Anais do XI Encontro Nacional de Educação Matemática – ISSN 2178–034X Página 1
UMA ANÁLISE DO MODELO DE FORMAÇÃO CONTINUADA DO PRÓ-
LETRAMENTO EM MATEMÁTICA
Ulisses Dias
Universidade Federal do Rio de Janeiro
Francisco Mattos
Instituto de Aplicação Fernandes Rodrigues da Silveira e Colégio Pedro II
Guilherme Silveira
Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro
Resumo: O Pró-Letramento foi um programa concebido em um modelo semipresencial de formação
continuada para professores dos anos iniciais do ensino fundamental, efetivado por um
modelo de rede multiplicadora, envolvendo formadores das universidades e professores
dos municípios. Este modelo permitiu a análise dos resultados de sala de aula pelos
formadores para completar um ciclo em que a avaliação do processo ocorreu durante a
ação. Neste trabalho, recolhemos impressões dos professores e tutores de quatro
municípios de Minas Gerais sobre o programa. As fontes de dados são grupos focais
realizados em visitas aos municípios participantes, através de discussões gravadas e
transcritas. Utilizamos para análise os relatos e as impressões orais dos participantes a
respeito de mudanças na prática de sala de aula de matemática e nas relações construídas
entre os sujeitos participantes, com ênfase na formação de redes colaborativas para as
discussões sobre aplicações de atividades utilizadas para tratar conteúdos matemáticos
relevantes.
Palavras-chave: Formação Continuada; Anos Iniciais do Ensino Fundamental; políticas
Públicas em Educação; Avaliação
1. Introdução
As avaliações em larga escala do governo federal apontam que o desempenho dos
alunos da educação básica no Brasil está distante de índices considerados como referência
em países desenvolvidos. Os resultados do SAEB e Prova Brasil mostram que, apesar dos
avanços observados ao longo dos últimos anos, há uma diferença a ser eliminada entre o
nível de instrução de nossos alunos hoje e a qualidade de aprendizagem necessária para
atender às demandas de uma sociedade plenamente desenvolvida.
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O Pró-Letramento obteve reconhecido êxito no cumprimento destes objetivos, no
que se refere a conteúdos de Matemática e Língua Portuguesa. O programa foi concebido
como uma iniciativa de larga escala que atendeu a todos os estados da federação,
priorizando os municípios com menor índice de desenvolvimento. Em alguns casos, a
totalidade dos municípios do estado foi atendida (Barroso & Guimarães, 2008; Brasil,
2006).
Neste artigo, analisamos os efeitos do Pró-Letramento de Matemática na prática de
sala de aula dos professores e as mudanças na relação destes com o ensino de Matemática.
Escolhemos um recorte sobre quatro municípios do estado de Minas Gerais e que
representam, com boa aproximação, resultados observados em cidades de diferentes
regiões do país. Os municípios selecionados foram: Paraopeba, Capim Branco, Sete
Lagoas e Pequi. Apesar da diversidade regional e diferentes níveis de desenvolvimento, as
dificuldades enfrentadas por professores e alunos dos anos iniciais nas cidades analisadas
revelam demandas similares a outros municípios mineiros no que tange às necessidades de
formação continuada (Arantes et. al., 2010).
Os dados deste artigo foram extraídos dos grupos focais, ocorridos nestes quatro
municípios, que contaram com professores cursistas e o tutor que atuou no programa, além
de pesquisadores envolvidos na análise. Em cada um dos municípios foi realizado um
encontro, do qual também participou um representante da universidade responsável pela
formação. O objetivo destes grupos focais foi compreender a experiência dos professores
com o programa, identificar mudanças nas práticas pedagógicas cotidianas a partir das
atividades propostas, compreender de que forma o Pró-Letramento se diferencia de outros
programas de formação vivenciados pelos grupos analisados e as mudanças observadas na
relação entre os professores sujeitos desta pesquisa.
2. O Pró-Letramento
O Pró-Letramento foi concebido inicialmente como uma iniciativa emergencial de
grande escala que propunha ações concretas para a melhoria da formação dos professores
em serviço nos anos iniciais do ensino fundamental, como parte de ações da Rede Nacional
de Formação Continuada de Professores (REDE) (Brasil, 2006; Santos, 2008). Em
documentos sobre a REDE, pode-se perceber uma intenção de influenciar diretamente na
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complementação dos estudos dos professores como uma alternativa para melhorar a
educação:
O sistema em referência compreende o conceito de
desenvolvimento profissional dos professores como um processo
contínuo de formação no qual a formação inicial e a continuada
apresentam-se como etapas complementares. (...) Sua
implementação está fundamentada no princípio da adesão, e seu
sucesso passa pelo engajamento ativo dos estados, do Distrito
Federal e dos municípios, e pela estreita articulação das redes de
ensino com as instituições formadoras, especialmente as
universidades públicas.
(BRASIL, 2005)
A elaboração dos materiais didáticos e execução das ações do programa ficou sob
responsabilidade dos Centros de Matemática e de Ciência e os Centros de Linguagem. A
produção de materiais didáticos para o curso em Matemática visou suprir reconhecidas
dificuldades dos professores com determinados conteúdos, como frações, números e
operações. Além disso, houve a preocupação em apresentar aos professores atividades que
ajudassem a melhor entender os conteúdos abordados e encorajá-los à aplicação direta de
algumas delas com seus alunos em classes.
O Pró-Letramento consistiu de um programa de formação continuada de
professores do primeiro ciclo do ensino fundamental (1º ao 5º anos) nas áreas de
Leitura/Escrita e Matemática, com o objetivo de aprimorar a qualidade da educação nesta
importante fase do processo escolar. O programa funcionou na modalidade semipresencial,
com acompanhamento à distância por meio de relatórios de tutores e portfólios de
professores cursistas sobre as atividades realizadas em sala de aula com os alunos. Os
Centros também utilizaram uma plataforma virtual pela qual era possível oferecer suporte
imediato algumas demandas dos municípios.
Os Centros foram responsáveis pela seleção e capacitação dos formadores, que
foram responsáveis pela capacitação de tutores designados por estados e municípios
participantes do programa. Os tutores receberam orientações sobre as atividades que
deveriam reproduzir junto a seus pares em encontros presenciais em polos designados
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previamente entre os representantes do MEC e os gestores estaduais. Em alguns estados, a
UNDIME cuidou da logística dos encontros regionais.
O processo de escolha dos tutores foi atribuição de cada rede municipal ou estadual,
bem como a inscrição de professores cursistas e a organização dos encontros presenciais
nos municípios.
Figura 1: Esquema Organizacional do Pró-Letramento
Os tutores organizam encontros periódicos com os cursistas no município e
acompanham o desenvolvimento das atividades nas escolas, parte delas com os alunos, em
sala de aula. Para documentar as ações nos municípios, os tutores elaboraram relatórios e
orientaram os cursistas a construir portfólios das atividades desenvolvidas com os alunos e
nos estudos referentes aos encontros. Desse material foram escolhidas algumas amostras
representativas que fizeram parte da avaliação do programa e, eventualmente,
apresentaram mudanças no material didático, na forma de condução do conteúdo ou na
própria avaliação.
Formadores Tutores Professores cursistas Alunos
A cada etapa, alcança-se um grupo maior de indivíduos, evidenciando um processo
de multiplicação. Por outro lado, a obrigatoriedade de aplicação de atividades com os
alunos é uma garantia de que as mesmas sejam efetivamente utilizadas em sala de aula. A
combinação do alcance atingido pela estrutura planejada e a obrigatoriedade de levar as
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atividades para a sala de aula, com retorno das avaliações, são características importantes
do Pró-Letramento. Outras informações sobre o processo de implementação do programa
podem ser encontrados em Alferes & Mainardes (2012).
Boa parte das atividades propostas no curso utiliza a manipulação de materiais
concretos e foram prioritariamente pensadas para que pudessem ser confeccionados pelos
professores cursistas e utilizados em sala de aula. Em alguns casos “materiais de sucata”
como caixas de papelão, tampinhas e canudos são utilizados. Os fascículos tratam os
conteúdos, com foco nos processos e na construção de ideias matemáticas, predominando a
preocupação com a compreensão dos mesmos.
Os encontros presenciais estabeleceram, segundo relatos obtidos neste trabalho,
uma rede de colaboração, em que professores trabalharam em conjunto para a confecção e
discussão de atividades a serem aplicadas em sala de aula. Isso permitiu que os
participantes compartilhassem experiências, dificuldades e soluções, tendo como efeito
uma melhoria da qualidade de todo o grupo.
3. Saberes Docentes e Formação de Professores
O Pró-Letramento foi planejado com ênfase nos conteúdos a serem tratados com os
professores, com foco na problematização e aplicação dos mesmos em sala de aula. A ideia
de trabalhar conteúdos-chave nos fascículos remete a uma preocupação de valorizar
alguns saberes com os professores, utilizando o trabalho e discussão das atividades em
grupo para potencializar os resultados.
Sobre esta questão, o fascículo de matemática pontua:
O Pró-Letramento em matemática prevê a utilização do princípio
da problematização dos conteúdos e das práticas cotidianas dos
professores para o ensino da matemática. Busca significar práticas
e conteúdos sem perder a cientificidade necessária à vida do
cidadão, trazendo à tona novas leituras com novos enfoques para o
ensino da matemática.
[...]
Pretende-se, ao optar por uma metodologia que utilize momentos
presenciais e a distância, constituir uma comunidade de
aprendizagem em rede, sob os princípios da cooperação, do
respeito e da autonomia, que constituem os princípios de um grupo
de estudos.
(BRASIL, 2007a, p. 9)
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Estas características diferenciam o Pró-Letramento de outras iniciativas de
formação continuada (e.g. PCN's em Ação) em que não há preocupação imediata de
aplicação das atividades em sala de aula. Ao aliar o conteúdo matemático com
metodologias pedagógicas para aplicação em sala de aula, aumentam as possibilidades que
estas metodologias sejam utilizadas pelos professores e, portanto, novas práticas e
conteúdos cheguem aos alunos.
Esta opinião é corroborada por alguns autores, como Tardif (2008) e Shulman
(1986). De fato,
Os professores [...] tendem a hierarquizar [os saberes] em função
de sua utilidade no ensino. Quanto menos utilizado no trabalho é
um saber, menos valor profissional parece ter [...]. Os saberes
oriundos da experiência de trabalho cotidiana parecem constituir o
alicerce da prática e da competência profissionais, pois essa
experiência é, para o professor, a condição para a aquisição e
produção de seus próprios saberes profissionais.
(TARDIF, 2008, p 21)
O papel do professor é valorizado por esta abordagem, enfatizando uma
multidimensionalidade da formação profissional, englobando não só o caráter acadêmico,
mas também o desenvolvimento pessoal, profissional e organizacional da profissão
docente. Com isso, entendem-se os processos envolvidos na profissão docente não apenas
como métodos, técnicas e conteúdos, mas também outras questões, como o ambiente
profissional, as relações com outros professores e as condições de trabalho com os alunos.
Com isso, a formação do professor é um processo contínuo, que ocorre nos diversos
ambientes de prática profissional. A formação dos professores também deve ser entendida
como um processo de autoformação, ou seja, de permanente reelaboração dos objetivos
iniciais, em confronto com a prática, fazendo com que os saberes sejam permanentemente
reconstruídos pela e na prática.
Ao valorizar o trabalho dos professores em grupo, o Pró-Letramento cria um
ambiente de discussão e troca de experiências, tornando os encontros presenciais um dos
mais ricos espaços de formação. A discussão e planejamento de atividades em grupo são os
catalisadores para a criação de uma rede de contatos entre os professores que serve tanto
para a elaboração de atividades do programa como para a discussão de questões de fundo
da própria prática dos docentes em seus municípios.
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A questão da mudança de práticas dos professores esteve presente desde a
concepção do programa. De fato, segundo Belfort & Mandarino,
Nosso desafio também reside na necessidade de que o professor
supere a formação matemática superficial e deficiente que recebeu,
tanto em sua escolarização básica, quanto nos cursos de formação
profissional. Tais constatações nos colocam diante da necessidade
de que programas de formação continuada sejam capazes de
(re)construir o saber matemático do professor e mobilizar para
mudanças mais efetivas e permanentes em sua prática didática.
Estes são pressupostos básicos que nortearam a construção do
material e da proposta de trabalho do Programa Pró-Letramento em
matemática.
(BELFORT & MANDARINO, 2008)
Esta visão do professor como ator principal de seu processo de formação tem sido
amplamente estudada por diversos autores (e.g. Ball, 2000; Stigler & Hiebert, 1999;
Tardif, 2008; Shulman, 1986; Nunes, 2001). Com efeito, há que se investir em uma
mudança profunda em todos os processos envolvidos na formação dos professores, tendo
em vista uma valorização e aprofundamento dos saberes envolvidos em sua prática. Além
disso, esta nova visão supõe uma transformação do foco da pesquisa educacional, dando
mais ênfase aos saberes da prática dos professores, sem deixar de lado questões como
métodos e técnicas. De fato,
[existe agora] a necessidade de repensar a formação para o
magistério, levando em conta os saberes dos professores e as
realidades específicas do seu trabalho cotidiano. [...] uma nova
articulação e um novo equilíbrio entre os conhecimentos
produzidos pelas universidades a respeito do ensino e o saberes
desenvolvidos pelos professores em suas práticas cotidianas.
(TARDIF, 2008, p 22)
Resultados recentes de pesquisa evidenciam que a formação continuada de
professores pode ter resultados positivos na melhoria do desempenho dos estudantes, tendo
em vista “o desempenho dos alunos em avaliação de larga escala e a ação prática frente às
competências avaliadas” (Souza, 2013).
4. Coleta e Análise dos Dados
Este trabalho é um aprofundamento dos resultados apresentados por Barroso &
Guimarães (2008), sobre uma análise do desempenho dos estados brasileiros na prova da 4ª
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série (atual 5° ano) do SAEB de 2007, comparando os estados que participaram e os que
não participaram do Pró-Letramento. A pesquisa mostrou que os estados que aderiram ao
programa apresentaram um incremento do desempenho acima da média nacional durante o
mesmo período. Este aumento tem correlação com a proporção de municípios atendidos
nos estados participantes. A pesquisa indica que o programa impulsionou a melhoria dos
índices educacionais pesquisados onde a formação havia sido concluída.
Porém, o trabalho de Barroso & Guimarães não visa compreender detalhes sobre a
adoção de práticas transformadoras nos municípios atendidos, nem inferir qual parcela da
melhora do desempenho dos mesmos nos indicadores pode ser atribuída ao programa.
Além disso, seria interessante saber como o Pró-Letramento difere de outras iniciativas que
já foram experimentadas por este grupo de professores, tanto no método, quanto no alcance
das atividades no contexto de sala de aula.
Com isso, foram planejadas entrevistas com os professores em seu local de
trabalho, na forma de grupos focais, para discutir as características e experiências
envolvidas no programa. A abordagem de grupos focais utilizada é a proposta por Cohen,
Manion & Morrison:
Grupos Focais são entrevistas em grupo pensadas não como
perguntas e respostas entre um entrevistado e um grupo. Mais do
que isso, a entrevista se baseia na interação entre os membros do
grupo que discutem um tópico sugerido pelo entrevistador,
produzindo um trabalho mais coletivo que individual. Portanto, os
participantes interagem entre si mais do que o entrevistador, de
modo que as visões dos participantes possam emergir – a agenda
dos participantes predomina sobre a do entrevistador. É da
interação do grupo que os dados emergem.
(COHEN, MANION & MORRISON, 2011, p 436)
Utilizaremos esta fonte de coleta de dados para que a discussão do grupo de
professores seja o catalisador de conclusões sobre como ocorreram e foram modificadas
práticas antes, durante e após a conclusão da formação. Abordagens semelhantes têm sido
utilizadas para avaliações de programas semelhantes de formação continuada (e.g. Alferes
& Mainardes, 2012; Arantes et. al, 2010; Santos, 2008).
4.1 Etapa 1 - Pré-seleção dos municípios
Na fase de pré-seleção de municípios foram discutidas as características dos
municípios que fariam parte do trabalho. Foram considerados os seguintes critérios:
conclusão da formação do pró-letramento; proporção de professores participantes no
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município; população de pequeno ou médio porte; aumentos consideráveis nos indicadores
nacionais e facilidade de acesso. Pela quantidade e variedade, pela proporção de
municípios que fizeram a formação de Pró-Letramento (vide figura 2) e pelos resultados
satisfatórios nas avaliações de larga escala em todo o estado, selecionamos para esta
análise o estado de Minas Gerais, com preferência aos municípios na proximidade de Belo
Horizonte. Nesta etapa foram escolhidos doze municípios.
Figura 2: Proporção dos municípios com processo de formação finalizado em 2011
Foram selecionados e visitados os quatro municípios da Tabela 1.
Município População
(Habitantes)
Data da
Entrevista
Paraopeba 22.563 17/11/2011
Capim Branco 8.881 17/11/2011
Sete Lagoas 214.071 17/11/2011
Pequi 4.076 18/11/2011
4.2 Etapa 2 - Entrevistas com os professores cursistas
Foi pedido às tutoras que reservassem um espaço adequado para a realização dos
grupos focais, preferencialmente em locais em que tivessem ocorrido encontros de
formação. Esta preferência se justifica, pois era desejado que emergissem questões sobre as
relações entre os membros dos grupos e seu trabalho coletivo.
O grupo entrevistado foi formado exclusivamente por mulheres, com idade bastante
variável, todas professoras em exercício. O roteiro de entrevistas tinha como objetivo
responder às seguintes perguntas:
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1- Como foi a experiência do grupo com o Pró-Letramento?
2- As atividades transformaram a maneira como algum(ns) conteúdo(s) foi(ram)
ensinado(s)? Quais? De que forma foi esta mudança?
3- Como o Pró-Letramento se diferencia de outros programas de formação que este
grupo já passou?
4- Que mudanças ocorreram com este grupo ao longo da formação do Pró-
Letramento? Quais, dentre estas mudanças, permanecem?
5- Que tipo de retorno os alunos deram das atividades apresentadas?
6- Qual a avaliação geral do programa?
O rol de perguntas permite englobar uma série de fatores sobre como foram os
impactos do Pró-Letramento nos municípios atendidos. Cada grupo focal teve
aproximadamente uma hora e meia de duração e estas perguntas foram tratadas nos quatro
municípios selecionados, embora com maior ou menor ênfase, o que é uma característica
de grupos focais em geral. A seguir apresentamos a análise dos dados.
4.3 Etapa 4 - Análise dos dados
As entrevistas foram gravadas em vídeo e transcritas. Após este passo, foram
selecionadas respostas para as perguntas descritas acima. Devido às limitações de espaço
deste trabalho, nos restringiremos à apresentação da análise das duas primeiras questões.
Uma versão estendida deste artigo está em preparação e estará disponível em breve, com
uma análise completa dos resultados dos grupos focais.
1- Como foi a experiência do grupo com o Pró-Letramento?
Os relatos da experiência das cursistas mostram um grande entusiasmo em
apresentar como ocorreu a participação no Pró-Letramento. Emergiram respostas sobre
como as cursistas se organizaram para realizar a atividade e há vários exemplos de
interações com os alunos. Também emergiram respostas sobre a dificuldade de realizar as
atividades, que tomavam tempo tanto no planejamento quanto na confecção dos relatórios.
JOANA1: nossos alunos gostavam porque eram jogos, brincadeiras,
de uma maneira lúdica de se trabalhar. [...] É muito melhor do que
passar texto, do que ler. Eu achei cansativo [fazer as atividades],
mas foi válido sim.
LUCIMAR [...] a carga de trabalho eu acho que é pesado para o
professor, então quando você sai da escola e vai para um estudo já
1 Nomes Fictícios.
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está todo mundo cansado [...] você vai pra lá depois do horário e aí
às vezes até não tem todo aquele rendimento que poderia ter, mas o
conteúdo em si eu achei muito bom.
Várias cursistas falaram dos aspectos dinâmicos e lúdicos das atividades do Pró-
Letramento Matemática. A resposta dos alunos foi muito satisfatória, fazendo com que eles
se engajassem nas atividades propostas e “aprendessem mais matemática”, de acordo com
o ponto de vista das professoras:
LUCÍOLA: quando chegou naquela parte da Geometria, eu achei
tão concreto... porque a gente falar, expor, é diferente, mas quando
você pega um material que desdobra, como a tutora colocou lá pra
gente, e que você interage com aquele conteúdo, o conhecimento é
maior. [...] o aluno tem de colocar em prática, porque só escrever lá
na lousa e explicar não tem sentido como ele pegar e fazer, no
concreto...
JOANA: isso eu senti com os meus alunos, eu notei que eles
perceberam que sabem muita coisa também, que não é assim, o
professor passa tudo e eu estou aprendendo aqui. Como eles
trabalharam, eles perceberam que também tem muitos saberes que
vão aumentar.
[...]
Eles percebem que a gente está fazendo coisa nova, que a gente
está usando outro método de ensinar, a gente percebe na própria
criança que ela está gostando, que está sendo valido. Porque a aula
é outra quando você tem o domínio da matéria.
As falas apresentadas permitem perceber mudanças de visão frente os conteúdos
tratados por elas. Quando uma professora diz que a matemática está mais fácil para este
grupo de cursistas isto significa que está mais fácil ensinar os alunos, pois agora elas têm
um leque mais amplo de atividades que podem ser realizadas com o intuito de permitir que
os alunos entendam o conteúdo.
A principal mudança percebida foi na organização do grupo de professores. A
formação permitiu articular ações em escolas distintas, envolvendo vários grupos de
professores em atividades semelhantes. As tutoras funcionaram como um elemento
adicional de coesão. Como a organização do programa necessitava que a tutora fosse uma
professora que também estivesse em sala de aula, as cursistas perceberam a tutora como
uma igual, estreitando assim os laços de confiança entre elas. A qualidade do trabalho da
tutora pode ter um papel relevante nos resultados da formação.
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A análise dos dados nos faz perceber que a forma como o programa é organizado
permitiu uma mudança na maneira como os professores trabalham juntas e na visão que
elas têm do conteúdo matemático. O próximo passo é entender especificamente como – e
se – as práticas em sala de aula se transformaram.
2- As atividades transformaram a maneira como algum(ns) conteúdo(s) foi(ram)
ensinado(s)? Quais? De que forma foi esta mudança?
A preocupação de ensinar matemática para a compreensão e não para a repetição de
métodos e algoritmos pode ter impactos relevantes para a transformação da forma que os
professores ensinam certos conteúdos. Há relatos nos grupos focais sobre a utilização de
atividades com os alunos, principalmente as que envolvem material concreto. São
evidentes as referências a reações positivas dos alunos sobre utilização deste tipo de
atividade.
JULIANA: Sabe, os nossos alunos gostavam porque eram jogos,
brincadeiras, de uma maneira lúdica de se trabalhar. É muito
melhor do que passar texto, do que ler. Então eles gostavam...
JÉSSICA: A gente trabalha muito com jogos, com material
concreto e aí eu vi a oportunidade de trabalhar mais coisas além do
que eu já trabalhava ali, aproveitando lateralidade, aproveitar as
atividades das meninas também, levava para o reforço, construía
com eles os jogos também na sala e eu acho que foi bem válido.
Aproveitei bastante e continuo aproveitando.
DENISE: hoje eu trabalhei com meus alunos aquela parte do papel
quadriculado, porque a gente tinha muita dificuldade de trabalhar
figuras geométricas e para trabalhar centésimo, milésimo, etc.
Agora eu desenho no papel quadriculado a figura geométrica para
que eles dividam e façam a parte de milésimos e centésimos. Eles
tiveram muito mais facilidade para fazer o desenho na folha
quadriculada do que na folha lisa.
PATRICIA: e esse material nos ajudou muito, ano passado nós não
tivemos oportunidades, esse ano eu já consegui trabalhar na
multiplicação e na divisão com jogos que foram colocados para a
gente confeccionar, o tangram, as peças com formas geométricas
para construir maquetes, foi muito bom, muito prazeroso o curso.
Quando perguntadas sobre a utilização das atividades em sala de aula após o
término do programa, muitas professoras afirmaram fazer adaptações para se adequar às
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turmas que elas estão lecionando. Outras inverteram conteúdos, dando mais ênfase a
assuntos que, muitas vezes, não eram tratados com profundidade, como Geometria e
Aritmética.
ESTER (Sete Lagoas): É que nem geometria, né? Antes a gente
deixava geometria sempre pro final, porque a gente não tinha muita
segurança ou não sabia por que era tão importante. Agora a gente
coloca geometria no meio, no começo. Agora a gente tenta
intercalar os assuntos, porque o Pró-Letramento serviu pra mostrar
que eles estão ligados entre si.
ELIZABETH: depois do Pró-Letramento, fizemos sólidos
geométricos com material concreto, eles confeccionaram, eles
trouxeram objetos de casa que tinham a mesma forma, o
chapeuzinho de aniversário tem a forma do cone, então foi a forma
mais fácil de eles visualizarem.
Os depoimentos colhidos nos grupos focais nos permitem afirmar que houve
mudanças significativas na maneira como os professores se sentem em relação à
Matemática e que, provavelmente, isto influencia a adoção de novas práticas com os
alunos. Inversões de ordem, mudanças de ênfase e a adaptação de atividades para uso em
turmas de diferentes anos apoiam estas conclusões.
Também enfatizamos que muitas professoras têm dado mais atenção ao que os
alunos dizem em sala de aula, percebendo uma mudança de atitude deles em relação à
Matemática. Há vários relatos de experiências com alunos e de como eles foram afetados
pelas mudanças trazidas pelas atividades do programa. O retorno dos alunos foi o motivo
para que cursistas começassem a utilizar estas atividades em sala de aula e
experimentassem o uso de materiais, muitas vezes disponíveis na escola, mas que elas não
conheciam.
Um dos casos mais interessantes ocorreu em Capim Branco, onde o Pró-Letramento
foi o estopim para a criação de um laboratório de matemática, onde os alunos e professores
produziam material para o aprendizado. Esta escola, uma das que obteve maior
crescimento do IDEB em Minas Gerais no período de vigência do programa, é uma das
que o grupo de professores continuou trabalhando junto mesmo após o término da
formação.
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5. Conclusões
Com base neste trabalho, concluímos que houve mudanças positivas na maneira
como os professores compreendem o conteúdo matemático das séries iniciais, o que
impulsionou mudanças qualitativas na forma, ordem e ênfase dada aos assuntos tratados
em aula. Foram observadas mudanças na maneira como se introduziram e aprofundaram os
conteúdos que continuaram sendo sentidas mesmo dois anos após o término da formação
nos municípios avaliados. Atividades com materiais concretos são as com maior chance de
serem adotadas pelos professores em sua prática cotidiana.
Também se observou a formação de uma rede de colaborativa entre os professores,
consistindo de grupos de trabalho e discussão de conteúdo e práticas. Alguns destes grupos
continuaram atuando, embora em menor medida, após o término da formação. As redes
colaborativas serviram para troca de ideias e apoio ao trabalho dos professores, sendo um
elemento importante para o sucesso da iniciativa nos municípios pesquisados. As tutoras
tiveram um papel relevante, com sua liderança no grupo continuando após o fim do
período de formação. A qualidade do trabalho das tutoras é um dos pontos com maior
influência no sucesso da iniciativa, o que implica numa ênfase maior no processo de
seleção das mesmas como um ponto a ser levado em consideração no planejamento de
iniciativas semelhantes.
Concluímos que o programa teve impactos positivos, configurando um elemento
para fomentar mudanças de práticas e na geração de redes colaborativas que atuaram
persistentemente nos municípios analisados.
Agradecimentos
Este trabalho contou com o apoio da CAPES/Observatório da Educação 2010.
6. Referências:
ALFERES, M. A.; MAINARDES, J. Formação Continuada de Professores
Alfabetizadores: uma avaliação do programa Pró-Letramento. Meta: Avaliação, 2012, v.
4, n. 10, p. 1-27.
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ARANTES, A. P. P; SILVA, A. G.; SILVA, N. G.; SCHEIDE, T. J. F. A Formação
Continuada de Professores Atuantes na Rede Estadual de Ensino de Minas Gerais.
Colloquium Humanarum, 2010, v. 7, n. 1, p. 32-42.
BALL, D. L. Bridging Practices: Intertwining content and pedagogy in teaching and
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