recursos às políticas sociais que certamente contribuirão para acentuar as
desigualdades e dificultar a efetivação dos direitos das crianças com condições
crônicas e suas famílias.
160
CONSIDERAÇÕES FINAIS
161
8 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Foi verificado que os direitos sociais das crianças com condições crônicas
são garantidos pelas legislações brasileiras, mas ainda é incipiente a
regulamentação das ações das políticas sociais para concretizá-los. Evidenciou-se
também que no município são ofertados serviços e ações condizentes com as
diretrizes apresentadas nas legislações, porém são insuficientes para atender as
necessidades das crianças com condições crônicas e suas famílias, confirmando a
tese do estudo. Além disso, foi constatado que o acesso e a utilização dos serviços
de saúde, assistência social e educação para assegurar os direitos de cidadania
dessas crianças é influenciado pela identidade dos familiares e as representações
dos profissionais acerca de seu trabalho e das crianças com condições crônicas. O
desenvolvimento do estudo permitiu apreender a relevância da subjetivação dos
familiares e dos profissionais na concretização das políticas sociais para as crianças
com condições crônicas reconhecendo suas diferenças. Os dados demonstraram
que os direitos sociais dessas crianças são assegurados eventualmente e que
existem diversos obstáculos para a experiência de uma cidadania emancipatória.
Conclui-se que é necessário priorizar a implementação das políticas sociais
para assegurar os direitos das crianças com condições crônicas, propiciando
financiamento adequado, que permita ampliar a oferta de serviços para a
universalidade da cobertura, e atuação intersetorial. A fim de qualificar o cuidado
para a cidadania, é importante avaliar as ideologias que sustentam a formação dos
profissionais que atuam nas instituições de saúde, assistência social e educação e
romper com o as ideologias neoliberal e de normalização; assim como, propiciar
informações aos familiares das crianças com condições crônicas para que se
constituam enquanto sujeitos políticos em luta pelos direitos dessas crianças. A
experiência de cidadania emancipatória é possível a partir da construção de
subjetividades que resistam às ideologias hegemônicas e ao discurso biomédico e
que reconheçam essas crianças como sujeitos de direitos, atuando em defesa de
seu bem-estar e inclusão social.
Este estudo poderá contribuir para a reformulação das políticas públicas
visando concretizar a articulação entre políticas de igualdade e de reconhecimento
da diferença para incluir as crianças com condições crônicas como cidadãs. A
pesquisa documental de legislações relacionadas aos direitos das crianças com
162
condições crônicas poderá propiciar o compartilhamento de informações entre
atores sociais da gestão, atenção, formação e controle social, incluindo as crianças
com condições crônicas e seus familiares, com intuito que orientem sua atuação e
reivindicação pelas políticas públicas sociais.
Em relação à prática profissional da enfermagem, é imprescindível buscar
compreender as razões da ausência da atuação dos enfermeiros no cuidado a essas
crianças e reverter essa realidade. É urgente buscar caminhos para maior
participação do enfermeiro no cuidado das crianças com condições crônicas, sendo
preciso incluir em sua formação competências para a defesa de seu bem-estar e
inclusão social. Para isso, o conhecimento dos familiares pode contribuir para a
ecologia de saberes ao revelarem saberes e práticas que permitem o
reconhecimento dessas crianças e ao indicarem perspectivas para a construção de
outra vida possível em sociedade. Recomenda-se o uso do ecomapa por esses
profissionais para analisar a organização e a rede social das famílias dessas
crianças, de forma a nortear orientações para acesso aos recursos da rede.
Considerando que a responsabilidade pelos cuidados dessas crianças é assumida
principalmente pelas mães, muitas delas mães adolescentes, sem apoio do pai ou
de familiares no cuidado e submetidas a relações de opressão por parte dos
profissionais, destaca-se que é fundamental também a atuação em defesa dos
direitos dessas mulheres.
Os casos estudados evidenciam experiências propiciadas por encontros
entre familiares e profissionais em um determinado espaço tempo. Buscou-se
desenvolver uma análise de cada caso para em seguida realizar uma análise
através deles que permitisse a transferibilidade das análises para outros contextos,
devendo ser considerados as características do cenário e da população. Nesse
processo, o quadro tridimensional da ADC contribuiu para a progressão da
interpretação dos textos à prática social. O uso do referencial de Boaventura Santos
permitiu compreender os dados em um contexto sócio-histórico mais amplo e
direcionou o olhar para além dos desafios, em busca de experiências que pudessem
contribuir para reinventar o cuidado às crianças com condições crônicas.
163
REFERÊNCIAS
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REFERÊNCIAS
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179
APÊNDICES
180
APÊNDICE A – Roteiros de observação e entrevistas
Roteiro de observação nos espaços sociais
Em todos espaços sociais Acessibilidade, estrutura arquitetônica, adaptação dos recursos disponíveis, disponibilidade de tecnologias assistivas, organização das atividades e atuação dos atores relacionadas à inclusão das crianças com condição crônica, relações entre atores.
Centro de Saúde e demais serviços de atenção à saúde
Possibilidade de acesso e utilização para atendimento de necessidades especiais com: ações de promoção, prevenção, reabilitação e tratamento; oferta de atendimento por profissionais das diversas categorias; referenciamento a outros serviços; obtenção de dispositivos tecnológicos; relação com profissionais; disponibilidade de informação.
Centro de Referência de Assistência Social e demais serviços de assistência social
Oferta de atividades e ações de proteção social, relação com profissionais e disponibilidade de informação acerca do BPC e outros benefícios.
Escola (regular) Inclusão da criança com programa educacional apropriado a idade e condição de saúde, oportunidades de participação propiciadas pelo professor em sala de aula, atendimento de necessidades especiais (oferta de alimentação especial e medicamentos, cuidados com dispositivos tecnológicos e apoio para atividades)., disponibilidade de cuidador.
Áreas de lazer Possibilidade de participação de atividades de lazer, esporte e cultura.
Espaços comunitários Possibilidade de participação de atividades comunitárias, relações nas redes de apoio social e ações de atores para assegurar direitos.
Trajetórias nas ruas Aspectos geográficos, arquitetônicos e de transporte.
181
Roteiro de entrevista para exploração de campo (gerentes, profissionais e
participantes de movimentos sociais)
1. Qual seu nome completo e sua data de nascimento?
2. Qual sua formação?
3. Há quanto tempo atua no serviço? Como você começou no serviço?
4. Qual é a atuação do Serviço?
5. Considera que desenvolvem ações que contemplam as crianças? E as crianças
com condições crônicas? Se sim, quais são essas ações?
6. Essas ações são direcionadas por alguma normativa? Se sim, quais?
7. Existem desafios para implementá-las na realidade cotidiana? Se sim, como lidam
com esses desafios?
8. Como compreende o acesso e a utilização das CCC aos serviços prestados pelas
instituições de saúde, assistência social e educação?
9. Há algo mais que você gostaria de me dizer?
182
Roteiro de entrevista com familiares das CCC
1 Para começar, gostaria que me dissesse seu nome completo, data e local de
nascimento.
2 Você estudou?
Até qual série?
3 Você trabalha?
Qual a sua ocupação?
4 Qual é seu estado civil?
Você tem filhos? Quantos?
Qual seu parentesco com o(a) (nome da criança)?
Você conta com ajuda no cuidado a o(a) (nome da criança)? De quem? Qual ajuda?
5. Qual a renda familiar mensal?
Vocês recebem algum benefício?
O domicílio é próprio, alugado ou cedido? Quantas pessoas residem no domicílio?
6. Qual a data de nascimento do(a) (nome da criança)?
Quando você soube que ele(a) tem uma condição crônica (doença ou deficiência de
longa duração)? Como você soube?
Você recebeu orientações que ajudaram no cuidado do(a) (nome da criança)? Quais
orientações? De quem?
O que você fez depois de receber essa notícia em relação ao cuidado do(a) (nome
da criança)?
7. Qual a condição de saúde do(a) (nome da criança) atualmente?
Como é o dia-a-dia seu e do(a) (nome da criança) na comunidade onde vivem?
Quais os espaços que vocês frequentam fora de casa?
8. Fale-me sobre sua vivência para a garantia dos direitos do(a) (nome da criança) e
da participação dele(a) da vida em comunidade.
183
Poderia descrever um pouco o que mais marcou essa busca?
Quais foram as principais dificuldades?
Você contou ou conta com ajuda na defesa dos direitos do(a) (nome da criança)? De
quem? Qual ajuda?
Você conhece algum grupo ou movimento que atua na defesa da assistência e dos
direitos de cidadania de crianças com condições crônicas?
Você participou ou participa de ações desses grupos ou movimentos para a garantia
dos direitos do(a) (nome da criança) e de crianças com condições crônicas?
9. Fale-me como tem sido o acesso e utilização dos serviços de saúde, assistência
social, educação, esporte e lazer, cultura, transporte...
O(a) (nome da criança) tem plano de saúde suplementar?
Quais são os serviços utilizados?
Como chegou a esses serviços?
Quem são os profissionais que atendem você e o(a) (nome da criança) nesses
serviços? Como vocês são atendidos?
Quais as barreiras de acesso?
10. Qual é hoje seu maior desejo quanto à assistência de seu filho?
Se pudesse dizer algo para aqueles que tomam decisões e que implementam ações
que interferem na garantia dos direitos dessas crianças mudarem alguma coisa, o
que seria?
O que achou de contar um pouco da sua história?
Há algo mais que você gostaria de dizer?
184
Roteiro de entrevista com os profissionais que atendem às CCC
1. Qual seu nome completo e sua data de nascimento?
2. Qual sua formação? Há quanto tempo atua na saúde/educação/assistência
social?
3. Quando você começou a trabalhar com crianças com condições crônicas
(doenças crônicas/deficiências) nesse serviço e como foi que isso aconteceu?
4. Como é o atendimento à criança com condição crônica?
5. Como foi o atendimento ao (nome da criança) no começo? Como é o atendimento
hoje?
6. Quais são as principais dificuldades para o atendimento?
7. Como a família é abordada?
8. Qual a sua relação com os outros profissionais desse serviço no atendimento à
criança com condição crônica? E com os profissionais de outros serviços?
9. Como é feita a avaliação da criança?
10. Quais são suas expectativas em relação ao (nome da criança)?
11. Há algo mais que você gostaria de me dizer?
185
APÊNDICE B - Carta convite para colaboração na identificação de crianças
186
APÊNDICE C – Convenções de transcrição21
/ = interrupção no fluxo da fala
LETRAS MAIÚSCULAS = ênfase na fala da participantes
[…] = trecho da conversa omitido
[ X: aaa Y: aaa ou X: aaa [Y: aaa ] aaa = fala simultânea
(ininteligível) = parte da fala que não pode ser entendida
… = momentos de suspensão nas falas produzidas pelos participantes, que podem
demonstrar hesitação, dúvida, ironia ou a interrupção de uma ideia para fazer
considerações acessórias
(.) ou (tempo da pausa em segundos) = pausa pequena um sinal . e pausas maiores
cronometradas indicar o tempo com número de segundos
a: = alongamento de vogal
a:: = alongamento maior de vogal
duplicação da letra ou silaba = repetição
! = entonação ascendente de exclamação
? = entonação ascendente de interrogação
/.../ = transcrição parcial ou suprimida
[xxx] = comentários do analista
21 Adaptadas a partir da proposta de Magalhães (2000) e Fontenele (2014).
187
APÊNDICE D – Termos de consentimento livre e esclarecido
TCLE familiares de crianças
Belo Horizonte, _____, de _______ de 20__. Prezado(a) Sr(a) _______________, Estamos desenvolvendo uma pesquisa pelo Núcleo de Estudos e Pesquisas sobre Ensino e
Prática de Enfermagem (NUPEPE) da Escola de Enfermagem da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), chamada “Cuidado às crianças com condições crônicas: garantia de seus direitos sociais”. Esta pesquisa tem por objetivo analisar os direitos sociais garantidos às crianças com condições crônicas. Ao sinalizar desafios e potencialidades para a garantia dos direitos sociais dessas crianças na realidade investigada, o estudo pode contribuir para o reconhecimento delas e sua inserção na sociedade como cidadãs.
Sua colaboração é muito importante para a realização deste estudo e, por isso, solicito sua participação e de seu filho(a) ou da criança sob sua responsabilidade legal. Para que você decida sobre a participação, é necessário que tenha conhecimento de algumas informações: a) A sua colaboração é voluntária, consiste em responder a perguntas e aceitar que observemos o cotidiano de você e seu filho nos espaços e serviços do município; b) O(A) Sr(a). terá liberdade para não participar ou retirar seu consentimento em qualquer momento, caso desista de participar, sem risco de qualquer prejuízo para você e sua criança; c) Durante a realização da pesquisa o(a) Sr(a). poderá fazer todas as perguntas que achar necessárias para esclarecer suas dúvidas; d) Caso autorize, as respostas dadas às perguntas serão gravadas e o(a) Sr(a). poderá ter acesso à gravação, se assim o desejar; e) Será garantido seu anonimato na divulgação dos resultados e guardado sigilo de dados confidenciais; f) A utilização das informações obtidas será exclusivamente para fins científicos; g) O(A) Sr(a). não terá nenhum tipo de despesa e não receberá nenhuma gratificação para a participação nessa pesquisa; h) Os riscos envolvidos na pesquisa estão relacionados à obtenção de dados por meio de observação e entrevista, sabendo destes riscos, os pesquisadoras procurarão evitar a possibilidade de constrangimento dos participantes; i) O(A) Sr(a). receberá uma cópia deste termo, com o telefone e o endereço do pesquisador principal e dos Comitês de Ética em Pesquisa, podendo entrar em contato para esclarecer dúvidas sobre o projeto e sua participação em qualquer momento; j) Caso tenha interesse, poderá ter livre acesso aos resultados ao final da pesquisa. Ao assinar este termo o(a) Sr(a). esta declarando que entendeu os objetivos, riscos e benefícios de sua participação na pesquisa, concordando em participar voluntariamente. Somente o(a) Sr(a). assinará o termo, mas a criança deve ser informada de forma adequada ao seu nível de compreensão.
Nome do participante: _________________________________ Assinatura: ___________________________ _________________________________ Tatiana Silva Tavares Pesquisadora Tel.: (31) 9823-1305 E-mail: [email protected] _________________________________ Profa. Dra. Roseni Rosângela de Sena Pesquisadora responsável Av. Alfredo Balena, 190, Santa Efigênia Escola de Enfermagem, sala 434 Belo Horizonte, MG, CEP 30130-100 Tel.: (31) 3409-9871 E-mail: [email protected]
Comitê de Ética em Pesquisa da UFMG Av. Presidente Antônio Carlos, 6627, Pampulha Unidade Administrativa II, sala 2005 Belo Horizonte, MG, CEP 31270-901 Tel.: (31) 3409-4592 E-mail: [email protected] Comitê de Ética em Pesquisa SMSA-BH Av. Afonso Pena, 2336 - 9º andar, Belo Horizonte, MG, CEP 30130-007 Tel.: 31 3277-5309 E-mail: [email protected]
Impressão digital
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TCLE crianças
Belo Horizonte, _____, de _______ de 20__. Prezado(a) _______________, Estamos desenvolvendo uma pesquisa pelo Núcleo de Estudos e Pesquisas sobre Ensino e
Prática de Enfermagem (NUPEPE) da Escola de Enfermagem da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), chamada “Cuidado às crianças com condições crônicas: garantia de seus direitos sociais”. Nesta pesquisa pretendemos analisar os direitos sociais garantidos às crianças com condições crônicas. Ao sinalizar desafios e potencialidades para a garantia dos direitos sociais dessas crianças na realidade investigada, o estudo pode contribuir para o reconhecimento delas e sua inserção na sociedade como cidadãos.
Sua colaboração é muito importante para a realização deste estudo e, por isso, você e seu responsável estão sendo convidados a participar. Para participar desta pesquisa, o responsável por você deverá autorizar e assinar um termo de consentimento. A sua colaboração é voluntária, consiste em aceitar que observemos o cotidiano de você e seu responsável nos espaços e serviços do município. Você será esclarecido(a) em qualquer aspecto que desejar e estará livre para participar ou não. O responsável por você poderá retirar o consentimento ou interromper a sua participação a qualquer momento. A recusa em participar não acarretará qualquer prejuízo para você e seu responsável. Você não terá nenhum tipo de despesa e não receberá nenhuma gratificação para a participação nessa pesquisa. Os riscos envolvidos na pesquisa estão relacionados à obtenção de dados por meio de observação e entrevista, sabendo destes riscos, as pesquisadoras procurarão evitar a possibilidade de constrangimento dos participantes. Você e seu responsável não serão identificados na divulgação dos resultados, que estarão a disposição de vocês quando finalizada a pesquisa. Os pesquisadores utilizarão as informações somente para os fins acadêmicos e científicos.
Eu, _________________________________, fui informado(a) dos objetivos da presente
pesquisa, de maneira clara e detalhada e esclareci minhas dúvidas. Sei que a qualquer momento poderei solicitar novas informações e o meu responsável poderá modificar a decisão de participar se assim o desejar. Tendo o consentimento do meu responsável já assinado, declaro que concordo em participar dessa pesquisa. Recebi o termo de assentimento e me foi dada a oportunidade de ler e esclarecer as minhas dúvidas.
Assinatura da criança: ___________________________ _________________________________ Tatiana Silva Tavares Pesquisadora Tel.: (31) 9823-1305 E-mail: [email protected] _________________________________ Profa. Dra. Roseni Rosângela de Sena Pesquisadora responsável Av. Alfredo Balena, 190, Santa Efigênia Escola de Enfermagem, sala 434 Belo Horizonte, MG, CEP 30130-100 Tel.: (31) 3409-9871 E-mail: [email protected]
Impressão digital
Comitê de Ética em Pesquisa da UFMG Av. Presidente Antônio Carlos, 6627, Pampulha Unidade Administrativa II, sala 2005 Belo Horizonte, MG, CEP 31270-901 Tel.: (31) 3409-4592 E-mail: [email protected] Comitê de Ética em Pesquisa SMSA-BH Av. Afonso Pena, 2336 - 9º andar, Belo Horizonte, MG, CEP 30130-007 Tel.: 31 3277-5309 E-mail: [email protected]
189
TCLE gerentes, profissionais, atores da comunidade
Belo Horizonte, _____, de _______ de 20__. Prezado(a) Sr(a) _______________, Estamos desenvolvendo uma pesquisa pelo Núcleo de Estudos e Pesquisas sobre Ensino e
Prática de Enfermagem (NUPEPE) da Escola de Enfermagem da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), chamada “Cuidado às crianças com condições crônicas: garantia de seus direitos sociais”. Esta pesquisa tem por objetivo analisar os direitos sociais garantidos às crianças com condições crônicas. Ao sinalizar desafios e potencialidades para a garantia dos direitos sociais dessas crianças na realidade investigada, o estudo pode contribuir para o reconhecimento delas e sua inserção na sociedade como cidadãos.
Sua colaboração é muito importante para a realização deste estudo e, por isso, solicito sua participação. Para que você decida sobre sua participação, é necessário que tenha conhecimento de algumas informações: a) A sua colaboração é voluntária, consiste em responder a perguntas e aceitar que observemos o cotidiano em que atua; b) O(A) Sr(a). terá liberdade para não participar ou retirar seu consentimento em qualquer momento, caso desista de participar, sem risco de qualquer prejuízo para você; c) Durante a realização da pesquisa o(a) Sr(a). poderá fazer todas as perguntas que achar necessárias para esclarecer suas dúvidas; d) Caso autorize, as respostas dadas às perguntas serão gravadas e o(a) Sr(a). poderá ter acesso à gravação, se assim o desejar; e) Será garantido seu anonimato na divulgação dos resultados e guardado sigilo de dados confidenciais; f) A utilização das informações obtidas será exclusivamente para fins científicos; g) O(A) Sr(a). não terá nenhum tipo de despesa e não receberá nenhuma gratificação para a participação nessa pesquisa; h) Os riscos envolvidos na pesquisa estão relacionados à obtenção de dados por meio de observação e entrevista, sabendo destes riscos, os pesquisadoras procurarão evitar a possibilidade de constrangimento dos participantes; i) O(A) Sr(a). receberá uma cópia deste termo, com o telefone e o endereço do pesquisador principal e dos Comitês de Ética em Pesquisa, podendo entrar em contato para esclarecer dúvidas sobre o projeto e sua participação em qualquer momento; j) Caso tenha interesse, poderá ter livre acesso aos resultados ao final da pesquisa. Ao assinar este termo o(a) Sr(a). esta declarando que entendeu os objetivos, riscos e benefícios de sua participação na pesquisa, concordando em participar voluntariamente.
Nome do participante: _________________________________ Assinatura: ___________________________ _________________________________ Tatiana Silva Tavares Pesquisadora Tel.: (31) 9823-1305 E-mail: [email protected] _________________________________ Profa. Dra. Roseni Rosângela de Sena Pesquisadora responsável Av. Alfredo Balena, 190, Santa Efigênia Escola de Enfermagem, sala 434 Belo Horizonte, MG, CEP 30130-100 Tel.: (31) 3409-9871 E-mail: [email protected]
Impressão digital
Comitê de Ética em Pesquisa da UFMG Av. Presidente Antônio Carlos, 6627, Pampulha Unidade Administrativa II, sala 2005 Belo Horizonte, MG, CEP 31270-901 Tel.: (31) 3409-4592 E-mail: [email protected] Comitê de Ética em Pesquisa SMSA-BH Av. Afonso Pena, 2336 - 9º andar, Belo Horizonte, MG, CEP 30130-007 Tel.: 31 3277-5309 E-mail: [email protected]
190
APÊNDICE E – Informações referentes às legislações da linha do tempo
Quadro 5 - Tipo, número, data de promulgação, objeto e âmbito de aplicação das legislações da linha do tempo
Tipo de legislação
Número Data Objeto Âmbito
Lei 7853 1989
Dispõe sobre o apoio às pessoas portadoras de deficiência, sua integração social, sobre a Coordenadoria Nacional para Integração da Pessoa Portadora de Deficiência - Corde, institui a tutela
jurisdicional de interesses coletivos ou difusos dessas pessoas, disciplina a atuação do Ministério Público, define crimes, e dá outras providências
Direitos da pessoa com deficiencia
Lei 8069 1990 Dispõe sobre o Estatuto da Criança e do Adolescente e dá outras providências. Direitos da criança
Decreto 99710 1990 Promulga a Convenção sobre os Direitos da Criança. Direitos humanos
Lei 8080 1990 Dispõe sobre as condições para a promoção, proteção e recuperação da saúde, a organização e o
funcionamento dos serviços correspondentes e dá outras providências. Saúde
Lei 8160 1991 Dispõe sobre a caracterização de símbolo que permita a identificação de pessoas portadoras de
deficiência auditiva. Acessibilidade
Lei 8242 1991 Cria o Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente (Conanda) e dá outras providências. Direitos da criança
Decreto 914 1993 Institui a Política Nacional para a Integração da Pessoa Portadora de Deficiência, e dá outras
providências (Revogado pelo Decreto nº 3.298 de 1999) Direitos da pessoa
com deficiência
Lei 8742 1993 Dispõe sobre a organização da Assistência Social e dá outras providências. Assistência social
Lei 8899 1994 Concede passe livre às pessoas portadoras de deficiência no sistema de transporte coletivo
interestadual. Acessibilidade
Portaria 1793 1994 Dispõe sobre a necessidade de complementar os currículos de formação de docentes e outros
profissionais que interagem com portadores de necessidades especiais Educação
Decreto 8989 1995 Dispõe sobre a Isenção do Imposto sobre Produtos Industrializados - IPI, na aquisição de automóveis
para utilização […] por pessoas portadoras de deficiência física, e dá outras providências Acessibilidade
Decreto 1744 1995 Regulamenta o benefício de prestação continuada devido à pessoa portadora de deficiência e ao idoso,
de que trata a Lei n° 8.742, de 7 de dezembro de 1993, e dá outras providências (Revogado pelo Decreto nº 6.214 de 2007)
Assistência social
Decreto 1904 1996 Institui o Programa Nacional de Direitos Humanos - PNDH (Revogado pelo Decreto nº 4.229 de 2002) Direitos humanos
Lei 9394 1996 Estabelece as diretrizes e bases da educação nacional Educação
Decreto 3076 1999 Cria, no âmbito do Ministério da Justiça, o Conselho Nacional dos Direitos da Pessoa Portadora de
Deficiência - CONADE, e dá outras providências (Revogado pelo Decreto nº 3.298 de 99) Direitos da pessoa
com deficiência
191
Decreto 3298 1999 Regulamenta a Lei no 7.853, de 24 de outubro de 1989, dispõe sobre a Política Nacional para a Integração da Pessoa Portadora de Deficiência, consolida as normas de proteção, e dá outras
providências
Direitos da pessoa com deficiência
Portaria 319 1999 Institui no Ministerio da Educacao, vinculada a Secretaria de Educacao Especial/SEESP e presidida pelo
titular desta, a Comissao Brasileira do Braille, de carater permanente. Acessibilidade
Lei 10048 2000 Dá prioridade de atendimento às pessoas que especifica, e dá outras providências Direitos da pessoa
com deficiência
Lei 10098 2000 Estabelece normas gerais e critérios básicos para a promoção da acessibilidade das pessoas portadoras
de deficiência ou com mobilidade reduzida, e dá outras providências Acessibilidade
Decreto 3691 2000 Regulamenta a Lei no 8.899, de 29 de junho de 1994, que dispõe sobre o transporte de pessoas
portadoras de deficiência no sistema de transporte coletivo interestadual Acessibilidade
Portaria 570 2000 Institui o Componente I do Programa de Humanização no Pré-natal e Nascimento - Incentivo à
Assistência Pré-natal no âmbito do Sistema Único de Saúde Saúde
Portaria 571 2000 Institui o Componente II do Programa de Humanização no Pré-natal e Nascimento Nova Sistemática de
Pagamento à Assistência ao Parto. Saúde
Decreto 27 de
dezembro
2000 Cria o Comitê para o Desenvolvimento Integral da Primeira Infância, e dá outras providências Saúde
Decreto 3952 2001 Dispõe sobre o Conselho Nacional de Combate à Discriminação - CNCD (Revogado pelo Decreto nº
5.397 de 2005) Direitos humanos
Decreto 3956 2001 Promulga a Convenção Interamericana para a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra
as Pessoas Portadoras de Deficiência Direitos da pessoa
com deficiência
Portaria 822 2001 Institui o Programa Nacional de Triagem Neonatal / PNTN. Saúde
Resolução 2 2001 Institui Diretrizes Nacionais para a Educacao Especial na Educacao Basica Educação
Lei 10436 2002 Dispõe sobre a Língua Brasileira de Sinais - Libras e dá outras providências Acessibilidade
Decreto 4229 2002 Dispõe sobre o Programa Nacional de Direitos Humanos - PNDH, instituído pelo Decreto no 1.904, de 13
de maio de 1996, e dá outras providências (Revogado pelo Decreto nº 7.037 de 2009) Direitos humanos
Resolução 1 2002 Institui Diretrizes Curriculares Nacionais para a Formacao de Professores da Educacao Basica, em nivel
superior, curso de licenciatura, de graduacao plena. Educação
Decreto 4360 2002 Altera o art. 36 do Decreto nº 1.744, de 8 de dezembro de 1995, que regulamenta o benefício de
prestação continuada devido a pessoa portadora de deficiência e a idoso, de que trata a Lei no8.742, de 7 de dezembro de 1993 (Revogado pelo Decreto nº 4.712 de 2003)
Assistência social
Portaria 1069 2002 Define mecanismos que possibilitem a ampliação do acesso dos portadores triados no Programa
Nacional de Triagem Neonatal - PNTN ao tratamento e acompanhamento das doenças diagnosticadas Saúde
Portaria 2678 2002 Aprova o projeto da Grafia Braille para a Língua Portuguesa e recomenda o seu uso em todo o território Acessibilidade
192
nacional.
Lei 10754 2003
Altera a Lei no 8.989, de 24 de fevereiro de 1995 que "dispõe sobre a isenção do Imposto Sobre Produtos Industrializados - IPI, na aquisição de automóveis para utilização no transporte autônomo de passageiros, bem como por pessoas portadoras de deficiência física e aos destinados ao transporte
escolar, e dá outras providências" e dá outras providências.
Acessibilidade
Decreto 4712 2003 Dá nova redação ao art. 36 do Decreto no 1.744, de 8 de dezembro de 1995, que regulamenta o
benefício de prestação continuada devida a pessoa portadora de deficiência e a idoso, de que trata a Lei no 8.742, de 7 de dezembro de 1993 (Revogado pelo Decreto nº 6.214, de 2007)
Assistência social
Portaria 1930 2003 Qualifica os Estados para o recebimento dos recursos adicionais para a disponibilização da fórmula
infantil às crianças verticalmente expostas ao HIV, durante os primeiros seis meses de vida no âmbito do Programa Nacional de HIV/Aids e outras DST.
Saúde
Decreto 5296 2004
Regulamenta as Leis nos 10.048, de 8 de novembro de 2000, que dá prioridade de atendimento às pessoas que especifica, e 10.098, de 19 de dezembro de 2000, que estabelece normas gerais e critérios
básicos para a promoção da acessibilidade das pessoas portadoras de deficiência ou com mobilidade reduzida, e dá outras providências
Direitos da pessoa com deficiência
Lei 10845 2004 Institui o Programa de Complementação ao Atendimento Educacional Especializado às Pessoas
Portadoras de Deficiência, e dá outras providências Educação
Decreto 5154 2004 Regulamenta o § 2º do art. 36 e os arts. 39 a 41 da Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996, que
estabelece as diretrizes e bases da educação nacional, e dá outras providências Educação
Portaria 78 2004 Estabelece diretrizes e normas para a implementacao do "Programa de Atencao Integral a Familia -
PAIF" e da outras providencias Assistência social
Resolução 145 2004 Aprova a Política Nacional de Assistência Social Assistência social
Portaria 587 2004 Determina que as Secretarias de Estado da Saúde dos estados adotem as providências necessárias à
organização e implantação das Redes Estaduais de Atenção à Saúde Auditiva. Saúde
Portaria 756 2004 Estabelece as normas para o processo de habilitação do Hospital Amigo da Criança integrante do
Sistema Único de Saúde – SUS. (Revogada pela Portaria nº 80/SAS/MS de 2011) Saúde
Portaria 1258 2004 Institui o Comitê Nacional de Prevenção do Óbito Infantil e Fetal, e dá outras providências Saúde
Lei 11126 2005 Dispõe sobre o direito do portador de deficiência visual de ingressar e permanecer em ambientes de uso
coletivo acompanhado de cão-guia Acessibilidade
Lei 11133 2005 Institui o Dia Nacional de Luta da Pessoa Portadora de Deficiência Direitos da pessoa
com deficiência
Decreto 5626 2005 Regulamenta a Lei no 10.436, de 24 de abril de 2002, que dispõe sobre a Língua Brasileira de Sinais -
Libras, e o art. 18 da Lei no 10.098, de 19 de dezembro de 2000 Acessibilidade
Decreto 5397 2005 Dispõe sobre a composição, competência e funcionamento do Conselho Nacional de Combate à
Discriminação - CNCD. (Revogado pelo Decreto nº 7.388 de 2005) Direitos humanos
Portaria 1058 2005 Institui a disponibilização gratuita da “Caderneta de Saúde da Criança”, e dá outras providências Saúde
193
Portaria 2261 2005 Aprova o Regulamento que estabelece as diretrizes de instalação e funcionamento das brinquedotecas
nas unidades de saúde que ofereçam atendimento pediátrico em regime de internação Saúde
Decreto 5904 2006 Regulamenta a Lei no 11.126, de 27 de junho de 2005, que dispõe sobre o direito da pessoa com
deficiência visual de ingressar e permanecer em ambientes de uso coletivo acompanhada de cão-guia e dá outras providências
Acessibilidade
Decreto 6215 2007
Estabelece o Compromisso pela Inclusão das Pessoas com Deficiência, com vistas à implementação de ações de inclusão das pessoas com deficiência, por parte da União Federal, em regime de cooperação
com Municípios, Estados e Distrito Federal, institui o Comitê Gestor de Políticas de Inclusão das Pessoas com Deficiência - CGPD, e dá outras providências (Revogado pelo Decreto nº 7.612 de 2011)
Direitos da pessoa com deficiência
Portaria 18 2007 Cria o Programa de Acompanhamento e Monitoramento do Acesso e Permanência na Escola das
Pessoas com Deficiência Beneficiárias do Benefício de Prestação Continuada da Assistência Social - BPC/LOAS, com prioridade para aquelas na faixa etária de zero a dezoito anos
Assistência social e educação
Decreto 6094 2007
Dispõe sobre a implementação do Plano de Metas Compromisso Todos pela Educação, pela União Federal, em regime de colaboração com Municípios, Distrito Federal e Estados, e a participação das
famílias e da comunidade, mediante programas e ações de assistência técnica e financeira, visando a mobilização social pela melhoria da qualidade da educação básica
Educação
Portaria 555 2007 Política Nacional de Educação Especial na Perspectiva da Educação Inclusiva (Documento elaborado
pelo Grupo de Trabalho nomeado pela Portaria nº 555/2007, prorrogada pela Portaria nº 948/2007, entregue ao Ministro da Educação em 07 de janeiro de 2008) Educação
Decreto 6308 2007 Dispõe sobre as entidades e organizações de assistência social de que trata o art. 3o da Lei no 8.742, de
7 de dezembro de 1993, e dá outras providências. Assistência social
Decreto 6214 2007
Regulamenta o benefício de prestação continuada da assistência social devido à pessoa com deficiência e ao idoso de que trata a Lei no 8.742, de 7 de dezembro de 1993, e a Lei nº 10.741, de 1º de outubro de
2003, acresce parágrafo ao art. 162 do Decreto no 3.048, de 6 de maio de 1999, e dá outras providências
Assistência social
Portaria 1683 2007 Aprova, na forma do Anexo, a Normas de Orientação para a Implantação do Método Canguru Saúde
Decreto 186 2008 Aprova o texto da Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência e de seu Protocolo
Facultativo, assinados em Nova Iorque, em 30 de março de 2007. Direitos humanos
Decreto 6564 2008 Altera o Regulamento do Benefício de Prestação Continuada, aprovado pelo Decreto no 6.214, de 26 de
setembro de 2007, e dá outras providências. Assistência social
Decreto 6571 2008 Dispõe sobre o atendimento educacional especializado, regulamenta o parágrafo único do art. 60 da Lei no9.394, de 20 de dezembro de 1996, e acrescenta dispositivo ao Decreto no 6.253, de 13 de novembro
de 2007. (Revogado pelo Decreto nº 7.611 de 2011) Educação
Portaria 2800 2008 Institui, no âmbito do Sistema Único de Saúde -SUS -, a Rede Norte-Nordeste de Saúde Perinatal. Saúde
Portaria 154 2008 Cria os Núcleos de Apoio à Saúde da Família - NASF. Saúde
Lei 11982 2009 Acrescenta parágrafo único ao art. 4o da Lei no 10.098, de 19 de dezembro de 2000, para determinar a adaptação de parte dos brinquedos e equipamentos dos parques de diversões às necessidades das
Acessibilidade
194
pessoas com deficiência ou com mobilidade reduzida
Decreto 6949 2009 Promulga a Convenção Internacional sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência e seu Protocolo
Facultativo, assinados em Nova York, em 30 de março de 2007. Assistência social
Decreto 7037 2009 Aprova o Programa Nacional de Direitos Humanos - PNDH-3 e dá outras providências Direitos humanos
Portaria 1 2009
Institui instrumentos para avaliação da deficiência e do grau de incapacidade de pessoas com deficiência requerentes ao Benefício de Prestação Continuada da Assistência Social - BPC, conforme estabelece o art. 16, § 3º, do Decreto nº 6.214, de 26 de setembro de 2007, alterado pelo Decreto nº 6.564, de 12 de
setembro de 2008. (Revogada pela Portaria Conjunta MDS/INSS nº 1 de 2011)
Assistência social
Portaria 44 2009 Estabelece instrucoes sobre o Benefício de Prestacao Continuada da Assistencia Social - BPC,
referentes a dispositivos da Norma Operacional Basica – NOB/SUAS/2005.
Resolução 109 2009 Aprova a Tipificação Nacional de Serviços Socioassistenciais Assistência social
Resolução 4 2009 Institui Diretrizes Operacionais para o Atendimento Educacional Especializado na Educacao Basica,
modalidade Educacao Especial. Educação
Portaria 2395 2009 Institui a Estratégia Brasileirinhas e Brasileirinhos Saudáveis e cria o Comitê Técnico- Consultivo para a
sua implementação Saúde
Lei 12319 2010 Regulamenta a profissão de Tradutor e Intérprete da Língua Brasileira de Sinais - LIBRAS Acessibilidade
Decreto 7388 2010 Dispõe sobre a composição, estruturação, competências e funcionamento do Conselho Nacional de
Combate à Discriminação - CNCD. Direitos humanos
Portaria 706 2010 Dispoe sobre o cadastramento dos beneficiarios do Beneficio de Prestacao Continuada da Assistencia
Social e de suas familias no Cadastro Unico para Programas Sociais do Governo Federal. Assistência social
Portaria 4279 2010 Estabelece diretrizes para a organização da Rede de Atenção à Saúde no âmbito do Sistema Único de
Saúde (SUS) Saúde
Lei 12470 2011 […] altera os arts. 20 e 21 e acrescenta o art. 21-A à Lei no 8.742, de 7 de dezembro de 1993 - Lei
Orgânica de Assistência Social, para alterar regras do benefício de prestação continuada da pessoa com deficiência
Assistência social
Decreto 7612 2011 Institui o Plano Nacional dos Direitos da Pessoa com Deficiência - Plano Viver sem Limite. Direitos da pessoa
com deficiência
Lei 12435 2011 Altera a Lei no 8.742, de 7 de dezembro de 1993, que dispõe sobre a organização da Assistência Social Assistência social
Decreto 7617 2011 Altera o Regulamento do Benefício de Prestação Continuada, aprovado pelo Decreto no 6.214, de 26 de
setembro de 2007. Assistência social
Portaria 1 2011 Estabelece os criterios, procedimentos e instrumentos para a avaliacao social e medico- pericial da
deficiencia e do grau de incapacidade das pessoas com deficiencia requerentes do Beneficio de Prestacao Continuada da Assistencia Social, revoga com ressalva a Portaria Conjunta MDS/INSS no 01,
Assistência social
195
de 29 de maio de 2009, e da outras providencias (Revogado pela Portaria Conjunta INSS/MDS Nº 2 de 2015)
Decreto 7611 2011 Dispõe sobre a educação especial, o atendimento educacional especializado e dá outras providências Educação
Portaria 793 2012 Institui a Rede de Cuidados à Pessoa com Deficiência no âmbito do Sistema Único de Saúde. Saúde
Portaria 930 2012 Define as diretrizes e objetivos para a organização da atenção integral e humanizada ao recém-nascido grave ou potencialmente grave e os critérios de classificação e habilitação de leitos de Unidade Neonatal
no âmbito do Sistema Único de Saúde (SUS). Saúde
Portaria 2362 2012 Institui Comitê de Especialistas e de Mobilização Social para o Desenvolvimento Integral da Primeira
Infância no âmbito do Sistema Único de Saúde (SUS) Saúde
Portaria 522 2013 Aprova o protocolo de uso do Palivizumabe Saúde
Portaria 3389 2013
Altera, acresce e revoga dispositivos da Portaria nº 930/GM/MS, de 10 maio de 2012, que define as diretrizes e objetivos para a organização da atenção integral e humanizada ao recém-nascido grave ou
potencialmente grave e os critérios de classificação e habilitação de leitos de Unidade Neonatal no âmbito do Sistema Único de Saúde (SUS).
Saúde
Lei 13005 2014 Aprova o Plano Nacional de Educação - PNE e dá outras providências. Educação
Portaria 20 2014 Torna pública a decisão de incorporar a oximetria de pulso - teste do coraçãozinho, a ser realizado de
forma universal, fazendo parte da triagem Neonatal no Sistema Único de Saúde - SUS. Saúde
Portaria 1153 2014 Redefine os critérios de habilitação da Iniciativa Hospital Amigo da Criança (IHAC), como estratégia de
promoção, proteção e apoio ao aleitamento materno e à saúde integral da criança e da mulher, no âmbito do Sistema Único de Saúde (SUS).
Saúde
Portaria 371 2014 Institui diretrizes para a organização da atenção integral e humanizada ao recémnascido (RN) no
Sistema Único de Saúde(SUS). Saúde
Portaria 483 2014 Redefine a Rede de Atenção à Saúde das Pessoas com Doenças Crônicas no âmbito do Sistema Único
de Saúde (SUS) e estabelece diretrizes para a organização das suas linhas de cuidado Saúde
Lei 13146 2015 Institui a Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência (Estatuto da Pessoa com Deficiência). Direitos da pessoa
com deficiencia
Portaria 1130 2015 Institui a Política Nacional de Atenção Integral à Saúde da Criança (PNAISC) no âmbito do Sistema
Único de Saúde (SUS). Saúde
Portaria 2 2015 Dispõe sobre critérios, procedimentos e instrumentos para a avaliação social e médica da pessoa com
deficiência para acesso ao Benefício de Prestação Continuada. Assistência social
Fonte: Elaboração da própria autora a partir dos dados da pesquisa, Belo Horizonte (MG), 2016.
196
APÊNDICE F – Artigo “Direitos sociais das crianças com condições crônicas: análise crítica das políticas públicas brasileiras”22
Direitos sociais das crianças com condições crônicas
DIREITOS SOCIAIS DAS CRIANÇAS COM CONDIÇÕES CRÔNICAS:
ANÁLISE CRÍTICA DAS POLÍTICAS PÚBLICAS BRASILEIRAS
LOS DERECHOS SOCIALES DE LOS NIÑOS EN CONDICIONES
CRÓNICAS: ANÁLISIS CRITICO DE LAS POLÍTICAS PÚBLICAS
BRASILEÑAS
SOCIAL RIGHTS OF CHILDREN WITH CHRONIC CONDITIONS:
CRITICAL ANALYSIS OF BRAZILIAN PUBLIC POLICIES
Tatiana Silva Tavares1
Elysângela Dittz Duarte1
Roseni Rosângela de Sena (In memoriam)1
1. Universidade Federal de Minas Gerais. Belo Horizonte, MG. Brasil
RESUMO:
Objetivo: Analisar as políticas públicas brasileiras atuais que asseguram os direitos
sociais das crianças com condições crônicas, nas áreas da saúde, assistência social e
educação. Método: Pesquisa documental de legislações que configuram políticas
relacionadas à atenção às crianças com doença crônica e pessoas com deficiência nos
âmbitos dos direitos humanos, saúde, assistência social e educação. Foi realizada
análise crítica do discurso de três legislações selecionadas. Resultados: As crianças
com condições crônicas são contempladas nas legislações pela representação de
crianças com doenças crônicas ou com deficiências. Verificam-se discursos do
modelo social da deficiência, da criança e da pessoa com deficiência como sujeitos de
direitos, da responsabilidade do estado na garantia de direitos sociais e da
corresponsabilidade da família. Evidenciaram-se discursos associadas à ideologia de
direitos humanos em conflito com a ideologia de normalização. Conclusão: As ações
definidas para esse grupo são incipientes e com indícios de restrição de
financiamento, revelando lutas ideológicas.
PALAVRAS-CHAVE: Crianças com deficiência; Doença crônica; Seguridade
Social; Defesa da Criança e do Adolescente; Enfermagem Pediátrica.
RESUMEN:
Objetivo: Analizar las políticas públicas brasileñas actuales que aseguran los
derechos sociales de los niños con condiciones crónicas, en las áreas de salud,
asistencia social y educación. Método: Investigación documental de las legislaciones
que configuran políticas relacionadas a la atención de los niños con enfermedad
crónica y personas con discapacidad en los ámbitos de los derechos humanos, salud,
asistencia social y educación. Se realizó un análisis crítico del discurso de tres
22 Artigo aprovado para publicação no periódico Esc. Anna Nery, v. 21, n. 04, 2017.
197
legislaciones seleccionadas. Resultados: Las legislaciones contemplan a los niños
con condiciones crónicas mediante la representación de niños con enfermedades
crónicas o con discapacidades. Se verifican discursos del modelo social de la
discapacidad, del niño y de la persona con discapacidad como sujetos de derechos, de
la responsabilidad del estado para garantizarles los derechos sociales y de la
corresponsabilidad de la familia. Se evidenciaron también discursos asociados a la
ideología de derechos humanos en conflicto con la ideología de regulación.
Conclusión: Las acciones definidas para ese grupo son todavía incipientes y se notan
indicios de financiación limitada, revelando luchas ideológicas.
PALABRAS-CLAVES: Niños con discapacidades; Enfermedad crónica; Seguridad
Social; Defensa del Niño y del Adolescente; Enfermería Pediátrica.
ABSTRACT:
Objective: To analyze the current Brazilian public policies that guarantees the social
rights of children with chronic conditions, in the areas of health, social assistance and
education. Method: Documentary research of laws that shape policies related to the
attention to children with chronic illness and people with disabilities in the areas of
human rights, health, social assistance and education. A critical analysis of the
discourse of three selected legislations was carried out. Results: Children with
chronic conditions are covered by legislation for the representation of children with
chronic diseases or disabilities. There are discourses of the social model of disability,
of children and people with disabilities as subjects of rights, of the state's
responsibility in relation to the guarantee of social rights and the co-responsibility of
the family. Discourses associated with the ideology of human rights in conflict with
the ideology of normalization were evidenced. Conclusion: The actions defined for
this group are incipient and with signs of restricting financing, revealing ideological
struggles.
KEYWORDS: Children with disabilities; Chronic disease; Social Security; Defense
of Children and Adolescents; Pediatric Nursing.
INTRODUÇÃO
Os direitos sociais foram legitimados para os brasileiros pela Constituição
Federal de 1988, em um contexto de reivindicação dos movimentos sociais por
reforma democrática do Estado e reordenamento das políticas sociais1. De acordo
com a Constituição, os direitos sociais são “a educação, a saúde, a alimentação, o
trabalho, a moradia, o transporte, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção
à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados [...]”2. A partir da
promulgação dessa constituição foi construído um aparato legal visando regulamentar
as políticas sociais. Destaca-se, neste estudo, a garantia de direitos sociais das
crianças com condições crônicas (CCC), considerando que essas condições têm
aumentado mundialmente nas últimas décadas devido ao progresso na atenção à
198
saúde3. Além de possibilitar a sobrevida dessas crianças, é preciso compromisso ético
com sua qualidade de vida e inclusão social.
Adota-se a definição de condição crônica na infância que inclui condições com
base biológica, psicológica ou cognitiva que duraram ou têm potencial para durar pelo
menos um ano e que produzem uma ou mais das seguintes repercussões: limitações de
função, atividade ou papel social em comparação com crianças da mesma idade sem
alterações no crescimento e desenvolvimento; dependência de mecanismos
compensatórios - medicamentos, alimentação especial e dispositivos tecnológicos - ou
de cuidados devido às limitações de funções; necessidade ou uso de serviços acima do
usual para a idade, como os serviços de saúde ou de educação3. Essa definição inclui
também as crianças com deficiências.
Em 1990, o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) formalizou crianças e
adolescentes como sujeitos de direitos, o que implicou em alterações normativas e
culturais para as políticas públicas e serviços destinados ao atendimento deles no
País4. Foi-lhes assegurado, com prioridade, direito à vida e à saúde, à liberdade, ao
respeito e à dignidade, à convivência familiar e comunitária, à educação, à cultura, ao
esporte e ao lazer, à profissionalização e à proteção no trabalho5. Além desses
direitos, a Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência - Estatuto da Pessoa
com Deficiência – garantiu, em 2015, às crianças e aos adolescentes com deficiência
direito à igualdade e não discriminação, à habilitação e à reabilitação, à moradia, à
assistência social, ao transporte e à mobilidade e à acessibilidade6. Essas legislações
se inserem em um contexto mundial de proteção dos direitos humanos, com a adoção
das Convenções sobre os Direitos das Crianças em 1989 e das Pessoas com
Deficiência em 2006 na Assembleia Geral das Nações Unidas, sendo ratificadas no
País em 1990 e 2009, respectivamente7-8.
Porém, estudos atuais verificaram dificuldades da família para realizar os
cuidados no domicílio, ter acesso e utilizar os serviços de saúde, educação e
assistência social, obter medicamentos, alimentação especial e tecnologias assistivas9-
12. Essas dificuldades podem impedir o atendimento das necessidades das CCC,
comprometendo suas possibilidades de autonomia e participação social. Além de
direitos sociais constitucionalizados em normas procedimentais e legais, é necessária
a existência de direitos institucionalizados, por meio de aparato institucional estatal,
que inclui saberes e práticas para implementar as políticas públicas, permitindo
consolidar a cidadania e a inclusão social1. Caso contrário, a responsabilidade pública
199
de proteção social, assumida na Constituição Federal2, acaba sendo transferida para a
dimensão privada das famílias das CCC.
Os direitos sociais, constitutivos da cidadania, destinam-se a assegurar a
participação igualitária de todos os membros de uma comunidade nos seus padrões
básicos de vida. Porém, ao fazê-lo por via de direitos e deveres gerais e abstratos
reduzem a individualidade ao que nela há de universal. A igualdade da cidadania
embate com a diferença da subjetividade, sendo que no marco da regulação liberal ela
é seletiva e deixa intocada diferenças. Essa tensão só é suscetível de superação, no
caso de a relação entre a subjetividade e cidadania ocorrer no marco da emancipação,
no qual é possível considerar a cidadania baseada em formas e critérios de
participação, estabelecendo uma relação mais equilibrada com a subjetividade13. A
institucionalização dos direitos no marco da emancipação poderia favorecer o
reconhecimento das diferentes necessidades das CCC.
Pressupõe-se que a formulação e implementação de políticas públicas que
asseguram os direitos sociais das CCC, reconhecendo suas diferenças, contribuem
para sua inserção na sociedade como cidadãs. Diante dessas reflexões, questiona-se:
Como as CCC são representadas nos textos das legislações? Quais as políticas e
estratégias do Estado brasileiro para assegurar os direitos sociais dessas crianças? O
objetivo deste estudo é analisar as políticas públicas brasileiras atuais que asseguram
os direitos sociais das CCC, nas áreas da saúde, assistência social e educação.
MÉTODO
Realizou-se pesquisa documental de legislações que configuram políticas
públicas brasileiras relacionadas às criança com doenças crônicas e pessoas com
deficiência nos âmbitos dos direitos humanos, da saúde, da assistência social e da
educação. Foram consideradas as legislações a partir de 1988, tendo a Constituição
Federal deste ano como marco. A busca e recuperação dos documentos foi realizada
entre janeiro e dezembro do ano de 2015, a partir de bancos de dados de legislações
disponibilizados pelo governo federal na internet, nos sites do Ministério da Saúde
(Saúde da Criança e Aleitamento Materno e Saúde da Pessoa com Deficiência), do
Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome (Assistência Social),
Ministério da Educação (Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização,
Diversidade e Inclusão) e Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da
República (Crianças e Adolescentes e Pessoa com Deficiência).
200
Obteve-se uma lista com 373 legislações, recuperadas na base de dados Portal
da Legislação. Após a leitura da parte preliminar do texto, que indica o tipo de
normativa, a data de promulgação, o objeto e o âmbito de aplicação, foram
selecionadas 95 legislações (22 leis, 31 decretos, 5 resoluções e 37 portarias)
relacionadas ao objeto de estudo, sendo estas organizadas em uma linha do tempo. O
critério para a seleção das legislações a serem analisadas na íntegra, neste estudo, foi
que a normativa regulamentasse as políticas públicas e estratégias vigentes nas áreas
da saúde, assistência social e educação para as crianças com doenças crônicas e
pessoas com deficiência. Considerando a relevância e atualidade, foram analisados
três documentos: Portaria MS/GM nº 1.130, de 5 de agosto de 201514; Lei nº 12.435,
de 6 de julho de 201115; e Decreto nº 7.611, de 17 de novembro de 201116. Foi
realizada busca de normativas citadas nos documentos, sendo analisados trechos
dessas normativas quando relevante para responder às questões do estudo.
Descreveu-se população alvo, objetivos, ações, recursos e competências
instituídas nessas legislações, tendo em conta os direitos sociais das CCC. Foi
realizada análise crítica do discurso orientada pela proposta de Fairclough, que propõe
um quadro tridimensional de análise. Para a análise textual foi explorado o
vocabulário. Na análise da prática discursiva foi utilizada a intertextualidade na
produção do texto, por recorrência a outros textos (intertextualidade manifesta) ou por
meio de elementos das ordens do discurso (interdiscursividade). As ordens do
discurso correspondem à totalidade das práticas discursivas de um domínio social e as
relações estabelecidas entre elas. Para a análise da prática social foram considerados
os efeitos ideológicos e políticos do discurso, destacando os efeitos de reprodução ou
transformação. Foi considerado o Significado Representacional relacionado aos
discursos, para analisar como as CCC são representadas17.
RESULTADOS E DISCUSSÃO
A Lei nº 12.435 de 2011, o Decreto nº 7.611 de 2011 e a Portaria MS/GM nº
1.130 de 2015 estabelecem normas para a execução das políticas públicas brasileiras
nas áreas da assistência social, educação e saúde relativas aos direitos sociais das
CCC. Essas legislações foram elaboradas pela Casa Civil da Presidência da República
e por grupos de trabalho dos respectivos Ministérios14-16.
As legislações analisadas foram promulgadas entre 2011 e 2015, em governos
que apresentavam como bandeira de luta o desenvolvimento de um estado de bem-
201
estar social no País. Porém, durante esses governos buscou-se o crescimento
econômico do capitalismo brasileiro, sem romper com o modelo econômico
neoliberal vigente. Foi promovido aumento do salário mínimo, criação de programa
habitacional e investimento em políticas de transferência de renda, ocasionando
redução da pobreza extrema18.
À época da elaboração destas legislações, os indicadores do País revelavam
uma população de crianças em idade de 0 a 14 anos, correspondente a 24,07% da
população brasileira. A taxa de mortalidade infantil e a taxa de mortalidade até 5 anos
eram, respectivamente, 16,70 e 18,83 por mil crianças nascidas vivas. Na faixa etária
de 0 a 14 anos, 7,53% apresentavam pelo menos uma das deficiências investigadas19.
A prevalência de doenças crônicas na faixa etária de 0 a 9 anos era de 19,3%, sendo
esta subestimada, pois a amostra foi constituída majoritariamente por indivíduos com
18 anos ou mais e foram investigadas doenças crônicas que acometem
predominantemente adultos20. A porcentagem de crianças, entre 0 a 5 anos, fora da
escola era de 56,85% e a de crianças extremamente pobres, de 0 a 14 anos, era de
11,47%19.
Nessa situação da infância no País, que exigia ações do Estado para melhorar
as condições de vida da população, o acesso à saúde e à educação, se insere a
promulgação das legislações analisadas neste estudo, evidenciando o reconhecimento
de um problema social e a proposta de soluções. A Política Nacional de Atenção
Integral à Saúde da Criança (PNAISC), no âmbito do Sistema Único de Saúde,
elaborada pelo Ministério da Saúde, foi instituída pela Portaria MS/GM nº 1.130, de 5
de agosto de 201514. A Lei nº 12.435, de 6 de julho de 2011, instituída pela Casa Civil
da Presidência da República15, altera a Lei nº 8.742 de 199321, a Lei Orgânica da
Assistência Social, que dispõe sobre sua organização. O Decreto nº 7.611, de 17 de
novembro de 2011, instituído pela Casa Civil da Presidência da República, dispõe
sobre a educação especial e a estratégia de Atendimento Educacional Especializado
(AEE) no ensino regular16. O Quadro 1 apresenta população alvo, objetivo, ações
relacionadas às CCC, estrutura, competências e participação social explicitados nas
legislações.
A partir da abordagem da população alvo é possível identificar que a
representação das crianças, no que é relativo àquelas com condições crônicas,
apresenta particularidades no vocabulário e discursos adotados em cada legislação.
Nos eixos estratégicos da PNAISC são propostas ações para as “crianças com doenças
202
crônicas” e para as “crianças com deficiência”, sendo estas consideradas parte do
grupo de crianças “em situação de vulnerabilidade”, para os quais é um desafio
garantir acesso às ações e serviços de saúde14. Evidencia-se uma especificação na
representação de criança e de suas necessidades, com reconhecimento das diferenças
entre os diversos grupos, quando consideramos documentos anteriores.
Na lei da Assistência Social evidenciam-se ações para crianças “em situação
de risco pessoal e social” e “pessoas com deficiência”. Em relação a representação da
pessoa com deficiência na lei atual, o termo “portadora” adotado na lei anterior foi
substituído por “com”, sendo a definição revisada, alterando a ideia de pessoa
“incapacitada para a vida independente e para o trabalho” pela de pessoa que tem
“impedimentos de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, os
quais, em interação com diversas barreiras, podem obstruir sua participação plena e
efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas”15. No
decreto sobre a educação especial, foram incluídos no público alvo os estudantes
“com deficiência” e “transtornos globais do desenvolvimento”, sendo ainda indicados
os “surdos ou com deficiência auditiva” e “cegos ou com baixa visão”16.
As crianças são classificadas em grupos nas legislações analisadas, sendo aquelas
com condições crônicas contempladas, principalmente, pela representação de crianças
com doenças crônicas ou com deficiências. O texto das normativas visa dar resposta
as necessidades de diferentes grupos de crianças, ampliando os problemas a serem
tratados pelas políticas sociais. Enquanto na saúde o enfoque é na doença ou
deficiência, sem aprofundamento conceitual, na assistência social e na educação a
abordagem da pessoa com deficiência evidencia o discurso do modelo social da
deficiência explicitado, respectivamente, pela definição apresentada e pela
intertextualidade com a Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência8.
Este modelo consolidou o conceito de deficiência como desvantagem social
devido à restrição de participação social provocada por barreiras ambientais e
atitudinais aos indivíduos com condições de saúde e alterações corporais específicas.
Foi contraposta a compreensão de deficiência apenas como conceito biomédico, que a
relaciona a doenças e lesões verificadas em uma perícia do corpo, sendo revelada sua
dimensão política e destacada a opressão e discriminação da pessoa com deficiência
decorrente da cultura da normalidade. A abordagem do modelo social da deficiência
foi adotada pela Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência, que cita a
203
Quadro 1- Descrição das legislações da saúde, assistência social e educação.
Legislação Portaria MS/GM nº 1.130 / 2015 Lei nº 12.435 / 2011 Decreto nº 7.611 / 2011
População alvo Da gestação aos 9 anos de vida, com especial
atenção à primeira infância e às populações mais
vulneráveis.
Família, mulheres no contexto da maternidade,
criança e adolescente, idoso, pessoas com
deficiência.
Pessoas com deficiência, com transtornos globais do
desenvolvimento e com altas habilidades ou
superdotação.
Objetivo Política Nacional de Atenção Integral à Saúde da
Criança (PNAISC): Promover e proteger a saúde
da criança e o aleitamento materno, mediante a
atenção e cuidados integrais e integrados, visando
à redução da morbimortalidade e um ambiente
facilitador à vida com condições dignas de
existência e pleno desenvolvimento
Assistência social: proteção social (garantir a
vida, a redução de danos e a prevenção da
incidência de riscos); vigilância
socioassistencial (analisar territorialmente a
capacidade protetiva das famílias e nela a
ocorrência de vulnerabilidades, de ameaças, de
vitimizações e danos); e defesa de direitos
(garantir o pleno acesso aos direitos no
conjunto das provisões socioassistenciais).
Atendimento Educacional Especializado (AEE):
prover condições de acesso, participação e
aprendizagem no ensino regular e garantir serviços de
apoio especializados de acordo com as necessidades
individuais dos estudantes; garantir a transversalidade
das ações da educação especial no ensino regular;
fomentar o desenvolvimento de recursos didáticos e
pedagógicos que eliminem as barreiras no processo de
ensino e aprendizagem; e assegurar condições para a
continuidade de estudos.
Ações Atenção Integrada às Doenças Prevalentes na
Infância – AIDPI, construção de diretrizes de
atenção e linhas de cuidado, fomento da atenção e
internação domiciliar às crianças com doenças
crônicas; articulação e intensificação de ações para
inclusão de crianças com deficiências nas redes
temáticas, mediante a identificação de situação de
vulnerabilidade e risco de agravos e adoecimento,
reconhecendo as especificidades deste público.
Benefício de Prestação Continuada (BPC);
programas voltados para a integração da
pessoa com deficiência.
Aprimoramento do atendimento educacional
especializado já ofertado; implantação de salas de
recursos multifuncionais; formação continuada de
professores; formação de gestores, educadores e
demais profissionais da escola para a educação na
perspectiva da educação inclusiva; adequação
arquitetônica de prédios escolares para acessibilidade;
elaboração, produção e distribuição de recursos
educacionais para a acessibilidade.
Estrutura Rede de saúde materna neonatal e infantil, atenção
básica à saúde, atenção especializada.
Centro de Referência de Assistência Social e
Centro de Referência Especializado de
Assistência Social.
Escolas regulares da rede pública e escolas especiais
ou especializadas de instituições comunitárias,
confessionais ou filantrópicas.
Competências Parceria entre Ministério da Saúde (articular e
apoiar), Secretarias de Saúde dos Estados
(coordenar implementação) e dos Municípios
(implementar). Financiamento tripartite.
Articulação entre esferas federal (coordenação
e normas gerais), estadual e municipal
(coordenação e execução). Cofinanciamento
dos entes federados, União responde pelo BPC.
Ministério da Educação prestará apoio técnico e
financeiro aos sistemas públicos de ensino dos Estados
e Municípios, e às instituições comunitárias,
confessionais ou filantrópicas sem fins lucrativos.
Participação
social
Participação e controle social. Participação da população, por meio de
organizações representativas.
Participação da família.
204
participação como parâmetro para a formulação de políticas públicas sociais para essa
população22. A adoção na saúde de uma abordagem baseada nas consequências das condições
crônicas na participação social da criança, independente de categorias de diagnósticos, como a
desenvolvida na Classificação Internacional de Funcionalidade, Incapacidade e Saúde (CIF),
pode favorecer o reconhecimento de suas necessidades e de suas famílias e a proposição de
ações para atender suas especificidades, visando sua qualidade de vida e inclusão social23.
Quanto às estratégias propostas nas legislações, na PNAISC foram definidos sete
eixos estratégicos com a finalidade de orientar e qualificar as ações e serviços de saúde da
criança no País. A política foi construída em virtude da constatação da necessidade de
fortalecimento dos eixos propostos para promover a integralidade do cuidado da criança,
articulando as ações de saúde em todos os níveis de atenção e em todas as esferas de gestão
do SUS14. Anteriormente, verificavam-se ações organizadas em uma perspectiva
programática, inexistindo uma política nacional de saúde da criança promulgada que visasse a
universalização das ações no território nacional24.
A intertextualidade manifesta com outras normativas e as ações apresentadas em cada
eixo estratégico da política evidenciam que a proposição de ações destinadas às crianças com
doenças crônicas ou com deficiência ainda é incipiente e vaga. Verifica-se a proeminência de
ações destinadas à qualificação da atenção ao recém-nascido. Considerando que a PNAISC se
organiza a partir da Rede de Atenção à Saúde14, a intertextualidade com a Portaria nº 793 de
2012, que institui a Rede de Cuidados à Pessoa com Deficiência no âmbito do Sistema Único
de Saúde25, permitiria maior definição das ações e estrutura para as crianças com condições
crônicas, especialmente para aquelas com deficiência, entretanto, esta Portaria não foi
mencionada.
A Lei nº 12.435 de 2011 acrescenta à Lei Orgânica da Assistência Social os objetivos
de vigilância socioassistencial e defesa de direitos15, em conformidade com o texto da Política
Nacional de Assistência Social, sendo verificada a intertextualidade com a Resolução nº 145
de 2004 que institui esta política26. Desde a promulgação da Lei Orgânica da Assistência
Social em 1993, estão previstas a “habilitação e reabilitação” das pessoas com deficiência, a
“promoção de sua integração à vida comunitária” e a “garantia de 1 (um) salário-mínimo de
benefício mensal” àquelas que “comprovem não possuir meios de prover a própria
manutenção ou de tê-la provida por sua família” 21.
No que diz respeito a esse meio de transferência de renda, designado Benefício de
Prestação Continuada (BPC), vale ressaltar as alterações das definições de família e de pessoa
com deficiência na legislação de 2011. A configuração da família é ampliada para além da
205
“unidade mononuclear”, mas é mantida a condição de “que vivam sob o mesmo teto”, não
contemplando a família estendida. Para concessão do benefício, a definição de pessoa com
deficiência foi revisada conforme abordado anteriormente e foi especificado que
impedimentos de longo prazo são “aqueles que incapacitam a pessoa com deficiência para a
vida independente e para o trabalho pelo prazo mínimo de 2 (dois) anos”15,21.
A adoção das diretrizes da CIF nos instrumentos para a avaliação das pessoas com
deficiência requerentes do BPC possibilitou incorporar a perspectiva biopsicossocial23.
Porém, considerando a determinação de que a assistência social será prestada a quem dela
necessitar na Constituição Federal e a definição de deficiência da Convenção sobre os
Direitos das Pessoas com Deficiência, a lei orgânica de 2011 restringe o âmbito da proteção
social ao associar impedimentos de longo prazo ao mínimo de dois anos e ao reafirmar o texto
da lei de 1993, segundo o qual a assistência social deverá prover os mínimos sociais para o
atendimento das necessidade básicas. Os mínimos sociais, entendidos como condições
mínimas de vida ou garantia de sobrevivência, sendo adotados como parâmetro para a
prestação da assistência social, ao invés da garantia de padrões adequados de vida,
desrespeitam os princípios da igualdade e da universalidade da Constituição Federal, visando
redução do impacto orçamentário do BPC. Embora seja preciso especificar critérios para a
implementação das estratégias distributivas das políticas, deve-se considerar o
comprometimento do potencial normativo da Convenção ao considerá-la “como uma vitória
no campo das lutas por reconhecimento, ignorando a vinculação que impõe em termos de
distribuição.”27:265.
Na organização dos serviços socioassistenciais é abordada a criação de programas
voltados para a “integração da pessoa com deficiência”, que devem ser articulados com o
benefício de prestação continuada, e programas de amparo, entre outros, às crianças e
adolescentes em situação de risco pessoal ou social. Embora esses programas estejam
previstos nas leis de 1993 e 2011, não foram apresentadas as diretrizes para concretizá-los ou
as normativas que os regulamentam15,21.
Em relação ao atendimento educacional especializado, o Decreto nº 7.611 de 2011,
dispõe que é concebido como o conjunto de atividades, recursos de acessibilidade e
pedagógicos prestado de forma complementar à formação para os estudantes com deficiência
e transtornos globais do desenvolvimento na sala de recursos multifuncionais16. O decreto
atual revoga o Decreto nº 6.571 de 2008 sobre o atendimento educacional especializado28.
Dentre as alterações, destaca-se a diretriz de “oferta de educação especial preferencialmente
na rede regular de ensino” e a definição que o “atendimento educacional especializado aos
206
estudantes da rede pública de ensino regular poderá ser oferecido pelos sistemas públicos de
ensino ou por instituições comunitárias, confessionais ou filantrópicas sem fins lucrativos,
com atuação exclusiva na educação especial”.
A retomada do atendimento em instituições especializadas reitera o tensionamento
com a proposta de inclusão escolar das crianças com deficiência, que também é evidenciado
na intertextualidade com os artigos 58 a 60 que dispõe sobre a educação especial da Lei das
Diretrizes e Bases da Educação Nacional. A legislação prevê que o atendimento educacional
seja feito em “escolas ou serviços especializados, sempre que, em função das condições
específicas dos alunos, não for possível a sua integração nas classes comuns de ensino
regular”29. Na perspectiva da inclusão escolar, essa abordagem pode representar um
retrocesso. Em 1994, a Política Nacional de Educação Especial condicionava o acesso às
classes do ensino regular àqueles em condições de acompanhar as atividades curriculares
programadas no ritmo dos alunos “normais”, conservando a educação dos alunos com
deficiência exclusivamente como responsabilidade da educação especial. Apenas a partir dos
anos 2000 foram elaboradas normativas fomentando o acesso dos alunos com deficiências às
turmas das escolas do ensino regular. Em 2008 foi desenvolvida a Política Nacional de
Educação Especial na Perspectiva da Educação Inclusiva30.
Os textos das legislações foram construídos com menção a diversos outros textos e
discursos. Verificam-se cadeias intertextuais explicitando as referências para a elaboração das
políticas e demarcando concepções relevantes acerca dos direitos das crianças, modo de
organização dos serviços e estratégias para a oferta de ações. Destacam-se como textos matriz
em todas as legislações a Constituição Federal de 19882, o ECA5 e as normativas que
promulgam convenções internacionais sobre direitos, como a Convenção sobre os Direitos da
Criança7 e a Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência8.
Os princípios e diretrizes abordados nos textos revelam uma multiplicidade de
discursos na construção das políticas. Compõem todas as legislações os discursos da criança e
da pessoa com deficiência como sujeitos de direitos e da responsabilidade do estado na
garantia de direitos sociais. Evidencia-se, também, o discurso de corresponsabilidade da
família, explicitando sua participação e visando favorecer a convivência familiar. Tanto na
saúde quanto na assistência social identifica-se o discurso de determinação social.
As representações das crianças e das pessoas com deficiência construídas no
vocabulário e nos discursos das legislações analisadas evidenciam significações associadas à
ideologia de direitos humanos, embasada em ideias de justiça e inclusão social por meio de
reformas estruturais, em conflito com a ideologia de normalização, fundamentada na
207
integração das pessoas com deficiência por meio de centros especializados na comunidade.
Ambas ideologias foram construídas na sociedade ocidental após a segunda guerra mundial
em luta contra a ideologia hegemônica de segregação, que adotava a institucionalização.
Nesse período, verificou-se uma convergência de ideias e movimentos em defesa dos direitos
humanos, sendo elaboradas as convenções da Organização das Nações Unidas; grupos sociais
oprimidos, como o de mulheres, articularam-se em busca de justiça social; investigações
desencadearam críticas às condições de institucionalização; e emergiu o estado de bem-estar
moderno com a ideia de direitos sociais31.
No Brasil, a legislação em vigor até a década de 1990 previa que, caso a família não
pudesse ou falhasse na proteção do menor, o Estado assumiria essa função. As crianças eram
confinadas em instituições de caridade de natureza religiosa que ocupavam-se da pobreza, ou
em instituições filantrópicas de natureza cientificista que buscavam a gestão de problemas
sociais, atuando com crianças pobres, “doentes mentais”, “deficientes” ou “delinquentes” de
forma a ordenar desvios a partir de um modelo de normalidade. Os movimentos sociais e
organizações não governamentais mobilizaram-se para mudar esse modelo e introduzir na
Constituição Federal de 1988 os direitos das crianças e dos adolescentes32-33.
A análise permite reconhecer o efeito político de transformação do discurso da
Constituição Federal de 1988, que incorpora o dever do estado em garantir os direitos sociais
no escopo legislativo desenvolvido a partir de sua promulgação. Após a instituição do ECA,
sobretudo a partir de 2000, os direitos das crianças passam a ser regulamentados nos textos
das legislações. Constata-se a definição de políticas públicas para assegurar os direitos sociais
das crianças, contemplando aquelas com doenças crônicas ou com deficiência, porém as
estratégias e ações definidas para esse grupo de crianças ainda são vagos. Destaca-se a área da
educação com a definição de ações destinadas às crianças com deficiência.
Apesar desses avanços, no texto das legislações da educação e da assistência social
verifica-se junto ao discurso da criança e da pessoa com deficiência como sujeitos de direitos
a persistência de vocabulário e significações que remetem ao discurso de integração e à
ideologia de normalização, revelando um conflito interdiscursivo. Esta ideologia aborda a
redução da diferença por meio de estratégias que não exigem uma transformação radical dos
serviços existentes, estão, portanto, em divergência com ações igualitárias da ideologia de
direitos humanos, como reconhecimento das diferenças e solidariedade31, que exigem a
adaptação da sociedade para eliminar barreiras à participação dos cidadãos.
Além disso, é pertinente questionar o quanto essa mudança discursiva tem produzido
mudanças na realidade que promovam acesso efetivo aos direitos, considerando o contexto
208
político, econômico, social e ideológico brasileiro. A institucionalização do modelo de
proteção social proposto na Constituição Federal de 1988 tem sido conflituosa devido ao
embate entre o previsto e os projetos governamentais após a sua promulgação, além dos
conflitos inerentes à democracia em construção. Nesse contexto, foram retomadas as
orientações liberais que defendem uma forte redução da presença do Estado na economia e
nas políticas sociais1,33. Verificam-se, desde então, “híbridos de políticas progressistas com
restrições importantes na cobertura, no financiamento e na qualidade da atenção, ainda com
baixo impacto na construção da cidadania social prevista”34:723.
No contexto internacional, apesar da garantia de direitos das CCC no âmbito
normativo, estudos evidenciaram desafios para a sua efetivação. Estudo realizado nos Estados
Unidos sobre a cobertura e a adequação do seguro de saúde para crianças com necessidades
especiais de saúde indicou a diminuição da cobertura privada para 50,7%, o aumento da
cobertura pública para 34,7% e a redução do número de crianças sem nenhum seguro para
3,5%. A proporção de crianças com cobertura adequada diminuiu na cobertura privada para
59,6% e aumentou na cobertura pública para 70,7%. Os autores enfatizaram que tanto
esforços de políticas nacionais quanto estaduais serão necessários para alcançar a meta de
todas as crianças com necessidades especiais de saúde terem cobertura de seguro de saúde
contínua e adequada para atender às suas necessidades35.
Os resultados de investigação conduzida em sete países da Europa sobre as políticas
de inclusão escolar de crianças com deficiência devido à paralisia cerebral evidenciaram que
46% das crianças participantes estavam em classes ou escolas especiais, embora a política
educacional desses países fosse favorável à inclusão em escola regular. As crianças com
deficiências mais graves raramente eram incluídas em escolas regulares e as crianças com
deficiência visual frequentavam escolas especiais em todos os países. Foram verificadas
diferenças significativas entre as regiões em razão das variações das políticas nacionais36.
Estudos desenvolvidos na África do Sul37, Egito38 e China39 constataram que a maioria
das crianças com deficiência não tinham acesso aos serviços de saúde37-39, educação37-38 e
assistência social37-38 para atendimento das suas necessidades e garantia de seus direitos. Os
autores ressaltaram a premência do Estado priorizar a implementação das políticas para
garantir os direitos das crianças com deficiência, disponibilizando recursos para ampliar a
oferta de serviços e torná-los acessíveis. Além disso, abordaram a importância de informar os
cuidadores sobre a rede de serviços37,39 e educar a população sobre os direitos dessas crianças
para que se responsabilize por sua promoção e proteção38.
209
Embora o ordenamento jurídico oriente a transformação de relações sociais ao afirmar
as crianças e as pessoas com deficiência como sujeitos de direitos, ainda verifica-se, na
sociedade, uma luta ideológica com diferentes representações das crianças com condições
crônicas, sendo evidenciadas discriminação e exclusão social daqueles que são diferentes.
Dessa forma, além do Estado, a família e a sociedade são imprescindíveis no reconhecimento
dessas crianças40. Para que as legislações possam ser instrumento de mudança das práticas
discursivas e das ideologias nelas construídas, revertendo a invisibilidade social das CCC,
faz-se necessária a distribuição e o consumo do texto dessas normativas por gestores e
profissionais das instituições de saúde, educação e assistência social, docentes, familiares e
representantes dessas crianças.
A participação da família foi prevista na legislação da educação e a participação
popular como prática de controle social foi prevista nas legislações das saúde e da assistência
social. Essa participação junto a atuação política dos movimentos e organizações sociais na
luta por uma sociedade mais justa e digna é importante para construir uma concepção e uma
prática contra hegemônica de direitos humanos41 e para manutenção e investimento em
políticas sociais pelo Estado42.
Dessa forma, a participação dos familiares das CCC, movimentos e organizações
sociais em conselhos e outras instâncias de negociação podem permitir efetivar e qualificar a
oferta de ações previstas nessas políticas, contemplando as diferenças da subjetividade. Este
artigo pode contribuir para a divulgação das legislações que asseguram direitos a essas
crianças. No estudo, foram analisadas as políticas até a fase de formulação e escolha de
soluções aos problemas. Recomenda-se a realização de pesquisas para avaliar as fases de
implementação e avaliação das políticas nos estados e municípios.
CONCLUSÕES E IMPLICAÇÕES PARA A PRÁTICA
Nas políticas públicas brasileiras que asseguram direitos sociais às CCC, estas são
representadas principalmente pelas crianças com doenças crônicas ou com deficiência. A
abordagem da pessoa com deficiência está de acordo com o modelo social da deficiência nas
legislações da assistência social e da educação. Os discursos revelam a criança e a pessoa com
deficiência como sujeitos de direitos e a responsabilidade do Estado na garantia dos direitos
sociais, com corresponsabilidade da família. Evidenciaram-se discursos associados à
ideologia de direitos humanos em conflito interdiscursivo com a ideologia de normalização.
210
Conclui-se que as estratégias e ações definidas para esse grupo de crianças ainda são
incipientes e com indícios de restrição de financiamento, revelando lutas ideológicas.
Portanto, para a garantia dos direitos sociais das CCC por meio das instituições
estatais, faz-se necessário especificar ações destinadas a atender suas necessidades,
considerando a ideologia de direitos humanos, e investir recursos para a universalidade da
cobertura e qualidade da atenção. Para que as legislações possam ser instrumento de mudança
das práticas discursivas e das ideologias nelas construídas, é preciso que sejam divulgadas
suas informações entre atores sociais da gestão, atenção, formação e controle social, incluindo
as CCC e seus familiares, com o intuito de nortear sua atuação e reivindicação pelas políticas
públicas sociais.
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215
ANEXOS
216
ANEXO A - Cartas de aprovação do projeto de pesquisa
217
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