Anita Abed - Artigo Metafora2004

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Texto aborda a Metáfora como ferramenta didática.

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A METFORA E A EDUCAO8METFORA: UM CAMINHO PSICOPEDAGGICO EM EDUCAO1Anita Lilian Zuppo Abed, 20041 Artigo publicado originalmente na Revista Construo Psicopedaggica. Instituto Sedes Sapientiae. So Paulo, ano XII, n 9, 2004.Anita Lilian Zuppo Abed - Mestre em Psicologia (Universidade So Marcos, SP); Psicloga (USP) e Psicopedagoga (PUC-SP); Docente em cursos de Ps-graduao em Psicopedagogia em vrias universidades; Psicopedagoga da Mind Lab Brasil.A Educao configura-se, na atualidade, como um grande desafio. Vivemos tempos de profundas e aceleradas transformaes mundiais, que implicam no nascimento de novas necessidades sociais e, em consequncia, em mudanas no papel da escola, que deve preparar a criana para a sua insero nessa sociedade em movimento. Historicamente, a Psicopedagogia comeou a se constituir na segunda metade do sculo 20, a partir das necessidades que brotavam no processo de transformao social e da limitao das cincias da poca, especialmente a Psicologia e a Pedagogia, em responder crescente demanda do fracasso escolar.Diante da nova realidade social, tambm nas cincias, e especialmente nas cincias humanas, movimentos de transformao se fazem presentes: o paradigma cientfico da ps- modernidade vem questionando o modelo da chamada Cincia Moderna, nico considerado vlido durante muito tempo. O nascimento da Cincia Moderna, no final da Idade Mdia, relacionou-se com a ruptura da rgida organizao feudal da sociedade medieval, em que o saber estava instalado no divino. A Verdade de Deus, representada pela Igreja, era absoluta e incontestvel (lembremo-nos da Inquisio), de modo que o movimento cientfico nasceu imbudo da necessidade de garantir verdades absolutas e de ser, tambm, incontestvel. Nos ltimos sculos, a sociedade ocidental viveu o apogeu da dominao da cultura europeia, justificada pela sua Cincia. O sculo 20, talvez o mais veloz em transformaes j vividas pelo Homem, assistiu ao pice das conquistas cientfico-tecnolgicas conquistas que podem salvar a humanidade de tantos males, mas que tambm podem destru-la com suas armas super poderosas.Os avanos tecnolgicos dos meios de comunicao e de transporte diminuram as dimenses do planeta, colocando a diversidade humana em contato. As concepes de neutralidade cientfica, de universo ordenado e imutvel, de verdade nica e de supremacia da razo, pilares da Cincia Moderna, segundo Morin (2000a), no se sustentam diante da velocidade das transformaes sociais, da pluralidade da produo cultural humana, do reconhecimento da condio histrica do Homem. A crtica ps-moderna ao reducionismo da Cincia Moderna se faz presente em vrios mbitos do discurso acadmico, na filosofia e tambm nas artes, em busca de novas possibilidades de construes tericas e culturais. No paradigma ps-moderno da complexidade, pensa-se sempre num interjogo de fatores que nunca podem ser compreendidos descontextualizados, uma vez que so constitudos nesse inter-jogo, simultaneamente formam e so formados nele, em processos incessantemente dinmicos, histricos, inacabados.A Psicopedagogia define-se como uma rea do conhecimento que busca abarcar as contribuies das vrias reas do saber humano para compreender, resgatando a sua complexidade, o processo ensino-aprendizagem. Objetivando articular os mltiplos aspectos envolvidos nesse processo afetivos, cognitivos, didticos, sociais, lingusticos, culturais, antropolgicos, fisiolgicos... a Psicopedagogia delineia um novo olhar, sustentado pelo paradigma da ps-modernidade.Ao integrar as contribuies tericas advindas dos vrios campos das cincias em torno do processo de aprendizagem humana, a Psicopedagogia cria uma forma peculiar de olhar este processo. O olhar psicopedaggico se reveste de uma preocupao em resgatar o interjogo dinmico e complexo de aspectos envolvidos na situao de aprendizagem: a particularidade dos indivduos que ali comparecem (o aprendente e o ensinante); a relao que se estabelece entre eles e entre eles e o objeto de conhecimento; as estruturas sociais s quais eles fazem parte (famlia, escola, sociedade) (Abed, 1996, p. 11).Segundo Kincheloe (1997), a escola da Cincia Moderna tinha como funo transmitir, aos mais jovens, aquilo que j havia sido consagrado como conhecimento, (...) em nome da neutralidade, uma viso particular do propsito educacional, que afirma que as escolas existem para transmitir cultura sem comentrios (Kincheloe, 1997, p. 21). Nesta mudana paradigmtica que hoje vivemos, parece-me que a ao educacional deixa de ser apenas informativa e de objetivar a manuteno da organizao social j existente. A sociedade ps- moderna clama por originalidade, flexibilidade e criatividade para enfrentar as novas situaes e os novos desafios que vo se apresentando, a todo o momento, em uma sociedade em veloz transformao. Cabe Educao resgatar o desenvolvimento do ser humano em toda a sua complexidade e diversidade, para que sejam ampliadas as suas possibilidades de criao de novos saberes e de novos caminhos. Cabe Educao do terceiro milnio, segundo Morin, desenvolver o pensamento complexo, que.(...) no absolutamente um pensamento que elimina a certeza pela incerteza, que elimina a separao pela inseparabilidade, que elimina a lgica para permitir todas as transgresses. A caminhada consiste, ao contrrio, em fazer um ir e vir incessante entre as certezas e as incertezas, entre o elementar e o global, entre o separvel e o inseparvel. (...) No se trata de opor um holismo global e vazio ao reducionismo mutilante; trata-se de ligar as partes totalidade (Morin, 2000a, p. 212).Para Morin (1999), o pensamento complexo resgata a duplicidade do pensamento e do conhecimento. Segundo o autor, os dois modos de pensamento humano, embora sejam antagnicos, devem ser dialeticamente complementares entre si: o pensamento emprico/tcnico/racional e o pensamento simblico/mitolgico/ mgico.O primeiro dissocia, analisa, busca o isolamento e o uso tcnico-instrumental das coisas, a objetividade, as leis gerais, atravs de um forte controle lgico e do emprico exterior. Seu objetivo a explicao. O segundo associa, relaciona, sintetiza, busca a dimenso humana, a subjetividade, a singularidade, atravs de um forte controle analgico (metafrico) e da vivncia interior. Seu objetivo a compreenso. Explicao e compreenso esto dialeticamente interligadas numa relao complexa, ou seja, so simultaneamente complementares, concorrentes e antagnicas (Abed, 2002, p. 16).O pensamento complexo da ps-modernidade traz, portanto, uma ruptura paradigmtica que tem implicaes no s nas cincias mas em vrios mbitos da sociedade atual, inclusive na Educao: a escola deve transformar-se em direo complexidade do conhecimento, abrindo-se para ir alm do j estabelecido. Se o conhecimento vlido no se restringe mais ao cientificamente consagrado como tal, no cabe escola apenas garantir que as novas geraes no percam o patrimnio conceitual j construdo pela humanidade em sua trajetria histrica. no espao educacional que as novas ideias devem ser cultivadas, que devem ser formados cidados aptos a dar continuidade construo do saber humano, ampliando-o em mltiplas e infinitas direes, abarcando a riqueza e a diversidade da produo cultural humana. no espao educacional que, na sociedade atual, os valores de igualdade de direitos, de justia, de respeito pelas diferenas e de incluso devem ser cultivados a partir de uma ao educativa democrtica e igualitria. Ps-modernidade, portanto, no apenas uma mudana paradigmtica, mas poltica e ideolgica.A escola um local privilegiado de encontro, de interlocuo, de questionamento, de construo e transformao do conhecimento.Conhecimento no s nos livros, mas nas experincias de cada um. Encontro no s de saberes, mas principalmente de pessoas, nas suas diversidades e nas suas riquezas pessoais e culturais. Um contato amoroso entre seres que preenchem a vida (Abed, 2002, p. 23).O paradigma da ps-modernidade sustenta-se na concepo de complexidade. A palavra complexus significa, originalmente, aquilo que tecido junto. Vem minha mente a imagem de uma costureira, a cerzir os rasgos do tecido dos fenmenos que haviam sido cindidos pela Cincia Moderna, recompondo sua constituio, reintegrando as mltiplas facetas da compreenso humana: o pensamento e a emoo, o abstrato e o concreto, o conhecimento vivencial e o formal, o ldico e o srio, a cincia e a arte, o discurso e a ao... O pensamento complexo um pensamento que procura ao mesmo tempo distinguir (mas no disjuntar) e reunir (Morin, 2000a, p. 209). No se trata de negar a ordem e a lgica formal, mas de resgatar o tecido dinmico constitudo e constituinte de certezas com incertezas, de identidades com contradies, apreendidas atravs do raciocnio lgico formal integrado a outras formas de se processar conhecimento. Que outras formas? A linguagem imagtica, a linguagem corporal, a linguagem potica... A linguagem metafrica.A metfora uma figura de linguagem em que h uma transposio de sentidos do literal para o figurado a partir do estabelecimento de uma relao de semelhana. Nesta transposio, instaura-se uma aproximao, um encurtamento do espao lgico entre dois campos semnticos diferentes, criando-se uma inovao semntica. A metaforizao , portanto, um ato de criao de novos sentidos semnticos a partir da aproximao metafrica entre o literal e o figurado.(...) a percepo do semelhante no dessemelhante inaugura, faz criar um sentido que institudo no ato mesmo da nomeao metafrica. Esta a fora da metfora: dizer o indizvel. Para apreender o indizvel, a metfora o recria, lhe d contorno e forma, nomeia, franqueia o intervalo entre imagem e palavra, traz tona experincias que estavam mudas (Abed, 2002, p. 56).Segundo Langer (1989), a metfora permite apreender o indizvel, aquilo que no possvel nomear pela linguagem comum. Na linguagem literal, os objetos ausentes a que ela se refere so representados simbolicamente; j no discurso metafrico, a linguagem presentifica a textura emocional do mundo, ou seja, traz presena, corporifica, d contornos, de forma expressiva, para a tonalidade afetiva das experincias, aquelas sensaes e sentimentos que no conseguimos colocar em palavras.Tambm para Ricoeur (1992, 2000), a metfora tem uma funo imagtica, de colocar frente aos olhos, de fazer o discurso tomar uma forma, corporificando uma mensagem. Historicamente, a metfora foi vista ora como ornamento, com valor apenas esttico, ora como um modelo explicativo, cuja principal funo veicular ideias. Paul Ricoeur prope uma anlise muito interessante que integra, dialeticamente, trs aspectos da metaforizao: a cognio, a imaginao e o sentimento. Ao mesmo tempo em que a metfora veicula uma mensagem (funo cognitiva), provoca cadeias de imagens carregadas de sentidos afetivos.De forma expressa, esse autor prope uma teoria que pretende ultrapassar a dicotomia entre fornecer informao e provocar cadeias de imagens e sentimentos: o funcionamento do sentido metafrico envolve, de maneira interligada, todos esses aspectos. Ele se refere funo semntica da imaginao e do sentimento, ou seja, existncia inerente de significados tanto nas imagens como nos sentimentos (Abed, 2002, p. 60).Atravs de uma metfora, no fazemos afirmaes, mas tangenciamos sentidos. Ao contrrio da linguagem literal, em que uma proposio afirmada ou negada, na linguagem metafrica h um convite polissemia. O metafrico significa a um s tempo no e como (Ricoeur, 2000, p. 14). Aproximando significados pelas semelhanas ao mesmo tempo em que abre infinitas possibilidades pelas dessemelhanas, emissor e ouvinte podem rechear a metfora de mltiplas interpretaes, carregadas de imagens e repletas de sentimentos.Sentir, no sentido emocional da palavra, tornar nosso o que foi colocado distncia pelo pensamento em sua fase de objetivao. (...) A sua funo de apagar a distncia entre o conhecedor e o conhecido sem cancelar a estrutura cognitiva do pensamento e a distncia intencional que isso implica. O sentimento no contrrio ao pensamento. o pensamento que legitimado como nosso (Ricoeur, 1992, p. 157).Segundo Cohen (1992), a principal funo da metfora no diz respeito nem ao cognitivo nem ao esttico, mas s relaes humanas: O criador e o apreciador de uma metfora aproximam-se de forma singela (Cohen, 1992, p. 13). O uso de uma metfora inaugura uma comunidade de pessoas, que passam a compartilhar de um mesmo espao ntimo de sentidos e intenes. Ao receber uma metfora, o ouvinte deve imaginar que aproximaes foram criadas pelo falante, com que objetivos, o que ele quis dizer. Assim, o uso de uma metfora circunscreve um espao compartilhado de relaes humanas, espao de cumplicidade, de intimidade. Ento eu me pergunto: nesta nova escola ps-moderna, onde os saberes devem ser construdos/reconstrudos de forma criativa e crtica, no seria imprescindvel a presena desse espao especial em sala de aula? Ser que o uso de recursos metafricos em sala de aula contribuiria para a criao de um espao de intimidade entre o professor, os alunos e o conhecimento, aproximando-os de forma singular? A utilizao de metforas poderia promover o desenvolvimento do pensamento complexo, integrando cognio, afetividade e imaginao, transitando entre arte e cincia, entre o vivencial e o abstrato, entre o conhecimento j estabelecido e aquele a ser criado?Essas perguntas nortearam a pesquisa que realizei em minha Dissertao de Mestrado, que teve como objeto de estudo o desenrolar da aplicao de um projeto psicopedaggico em uma sala de aula do 1 ano do Ensino Mdio, na disciplina de Histria, em uma escola particular da cidade de So Paulo. Foi realizada uma pesquisa qualitativa, na modalidade de estudo de caso, ancorada nos pressupostos da vertente crtico-dialtica, tomando-se como referncia o esquema paradigmtico proposto por Gamboa (1987). Os dados foram coletados atravs da filmagem integral das quatro aulas do projeto, desenhos e textos produzidos pelos alunos durante as aulas e entrevistas semiestruturadas com o professor, os alunos e a coordenao da escola. A anlise foi desenvolvida a partir de trs eixos tericos: a ps-modernidade e a compreenso da metfora, segundo os autores apresentados neste artigo, e o desenvolvimento humano na perspectiva de Henri Wallon.No projeto estudado, o professor utilizou o mito Sonho de caro e a msica Tendo a Lua, de Herbert Vianna, para introduzir o estudo do nascimento da Idade Moderna, embasado na abordagem psicopedaggica desenvolvida pelo Ncleo Psicopedaggico Integrao. Coordenado pela Professora Doutora Elosa Quadros Fagali, o Integrao desenvolve pesquisas e presta assessoria em Psicopedagogia Institucional. Com o intuito de integrar, no processo ensino-aprendizagem, cognio-afetividade, arte-cincia, pensar-fazer-sentir- imaginar, este Ncleo parte das contribuies tericas de autores como Jung, Piaget, Wallon, Winnicott, Pichon Rivire, entre outros, para estruturar uma prxis educacional psicopedaggica que objetiva configurar situaes de aprendizagem que mobilizem o pensamento complexo acima apresentado.Na primeira aula do projeto, o professor contou o mito classe, promovendo uma reflexo sobre as relaes existentes entre as personagens e os acontecimentos narrados e as experincias de vida dos alunos. Resumidamente, este mito grego conta a histria de caro, filho do arquiteto Ddalo, construtor do Labirinto onde o rei Minos aprisionara o Minotauro, e de seu grande sonho: voar! Quando Teseu conseguiu matar o Minotauro e sair vivo do Labirinto, o rei culpou Ddalo e o condenou, juntamente com caro, a viver aprisionado no Labirinto. A partir do sonho do filho, Ddalo construiu asas feitas com cera e penas de aves, para que pudessem fugir. Antes de alarem voo, Ddalo aconselhou o filho a voar a uma altura mdia: nem muito baixo, para que o mar no estragasse as penas, nem muito alto, para que o sol no derretesse a cera. Entretanto, caro estava to empolgado em realizar o sonho que no se conteve: voou bem alto, a cera derreteu e ele morreu. Os alunos discutiram acaloradamente, nesta aula, at onde se deve lutar pela realizao de um sonho; alguns defenderam a ideia de que vale a pena morrer pelo sonho, outros a necessidade de cautela, de se lidar com os limites impostos pela realidade. Em seguida, foi solicitado aos alunos, em duplas, que produzissem uma imagem que traduzisse o sentido do mito para eles.Na aula seguinte, os alunos foram convidados a mostrar e comentar suas produes. A partir do desenho de uma balana, a discusso do dia anterior foi retomada. Partindo de uma observao feita por um aluno (o poder subiu cabea de caro), o professor lanou uma questo sobre o poder na Idade Mdia, dizendo que voltariam mais tarde a esse assunto. Ouviram, ento, a msica Tendo a Lua, com a letra em mos:TENDO A LUA (Herbert Vianna)Eu hoje joguei tanta coisa foraE vi o meu passado passar por mim Cartas e fotografias, gente que foi embora A casa fica bem melhor assimO cu de caro tem mais poesia que o de Galileu E lendo os teus bilhetes eu penso no que fiz Querendo ver o mais distante sem saber voardesprezando as asas que voc me deuTendo a lua aquela gravidadeAonde o homem flutuaMerecia a visita no de militaresMas de bailarinos como voc e euEu hoje joguei tanta coisa foraE lendo os teus bilhetes eu penso no que fizCartas e fotografias, gente que foi emboraA casa fica bem melhor assimUm novo espao de debates foi promovido. Os temas levantados pelos alunos foram: o papel da Histria como fonte de ensinamento para o homem construir seu futuro; as analogias existentes entre o mito de caro e a vida de Galileu, tomado como um representante da ento nascente Idade Moderna.Na terceira aula, retomaram e detalharam as relaes entre o mito de caro e o incio da Idade Moderna, aprofundando-se na reflexo sobre as transformaes ocorridas na passagem de uma poca para a outra. Na segunda metade da aula, os alunos dedicaram-se elaborao de um texto, em duplas, sobre as relaes entre O sonho de caro, a msica Tendo a Lua, a vida de Galileu e a passagem da sociedade medieval para a moderna. Na quarta e ltima aula do projeto, as principais caractersticas da Idade Moderna foram levantadas e sistematizadas pelo professor, a partir dos elementos presentes nos textos produzidos e lidos pelos alunos: o cientificismo, o materialismo e o racionalismo.A anlise realizada na Dissertao teve incio pela explorao da natureza metafrica do recurso utilizado: podemos relacionar o Labirinto com a estrutura aprisionante da Idade Mdia (a sociedade feudal, sem mobilidade social, em que as explicaes teolgicas o poder da Igreja garantem a sua manuteno, o seu fechamento sem sada); o sonho de voar relaciona-se ao processo histrico de passagem para a Idade Moderna, em que o conhecimento cientfico, localizado agora no Homem (simbolizado, na msica, por Galileu), passa a ser valorizado e uma nova ordem social comea a se instaurar; finalmente, o sol que queima as asas pode ser relacionado com a Inquisio, que impunha limites e castigava aqueles que voavam.Em seguida, discorri sobre as funes afetivas, cognitivas e imaginativas do uso da metfora no processo ensino-aprendizagem. Ao promover um espao, mediado pela utilizao do mito e da msica, em que os alunos foram incentivados a estabelecer relaes com suas vivncias e sonhos pessoais, o professor possibilitou que ocorressem conexes significativas entre o contedo histrico que estava sendo estudado e a subjetividade dos alunos, aproximando fantasia e reflexo, afetividade e inteligncia, autoconhecimento e conhecimento do mundo.A sala de aula transformou-se, como nos aponta Cohen (1992), num espao ntimo de convivncia, onde tanto os alunos como o professor podiam expressar suas opinies atravs do mito: ao mesmo tempo em que caro servia de tela mobilizadora, chamando os alunos para se expor, servia tambm como proteo falava-se sobre caro, no sobre si mesmo.Para o adolescente que est vivendo um turbilho de transformaes, procura de sua identidade, em movimentos dialticos de oposio e de identificao, parece-me especialmente importante a construo de um espao especial, em que o professor possa colocar-se no lugar, apontado por Wallon, de adulto eleito como modelo de identificao, alimentando as suas necessidades de reflexo e de questionamentos, ajudando-os a se tornarem autnomos e crticos (Abed, 2002, p. 85).A construo desse espao de intimidade mobilizou a troca de informaes sobre o mito, a msica e a Idade Moderna. O constante ir e vir entre o mito de caro, a histria de Galileu, as vivncias pessoais dos alunos e o contedo programtico do nascimento da Idade Moderna foram configurando possibilidades de criaes imagticas que recheassem o processo de construo dos conceitos em questo. Estamos diante, ento, de um duplo convite: a constituio de um espao de trocas de experincias subjetivas e de troca de informaes e conhecimentos. O duplo convite realizado pela metaforizao contempla a relao dialtica existente, segundo Wallon (1975, 1979), entre a construo da pessoa e a construo do conhecimento, entre afetividade e inteligncia. Como nos aponta Ricoeur (1992), ao provocar cadeias de imagens carregadas de sentimentos, os recursos metafricos favoreceram esta ponte entre emoo/afetividade e inteligncia/construo do conhecimento.Quando expuseram as suas opinies sobre a utilizao do mito e da msica, os alunos me indicaram uma funo para a metaforizao, que estou denominando de marca de referncia para o registro do conhecimento. Disseram eles: (...) ajuda a memorizar e a pensar, porque marca, a gente no esquece mais (Abed, 2002, p. 93). Alm disso, a utilizao de um recurso polissmico como a metfora colaborou para a ampliao do conhecimento, uma vez que diferentes pontos de vista puderam ser expressos, discutidos e respeitados, criando-se um espao de releituras, de reorganizaes, de mltiplos olhares para os fatos histricos, caractersticas fundamentais do pensamento complexo.Desta forma, a pesquisa apontou o valor da metfora como um possvel caminho psicopedaggico para a construo da humanidade do futuro, por meio da configurao de um espao educacional democrtico, engajado, criativo, reflexivo e crtico. A anlise da utilizao intencional dos recursos metafricos ressaltou o seu valor como instrumento facilitador para uma compreenso complexa do objeto do conhecimento, em que a articulao entre a construo do conhecimento histrico pretendido e as elaboraes ligadas s impresses e opinies subjetivas dos alunos foram provocadas e promovidas. Alimentada pelas contribuies de Paul Ricoeur, foi possvel conceber o conhecimento construdo atravs da metfora, articulando os pontos de vista da cognio, na esquematizao de um novo conhecimento, da imaginao, na atribuio de imagens para esse conhecimento, e do sentimento, na dimenso de sua posse pessoal... No ser esse, afinal, o principal objetivo da Educao?BIBLIOGRAFIAABED, Anita L. Z. Recursos metafricos no processo ensino-aprendizagem: um estudo de caso. (Dissertao de Mestrado). So Paulo: Universidade So Marcos, 2002.ABED, Anita L. Z. O jogo de regras na Psicopedagogia clnica: explorando suas possibilidades de uso. Monografia. So Paulo: PUC, 1996.COHEN, Ted. A Metfora e o Cultivo da Intimidade. In: SACKS, (org.). Da Metfora. So Paulo: EDUC/Pontes, 1992.FERREIRA, Aurlio Buarque de Holanda. Dicionrio Aurlio Bsico da Lngua Portuguesa. So Paulo: Nova Fronteira, 1995.GAMBOA, Slvio S. Epistemologia da pesquisa em educao: estruturas lgicas e tendncias metodolgicas. (Tese de doutorado). 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