E ECONOMÍA SOCIAL

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E ECONOMÍA SOCIAL CONTIDO DOUTRINA • Deolinda Aparício Meira, A relevância do cooperador na governação das cooperativas ............... 9 • Cristina Parente, Vanessa Marcos, Daniel Costa, Cláudia Amador, Representações sobre empreendedorismo social ...... 37 • Paula Guerra, Fátima Loureiro de Matos, Teresa Sà Marques, Mónica Santos, As cooperativas e as modalidades contemporâneas de direito à cidade ........................... 67 ACTUALIDADE XURÍDICA .......................................... 91 ACTUALIDADE FISCAL ............................................. 153 ACTUALIDADE COOPERATIVA EM PORTUGAL .... 211 Director Anxo Tato Plaza Consello de Redacción Deolinda Aparicio Meira María José Cabaleiro Casal Jaime Cabeza Pereiro Xacobo Izquierdo Alonso Ana Mª Pita Grandal Ramón Carmelo Rodríguez Padín Manuel José Vázquez Pena Consello Científico Manuel Botana Agra Luis Alfonso Camarero Rioja Gemma Fajardo García Carlos García-Gutiérrez Fernández José Antonio Gómez Segade Manuel González Fernández Jean Ives Nevers Gustavo Lejarriaga de las Vacas Antxon Mendizabal Etxabe Eduardo Moyano Estrada José Luis Monzón Campos Antonio J. Romero Ramírez Alberto Saco Álvarez Isabel Sánchez Cabanelas Francisco Vicent Chuliá Secretarios Julio Costas Comesaña Pablo Fernández Carballo-Calero Deseño Antón Pulido Novoa Nº 35. Curso 2012/2013

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E ECONOMÍA SOCIAL

CONTIDO

DOUTRINA

•DeolindaAparícioMeira,A relevância do cooperador na governação das cooperativas ............... 9

•CristinaParente,VanessaMarcos,DanielCosta,CláudiaAmador,Representações sobre empreendedorismo social ...... 37

•PaulaGuerra,FátimaLoureirodeMatos,TeresaSàMarques,MónicaSantos,As cooperativas e as modalidades contemporâneas de direito à cidade ........................... 67

ACTUALIDADE XURÍDICA .......................................... 91

ACTUALIDADE FISCAL ............................................. 153

ACTUALIDADE COOPERATIVA EM PORTUGAL .... 211

DirectorAnxoTatoPlaza

Consello de RedacciónDeolindaAparicioMeira

MaríaJoséCabaleiroCasalJaimeCabezaPereiro

XacoboIzquierdoAlonsoAnaMªPitaGrandal

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AlbertoSacoÁlvarezIsabelSánchezCabanelas

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SecretariosJulioCostasComesaña

PabloFernándezCarballo-Calero

DeseñoAntónPulidoNovoa

Nº35.Curso2012/2013

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COOPERATIVISMOEECONOMÍASOCIAL

EditaServizo de Publicacións da Universidade de VigoCentro de Estudios Cooperativos – CECOOPAndavira Editora

DeseñoAntón Pulido Novoa

SubscriciónsPrezo da suscrición: 6 €Prezo por número: 8 €

Correspondencia e subscriciónsAndavira EditoraPraza de Marazelos, 1415703 Santiago de Compostela [email protected]

Secretaría da RevistaFacultade de Ciencias Xurídicas e do TraballoCampus As Lagoas - Marcosende s/n36200 [email protected]@uvigo.es

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3Contido

Cooperativismo e Economía Social, nº 35 (2012-2013), pp. 3-6

Contido

DOUTRINA▪ DeolindaAparícioMeira, A relevância do cooperador na governação

das cooperativas .................................................................................... 9-35▪ Cristina Parente, Vanessa Marcos, Daniel Costa, Cláudia Amador,

Representações sobre empreendedorismo social ................................... 37-65▪ PaulaGuerra,FátimaLoureirodeMatos,TeresaSàMarques,Mónica

Santos, As cooperativas e as modalidades contemporâneas de direito à cidade .................................................................................................. 67-90

ACTUALIDADEXURÍDICA(Coordinador:ManuelJoséVázquezPena)

▪ ElenaSalgadoAndré,Modificacións introducidas pola Orde de 31 de maio de 2012 no modelo orientativo de estatutos sociais da sociedade cooperativa especial .............................................................................. 93-95

▪ MaríaLuisaCabelloLópez,A lei de fomento da integración de coope-rativas e doutras entidades asociativas de carácter agroalimentario ... 97-105

▪ Xacobo IzquierdoAlonso, Baixa voluntaria: non acumulación das deducción feitas na liquidación ao socio por incumprimento do periodo de permanencia coas relativas ao incumprimento do compromiso de non causar baixa voluntaria durante a vixencia dun programa ope-rativo [Anotacion á sentenza do Tribunal Suprmo (Sección 1ª) núm. 575/2012 de 10 de outubro. Ponente: Excmo. Sr. D. Ignacio Sancho Gargallo]................................................................................................ 107-117

▪ FranciscoTorresPérez,Anotación á sentenza da Audiencia Provincial de Murcia (Secc. 4ª 346/2012) de 24 de maio. relator: Ilmo. Sr. D. Francisco José Carrillo Vinader ............................................................ 119-123

▪ JoséAntonioRodríguezMíguez, Convocatoria xudicial e xurisdicción voluntaria (comentario ao auto da Audiencia Provincial de Madrid, Sección 28ª, do 3 de decembro de 2012) ................................................ 125-129

▪ Estanislao deKostka Fernández Fernández, A responsabilidade dos membros do consello reitor dunha cooperativa, en aplicación do

Contido

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4 Contido

artigo 367 da Lei de sociedades de capital (comentario á sentenza da Audiencia Provincial de León 335/2012, de 12 de xullo) ...................... 131-135

▪ IsabelSánchezCabanelas,Cooperativa de vivendas. Baixa voluntaria non xustificada ....................................................................................... 137-142

▪ MaríaJesúsRodríguezMíguez, Impugnación dos acordos do consello reitor dunha cooperativa de vivendas e improcedencia da dedución de cantidades nas devolucións por baixa xustificada dun socio. Comenta-rio da SAP de Palencia núm. 31/2013 (Sección 1), de 4 febreiro .......... 143-146

▪ SinesioNovoFernández,Acordos do Consello reitor de natureza san-cionatoria. Comentario da SAP de Burgos núm. 214/2012 (Sección 3ª), de 23 de mayo ........................................................................................ 147-152

ACTUALIDEFISCAL(Coordinadora:AnaMaríaPitaGrandal)

▪ AnaMaríaPitaGrandal,Las tasas en el ambito de la administración de justicia. ¿Posibles supuestos de injusticia? ...................................... 155-163

▪ RobertoI.FernándezLópez,As principáis novidades introducidas no ordenamento orzamentario e tributario de Galicia en 2013 ................. 165-171

▪ SorayaRodríguezLosada,Novidades lexislativas introducidas pola lei 16/2012, de 27 de decembro, pola que se adoptan diversas medidas tri-butarias dirixidas á consolidación das finanzas públicas e ao impulso da actividade económica ........................................................................ 173-180

▪ CarmenRuizHidalgo,Incentivos fiscais á contratación regulados na Lei de Reforma Laboral ......................................................................... 181-182

▪ LuisMiguelMuleiroParada,As novas medidas tributarias de apoio aos emprendedores ................................................................................. 183-193

▪ MaríaCruzBarreiroCarril,Os novos impostos medioambientales e a normativa de desenvolvemento .............................................................. 195-199

▪ MónicaSiotaÁlvarez,Escrituras públicas de subrogación e novación modificativa de préstamos e de créditos hipotecarios: o seu ¿dispar? tratamento no Imposto sobre Transmisións Patrimoniais e Actos Xurí-dicos Documentados. Comentario á Resolución do TEAC de 16 de maio de 2013 .......................................................................................... 201-206

▪ JaimeAneirosPereira, A transmisión de empresas e o IVE. A esixencia do imposto no caso de que se transmita un paquete accionarial .......... 207-209

ACTUALIDADECOOPERATIVAEMPORTUGAL(Coordinadora.DeolindaAparicioMeiral)

▪ EduardoGraça, A conta satélite da economia social (CSES) em Portu-gal - 2013 ............................................................................................... 213-221

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5Contido

▪ AnaMariaAlvesBandeira,O Regime de Normalização Contabilística das Entidades sem Fins Lucrativos e as suas especificidades ............... 223-230

▪ DeolindaAparícioMeira,A Lei de Bases da Economia Social portu-guesa. Breve apresentação ..................................................................... 231-236

▪ EquipaGeraçãoCoop,Projeto GeraçãoCoop - despertar para o coo-perativismo ............................................................................................. 237-242

▪ EquipaCOOPJOVEM, COOPJOVEM – uma resposta para o emprego jovem em Portugal ................................................................................. 243-246

▪ Maria JoãoDias / JoãoAnacoretaCorreia, Os corpos de bombeiros voluntários, as associações humanitárias de bombeiros e a liberdade de associação. Anotação ao Acórdão do STJ de 26 de janeiro de 2012 247-264

▪ AndréAlmeidaMartins,A debatida questão da qualificação da rela-ção jurídica entre cooperador trabalhador e cooperativa. Anotação ao Acórdão do TRP, de 27 de fevereiro de 2012 ......................................... 265-284

▪ TiagoPimentaFernandes,Do seguro de danos na cooperativa de habi-tação. Anotação ao Acórdão do TRL, de 28 de fevereiro de 2012 ......... 285-291

▪ MarianaPinheirodeAlmeida, O segredo bancário e o direito à infor-mação nas cooperativas de crédito. Acórdão do TRE, de 22 de março de 2012 ................................................................................................... 293-306

▪ CatarinaProença/RaulGuichard,Da possibilidade de celebração de um contrato-promessa entre uma cooperativa e um sócio. Anotação ao Acórdão do TRE, de 29 de março de 2012 ............................................ 307-313

▪ DeolindaAparícioMeira,A participação do cooperador na atividade de uma cooperativa agrícola. Anotação ao Acórdão do TRC de17 de abril de 2012 .......................................................................................... 315-326

▪ PauloVasconcelos,Associações mutualistas. Comunicação da exclu-são de associado. Âmbito das coberturas dos benefícios subscritos. Anotação ao Acórdão do STJ, de 11 de setembro de 2012 .................... 327-332

▪ Irene Portela, Caso da transferência de farmácia de associação pública. Anotação ao Acórdão do STA de 26 de setembro de 2012 ....... 333-348

▪ ElisabeteRamos,Responsabilidade civil pela administração da coo-perativa. Anotação ao Acórdão do STJ de 25 de outubro de 2012 ........ 349-361

▪ ManueladaSilvaPatrício,As cooperativas de ensino que desenvolvem funções com caráter de interesse público: funções públicas ou priva-das? Anotação ao Acórdão do TRP, de 5 de novembro de 2012 ........... 363-373

▪ HelenaSalazar,A impossibilidade de acumulação do cargo de presi-dente da direção de cooperativa com o exercício de funções por con-trato de trabalho durante o mesmo período temporal. Anotação ao Acórdão do TRE de 15 de novembro de 2012 ........................................ 375-384

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6 Contido

▪ NinaAguiar,Aspetos fiscais dos donativos a Fundações participadas pelo Estado. Anotação ao Acórdão do STA de 5 de dezembro de 2012 . 385-404

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doUtRinA

▪ DeolindaAparícioMeiraA relevância do cooperador na governação das cooperativas

▪ CristinaParente,VanessaMarcos,DanielCosta,ClaudiaAmadorRepresentações sobre empreendedorismo social

▪ PaulaGuerra,FátimaLoureirodeMatos,TeresaSàMarques,MónicaSantos

As cooperativas e as modalidades contemporâneas de direito à cidade

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9Aparício Meira: A relevância do cooperador na governação das cooperativas

Cooperativismo e Economía Social, nº 35 (2012-2013), pp. 9-35

A RelevânCiA do CoopeRAdoR nA goveRnAção dAs CoopeRAtivAs

DeolindaAPARÍCIOMEIRAProfessora Adjunta da Área Científica de Direito do Instituto Superior de Contabilidade e Administração do Instituto Politécnico do Porto/CECEJ

[email protected]

1. pReliminAREsteestudocentrar-se-ánaanálisedarelevânciadapessoadocooperador

nagovernaçãodascooperativasnoordenamentoportuguês.

Paraoefeito,teremosporreferênciaoregimeprevistonoCódigo Coope-rativo Português (CCoop)1,osdozediplomaslegaisqueregemcadaumdosdozeramoscooperativos2;oenquadramentojurídico-constitucionaldosetor

1 -Lei n.º 51/96, publicada em setembrode1996 e que entrou emvigor em1de janeiro de 1997.OCódigo Cooperativo foi, entretanto, alterado peloDecreto-Lein.º343/98,de6denovembro;peloDecreto-Lein.º131/99,de21deabril;peloDecreto-Lei n.º 108/2001, de 6 de abril; peloDecreto-Lei n.º 204/2004, de 19 deagosto;epeloDecreto-Lein.º76-A/2006,de29demarço.

2 - Decreto-Lei n.º 335/99, de 20 de agosto (cooperativas agrícolas); Decreto-Lein.º523/99,de10dedezembro(cooperativasdecomercialização);Decreto-Lein.º 522/99, de10dedezembro (cooperativas de consumo);Decreto-Lei n.º 24/91,de11de janeiro,comasalteraçõesdoDecreto-Lein.º230/95,de12desetembro;Decreto-Lei n.º 320/97, de 25 de novembro; Decreto-Lei n.º 102/99, de 31 demarço; e do Decreto-Lei n.º 142/2009, de 16 de Junho (cooperativas de créditoagrícola); Decreto-Lei n.º 313/81, de 19 de novembro (cooperativas culturais);Decreto-Lei n.º 441-A/82, de 6 de novembro (cooperativas de ensino); Decreto-Lei n.º 502/99, de 19 de novembro (cooperativas de habitação e construção);

Aparício Meira: A relevância do cooperador na governação das cooperativas

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10 Aparício Meira: A relevância do cooperador na governação das cooperativas

cooperativo português; e o regime jurídico das sociedades comerciais emmatériadegovernaçãosocietáriaprevistonoCódigo das Sociedades Comer-ciais (CSC),porremissãodoart.9.ºdoCCoop.

1.1. Governação das cooperativas e identidade cooperativa

Acaraterizaçãodagovernaçãodacooperativaterádearrancardaprópriadefiniçãodecooperativaconstantedoart.2.ºdoCCoop,nostermosdoqualserãocooperativasas«pessoascoletivasautónomas,delivreconstituição,decapitalecomposiçãovariáveis,que,atravésdacooperaçãoeentreajudadosseusmembros,comobediênciaaosprincípioscooperativos,visam,semfinslucrativos,asatisfaçãodasnecessidadeseaspiraçõeseconómicas,sociaisouculturaisdaqueles».

Desta definição resulta que o modo de gestão da empresa cooperativaassentanaobediênciaaosprincípioscooperativosenacooperaçãoeentrea-judadosmembros.

Dadoqueosprincípioscooperativosrefletemoqueacooperativatemdemaisespecífico,contendooessencialdaidentidadecooperativa,compreende--sequeagovernaçãodacooperativatenhadeobservartaisprincípiosenuncia-dosnoart.3.ºdoCCoop(osquaiscorrespondemaosprincípioscooperativosproclamadospelaAliançaCooperativaInternacional).

Acresceque,naordemjurídicaportuguesa,osprincípioscooperativossãodeobediênciaobrigatória,tendoinclusivamenteconsagraçãonotextoconsti-tucional[art.61.º,n.º2,eart.82.º,n.º4,al.a),daConstituiçãodaRepúblicaPortuguesa(CRP)]3.

Nestecontexto,podemosafirmarque,noordenamentojurídicoportuguês,agovernaçãodascooperativascaraterizar-se-ácomoumagovernaçãopartici-pada(porforçadoprincípiodagestãodemocráticapelosmembros),orientadaparaosseusmembros(porforçadavocaçãomutualistadacooperativaque

Decreto-Lei n.º 312/81, de 18de novembro (cooperativas de pescas);Decreto-Lein.º309/81,de16denovembro(cooperativasdeproduçãooperária);Decreto-Lein.º323/81,de4dedezembro(cooperativasdeserviços);Decreto-Lein.º7/98,de15dejaneiro(cooperativasdesolidariedadesocial).

3 -Ver,sobreestamatéria,DEOLINDAAPARÍCIOMEIRA,«Oquadrojurídico-constitucionaldocooperativismoemPortugal»,Revista Cooperativismo e Economia Social,n.º33,Curso2010/2011,UniversidadedeVigo,pp.31-46.

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resultadaprópriadefiniçãodacooperativaconstantedoart.2.ºdoCCoop), autónoma e independente (por força doprincípio da autonomia e indepen-dência)e transparente (por forçadodireitoà informaçãodoscooperadoresconsagradonoCCoopepelopoderdecontroloefiscalizaçãoqueaAssem-bleiaGeraleoConselhoFiscalexercemsobreoórgãodeadministraçãodacooperativa).

Agovernaçãoparticipadaresultadofactodeacooperativaserentendidacomo uma organização empresarial de cunho marcadamente personalista,dadaarelevânciaqueapessoadocooperadorassumenoâmbitodamesma,oquetemlevadoadoutrinaaafirmar,combasenestepropósito,queacoo-perativadeveráserpercebidacomouma«sociedadedepessoas»4.Paraalémdo seucaráctermarcadamentepersonalista, a cooperativaapresenta-se,porforçadoprincípiocooperativodaadesãovoluntáriaelivre(art.3.ºdoCCoop), comoumaorganizaçãoabertaàadesãodenovosmembros(desdequeascir-cunstâncias pessoais do aspirante amembro sejam idóneas face ao objetosocial),oquefazcomqueacooperativaseconfigurecomoumasociedadepersonalistadeamplabasesocial,oqueserefletiránagovernaçãodamesma,comodaremosconta.

Estecunhomarcadamentepersonalistaimplicaumaparticipaçãoativadosmembrosnagovernaçãodascooperativas,oquepressuporáqueacoopera-tiva,porforçadoprincípiocooperativodaeducação,formaçãoeinformação(art.3.ºdoCCoop)promova«aeducaçãoeaformaçãodosseusmembros,dosrepresentanteseleitos,dosdirigentesedostrabalhadores,demodoquepos-samcontribuireficazmenteparaodesenvolvimentodassuascooperativas»,como veremos.

Finalmente,agovernaçãodacooperativadeveráserautónomaeindepen-dente,porforçadoprincípiocooperativodaautonomiaeda independência(art.3.ºdoCCoop).Assim,porumlado,as relaçõesdacooperativacomoEstadonãopodemconduziràinstrumentalizaçãodasuagovernação.Écerto

4 - SÉRVULOCORREIA, «Elementos de um regime jurídico da cooperação»,Estudos Sociais e Cooperativos,n.º17,AnoV,março1966,p.161.Estaexpressãoé, igualmente, utilizada noDireitoComercial, no qual as sociedades—emnomecoletivoeemcomandita,quantoaossócioscomanditados—sãoqualificadascomosociedadesdepessoas,emvirtudedeapessoadosócioeoseupatrimónioassumiremumpapeldegranderelevância,porcontraposiçãocomassociedadesdecapitais,nasquais releva, fundamentalmente,aentradadosócioparaocapitalsocial,ficandoapessoadosócioemsegundoplano.

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que,noordenamentoportuguês,oart.85.ºdaCRPconsagranoseun.º°1,aobrigaçãodoEstadoestimulareapoiarqueracriaçãoqueraatividadedascooperativas. O «estímulo» decorrerá, sobretudo, de medidas de naturezalegislativaquesuscitemointeressepeloexercíciodaatividadecooperativa,enquantoqueo«apoio»decorrerá,essencialmente,demedidasdenaturezaadministrativaquevisem,emconcreto,facilitaressemesmoexercício.Note--se,todavia,queestecooperativismoestimuladoeapoiadopeloEstadonãodeve ser entendidono sentidodecooperativismo tutelado.ComodestacamGomesCanotilhoeVitalMoreira,estaobrigaçãoestadualnãopodepôremcausaaliberdadedeconstituircooperativas,nemodireitodeestasprossegui-remlivrementeassuasatividades(art.61.º,n.os2e3),peloqueosestímuloseapoiosdoEstadonãopodemtraduzir-seemformasdeingerêncianaconsti-tuiçãoounagovernaçãodascooperativas5.

Poroutrolado,aeventualentradadecapitaisprovenientesdefontesexter-nasnãopoderápôremcausanemaautonomia,nemocontroledemocráticodascooperativaspelosseusmembros.Contudo,noordenamentoportuguês,nãoobstanteoCCooppreveraemissãodetítulosdeinvestimentoedeobri-gações(nosarts.26.ºa30.ºdoCCoop),nãoseconsagrouapossibilidadedetransformarosdetentoresdetítulosdeinvestimentoemsóciosdecapital,peloqueestesnãopoderãoparticiparnagovernaçãodascooperativas6.

1.2. A Governança Cooperativa e o Direito Societário PortuguêsParaalémdosregimesconstantesdoCCoopedosdiplomasqueregulam

os ramoscooperativos, emmatériadegovernaçãodecooperativas teremosdeatender,igualmente,aodireitodassociedadescomerciais,designadamentedassociedadesanónimas,dadoque, talcomojáfoidestacado,oart.9.ºdoCCoop,relativoaodireitosubsidiárioaplicávelasituaçõesnãoprevistasnoCCoop,estabeleceapossibilidadederecurso,«namedidaemquesenãodes-respeitemosprincípioscooperativos,aoCódigodasSociedadesComerciais,nomeadamenteaospreceitosaplicáveisàssociedadesanónimas».Estaremis-sãoparaoCSCdeverá,contudo,preencherduascondições:porumlado,asoluçãoaquesecheguenãopoderádesrespeitarosprincípioscooperativos;e,

5 - GOMES CANOTILHO / VITAL MOREIRA, Constituição da República Portuguesa Anotada,VolumeI,CoimbraEditora,2007,p.1009.

6 -Sobreestamatéria,verDEOLINDAAPARÍCIOMEIRA,O regime económico das cooperativas no Direito Português: o capital social, EditoraVidaEconómica,2009,Porto,pp.133-144.

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13Aparício Meira: A relevância do cooperador na governação das cooperativas

poroutro,dentrodoespaçoconstituídopeloCSCdeverádar-seprioridadeaospreceitosaplicáveisàssociedadesanónimas7.

Nestecontexto, emmatériadegovernaçãodascooperativas, a remissãodoart.9.ºdoCCoopautorizaaquesejamaplicadasàscooperativasasdispo-siçõesqueregulamagovernaçãodasociedadeanónimaconstantesdoCSC. Noentanto,convémtersemprepresentequeestadisciplinasubsidiáriasóseaplicarásenãosedesrespeitaremosprincípioscooperativos.Veremos,ainda,queestaespecialremissãoparaassociedadesanónimasnãosecoadunaráemalgunsaspetosdoregimedagovernaçãodascooperativascomafeiçãomar-cadamentepersonalistadestas8.

1.3. A Governança Cooperativa e a responsabilidade social da empresa

Agovernação da cooperativa não poderá limitar-se às relações internasdaprópriacooperativa.Defacto,acircunstânciadeacooperativaprosseguirsimultaneamenteobjetivosnosdomíniosempresariaisesociais,numaóticade complementaridade, nãopodedeixarde refletir-senagovernaçãodesta.Assim,oparadigmadagovernaçãocooperativaestáemconsonânciacomosprincípiosfundamentaisdaresponsabilidadesocialdaempresa(RSE),assen-tando na adoção das melhores práticas quanto à organização do trabalho,igualdadedeoportunidades,inclusãosocialedesenvolvimentosustentável.

Estacentralidadedaresponsabilidadesocialnagovernaçãodacooperativa(intimamenterelacionadacomaobservânciaobrigatóriadosprincípiosevalo-rescooperativos)poderápassarpelaadoçãopelascooperativasdecódigosdeconduta,que,todavia,nãoexistemnoordenamentojurídicoportuguês9.

7 -Paraumaanálisedesenvolvidadestaquestão,verMANUEL CARNEIRO DA FRADA / DIOGO COSTA GONÇALVES,«Aacçãout singuli(deresponsabilidadecivil)earelaçãodoDireitoCooperativocomoDireitodasSociedadesComerciais», Revista de Direito das Sociedades,AnoI(2009)–Número4,Almedina,pp.888-904.

8 - Sobre esta questão, ver ELISABETE RAMOS, «Da responsabilidade dosgerentesegestoresdascooperativas»,Revista Cooperativismo e Economia Social, n.º 32,Curso2009/2010,UniversidadedeVigo,pp.35-54.

9 -Ver,sobreestaquestão,DEOLINDAAPARÍCIOMEIRA,«Cooperativesocialresponsability:A InterculturalAnalysis» in: In Pernanent Transit. Discourses and Maps of the Intercultural Experience,CambridgeScholarsPublishing,2012,pp.127-144.

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14 Aparício Meira: A relevância do cooperador na governação das cooperativas

Consideramosque,noâmbitodagovernaçãocooperativa,aRSEnãotemnaturezavoluntária.Poroutraspalavras,tendoemcontaoquadrolegalcoope-rativo,designadamenteofactodeosórgãosdacooperativateremdeobedecernasuaatuaçãoaoprincípiodointeressepelacomunidade(art.3.ºdoCCoop), oqualdispõeque«ascooperativastrabalhamparaodesenvolvimentosusten-táveldassuascomunidades,atravésdepolíticasaprovadaspelosmembros»,deverádefender-sequeexisteumdeverjurídicodeosórgãosdacooperativa,aindaquecentradosnasatisfaçãodasnecessidadesdosseusmembros,traba-lharemparaconseguirodesenvolvimentosustentáveldassuascomunidades,segundooscritériosaprovadosporestes.

Em suma, os órgãos responsáveis pela governação cooperativa terão odeverdeintegrarnarespetivaatividadeosvaloresfundamentaisdaRSE.

2. o pApel dos membRos

2.1. As consequências da relevância da pessoa do cooperador

Emmatériadegovernação,aimportânciacentraldocooperadornacoo-perativateráconsequênciasrelevantesnosseguintesaspetos:naigualdadedetratamentodoscooperadores, independentementedasuaparticipaçãofinan-ceira;naigualdadededireitodevotodetodososmembros(«umhomem,umvoto»);naadoçãodedecisõescondicionadasaovotodamaioria;naeleição,pelosmembros,dosrepresentantesdacooperativa.

Deentreestasconsequênciasdestaca-seademocraticidadedosprocessosdedecisão,queéconsideradacomoumadasmaisrelevantesespecificidadesdacooperativaequeserefletenagovernaçãodamesma.Assentatalespeci-ficidadenoPrincípiocooperativodagestãodemocráticapelosmembros queapareceenunciadonoart.3.ºdoCCoop,oqualconsagraque«ascooperativassãoorganizaçõesdemocráticasgeridaspelosseusmembros,osquaispartici-pamativamentenaformulaçãodassuaspolíticasenatomadadedecisões.Oshomenseasmulheresqueexerçamfunçõescomorepresentanteseleitossãoresponsáveisperanteoconjuntodosmembrosqueoselegeram.Nascoopera-tivasdeprimeirograu,osmembrostêmiguaisdireitosdevoto(ummembro,umvoto), estando as cooperativas de outros graus organizadas tambémdeumaformademocrática».

Deste princípio decorrerá a necessária participação ativa, por parte doscooperadores,nadefiniçãodaspolíticasdacooperativaenatomadadedeci-

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15Aparício Meira: A relevância do cooperador na governação das cooperativas

sões,tomandopartenasassembleiasgerais[arts.33.º,n.º1,al.a)e34.º,n.º2,al.a)doCCoop].

Acresceque,nascooperativas,constituiumrequisitosine qua non o envol-vimentodiretoeativodosseusmembrosnaprópriaatividadequeacoopera-tivadesenvolve[art.34.º,n.º2,al.c)doCCoop],ouseja,nocumprimentodoseuobjetosocial.

A gestão democrática pelos membros assenta, igualmente, na regra daigualdade de direitos de voto—pelomenos nas cooperativas de primeirograu—,admitindo-seexceçõesparaascooperativasdesegundograu,comoveremos.

2.2. A divisão de poderes entre os órgãos da cooperativa: a prevalên-cia da Assembleia geral

Aestruturaçãodosórgãosdascooperativasportuguesaspoderásercarate-rizadacomoumaestruturahierárquicaetripartida,naqualéevidentearele-vânciadadapelolegisladoràpessoadocooperador.

Defacto,nostermosdon.º1doart.39.ºdoCCoop,sãoórgãosdacoope-rativaaAssembleiaGeral,aDireçãoeoConselhoFiscal(sistematripartido).

AAssembleia Geral assume-se como o órgão supremo da cooperativa,cujasdecisões sãoobrigatóriasparaos restantesórgãos (art.44.º,n.º1,doCCoop).

Quantoàadministraçãoefiscalizaçãodacooperativa,omodeloadotadopelo CCoopfoiumamodelomonista,baseadonadistinçãoentreumórgãodeadministração(aDireção)eumórgãodecontrolo(oConselhoFiscal).

ADireçãosurgenassuascompetênciascomoumórgãoestruturalmenteexecutivo(art.56.ºdoCCoop),enquantoqueoConselhoFiscalseassumecomoumórgãodecontroloefiscalização(art.61.ºdoCCoop).

DaprevalênciadoórgãoAssembleiaGeraldecorreapossibilidadedeesta,atodootempoeparaalémdassuascompetênciasexclusivasenunciadasnoart.49.º,avocarcompetênciasprópriasdeoutrosórgãos,designadamentedaDireção.EstapossibilidadedaAssembleiaGeraldiferenciaacooperativadassociedadesanónimas,nasquais«sobrematériasdegestãodasociedade,osacionistassópodemdeliberarapedidodoórgãodeadministração»(art.373.º,n.º2,doCSC).

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16 Aparício Meira: A relevância do cooperador na governação das cooperativas

On.º 2 do art. 39.º doCCoop, ao estabelecer que «os estatutos podemaindaconsagraroutrosórgãos,bemcomodarpoderesàAssembleiaGeralouàDireçãoparaconstituíremcomissõesespeciais,deduraçãolimitada,desti-nadasaodesempenhodetarefasdeterminadas»,parecequererafastarqueromodelodualista (compreendendoumconselhodeadministraçãoexecutivo,um conselho geral e de supervisão e um revisor oficial de contas), quer omodeloanglo-saxónico(queincluiumconselhodeadministração,compreen-dendoumacomissãodeauditoria,eumrevisoroficialdecontas)quantoàadministraçãodacooperativa,modelosprevistosnoCSCparaassociedadesanónimas(art.278.º,n.º1,doCSC).

Afiguradofiscal único, previstanoCSC para as sociedades anónimas,tambéméafastada,peloqueoConselhoFiscalserásempreumórgãocolegial,surgindoorevisoroficialdecontascomoummeroassessordesteórgão(art.60.º,n.º3.doCCoop).

Note-sequeascomissõesespeciaisprevistasnon.º2doart.39.ºdoCCoop, quepoderão ser constituídaspelaAssembleiaGeral oupelaDireção, terãoumaduração limitada edesempenharão tarefasdeterminadas, que, todavia,nãopoderãosercompetênciasexclusivasdosórgãosobrigatórios.

2.3. O regime do direito de voto dos membros

Comovimos,umadasvertentesdoprincípiocooperativodagestãodemo-cráticapelosmembros(art.3.ºdoCCoop)assentanaigualdadededireitosdevoto.

Nalegislaçãocooperativaportuguesaestaregrade«ummembro,umvoto»constituiumaregraimperativaparaascooperativasdeprimeirograu(art.51.º,n.º1,doCCoop),peloqueseránulaqualquerdeliberaçãodosmembrosdacooperativaqueintroduzanoestatutosocialapossibilidadedeexistênciadevotopluralparaestascooperativas.

Jánascooperativasdesegundograu(uniõesdecooperativas,federaçõeseconfederações)admitem-seexceçõesaestaregra.Defacto,quantoàscoo-perativasdegrausuperior,olegisladorcooperativoportuguêsadmite,expres-samenteedesdequeestatutariamenteconsagrado,ovotoplural,definidoemfunçãodeum«critérioobjetivo»edeacordocomoPrincípiodemocrático(art.83.ºdoCCoop).Ovotopluralpoderáser,igualmente,adotadopelascoo-perativasqueresultemdaassociaçãoentrecooperativas,ouentrecooperativasepessoascoletivasdedireitopúblico(art.8.º,n.º2doCCoop).

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17Aparício Meira: A relevância do cooperador na governação das cooperativas

Váriasquestõessepoderãolevantarnestamatéria.

Aprimeiraprende-secomosmotivosdadiferenciaçãoqueo legisladorcooperativoportuguêsestabelecequantoàatribuiçãododireitodevotoentreascooperativasdeprimeirograueascooperativasdegrausuperiorouasso-ciaçãodecooperativascomoutraspessoascoletivas.

Consideramosqueofundamentodestadiferenciaçãoresidenaparticularestrutura subjetiva destas entidades: osmembros das cooperativas de grausuperiorsãocooperativasenãoindivíduos.Assim,nascooperativasdegrausuperiorasassembleiassãocompostaspordelegados,anteriormenteeleitosemrepresentaçãodassuascooperativasdebase.

Levanta-se,agora,aquestãodesaberquaisospossíveiscritériosdeatri-buiçãodovotonascooperativasdegrausuperior.O legisladorcooperativoportuguês,non.º1doart.83.ºdoCCoop,atítulomeramenteexemplificativo,referequeosestatutosdacooperativadegrausuperiorpoderãoadotarcomocritério«umnúmerodevotosdeterminado […]em funçãodonúmerodosseuscooperadores».Masolegisladoradmitequeoutrosmecanismosdevotopluralsejamadotados,desdequedefinidosemfunçãodeumcritérioobjetivoedeacordocomoprincípiodemocrático.

Ora, atendendoàvocaçãomutualistada cooperativa, entendemosqueocritérioobjetivomaisadequadoseráocritérioeconómico:atribuiçãodeumnúmerodevotoscorrespondenteaovolumedetransaçõesefetuadosentreacooperativadebaseeorganismofederativocorrespondente.

Parece-nos,aliás,queestecritériodaproporçãodastransaçõesfeitasporcada cooperador coma cooperativa—quepoderemosdesignarde critériomutualista—seráoquemelhorpreservará a identidadecooperativa, tantomaisqueolegisladorcooperativojáoconsagraapropósitodadistribuiçãodoretorno,nadecorrênciadoprincípiocooperativodaparticipaçãoeconómicadosmembros(art.3.ºdoCCoop).

Adoutrinatemapontadooutroscritérioscomoaantiguidadeeafidelidade(intensidadedarelaçãoentreomembroeacooperativa),podendopensar-se,porexemplo,naatribuiçãodeumvotoduploemfunçãodafidelizaçãodoscooperadores,equepoderiaserdesignadodevotodefidelizaçãoouvotodelealdade10. Pensamos, contudo, que estes critérios não se coadunamcomo

10 - Ver, neste sentido, JOSÉ ANTÓNIO RODRIGUES, Código Cooperativo Anotado e Comentado,4.ªEdição,QuidJuris,2011,p.214.

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princípiodaadesãovoluntáriaelivre,podendomesmoconstituirumdesin-centivoàentradadenovosmembrose,reflexamente,aoalargamentodabasesocialdacooperativa.

Maiscontroversoseráocritériodaatribuiçãododireitodevotoaocoope-radoremfunçãodaparticipaçãonocapitalsocial11,dadoqueomesmopoderápôremcausaavocaçãomutualistadacooperativa,desrespeitandooprincípiodagestãodemocráticapelosmembros.

Noordenamentoportuguês,excecionalmentenascooperativasdeinteressepúblico,onúmerodevotosdosmembrosdasassembleiasgeraiséproporcio-nalaocapitalsocialquetiveremrealizado(art.12.ºdoDecreto-Lein.º31/84,de21dejaneiro).Contudo,estaderrogaçãodaregra«ummembro,umvoto»fundamentar-se-á nas especificidades do objeto social destas cooperativas(«prossecução do interesse público»), indissociável do caráter público dealgunsdosseusmembros(aparticipaçãopública).

Refira-se,ainda,queocaráterimperativodaregra«ummembro,umvoto»previsto na legislação cooperativa portuguesa para as cooperativas de pri-meirograutemsidoquestionadoporalgunssetoresdoutrinais,invocando-sequeomesmopoderápôremcausaacompetitividadedascooperativasperanteoutrosentesjurídicospresentesnomercado.Defacto,algumadoutrinadestacaquetalregraimperativapoderáafetarnegativamenteoautofinanciamentodacooperativa,porqueocooperadorsabequeumaentradadecapitalemmaiorproporçãonão irá influenciaroseupoderdedecisãonacooperativa.Nestesentido, o votoper capita poderia representar um desincentivo ao investi-mento na cooperativa12.Outrosautoresdestacamqueovotoper capitapoderáfuncionarcomoumdesincentivoàparticipaçãodoscooperadoresnosórgãosdacooperativa13.

11 - Este critério está previsto no art. 59.º, n.º 2, do Estatuto da Sociedade Cooperativa Europeia (ESCE),que consagra a possibilidade da determinação donúmerodevotosemfunçãodaparticipaçãonocapitaldaSCE,desdequealegislaçãodoEstado-Membroopermita.

12 - Ver, neste sentido, GUIDO BONFANTE [Delle Imprese Cooperative. Commentario del Codice Civile Scialoja-Branca (a cura di FRANCESCOGALGANO),LibroquintodelLavoro,ZanichelliEditore,Bologna,1999,p.56.

13 - Ver, neste sentido, FRANCESCO VELLA, «Amministrazione e controlonellecooperative‘spa’e‘srl’»,in:Atti del Convegno di Bologna di 7 febbraio 2003 «Gli statuti delle imprese cooperative dopo la riforma del diritto societario» (www.associazionepreite.it), p. 2.

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Convém, todavia, terpresentequearegradaparidadedevoto integraaessênciadaIdentidadeCooperativa,assumindo-secomoumadasmaisrele-vantesvertentesdoprincípiocooperativodagestãodemocráticapelosmem-bros, que, no casodoordenamentoportuguês, édeobediênciaobrigatória,por forçadaCRP,peloqueeventuaisdesviosouexceçõesaesta regranascooperativasdeprimeirograucorrerãosempreoriscodeviremaserdeclara-dosinconstitucionais.

Nestecontexto,enãoobstanteasnossasdúvidasquantoàconstituciona-lidade deste regimede exceção, temos como certo que se omesmovier aser consagrado, numa futura revisão doCCoop, terá de ser balizado pelasseguintescautelas:(i)sempredependentedeprevisãoestatutária;(ii)apenaspossívelnascooperativasagrícolas,decréditoedeserviços(logo,aexceçãodovotopluralnão seria aplicável às cooperativasde trabalho—produçãooperária,artesanatoepescas—,cooperativasdeconsumoedesolidariedadesocial);(iii)aexceçãodovotopluralnãopoderiaabrangerasmatériasprevis-tasnasalíneasg),h),i),j)en)doart.49.ºdoCCoop(matériasparacujaapro-vaçãoseexigemaioriaqualificada,nostermosdon.º1doart.51.ºdoCCoop equeconsideramoscomointegrandoaessênciadaidentidadecooperativa14) ouquaisqueroutrasparacujavotaçãoosestatutosprevejammaioriaquali-ficada, relativamente às quais semantéma regra «ummembro, umvoto»;(iv)atendendoàvocaçãomutualistadacooperativa,oúnicocritérioobjetivoadmissívelseriaocritérioeconómico—atribuiçãodeumnúmerodevotoscorrespondenteaovolumedetransaçõesefetuadosentreocooperadoreacoo-perativa—porseroquemelhorpreservariaaidentidadecooperativa,tantomaisqueolegisladorcooperativojáoconsagraapropósitodadistribuiçãodoretorno,nadecorrênciadoprincípiocooperativodaparticipaçãoeconómicadosmembros(art.3.ºdoCCoop);(v)anormaestatutáriadeveriaestabelecerlimitesparaquenenhumcooperadorpudessedeteramaioriadosvotos15.

14 -Taismatériasreportam-se:àalteraçãodosestatutos,àaprovaçãoealteraçãodosregulamentosinternos;àaprovaçãodafusãoecisãodacooperativa;àaprovaçãodadissoluçãovoluntáriadacooperativa;àaprovaçãodafiliaçãodacooperativaemuniões,federaçõeseconfederações;àdecisãoquantoaoexercíciodaaçãociviloupenalcontramembrosdosórgãosdeadministraçãoefiscalizaçãodacooperativa.

15 -Ver,nestesentido,HAGENHENRY,Guidelines for Cooperative Legislation, Thirdrevisededition,InternationalLabourOffice(ILO),2012,pp.85-86.

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20 Aparício Meira: A relevância do cooperador na governação das cooperativas

2.4. Os mecanismos de controlo pelos membrosOsmembrosdosórgãossociaissãoeleitosdeentreoscooperadorespor

umperíododequatroanos,seoutromaiscurtonãoforprevistonosestatutos(art.40.º,n.º1,doCCoop).

Emcasodevacaturadeumcargosocial,deveráserdesignadoumoutrocooperador:emprimeirolugarpelachamadadeumsuplentequandoexista;ou,casonãoexista,procedendoanovaeleição.

Umavezqueaeleiçãodosmembrosdosórgãosdacooperativaédacompe-tênciaexclusivadaAssembleiaGeral(art.49.º,al.a),doCCoop),nãopareceseradmissívelopreenchimentodavagaporcooptação,mesmosujeitando-aaratificaçãodaAssembleiaGeral16.

Nostermosdon.º3doart.40.ºdoCCoop,osestatutospodemlimitaronúmerodemandatosconsecutivosparaamesadaAssembleiaGeral,aDire-ção,oConselhoFiscalouqualqueroutroórgãoqueconsagram.Destanormaresultaquenosilênciodosestatutosvigoraaregradonúmero ilimitadodemandatosconsecutivos,aqualnãomeparececompatívelcomoprincípiodagestãodemocráticapelosmembros.Efetivamente,alimitaçãodemandatos,paraalémdepromoverademocracianoacessoaosórgãoseatransparênciadagestão,permite,ainda,arenovaçãodosquadrosdirigenteseconsequente-mentedasrespetivaspráticasdegestão.

O CCoopconsagraalgumasincompatibilidadesemmatériadegovernaçãodacooperativa.Assim,nenhumcooperadorpodesersimultaneamentemem-brodamesadaAssembleiaGeral,daDireção,doConselhoFiscaloudeoutrosórgãos eletivos estatutariamenteprevistos (art. 42.º, n.º 1, doCCoop). Nos termosdoart.64.ºdoCCoop,osmembrosdoórgãoDireçãoedoConselhoFiscalnãopodem,duranteoperíodoparaoqualforamdesignados,exercer,porcontaprópriaoualheia, atividadeconcorrentecomadacooperativa (amenosqueobtenhamautorizaçãodaAssembleiaGeral)17,nempodemexercer

16 - Ver neste sentido, JOSÉ ANTÓNIO RODRIGUES, Código Cooperativo Anotado e Comentado, cit., p. 122.

17 - O CCoopnãoesclareceosentidode«atividadeconcorrente»,nemoquesedeveentenderpor«exercerpessoalmente».Quantoaoprimeiroaspeto,oart.254.º,n.º2,doCSC,relativoàproibiçãodeconcorrênciadosgerentes,esclareceque«entende-secomoconcorrentecomasociedadequalqueratividadeabrangidanoobjetodesta,desdequeestejaaserexercidaporelaouoseuexercíciotenhasidodeliberadopelossócios».Estadisposiçãoéaplicável,porforçadaremissãoexpressacontidanoart.398.º,n.º5,

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nacooperativaquaisquerfunçõestemporáriasoupermanentes,aoabrigodeumcontratodetrabalho,subordinadoouautónomo(art.398.ºdoCSC,aplicá-velporremissãodoart.9.ºdoCCoop).Estaúltimaincompatibilidadenãoseaplicaàscooperativasnasquaisaaquisiçãodaqualidadedemembroimplicaa contribuição obrigatória de trabalho, como é o caso das cooperativas deproduçãooperária,deartesanato,depescas.

2.5. A resolução de litígios entre os membros e a cooperativaÉdacompetênciaexclusivadaAssembleiaGeraldeliberarsobreaexclusão

decooperadoresesobreaperdademandatodosórgãossociais,funcionando,ainda, como instânciade recursoquantoàs sançõesaplicadaspelaDireção[art.49.º,al.l),doCCoop].

DasdeliberaçõesdaAssembleiaGeralcaberecursoparaostribunais(art.43.º,n.º8,doCCoop).

Oart.65.ºdoCCoopestatuique«sãoresponsáveiscivilmente,deformapessoalesolidária,peranteacooperativa[…]osdiretores,gerenteseoutrosmandatáriosquehajamvioladoosestatutos,osregulamentosinternosouasdeliberaçõesdaAssembleiaGeraloudeixadodeexecutarfielmenteoman-dato[…]».

Odireitodeaçãocontradiretores,gerenteseoutrosmandatáriosemem-brosdoConselhoFiscalestáconsagradonoart.68.ºdoCCoop.On.º1destadisposiçãoestabelecequeoexercício,emnomedacooperativa,daaçãocivilcontraosdiretores, gerentes eoutrosmandatários emembrosdoConselhoFiscaldeveseraprovadopelosmembrosemAssembleiaGeral.

doCSC,àssociedadesanónimas.Quantoao«exercíciopessoal»,oart.254.º,n.º3,doCSC, que regula a proibição de concorrência dos gerentes das sociedades porquotas,determinaque«noexercícioporcontaprópriainclui-seaparticipação,porsiouporinterpostapessoa,emsociedadequeimpliqueaassunçãoderesponsabilidadeilimitadapelogerente,bemcomoaparticipaçãode,pelomenos,20%nocapitalounoslucrosdesociedadeemqueeleassumaresponsabilidadelimitada».

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22 Aparício Meira: A relevância do cooperador na governação das cooperativas

3. o sistemA poRtUgUês de goveRnAnçA: o sistemA tRipARtido

3.1. A Assembleia Geral: o órgão deliberativo da cooperativa

3.1.1. Composição, convocatória e funcionamento

Tal como já foi referido, a Assembleia Geral é considerada o órgãosupremodacooperativa,compostoportodososcooperadores,sendoassuasdeliberaçõesobrigatóriasparatodososórgãosdacooperativaeparatodososmembros(art.44.º,n.º1,doCCoop).

ParticipamnaAssembleiaGeraltodososcooperadores,aindaqueolegis-ladorestabeleçaumalimitação:adequeoscooperadoresestejamnoplenogozodosseusdireitos(n.º2doart.44.ºdoCCoop).

Porforçadaremissãodoart.9.ºdoCCoop,têmodireitodeassistênciaàAssembleiaGeralossubscritoresdostítulosdeinvestimentoedeobrigações(art.379.ºdoCSC).

Osestatutosdecooperativaspodempreverassembleiasgeraisdedelega-dos—aschamadasassembleiassetoriais(art.54.ºdoCCoop).Estaspodemserorganizadascombasenasatividadesdesenvolvidaspelacooperativaoucombasenasáreasgeográficasemquevivemoscooperadores.

Nos termosdoart.45.ºdoCCoop, aAssembleiaGeral reúneordinaria-mente,duasvezesemcadaano,epodereunirextraordinariamentesemprequesejaconvocadaporquemdedireito(peloseupresidente,porsuainiciativa,apedidodaDireçãooudoConselhoFiscalouarequerimentode,pelomenos,5%dosmembrosdacooperativa,nummínimodequatro).

AAssembleiaGeraléconvocadapelopresidentedamesadaAssembleiaGeralcompelomenos15diasdeantecedência(art.47.º,n.º1,doCCoop).

A convocatória deve conter, pelomenos (art. 47.º, n.º 2, doCCoop): aordemdetrabalho,odia,horaelocaldareunião.

QuantoaoquórumconstitutivodaAssembleiaGeral,oart.48.º,n.º1doCCoopestabelecequeomesmocorrespondea«maisdemetadedoscoopera-dorescomdireitodevotoouosseusrepresentantesdevidamentecredencia-dos».

Quantoaoquórumdeliberativo,oart.51.ºdoCCoopexige:maioriaqua-lificadapara asmatérias constantes don.º 2 daquela norma;maioria abso-

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lutapraasrestantesmatérias;maioriarelativaparaaeleiçãodostitularesdosórgãossociais.

Dadoocaráterpessoaldacooperativa,todososcooperadorestêmodireitoirrevogáveldeparticiparoude se fazer representarnasassembleiasgerais,admitindo-seovotoporrepresentação(art.53.ºdoCCoop).

3.1.2. Competências

Nostermosdoart.49.ºdoCCoop,sãodaexclusivacompetênciadaAssem-bleiaGeral,paraalémdeoutrasconstantesdosestatutos,asseguintesmaté-rias:eleiçãoedestituiçãodosmembrosdosórgãosdacooperativa;apreciaçãoevotaçãoanualdorelatóriodegestãoecontasdoexercício;aapreciaçãoecertificaçãolegaldascontas;aapreciaçãoevotaçãodoorçamentoedoplanodeatividades;afixaçãodastaxasdejurosapagaraosmembrosdacoopera-tiva;aaprovaçãodaformadedistribuiçãodosexcedentes;alteraçãodosesta-tutos;aprovaçãodafusão,cisãooudissoluçãovoluntáriadacooperativaatéàfiliaçãovoluntáriadacooperativaemuniões,federaçõeseconfederações;deliberaçãosobreaexclusãodoscooperadores,perdademandatodosórgãossociais;fixaçãodaremuneraçãodosmembrosdosórgãossociaisdacoope-rativa;decisãoquantoaoexercíciododireitodaaçãociviloupenalcontradiretores,gerenteseoutrosmandatáriosoumembrosdoConselhoFiscal.

Destanormaresultaquenascooperativasnãoseassisteaumaconcentra-çãodospoderesdegestãonoórgãodeDireção,podendoaAssembleiaGeraldeliberar sobre assuntosdiretamente ligados àgestão correnteda atividadeda cooperativa, o que constitui uma importante evidênciada relevânciadocooperadornagovernaçãodacooperativa.

3.2. A Direção: o órgão executivo da cooperativa

ADireçãoéoórgãoexecutivodacooperativa,competindo-lhe,comotal,poderesdegestãoederepresentaçãodacooperativa,aindaquenãosepossaafirmarquetaispoderessejamexclusivosdesteórgão,dadaasuasubordina-çãohierárquicaàAssembleiaGeral,enquantoórgãosupremodacooperativa.

Nos termosdoart.55.ºdoCCoop,acomposiçãodaDireçãovariacon-soanteonúmerodemembrosdacooperativa:(i)nascooperativascommaisde20membros,aDireçãoécompostaporumpresidenteedoisvogais,umdosquaissubstituiráopresidentenosseusimpedimentos,quandonãohouvervice-presidente;(ii)nascooperativasquetenhamaté20membros,aDireção

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écompostaporumpresidentequedesignaráquemosubstituinassuasfaltaseimpedimentos(olegisladorconsagra,assim,apossibilidadedenestascoo-perativasexistirumsódiretorquecumulaemsiaqualidadedepresidente).

OnúmerodemembrosdaDireçãodeverásersempreímpar,podendoosestatutos alargar a composição daDireção (art. 55.º, n.º 2, doCCoop). Os estatutospodem,igualmente,preveraexistênciademembrossuplentes(art.57.º,n.º4,doCCoop).

OsmembrosdoórgãoDireçãosãoeleitosdeentreoscooperadores(art.40.º,n.º1,doCCoop),afastando-seassimapossibilidadedenãomembrospoderemintegraresteórgão,oquepoderárepresentarumobstáculoàprofis-sionalizaçãodagestãodascooperativasportuguesas.

QueraeleiçãoqueradestituiçãosãodacompetênciaexclusivadaAssem-bleiaGeral[al.a)doart.49.ºdoCCoop].

Olegisladorcooperativoportuguêspareceadmitiragratuitidadedasfun-çõesdosmembrosdoórgãoDireção,umavezqueoart.43.º,n.º6,doCCoop, nãoimpõetalremuneração,determinandoapenasqueseráaAssembleiaGeraloórgãocompetenteparaafixar,quandodevida,competênciaestaqueérea-firmadapelaal.m)doart.49.ºdoCCoop.Estaúltimanormaestabeleceapos-sibilidadedeosestatutosimpediremaremuneraçãodosmembrosdosórgãossociaisdacooperativa.

ADireçãopodedelegarpoderesderepresentaçãoeadministraçãoparaapráticadecertosatosoudecertascategoriasdeatosemqualquerdosseusmembros,gerentesououtrosmandatários(art.59.ºdoCCoop),oquepoderápossibilitarumamaiorprofissionalizaçãodagestãodacooperativa.

Medianteconvocaçãodoseupresidente,aDireçãoreúneordinariamentepelomenosumavezpormês.Poderáreunirextraordinariamentesemprequeoseupresidenteaconvoque,porsuainiciativaouapedidodamaioriadosseusmembrosefetivos(art.57.º,n.os1e2,doCCoop).

ADireçãosópodedeliberarcomapresençademaisdemetadedosseusmembros efetivos, admitindo-se a possibilidade de os membros suplentespoderemassistireparticiparnasreuniõesdaDireção,massemdireitodevoto(art. 57.º, n.os3e4).OpresidentedaDireçãoterávotodequalidade(art.43.º,n.º1,doCCoop).

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3.3. O Conselho Fiscal: o órgão de controlo da cooperativa

OConselhoFiscaléoórgãodecontroloedefiscalizaçãodacooperativa.

AscompetênciasdoConselhoFiscalencontram-seenunciadasnoart.61.ºdoCCoop,destacando-seaverificaçãodocumprimentodaleiedosestatutos,a auditoria formal (verificação da regularidade dos lançamentos e procedi-mentoscontabilísticos)ematerial(valoraçãodaqualidadedagestãofaceaosobjetivosdaempresa)dacooperativa.

Nostermosdoart.60.ºdoCCoop,acomposiçãodoConselhoFiscalvariaconsoante o númerodemembros da cooperativa: (i) nas cooperativas commaisde20membros,oConselhoFiscalécompostoporumpresidenteedoisvogais;(ii)nascooperativasquetenhamaté20membros,oConselhoFiscalécompostoporumúnicotitular.

O número de membros do Conselho Fiscal deverá ser sempre ímpar,podendoosestatutosalargaracomposiçãodoconselho.Osestatutospodem,igualmente, prever a existência demembros suplentes (art. 60.º, n.º 2, doCCoop).

OConselhoFiscalpodeserassessoradoporumrevisoroficialdecontasouporumasociedadederevisoresoficiaisdecontas(art.60.º,n.º3,doCCoop).

TalcomorelativamenteàDireção,tambémosmembrosdoConselhoFis-calsãoeleitosdeentreoscooperadores(art.40.º,n.º1,doCCoop),afastando--seassimapossibilidadedenãomembrospoderemintegraresteórgão,oquepoderárepresentarumobstáculoàprofissionalizaçãodesteórgão.AssimsecompreendequeolegisladorconsagreapossibilidadedeoConselhoFiscalser assessorado por um revisor oficial de contas ou por uma sociedade derevisoresoficiaisdecontas(art.60.º,n.º3,doCCoop).

QueraeleiçãoqueradestituiçãodosmembrosdoConselhoFiscalsãodacompetênciaexclusivadaAssembleiaGeral[al.a)doart.49.ºdoCCoop].

Mediante convocação do seu presidente, o Conselho Fiscal reúne ordi-nariamentepelomenosumavezportrimestre.Poderáreunirextraordinaria-mentesempreoseupresidenteoconvoque,porsuainiciativaouapedidodamaioriadosseusmembrosexecutivos(art.62.º,n.os1e2,doCCoop).

Osmembros doConselho Fiscal podem assistir, por direito próprio, àsreuniõesdaDireção(art.62.º,n.º3,doCCoop).

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26 Aparício Meira: A relevância do cooperador na governação das cooperativas

OConselhoFiscalsópodedeliberarcomapresençademaisdemetadedosseusmembrosefetivos(art.63.ºdoCCoop),admitindo-seapossibilidadedeosmembrossuplentespoderemassistireparticiparnasreuniõesdoConselhoFiscal,massemdireitodevotoc(art.62.º,n.º4doCCoop).OpresidentedoConselhoFiscalterávotodequalidade(art.43.º,n.º1,doCCoop).

4. o diReito dos membRos à infoRmAção e tRAnspARênCiA

4.1. A obrigação de informar e o direito de ser informadoOvalordatransparêncianagovernaçãoéfulcralnacooperativaeconsubs-

tancialàparticipaçãoativadocooperadornocontrolodemocráticodamesma.Atransparênciaéassegurada,antesdemais,atravésdoreconhecimentododireitoàinformaçãoaocooperador,permitindo-lheumconhecimentoefetivosobreomodocomosãoconduzidososnegóciossociaisesobreoestadodacooperativaereflexamenteumcontrolodaadministraçãodamesma.

Nestedireitoàinformaçãopoderemosdistinguirumavertenteativaeumavertente passiva.

Na vertente passiva incluiremos as múltiplas obrigações impostas aosórgãosdacooperativa,designadamenteaoórgãodeadministração(aDireção),dedivulgarfactosedisponibilizardocumentosrelativosàvidadacooperativa.Destaca-seoespecialdeverdeinformaçãoquerecaisobreoórgãoDireçãonosentidodedisponibilizaraoscooperadores,nasededacooperativa,orela-tóriodegestão,osdocumentosdeprestaçãodecontasdoexercício,oplanodeatividadeseorçamentoparaoanoseguinte,acompanhadodocompetenteparecerdoConselhoFiscal[art.56.º,al.a)doCCoopeart.263.º,n.º1,doCSC,aplicávelporremissãodoart.9.ºdoCCoop].

Avertenteativadodireitoàinformaçãoestáconsagradanaal.c)don.º1doart.33.ºdoCCoop,aqualestabelecequeoscooperadores têmdireitoarequerer informações aos órgãos competentes da cooperativa e examinar aescrita e as contasda cooperativanosperíodos enas condiçõesque foremfixadospelosestatutos,pelaAssembleiaGeraloupelaDireção.

Destanormaresultaqueossujeitosativosdainformaçãoserãooscoope-radoreseossujeitospassivosserãoos«órgãoscompetentesdacooperativa».

Quantoaoobjetododireitoàinformação,oscooperadorespodemobterinformaçõessemquaisquerreservasquantoaoteordainformaçãoasolicitar,

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comexceçãodas cooperativas de crédito, relativamente às quais o legisla-dorressalvouapenasasregrasrelativasaosigilobancário(art.33.º,n.º3,doCCoop).Entendemosqueestaressalvadeveriasermaisampla,nosentidodepermitirqueosórgãoscompetentespudessemrecusaraprestaçãodainforma-çãoquandoessefactoocasionasseviolaçãodesegredoimpostoporlei.

O direito à informação será exercido nos períodos e nas condições queforemfixadospelosestatutos,pelaAssembleiaGeraloupelaDireção.

Ora, atendendoaocunhomarcadamentepersonalistadacooperativa,nosilênciodosestatutosenaausênciadequalquerdeliberaçãodaAssembleiaGeral ou da Direção nesse sentido, será de defender que os cooperadorespoderão exercer o seu direito à informação diretamente perante qualquerórgãodacooperativa,semquaisquerlimitaçõesquantoàscondiçõesdores-petivoexercício.

Nestedireitoàinformação,paraalémdeumdireitogeralsobreosnegócioseaatividadedacooperativa,outrasfaculdadeshaveráqueincluirnoconteúdodomesmo,comoodireitoainformaçõespreparatóriasdaassembleiageraleodireitoainformaçõesnodecursodaassembleiageral.

Assim,ocooperadorteráumdireitoàinformaçãopreparatóriadaAssem-bleiaGeralprevistonoart.289.ºdoCSC(aplicávelporremissãodoart.9.ºdoCCoop),oquallhepermitiráobterosconhecimentosnecessáriosparaformarasuadecisãoeoseusentidodevoto.

Logo,tendoemcontaodispostonon.º1doart.289.ºdoCSC,antesdarealizaçãodaAssembleiaGeral,ecompelomenosquinzediasdeantecedên-ciaemrelaçãoàdatadasuarealização,devemserfacultadosàconsultadoscooperadoresnasededacooperativadeterminadoselementosqueseconsi-deramfundamentaisparaaformaçãodavontadesocial,comoaidentificaçãodosmembrosdosórgãossociais,aspropostasaapresentaràassembleiapeloórgãodeadministração,bemcomoosrelatórioseajustificaçãoquedevamacompanharessaspropostas,entreoutras.Quandoestiveremcausaareali-zaçãodaAssembleiaGeral anual para aprovaçãodas contas, o cooperadorpoderáconsultarnasededacooperativaosrespetivosdocumentosdepresta-çãodecontas,emespecialorelatóriodegestãoeascontasdoexercício.

O cooperador terá, igualmente, um direito à informação no decurso daAssembleia Geral, podendo requerer que lhe sejam prestadas informaçõessobreosassuntossujeitosadeliberação(art.290.º,n.º1,doCSC,porremissãodoart.9.ºdoCCoop).Anãodisponibilizaçãodetaisinformaçõesaocoope-

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28 Aparício Meira: A relevância do cooperador na governação das cooperativas

rador,tornaadeliberaçãoemcausasuscetíveldeanulação,talcomosucedenodomíniodassociedadescomerciais(art.290.º,n.º3,doCSC,aplicávelporremissãodoart.9.ºdoCCoop).

Aaplicaçãodeste regimeconstantedoCSC,por remissãodoart.9.ºdoCCoop,estará,contudo,sujeitoaumaressalva:oexercíciododireitoàinfor-maçãonãoestarádependenteda titularidadedeumadeterminadapercenta-gemdocapitalsocial(comoéexigidoparaoexercíciododireitomínimoedodireitocoletivoà informaçãonasociedadeanónima),pois tal implicariaumaviolaçãodoprincípiocooperativodagestãodemocráticapelosmembros.Estedireitodocooperadoràinformaçãoé,destemodo,umdireitoindividual,peloquecadacooperadorteráodireitoderequererinformaçõesaosórgãosdacooperativa.

DadeliberaçãodaDireçãoderecusarinformaçõessolicitadaspeloscoope-radores,ouaprestaçãodeinformaçõesfalsas,incompletasounãoelucidati-vas,caberecursoparaaAssembleiaGeral(art.33.º,n.º2,doCCoop).

Poderátodavialevantar-seumproblemanestamatériaequeseprendecomaeventualconvocaçãodeumaassembleiageralextraordináriaparaapreciararecusadeprestaçãodeinformaçãopelaDireçãoaumcooperador.Équeolegisladorcooperativoestabelece,comoregimeregra,noart.45.º,n.º3,doCCoop,queestasassembleiasgeraisextraordináriassópodemserconvoca-das—amenosqueosestatutosoualegislaçãocomplementaraplicávelaosdiversosramosestabeleçamemsentidodiverso—peloseupresidente,porsuainiciativa,apedidodaDireção,doConselhoFiscal,ouarequerimentode,pelomenos,5%dosmembrosdacooperativa,nummínimodequatro.Ora,odireitoàinformaçãoé,comovimos,umdireitoindividualdoscooperadores18, peloqueseimpõeumaalteraçãolegislativanosentidodepermitirque,emcasodeviolaçãododireitoàinformação,qualquercooperadorpossarequereraconvocaçãodaAssembleiaGeral,parapoderfazervaleroseudireito.

O CCooptambémnãoesclareceseesterecursoparaaAssembleiaGeraléumrecursonecessárioou facultativoeportantose,peranteumaviolaçãododireitoàinformação,ocooperadorpodeinstaurar,deimediato,uminqué-ritojudicialcomvistaàobtençãodasinformaçõessolicitadas(estepedidodeinquéritojudicialestáprevistonoart.292.ºdoCSC,aplicávelàcooperativaporremissãodoart.9.ºdoCCoop).

18 -Ver,sobreestaquestão,SOFIARIBEIROBRANCO,O direito dos accionistas à informação,Almedina,Coimbra,2008,pp.202-205.

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4.2. A educação dos membros

O CCoop consagra, no seu art. 3.º, oPrincípio da educação, formação e informação, dispondo que «as cooperativas promoverão a educação e aformaçãodosseusmembros,dosrepresentanteseleitos,dosdirigentesedostrabalhadores,demodoquepossamcontribuireficazmenteparaodesenvol-vimentodassuascooperativas.Elasdeveminformarograndepúblico,parti-cularmenteosjovenseoslíderesdeopinião,sobreanaturezaeasvantagensdacooperação».

No que respeita à governação das cooperativas, a educação e a forma-ção cooperativas deverão: (i) proporcionar, aos membros da cooperativa,conhecimentosacercadosprincípiosevalorescooperativos,designadamente:induzi-losaparticiparativamentenasuacooperativa,adeliberarcorretamentenasassembleias,aelegerconscientementeosseusórgãoseacontrolarasuaatuação;(ii)ensinarosdirigentesegestoresdacooperativa(demodoaqueexerçamcorretamenteopoderquelhesfoiconferidoeapreservaraconfiançaque os restantes membros neles depositaram) que atuem diligentemente,empregandoadisponibilidade,obtendooconhecimentodacooperativae acompetência adequada às suas funções; (iii) fornecer aos trabalhadores osconhecimentos técnicosnecessáriosparao seucorretodesempenho; (iv) e,finalmente,fomentarosentidodesolidariedadeederesponsabilidadedacoo-perativaparacomacomunidadeondeseinsere.

Esteprincípioconcretiza-se,noCCoop, atravésda consagraçãodeumareservaobrigatória«paraaeducaçãocooperativaeaformaçãoculturaletéc-nicadoscooperadores,dos trabalhadoresdacooperativaedacomunidade»(art. 70.º).

Areservaparaaeducaçãoeformaçãocooperativaséreguladapeloart.70.ºdoCCoopeédeconstituiçãoobrigatória.

Agestãodestefundodereservaéumaespecificidadedagovernaçãocoo-perativa,aqueoCCoopdedicaparticularatenção.

Assim,nostermosdoart.70.º,n.º3,doCCoop,«asformasdeaplicaçãodesta reserva serão determinadas pelaAssembleiaGeral» e não obstante olegisladornãoomencionarexpressamente,consideramosquetambémcom-petiráàAssembleiaGeralocontroloposteriordaaplicaçãodeste fundodereserva.DaquiresultaqueseráaAssembleiageraloórgãocompetenteparafixaraslinhasbásicasdeaplicaçãodestefundodereserva.Atitularidadedagestãoordináriadestefundocaberáaoórgãodeadministraçãodacooperativa,

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30 Aparício Meira: A relevância do cooperador na governação das cooperativas

ouseja,àDireção,enquantogestorordináriodacooperativa,umavezqueon.º4doart.70.ºimpõeàDireçãoodeverde«integraranualmentenoplanodeatividadesumplanodeformaçãoparaaplicaçãodestareserva».

On.º5daqueleartigotornapossívelqueaAssembleiageralpermitaàDire-çãoaentregatotalouparcialdo«montantedestareservaaumacooperativadegrausuperior,sobcondiçãodeestaprosseguirafinalidadedareservaemcausaedeterumplanodeatividadesemqueaquelacooperativasejaenvolvida».

Porúltimo,on.º6consagra,nosmesmostermos,apossibilidadedeumaparteoudatotalidadedessareservaserafetada«aprojetosdeeducaçãoefor-maçãoque,conjuntaouseparadamente,impliquemacooperativaemcausae:a)umaoumaispessoascoletivasdedireitopúblico;b)umaoumaispessoascoletivasdedireitoprivado,semfinslucrativos;c)outraououtrascoopera-tivas».

5. Admissão e exClUsão dos membRos

Um outro princípio cooperativo com reflexos jurídicos relevantes nagovernaçãodacooperativaéoPrincípiodaadesãovoluntáriaelivre,quecor-respondeaotradicionalPrincípiodaportaaberta(art.3.ºdoCCoop),oqualconfereumcarátervariávelqueraonúmerodemembros(on.º1doart.2.ºdoCCoopfalaem«composiçãovariável»)queraocapitalsocialdacooperativa(art.18.º,n.º1,doCCoop).

O Princípio da adesão voluntária e livreincorporaduasvertentes:avolun-tariedadenaadesãoealiberdadenasaída.

Dadoofimmutualistadacooperativa,qualquerpessoainteressada—equecumpraos requisitosde admissãoexigidos—deverápoder ingressar comomembrodacooperativaebeneficiardosserviçosqueestalheoferece.

Paraoefeito,ocandidatoamembrodeverárequererasuaadmissãoàDire-çãodacooperativa(arts.31.º,n.º1,e56.º,al.d),doCCoop).Aestepropósito,RuiNamoradosustentaque«qualquerrestriçãoàlivreentradadenovoscoo-peradoresdeveresultardapróprianaturezadacooperativaenãodeumjuízoarbitrárioderejeição,potencialmentediscriminatório,porserdemera inci-dênciaindividual»19.Assim, ter-se-ádeverificar,emconcreto,aaptidãodo

19 - RUINAMORADO,Os Princípios Cooperativos, Fora doTexto, Coimbra,1995, p. 61.

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candidatoacooperador,querparautilizarosserviçosdacooperativaouparadesenvolverotrabalhoqueaintegraçãonacooperativaimplicará,querparaaceitaraculturaevalorescooperativos.Nestamatéria,consideramoshaverespaçoparauma reflexão sobre a pertinênciada consagração, numa futurarevisão legislativa,daquiloaquepoderíamoschamaros«cooperadoresemperíodoexperimental»,tendoporreferênciaoschamados«sóciosàprova»,previstosquernalegislaçãocooperativaespanhola,quernaitaliana.Osesta-tutos da cooperativa estabeleceriam um período experimental (de prueba), duranteoqualsedariaaconhecer,aoaspiranteacooperador,otipodecoo-perativa que escolheu, os órgãos damesma, o seu funcionamento, os seusdireitosedeverescomofuturomembro.Se,duranteesseperíodo,oaspirantea cooperador—que beneficiaria, como qualquermembro de pleno direito,detodososserviçosquelhepoderiaprestaracooperativa—demonstraraosrestantescooperadoresquefoicapazdeseadaptaraessefuncionamento,seriadefinitivamenteadmitidocomomembrodacooperativa.

Olegisladorcooperativoportuguêsestabeleceuqueosestatutosdecadacooperativadeverãoconteras«condiçõesdeadmissão»dosmembros[al.a)don.º2doart.15.ºdoCCoop];e,seumcandidatopreencheressascondições,apropostadeadmissãoteráaindaqueserobjetodedeliberaçãoporpartedaDireção[art.º56.º,al.d),doCCoop].Estadeliberaçãoterácarácterconstitu-tivo,quantoàaquisiçãodaqualidadedesóciocooperador.

Nãohaverá,porisso,umverdadeirodireitosubjetivoaseradmitidocomomembrodeumacooperativa20.Adoutrinaprevalecenteconsideraqueseestará

20 -Todavia,dealgunsdiplomascomplementaresdoCCoopderivamverdadeirosdireitos de admissão para os candidatos a cooperadores. Neste sentido, vejam-se: o art. 6.º, doDL n.º 303/81, de 12 de novembro (cooperativas de artesanato);art.8.º,doDLn.º309/81,de16denovembro(cooperativasdeproduçãooperária);e art. 8.º, doDL n.º 323/81, de 4 de dezembro (cooperativas de serviços). Estes,depois de consagrarem que a admissão dos cooperadores só poderá ser recusada«com fundamento em inaptidãopatentedo interessadoparaodesenvolvimentodasua atividade profissional ou na desnecessidade demomento dessa atividade paraoprosseguimentodosfinsdacooperativa»,estipulamque«aadmissãonãopoderáemcasoalgum,serrecusadacombaseemqualquerdosfundamentosenunciadosnonúmeroanterior,àspessoasque,emregimedecontratodetrabalho»,desenvolvama sua atividade hámais de dois anos ao serviço da cooperativa.Namesma linha,tambémoart.8.º,doDLn.º509/99,de19denovembro(cooperativasdehabitaçãoeconstrução),depoisde,non.º1,disporque«ascooperativasdehabitaçãoeconstruçãosópodemcondicionaraadmissãodenovosmembrosàexistênciadeprogramasem

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peranteumasimplesexpectativajurídica,ouseja,peranteumaposiçãoativaque,emboratenharelevânciajurídica,nãodispõedosmecanismosdegarantiaquecorrespondemaosdireitossubjetivos21.

Ainda queCCoop não omencione expressamente, consideramos que aDireçãodacooperativadeveráfundamentararecusadeadmissãodeumnovomembro,aqualpoderásermotivada,querporrazõesdeordemsubjetiva(porexemplo,oaspiranteacooperadornãopreencherascondiçõesdeadmissãoprevistas na lei ou nos estatutos), quer por razões de ordem objetiva (porexemplo,adimensãodaempresaouascondiçõesdemercadonãoaconselha-rem,naquelemomento,oaumentodonúmerodecooperadores).

Noordenamentoportuguês,aAssembleiaGeralfuncionarácomoumains-tânciaderecursoquantoàadmissãoourecusadenovosmembros[art.49.º,al.l),doCCoop].

OPrincípiodaadesãovoluntáriaelivrerelaciona-se,igualmente,comasaídadecooperadores:aquiloaqueSérvuloCorreiachamoua«liberdadedeexoneração»22.Efetivamente,oscooperadoresterãoumverdadeirodireitodesaídaoudireitodedemissão,talcomoresultadoart.36.º,n.º1,doCCoop.

Contudo, nesta fase, deparamos com dois interesses que, pelo menostendencialmente,seapresentamcontrapostos:ointeressedacooperativaemnãoverdiminuídooseunúmerodemembros;ealiberdadedeocooperadorabandonaracooperativaquandoestajánãoresponderaosobjetivosquejus-tificaram,inicialmente,asuaadesão.Assim,haveráqueencontrarumpontodeequilíbrioentreosinteressesdacooperativaeosinteressesdecadacoo-perador.Nestecontexto,seráplenamentelegítimaaconsagraçãodemecanis-mos estatutários «que desencoragem abandonos, envolvendo-os de algumaonerosidade»23.Apontem-se,nestesentido,certassoluçõeslegaisconstantesdoCCoop,taiscomoapossibilidadedediferiroreembolsoduranteumcertoperíodo de tempo (n.º 3 do art. 36.º); a possibilidade de estabelecer dedu-

queoscandidatospossamserintegrados»,estabeleceque«nenhumacooperativadehabitaçãoeconstruçãopoderáusardafaculdadeprevistanon.º1[…]durantemaisdetrêsanosconsecutivos».

21 -Nestesentido,verpor todosRUINAMORADO,Cooperatividade e Direito Cooperativo. Estudos e pareceres,Almedina,Coimbra,2005,p.21.

22 -SÉRVULOCORREIA,«Elementosdeumregime jurídicodacooperação»,cit., p. 127.

23 -VerRUINAMORADO,Os Princípios Cooperativos, cit., p. 64.

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çõesaodireitoaoreembolso(n.º4doart.36.º);oestabelecimentodeprazosmínimos de permanência e de regras que condicionem a saída a um avisoprévio(n.º2doart.36.º);oregimederesponsabilidadeexternadoscoope-radores (art. 35.º); o recurso a outros instrumentosfinanceiros (arts. 26.º a29.ºeart.30.º);afixaçãodeumnúmeromínimodecooperadores(art.32.º);afixaçãodeumcapitalsocialmínimo(n.º2doart.18.º);oregimejurídico--legaldefinidoparaasreservas,designadamenteparaasreservasobrigatórias(arts. 69.º e ss.).

Noentanto,noordenamentoportuguês,estesmecanismosnuncapoderãolimitar,emuitomenossuprimir,odireitodedemissão.Nestadecorrência,oart.36.º,n.º2,doCCoop,estabeleceque«osestatutosnãosuprimirãooulimi-tarãoodireitodedemissão,podendo,todavia,estabelecerregrasecondiçõesparaoseuexercício».

Emmatéria de governação da cooperativa, esta «liberdade de exonera-ção»colocaigualmenteoproblemadaeventualperturbaçãonoexercíciodefunçõesporpartedosmembrosdosórgãossociais,dadoqueestesmembrossãoobrigatoriamentecooperadores(art.40.º,n.º1,doCCoop).Sendoassim,comoos cooperadores podema qualquermomento sair da cooperativa, aoabrigodoprincípiodaadesãovoluntáriae livre, interrompendoorespetivomandato,nãodeveriao legisladorcondicionarasaídadecooperadoresqueintegremosórgãossociaisaocumprimentodeumavisoprévioadequadoquepermitaàcooperativapreencherocargo(ouporeleiçãooupelachamadadeumsuplente,casoexista)?

Aliberdadedeadesãoimplica,ainda,quenenhumcooperadorpoderáserarbitrariamentecompelidoasairdeumacooperativa.OCCooptratadaexclu-são,noart.37.º.On.º1destanormaestabeleceque«oscooperadorespodemser excluídos por deliberaçãoda assembleia geral».Ora, poderá levantar adúvidade saber se o legislador ao aplicar a palavra«podem»não estará aadmitirapossibilidadedeoutroórgãotambémteressacompetência.Contudo,o art. 49.º, al. l), doCCoop é perentório: «É da competência exclusiva daassembleiageral:l)Deliberarsobreaexclusãodecooperadores[…]eaindafuncionarcomoinstânciaderecurso[…]emrelaçãoàssançõesaplicadaspeladireção».DaquiresultaqueaDireçãonãotemcompetênciaparadeliberaraexclusãodecooperadores24.

24 -Ver sobre esta questão, verALEXANDREDESOVERALMARTINS, «ADireçãoexcluieaAssembleiaGeralaprova(Sobredeliberaçõesinexistentesenulas)»,

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34 Aparício Meira: A relevância do cooperador na governação das cooperativas

Estaexclusãoterádesefundaremviolação«graveeculposa»dalegisla-çãocooperativa,dosestatutosdacooperativaoudosseusregulamentosinter-nos(n.º2doart.37.ºdoCCoop),devendoserprecedidadocompetentepro-cessoescrito,doqualconstaráaindicaçãodasinfrações,asuaqualificação,aprovaproduzida,adefesadoarguidoeapropostadeaplicaçãodamedidade exclusão.Osmotivos de exclusão e as normas que regerão o respetivoprocessodeverãoestarexpressas,deformaclara,nosestatutos,paraquecadacooperadorsaiba,àpartida,emquecasoscorreráoriscodeserexcluído,asse-gurando-seaocooperadorosdireitosprocessuaisdedefesa.Assim,oart.15.º,n.º2,al.a),doCCoop,estabelecequeosestatutospoderão,ainda,incluir«ascondiçõesdeadmissão,suspensão,exclusãoedemissãodosmembros,bemcomoosseusdireitosedeveres».

Finalmente, dever-se-á ter ainda em conta o teor do art. 37.º, n.º 5, doCCoop, segundo o qual é «insuprível a nulidade resultante:a) da falta deaudiênciadoarguido;b)dainsuficienteindividualizaçãodasinfraçõesimpu-tadasaoarguido;c)dafaltadereferênciaaospreceitoslegais,estatutáriosouregulamentaresviolados;d)daomissãodequaisquerdiligências essenciaisparaadescobertadaverdade».

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37Parente, Marcos, Costa e Amador: Representações sobre empreendedorismo social

Cooperativismo e Economía Social, nº 35 (2012-2013), pp. 37-65

RepResentAções sobRe empReendedoRismo soCiAl

Cristina PARENTE,VanessaMARCOS, Daniel COSTA,CláudiaAMADOR1

Resumo:

O artigo visa discutir as representações acerca da problemática doempreendedorismosocial2veiculadasporatoresque,emPortugal,intervêmna configuração deste campo de conhecimentos e de práticas, ora a títuloinstitucional (político e setorial), ora organizacional, oramesmo individualdadaasuapertençaaorganizaçõesdoterceirosector.Asrepresentaçõesdos

1 -CristinaParente,ProfessoraAuxiliardoDepartamentodeSociologia,FaculdadedeLetrasdaUniversidadedoPortoeinvestigadoradoInstitutodeSociologiadamesmainstituição; [email protected]; Vanessa Marcos, Doutoranda em Sociologia,InvestigadoradoInstitutodeSociologiadaFaculdadedeLetrasdaUniversidadedoPorto; [email protected]; Daniel Costa, Psicólogo Social, Doutorandoem Sociologia pela Faculdade de Letras da Universidade do Porto e membro doISFLUP-InstitutodeSociologiadaFaculdadedeLetrasdaUniversidadedoPorto;[email protected]; Cláudia Amador, Doutoranda em Sociologia pelaFaculdadedeLetrasdaUniversidadedoPortoeBolseiradeInvestigaçãonoISFLUP–InstitutodeSociologiadaFaculdadedeLetrasdaUniversidadedoPorto;[email protected].

2 -OartigoresultadotrabalhodesenvolvidopelosautoresnoâmbitodoprojetoEmpreendedorismo Social em Portugal: as políticas, as organizações e as práticas de educação/formação, financiado pela Fundação para a Ciência e Tecnologia(PTDC/CS-SOC/100186/2008), liderado pelo ISFLUP - Instituto de Sociologia daFaculdadedeLetrasdaUniversidadedoPorto, edesenvolvidoemparceria comaA3S-AssociaçãoparaoEmpreendedorismoSocialeaSustentabilidadedoTerceiroSetorecomoDinâmia/CETdoInstitutoUniversitáriodeLisboa.

Parente, Marcos, Costa e Amador: Representações sobre empreendedorismo social

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38 Parente, Marcos, Costa e Amador: Representações sobre empreendedorismo social

atoressãodiscutidasàluzdediferentesescolasteóricas,procurandocaptar-seigualmenteadiversidadedesignificadosdasdimensõescaracterizadorasdoempreendedorismosocial,bemcomoascontrovérsiasemtornodoconceito.

Aanáliserealizadapermiteconcluirqueexisteumaheterogeneidadedesentidoseumafluidezdasfronteirasqueenquadramedefinemestesproces-sos.Prevaleceaproximidadedoconceitoàsescolasnorte-americanas,porémcomespecificidadesquesecoadunamcomasparticularidadesdasociedadeportuguesaedaprópriaEscolaEuropeiadaEconomiaSocial.

1. os AtoRes do CAmpo do teRCeiRo setoR e As RepResentAções de empReendedoRismo soCiAl

Porforçadaimprecisãosentidaeaescassezdetrabalhossobreatemáticadoempreendedorismosocialnocontextonacional3,opresentetextotemcomoprioridadeauscultarasrepresentaçõesdeatoresque,emPortugal, intervêmatualmentenaconfiguraçãodoconceitodeempreendedorismosocial,oraatítuloinstitucional(políticoesetorial),oraorganizacional,oramesmoindivi-dual.Aanálisedosdiscursoscombinainformaçõesrecolhidas,sobaformadeentrevistas,emdoismomentosdistintosdainvestigação:20sãoresultadodaprimeirafasedapesquisa,desenvolvidacomumcaráterexploratório,emqueforamentrevistadosindivíduoscompertençasvariadasaoterceirosetor;setesurgemnumafaseposterior,noâmbitodosestudosdecasoaorganizaçõesdoterceirosector(OTS)socialmenteempreendedoras,emqueserealizaramentrevistas aos seus dirigentes, mais especificamente aos seus presidentes,diretoresoutécnicos(estesúltimos,sobretudocomfunçõesdechefia).

Assim,ouniversoanalíticoéconstituídopor27atoreschave,sendoque,nototal,foramrecolhidosdepoimentosde44entrevistados.Duasadvertên-cias neste âmbito, a saber: i) o número de entrevistados varia consoante aorganizaçãoeafasedainvestigação(exploratóriaoudeestudosdecaso);ii)existematoreschavequenãofiguramenquantorepresentativosdequalquerinstituição,mas comoatores individuais (Quadro1).Assumimosopressu-postosegundooqualas representações,odiscursoeoperfildestesatores,detentoresdealgumgraudepodergenericamenteassociadoafunçõesdiri-gentes,influenciamaconfiguraçãoatualdosprocessosdeempreendedorismosocial,emPortugal.

3 -Atenda-se,contudo,àsreflexõesdeQuintão(2004)eFerreira(2005).

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39Parente, Marcos, Costa e Amador: Representações sobre empreendedorismo social

Osdiscursossãosempreumaformadeexpressãoquerevelaumaposiçãocomrepercussõesaoníveldapráxis,nãoignorandocontudoodesviosempreexistenteentreasnarrativaseaspráticasefetivas.Acrescequeadiversidadedapertença institucional eorganizacional constituiuumcritériode seleçãodosatores,demodoadarmoscontadapluralidadelegalesetorialdoterrenoem que intervêm profissionalmente.Destemodo, entendemos os discursoscomoequivalentesnosseuscontributosparaaconstruçãodoconceitoedaspráticasdeempreendedorismosocial,porématendendoàespecificidadedecadaator.

NoQuadro1,tipifica-seosatoreseasorganizaçõesdepertençadosentre-vistados, segundoos critérios da forma jurídica e da pertença institucional(políticaesetorial)eorganizacional4.

Quadro 1. pertença dos atores chave entrevistados segundo a forma jurídica e pertença institucional e organizacional

organizações dos entrevistados/atores chave pertença institucional e organizacional

OrganizaçãoA

Cúpulasetorial

OrganizaçãoB

OrganizaçãoC

OrganizaçãoD

OrganizaçãoE

OrganizaçãoF

OrganizaçãoG

OrganizaçãoH

OrganizaçãoI

InvestigaçãoeformaçãoOrganizaçãoJ

OrganizaçãoK

OrganizaçãoL

InstituiçõeseatoresligadosaoensinoOrganizaçãoM

OrganizaçãoN

4 -Nocontactoefetuadoaosinformantesprivilegiadosobtivemosquatrorecusas,doisatoresindividuaisedoisrepresentantesdecúpula.

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40 Parente, Marcos, Costa e Amador: Representações sobre empreendedorismo social

OrganizaçãoOOrganizaçãopolítica

OrganizaçãoP

OrganizaçãoAD

Organizaçõesdebaseobjetodeestudosdecaso

OrganizaçãoCE

OrganizaçãoCT

OrganizaçãoDIA

OrganizaçãoPR

OrganizaçãoPP

OrganizaçãoTC

Programadefomento1Programasdefomento

Programadefomento2

Informante1Pluralidadedepertençasligadasàproblemática

Informante2

Fonte:concebidopelosautoresbaseadonasentrevistas

Do total de 25 entrevistados institucionais, 8 foram selecionados porconstituírematoresderepresentaçãodecúpulasetorial,istoé,integrantesdeentidadesrepresentativasdasdiversasformasjurídicasdeorganizaçõesqueconstituemoterceirosetor,emboraadiferentesníveisdeagregação.SegundoatipologiadeestruturaçãosetorialapresentadaporCerdeiraePadilha(1988),entrevistou-seenquantocúpuladeterceironível,aorganizaçãoD;noâmbitodas organizações representadas pelas entidades que integram esta estruturasetorialequeassumemumnívelintermédionacorrespondentehierarquiadasrepresentaçõesinstitucionais,foramentrevistadasasorganizaçõesA,B,C,E,F,G,MeaH.

Onívelprimáriocongregaasorganizaçõesdebase,noqualseinserem:

-Asentrevistasrealizadasaquatroorganizaçõesquesededicamàinvesti-gaçãoeformação,designadosporOrganizaçõesI,J,NeK.AsOrganizaçõesIeKforamselecionadaspelaimportânciaassumidanopanoramadaformaçãoespecializadanosdomíniosdoempreendedorismosocialeporcolocaremnaagendanacionalaproblemáticadainovaçãosocial;comatividadesidênticas,encontra-se,masafetaaumafamíliaespecíficadoterceirosetor,aOrganiza-çãoJ;aOrganizaçãoNdefine-secomoatorchavenapromoçãodaeconomiasocialnaáreadoensinosecundário;

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41Parente, Marcos, Costa e Amador: Representações sobre empreendedorismo social

-AOrganizaçãoL, única agência de financiamento do terceiro setor, àépoca;

-Asseteorganizaçõesobjetodosestudosdecaso(AD,CE,CT,DIA,PR,PPeTC)quepartilham,pelomenos,umacaracterísticatípicadosprocessosdeempreendedorismosocial,asaber:(i)atuamjuntodepúblicosvulneráveise insolventese(ii)dedicam-seaatividadesde índolesocialquecombinamcomatividadesdecarizcomercialparaalavancaramissãosocialdaorganiza-ção.Apresentam,deacordocomoscritériosemanálise,umperfilsocialmenteempreendedor.

Foramaindaselecionadosdoisatoreschavederepresentaçãodapolíticaestatal,aquidesignadosporOrganizaçãoOeaOrganizaçãoPedoisrepre-sentantesdeprogramasnacionais, compertinênciaaoníveldo fomentodoempreendedorismo social: o Programa de fomento 1, destinado a eliminarfatores que estão na origem das desigualdades e discriminações no acessoaomercadodetrabalho(EQUAL);oProgramadefomento2,decoordena-çãoestratégicaeoperacionaldaspolíticasdecombateàpobrezaeàexclusãosocial(PNAI).

Enquantoatoresindividuais,foramentrevistadosoInformante1eoInfor-mante2,devidoàexperiênciadetrabalhonodomíniodaintervençãoecon-sultorianaáreadoempreendedorismosocial,bemcomopelasuaintegraçãoatualenquantodocentesdeuniversidadesquelecionamprogramascientíficosrelacionadoscomaproblemática.5Nestesentido,procurámosaferir,atravésdasentrevistassemiestruturadas:i)seosatoreschaveconheciamoconceitodeempreendedorismosocial;ii)aqueuniversodepráticasoaplicavam;iii)seoconceitoeraaplicávelàorganizaçãoqueintegravamoutinhamintegrado;iv)sepreferiamusaroutrosconceitosparaidentificaramissãoeaspráticasda(s) sua(s) instituição(ões) (e.g. economia social, terceiro setor, economiasolidária).

Asentrevistasforamobjetodeumaanálisedeconteúdobaseadanopro-cedimentodecodificaçãotemáticaclássico(Straus1987,cit inFlick1998),

5 - Foram entrevistados 22 mulheres e 22 homens, genericamente com habilitaçõesacadémicasaoníveldoensinosuperior.Noqueconcerneàsfunçõesoucargosdesempenhados,26 dos interlocutores são membros de direção (presidentes, vice-presidentes e outros), 13ocupamfunçõesdecoordenaçãoechefiae3sãomembrossemfunçõesdechefia,oque,emtermos gerais, significa que aferimos representações de dirigentes organizacionais.Mais demetadedestesatores(29)temidadesinferioresa50anos,emboraamaioria(25)possuaumavastaexperiência(igualousuperiora10anos)nocampodoterceirosetor.

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42 Parente, Marcos, Costa e Amador: Representações sobre empreendedorismo social

combaseemcategoriaspré-estabelecidasnonossoquadroteórico,eoutrasqueemergiramindutivamentedosdiscursosdosatores.

2. As RepResentAções disCURsivAs

2.1. As conceções de empreendedorismo social

Apartirdeumaanálisedodiscursonasuaintegralidade,começamosporafetar os atores chave a uma representação teórica de empreendedorismosocial(Quadro2).Ouseja,aanálisedeconteúdodasentrevistas,conjugadacomafiliaçãoinstitucionaleorganizacionaldosentrevistados,permitiuaferirumaaproximaçãoideológicaàsescolasdepensamentodoempreendedorismosocialconsideradasaolongodoestudoe,emalgunscasos,debateraexistên-ciadeconceçõesdistintassobreatemática.

Nestesentido,asquatroescolasdepensamentoqueestãonabasedanossaabordagemanalíticaeenformamoconceitoadotadosãoasseguintes:

i)EscoladaInovaçãoSocial(Dees,2001;Bornstein,2007;Mulgan,2007).

A tónicaassentanapromoçãode formas inovadorasdecapacitaçãodascomunidades,decriaçãodeimpactosocialoucapacidadedemudança,bemcomoa escala e a sustentabilidadedas iniciativas.Esta abordagemveiculaafigurado empreendedor social edas suasqualidadespessoais intrínsecasenquantoatorcomumpapelfundamentalnacriaçãodevalorsocial.

ii)EscolaEmpresarialoudeGeraçãodeReceitas (Boschee&McLurg,2003).

Postulao recursoamecanismose ferramentasdeplaneamentoegestãoestratégicadecaráterempresarialedeorientaçãoparaomercado.Nestesen-tido,apremissaavançadaporestaescolaresidenodesenvolvimentodeativi-dadescomerciaisenquantogarantiadesustentabilidade,eficáciaeprossecu-çãodeobjetivossociaisnosetornãolucrativotalcomoaEscoladaInovaçãoSocial,estaabordagemtemorigemanglo-saxónica.

iii) Escola da Economia Social Europeia (Defourny & Borzaga, 2001;Spear,2006;Defourny&Nyssens,2010b).

Oenfoquedestaabordagemresidenosmecanismosorganizacionaisque,obedecendoaumaestratégiadedemocraticidade interna edegestãoparti-cipadas, bem como orientadas para os diversos stakeholders, asseguram aperseguiçãodeobjetivos sociais.Neste sentido,destacamosa incorporação

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43Parente, Marcos, Costa e Amador: Representações sobre empreendedorismo social

dedeterminadosprincípiosnaestruturainternadasorganizações,designada-mente: i) objetivode servir a comunidadeeos interesses sociais emdetri-mentodosinteressesdocapital;ii)agestãoindependentefaceaosetorpúblicoeprivado;iii)ademocraticidadedosprocessosdedecisão;iv)aprimaziadaspessoasedotrabalhosobreocapitalnadistribuiçãodorendimento.AnossapropostaanalíticaestásobretudoalinhadacomapropostadaEMESedora-vantedesignadaporEscoladaEconomiaSocial.

iv)AEscoladaEconomiaSolidária(Souza,2010;Laville&Gaiger,2009).

Trata-se da abordagem latino-americana que enfatiza, em linha comaEscoladaEconomiaSocialEuropeia, aparticipaçãoeademocraticidadeinternadasiniciativas,porémdiferencia-seporadvogarumapropostaalterna-tivaaomodeloeconómicovigenteassentenosprincípiosdasolidariedade,daautogestão,dareciprocidadeedaredistribuiçãoeconómica.

De salientar que o valor heurístico das diferentes propostas teóricasdefine-se,largamente,pelasuacapacidadedeconfigurararealidadeempíricaquetomamcomoreferência.

Quadro 2. Afetação do discurso dos atores chave, por referencial teórico

Referencial teórico organizações excertos n

escola da inovação

social

OrganizaçãoIOrganizaçãoLInformante1Informante2OrganizaçãoFOrganizaçãoHProgramadefomento2

“uma iniciativa que gera inovação social deve ser empreendedora, deve ter impacto social, tem de resolver sistemicamente problemas (…) Tem de ser eficiente, fazer ao menor custo; tem de ser sustentável, não pode ser pontual (…) e tem de ser replicável” (Organização H).“consiste em encontrar (…) respostas em pequena escala, que depois podem ser ampliadas de baixo para cima, e assentes no empowerment “ (Informante individual 1)

7

Page 46: E ECONOMÍA SOCIAL

44 Parente, Marcos, Costa e Amador: Representações sobre empreendedorismo social

escola empresarial

ou da geração de

Receitas

OrganizaçãoAOrganizaçãoBOrganizaçãoEOrganizaçãoCTOrganizaçãoDIAOrganizaçãoP

“E isso só acontece quando cria uma lógica de comércio justo ou que tem alguma rentabilidade […]. Normalmente empreendedorismo implica uma atividade, pelo menos a forma como eu vejo, uma atividade económica; a parte do social tem a ver com a forma como esse empreendedorismo é feito e o local onde é feito (…)” (Organização A).“Há sessenta anos criou-se um mote…a diocese entendeu que para suprimir essas necessidades….[n]um concelho pobre e (…) perante as dificuldades dessas famílias, a [CT] tinha que arranjar meio de subsistência e de ganhar a sua sustentabilidade financeira para poder educar esses jovens. E então aí foi com a gráfica, e ganhou-se logo aí a ideia da parte comercial para investir na parte social! Surgiu daí o resto que vem com naturalidade, ou seja, houve uma consciencialização […] que as bombas também eram uma oportunidade de negócio […]! Depois nós criamos uma cozinha industrial para provir outra oportunidade de negócio para poder fazer um investimento depois na parte social e tudo isto é consequência e é natural, pronto porque a ideia base […] é que nós pensamos que uma IPSS deve ter sempre…deve pensar sempre essencialmente em ter também valências de valor acrescentado, geradores de riqueza!” (Organização CT).

6

escola da economia

social

OrganizaçãoCOrganizaçãoDOrganizaçãoJOrganizaçãoMOrganizaçãoNOrganizaçãoPRProgramadefomento1

“um conjunto de entidades que se caracterizam por serem entidade de um membro, um voto; serem organizações sem fins lucrativos, organizações de gestão democrática, organizações com autonomia institucional” (Organização N)“entendo que a Economia Social é sobretudo um instrumento para o desenvolvimento regional e local. A Economia Social não se pode colocar como alternativa ao sistema global (…) porque a sua inserção é no mercado” (Organização J).

7

escola da economia solidária

OrganizaçãoGOrganizaçãoKOrganizaçãoOOrganizaçãoTC

“Na economia social (…) não cabe isto que para mim é fundamental – que é o compromisso da solidariedade. (…) que tem a ver com a nossa dimensão humana, no quadro da nossa relação, na satisfação das nossas necessidades, eu ponho o solidário como imagem de marca” (Organização G).“A Economia Solidária é mais antiga e autónoma do Estado (…) pretende ter uma ligação muito estreita com a sociedade civil, com o mercado e com o Estado também” (Organização O).

4

Page 47: E ECONOMÍA SOCIAL

45Parente, Marcos, Costa e Amador: Representações sobre empreendedorismo social

sem referencial

teórico

OrganizaçãoADOrganizaçãoCEOrganizaçãoPP

“inovação, dinamismo... é agora o que me ocorre!” (Organização CE)“Porque o empreendedorismo social acaba por ir às pessoas, as pessoas (…) , estão ligadas a todo o mundo, é algo que as bafeja, e a partir daí eu penso que o empreendedorismo social é o que é feito à pala da banca que faz promover o progresso! E promovendo o progresso faz promover o Homem,!” (Organização PP)

3

total 27

Fonte:concebidopelosautoresbaseadonasentrevistas

Noconjunto,eindependentementedograudefamiliaridadecomatemá-tica,aanálisedasrepresentaçõesdosatoreschavemostraqueosdiscursossedistribuem,deformarelativamenteproporcional,pelasdiferentesescolasdepensamento,aindaqueainfluênciaanglo-saxónicasejamaior,especialmentese acumularmos os discursos próximos daEscola da InovaçãoSocial e daEscolaEmpresarialoudaGeraçãodeReceitas(13dototalde27atoreschaveentrevistados).Destetotal,setenarramumarepresentaçãoqueseaproximadaEscoladaEconomiaSocialequatroidentificam-secomaperspetivadaEscoladaEconomiaSolidária.Desalientar,ainda,quetrêsorganizaçõesdebasedoterceirosetor,alvodeestudodecaso,assumemoseudesconhecimentofaceàtemáticae,porissomesmo,produzemumdiscursovagoegeneralista.

As questões colocadas em situação de entrevista suscitaram um debatesobreoutrosconceitosassociadosaoempreendedorismosocial,queéinteres-santereterequeabordaremosnospróximospontos.

2.2. Os conceitos em discussão

Aanálisedeconteúdoàsentrevistasrevelaqueatemáticaemergentedoempreendedorismosocialfazemergirnodiscursoumasériedeconceitosquelheestãomaisoumenosassociados.Nocasodasentrevistasexploratórias,asorganizaçõessublinham,porumlado,apoucafamiliaridadecomatemática(OrganizaçõesA,DeN)e,poroutrolado,preferemumafiliaçãoaoutroscon-ceitos,designadamenteode“TerceiroSetor”(OrganizaçãoM)eode“Econo-miaSocial”(OrganizaçãoJ).Comoveremosadiante,estasopçõesnãoestãoalheias a conflitos teóricos e ideológicos como conceito de empreendedo-rismosocial.Segundodiferentesperspetivas,estesconceitosconcorremparaumamaioraproximação(oudistanciamento)faceaoemergente“empreende-dorismosocial”.

Page 48: E ECONOMÍA SOCIAL

46 Parente, Marcos, Costa e Amador: Representações sobre empreendedorismo social

Noquetocaàaplicabilidadedoconceito,regista-seaexistênciade10orga-nizações,cinconoâmbitodasentrevistasexploratórias(OrganizaçõesA,D,J,MeN)ecinconoâmbitodosestudosdecaso(OrganizaçõesAD,CT,PP,PReCE)equeafirmamnãoaplicaroconceitodeempreendedorismosocialnassuasorganizações.Destasúltimas,quatro(AD,CE,PPeCT)nãoseidentificamcomoconceitodeempreendedorismosocial.Estamosemcrerquetalresultadofactodeserematoresdeterreno,provavelmentemaisfocadosnapraxis e menos atentasaquestõesterminológicas,dereflexãooudediscussãoteórico-empírica.

2.2.1. A economia social e solidária

Apesardeserumdosconceitosassociadosàtemáticaemestudo,otermo“Economia Solidária” tem diferentes leituras para os vários entrevistados,demonstrando-seumafracaconsolidaçãodasuadefinição.Atítulodeexem-plo,aOrganizaçãoNassocia-oaoconjuntodeorganizaçõescaritativas,noâmbitodaIgreja,eaOrganizaçãoCconsidera-ocomooconjuntodeassocia-çõesdedesenvolvimentolocaledeinserçãosocial.

JáaOrganizaçãoBinsereaeconomiasolidárianoâmbitomaisalargadodaeconomiasocial.Segundoestaentidade,aeconomiasolidáriaincluiasIPSSeasMisericórdias,poistêmcomoobjetivoasatisfaçãodenecessidadessociaisdacomunidadeemgeral.Alémdisso,defendequeaeconomiasocialapenasincluiascooperativasemutualidades,umavezqueestasencerramobjetivoseinteressesespecíficosdosseusmembros.

Por fim, destaca-se a complementaridade que 3 organizações (E, F eG) conferem aos diferentes conceitos de economia social e solidária e deempreendedorismosocial:

“Quanto a mim os conceitos não são a mesma coisa, mas complemen-tam-se – para mim o empreendedorismo social está dentro do grande bolo da economia social.” (Organização E)

“(…) e dentro deste conceito de economia solidária, o empreendedor social é uma figura chave. Quando falo de empreendedor pode não ser uma pessoa, pode ser um grupo de pessoas, o empreendedorismo social é a alavanca da economia solidária” (Organização F)

Uma perspetiva menos complementar é aquela apresentada pelo Infor-mante1,quecolocaaeconomiasocialeoempreendedorismosocialempolosopostos,fazendomesmolembrarocontinuumdeDees(2001).Concretizando,

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47Parente, Marcos, Costa e Amador: Representações sobre empreendedorismo social

esteatorreconheceapresençade“uma série de híbridos (…) [sendo que] a economia social está mais próxima da atividade económica e o empreende-dorismo social mais próximo da atividade puramente social (…) Mas são manchas em que ao mesmo tempo há uma zona de interseção”.

2.2.2. O terceiro setor

Transversalaosdiferentesdiscursos,surgecomintensidadenotávelocon-ceitode“terceirosetor”,porémnovamentesemreunirconsenso.Oseguinteexcertoéindicativodissomesmo:

“O grande problema do terceiro setor, que eu situei aqui, acaba por estar ao longo da reta de várias formas, porque é assim, o terceiro setor é uma grande amálgama. Nós temos no terceiro setor desde uma Mutualidade ou uma IPSS, [esta] 90% dependente de fundos públicos, portanto, uma instituição para-pública basicamente, como temos a [cooperativa X] que, como sabem, é uma grande empresa (…) lucrativa (…) eu diria que não tem fatores identitários muito coesos. Há uma enorme diversidade de organizações e de propostas (Informante 1).

Ocaráterambíguodocampodoterceirosetorestápresentenestediscurso,quesalientaaperplexidadedeverreunidassobumamesmadesignação,porumlado,aspráticaseobjetivoslucrativosdecertascooperativas(deixandosubjacente uma crítica à aparente falta de compromisso com os princípioséticos que enformam o cooperativismo) e, por outro, as práticas de meraexecuçãodapolíticasocialestatal,frequentementelevadasacabodeformasubordinadaeacrítica.

Nãoobstante, a heterogeneidadedeste setor de atividade constitui, paraarepresentantedoProgramadefomento1,asuaprincipalriquezae“simul-taneamentea suadebilidadeporqueháaquiumanecessidadedeafirmaçãoperante a outra economia, a economia dominante”. Este Programa parecepugnar pela necessidade de uma designação comum capaz de potenciar osentimentodepertençaentreasdiversasorganizações.Contudo,nãoéumaperspetivaquerecolhaamploconsenso.

Destemodo,evidencia-seaausênciadeumaidentidadecoesa,conformedestacaoInformante1,nãosópeladiversidadejurídicadasorganizaçõesqueintegramoterceirosetor,massobretudopelosprincípiosqueasregem,pelasatividadesquedesenvolvemepelospúblicosqueservem.

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48 Parente, Marcos, Costa e Amador: Representações sobre empreendedorismo social

3. dimensões CARAteRizAdoRAs do empReendedoRismo soCiAlComo vimos, o empreendedorismo social encontra-se associado a uma

pluralidadedeideias,umavezescomrelaçõesdecomplementaridade,outrasremetendo para forças contraditórias. Como tal, procuramos aprofundar asdiferentesvisõesqueosatoreschavemobilizamparacaracterizarestefenó-meno.

Umaprimeirailaçãoremeteparaaprópriaindefiniçãoconcetualeausên-ciadeconhecimentodereferênciasteóricassobreoconceito.Estevaziodesignificadoéassociadoqueraocaráterrecentedofenómeno,queràambiva-lênciaqueparecetersubjacente:

“Ninguém consegue responder a esta questão de forma muito fácil, até porque o empreendedorismo social integra em si um conceito misto e com uma zona cinzenta bastante significativa (…) ” (Organização E)

“(…) enfim são territórios ainda novos e pouco fechados do ponto de vista académico, do ponto de vista teórico, portanto ainda [há] muita indefini-ção” (Informante 1)

Noqueserefereaostraçosdistintivosdoprocessodeempreendedorismosocialfocadospelosatoreschave,observe-seoQuadro3quesintetizaasprin-cipaisdimensõescaraterizadorasefundamenta-ascomexcertosilustrativos,emboranemsempremutuamenteexclusivos.

Quadro 3. dimensões caraterizadoras do empreendedorismo social

dimensões caraterizadoras

excertos Atores chave

Resposta a necessidadessociais

“a resolução de necessidades da sociedade, de uma forma de preferência inovadora, quer quanto ao problema, quer quanto ao método”(OrganizaçãoF)“Eu penso que é um pouco essa procura de respostas a problemas sociais que existe, de uma forma inovadora e criativa, muitas vezes com poucos recursos”(OrganizaçãoM)

OrganizaçõesF,K,CT,CE,DIA,PPeM

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49Parente, Marcos, Costa e Amador: Representações sobre empreendedorismo social

Desenvolvimento territorial e capacitaçãodascomunidades

“consiste em encontrar (…) respostas em pequena escala, que depois podem ser ampliadas de baixo para cima, e assentes no empowerment “(Informante 1)

OrganizaçõesB,E,F,I,K,L,AD,CE,ePReTC,oProgramadefomento1 e 2, e Informante1

Sustentabilidadeeconómicaegestãoempresarial

“Normalmente, empreendedorismo implica uma atividade, pelo menos a forma como eu vejo, uma atividade económica; a parte do social tem a ver com a forma como esse empreendedorismo é feito e o local onde é feito (…) isso tem muito a ver também com o que é tradicional, está muito ligado ao local em si, onde é desenvolvido e com tudo o que traz de mais-valia quer no produto que é produzido ou trabalhado, quer no retorno que há para a comunidade do trabalho que é feito.” (Organização A) “Enquanto organização social que se tenta orientar à sustentabilidade” […], é uma questão e uma abordagem que tem de ser mesmo profissionalizada” (Organização DIA).

OrganizaçõesA,K,CT,CE,DIAePR,Informante1 e 2

Posturanãoassistencialista

“Por exemplo na área social, há uma coisa que nós combatemos e criticamos muito que é a cultura da caridadezinha e do miserabilismo” (Organização DIA)“(…) capacidade empreendedora, criatividade, (…) e sustentabilidade” (Organização PR)“É aí que eu acho que o Empreendedorismo Social ganha espaço na sociedade que temos porque traz a questão da inovação, a questão da responsabilidade, a questão da diferenciação, a questão da parceria e da sinergia!” (Organização PR)

OrganizaçõesF,CE,CT,PR,DIA,TCePP

Fonte:concebidopelosautoresbaseadonasentrevistas

As dimensões caraterizadoras do empreendedorismo social surgem fre-quentementeinter-relacionadas,edaanálisedoQuadro3emergeumenten-dimentoplurifacetadodoconceitoassenteem4pilares:i)respostaanecessi-dadessociais;ii)desenvolvimentoterritorialecapacitaçãodascomunidades;iii)sustentabilidadeeconómicaegestãoempresarialeiv)posturanãoassis-tencialista.

Ésugeridaaexistênciadeumanecessidadesocial,nãoatendidanempeloEstadonempelomercado,comoumdosmotoresdainiciativadeempreende-dorismosocial.ÉnestalinhaqueaOrganizaçãoKconsideraqueoempreen-dedorismo social permite dar respostas aos problemas sociais, capacitandopopulaçõesnosentidodamudançada“balançadepoder”,dacriaçãodevaloredeimpactossociais.

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50 Parente, Marcos, Costa e Amador: Representações sobre empreendedorismo social

Outracaraterísticadoconceitodoempreendedorismosocialprende-secomo“desenvolvimentoterritorialecapacitaçãodascomunidades”eépercecio-nadapelaOrganizaçãoGcomo:“a vontade, a capacidade e a motivação que as pessoas têm para levar a cabo ações que promovam o bem-estar comum nos seus territórios de intervenção”.Porterritóriosdeintervençãoentenda-seasáreasda“cultura, o desenvolvimento económico, o apoio social direto e mais tradicional, o ambiente”.

OsdiscursosdasorganizaçõesAeBevidenciamumcruzamentodedimen-sões,namedidaemqueaeficáciadoempreendedorismosocialémaiorquandoassentaemrespostaslocaisenumaatividadeeconómicageradoraderiqueza:

“Normalmente empreendedorismo implica uma atividade, pelo menos a forma como eu vejo, uma atividade económica; a parte do social tem a ver com a forma como esse empreendedorismo é feito e o local onde é feito (…) isso tem muito a ver também com o que é tradicional, está muito ligado ao local em si, onde é desenvolvido e com tudo o que traz de mais--valia quer no produto que é produzido ou trabalhado, quer no retorno que há para a comunidade do trabalho que é feito.” (Organização A)

Adimensãodasustentabilidadeeconómicaésublinhadanamedidaemquetende a considerar-se que o empreendedorismo social representa a procurade“métodos,organizaçõeseformasderesponderanecessidadessociaisquesejamtotalouparcialmentesustentáveisdopontodevistaeconómico”(Infor-mante1).Oconceitodesustentabilidadeimplicadeper siconsideraraver-tentesocial,ambientaleeconómica,peloqueconstitui,deacordocomanossapropostaanalítica,umcritériodedefiniçãodeumainiciativadeempreende-dorismosocial;porém,ésobretudoasustentabilidadeeconómicacanalizadaparaumamissãosocialqueassumerelevâncianosdiscursosanalisados.AsorganizaçõesCEePPassociamoempreendedorismosocialàquestãodasus-tentabilidadeapoiadanasáreascomerciais,semperderdevistaamissãodaorganizaçãoeaqualidadedosserviçosprestados,indodeencontroàsneces-sidades do(s) seu(s) público(s).Aquestão da sustentabilidade económica éreiterada pela organizaçãoDIA, que associa o empreendedorismo social ainstrumentosepráticasgestionáriasoriundasouaplicadasnoepelosetorpri-vado.Refere-se,designadamente,aousoeficientederecursos,àmediçãodosimpactoseàresponsabilizaçãodasorganizações.

Aruturacomaposturadeumparadigmaassistencialistaéoutradascara-terísticasdoempreendedorismosocialqueautonomizamos,aindaquealguns

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51Parente, Marcos, Costa e Amador: Representações sobre empreendedorismo social

atores chave a relacionemora com a sustentabilidade económica, ora comasmodalidadesdeintervenção,ouseja,“a resolução de problemas sociais, de preferência de uma forma inovadora, quer quanto ao problema, quer quanto ao método”(OrganizaçãoF).Nesta linhaderaciocínio,oempreen-dedorismosocial remetequerparaagestãoprofissionaldevários recursos,consideradoscomoraros,querparaummodelode intervençãocapacitadoreempoderador(OrganizaçãoPR).Tendoemcontaasdimensõesenunciadas,parece que a generalidade dos discursos sobre o empreendedorismo socialrevelaumatendênciaanglo-saxónica,ondeasustentabilidadeeconómica,agestãoempresarialeaqualificaçãoorganizacionalémaisnotóriacompara-tivamenteàperspetivadaeconomia socialoudaeconomia solidária.Estasfocamosprincípiosdedemocratizaçãodoprocessodedecisão,departicipa-çãodaspopulações,descentralizaçãodasiniciativaseaspráticasemancipa-tóriasassentesnoempoderamentodascomunidadeseparecemestarmenospresentesemtermosdiscursivos.

4. sentidos e signifiCAdos dAs dimensões CARAteRizAdoRAs do empReendedoRismo soCiAl

Atendendoàanáliseaprofundadaquefizemosnasseteorganizaçõesobjetodeestudosdecaso,ondeocontactocomosdiferentesmembrosfoimaispro-longadoepróximoequecontoucomaparticipaçãodeváriosníveishierárqui-cosemdiferentesmomentosdapermanêncianasOTS,procuramosesclarecerosentidoeosignificadoatribuídosàsdimensõescaraterísticasdoconceitodeempreendedorismosocial,apartirdosdiscursosdosváriosinterlocutores.

Neste sentido, as suas perceções sobre “o que é o empreendedorismosocial”permitiuidentificarumarelaçãodoconceito,assentenasdimensõescaracterizadorasanteriormentedescritas(Quadro3),comtrêseixosinterpre-tativosdosestudosdecaso(Figura1):i)umadeterminadaleituradocontextosocial(queremeteparaaabordagemmaisgeneralistaemtornodarespostaanecessidadessociais),ii)osprincípioseobjetivosqueenformamaatividadedaorganizaçãoemtermosdemodelosdeintervenção,orientadasejaparaosindivíduos,sejaparaocoletivoouparaacomunidade(queintegraadimensãododesenvolvimentoterritorialeacapacitaçãodascomunidades)eiii)com-petênciasorganizacionais(emqueseincluemascaraterísticasdasustentabili-dadeeconómicaedagestãoempresarial).

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figura 1 – práticas associadas ao conceito de empreendedorismo social

Fonte:concebidopelosautoresbaseadonasentrevistas

4.1 A leitura do contexto social

Oeixodaleitura do contexto socialremeteparaainterpretaçãodasdinâ-micaslocaisesociais,ouausênciadelas,queseconsubstancianosdesignadosproblemasdedesenvolvimento.Sobreestes,afirmamterumolharinconfor-mista,resultadodeumaconsciênciadacapacidadedeinovaçãoquepodemexercer.Apesar do contexto internacional e nacional de crise económico--financeira,estasorganizaçõesconsideramqueseviveummomentodenovas

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oportunidadesparaodesenvolvimentodeatividadeseiniciativasquefazempartedamissãodasOTS,paraasatisfaçãodenecessidadessociaisdospúbli-coseparaaofertadeserviçosdeproximidade(regionaloulocal)emfalta,decorrentes, nomeadamente, de programas comunitários e do estatuto jurí-dico,quelhesconferembenefíciosfiscaiseacessoafinanciamento.

Nãoestandoasseguradoporoutrasentidadespúblicasouprivadas,otipode atividades que estas OTS desenvolvem é encarado como uma respostaúnicaanecessidadesquecarecemdeintervençãonoterritório:

“(…) ao nível da região não existe nenhuma outra organização vocacio-nada para este tipo de públicos. Portanto nós temos uma área de abran-gência que vai da região X ao Concelho Y, Z e K. Portanto, nesta área de abrangência não existe uma outra organização que tenha a mesma missão que nós.” (Organização CE).

Paralelamente,osestatutosjurídicosdediscriminaçãopositivasãoencara-doscomoumincentivoeumaoportunidadeparaarecolhadebenefíciosparaaorganização:

“(…) somos IPSS […] com [o estatuto de] utilidade pública porque de facto a intervenção que temos merece a ideia de utilidade pública e mesmo em termos de donativos etc. é vantajoso para os privados! (…) No caso da ONGD, o impacto até ao ano passado ainda teve as linhas de apoio (…) à cooperação […] do IPAD. Também já trabalhamos com eles [IPAD] como prestadores de serviços curiosamente, mas aí não precisávamos de estatutos, temos que prestar os serviços a estas entidades e pronto! E aí foi importante, ganhamos projetos de I&D e mesmo para candidatar a outras linhas de financiamento e fazer outro tipo de intervenção, este estatuto é importante!” (Organização PR)

4.2. Princípios e objetivos orientadores da ação

No eixo princípios e objetivos orientadores da ação, constatamos umatendênciaforteparaadimensãocoletivadodesenvolvimento.Asincidênciasdiscursivasrevelamumaleiturafuncionalista,ouseja,umaaçãoancoradanaresolução imediatista das necessidades socioeconómicas identificadas e naqualodesenvolvimentolocal,aqualidadedevidaedoemprego,oaproveita-mentodosrecursosendógenos,otrabalhodeproximidadeassumemprepon-

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derância,emdetrimentodeumapráticaestratégica,delongoprazo,comvistaàemancipaçãodosindivíduosedascoletividades.

De facto, as próprias experiências de participação dos públicos/destina-tários/membrosexistem,mascomintensidadeeventualmentemenordoquequalquerprocessodecapacitaçãoe empoderamentonospareceexigir.Dosdiscursosdossetecasos,surgemapenasdoisdepoimentosnestesentido.

“E todas as quintas feiras há o Fórum das Comunidades […] que é um espaço de formação, de avaliação, em que falam uns com os outros e com a equipa da comunidade! Nós criamos aquilo que para nós é importante, que são espaços de participação!” (Organização CT).

“ (…) tudo era decidido em reunião e agora também, ainda que a partici-pação seja menor que aquilo que gostávamos” (Organização TC).

Ainovaçãonaaçãopareceserconsideradaumtraçodoempreendedorismosocial,surgindoemalgunsdiscursosconotadacomumanoçãodeinconfor-mismoconsentâneacomuma“alavanca do desenvolvimento” (organizaçãoPP).Trata-seemalgunscasos,dareplicaçãodeiniciativasoumetodologiasinspiradoras,atravésdaimportaçãoeaplicação,aoníveldaorganização,deexemplos provenientes de áreas de intervenção alternativas, oumesmo deoutrasregiõesepaíses.Emconformidade,osdiscursosassumemainovaçãocomo uma caraterística identitária central, entendida como um princípio eobjetivoquedemarcaumasorganizaçõesdasoutras.

NumaelaboraçãotributáriadaTeoriadaIdentidadeSocial(Tajfel&Turner,1986;Brown,2000),poder-se-áilustraroprocessocomparativointer-organi-zacional,estabelecidopelosatoreschave:acomparaçãoentreentidadesutilizaumsistemadicotómico,fixando-asemposicionamentosdistintosaolongodecaraterísticas fulcrais.Assim, as organizações socialmente empreendedorasmobilizamoseupretensocaráter inovador tambémpara salientarocarátertradicionalistadetodasasoutras.Ainovação,quandoinseridanumlequedecaracterísticas mais alargado, permite agregar o conjunto de organizaçõessocialmenteempreendedoras,diferenciando-aspositivamentedeoutras,atra-vésdoprincípiodometa-contraste(Turneret al. 1987).

Retendoanossaatençãonestestraçosque,segundoosnossosentrevista-dos,marcamadiferençaentreumaorganizaçãosocialmenteempreendedoraeumaoutra,definem-sequatrocategoriasprincipaisqueilustramodiscurso

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dedistanciamento identitário: i)filiaçãoparadigmática; ii)aorientaçãodasações;iii)ascaraterísticasorganizacionais;iv)arelaçãocomofinanciamento(Quadro4).

Quadro 4 - diferenciação identitária no terceiro setor

vetores de diferenciação

filiação paradigmática

orientação das ações

Caraterização organizacional

Relação com financiamento

Organizaçõessocialmente empreendedoras

Empoderamento Inovador(Alto potencial deinovação)

CentralidadedaMissãoFlexibilidade/Criatividade

TendênciaparaaautossuficiênciafinanceiraGeraçãodereceitas

Outrasorganizaçõesdoterceiro setor

Assistencialismo Tradicionalista(Fracopotencialdeinovação)

MissãoGeneralistaBurocracia/Hierarquia

TendênciaparaadependênciafinanceiraSubsidiarização

Fonte:concebidopelosautoresbaseadonasentrevistas

Odiscursodosentrevistados focaoempreendedorismosocialcomoumparadigmaorientadoparaofuturo,acusandoareferênciaa“velhosparadig-mas” de filantropia para definir a rutura com a categoria das organizaçõesnão empreendedoras.A formação do “outro organizacional” desenvolve-seatravésdacategoriade“terceirosetornãoempreendedor”,caraterizadoporformasdeação“assistencialistas”,peladependênciadofinanciamentoestatal,pela fraca presença nomercado e, em suma, pela submissão às regras dasburocraciasestataisquemarcamotrabalhoporprojetonaáreadaaçãosocial.

Emcontraciclo,apoia-seavertenteinovadoradoempreendedorismosocial,distinguindo-sesobretudotrêscomponentesdainovação:i)adiversificaçãodasações;ii)aantecipaçãodasrespostaseiii)anovidadedosobjetivos,açõeseresultados.Anecessidadedainovaçãoéilustradapeloseguinteexcerto:

“Corresponde ao aceitar desafios que lhes são postos enquanto IPSS, ao nível da criação de novas valências, de novos projetos, tentar sempre dina-mizar e acompanhar evoluções” (Organização CT).

4.3. Competências organizacionaisNumaperspetivaestratégica,anoçãodecompetência temorigemnuma

abordagemdaorganizaçãocomoumportefólioderecursosfísicos(e.g.finan-

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ceiros)ouintangíveis(e.g.culturaorganizacional)(Fleury&Fleury,2001).Trata-sedeumaconceçãoreificadadaorganizaçãodetentoradecompetênciasqueresultamdacombinatóriadesaberesexistentes.Éestacombinatóriaquefaz comque aorganizaçãocomoum tododetenhaumpotencial degestãoorganizacionalquelhepermiteatingircomsucessoosseusobjetivosecum-prirasuamissão.Deacordocomestalinhaderaciocínio,otrabalhoempar-ceriaémaisumrecurso,externoàorganização,queépossívelpotenciar.

Destemodo,otrabalhoemparceria,talcomosepodevisualizarnaFigura1,podeserentendidocomoumapráticadegestão(eixo3)quepermiteumautilizaçãomaiseficazdosrecursosescassos,bemcomoigualmenteumprin-cípioorientadordaação(eixo2),nosentidododesenvolvimentodeumtra-balho complementar entre organizações, demodo a responder àsmúltiplasnecessidadessociais.Comefeito,aparececomregularidadenosdiscursosdosentrevistados,assumindotodaviadiversasconfiguraçõeseoutrastantasambi-guidadesquesepodemlernoQuadro5,ondeprocurámostipificarasredesdeacordocomoscritériosdepertença.

Nestesentido,inventariamosquatrocritérios,designadamente:i)formali-dade(caráterformalouinformal);ii)funções(sejamdeassociado,decliente,fornecedorououtro);iii)relaçãosetorial(emqueaintersetorialremeteparaasrelaçõescomossetorespúblico—regionalelocal—eprivado;eaintraseto-rialparaasrelaçõesestabelecidasnoseiodoterceirosetor);iv)temporalidade(quediz respeitoaocarizpontualoudecontinuidade,mascommanifestaspreocupaçõesdebeneficiardocapitalsocialdisponível).

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Quadro 5 – tipos de redes por critérios de pertença

tipos de redes excertos

Formalidade(formaleinformal)

“Relativamente aos supermercados G e J, nós somos fornecedores […]. Relativamente ao hipermercado F, eles também fornecem-nos semanalmente alimentos! (…). Também temos as parcerias para a formação no posto de trabalho […] na [área] formação profissional: portanto são também muito importantes pois permite que os jovens […] possam ter uma aproximação ao mercado de trabalho […]!” (Organização CE).

Função(associado,cliente,fornecedor)

“As parcerias são com as duas instituições onde sou Presidente! (…) Porque nós precisamos de alguma coisa é só ligar e dizer «Precisamos das V/ carrinhas hoje!», e vêm! Porquê? Porque eu sou responsável, não é?! Depois […] temos excelentes relações com a Câmara Municipal, com as Juntas de Freguesia, com as associações desportivas!” (Organização CT)

Relaçãosetorial(intersetorial e intrasetorial)

“Há redes de vários níveis, no fundo nós pertencemos um bocadinho a todas as redes sociais do nosso concelho das nossas áreas! […] E estamos a falar de redes que não são formais […] E depois pertencemos à rede A, ou seja, somos associados!” (Organização AD)

Temporalidade(esporádicaecontínua)

“As parcerias mais significativas começam pela comunidade local, é uma parceria empírica não é, não está escrita! Depois temos as entidades externas: a instituição de ensino superior K, o Professor Y […]. A ligação à Associação X que nos representa que também traz sempre alguns técnicos que vão conhecendo outras experiências e são sempre conhecimentos que vamos adquirindo e que nos vão ajudando também! E depois é o IEFP mais numa perspetiva institucional em termos de programas de formação!” (Organização TC).

Fonte:concebidopelosautoresbaseadonasentrevistas

Voltandoàsespecificidadesdesteúltimoeixoagregador,oquepareceestaremcausaéadetençãoderecursos,sobaformadecompetências,quegaran-tamumfuncionamentooperacionaleestratégico,ambosfocadosnaeficiênciaeeficáciadasintervenções.Aqui,parecehaverumarelaçãoentreacapacidadedeexplorarasoportunidadesdocontextoeumaliderançaempreendedoraqueaposta na profissionalização da estrutura organizacional, tendo como baseosinstrumentosdegestãodosetorempresarial.Surgedenovooenfoquenaprocura de sustentabilidade económico-financeira como uma competênciaorganizacionalqueé,comovimosnoQuadro4,sinónimodediferenciaçãoidentitária.

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5. As ContRovéRsiAs em toRno do ConCeito: iniCiAtivA individUAl oU ColetivA, geRAdoRA oU não de exCedente eConómiCo, ResponsAbilidAde soCiAl?

Apesar das caraterísticas anteriormente enunciadas facilitaremo ângulointerpretativo,nãoeliminamascontrovérsiasacercadoconceitodeempreen-dedorismo social, pelo que acresce a importância de salvaguardar algumasdestas interpretações.Asmaiores controvérsias localizam-se em trêsdomí-nios6:i)ocaráterindividualversuscoletivodeumainiciativaoudeumpro-cessodeempreendedorismo;ii)apossibilidadedelevaracaboumaatividadelucrativademercadoeemquecondiçõeseiii)aidentificaçãodoconceitocomaspráticasderesponsabilidadesocialdossetorespúblicoeprivado.

A primeira controvérsia, presente nos discursos de oito interlocutores(OrganizaçõesD,G,I,J,KeL,OrganizaçãoO,Informante1),éreveladoradas ambiguidades que se operacionalizam no debate entre um empreende-dorindividuale/ouumempreendedorcoletivo,enquantomotordoprocessoempreendedor.Aesterespeito,osseguintesexcertosilustramaperspetivaemtornodoempreendedorindividual:

“O empreendedor social é alguém que cria uma organização social e é bem-sucedido do ponto de visto não só próprio, do seu trabalho, mas da comunidade, dos beneficiários, ele consegue mostrar que é um sucesso […] tem essa qualidade de olhar a situação de forma sistémica e mapear onde nasce o problema e atuar nas causas” (Organização L).

“O empreendedor social é aquele que promove, que faz mexer, que ala-vanca as coisas, que dinamiza e que tem de recorrer a pessoas que saibam de outras áreas […] situa-se muito ao nível de uma liderança dinâmica” (Organização G).

Osquefazemaapologiaaoempreendedorcoletivoreferemque:

6 -EstesdomíniosremetemparaasprópriasdivergênciasdasEscolasmobilizadasparaaanálisedoconceito: i) aprimeiraconfrontaasposiçõesassumidaspelaEscolada InovaçãoSocialeasEscolasdaEconomiaSocialedaEconomiaSolidária;ii)asegunda,paraodebateentreaEscolaEmpresarialoudaGeraçãodeReceitasvs.aEscoladaEconomiaSocial;iii)aterceira,paraasposiçõesassumidaspelaEscoladaInovaçãoSocial.

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“O bom empreendedor social normalmente tem uma estratégia de saída, está pronto a sair do palco logo que o problema seja resolvido” (Organi-zação I).

“(…) nós não usamos muito a questão do empreendedorismo porque a génese vem mais ligada a uma atitude individual. Quer dizer, é mais a atitude do empresário ou do empreendedor e nós vemos as cooperativas exatamente como elemento da comunidade, do coletivo, e não da pessoa que se destaca e que encontra uma solução produtiva, seja ao nível de bens ou de serviços. Portanto, as cooperativas são para resolver proble-mas comuns e trabalhados por conjuntos e não por uma pessoa, quer dizer, não há uma cooperativa de uma pessoa, ela necessita de um coletivo” (Organização D).

Relativamente à primeira perspetiva, subentende-se a aproximação àEscola da InovaçãoSocial, isto é, à conceção do empreendedor individualbem-sucedidoque,independentementedasuapertençaaossetorespúblicoouprivado,respondedeformacriativa,inovadoraeeficienteaumanecessidadesocial.Estaabordagemcentradanoindivíduoéreforçadapelascapacidadesqueseassociamaoperfildeempreendedorsocial,designadamenteofactodesetratardeumestrategaperspicaz,quecolocaassuascapacidadesaoserviçodeumobjetivosocial.Curiosamente,nodiscursodeumarededeinvestigaçãocientíficaeuropeia(OrganizaçãoJ),adimensãoorganizacionalépreteridafaceaumaanálisemaisfocadanoatorindividual,aindaqueasorganizaçõespos-samconstituirummeiodedesenvolvimentodeprojetosdosempreendedoressociais.Acresceodestaquedasdimensõesdainovação,dapró-atividade,daescala,dasustentabilidade,dacriaçãodevalorsocialedoriscoquecaracte-rizamosprojetosouasiniciativaspromovidaspelosempreendedoressociais.

AOrganizaçãoC,umaassociaçãomutualista,eaorganizaçãoD,umacon-federaçãodecooperativas, ao referirem-seaestadicotomiaentre iniciativaindividual e coletiva, remetempara as especificidadesdas suas famíliasdeOTS.Trata-sedeumainiciativacoletiva,masqueestáassociadaainteressesdeumconjuntodeindivíduosparticulares,queseagrupameseconstituemcomoosmembrosbeneficiáriosdasuadecisão.Oexemplodomutualismo,ondeosmembrossãobeneficiários,éconsideradocomoempreendedorismocoletivo(enãosocial)poisrespondeaosinteressesindividuaisdeumcoletivodepessoasenãogeral.

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A representação individualista do empreendedor social é recusada pelaorganizaçãoDque,nafiguradeumdosseusdirigentes,consideraqueocon-ceitodeempreendedorsocialremeteparaumaconceçãoindividualdofenó-menoequenãoseadequaaumaorganizaçãoquetemumanaturezacoletivade per si. Uma postura que tende a aproximar-se da Escola da EconomiaSocialedaEconomiaSolidária,quereclamaumaestruturacoletivaenãoumprojetoindividual.

Ligeiramente diferente destas conceções, mas alinhado com o caráterindividualoucoletivodoempreendedorismosocial,oProgramadefomento1, pela sua natureza de fomento à capacitação individual e de combate àsdesigualdades,evidenciaumanoçãoaproximadaaoempreendedorindividualclássico.O empreendedorismo é visto comouma solução de promoção deautoempregoeenquantomedidae instrumentodaspolíticasdecombateaodesemprego:“a capacidade de fomentar o empreendedorismo em indivíduos em desvantagem, que por si só não seriam capazes de ser empreendedores” (Programadefomento1).

AOrganizaçãoIalinha-seporumsignificadoindividualdoconceito,aoafirmar que o empreendedorismo social não tem que ocorrer obrigatoria-mentenumaorganização,podendoserapenasnumprojetoemqualquertipodeorganização,independentementedapertençasetorial.Talpropostaremeteparaatransversalidadedoconceito,aplicávelaqualquersetordeatividade,independentementedasuaformajurídicaedosseusprincípiosgestionárioseobjetivosdemercado.Esteéocasoparadigmáticodaúltimacontrovérsiaanunciadaeadianteretomada:aconfusãoentrepráticasderesponsabilidadesocialdasempresaseoconceitodeempreendedorismosocial.Àluzdestasrepresentações,háumaconfluênciadeperspetivasquevãodesdeumaapro-ximaçãoàEscoladaInovaçãoSocial,comopressupostodatransversalidadedoempreendedorismosocialaosdiferentessetoresdeatividade,atéàEscoladaEconomiaSolidária,ondeseincluempequenosnegóciosfamiliarescomomedidadecombateaodesemprego.

A controvérsia em torno do excedente económicomarca, igualmente, atemática do empreendedorismo social. Para pelo menos quatro entrevista-dos(OrganizaçãoC,I,LeM),o“lucro”estáinerenteaoempreendedorismosocial,comocondiçãoindispensávelparagarantirasustentabilidadedamis-são social. Para aOrganizaçãoL, o negócio social abarca as organizaçõesem que o excedente económico não é apropriado individualmente e “vai para uma comunidade, uma associação (…) o dinheiro é permanentemente investido e tem um propósito muito claro, social”.AOrganizaçãoCdefende

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mesmoaideiadequeasinstituiçõessemfinslucrativosdevemserrentáveisefinanceiramentesustentáveis.Osexcedenteseconómicosconstituemummeioparasechegaraumfimque,nestecaso,sãoautilidadeparaosassociadoseautilidadesocialemgeral,masnãoarepartiçãodesseexcedente.

Contudo,estenãoéumtraçoconsensualcomoconceitodeempresasocialpropostopelaEscoladaEconomiaSocial,aEMES,emqueseassumeapos-sibilidade de divisão do excedente pelos associados/cooperantes dentro dedeterminadoslimites,apósgarantidastodasasreservasprevistaseoreinves-timentodecididodemocraticamente.NocasodoProgramapolítico2,emboraseressalvemdiferentesleituras,oempreendedorismosocialéentendidocomoiniciativasdesenvolvidaspelasociedadecivil,nosdiferentescampos(social,económico,cultural),quecriamalternativasoucomplementamasatividadesjáexistentes.Adiferençafaceaosetorprivadolucrativoresidenosobjetivoseprincípios,sendoolucroumamais-valiaquedeveserdistribuídoe/ourein-vestido.

AOrganizaçãoE,apesardeclassificaroconceitodeempreendedorismosocialcomo“dualecinzento”,entende-oenquanto iniciativacompostaporumaatividadeprodutivacomfinslucrativos.Oadjetivosocialafunilaparaasáreas“que são consideradas áreas de intervenção social (…) muito importan-tes para a comunidade. Estamos a falar das várias valências: centros de dia, apoio domiciliário, […] apoio à criança e aos jovens”. Paraestaentidade,oempreendedorsocialeoempresárioemnomeindividualdivergemapenasnotipodeconhecimentoespecíficodaáreaondeintervêmporque,emtermosorganizacionais, os recursos gestionários são comuns, aproximando-se cla-ramentedasperspetivasdoempreendedorismoclássicoetambémdaEscolaEmpresarialoudeGeraçãodeReceitas.

Aúltimadascontrovérsiasassentanaequiparaçãodoempreendedorismosocialàesferadaresponsabilidadesocial.Aesterespeito,aOrganizaçãoNconsideraqueoconceitodeempreendedorismosocialéfalacioso,quandosereportaaestratégiasdemarketingsocialdeempresasprivadaslucrativas.Ouseja,asuaperceçãoéquesesobrepõefrequentementeaoconceitoderespon-sabilidadesocialdasempresas,remetendoparaumabuscadenotoriedadeporviadabenfeitoriasocial,peloquemanifestaalgumareservaedesconfiança:

“Uma qualquer empresa ao nível da sua responsabilidade social […]desenvolve um projeto que […]é inovador, colmata algumas necessidades da comunidade e ainda espicaça alguns potenciais fatores que estavam

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subvalorizados, […] é empreendedorismo, é um facto. Mas a ideia que eu tenho é que a responsabilidade social das empresas não é … gratuita. Queria aqui usar a palavra certa... A empresa, quando leva um projeto de empreendedorismo para a frente, tem como fim único melhorar a sua ima-gem perante a comunidade e, seguindo por esse caminho fora, angariar mais clientes” (Organização B)

ConClUsão

Opresenteartigotevecomoobjetivoidentificarecompreenderasdiferen-tesrepresentaçõesdeatoreschavedoterceirosetorrelativamenteaoconceitodeempreendedorismosocial,tomandocomobaseasaceçõesmaisdifundidasinternacionalmente e baseadas nas tradições académicas norte-americana,europeiaedaAméricaLatina.Nãoobstante,refletiu-seacercadaaproxima-çãodasrepresentaçõesdosentrevistadosàsdiversasescolasdepensamento,aindaquecomrelevoparaasconceçõesedimensõesdeanálisepostuladaspelas correntes teóricas das duas escolas norte-americanas analisadas, a daInovaçãoSocialeaEmpresarialoudaGeraçãodeReceitas,porvia,empar-ticular,dosseguinteselementoscaraterizadores,asaber:i)ênfaseatribuídaàfiguraindividualdoempreendedoresuascaracterísticas;ii)preocupaçãocoma garantia da sustentabilidadefinanceira das organizações e iniciativas; iii)procurade soluções inovadorasparaosproblemas sociais; iv) transversali-dadedoconceitoaosváriossetoresdaatividadeeconómica.

Deumaformageral,estatemáticaassumiurelevoemPortugal,nosúltimosanos,nodiscursodosmeiosdecomunicaçãosocial,deorganismospúblicosepolíticos,dealgumasestruturasdoterceirosetorenoseiodacomunidadecientífica. Pese embora o crescente destaque do fenómeno, a análise reali-zadapermiteevidenciaraausênciadeunicidaderelativamenteàdefiniçãodoempreendedorismosocialeumconhecimentopulverizadofaceaomesmo.

Asmanifestaçõesdedesconfiançanemsempresetraduzemdeformaclara,oquepodeexplicar-sepelaheterogeneidadedeenquadramentos institucio-nais.Acrescequeasambivalênciasacercadoconceitoedoprocessoremetemparaa:i)pertençasetorial(Estado,mercadoeterceirosetor)eii)relaçãoentreaspersonalidadesjurídicasdasOTSeoexercíciodeatividadesdemercado,nocumprimentodeumamissãosocial.Nestesentido,parecehaverconflitosecontradiçõesdifíceisderesolvernestesdomínios,queresultamdaprópriahibridezdelógicasedinâmicasquecaraterizamoterceirosetor.

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Noquedizrespeitoàsdimensõesdaemancipaçãocidadãdosdestinatários,oconceitodeautogestãoouaindaosmecanismosdegovernaçãobaseadosnaparticipaçãodemocráticadetrabalhadoresenamáxima“1indivíduo,1voto”aparecemcommuitomenosintensidade.Destemodo,adimensãoeconómicadoempreendedorismosocialparecesobrepor-seàsdimensõespolíticaeideo-lógica.

Apartirdaanáliserealizada,épossívelaferirqueosatoresentrevistadostendem a privilegiar uma interpretação do conceito de empreendedorismosocialassociadoàsustentabilidadeeconómica,àgestãoprofissionalizada,àrecusadoparadigmaassistencialistaeàpromessaderespostaanecessidadessociaisnãosatisfeitaspelasinstânciasdomercadoedoEstado.

Talcaraterizaçãoparece-nosserresultadodeumacontingênciahistórica.AsOTStêmvindoaocuparumespaçoqueresultada“retirada”doEstadoSocial,aliás sempre frágilemPortugal,oqual,aindamaisemcontextodecriseeconómico-financeira,temvindoatransferirresponsabilidadesdeexe-cuçãodepolíticassociaisparaasociedadecivilorganizadaquerespondeàssuasprioridadesdeacordocomasregrasestabelecidaspeloEstado.Écomumestasorganizaçõesencararem-seasiprópriascomomerasprestadorasdeser-viçossociaisoudeatividadesdeformação,desportoelazer,mastalposturaesvaziaoconceitodeempreendedorismosocial.Portanto,nãodeixadeserestranho a quase recusa de se assumirem como alternativas aomodelo dedesenvolvimentodominante,mesmoquandooconjuntodassuasatividadeséreconhecidopelospróprioscomoinovador.

De salientar, ainda, que se avançou a hipótese das OTS com perfil deempreendedorismosocialilustraremepugnaremporummodelodedesenvol-vimentomaisintegradonassuasdimensõeslocais,económicas,deemprego,demográficas, de formação e de educação, entre outras. Contudo, não seconstataaambição,ouareferênciaaoutromodelosocietalcapazdeinspi-raroreequacionamentodeoutrasformasderelaçãoeconómicaepolíticaedecoesãosocial.Aslógicasdeconcorrênciaedesubsidiaçãocolocamestasorganizaçõesnumasituaçãodeconstrangimento,ondeasualutadiáriapelasobrevivência parece retirar-lhes a disponibilidade para funcionarem como“movimentoalternativo”,comoexperiênciasdeoutrostiposderelaçãoentreoeconómico,osocialeoambiental.

Porfim,considera-sequeoresultadodoconfrontoentrearevisitaçãodediversas correntes teóricas e as representaçõesdos atores chave entrevista-dospossaserumcontributofundamentalparaaestruturaçãoreflexivadeum

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campo, onde tem vigorado a indefinição, o desconhecimento e a ausênciadereferênciasconsensuais.Asperspetivasdestesatoresassumemumpapelacrescidonodebateenaconfiguraçãodoempreendedorismosocialnodomí-nionacional.Alémdisso,demonstra-seque,seoconceitosofreasinfluênciasóbviasdasabordagensinternacionais,eleétambémapropriadopelosatores,assumindoespecificidadeseoriginalidadesquesecoadunamcomasparticu-laridadesdasociedadeportuguesa.

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67Guerra, Matos, Marques e Santos: As cooperativas e as modalidades contemporâneas de direito…

Cooperativismo e Economía Social, nº 35 (2012-2013), pp. 67-90

As CoopeRAtivAs e As modAlidAdes ContempoRâneAs de diReito à CidAde

PaulaGUERRASocióloga, Professora Auxiliar do Departamento de Sociologia e investigadora do

Instituto de Sociologia da Faculdade de Letras da Universidade do [email protected]

FátimaLoureirodeMATOSGeógrafa, Professora Auxiliar do Departamento de Geografia da Faculdade de

Letras da Universidade do [email protected]

TeresaSáMARQUESGeógrafa, Professora Associada do Departamento de Geografia da Faculdade de

Letras da Universidade do [email protected]

MónicaSANTOSSocióloga, Doutoranda em Sociologia pela Faculdade

de Letras da Universidade do [email protected]

1. enQUAdRAmentoÉ traço comum de toda a estrutura social o constante movimento dos

seuselementos,ocasionandoprocessosderecomposiçãoincessantese,nessamedida,aestruturaurbananãoescapaaessemovimentodedevirconstante.SeguindodepertoaperspetivadefendidaporFrançoisAscher,situamo-nosnumalinhaquetendea«consideraracidadecomocomplexaenãosócomocomplicada»,postulando«queelafuncionetendonabaselógicaseracionali-

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dadesmúltiplaseventualmentecontraditórias;queformeumsistemaaberto;queosseusequilíbriossãoinstáveis;quevariaçõesligeiraspodemengendrarmudançasconsideráveis;queasevoluçõessãogeralmenteirreversíveis»1.

Situandomelhoraquestão,partilhamosdopontodevistadequemdefendequeas«regiõesganhadoras»2 continuamaserasregiõesurbanas,namedidaemquesedesenrolanelasamaiorpartedosquotidianos.Comefeito,aszonasurbanastêmvindoaacumularaolongodostemposumariquezaeumadiver-sidadedeserviços,funçõeseobjetosquelheconferemumlugarcentralnosmodosdevidaatuais.Nãoobstanteessarelativariquezaecentralidade,essesprópriosespaçossãorecompostoscontinuamente,dando-lhesnovoscontor-nosefazendoadvirnovasconfigurações,oquedefinitivamentepõeacidadenumaencruzilhadacomplexacomourbano.Consubstanciandoestepontodevista,OriolBohigasargumentaqueacidadeéonossoprimeirorecursoeanossa única possibilidade, justificando-se dizendo que, «se eu penso que acivilizaçãoatualéespecificamenteurbana,éporquetudooqueéimportante—apolítica,aciência,acultura,aarte,todasasatividadeshumanas—estácondicionadopordadosespecificamenteurbanos»3.Emsuma,ascidadeseosseusprolongamentossãoporexcelênciaoscenáriosondesedesenrolaanossacivilização4.

1 -FRANÇOISASCHER,Metapolis – acerca do futuro da cidade, Oeiras, Celta Editora,1998,p.141.

2 -AexpressãoédeGeorgesBenkoeAlainLipietz(orgs.),As Regiões Ganhadoras: distritos e redes. Os Novos Paradigmas da Geografia Económica, Celta Editora,Oeiras, 1994.

3 - ORIOLBOHIGAS,ementrevistaregistadanapublicação,OdileFilion(org.),La Ville – Six interviews d’architectes à la occcasion de l’exposition «La Ville» au Centre Georges Pompidou,Paris,PublicationsduMoniteur,Paris,1994,p.9.

4 - As reflexões aqui feitas decorrem de uma releitura atual de projetos deinvestigaçãolevadosacabopelasautoras:PAULAGUERRA,“OBairrodoCercodoPorto:cenáriodepertenças,deafectividadeedesimbologias”,Sociologia – Revista da Faculdade de Letras da Universidade do Porto, N.º 12, 2002; FÁTIMALOUREIRODEMATOS, A habitação no Grande Porto. Uma perspectiva geográfica da evolução do mercado e da qualidade habitacional desde finais do séc. XIX até ao final do milénio,Porto:FaculdadedeLetrasdaUniversidadedoPorto,2001;eTERESASÁMARQUES(coord.),Plano Estratégico da Habitação Política de Habitação,Porto:CEGOT,2008.

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Amodernidade temditadouma intensa recomposiçãodo tecidourbano.Essarecomposição,ínsitaaotecidourbano,configuraduasfacetasfundamen-tais: a espacial e a social.Assim sendo, neste artigo, iremos privilegiar osprocessosderecomposiçãosocialeespacialquetêmcomopanodefundoevetorfundamental,oespaçodehabitaçãourbana,nomeadamente,ahabitaçãodecorrentedaaçãocooperativa.Acomplexidadeinerenteàanálisedestefenó-menosocialimpõesérioslimitesàpretensãodeesgotar,poragora,todasasvertentesanalíticaspossíveisemtornodeumaabordagemsociológicadaque-lesprocessos sociaisedasdimensõesque incorpora.Assim,centraremosanossa análise na existência, à escala portuguesa, de uma reivindicação aodireitoàcidadefundadanomovimentocooperativodeconstruçãodehabi-tação.

Como processo de transformação contínua, a recomposição urbana temvindo a revestir-se de algumas dimensões fundamentais. A primeira dasdimensões/eixosdeanálisederecomposiçãosocialeespacialdotecidourbanocentra-senoquemuitosapelidamdefragmentaçãoaceleradadasformasurba-nas.Talequivaleàemergênciadetendênciascadavezmaissegregadorasnaestruturaçãodoespaçourbanolevandoàexistênciadeumacidaderetalhadaespacialmenteepoucocoesasocialmente.Muitosautoresfazemcorrespon-deraestafragmentação,osurgimentodeuma«sociedadearquipélago»5,umaespécie demetáfora de um espaço pautado por uma ordem descontínua eatéisoladofaceaosdemais,contrariandoosprincípiosqueestiveramnasuagénese,istoé,delugardetrocas,deencontros,depassagensmúltiplas6.

Não iríamos tão longe,mas vale a pena lembrar que as sucessivas cli-vagensterritoriaisesociaistêmvindoaprojetarnoterrenoumacidadenãosódual,masumarededezonasurbanascontíguassemqualquerrelaciona-mentoterritorialousocialentresi.Nestecontexto,vemostambémemergiroquepoderemoschamardeespaços«legítimos»e«ilegítimos»7dentrodesta

5 -Cf.JEANVIARD,La Société d’Archipel – ou les territoires du village global, Ed.del’Aube,Paris,1994.

6 -Vd.AA.VV.,“Banlieues…Intégrationouexplosion?”,Panoramiques,Vol.II,n.º 12, 1993.

7 - Entendemos por espaços legítimos, os espaços apropriados por grupossociaisportadoresde recursoseconómicos, sociaiseculturaismaisabundantes;osespaços ilegítimos são, inversamente, ocupados por grupos sociais portadores demenores recursos emgeral, e cuja capacidadede apropriação (afirmação) se tornaconsequentementemenor.

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cidadeurbanizada,cujaprincipalfontedediferenciaçãoésocialesimbólica,istoé,relaciona-secomprincípiosdecorrentesdeumacrescentepolarizaçãosocialedistânciaclassistaprofunda,quesetraduzemdemodoconcretonasdesigualdadessociaiscrescentesdopontodevistadeescalaentremodosdevidaeconsequentescapacidadesdeapropriaçãodoespaçosocialdacidade8. Sebemqueaimagemdegrandescidadesondeseviverianoreinodeumamisturasocialcompletaquerdopontodevistasocialoufuncionalestejamaisassociada a umamitologia de uma comunidade aldeã doque a referênciashistóricasconcretas9,devemosteremcontaqueocrescimentodasurbesfoimodificando progressivamente a natureza e a escala a que se efetivam assegregaçõescombinandoespecializaçõesespaciais,funcionais,sociaisjamaispercecionadasnocursodahistória10.

Neste sentido, o desafio que se coloca hoje à cidade prende-se com a«capacidadedecontrariaras tendênciasdeumacadavezmaiorsegregação sócio-espacialqueocustodosbensurbanosestáaprovocar».Estedesafiotemsemdúvidaumaraizeconómica,masésobretudodeíndolesócio-política«porqueoprimadodaeconomiaestáadestruir,cadavezmaisacapacidadedeconvivência sócio-espacialgerandoformasaltamentesegregadasdeocupaçãoterritorial.»11. Esteprocessodesegregaçãonãoproduzajustaposiçãosimplesdeterritóriossociais,mascontrariamente,asuaimbricaçãocadavezmaiscomplexa,dandouma visibilidade acrescida às diferenças sociais que os trespassam.A face

8 -Aproblemáticadapolarizaçãosocialdascidadestemdesencadeadoumnúmerocrescente de debates interdisciplinares, nomeadamente, ao nível da economia, dasociologia, da geografia e do urbanismo. Dentro deste debate podemos salientaros contributos de: MANUEL CASTELLS, The Informational City. Information Technology, Economic Resctruturing, and the urban-regional process,BasilBlackwell,Oxford,1994-1989;J.H.MOLLENKOPF/MANUELCASTELLS(eds.),Dual City: restructuring New York, Russel Sage Foundation, NewYork, 1991; e finalmente,ALBERTMARTENS/MONIQUEVERYAEKE(coord.),La Polarisation Sociale des Villes Européennes,Ed.Anthropos,Paris,1997.

9 - Tal como refere YVES GRAFMEYER, “Regards sur la segregation”, inJ.BRUN/C.REIN(orgs.),La Ségrégation dans la Ville,Ed.L’Harmattan,Paris,1993,p.85-117edomesmoautor“Laségrégationspaciale”,inSergePaugam(dir.),L’Exclusion, l’État des Savoirs,ÉditionsLaDécouverte,Paris,1996,p.209-207.

10 - Cf. FRANÇOISASCHER,Metapolis – acerca do futuro da cidade, Celta Editora,Oeiras,1998,p.81-96.

11 - EDUARDO VILAÇA / ISABEL GUERRA, “Degradação do parquehabitacional”,Sociologia - Problemas e Práticas, n.º 15, 1994, p. 81.

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maisvisíveldesteprocessoéconstituídapelaemergênciaemquasetodasascidadeseuropeiasdopós-guerra,degrandesbairrosdecarizditosocialvoca-cionados para classes sociais desfavorecidas percepcionados exteriormentecomoespaçosde«medo»,de«miséria»,de«desorganização»,de«perigo»edepobreza,erepresentadosinteriormente,comoespaçosdeestigmatização,demarginalizaçãoede«destituição»,oumesmo,de«desafiliação»12.

Aimagemexterioreinteriordestesespaçosaproxima-osdeumaespéciede«não-lugares»talcomoosdefineMarcAugé,naprecisamedidaemque«seumlugarpodedefinir-secomolugarde identidade,espaçorelacionalehistórico;umespaçoquenãopodedefinir-secomoespaçodeidentidade,nemcomorelacionalnemcomohistórico,definiráumnãolugar.»13. Estaposiçãoradicalizadadeanáliseprende-secomaassunçãodequeumacidadenãopodeser considerada unicamente comoumconjunto funcional, capaz de gerir eordenarasuaprópriaexpansão,mastemdeserassumidacomoumaestruturasimbólicaportadoradeumconjuntodesinaisedereferentesquepermitamoestabelecimentoderelaçõesentreasociedadeeoespaço.14Énesteesforçoquese insereomovimentocooperativodeconstruçãohabitacionalquenospropomos analisar.

2. CidAde, diReito à CidAde e desigUAldAdes

Aformaçãodeumacidade,nestesentido,implicaaproduçãodeumléxicosimbólicoquecaracterizeeidentifiqueoquadroimaginéticoeosvaloresdereferênciadosseushabitantes.Adimensãosimbólicadacidadenãoéumfactoestranhoàvidasocialeàsexperiênciasquotidianasdosseushabitantes,pelocontrário,relacionam-senuma«duplahermenêutica».Porumlado,osimbo-lismourbanorepresentaumpontodereferênciaqueestruturaecondicionademuitosmodosasatividadessociais,entrandoprofundamentenosprocessosquedefinemas identidadesdosatoressociais.Poroutrolado,asatividadesepráticassociaiseasconstantesinteraçõesdesenvolvidasnessequadrocon-

12 - A expressão é de ROBERT CASTEL, “De l’indigence à l’exclusion, ladésafiliation–precaritédutravailetvulnerabilitérelationnelle”, inJ.DONZELOT(dir),Face à l’Exclusion – le modèle français,Ed.Esprit,Paris,1993.

13 -MARCAUGÉ,Los “No Lugares” – espacios del anonimato. Una Antropología de la Sobremodernidad,Barcelona,GedisaEditorial,Barcelona1995,p.83.

14 - Tal como defendeMANUEL CASTELLS,Problemas de Investigação em Sociologia Urbana,Lisboa,EditorialPresença,Lisboa,1994.

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tribuemparaproduzirereproduzir,estruturarereestruturarasimbólicaeaformaurbana.

Nesteâmbito,assumeparticularrelevânciaoaumentoquantitativoequa-litativodosexcluídosdaenacidadeurbanizada15.Considerandoqueotermoexclusão social recobre sobretudoumcarácter processual, seria importantesalientarqueaparticularvulnerabilidadeasituaçõesdecarência—nãosóeco-nómica—abrangentedeumconjuntocadavezmaiordeindivíduos,conduz--nosarepensarestetermoeaterparticularmenteemcontaassuasincidênciasemterritóriourbano.Umdosaspetosparticularmenteimportantesdaexclusãosocialprende-secomoacentuardeumacrisecrescentedecidadania.16 Desta maneira,oshabitantesurbanos—comparticularincidência,osdosgrandesaglomeradoshabitacionais—perdempaulatinamenteosentimentodosseusinteressescoletivoseacapacidadedesemobilizarememtornodeprojetoscomuns.Aestepropósito,atentemosaoquenosdizJ.M.CarvalhoFerreiraaoafirmarque«atéàdécadadesetenta,erapossívelconstruiranálisesdosmovimentossociais,namedidaemqueasreivindicaçõesdiscorriamda“criseurbana”,aqualseassociavaaperíodosdecontinuidadesocial.[…]Asacçõescolectivasidentificavamasnecessidadessociaisaossistemasderepresenta-çãosocialatravésdeproblemasconcretos:habitação,espaçosdelazer,infra--estruturascolectivasevidaassociativa…»17.Sendoexemplar,aestetítulo,recordaramobilizaçãoefetuadaemtornodasAssociaçõesdeMoradoresnoperíodo imediato ao 25 de abril de 197418. N.Teotónio Pereira refere que

15 -Cf.A.TEIXEIRAFERNANDES,“Formasemecanismosdeexclusãosocial”,Sociologia - Revista da Faculdade de Letras do Porto,vol.I,sérieI,1991,pp.9-66;J.FERREIRADEALMEIDA,“Integraçãosocialeexclusãosocial.Algumasquestões”,Análise Social,vol.XXVIII,n.º123-4,1993;J.FERREIRADEALMEIDAeOutros,Exclusão Social. Factores e tipos de pobreza em Portugal, Celta Editora, Oeiras,1992.

16 - CLAUDEJACQUIER,“Lacitoyennetéurbainedanslesquartierseuropéens”,inJoelRoman(ed.),Ville, Exclusion et Citoyenneté - Entretiens de la Ville II,Paris,Ed.Esprit,Paris,1993.

17 - J.M.CARVALHOFERREIRA, “Marginalidade emovimentos sociais noscontextosurbanos”,inEstruturasSociaiseDesenvolvimento,ActasdoIIICongressoPortuguêsdeSociologia,Lisboa,EditorialFragmentos/APS,Lisboa,1993,p.984.

18 -Veja-seHELENAVILAÇA,“Asassociaçõesdemoradoresenquantoaspectoparticulardoassociativismourbanoedaparticipaçãosocial”,in Sociologia – Revista da Faculdade de Letras do Porto,ISérie,Vol.IV,1994,p.49-96.

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nessa época, «o entusiasmo era transbordante.As populações, cansadas depromessasedeumavidaemcondiçõesinfra-humanas,viamchegarodiaemquepodiamterumaverdadeiracasaparahabitar;ostécnicosviamrealizadaapossibilidadedeumaafirmaçãodirectadointeressesocialdasuaprofissão,libertosdepeiasburocráticas,dehierarquiasautocráticasedeesquemasabs-tractos,metendoprofundamenteasmãosnamassa»19.

Aprecarização do estilo de vida de significativas franjas da população,nãopodendoacederadeterminadospadrõesdebem-estaredequalidadedevida,temtraduçãodiretanavidaquotidiana,nomeadamentenadeterioraçãodaidentidadesocioculturaldessesgrupossociais.Hojeemdia,aparticipaçãodaspopulaçõesnadefesadosseusinteressesedireitosparecetersidosubsti-tuídapeloalastramentodefenómenospluraisdeexclusõessociais.

Éaindanasgrandesconcentraçõeshabitacionaisquepersistemcumulati-vamenteosmaioresestrangulamentosnoqueconcerneaosdireitosàcidade,aoalojamento,aoemprego,aosserviços,àculturaeàqualidadedevidaurbanaeàcidadania.Aexclusãoprende-se,ainda,comumaausênciadedignidademultiformenamedidaemqueexistemmuitasformasdesesentireserperce-cionadocomodignohabitantedeumacidade,tantasquantasasdistribuiçõesdocapitaleconómico,cultural,socialesuascombinatóriasoditem.Agrandequestãopareceseradenãoseconseguirintegraçãoemtecidossocialmentediferenciados, transformando-se assim, a desintegração urbana20 de que seouvefalartantoemdesintegraçãosocialecívica.

19 -N.TEOTÓNIOPEREIRA,Tempos, Lugares, Pessoas, Ed.Público,Lisboa,1997,p.33.OmesmoautorreferequeestamovimentaçãoqueteveporbaseoSaal(ServiçodeApoioAmbulatórioLocal)«Baseava-senumafilosofiadeintervençãodoEstadoemquesecriticavaimplicitamenteosmeiosconvencionaisatéentãousadoscompoucoou nenhum sucesso na resoluçãodo problemada habitação, nomeadamente no querespeitavaàeliminaçãodebarracaseilhas.Estafilosofiaestavaentãonaordemdodianosmeiostécnicosinternacionais,ligadaaexperiênciasnoTerceiroMundo,especialmentenaAméricaLatina.Pressupunha-sequeoprotagonismodasacçõesadesenvolvereradesempenhadopelasorganizaçõespopularesdebase,tendoaintervençãodoEstadoumpapeldeapoiosupletivo,emboraindispensável.Osverdadeirosmotoresdoprocessoeramainiciativaeodinamismodaspopulações»,p.32.

20 - Isto porque na maior parte das vezes, quando se ouvem referências àdesintegraçãourbana,parecemexistirnessesdiscursosduasopacidadesfundamentais:porumlado,a(in)consciênciadequenãoexistedesintegraçãourbanasemtermosemlinhadecontaosverdadeirosprodutoresdourbanoeporoutro,anãoperceçãodequequalquerprocessodedesintegraçãoporquesocialédiversoepluriforme.

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A acrescentar a tudo isto, saliente-se a heterogeneidade das populaçõesexcluídas, tornando-as avessas a categorizações ou tipologias sociológicasstrictu sensu, comobem refereDidierLapeyronnie«todas as combinaçõesestãoabertas»21.Nestecaso,ograndedesafioquesecolocaéodainserçãonamedidaemque«inserirédevolverumamargemdeescolhaaindivíduosque pensam nada ter a esperar da integração, confrontando as instituiçõescomformasdeexpressãodessesgrupossociaisgerandomediaçõesentreosrecursosdasinstituiçõeseasnecessidadesdosindivíduosegrupos»22. Neste sentidoeindomaislonge,podemosdizerqueaintegraçãoimplicaumpro-cessoquesegundoaterminologiadeAnthonyGiddenssepoderiaapelidarde«dualidadedaestrutura».Porquepressupõeumadinâmicadeinserção,enãodeassimilaçãosocial,comoumprocessoquefacilitaoacessoporpartedosexcluídosàsoportunidadesdasociedade,nãocorrespondendoaumaanula-çãodasdiferençasedosconflitos.Etambémporquepassaporumprocessodeinclusãoporqueobrigaaqueasociedadeseorganizedeformaaassumiroportunidadesplurais.Destaforma,«inserçãoeinclusãosão,assimasduasfasesdeumprocesso(duplo)queéodaintegração»23.

Oprocessoderecomposiçãosocialeespacialdoespaçourbanosugere--nosaindaaproblematizaçãodarepresentaçãodicotómicadoespaçourbanoalicerçadanospilares:centroeperiferia.Érazoáveladmitirqueacrescentedualizaçãodoespaçourbanotemgeradorupturasnãosósociais,nemterrito-riais,massobretudo,simbólicas.Numcontextoemqueocentroouoscentrossãocadavezmaiscentroseasperiferiassãomaisperiferias,pareceimpor-tantecriardistânciaepistemológicafaceaumaabordagemdicotomizadadarealidadeedosseusconsequentesefeitosnefastoseperversos.Eacreditamosqueomovimentocooperativodeconstruçãodehabitaçãosesituanacharneiradaresoluçãodestradicotomiacomorespostaàfragmentaçãodacidade.

Acidadecomolugarderealizaçãohumana,e,acimadetudo,comocentra-lidadesimbólica,pareceumafórmuladopassado.Énestesentidoquemuitas

21 - DIDIER LAPEYRONNIE, “De l’intégration à la ségrégation”, in JOELROMAN(ed.),Ville, Exclusion et Citoyenneté – Entretiens de la Ville II,Paris,Ed.Esprit, Paris, 1993, p. 105. Sobre esta questão é ainda importante o contributo deROBERTCASTELemArt. Cit.

22 - ISABELGUERRA,“Aspessoasnãosãocoisasqueseponhamemgavetas”,Sociedade e Território, n.º 20, 1994, p. 14.

23 - ROGÉRIO ROQUE AMARO, “A inserção económica de populaçõesdesfavorecidas,factordecidadania”,Sociedade e Trabalho,n.º8/9,2000,p.36.

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das políticas urbanas nomomento presente estãomais preocupadas com aqualificaçãoplurifacetadadoespaçourbano,oumaisconcretamente,como«fazercidadeportodaacidade».Indomaislonge,eaacentuar-seestadico-tomia,muitos questionammesmo a própria cidade e os seus limites e, noextremo,aprópriapertinênciadotermo.Aquestãoéadeestarmosperanteumacidadeouváriascidades,ouperantenenhumacidade.Questãorelevante,nesteeixo,seráopróprioreequacionamentodasfunçõesurbanastradicionais,poishápartesdacidadequetêmsidovotadasaumamonofuncionalidadefor-çadaatravésdeoperaçõesdezonamentosfuncionalistaseminimalistas,oquelevaaquestionaroseuprópriopapelenquantopartesdeumtodourbanoquesequerplurifuncionalnumapluriformidadedemanifestaçõesdeurbanidade.

Ousomaciçodapalavraghetto temvindoadesencadeareaamplificaraestigmatizaçãodoespaçoedapopulaçãoqueoocupa,equivalendoaumaespécie dedoxa24. Frequentemente, faz-se equivaler periferia aghetto, tor-nandoinjuriosososespaçosperiféricosparaquemosvivencia,aindaquesemqualquerfundamento.Outrasvezes,otermoghettoéutilizadonosentidodedestituição de funções urbanas, o que parece equivaler verdadeiramente àsituaçãorealdemuitasperiferias.ConvémsalientarqueasegregaçãonegranosE.U.A.constituiummarcohistórico fundamentalparaaelucidaçãodosignificado da noção de ghetto como bem considera Marielle Gros. Estamesmaautoraadiantaque«nasuaorigem,oghetto-negroamericanoapre-sentoucaracterísticassimilaresàsdoghettojudeueuropeupelasduasrazõesessenciais que, segundo os autores que vêm sendo seguidos, definem estaformade segregação sócio-espacial:ocarácter étnico-racialda segregação,sendoquenestecasoéacordapeleabarreiraqueseparaoshabitantesdoexterior;oghetto-negroconstitui,comooutroraoghettojudeu,umconjuntosocialespacialmenteseparado,comassuasredescomerciais,imprensa,igre-jas,instituiçõespolíticas,culturaisedeassistência.Oghettoéalémdomaisumconjuntosocialdotadodassuasprópriasorganizaçõeseconómicascapa-zesdesatisfazer,pelomenosemparte,asnecessidadesdapopulação,assimoferecendoaprofissionaisliberaisepequenosempresáriospossibilidadesdeexercícioprofissional.Poroutrolado,acoincidênciaespacialdoghettocom

24 - PHILIPPEGENESTIERdizaesterespeitoque«asperiferiassãoumproblema;massobreestepontotodasasperiferiasnãosãoequivalentes:sãoosgrandesconjuntosque levantam mais questões e que provocam mais reacções», «Quel avenir pourlesgrandsensembles?», in JOELROMAN(ed.),Ville, Exclusion et Citoyenneté – Entretiens de la Ville II,Paris,Ed.Esprit,Paris1993,p.133.

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delimitaçõesadministrativaslocaiscrioucondiçõesparaaemergênciadeumaclassepolíticanegra.É tão intensaepersistenteesta segregação racialquecertosanalistasamericanoscriaramotermodehíper-segregaçãoparaadistin-guirdasformasdeseparaçãoespacialqueatingemoutrosgrupossociais»25. Contudo,pensamosqueousodessapalavranãopodesergeneralizadonemamplificadoatodaarealidadeurbana,sobpenadereproduzirmosumdiscursomediáticoecomumacercadessesespaços.26TalcomoaludeLoïcWacquant«atemáticadoghetto,alimentadaporclichésimportadosdooutroladodoAtlân-tico(Chicago,Bronx,Harlem...),impôs-secomoumdoslugarescomunsdodebatepúblicosobreacidade»27.

Numanotadesíntese,gostaríamosdesublinharquealimentamosaideiadequeasgrandescidadeslongedesedesagregarem,recompõem-se,fazendoemergir novas centralidades, novas mobilidades, novos espaços públicos,novasformasdesociabilidadeenovasformasdecidadaniae,talcomorefereFrançoisAscher,«asdificuldades,asferidas,osabandonosqueacompanhamastransformaçõesemcurso,engendramagoniaereacções»28,maséilusóriopretenderreencontraraurbanidadedopassadocomarecriaçãodeumquadrourbanísticoearquitetónicotradicional,poistorna-seimperioso,naatualidade,readaptarotecidourbanoàsnovascondicionantessocioeconómicas.ÉnestequadroqueencaramosomovimentocooperativonareconstituiçãododireitoàhabitaçãoemPortugalnopós-25deabrilde74.

3. ReivindiCAção pelA CidAde e movimento CoopeRAtivo hAbitACionAl em poRtUgAl

Omovimento cooperativo ao nível da habitação emerge logo em 1974comoobjetivodepromoverahabitaçãoacustoscontrolados(numregimede

25 -MARIELLEGROS,Espaço Residencial e Modo de Vida – Contributos da Sociologia para a Reabilitação de uma Área Urbana Degradada–DissertaçãodeDoutoramento,Aveiro, Departamento deAmbiente e Ordenamento,Aveiro, 1998,doc.policopiado,pp.56-57.

26 - DANIELBÉHAR,«Banlieuesghettos,quartierspopulairesouvilleéclatée»,Les Annales de la Recherche Urbaine,n.º68/69,1995,pp.6-14.

27 -LOÏCWACQUANT,«DaAméricacomooavessodautopia»inDanielLins(org.),CulturaeSubjectividade.SaberesNômades,Campinas,PapirusEditora,2000,p. 35.

28 -FRANÇOISASCHER,Op.Cit.,p.232.

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H.C.C.),empropriedadeindividual,comempréstimosdoInstitutoNacionaldeHabitação (I.N.H.) com jurobonificadoparaa construção, aquisiçãooureparação de habitações. Omovimento cooperativo habitacional foi muitoforte,sobretudonoNortenopós-25deAbriltendo-seorganizadomaisde200cooperativasdehabitação,quedepoisdeultrapassaremdificuldadessignifi-cativas,desenvolveram,aindanadécadade1970,conjuntosresidenciaiscomreconhecidosníveisdequalidadeaonívelnãosódashabitações,mastambémdeespaçosexterioreseequipamentossociais,muitosdosquaisatéaíinexis-tentes emhabitação com controlo de custos29. Estes conjuntos residenciaisforaminovadoresnaparticipaçãodosprópriosutentesemtodooprocessoemereceram,porpartedosmunicípios,importantesaçõesdecedênciadeterre-nos,bemcomooapoiotécnicoefinanceiropelogovernocentral.

ComaextinçãodoFundodeFomentodeHabitação(F.F.H.)noiníciodosanos80,osprocessosemcursoforamperturbados,mascomacriaçãodoINHearespetivareformulaçãodosfinanciamentos,ascooperativasdehabitaçãoconheceramuma nova fase de desenvolvimento, ligada a uma clara opçãode apoio ao sector, o que fez com que se verificasse um notável aumentonaproduçãode fogos.Nofinal dadécadade80, umplanogovernamentaldefomentoàHCCcriouimportantesexpectativas,quepoucodepois,foramdefraudadaspornãoteremsidodesenvolvidasasmedidaspolíticasindispen-sáveisaoseucumprimento.Estasituaçãocaracterizouaentradanosanos90efoiagravadapelaausênciadeumdiálogoeficazentreogovernoeospar-ceirossociaisdosectordaconstruçãoehabitação.Comoconsequênciadestasituação,ascooperativasdehabitaçãocomeçaramatergrandesdificuldadesnodesenvolvimentodasuaaçãodepromoção,maispropriamentenaofertaresidencialparaosgrupossociaismaisdesfavorecidos.Assim,paraosectorcooperativo,osanos90,representaramumperíododeanulaçãodasanterioresexpectativasdeconsolidaçãoedecrescimento.Apartirde1992existeumaquebravisívelnapromoçãodehabitaçãodosectorcooperativo.

As razões que conduziram a essa quebra são de vária ordem, salien-tando-se,emprimeirolugar,afaltadesolosapreçosadequados,aperdadepoderdecompradaclasse«média/baixa»,adesatualizaçãodosistemadecré-ditovigenteparaosector,oaumentodecustodenaturezafiscal,processualeburocrática,eoaumento,emconsequência,doscustosfinaisdehabitação,condiçõesestasquetornamascooperativasmenoscompetitivas.

29 -SecretariadeEstadodaHabitação(2000),O sector da habitação no ano 2000, Lisboa:GovernodePortugal.

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Depoisdeum«pico»em1989,quandoseproduziram5172fogos,agrandeinflaçãodecustonosectoreasaltastaxasdejuropraticadasnosempréstimoslevaramaque,apartirde1990,ascooperativastivessemgrandedificuldadeemencontrarcompradorparaosseusfogos,acumulandohabitaçõesparaven-der.Osectorcooperativoretraiu-se,onúmerodefogosfoidecrescendopro-gressivamenteapartirdessadata,apesardeaindaem1991teratingido4833fogosnapromoçãoanual.Adistribuiçãogeográficadapopulação,asopçõespolíticasdagestãomunicipaleaestruturademográficaedepovoamentosãoalgumasdasrazõesquecondicionamodesenvolvimentodascooperativasnasregiões.De facto,omaiornúmerode fogosconstruídospelascooperativasencontra-senodistritodeLisboa,seguidododistritodoPortoeFaro.EstapromoçãodehabitaçãotevemenosincidêncianosdistritosdeCasteloBrancoeGuarda.

Nadécadade90, o númerodemembrosdas cooperativasdehabitaçãorondavacercade100000oqueequivaleadizer,grossomodo,queumaemcada30famíliasportuguesasvivianumahabitaçãocooperativaouesperavavirafazê-losendoque60%dessasfamíliasresidiamnaregiãodeLisboaeValedoTejoe16%naÁreaMetropolitanadoPorto.Até1994apromoçãodascooperativas,emboraemproporçõesdiferenteserarealizadaemtodososdis-tritos.Comojáfoireferidoanteriormente,apromoçãocooperativatemvindoadiminuiraolongodosúltimosanoseissoverifica-seportodoopaís.Entre1995e2005verifica-sequedistritoscomoCasteloBranco,Bragança,Guarda,LeiriaeVianadoCastelodeixaramdepromoverhabitaçãosocialatravésdascooperativasdehabitação.

Alegislaçãoatualqueregulamentaaprovisãodehabitaçãopelascoope-rativasdehabitaçãoéfrutodeumprocessolegislativoquesurgiuapóso25deabril,oqualconsagrouoquadroregulamentardocooperativismohabita-cionaleoregimedefinanciamentoporpartedoEstadoàscooperativas30. O Decreto-Lein.º145/97tevecomoobjetivosatualizareadaptaroregimedefinanciamentoàscooperativasnumúnicodiploma,noquadrodeumconjuntodealteraçõesverificadasemtermosdaprocura(casodosjovens,porexem-plo)econdiçõesdosempréstimos,queseencontravamdispersosporváriosdiplomas.

30 - Os principais instrumentos legislativos são: a Promoção Cooperativa paravendaacustoscontrolados—DLn.º145/97de11dejunho—eaPromoçãoparaarrendamento—DLn.º76/85de25demarço.

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No âmbito deste diploma, as cooperativas de habitação têm acesso aempréstimos bonificados, para a construção de fogos destinados à venda,reduçãodataxadoIVAnasempreitadasrelativasàconstruçãodosempreen-dimentoseserviçosconexos(fiscalizaçãoeelaboraçãodeprojetos),desdequeascooperativascumpramosparâmetrosdecusto,vendaedimensãodascasas,definidosparaashabitaçõesdecustoscontrolados,bemcomo,determinadasregrasrelativasàpropriedadeealienaçãodascasas.Paraalémdeumconjuntodebenefíciosfiscais,comoisençãodeImpostoMunicipalsobreTransmissõesdeImóveis(IMT)naaquisiçãodeterrenos, isençãodopagamentodetaxaseencargospelarealizaçãodeinfraestruturasurbanísticas,isençãodetaxaseemolumentosnoregistodehipotecaemrelaçãoaosempréstimosegratuiti-dadedosatosderegisto.

Apesardosteóricosfundadoresdocooperativismo,comoAntónioSérgio,defenderemqueapropriedadecoletivaéaverdadeirapropriedadecoopera-tiva,estamodalidadeteveumaaceitaçãomuitolimitadaentrenós,sendoado-tada,apenas,pelascooperativassurgidasdoServiçodeApoioAmbulatórioLocal (SAAL) e pelas cooperativas filiadas naUnião dasCooperativas deHabitaçãoEconómicadoDistritodeSetúbal(UCHEDES)relativamenteaosseusprimeirosempreendimentos.

Amodalidademaisfrequentetemsidoapropriedadeindividual,emqueatransmissãodosfogosaoscooperadoreséfeitaatravésdecontratodecompraevenda,segundooqualacooperativatransmiteaocooperadorodireitorealpleno da habitação.No caso da propriedade individual, o preço dos fogosconstruídosouadquiridospodesersatisfeitodeumasóvez(oqueéraroacon-tecer)ouatravésdeempréstimosbancários,mediantehipotecadahabitação,segundoosistemageraldecréditoàhabitaçãoprópriaepermanente.

Apreferênciapelapropriedadeindividualtemsidopredominantedevido,queràpolíticadefinanciamentopraticadapelo InstitutodaHabitaçãoedaReabilitaçãoUrbana(IHRU)—queseparaofinanciamentoàconstruçãodofinanciamentoàaquisição,passandoesteaserconcedidoindividualmenteaosassociados, atravésdo regimegeraldecréditos, emcondições iguaisàsdomercado,queraospróprioscooperadores,dadasascaracterísticasdasocie-dadeportuguesaquevalorizaapropriedadeindividualemdesfavordapro-priedadecoletivaedoinquilinatocooperador.Aliás,quantoaesteúltimo,nãoforamtomadasquaisquermedidasquepermitissemasuaimplementaçãoporpartedascooperativas,nemtãopoucoqualquermecanismodeincentivo.

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É imprescindível no quadro atual de uma diminuição da procurapara venda, que o IHRU repense os condicionalismos e mecanismosque possibilitem as cooperativas investirem na oferta para arrenda-mento. Os primeiros diplomas legais que regulamentavam o finan-ciamento à construção pelo ex-F.F.H., os empréstimos concedidos àscooperativas de habitação obedeciam a uma taxa de juro muito baixa (3-5,8%),amortizadaalongoprazo(25-30anos).Estascondiçõesfinanceiraspermitiramàscooperativasdesenvolverumaintensaatividadeentre1975-80e integraremosestratospopulacionaisde rendimentosmédios-baixos, evo-luindo,progressivamente,paraascondiçõesdomercadoàsquais,naprática,ascooperativastêmestadosujeitas,comtaxasdejuromaiselevadas.

Esta evolução do sistema de financiamento acabou por originar quer asubstituição dos sócios demenor capacidade económica por outros prove-nientesdos estratos sociaismédios e elevados,quer ainda, adissoluçãodevárias cooperativas após a execução dos empreendimentos, pois o vínculocomacooperativadesapareceapósacompradacasa,passandoaqueleparaainstituiçãodecréditocomaqualocooperadorestabeleceuoempréstimo.Assimapartirdemeadosdosanos90começaasentir-seumadiminuiçãodapromoçãocooperativaatravésdesteprogramaeváriascooperativascomeçamatergrandesdificuldadesemescoaroseuproduto.

Umconjuntoderazõesestánaorigemdadiminuiçãodapromoçãodehabi-taçãocooperativaemPortugalnosanos90.Assim,emprimeirolugar,sãodedestacarasdificuldadesdeacessoaosolopúblicoeaausênciademecanismosmaiseficazes(financeirosououtros)paracomparticiparoscustosdacompradosoloparapromoçõescooperativashabitacionais,oqueconduziuascoo-perativasaestratégiasdeaquisiçãodesolo idênticasàsdomercado.Comoresultado,aincidênciadocustodosolonopreçofinaldahabitaçãoaumentouexponencialmente,aproximandooscustosfinaisdahabitaçãocooperativaaoscustoscorrentesnapromoçãoprivada.

Tambémacrescenteescassezdesoloapreçoscomportáveisnaslocaliza-çõesondesefazemsentirascarênciashabitacionais,fezcomqueascoope-rativasprocurassemsolosemlocalizaçõescadavezmaisafastadasdassuasáreasdeinfluênciahabitacional.Oscustossociaisdesteafastamento,emborapermitindoaaquisiçãodesoloapreçomaisbaixo,tornaram,muitasvezes,essaslocalizaçõesinacessíveisparaascamadassociaiscomreduzidopoderde mobilidade. Concomitantemente, com a progressiva cobertura nacionaldosPlanosDiretoresMunicipais(PDMs),apartirdoiníciodadécadade90,deixoudeserpossívelumapráticacorrentedeapoiodosmunicípiosàscoo-

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perativas—omunicípiocompravasoloapreçosbaixos(oproprietárioquasesemprenão tinhaanoçãodoseuvalorparafinsdeconstrução)quedepoiscedia ou transacionava, a preços simbólicos, às cooperativas. Regulado ozonamentodosolourbanizávelasituaçãonãosómudadrasticamentecomo,aomesmotempo,secriamexpectativasexageradasdevalorizaçãodospreços.Estasituaçãofoiagravadapelofactodealeinãopreverumregimeespecialparaexpropriaçãodosolodestinadoàproduçãodehabitaçãocooperativa.Aleigeraldasexpropriações,emvigoremPortugal,mesmocomautilizaçãodoargumentoda«utilidadepública»(aplicávelàsCHEs),favoreceuoestabele-cimentodepreçosdeexpropriaçãoaoníveldospreçoscorrentesdomercado.Tal situação impediu osmunicípios de constituíremumabolsa de terrenospúblicosmunicipaisque,mediantecritériosadefinir,poderiamfavorecerascooperativasdirigidasaestratossociaisnãosolventes.

Porseuturno,osbenefíciosconcedidospeloIHRUàhabitaçãoacustoscontrolados(bonificaçãode1/3dataxadejurocorrente),nãocompensamaburocraciaexcessivanaaprovaçãodefinanciamentoseprojetoseaslimita-çõesimpostas(áreas,plafondsdefinanciamentoecustos)nãosatisfaziamasexigências dos novos cooperadores com rendimentos ou expectativasmaisaltos.Outrossim,adiminuiçãodopoderdecompradaspopulaçõesquenor-malmente constituíam a procura potencial das cooperativas foi importantenesterecuo,sendodesalientarquefoiumasituaçãoagravadapelodesapare-cimentodocréditobonificadoàaquisição.

Nãopodemosdeixardereferirnofinaldadécadade90,oEstatutoFiscalCooperativo31.Esteestatutoabreapossibilidadeàscooperativasrecorreremaempréstimosnãobonificados,paraaconstruçãodehabitaçõesqueseintegremnosparâmetrosdasHCC (mascomumamajoraçãode20%),bemcomoaaplicaçãodataxareduzidadoIVAebenefíciosfiscais,comoisençãodopaga-mentodeIMTnaaquisiçãodeterrenosedeImpostoMunicipalsobreImóveis(IMI)(sónocasodosprédiosurbanoshabitacionaisemregimedepropriedadecoletiva,desdequedestinadosàocupaçãoprópriaepermanentedoscoopera-dores).Umadasvantagensdesteestatutoésemdúvidaamajoraçãode20%,querquantoàsáreasdosalojamentos,querquantoaoscustosdeconstruçãoevenda,oquepermitiuumacréscimodequalidadedashabitaçõese,ainda,alargaraprocuraaestratospopulacionaiscommaiorpoderdecompra,peloque,váriascooperativaspassaramarecorrermaisaesteestatuto.NasáreasmetropolitanasdeLisboaedoPorto,autilizaçãodesteestatutotempermitido

31 -EstatutoFiscalCooperativo(Lein.º85/98,de16dedezembro).

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aconstruçãodealojamentoscommelhorqualidadeecompreçosabaixodomercadolivre.

Estaincursãopelascooperativasepelosinstrumentoslegaisqueasestru-turamnotocanteàhabitaçãoparece-nosfundamentalparaabordarareivindi-caçãopelodireitoàcidadenacontemporaneidade,nãoobstanteasoscilaçõesqueofenómenocooperativotemvindoa«sofrer»,designadamente,osseusrecuos.Assim,podemosafirmarqueomovimentocooperativoseencontra,atualmente,numasituaçãoparadoxaldecorrentededuasquestões.Aprimeira,implicaqueconsideremosquedopontodevistaideológicoomovimentocoo-perativosefoiafastando,progressivamente,dosprincípiosfundadoresedaspopulaçõesinicialmentevisadas.Atualmente,deparamo-noscom«cooperati-vas-empresas»cujoobjetivoéodeservirasclassesmédias,quedispõemderendimentosmédiosemédios-elevados,que,emalgunscasospoderiaacederaomercadolivre.Ascooperativasencontram-se,assim,afastadasda«ideo-logia popular» ancorada na organização espontânea de atores socialmenteprecarizadosequeprocuravam,naorganizaçãocooperativa,asoluçãoparaosseusproblemasdehabitação,assimcomoummeiodeautorreferenciaçãoedeinclusãosocial.

Asegundaquestãoleva-nosaconsiderarquenacriseatualderedefiniçãodo Estado-Providência, as soluções neoliberais vêm ganhandomais força,tornando-se omercado, por um lado, um importante agente regulador dasdinâmicassociaise,poroutro,aeficiêncianagestãodasempresasprivadascomoomodeloorganizacionalaseguir,favorecendoosinteressesindividuaisem desfavor dos interesses coletivos.A organização cooperativa encontra--se,assim,numaposiçãodesobrevivênciadifícilouderesistênciapassiva,numcontextodeumacontratualizaçãosocialprecáriaeepisódica (os indi-víduosorganizam-se, cadavezmais, em funçãodeobjetivos e deprojetosdecurto-prazo);oEstado«assistencial»tomaaseucargoosgrupossociaismaisprecárioseexcluídos,oquecontribui, também,paraadiminuiçãodasuacapacidadedeauto-organização;omovimentocooperativo,porseulado,deslizouparaumafaltadelegitimidadefaceàsociedadepolítica,nestecasodevidoaumaescolha(ou,justamente,porquenãotinhaoutraalternativapos-sível)afavordalógicadeeficáciadomercado.Ditodeoutraforma,aaçãodomovimentocooperativoestácadavezmaiscomprometidapelointeressedeclassessociais,cujosrendimentosconstituemumcontra-argumentoparaasreivindicaçõesdemedidasdediscriminaçãopositivaemfacedapromoçãocooperativa.

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Neste contexto, resta uma margem muito pequena para a contratuali-zação entre as cooperativas já organizadas e o Estado ou os municípios.Saliente-se,aindaque,oritmoeaagendapolítico-eleitoral,passandopelasnecessidadesdoseleitos locaisapresentarem,rapidamente,osresultadosdasuaaçãopolítica, condicionamasopçõeseasprioridadesdapolíticahabi-tacional, acabandoas fórmulasdeprodução rápidadehabitaçãopororien-tarasprioridadesdoseleitos locais (casosdoProgramaEspecialdeRealo-jamento (PER) e dos Contratos de Desenvolvimento Habitacional (CDH). Refira-se também que, o facto de as grandes empresas de promoção e deconstrução imobiliária, se apresentaremmelhor adaptadaspara atingir eco-nomiasdeescalaesendofinanceiramentemaissólidas,notavelmentenoquedizrespeitoaosprazosderetornodocapitalinvestido,quepodemseralarga-dos,tendeadiminuiradiferençadoscustosdeproduçãodahabitaçãoentrea promoção privada e a cooperativa (esta não tem como objetivo o lucro,maséobrigadaareterumapartedasmais-valiasdemodoapodersuportaroarranquedenovaspromoçõeshabitacionais).

Quantoaoinquilinatocooperativo,estetemestadopraticamenteausente,devido,essencialmente,àfaltadeumfinanciamentomaisatrativoparaestaformadepromoção.Aestepropósito,aFENACHEpropõeacriaçãodeumFundodeGarantiaquepoderiaserarticuladocomumprogramadeapoioàsfamíliasemdificuldade(porexemplo,comoRendimentoMínimodeInser-ção).RelativamenteàrelaçãoentreoEstadoCentraleascooperativas,per-sisteumafaltadeconfiançarecíproca:oprimeiroacusaascooperativasdeseteremdesviadodosgrupossociaisalvodasuaação,umavezqueapromoçãocooperativasedirige,cadavezmais,aosgruposderendimentomédio,peloqueesta situação impedea suaclassificaçãocomo instituiçõesdeutilidadepública(comaexceçãodasCHEs).Ascooperativas,porseulado,atribuemaoEstadotodaaresponsabilidadepelasuasituaçãoatual,notavelmente,porfaltadeajudaspúblicassuficientesnosmomentosemqueaconjunturaeco-nómicalimitouasuaeficáciajuntodosgrupossociaisdemenorcapacidadeeconómica.

Arealidadeatualdosfactosreforçaesteclimadedesconfiançaeperturbatodos os esforços de aproximação e de reformulação que as associações efederaçõesdecooperativasreivindicamaoEstado.Noentanto,osnovospro-gramas habitacionais, caso do PER, têm como objetivo a resolução rápidadoalojamentoprecário,reorientandoasprioridadesdaspolíticasmunicipaishabitacionaisecondicionandoarecomposiçãodomovimentocooperativo.Osmunicípiossão,porprincípio,osparceirosmaisativosemaiseficazesnacola-

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boraçãocomascooperativas.Comefeito,nos«anosdeouro»domovimentocooperativo,estacolaboraçãoestreitaexistiu,apesardediferençassignifica-tivas entremunicípios.No caso em que este partenariado funcionou, duasrazõesjustificamoprotagonismoatribuídopelopoderlocalàscooperativas,porumlado,algumasCâmarasdispunhamdereservasdeterrenoparaurbani-zar(casodeLisboaePorto)ourecorreram,nosprimeirosanospósrevolução,aexpropriaçõeseaaquisiçõesdeterrenos,cedendo-osàscooperativas(como,por exemplo,Matosinhos e outros concelhos do sul do país), por outro, oEstadoCentraleosmunicípiostinhamumpapelmaisdiscretonapromoçãohabitacional.Olugarreservadoàpromoçãocooperativaeramaisexpressivoesuscetíveldeinteressarospoderespúblicos.

Porém,osmunicípiosnuncaexerceramqualquertipodecontrolonasele-ção dos cooperantes ou atémesmo sobre as cooperativas.Mesmono casodasCHEs,oprincípiode seleção fundamenta-sena ideiadequeos custoseascaracterísticasdasconstruções(regulamentaçãodosparâmetrosdimen-sionais,decustosbastantecontrolados,etc.)sãosuficientespara«filtrar»oscooperadores,apesardeestasituaçãoser,atualmente,postaemcausa.Apesardasalteraçõeslegislativaspermitiremumamaiorflexibilizaçãodosparâme-trosdimensionaisedecustosdosalojamentos,paraalémdecontemplaremo financiamento de garagens, de arrecadações, de equipamentos sociais ecomerciais,asCHEsparapoderemcumprirospreçosimpostospeloIHRU,serviram-sedeváriasalternativas,sendoasmaisfrequentesatransferênciadaresponsabilidadeedoscustosdosacabamentosinterioresdosfogosparaosproprietáriosou,ainda,osdéficesfinanceirosseremcobertoscomavendadasáreascomerciaisexistentesnosempreendimentos.

Face ao sistemaque regulamentaoordenamentodo território eourba-nismo, a recenteLei deBases doOrdenamento doTerritório não introduzqualqueralteraçãosignificativaaoníveldaregulamentaçãodossistemasdepartenariadoentreodomíniopúblicoeoprivado.Assim,queraoníveldosprivados,querdascooperativas,persisteumbloqueioquantoàpossibilidadedecriaçãodesociedadesmistasdeurbanização(municípios/particulares/coo-perativas), quepermitiria relançar adinâmica cooperativa, segundooprin-cípio fundadoreespecíficodestemododepromoçãohabitacional—cons-truirhabitação com os habitantes,emvezdeconstruiralojamentos para os habitantes.EsteéodadocríticoquetemvindoacaraterizaraprogressãodainiciativahabitacionalcooperativaemPortugal, sendo tambémodadomasevidentedoescamoteamentododireitoàcidade fundadonosprincípiosdocooperativismo.

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4. As CoopeRAtivAs de hAbitAção nA ÁReA metRopolitAnA do poRto

Amaioria,dascooperativasdaÁreaMetropolitanadoPorto(AMP),foicriadaentre1974-1978,na sequênciadoapoioentãodadopeloGovernoepelasCâmarasMunicipais,talcomoaconteceu,aliás,aoníveldopaís.Rela-tivamenteàsuadistribuiçãogeográfica,verifica-sequesãoosconcelhosdoPortoedeMatosinhosquedetêmomaiornúmerodefogosconstruídosporcooperativas,graçasaoapoiodadopelasCâmaras,nomeadamente,nadispo-nibilizaçãodeterrenos,naaprovaçãodosprojetosdeconstruçãoenaisençãodetaxasmunicipais.UmadasvantagensdoestatutoFiscalCooperativoésemdúvidaamajoraçãode20%,querquantoàsáreasdosalojamentos,querquantoaoscustosdeconstruçãoevenda,oquepermitiuumacréscimodequalidadedashabitaçõese,ainda,alargaraprocuraaestratospopulacionaiscommaiorpoderdecompra,peloque,diversascooperativaspassaramarecorrermaisaesteestatuto,comofoiocasodeváriascooperativasdaAMP.

Atualmente, existemnaAMP, cerca de 30 000 alojamentos construídospelascooperativasentre1976e2011,emconjuntos residenciaiscomreco-nhecidosníveisdequalidadeaonívelnão sódashabitações,mas também,deespaçosexterioreseequipamentossociais,muitosdosquaisinexistentesemHCC,qualidadeessaexpressanonúmerodeprémiosnacionaisquetêmsidoatribuídosdesde1988,peloatualInstitutodeHabitaçãoeReabilitaçãoUrbana(IHRU),anteriorInstitutoNacionaldeHabitação(INH).Estescon-juntosresidenciaisforaminovadoresnaparticipaçãodosprópriosutentesemtodooprocesso.Naverdade, a estratégiadedesenvolvimentodosprojetoscooperativos,queassociaapoupançapréviadasfamíliasaoutrasformasdefinanciamento—nomeadamenteaslinhasdecréditobonificadasàconstru-çãoconcedidaspeloINH/IHRU—possibilitaacriaçãodeumcontextodeintervençãodosconsumidores,quernoprojeto,quernagestãoposteriordoespaço construído. Esta situação contribui, significativamente, não só paraumamelhoriadaqualidadedoespaçohabitacionaledosespaçosenvolventes,comoainda,paraumagrandesatisfação/apropriaçãodosbairros,porpartedosmoradores.Saliente-se,também,queapromoçãocooperativatempossibili-tadoamisturadegrupossociais.

ApolíticadeapoioàscooperativasporpartedoEstadotemtido«altosebaixos»,devidoaodesajustamentodas condiçõesdefinanciamento, à faltadesolosapreçosadequados,àperdadepoderdecompradaclasse«média/baixa»,aoaumentodecustodenaturezafiscal,processualeburocrática,com

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consequências,noscustosfinaisdahabitação.Odinamismoemtermoscons-trutivos,comprovaqueocooperativismotempotencialidadesecaracterísticasque o vocacionam para um papel fundamental numa política de habitaçãodinâmica e inovadora, sendo parceiros fundamentais para proporcionar oacessoàhabitaçãodeinteressesocialcomqualidadeeapreçosvantajosos,sobretudosedispuseremdosindispensáveis(eviáveis)apoiosinstitucionais.

Naverdade,ascooperativasdispõemdequadrosexperientesnapromo-çãohabitacional,têmumbomrelacionamentocomosmunicípios,possuemumpotencialdepoupança-habitação importante eoprocessodepromoçãocooperativogaranteumamelhoradequaçãodosalojamentosàsnecessidadesdasfamílias.Outroaspetoasalientaréofactodeacooperativapermitirumaadequadagestãodoseuparquehabitacionaledosespaçosexteriores,fatoresdecisivosparaamanutençãodasurbanizações.

Numaalturaemquetantosefaladafaltadequalidadeedegradaçãodoespaçoconstruído,sobretudodasáreascentraisedasnovasáreaspredominan-tementeresidenciaisdasperiferiasurbanas,nãopodemosdeixardesalientaraqualidadeurbanadealgunsconjuntosresidenciais,promovidospelascoo-perativasdaAMP,ondeseconseguiuumequilíbrioentreoespaçoresidencial(com uma qualidade arquitetónica assinalável), a implantação de equipa-mentosdelazeredealgumasatividadeseconómicas,constituindoconjuntossocialmenteintegradoseintegradores.

Outradasáreasemqueascooperativasrevelampotencialidadesacrescidasénaáreadagestãodeserviçosdemanutençãoeconservaçãodoedificado,espaçosenvolventeseserviçosdeapoioàpopulação,sendoaliásumaáreaqueascooperativastêmmostradoasuadisponibilidadeparaassegurarestetipodeserviços,mesmoemurbanizaçõesconstruídasporoutrosagentespúblicos.Atítulomeramenteexemplificativo,podemosreferiralgunsempreendimentosdequalidade,queconstituemverdadeirostroçosdenovacidadebemhabitadae vitalizada, como por exemplo, as urbanizações daBarranha, doCarriçal(prémioINH1990),daAzenhadeCima(prémioINH1991),naSenhoradaHora, concelho deMatosinhos, Quinta do Sol emValbom, Gondomar, dacooperativa SeteBicas; a urbanização doForno emRioTinto,Gondomar,dacooperativaMãosàObra(prémioINH,1989);aQuintadaBelaVista,naMadalenaemVilaNovadeGaia,daURBICOOPE;acidadecooperativadaPrelada,noPorto,promoçãodeumauniãodecooperativas;aurbanizaçãodaPontedaPedra,emLeçadoBalio,primeiroempreendimentohabitacionaldeconstruçãosustentável(prémioIHRU2007),promoçãodauniãodascoope-rativasSeteBicas,CETAeNortecoope; o conjunto habitacional daBouça

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(prémioIHRU2007),noPorto,projetodoarquitetoSizaVieira(noâmbitodoSAAL),quefoiterminadopelauniãodecooperativas,constituídapelaSeteBicas,CETAeantigaassociaçãodemoradoresdaBouça;oconjuntohabi-tacionaldaSACHEdoarquitetoManuelCorreiaFernandesemAldoar,noPorto,damesmacooperativaoempreendimentodeSerralvesemLordelodoOuro,queinclui6edifíciosnovoseareabilitaçãodoedifíciodeescritóriosdaantigafábricadeLanifíciosdeLordelo(paraescritóriosesaladeexposições),tambémdoarquitetoManuelCorreiaFernandeseaurbanizaçãodacoopera-tivadosfuncionáriosjudiciaisemValbom,Gondomar.

Umagrandepartedasurbanizaçõescooperativasdesenvolveu-seemter-renosnãourbanizadosdasfreguesiasdaperiferiae,portanto,desinseridosdamalhaurbanapré-existente,comumadimensãoedensificaçãoporvezesassi-nalável.Devidoaestascircunstânciaselasacabaramporconstituiro«motordearranque»paraaurbanizaçãoposteriordasáreasondeseimplantaram.Estasurbanizaçõessãoconstituídas,essencialmente,poredifíciosmultifamiliares.Noentanto,existetambémumconjuntosignificativodemoradias,ocorrendoporvezesurbanizaçõesmistas,commoradiaseprédiosmultifamiliares.

Saliente-se,ainda,quemuitasdestasurbanizaçõesnãoselimitamaáreasexclusivamente residenciais, possuindo áreas de lazer e para a prática dedesportos,paraalémdeáreascomerciaiseequipamentosescolares(crecheeATL).Estascaracterísticasconferemaestasurbanizaçõesumaqualidadedevidaurbanaímpar,frutodaspreocupaçõessociaisquecaracterizamomovi-mentocooperativo,qualidadequecontrasta,muitasvezes,comasdasáreasenvolventes.Assim,apromoçãocooperativapelasuaqualidadeconstrutiva,inserçãourbanística,boagestãoemixsocial,apresentaumacapacidadequepode ser consideradacomoumaopçãoestratégicaparamuitosmunicípios,sendoterrenoprivilegiadodematerializaçãodautopiadodireitoàcidadeparatodos.

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Aquisiçãoeinfraestruturasdeterrenos—Decreto-Lein.º385/89,de8denovembro.

ConstruçãodeHabitaçãoaCustosControladosparavenda—Decreto-Lein.º220/83,de26demaio.

PromoçãoCooperativaparavendaacustoscontrolados—Decreto-Lein.º145/97,de11dejunho.

ConstruçãoouAquisiçãodeHabitaçãoaCustosControladosparaArren-damento—Decreto-Lein.º110/85,de17deabril.

Promoçãoparaarrendamento—Decreto-Lein.º76/85,de11demarço.

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ACtUAlidAde xURÍdiCA

Coordinador:ManuelJoséVázquezPena

▪ ElenaSalgadoAndréModificacións introducidas pola Orde de 31 de maio de 2012 no modelo orientativo de estatutos sociais da sociedade cooperativa especial

▪ MaríaLuisaCabelloLópezA lei de fomento da integración de cooperativas e doutras entidades asociativas de carácter agroalimentario

▪ XacoboIzquierdoAlonsoBaixa voluntaria: non acumulación das deducción feitas na liquidación ao socio por incumprimento do periodo de permanencia coas relativas ao incumprimento do compromiso de non causar baixa voluntaria durante a vixencia dun programa operativo [Anotacion á sentenza do Tribunal Suprmo (Sección 1ª) núm. 575/2012 de 10 de outubro. Ponente: Excmo. Sr. D. Ignacio Sancho Gargallo]

▪ FranciscoTorresPérezAnotación á sentenza da Audiencia Provincial de Murcia (Secc. 4ª 346/2012) de 24 de maio. relator: Ilmo. Sr. D. Francisco José Carrillo Vinader

▪ JoséAntonioRodríguezMíguezConvocatoria xudicial e xurisdicción voluntaria (comentario ao auto da Audiencia Provincial de Madrid, Sección 28ª, do 3 de decembro de 2012)

▪ EstanislaodeKostkaFernándezFernández

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A responsabilidade dos membros do consello reitor dunha cooperativa, en aplicación do artigo 367 da Lei de sociedades de capital (comentario á sentenza da Audiencia Provincial de León 335/2012, de 12 de xullo)

▪ IsabelSánchezCabanelasCooperativa de vivendas. Baixa voluntaria non xustificada

▪ MaríaJesúsRodríguezMíguezImpugnación dos acordos do consello reitor dunha cooperativa de vivendas e improcedencia da dedución de cantidades nas devolucións por baixa xustificada dun socio. Comentario da SAP de Palencia núm. 31/2013 (Sección 1), de 4 febreiro

▪ SinesioNovoFernándezAcordos do Consello reitor de natureza sancionatoria. Comentario da SAP de Burgos núm. 214/2012 (Sección 3ª), de 23 de mayo

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93Salgado André: Modificacións introducidas pola Orde de 31 de maio de 2012 no modelo…

Cooperativismo e Economía Social, nº 35 (2012-2013), pp. 93-95

modifiCACións intRodUCidAs polA oRde de 31 de mAio de 2012 no modelo oRientAtivo de estAtUtos

soCiAis dA soCiedAde CoopeRAtivA espeCiAl

Elena SALGADOANDRÉ

Copropósitodeaxilizaroprocesodeconstitucióndassociedadescoope-rativas,flexibilizaroseufuncionamentoorgánicoemodernizaroseuréximeeconómico, a Lei 8/2006, de 23 de decembro, de sociedades cooperativasespeciais, crea un novo modelo de sociedade cooperativa —a sociedadecooperativaespecial—quedarespostaásnecesidadeseconómicasdosseussociose,enxeral,satisfaicalqueratipodenecesidadeempresarial.Poisben,oapartado3doseuartigo6dispónque“porOrdedaConselleríacompetenteenmateriadesociedadescooperativasaprobaraseunmodeloorientativodeestatutossociaisdasociedadecooperativaespecialqueestarádispoñiblepormediostelemáticos”.

Xustamente para dar cumprimento a esta obrigación, adoptouse aOrdede23demaiode2007,poloqueseaprobaomodeloorientativodeestatutossociaisdasociedadecooperativaespecial.AOrdeconténasprevisiónsestatuta-riasesenciaisnecesariaspararegularofuncionamentodestetipodeentidades,establecendoquenononprevistoaplicaraseaxacitadaLei8/2006,asícomoaLei2/1998,de26demarzo,deSociedadesCooperativasdeExtremadura.NamedidaenqueestaúltimafoireformadaurxentementemedianteDecreto-Lei1/2011,de11denovembro,resultabanecesariomodificaromodeloorienta-tivodeestatutossociaisdasociedadecooperativaespecial.Paraiso,apróbaseaOrdede31demaiode2012quemodificaoAnexodaOrdede2007e,máisconcretamente, os artigos 10, 13, 16, 17, 18 e a segunda nota referente ásSociedadesCooperativasdeexplotacióncomunitariadaterra.

Asíascousas,dentrodoartigo10(“BaixaVoluntaria”),cámbiasearedac-cióndoseuapartado2aoqueselleengadeunhanovacausa—atransforma-

Salgado André: Modificacións introducidas pola Orde de 31 de maio de 2012 no modelo…

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94 Salgado André: Modificacións introducidas pola Orde de 31 de maio de 2012 no modelo…

cióndeachegas—quevénaengrosaralistadesupostosnosqueabaixanonse considera xustificada.De forma que, con independencia de que o sociopoidadarsedebaixavoluntariamentenacooperativaencalqueramomento,sealegaatransformacióndeachegascomomotivoparacursaramesmaserácualificadacomobaixainxustificada.

Oapartado6doartigo13(“AsembleaXeral”)estableceque,ámarxedossupostosxaprevistos,seránecesariaamaioríadosdousterzosdosvotospre-senteserepresentadosparaaprobaratransformacióndasachegascondereitodereembolsoencasodebaixaenachegascuxoreembolsoencasodebaixapoidaserrehusadoincondicionalmentepoloórganodeadministraciónerepre-sentaciónouatransformacióninversa.

Oartigo16(“CapitalSocial”),logodeafirmarqueocapitalsocialestaráconstituídopolasachegasdossocios,aclaraqueditasachegasserándedoustipos:achegascondereitodereembolsoencasodebaixaeachegascuxoreem-bolsoencasodebaixapodeserrehusadoincondicionalmentepoloórganodeadministraciónerepresentación.Acontinuación,noapartado2,engadequeaAsembleaXeralpoderáprocederátransformacióndunhasachegasnoutrascandocontecovotofavorabledosdousterzosdosvotospresenteserepresen-tados.Agoraben,osocioquefixeseconstardeformaexpresaasúadiscon-formidadcoacordo,ouoausenteporcausaxustificada,tenunprazodunmesparadarsedebaixadacooperativacoacualificacióndexustificada.

Dentrodoartigo17(“Achegaobligatoriaminima”),introdúceseunnovoapartadopararegularasachegasaocapitaldosnovossocios.Entalsuposto,asachegasefectuaranseconcarácterpreferentemedianteaadquisicióndaque-las cuxo reembolso fose solicitado conmotivo da transformación dun tipodas achegas noutro. Polo demais, dita adquisición producirase por orde deantigüidadedassolicitudesdereembolsoe,nocasodequeassolicitudesteñanamesmadata,distribuiraseenproporciónaoimportedasachegas.

Finalmente,oartigo18(“Reembolsoetransmisióndasachegas”)conténas condicións e prazos para proceder ao reembolso das achegas unha vezfinalizadaarelaciónsocietaria.Así,nasachegasobligatoriascondereitodereembolsoencasodeexpulsiónpoderasepracticarunhadeducióndeataun30%edevolverascantidadesnoprazode5anos,e,paraosupostodebaixaobligatoriaouvoluntarianonxustificada,unhadeducióndo20%edevolverascantidadesnoprazode3anosoude1tratándosedebaixaxustificadaoudefunción.Agora ben, se a baixa débese á transformación dunhas achegasnoutras,aAsembleapoderáfixaraporcentaxemáximadecapitalsocialque

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95Salgado André: Modificacións introducidas pola Orde de 31 de maio de 2012 no modelo…

será devolto no exercicio económico, de formaque o importe pendente sereembolsaránoseguinteporordedeantigüidadedassolicitudesdereembolsoou,nasúafalta,dadatadabaixa.Noquerespectaásachegasvoluntarias,sereembolsaránnascondiciónsquesinaleoacordodeemisiónouconversión,tendoencontaqueoprazomáximoparaoreembolsodasachegasencasodetransformacióndunhasnoutrasseráde5anosacontardesdeadatadabaixa.

Poroutrabanda,nasachegas,xasexandecaráctervoluntarioouobligato-rio,cuxoreembolsoencasodebaixapodeserrehusadoincondicionalmentepoloÓrganodeAdministraciónaplícanseosmesmoscriteriosquenasache-gascondereitodereembolsoáhoradeprocederáliquidacióndascantidades,aíndaqueoprazocomputarasedesdeaadopcióndoacordodereembolsopoloÓrganodeAdministración.

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Page 99: E ECONOMÍA SOCIAL

97Cabello López: A lei de fomento da integración de cooperativas e doutras entidades…

Cooperativismo e Economía Social, nº 35 (2012-2013), pp. 97-105

A lei de fomento dA integRACión de CoopeRAtivAs e doUtRAs entidAdes

AsoCiAtivAs de CARÁCteR AgRoAlimentARio

MaríaLuisaCABELLOLÓPEZ

1. intRodUCCión

O asociacionismo agrario, como fenómeno xeral, e as cooperativas enparticular,sonprotagonistasdograncambioexperimentadonosectoragroa-limentarioespañol,contribuindoávertebracióndoterritorio,aodarcontinui-dadeáactividadeagraria,fomentandooempregoruraletendounhaespecialcapacidadeparasermotordedesenroloeconómicoesocial,favorecendo,portanto,aviabilidadeesostenibilidadedasnosaszoasrurais.

Se trata, senembargo,dunsectorque secaracterizaporunha forteato-mización,queestáaprovocarqueasentidadesqueformanpartedomesmo,incluso asmillor estructuradas, no vexan rentabilizados os seus esforzos einversións.Faisenecesario,nestesenso,porenmarchamedidasquefomentenaintegracióneapotenciacióndegruposcomercializadoresdebasecoopera-tivaeasociativa,conimplantacióneámbitodeactuaciónsuperioraodunhacomunidadeautónoma,queresultencapacesdeoperarentodaacadeaagroa-limentaria,tantonosmercadosnacionaiscomonosinternacionais,equecon-tribuanamillorararentadosagricultores,consolidandoasíuntexidoindus-trialagroalimentarionasnosaszonasrurais.

Conesteplantexamento,expresamenterecollidonoseuPreámbulo,vensede aprobar a Lei 13/2013, de 2 de agosto, “de fomento da integración de cooperativas e doutras entidades asociativas de carácter agroalimentario”(BoletínOficialdoEstadodo3deagostode2013;correccióndeerrosnode18desetembro);LeiqueseestructuraencincoCapítulosconseisartigos,

Cabello López: A lei de fomento da integración de cooperativas e doutras entidades…

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98 Cabello López: A lei de fomento da integración de cooperativas e doutras entidades…

unhadisposiciónadicional,unhadisposicióntransitoriaecincodisposiciónsfinais.Nestanorma,paracorrexirasdesvantaxesqueprovocaaaludidaato-mización,oGobernofíxase“como un exe prioritario de actuación o impulso e fomento da integración cooperativa e asociativa, na convicción de que favo-recerá a competitividade, o redimensionamento, a modernización e a interna-cionalización”dasentidadesdosector,“no marco das reformas estructurais para millorar a economía e competitividade do país”.

2. o Contido pRopiAmente dito dA lei 13/2013OCapítuloI(“Disposicións xerais”)establece,nosartigos1e2,oobxeto,

oámbitodeaplicacióneosfinsdaLei.Respectodoprimeiro,sinalaoartigo1,apartadoprimeiro,queomesmoconsistiráen“fomentar a fusión ou inte-gración das cooperativas agroalimentarias e doutras entidades de natureza asociativa mediante a constitución ou a ampliación de entidades asociati-vas de ámbito supra-autonómico”,instrumentando,noseucaso,asmedidasnecesariasparaobteruntamañoadecuadoquellespermitaalcanzarosfinsdescritosnaLei,quelogoveremos.

O apartado segundo destemesmo artigo dispón que aLei será de apli-caciónásentidadesasociativasagroalimentariascalificadasdeprioritarias,aaquelasentidadesasociativasqueasintegran,noseucaso,asícomoaospro-ductoresindividuais,xasexanpersoasfísicasouxurídicas,queformanpartedasmesmas.

AosefectosdaLei,seránentidadesasociativas“as sociedades cooperati-vas, as cooperativas de segundo grao, os grupos cooperativos, as sociedades agrarias de transformación, as organizacións de productores con persona-lidade xurídica propia, recoñecidas de acordo ca normativa comunitaria no ámbito da Política Agraria Común e as entidades civís ou mercantís, sempre que máis do cincoenta por cento do seu capital social perteneza a sociedades cooperativas, a organizacións de productores ou a sociedades agrarias de transformación. No caso de que estas entidades económicas teñan a forma de sociedade anónima, as súas accións deberán ser nominativas”(apartadoterceirodoartigo1).

Poloquefaiaos“fins”cuiaconsecuciónpretendeaLei,oartigo2apuntaosseguintes:a)Fomentaraagrupacióndosprimeiroseslabónsqueconformanacadeaalimentaria,medianteafusiónouintegracióndasentidadesasociati-vas,conobxetodefavoreceroseuredimensionamento,millorarasúacom-petitividadeecontribuirápostaenvalordassúasproduccións;b)millorara

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99Cabello López: A lei de fomento da integración de cooperativas e doutras entidades…

formacióndos responsablesnagobernanzaexestióndeditasentidades, enespecialnasnovasferramentaseinstrumentosdexestión;c)contribuirámil-loradarentadosproductoresagrarios integradosnasentidadesasociativas;ed)favoreceraintegracióndosproductoresenentidadesasociativaspriori-tarias,asícomoencalqueradasentidadesasociativasprevistasnoapartadoterceirodoartigo1,xaapuntado,afindemillorarasúaposiciónnomercadoeasúaparticipaciónnoprocesodevalorizaciónecomercializacióndosseusproductos.

Comaélóxico,asmedidasquesearbitrenparaalcanzarosfinssinalados“se exercitarán de conformidade co Dereito Comunitario que resulte de apli-cación, en particular á normativa de axudas públicas,e cas normas e princi-pios recollidos na Lei 15/2007, de 3 de xullo, de Defensa da Competencia”(apartadosegundodoartigo2).

Oartigo3,únicoqueintegraoCapítuloII(”Entidades asociativas prio-ritarias”), no seu apartado primeiro, enumera unha serie de requisitos, enconcretocinco,paraqueunhaentidadeasociativapoda teraconsideracióndeprioritaria:a)Serentidadeasociativaagroalimentariadasdispotasnoxacitadoapartadoterceirodoartigo1;b)terimplantacióneunámbitodeactua-cióndecaráctersupra-autonómico;c) levaracaboacomercializacióncon-xuntadatotalidadedaproduccióndasentidadesasociativasedosproductoresqueascompoñen;d)queafacturacióndaentidadeasociativasolicitante,ouasumadasfacturaciónsdasentidadesquesefusionanouintegran,alcance,alomenos, a cantidade que se determine regulamentariamente; e) constarexpresamentenos estatutosoudisposicións reguladoras correspondentes ásdistintasentidadesquecompoñenaentidadeasociativaprioritaria,asícomonos de esta entidade, a obriga dos productores de entregar a totalidade dasúaproducción,paraasúacomercializaciónencomún;ef)osestatutosoudisposiciónsreguladorasdaentidadeasociativaprioritariaedasentidadesqueaintegrandeberáncontemplarasnecesariasprevisiónsparagarantiraosseusproductoresasociadosocontroldemocráticodoseufuncionamentoedassúasdecisións,asícomoparaevitaraposicióndedominiodunouvariosdosseusmembros.

Continúaoapartadosegundosinalandoque“a solicitude da entidade inte-resada, o Ministerio de Agricultura, Alimentación e Medio Ambiente proce-derá ao recoñecemento da entidade asociativa prioritaria, conforme ao pro-cedemento que se estableza regulamentariamente”.Asentidadesasociativasagroalimentariasrecoñecidascomoprioritarias,asentidadesqueasintegreneosproductoresqueformenpartedasmesmas,quenoncumprancosrequisitos

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100 Cabello López: A lei de fomento da integración de cooperativas e doutras entidades…

esixidosparamanterasúacondición,nonpoderánbeneficiarsedasaxudasebeneficiosprevistosnasnormasreguladorasdasúaconcesión.Taménregula-mentariamentesedeterminaráaformaecondiciónsnaquesedebaacreditaromanteñemento dos requisitos e as consecuencias da súa perda (apartadoterceirodoartigo3).

Tendoencontaque,encalquercaso,seríaconvinteincluirunréximetran-sitorioparaoscasosnosqueasentidadessociasdunhaentidadeasociativaprioritaria nonmanteñan o principio de exclusividade nas súas entregas, oLexisladortenintroducidonaLeiunhadisposicióntransitoriaúnicaaoefecto[“Réxime transitorio do artigo 3.1 c)”]: “Regulamentariamente se estable-cerá un período transitorio a efectos de cumprir o previsto no apartado c) do artigo 3.1 desta Lei, para as entidades asociativas que non cumpran co previsto no mesmo, no momento da solicitude do seu recoñecemento e inscrip-ción no Rexistro Nacional de Entidades Asociativas Prioritarias”.

Si transcorridoditoperíodocontinúahabendoentidadesasociativasquenonentreganatotalidadedasúaproduccióncomercializableáEntidadeAso-ciativaPrioritarianaqueestánintegradas,“ditas entidades e os socios que as compoñen perderán os beneficios que poideran corresponderlles en aplica-ción do establecido no Capítulo III(quevemosacontinuación)”.

Asimesmo,aEntidadeAsociativaPrioritariadeberásometerseaunnovoprocedemento de recoñecemento para determinar que, contando exclusiva-mentecasentidadesquesíentreganatotalidadedasúaproducción,cumpreoconxuntodecondiciónsestablecidasnoantesmencionadoartigo3.Nocasodequeestascondiciónsnonsecumpran,ditaEntidadeperderáacondicióndeprioritaria.

OCapítulo III (“Axudas e beneficios previstos”), que consta dun únicoartigo,o4,refíreseásaxudasebeneficiosprevistosanteasdiferentessitua-ciónsdepreferenciatantodasentidadesasociativasresultantescomodasqueasintegraneoseusproductores.

Enconcreto,asentidadesasociativasrecoñecidascomoprioritariaspode-rán ter preferencia, de acordo ca normativa especifica contida nas basesreguladorasdecadaconvocatoria,naconcesióndesubvenciónseaxudasenmateriadeinversiónsmateriaisouinmateriaisdestinadasamillorarosproce-dementosdexestiónecomercialización;noaccesoaactividadesformativasedecooperación;enmateriadeinternacionalización,depromociónedeI+D+i;no acceso ás liñas ICO de financiación preferente, que específicamente seestablezan,ououtrasdasquepoidanserbeneficiarias,asícomonasactuacións

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contempladasnosProgramasdeDesenroloRural,afavordacompetitividade,atransformacióneacomercialización;eencalesqueraoutrasqueparaestesmesmosfinssedeterminenregulamentariamente.

Polasúabanda,asentidadesasociativasintegradasenentidadesasociativasrecoñecidascomoprioritariaspoderánterpreferencia,deacordocanormativaespecificacontidanasbasesreguladorasdecadaconvocatoria,naconcesiónde subvencións e axudas enmateriade inversiónsmateriais ou inmateriaisdestinadasamillorarosprocedementosdexestiónetransformación;noaccesoaactividadesformativasedeasistenciatécnica;nascontrataciónsdepólizasquepoidanestablecerseparaestasentidadesnomarcodoSistemadeSegurosAgrariosCombinados;noaccesoaprogramasouactuaciónsenI+D+ieennovastecnologías,enfocadasespecíficamenteámilloradacompetitividade,atransformacióneacomercialización;ouencalesqueraoutrasqueparaestesmesmosfinssedeterminenregulamentariamente.

Noquefaiaosproductoresagrariosqueformenpartedeentidadesasocia-tivasprioritariasoudasentidadesasociativasqueascompoñen,poderánterpreferencia,dacordocanormativaespecíficacontidanasbasesreguladorasdecadaconvocatoria,naconcesióndesubvenciónseaxudasparamillorarasúacompetitividadeeorientarasúaproducciónaomercadonomarcodaentidadeasociativaprioritariadaqueformenparte,respectoaosproductosparaosquetensidorecoñecida;eencalesqueraoutrasqueparaestesmesmosfinsregula-mentariamentesedetermine.

Comaéobvio,acitadapreferenciaaestablecernanormativaespecíficacontidanasbasesreguladorasdecadaconvocatorianonpoderá tercarácterabsoluto.Taméndeberáquedargarantidonasbasesquenonexistirádiscrimi-naciónnoaccesoásaxudasesubvenciónsdestinadasásentidadeseproduc-tores,conindependenciadecalsexaaorganización,entidadeouasociaciónatravésdacalsexantramitadasouxestionadas.

OCapítuloIVdaLei13/2013(“Rexistro Nacional de Entidades Asocia-tivas Prioritarias”) tamén consta dun único artigo, o artigo 5.A través domesmosecreanoMinisteriodeAgricultura,AlimentacióneMedioAmbiente,adscritoáDirecciónXeraldaIndustriaAlimentaria,unRexistroNacionaldeEntidadesAsociativas Prioritarias, no que se inscribirán as entidades destanaturezarecoñecidasdacordocoestablecidonotextoqueanalizamosenoseufuturoregulamentodedesenrolo.

AsinscripciónsnesteRexistroserealizaránapeticióndaentidadeasocia-tivaprioritariaeunhavezcomprobadopoloMinisterioocumprimentodos

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requisitosestablecidos.Sendoasí,parecelógicoqueanormapreveaqueosresponsablesdasentidadesasociativasprioritariasvendránobrigadosacomu-nicaraoMinisteriooscambiosquepoideranafectarásúacondicióndeprio-ritariascandoseproduzan.Adicionalmente, concarácter anual,procederántaménaactualizararelacióndeproductoresqueformanpartedasmesmas.

Oartigo6completaporsísolooCapítuloV(“Financiación das xyudas e a colaboración das Comunidades Autónomas”).TrátasedunartigobrevequecomezapoñendodemanifestoqueasaxudasásqueserefireaLeipoderánserfinanciadaspolaAdministraciónXeraldoEstadoepolasdasComunidadesAutónomas.

Nestaidea,oMinisteriodeAgricultura,AlimentacióneMedioAmbientepresentaránaConferenciaSectorialquecorrespondaporrazóndamateriao“Plan Estatal de Integración Asociativa”,noqueseincluiránasactuaciónsedotaciónsprevistaspoloDepartamentoparaimpulsaraaplicacióndaProyectodeLey,asícomoasactuaciónsprevistas,nestemesmosenso,polasdistintasComunidadesAutónomas.Incluiráesteplanunbalancedoslogrosquevaianalcanzando.

3. A modifiCACión dA lexislACión CoopeRAtivA estAtAl

Paracontribuirafacilitardemodoparticularodesenrolodosectorcoope-rativoenEspaña,quenaactualidadepresentaunimportantepotencialeconó-micoconmáisdecenmilempleosdirectos,requírese,axuizodolexislador,unha importante ampliación dos seusfins e actividades, o que supónunharevisióndasúaregulaciónbásica,tantodeíndolesustantivacomofiscal.Estasmedidas,continúaoLexislador, faránposibleunmillordesenrolodas súasposibilidadesdexeracióndeemprego,paraocalanormativalegaldebeofre-cerllesaposibilidadedefacersecargodeactuaciónseservizosquerepercutanenbeneficiodoterritorioruraledasúapoblación,aomesmotempoquellespermitaampliaroseudesenroloempresarialaosefectosdeacadarunhamaiordimensión.

Conesteplantexamento,eatravésdasdisposiciónsderradeirassegundae terceira daLei 13/2013, se introducenmodificacións naLei 27/1999, de16dexullo,de“Cooperativas”(concretamente,en tresdosseusartigos),enaLei20/1990,de19dedecembro,“sobre réxime fiscal das Cooperativas”(soamenteenundosseusartigos).

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3.1. A modificación da Lei 27/1999, de “Cooperativas”, a través da disposición derradeira segunda.

AdisposiciónderradeirasegundadaLei13/2013modificaosartigos6,56e93daLeiEstataldeCooperativas.Noquerespectaaoartigo6(“Clases de cooperativas”),dáselleunhanovaredacción,incluindotaménunnovoapar-tado,osegundo.Enefecto,noseuapartadoprimeiro,queenumeraasdistintasclasesdesociedadescooperativasdeprimergrao,sesustitueeltermo“coope-rativas agrarias”polaexpresión“cooperativas agroalimentarias”;modifica-ciónéstaque,conformeáExposicióndeMotivosdaLeiquenosocupa,“faise extensiva a todos os casos en que apareza o nome de cooperativa agraria nos artigos da Lei 27/1999, de 16 de xullo”.

Nonovoapartadosegundosesinalaque“os Estatutos das cooperativas de segundo grao poderán calificar a éstas conforme á clasificación do apartado anterior, sempre que todas as cooperativas socias pertenezan á mesma clase, añadindo en tal caso a expresión «de segundo grao»”.

Con esta modificación persíguese o obxetivo, recoñecido polo propioLexisladorestatalnaExposicióndeMotivosdaLei13/2013,demilloraradefinición das clases de cooperativas agrarias na súa denominación actualparaadaptalasásúarealidadeeconómicaesocial,adaptaciónquetaménsepersiguerespectodascooperativasdesegundograo.

Polasúaparte,coobxetivodecontribuiráconsolidacióndasasociacio-nesdecooperativaseenrelacióncasaportaciónsaoFondodeEducaciónePromoción, semodificao apartado segundodoartigo56 (“Fondo de Edu-cación e Promoción”),permitiendoqueditasaportaciónsserealicenafavordauniónoufederacióndecooperativasnaqueestéasociadacadaconcretasociedadecooperativa,paraocumprimentodas funciónsqueaLexislaciónllesteñaencomendadasnamedidaenquesexancoincidentescaspropiasdeditosfondos.

Porúltimo,nanovaredaccióndoartigo93(“Obxeto e ámbito”dascoo-perativas agrarias, agora agroalimentarias) se incluen, dentro da definicióndecooperativaagroalimentaria,áspersoastitularesdeexplotaciónsagrícolas,ganadeirasouforestaisenréximedetitularidadecompartida.

Dentrodoseuobxeto,destácaseasúaimplantaciónouactuaciónnomediorural.Se incideno ámbitode actuaciónda cooperativa agroalimentaria, deformaque,ademáisde incidirnaactividadeespecíficamenteagraria, taménactúeenrazónásúaimplantaciónnomediorural,aotempoquesepuntualiza

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queasactividadesdacooperativaafectatantoaosseusproductos,comoaosdosseussocios.

A maiores resáltase a actuación das cooperativas agroalimentarias noentornoterritorialesocialpropiodasúaubicación,diversificandoasúaactivi-dadeenbeneficiodosseushabitantestantosocioscomaterceirosnonsocios.Respectodasactividadesquepoderándesenrolarseaclaraoréximedeopera-ciónsconterceiros,dispoñendoqueovolumedestasnonsupereocincoentaporcentodototaldasqueprocedandasexplotaciónsdapropiacooperativaedasdosseussocios.

3.2. A modificación da Lei 20/1990, de “Réxime Fiscal das Coopera-tivas”, a través da disposición derradeira terceira.

AdisposiciónderradeiraterceiradaLeiquenosocupamodificaoapartadoprimeiro,easletrasa)yb)doapartadosegundo,ambosdoartigo9daLei20/1990(“Cooperativas agrarias”,antes,“Cooperativas agroalimentarias”,agora).Enconcreto,nomomentodeestablecerosrequisitosnecesariosqueteñenquereunirasCooperativasAgroalimentariasparaconsiderarseespecial-menteprotexidas,elimínasea referenciaácondicióndepersoas físicasdostitularesdeexplotaciónsagrícolas,forestais,ganaderasoumixtas,suprimín-dose,asimesmo,oparágrafosegundodoreferidoapartadoprimeiroquefacíareferenciaáposibilidadede ser sociosdeoutro tipodeentes (cooperativasagrarias–agroalimentarias-edeexplotacióncomunitariadaterraprotexidas,sociedades agrarias de transformación, entes públicos, sociedades en cuiocapitalparticipenmaioritariamenteosentespúblicosecomunidadesdebensedereitos,integradas,exclusivamente,porpersoasfísicas).

Ademáis, esíxese que as CooperativasAgroalimentarias na realizacióndassúasactividadesagrariasrespetenosseguinteslímites:a)Queasmate-rias, productos ou servizos adquiridos, arrendados, elaborados, producidos,realizados ou fabricados por calquer procedimentopola cooperativa, sexandestinadosexclusivamenteássúaspropiasinstalaciónsouásexplotaciónsdosseussocios(noobstante,poderánsercedidosaterceirosnonsociossemprequeasúacuantía,durantecadaexercicioeconómico,nonsupereocincuentaporcentodototaldasoperaciónsdeventarealizadaspolacooperativa);eb)quenonseconserven,tipifiquen,manipulen,transformen,transporten,distri-buanoucomercialicenproductosprocedentesdoutrasexplotacións,similaisaosdasexplotaciónsdaCooperativaoudosseussocios,encuantíasuperior,

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durantecadaexercicioeconómico,aocincuentaporcentodoimporteobtidopolosproductospropios.

4. oUtRAs disposiCiónsMencionadaxaaexistenciadunhadisposicióntransitoriaúnica,nonpode

rematarseocomentariosenapuntar,alomenosesquemáticamente,ocontidoda disposición adicional única e o das disposicións derradeiras primeira,cuartaequinta.

Poloquefaiaprimeira,contemplaamesmaqueoGobernopresentaráoprimeiroPlanEstataldeIntegraciónAsociativanoprazodeseismesesacon-tardendeaentradaenvigordaLei13/2013.Adisposiciónderradeiraprimeiraaludeaotítulocompetencialacuioamparosedictaanorma,enconcreto,aoartigo149,apartadoprimeiro,puntos13ª.e14ª.daConstitución;adisposiciónderradeiracuartaestableceunhaprohibicióndeincrementodegastoderivadodaaplicacióndeLei;e,xapararematar,adisposiciónderradeiraquintahabi-litaaoGobernoadictarcantasdisposiciónssexanprecisasparaodesenroloeaplicacióndaLei.

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107Izquierdo Alonso: Baixa voluntaria: non acumulación das deducción feitas na liquidación ao…

Cooperativismo e Economía Social, nº 35 (2012-2013), pp. 107-117

bAixA volUntARiA: non ACUmUlACión dAs dedUCCión feitAs nA liQUidACión Ao soCio poR

inCUmpRimento do peRiodo de peRmAnenCiA CoAs RelAtivAs Ao inCUmpRimento do CompRomiso

de non CAUsAR bAixA volUntARiA dURAnte A vixenCiA dUn pRogRAmA opeRAtivo

Anotacion á sentenza do tribunal suprmo (sección 1ª) núm. 575/2012 de 10 de outubro. ponente: excmo. sr. d. ignacio sancho gargallo

XacoboIZQUIERDOALONSO

Resumo

OT.S.resolveorecursodecasaciónformuladocontraasentenzadaA.P.deMurciadictadaengraodeapelación,comaconsecuenciadoxuizoordina-rioseguidoenprimeirainstanciaanteoXulgadodoMercantilnº1deMurcia.

Na parte dosANTECEDENTES, comenza por expoñerse que o litixiocomenzacoademandainterpostaporvariossociosdasociedadecooperativaLaVegadeCieza,S.C.A.contraéstamesmacoasseguintespretensións:

1,declareanulidadedosacordosadoptadospolaAsembleade6demaiode2008,deratificacióndasresolucionsdoConselloRectorsobreacualifica-ciónedeterminacióndosefectosdasbaixasdosdemandantes,e,xaquelogo:

2, declare que as baixas causadas polos socios teñen a cualificación dexustificadas,coaconsecuenciadequealiquidacióndassúasachegasaocapi-talsocial,debeserealizarsegundobalancedepechedoexercicio2007,condeduccióndasperdas imputabeis ao socio, reflectidasnobalancedepechedoexercicionoqueseproduzaabaixa,xacorrespondanaoditoexerciciooveñandoutrosanterioreseesteansencompensar,esenqueprocedadeducciónningunamais.

Izquierdo Alonso: Baixa voluntaria: non acumulación das deducción feitas na liquidación ao…

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Subsidiariamente,aindaparaosupostodesemanteracualificacióndasbaixascomanonxustificadas,declare:

Respectode todo-losacordos,quenonprocedeadeduccióndedanoseprexuizos causados á Cooperativa como consecuencia de solicita-la baixaduranteavixenciadoProgramaOperativo.

Respectodosacordosqueafectanadeterminadossocios,quenonprocedeadeduccióndo30%sobreoimporteresultantedaliquidacióndasaportaciónsobrigatoriasporincumplimentodoperiodomínimodepermanencia.

Respectodosacordosqueafectanaosditossociosemaisoutros,quenonprocedeadeduccióndoimportedeposiblessanciónsquepoideranseimpoñeraesesocioataadatadeefectosdabaixa.

Naprimeira instancia,oXulgadodoMercantildictousentenzadesesti-mandooesencialdademandaedeclaraválidososacordosimpugnados,agásosqueafectanadetermiñadossocios,enrelaciónádeduccióndoimportedasposiblessanciónsquepuideranseimponer.

Enapelación,aAudienciadictousentenzadesestimandoorecursodeape-lacióneconfirmandoíntegramenteadoXulgado.

Porautodedata18dexaneirode2001aSaladeTSadmitiuosmotivosprimeiro(infraccióndoart.32.3daLei8/2006deCooperativasdaRexióndeMurcia)segundo(infraccióndoart.32.3damesmalei)equinto(infracciónporincorrectaaplicacióndoart.71darepetidaleiedoart.51dosEstatutosdaCooperativa)dorecursodecasación,rexeitandoasinfracciónsalegadasnosmotivosterceiroecuarto.

NosFUNDAMENTOSDEDEREITOexponseconsideraciónsquesiguen.

A)ASentenzacomentadacomezanesteapartadoporfacerunresumodosantecedentessegundoseexponacontinuación.

Enrelaciónaosfeitosnoncontrovertidosdisqueosactoreseran14sociosdaSociedadeCooperativa“LaVegadeCieza”,suxeitaálei8/2006deSocie-dadesCooperativasdeMurcia,quepresentarananteaCooperativacadansúassolicitudesdebaixavoluntariao22deoutubrode2007.

OConselloRectorresolveusobreasditassolicitudesodía27dedecembrode2007,cualificandoestasbaixasde“voluntariasenonxustificadas”.E,xaquelogo,acordoualiquidacióndasachegasdecadaundossociossegundoobalancedepechedoexercicio2007,coasseguintesdeduccións:

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1,asperdasimputablesaossocios;

2,oimportedosdanoseprexuizoscausadosáCooperativaporterensolici-tadaabaixaduranteavixenciadoprogramaoperativo,nalgúnscasos;

3,afixadaestatutariamentedun30%doimporteresultantedaliquidacióndasachegasobrigatoriaspor incumprimentodoperíodomínimodeperma-nencia;

4,nalgúnscasos,oimportedasposiblessanciónsquepuideranseimponerpoloexpedientesancionadorabertoádeterminadossociosataadatadeefec-tosdabaixa.

O15defebrerode2008,estes14sociosapresentaroncadanseusrecursoscontraasditasresoluciónanteaAsembleaXeral,sendoporéstadesestimadosnasúasesiónde6demaiode2008.

Na súa demanda, os actores pediron, no primeiro lugar, a nulidade dosacordosadoptadosnaAsembleade6demaiode2008,queratificaronasreso-lucióndoConselloRectorde27dedecembrode2007.

Osmotivosdenulidadeinvocadosforon:

1.Ononrespetoaoprocedementodepreavisoprevistonoart.32.2.c)daLeideCooperativas,que se remiteaoart.30.6,porqueos recursosnonseresolveronnaprimeiraxuntanzadaAsemblea,quetivolugaro6demarzode2008.

2.EnrelaciónaosocioAlfonso,aresolucióndoConselloRectorde27dedecembrode2007nonrespetouoprocedementodoart.30.3daLeideCoo-perativas,poisdesdequesolicitouabaixa(22deoutubrode2007)ataquesellenotificouaresolución(25dexaneirode2008)pasaronmaisdetresmeses,plazomáximoestablecidonaLeiparaaformalizacióndabaixasolicitada.

3.Osafectadospola resolución recurridanon foroncitadosáAsembleado6demaiode2008,naqueseadoptaronosacordos impugnados,equeáAsemblea privouselle do coñecemento completo das resolución que eranobxetodorecurso.

Subsidiariamente,paraocasonoquenonseacordaraanulidade,osacto-respedían:

1.QuenonseaplicaraadeduccióndedanoseprexuizoscausadosáCoo-perativacomaconsecuenciadetersidosolicitadaabaixaduranteavixenciadoProgramaOperativo.

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2.Que,en relaciónadeterminadossociosnonsefixeraadeduccióndo30%sobreoimporteresultantedaliquidacióndasachegasobrigatoriasporincumprimentodoperiodomínimodepermanencia.

3.Que en relación a determinados socios non procedía a deducción doimportedeposiblessanciónsquesepuideranimponeraditossociosataadatadeefectosdabaixa.

Assentenzasdaprimeirainstanciaedaapelacióndesestimaronapreten-sión principal de nulidade do acordó daAsemblea de 6 demaio de 2008.Dospedimentossubsidiarios,desestimaronosdousprimeiroseestimaronoterceiro.

Doscincomotivosdecasacióninvocados,admitironsetres:

Primeiromotivo (relativo á pretensión principal de nulidade do acordoimpugnado):denunciaa infraccióndoart.32.3daLei8/2006deCoopera-tivasdaRexióndeMurciaqueseremiteaoart.30.6damesma),porque“osrecursos interpostos por todolos socios actores que causaronbaixas, fronteasiniciaisresolucióndecualificacióndasmesmaspoloConselloRector,nonforoncoñecidos,nindebidamentetratadoseresoltospolaAsembleaXeraldaCooperativaqueeraquentiñaaobrigaderesolver”.

Segundomotivo (relativo á pretensión principal de nulidade do acordóimpugnado):baseasenainfraccióndoart.32.3daLei8/2006deCooperativasdaRexióndeMurciaporque, en relación coprazo legal de resolucióndosrecursosporpartedaAsembleaXeral,acitadanormaimponamáximacele-ridadenotratamentodosrecursosdossocioseporeloexixeoseutratamentonaprimeiraxuntanza,senprexuizodeque,ademáis,impoñaunprazomáximodeseismesesparaesaprimeiraxuntanza.Omotivodenunciaainfraccióndoprecepto pola sentenza recurrida porque os recursos non foron resoltos naprimeiraxuntanza,ade6demarzode2008,senónnaseguintede6demaiode2008.

Quinto motivo (sobre a incompatibilidade das deduccións impostas naliquidación das achegas iniciais dos socios que se deron de baixa): funda-mentasenainfraccióndoart.71daLei8/2006deCooperativasdaRexióndeMurciaedoart.51dosEstatutosdaCooperativa,comaconsecuenciadeteradmitidoacompatibilidadedasduasdeducciónspracticadasaossocios,queteñenasuabasenomesmofeito,oincumprimentodoprazodepermanencia.O art. 71daLei deCooperativas estableceque a deducciónpor incumpli-mentodoperíododepermanenciamínimononpodesersuperiorao30%que

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éaqueestableceoart.51dosEstatutos.Segundoorecurso,estanormativanonpermitequeademáissepoidaimponerunhaindemnizaciónpolosdanoseprexuizoscausadospoloincumprimentodoprazodepermanenciamínimo.

B)Impugnacióndosacordosdecualificacióndasbaixasvoluntariassoli-citadas.

Seguindoaordequeentendecomamaislóxica,oTScomenzapolaanálisedosegundomotivodecasación:infraccióndoart.32.3daLei8/2006deCoo-perativasdeMurcia,enrelacióncoprazolegalderesolucióndosrecursosporpartedaAsembleaXeral,porquenestecaso,osrecursosnonforonresoltosnaprimeirareunión,ade6demarzode2008,senonnaseguintede6demaiode2008.

Desestimaseomotivo:interpretandoaconxunción“o”dopreceptocitado,envezdaconxunción“y”,seguidadoadverbio“entodocaso”,aSalaentendeque:1,orecursodebeseresolvernaprimeiraxuntaounoutracelebradadrentodosseismesesdendearecepcióndorecurso;2,necesariamente,taméncandooptasepolaprimeiraxuntanza,debesefacerdentrodoprazodeseismeses.

O primeiro motivo de casación denuncia a infracción dos arts. 30.6 e32.3.c)daLei8/2006,porquenaxuntanzanaquesedesestimaronosrecursosdossociosdemandantefronteasresolucióndecualificacióndebaixasrealiza-dasinicialmentepoloConselloRectoracuestiónnonfoidebidamentetratadae resolta.

Desestímaseomotivo:conélnonsenoncuestionatantoainterpretacióndanormalegalporpartedasentenzarecurrida,comaavaloracióndaprobaquerealizaacercadeseosasistentesáxuntanzaforondabondoinformadosdacuestiónesefoipermitidaasúadeliberación.Éunhacuestiónfácticaqueficoufixadanainstancia,poisasentenzadeapelaciónexpresamenteconclúe,despoisdevaloraraprobadetestemuñaspracticadaeosdocumentosaporta-dosaosautos,que“ossociosrecibironpuntualinformaciónsobreaordedodíadaditaAsemblea”edocontidodosrecursos“benpolasualecturaoubenmedianteasúaentregamaterial”.

C)Impugnacióndosefectosconseguintesácualificacióndasbaixasnonxustificadas.

No quintomotivo de casación o que se cuestiona respecto aos efectossancionados pola sentenza recurrida, derivados da cualificación de baixavoluntarianonxustificada,éaacumulación,nalgúnscasos,dadeducciónporincumprimentodoperíododepermanenciamínimo(fixadaestatutariamente

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nun30%)eadeduccióncorrespondenteaoincumprimentodocompromisodepermancenciaduranteavixenciadoProgramaOperativo.

Noart.71.2.apartadob)daLeideCooperativasdeMurciadísequenoscasosdebaixanonxustificadaporincumprimentodoperíododepermanenciamínimo a que se fai referencia no art. 30.2 damesmaLey, poderáse esta-blecerunhadeducciónsobreoimporteresultantedaliquidacióndasachegasobrigatorias,unhavezefectuadososaxustessinaladosnopuntoanteriordomesmoprecepto.EdítaménqueosEstatutossociaisfixaránunhaporcentaxeadeducir,senqueéstepoidasuperarotrintaporcento.

ASala non entra a considerar a procedencia da aplicación desta últimadeducción por incumprimento do período de permanencia mínima, que oartigo51dosEstatutosdaCooperativadeautosfixannun30%,facendousodaporcentaxepermitidapolaLei.

Oquesediscuteéque,respectodetressocios,poidaseacumularáante-riordeduciónporincumprimentodoperíodomínimodepermanencia,unhaoutradeducciónpolosdanoseprexuizosocasionadoscoincumprimentodocompromisodenoncausarbaixaduranteávixenciadoProgramaOperativo2007/2010,aprobadopolaConselleríadeAgricultura.

Oart.9.2.d)dosEstatutosvencellaocompromisodepermanenciaaunperíodomínimode tres anos e ao tempoquedure unProgramaOperativoaprobado,quenonpoderá superior a cinco anos.Enbase a eseprecepto eoutrosdosmesmosEstatutos,aSalaentendequeapendenciadoProgramaOperativoo que fai é complementar o prazodepermanencia de tres anos,dexeitoqueávistadoestablecidonoart.71.2daLeideCooperativas,nonxustificaaaplicacióndeoutradeduccióndistintadaque,ataolímitedo30%prevéoapartadob):estepreceptotratadegarantirunlímitedededucciónporinfraccióndoperíododepermanenciadosocioquesolicitaabaixavolunta-ria,aomarxedesiocompromisodepermanenciaéxeral,de tresanos,ouparticular e relacionado cun ProgramaOperativo.Deducción que pretendecompensaráCooperativadosposiblesprexuizosderivadodoincumprimentododeberdepermanencia.

Polodito,oTribunalSupremocasaparcialmentea sentenza recurridaedeclara a improcedencia de imponer a determinados socios, ao practicar aliquidacióndassúasachegas,unhadeducciónespecialporincumprimentodocompromisodepermanenciaduranteavixenciadoProgramaOperativo,com-plementariaádeducciónlegalporincumprimentodoperíododepermanenciamínimo,queestatutariamentesefixanomáximolegaldo30%.

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AnotACión

Ocernedo litixioque se resolveencasaciónéoda admisibilidade,nocasodebaixavoluntarianonxustificada,daacumulacióndasdeducciónsporincumprimentodoperíododepermanenciamínimoeporincumprimentodocompromisodepermanenciamínimoduranteavixenciadunProgramaOpe-rativo,segundooprevistosnosEstatutosdecooperativadalitis.

Oprincipiocooperativode libreadhesiónoude“portasabertas”1 suponqueascooperativassonentidadesorganizativasbasadasnavoluntariedadenasúaafiliación,dexeitoqueapertenzaaunhadestassociedadesdebederivardunhalibredecisióntomadapolapersoaindividualquedesexapertenceraelaenomarcoundeterminadoréximelegaleestatutario.Domesmoxeito,eainversa,oditoprincipioimplicaaposibilidadedodesvencellamentodosocioda cooperativa, deixandode pertencer a ela, para o que deberá cumplir osrequerimentosque,aorespectodeterminenaleieosestatutos.

Peronabaixadosocio,aindaquepodeevocardalgunhamaneiraoexer-cizododereitodeseparaciónqueserecoñece,endeterminadoscasosprevis-toslegalmente2,existencertosmaticespeculiares:nasociedadecooperativa,enefecto,abaixapodedependernunscasos,enexclusivadalibrevontadedosocioe,noutrascircunstancias,a talbaixapode levaracualificaciónde“forzosa”.

Temos así que a baixa do socio nas sociedades cooperativas pode servoluntariaeforzosa,puidendoseproducir,noprimeirocasoabaixavoluntariaensentidoestricto,naqueosociononinvocaríacausaalgunaparaoexercizodoseudereito,debendorespeitar,únicamente,oscondicionamentoslegaisdeordeformaesixidospolalei,comaodecumplircoprazodepreavisoaoCon-sello Reitor3.Pero,ademáis,débeseconsideraroutrotipodebaixavoluntaria,

1 - Principio de libre adhesión: as cooperativas son organizacións voluntarias,abertas para todas aquelas persoas dispostas a utiliza-los seus servizos e dispostasaaceptarasresponsabilidadesqueconlevaacondicióndesocios,sndiscriminacióndexénero,raza,clasesocial,posiciónpolíticaourelixiosa(PrincipioscooperativosaprobadospoloCongresodaAlianzaCooperativaInternacional,ACI,enManchester,el23deseptiembrede1995).

2 - Por exemplo, a substitución omodificación sustancial do obxeto social nassociedadesdecapital,configúrasecomaunhacausalegaldeseparación:art.346.1.a)daLSC.

3 -ALCG(art.20.1.párr.prim.)estableceque“O socio poderá darse de baixa

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abaixa“xustificada”queconfigurasecomaaposibilidadequeselleoutorgaaosociodereaccionarfronteacertasdecisiónsociaiscoasqueamoseasúadisconformidade:éestaunhafiguraquemanifestaevidentesanaloxíascoadorecoñecementodo“dereitodeseparacióndosocio”nassociedadesdecapital4 (expresión ésta tamén utlizada na propia lei de cooperativas estatal –art.11.3-aoestablecerquecandoamodificaciónconsistanocambiodeclasedecooperativa,ossociosquenonvotaranafavordoacordo,“tendránderechoasepararsedelasociedad”).

Polasúaparte,asbaixasobrigatoriasproduciransecandoosociodeixedereunirosrequisitosqueaLeiouosEstatutosdacooperativaesixanparaman-teratalcondición.Nestescasos,adeclaracióndebaixadeberárevestirsedecertasgarantías,esixíndoseaorespectooacordódoórganodeadministraciónoupoloConselloRector5.

Producidaabaixadosocioxurdeodereitoaoreintegrodassúasachegas,tendooseurecoñecementounsentidotuitivodosocioepuidendoasúaregu-lamentaciónreforzaroudebilitaroprincipiocooperativodeportasabertas6. Nonépoisodereitoaoreembolsoundereitoesencialánaturezadassocie-dadescooperativas,xaqueoditoprincipiode libreentradae saídapódese

voluntariamente na cooperativa en calquera momento, mediante preaviso por escrito ó órgano de administración. O prazo de preaviso que fixarán os estatutos non poderá ser superios a un ano”.

4 -Así,ocurrenossupostosdequeaAsembleaXeraladopteunacordóqueimpliqueaasuncióndeobrigasoucargasgravementeonerosasnonprevistasnosEstatutos(art.17.4daLCeart.20.3.a)daLCG),semprequeosociodisconformesalvaseoseuvotoe/oumanifestaseaditadisconformidadeporescrito.Outrossupostosquepoderíandarlugarábaixaxustificada,atítulodeexemploesenpretensióndeexhaustividad:modificacióndoobxetosocial,agravamentodaparticipacióndossociosnasociedade,ampliacióndotempomínimodepermanencianamesma,etc.

5 -Art. 20.4, LCG: “Cesará obrigatoriamente o socio que perda os requisitos esixidos para adquiri-la dita condición./ A baixa obrigatoria será acordada polo órgano de administración, de oficio, por petición de calquera socio ou do interesado, en todo caso logo de audiencia del./ A baixa obrigatoria terá a consideración de non xustificada cando a perda dos requisitos para adquiri-la condición de socio responda a un deliberado propósito do socio de eludir obras ante a cooperativa ou beneficiarse indebidamente coa súa baixa obrigatoria”.

6 -Morillas Jarillo,M.J.,Cursodecooperativas,2ª edición,Madrid,Tecnos,p.204.

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desenvolveraomarxedorecoñecementododereitosinalado,admitindoéste,dendeunpuntodevistateórico,múltiplesmatices7

Acualificacióndunhabaixacomaobrigatoriaoucomanonxustificadavaiproducirefectossobreodereitodereembolsodosocio,xaqueentónaplica-ríanseademáisunhasdeducciónspenalizadoras.Criterioque,ademáishaberáquecombinar,nointredeprocederásditasdeducciónscocaráctervoluntarioouobrigatoriodasachegas8.

Acalificacióndabaixacomaxustificadaounonxustificadacorrespondeao Consello Rector9.

Ascausaslegaisquedanlugarábaixaxustificadaestántratadasdeformadispersa na lexislación cooperativa (tanto estatal comodasdistintas comu-nidadesautónomas).Unhaposibleclasificacióndasditascausasquepodendarlugaraunhabaixaxustificadaéaquesegue10:1,adisconformidadeconcalisqueracordodaAsembleaxeralque impliqueaasuncióndeobrigasoucargasgravementeonerosasnonprevistasinicialmentenosestatutos;2,cam-biodeclasedacooperativa;3,modificacióndoobxetosocial;4,prórrogadasociedadeconstituidaportempodeterminado;5,agravamentodoréximederesponsabilidade dos socios ou cambio de réxime de responsabilidade dossocios;6,agravamentodaparticipacióndossociosnaactividadecooperati-

7 -Gadea,E.,Sacristán,F.,VargasVasserot,C.:“Régimenjurídicodelasociedadcooperativa del siglo XXI. Realidad actual y propuestas de reforma”, Madrid,Dyknson,2009,p.385.

8 -“Os estatutos regularán o dereito das persoas socias ao reembolso das súas achegas ao capital social no caso de baixa. A liquidación destas achegas farase polo seu valor nominal segundo o balance de pechamento do exercicio no que se produza a baixa. Pódense establecer deducións sobre todas as cantidades rembolsables polos conceptos de achegas obrigatorias, o retorno cooperativo ao que, se é o caso, teñan dereito e fondos de reserva repartibles que, se é o caso, poidan corresponderlles, que non serán superiores ao 30% no caso de expulsión ni nao 20% no caso de baixa non xustificada… No caso de baixa xustificada, non procederá ningunha deducción. En ningún caso se poderán aplicar deducións sobre as achegas voluntarias”(art.64.1LCG).

9 -NaLCGáreferenciaéao“órgano de administración”(art.20.5).EnaLCdíseque“la calificación y determinación de los efectos de la baja será competencia del Consejo Rector…(art.17.2,LC).

10 -MorillasJarillo,M.J.,Cursodecooperativas,cit.,pp.206ess.

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116 Izquierdo Alonso: Baixa voluntaria: non acumulación das deducción feitas na liquidación ao…

vizada;7,ampliacióndotempomínimodepermanenciadossocios;8,muta-ciónsestructurais.

En relación ás referidas causas de baixa xustificada, tipificadas legal oestatutariamente, cabería seprantexar a cuestiónde se aquelas constituirennumerusclaususoucaberíaaadmisiónpolosórganosdeadministracióndacooperativadocarácterxustificadodabaixadunsociononfundamentadonaleiounosestatutos,cuestiónestaabertapornonseamosardunxeitoclaroánaturezapechadadastalescausas.

Aregulamentacióndossupostosdebaixainxustificadaconstitúeuncertolímiteálibertadedesaídadosociodacooperativa,aíndaquearemisiónquedendeonivellexislativosefaiaosestatutospermiteáadaptacióndoréximede entradas e saídas ás concretas circunstancias económicas da sociedade,amolecendoasnegativasrepercusiónsqueasbaixasdossociospodenternasociedadedendeaperspectivaeconómicoempresarial11.

Confíguraseasíabaixainxustificadacomoaquelaqueseproducecandosedaoincumprimentodoperíododepermanenciamínimafixadonosestatu-tos,agásnaquelessupostosnosqueconcurrise–dentrododitoperíodo-unhacausadexustificacióndabaixavoluntaria,tantolegalcomaestatutariaouasífosedeterminadopoloConselloRector12.

11 - Noart.30.2daLey8/2006deCooperativasdeMurcia,establécesenoseuprimeiropárrafo:“los Estatutos sociales podrán establecer el compromiso del socio de no darse de baja voluntariamente, sin causa que califique la misma de justificada, hasta el final del ejercicio económico en que quiera causar baja o hasta que haya transcurrido, desde su admisión, el tiempo que fijen los Estatutos sociales, que no será superior a cinco años”.Entermossimilares,aLC,noart.17.3:“Los Estatutos podrán exigir el compromiso del socio de no darse de baja voluntariamente, sin causa que califique la misma de justificada hasta el final del ejercicio económico en que quieran causar baja o hasta que haya transcurrido, desde su admisión, el tiempo que fijen los Estatutos, que no será superior a cinco años”.NaLei5/1998,de18decembro,decooperativasdeGalicia,oart.20.2pronunciaseentermossemellantes,aíndaqueolímitetemporaldentrodoqueosEstatutospodenesixi-locompromisodosociodenoncausarbaixa,sexadedezanos.

12 - PulgarEzquerra, Juana: “Lapérdidade la condiciónde socioenelmarcocooperativo:subajayexpulsión”,en“EstudiosdeDerechoMercantil.EnmemoriadelProfesorAníbalSánchezAndrés”,SáenzGarcíaAlbizu,J.C.etalt.,coordinadores,Madrid,CizurMenor,ThomsonReuters,2012,p.1059.

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117Izquierdo Alonso: Baixa voluntaria: non acumulación das deducción feitas na liquidación ao…

Abaixanonxustificadadalugaraquenadevolucióndasachegasseteñanqueefectuardeterminadasdeducciónssobreoimporteresultantedaliquida-ción dasmesmas13, o que ten un tratamento legal con distintosmatices nanormativa cooperativa.

Naleimurciana,queéanormaaplicablealitisdasentenciaanotada,esta-blécesequenoscasosdebaixanonxustificadaporincumprimentodeperíododepermanenciamínimoáquesefaireferencianoartículo30.2damesmalei,“sepodráestablecerunadeducciónsobreelimporteresultantedelaliquida-cióndelasaportacionesobligatorias,unavezefectuadoslosajustesseñaladosenelpuntoanterior.LosEstatutossocialesfijaránunporcentajeadeducir,sinqueéstepuedasuperareltreintaporciento”14.EntermossemellantesaLeiestataldecooperativas15.Aleigalegadecooperativas16,despoisdeprecisarquea liquidacióndasachegas farase segundoobalancedepechamentodoexercicionoqueseproduzaabaixa,admitequeseestablezcandeducciónstansósobreasachegasobrigatorias,“quenonseránsuperioresó30%nocasodeexpulsión,ninó20%nocasodebaixanonxustificada.Nocasodebaixaxustificada,nonprocederáningunadeducción”.

Vemosasíqueanormativaqueseexponseconsideradexeito taxativounlímiteásdeducciónsquesepodenprácticasnocasodebaixaxustificadaequeseconcretaránoplanoestatutario.Normaquetenunmarcadocarácterprotectordosinteresesdosociopoloque,acertadamente,asentenciaanotadadeclaraaimprocedenciadeaplicaroutrasdeducciónsespeciasqueultrapasenoreferidolímite.

13 -Asachegascaracterízansecomaunhapartealícuotadopatrimonionetorepartiblequesereflictenopasivodobalancepolocapitalsocial,dentrodosfondospropios:sonunhapartealícuotadocapitalsocial;xaquelogo,paraprocederáliquidación“haberá que partir de cal sexa a cifra do capital social no balance de peche do exercizo no que se produza a baixa e determinar qué parte alícuota correspondelle ao socio que causa baixa en función do conxunto das achegas obrigatorias e voluntarias de que sexa titular”(MoralVelasco,E.,enAAVV(Coord.GarcíaSáchez,JoséAistónico):“Cooperativas. Comentarios a la Ley 27/1999, de 16 de julio”;Madrid, ColegiosNotarialesdeEspaña,2001,p.256).

14 -Art.71.2dalei8/2006deCooperativasdeMurcia.15 -Lei27/1999,de16dexullo,decooperativas,art.51.3.16 -Lei5/1998,do18dedecembro,decooperativasdeGalicia,art.64.

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119Torres Pérez: Anotación á sentenza da Audiencia Provincial de Murcia (Secc. 4ª 346/2012)…

Cooperativismo e Economía Social, nº 35 (2012-2013), pp. 119-123

AnotACión Á sentenzA dA AUdienCiA pRovinCiAl de mURCiA (seCC. 4ª 346/2012) de 24 de mAio

Relator: ilmo. sr. d. francisco José Carrillo vinader

FranciscoTORRESPÉREZ

1.- limiAR: AnteCedentes de feito

Dúaspersoassociasdunhacooperativaagrariainterpoñendemandacontraamesmasolicitandoadeclaracióndenulidadedoacordodeaprobacióndascontasanuaisdoexercicio2009asícomoasúaaplicación.Fundamentanasúapretensiónnavulneracióndoseudereitodeinformación.Polasúabanda,ademandadaoponseinvocandomalafedosactoresdadoqueestesremitironasolicitudedeinformaciónnosúltimosdíaspreviosaAsembleaoqueimpediuasúaconsulta;ademais,alegaademandada,coaconvocatoriasellefacilitoutodaadocumentaciónprecisa enoactodaAsembleanopedironningunhaoutra información.Porúltimo, alegaademandada,noneraprecisaa apro-bacióndecontasporestaracooperativaenfasedeliquidación.Nasentenzadeprimeirainstancia–ditadao17dexaneirode2012-estímaseademandadeclarandoanulidadedocitadoacordoasemblearioasícomoacorrespon-denteaplicaciónderesultados.

Contra a sentenza de instancia recorre en apelación a sociedade coope-rativademandadaalegando,porunhabanda,erronavaloracióndasprobas,infraccióndoprocedementodeimpugnacióninternocontraasupostanegativaainformar;e,poroutra,asuficienciadainformaciónoutorgada,afaltadexus-tificacióndanecesidadedainformaciónrequirida,ofeitodenonterpedidoainformaciónduranteacelebracióndaAsembleae,porúltimo,quenonexistíaaobrigadeaprobalascontasanuais.

Torres Pérez: Anotación á sentenza da Audiencia Provincial de Murcia (Secc. 4ª 346/2012)…

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120 Torres Pérez: Anotación á sentenza da Audiencia Provincial de Murcia (Secc. 4ª 346/2012)…

2.- pRinCipAis RAzoAmentos Contidos nos fUndAmentos de deReito dA sentenzA dA AUdienCiA pRovinCiAl —en AdiAnte sAp—

No fundamento de dereito segundo da SAP aquí anotada, destácase ocarácter esencial e autónomoqueposúeodereitode informaciónconsontealexislacióndecooperativasdaRexióndeMurcia.Respectoaprimeiradascaracterísticassalientadas,mantensequeaLei8/2006,de16denovembrodeSociedadesCooperativasdaRexióndeMurcia(enadianteLCMU)establece,concarácteresencial,“noseuartigo27.2g)odereitodossociosa:recibilainformaciónnecesariaparaoexerciciodosseusdereitoseocumprimentodassúasobrigas”.Enreferenciaaoseucarácterautónomodecláraseque,senpre-xuízodequepoidacumprirunhafinalidadeinstrumentaldodereitodevoto,odereitodeinformación“atribúeaosocioafacultadededirixirseásociedadenostermosprevistosnoartigo27.3dacomentadaLeideCooperativas,entreoutrossupostosparaterocoñecementoprecisodospuntossometidosaapro-bacióndaAsembleaXeral,posibilitandounhaemisiónconscientedodereitodevoto”.Aestascaracterísticasdebemossumarqueéundereitoquenosepodederrogarninrenunciaraomesmo.

Feitasestasprecisións,naSAPaquíanotadasaliéntase,conacerto,queodereitodeinformaciónnontenuncarácterabsolutosenónqueposúelímiteslegaisdediversaíndole.NaLCMU,prevenselimitaciónsdecarácterformal/temporaldadoqueoseuexerciciodebefacersenaformaprevista—art.27.3,d)ee)—;edebepedirseainformaciónnomomentoestablecidoporlei—art.27.2,e)II—.Taménlímitesdecarácterobxectivo.Porunhabanda,ainfor-maciónsolicitadatenqueconsistirendocumentosquevaianasersometidosaAsemblea(nestecasoenconcreto:ascontasanuais,oinformedexestión,apropostadedistribuciónderesultados,etc.)—art.27,d)—ecomocláusuladepeche“cantainformaciónconsiderenecesariaenrelaciónaospuntoscontidosnaordedodía”—art.27,e)I—.Poroutra,nondebefacilitarsetaldocumenta-cióncandopoñaengraveperigooslexítimosinteresessociaisdacooperativa–art.27.4-sendooConselloReitoroquedecidaaorespectoegarantíndoseunsistemade impugnaciónde taldecisión.E,finalmente,operaríao límitexeraldeabusodedereitoprevistono incisofinaldoprimeiroparágrafodoartigo27.4daLCMUistoé“candoapeticiónconstitúaobstruciónreiteradaou abusomanifesto por parte dos socios solicitantes”. Para completar estaacertada referencia legal,aSAPrefíreseaSentenzadoTS(Sala1ª),de16de xaneiro de 2012 (RJ 2012, 177) onde, en relación co citado dereito de

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informaciónnassociedadesanónimas,chégaseasoluciónsmoisemellantesasprevistasnalexislacióncooperativacitada.

Parafinalizar, nos f.x. terceiro e cuarto, analízanse as circunstanciasdopresentecaso.Dendeunpuntodevistaformal,osdemandantessolicitaronoexamedadocumentaciónnasoficinasdacooperativaequesellefacilitasendeterminadosdocumentose,ademais,quesellefacilitaseinformaciónescritaantesdaAsembleaeverbalduranteamesma.Acooperativademandadaaleganoseurecursodeapelaciónque,porunhaparte,asolicitudedeinformaciónporescritocitadafíxosecunprazomanifestamente insuficiente—chegouodía21asoficinasdacooperativacandoaAsembleaíasecelebraro23—.EnrelacióncodereitoasereninformadosverbalmenteduranteaAsemblea,estenonseexercitapolosdemandantes.Finalmente,en referenciaaoexamedadocumentaciónnaspropiasoficinasdacooperativa,alégasequetalrevisiónfoiinviabledadooextemporáneodapetición,

Ademaisdestascuestións“deforma”,naSAPanotadasinálasequecon-sonteaLCMU-asícomoreiteradaxurisprudencia-tansosepermitesolici-tar aclaracións ou informacións sobre os asuntos incluídos na orde do día.EstaconvértesenunhadasprincipaisrazónsqueutilizaaSAPparaestimarorecursodeapelaciónerevocalasentenzaapeladadandoarazónacooperativademandada.Ademais,comovensematizanof.xcuartooquesedecidiunaAsembleafoiplasmarcertasoperaciónsnascontasdasociedade.Talcuestión“nonpodeserimpugnada,xaqueacontabilidadereflexaunfeitorealmenteacaecido.Quetalacordosexaprexudicialparaacooperativaouparaalgúnsdos seus socios,poderádas lugara súa impugnaciónouaexixir responsa-bilidadeaossocios,perononaatacaradecisióndequetaloperaciónfiqueplasmadanascontasanuais(...)”.

3.- vAloRACión do fAllo dA sAp

ASAPaquíanotadasitúaachavedestelitixionalimitaciónprevistanoart.27.3,e),IdaLCMUondesecircunscribeasolicitudedeampliacióndeinformación—sexapor escrito antes daAsembleaouverbalmentedurantea celebracióndamesma—a toda aquelaque: a) se considerenecesaria; e,b) teñarelacióncospuntoscontidosnaordedodía.Por tanto,semellaquenestepuntoaspersoassocias—comoacertadamentesepondemanifestonaSAP—nonpodenexercitalodereitodeinformacióndeformaxeraleindis-criminada.Ensuma,“oexerciciodestedereitononpodeservircomomedioparaobstaculizarouparalizaraactividadesocial,sobrepondo,portanto,aos

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interesessociaisoparticulardosocioquerequireinformación”—atraduciónemiña—(DOMÍNGUEZCABRERA,M.ªP.,“Principalesaspectosjurídicosdel derecho de información del socio en la cooperativa”, CIRIEC-España.Revistajurídicadeeconomíasocialycooperativa,núm.21,2010,p.23).

Nonobstante,naLCMU—dexeitosemellanteaoqueacontecenamaioríadasnormascooperativas—omaiorproblemainterpretativoatópaseendes-lindarquétipodeinformaciónénecesaria.Talecomotensinaladoadoutrinaespecializada,“(...)odereitodeinformaciónnasúaacepciónmaispuraapa-receligadoáparticipaciónefectivadosocionaasembleaxeral”—atraduciónémiña—(MILLÁNCALENTI,R.A.,ElderechodeinformaciónenlaLCG,CECOOP,SantiagodeCompostela,2003,p.86).Estainformaciónsolicita-rase,consonteaoart.27.3,e),IIdaLCMU,cunprazomínimodeantelaciónácelebracióndaAsemblea.NosupostodequetalpeticiónsefagaverbalmenteduranteaAsemblea,oConselloReitorpoderádarrespostanunprazomáximosegundo a complexidade da cuestión formulada. Tales prazos (mínimo emáximo)deberánestardeterminadosestatutariamente.

Poisben,aSAPaquíanotada—recorrendoausual,eexcesiva,analoxíaanormativadassociedadesdecapital—declaraque“(...)odereitodeinfor-maciónnoncomprendeodeinvestigarnacontabilidadeenoslibrossociais,(...)sencomprendertalexameainvestigaciónxeraldacontabilidadeedemaisantecedentesquelleservirondebase(...)ALeiobrigaainformar,quenonentregalaprácticatotalidadedosdocumentosdaSociedade,ninpermitequeosaccionistassuplaaactividadedosAuditores”.Contodo,estainterpretaciónestritadodereitodeinformaciónnondeberíaserautomaticamenteadoptadaen sede de sociedades cooperativas. O principio de xestión democrática ede certosvalores cooperativos comoahonestidade e a transparenciadebe-ríanpresidir o funcionamentodas sociedades cooperativas.Por talmotivo,candoseobstaculizaouimpideodereitodeinformacióndaspersoassociasestaseadesnaturalizarapropiaformasocial.Ademais,comoconacertosetendeclarado,aestruturaexestióndemocráticadacooperativa“implica-oudeberíapolomenosimplicar-unclaroreforzodopapeldelaAsembleaXeraldacooperativafronteaoutrosórganosdexestiónerepresentacióncomoelConselloReitor”(TATOPLAZA,A.,“ConceptoecaracterísticasdaSocie-dadeCooperativa(conespecialreferenciaáSociedadeCooperativaGalega)”,CooperativismoeEconomíaSocial,núm.23,2000/2001,p.45).

Feita esta aclaración tamén compre salientar que o art. 27.3, f) LCMUtaménoutorgaaspersoassociasodereitoasolicitarporescritoerecibirinfor-maciónsobre“amarchadacooperativanos termosprevistosnosEstatutos

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123Torres Pérez: Anotación á sentenza da Audiencia Provincial de Murcia (Secc. 4ª 346/2012)…

sociaiseenparticularaqueafecteaosseusdereitoseconómicosesociais”.Entalcaso,oConselloReitordeberáfacilitartalinformaciónnunprazode30díasou,siseconsideradeinteresexeral,incluílanaordedodíadaAsem-bleamaispróximaacelebrar.Semellaque,acreditadoointereselexítimodapersoasociaatalinformación,oexerciciododereitonondeberíaimpedirsepoloórganodeadministración—talecomoconprecisiónconclúeMILLÁNCALENTI,op.cit.p.86—.Nonobstante,nopresentelitixioosdemandantesnon alegan que se lle teña impedido esta forma de acadar información, siben,atendidasascircunstanciasdocaso—sitúanacausadainsolvenciadacooperativanosanticiposfeitosaalgunhaspersoassocias—,deberíatersidoaprincipalvíaparaexercitaloseudereitosobretodovalorandoarelevanciadetalinformacióncaraosseusdereitoseconómicos.

Parafinalizar,simplementesinalareioutropuntofebledaSAPaquíano-tada. Dedúcese do texto da sentenza que os cooperativistas demandantestaménintentaron—comollefacultaoart.27.3,d)daLCMU—oexamenodomiciliosocialdacooperativadecertadocumentaciónrelacionadacoaordedodía.Acooperativademandadaalegouqueasolicitude,comocitamosante-riormente,chegoutansócondousdíasdeantelaciónacelebracióndacitadaAsemblea.Ademais,matizasenaSAP,noúnicodíaqueeraviableaconsulta,opropiosolicitante—entendemosqueasolicitude iaasinadaporunhasoadas dúas persoas demandantes— así como o liquidador e o administradordacooperativaestiveronpresentesnunxuízooqueimposibilitourealizaroexame solicitado. En todo caso, compre unhamatización.Nestes supostoso exercicio dodereito non se supedita—polomenos legalmente—aunhasolicitudepreviadeinformación.Apersoasociatendereitoaoexamein situ detódolosdocumentosquevaianasersometidosaAsembleanoperíodoquesecomprendeentreasúaconvocatoriaeacelebracióndamesma.Comopodecomprobarse,oargumentodesolicitudeextemporáneanonéomaisaxeitadoparanegaraosdemandantesocitadoexame.

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125Rodríguez Míquez: Convocatoria xudicial e xurisdicción voluntaria

Cooperativismo e Economía Social, nº 35 (2012-2013), pp. 125-129

ConvoCAtoRiA xUdiCiAl e xURisdiCCión volUntARiA

(Comentario ao Auto da Audiencia provincial de madrid, sección 28ª, do 3 de decembro de 2012)”.

JoséAntonioRODRÍGUEZMÍGUEZ

1.- intRodUCCión

Aintervenciónxudicialnavidadassociedadesmercantísenxeral,edascooperativasenparticular,realízase,ennopoucasocasións,polavíadacha-madaxurisdicciónvoluntaria.

Axurisdicciónvoluntaria,apesardenonterseproducidoaíndaasúapen-dentemodernizacióntalecomoseprevíacandoseaprobaraaLei1/2000,do7dexaneiro,deAxuizamentocivil (Disp.final18ª), resultaunhavíaespe-cialmenteútilpararesolvermoitosproblemascotiásnavidadassociedadesmercantís,queesixenunharápidaresposta.

Taléocasoqueimosexaminarnopresentecomentario,quetenporobxectoaconvocatoriaxudicialdunhaasembleaxeralextraordinarianunhasociedadecoperativa.Vexamososfeitosecalfoiopronuinciamentoxudicial.

2.- AnteCedentes de feito e CUestións “litixiosAs”

OAuto sobreoquenopresentecomentariocentramosanosaatención,que foiadoptadopolaSección28,daAudienciaProvincialdeMadrid,o3de decembro de 2012, resolve o recurso de apelación interposto contra unanteriorditadopoloXulgadodoMercantil,nº5deMadrid,de18demarzode 2011, polo que se acordara non haber lugar á convocatoria xudicial da

Rodríguez Míquez: Convocatoria xudicial e xurisdicción voluntaria

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126 Rodríguez Míquez: Convocatoria xudicial e xurisdicción voluntaria

AsembleaExtraordinariadaCooperativistasdeSanJuanBautistadeGuada-lix,SociedadCooperativa.

Osfeitos,dexeitomoiresumido,xiranaoredordanegativadosadminis-tradoresdunhasociedadecooperativaáconvocaraasembleaxeralextraor-dinaria reclamadaporunnúmerode sociosque, ante tal negativa, decidensolicitaraintervenciónxudicial,promovendoacorrespondenteconvocatoriaxudicial, que é rexeitada polo órgano xurisdiccional por considerar que ossolicitantescarecíandapreceptivalexitimación.

O Xulgado doMercantil que coñeceu do asunto en primeira instanciaadoptouunAutosquecontiñadouspronunciamentos,ambososdousrecorri-dospolasrespectivaspartes.Oprimeiro,decarácterpreliminar,foioderexei-taraprexudicialidadecivilenrelaciónaosprocedementosdeimpugnacióndeacordossociaisqueseestabanaventilaranteoutrosxulgadosdoMercantil.Asegunda,quenestecasoéacuestiónsubstantiva,anegativaaacordaracon-vocatoriaxudicialsolicitadaporconsiderarinsuficienteonúmerodesociosqueareclamaban.ASalaenapelacióndesestimaambasasdúaspretensións,confirmadooprimeiropronunciamentodoXulgado.

3.- o pRonUnCiAmento en ApelACiónO pronunciamento da Audiencia Provincial de Madrid aborda diveras

cuestiónsdeinteresequeexpoñemosseguindoapropiasistemáticadapropiaSala.

a)Aconvocatoriaxudicialcomoactodexurisdicciónvoluntaria.

AprimeiracuestiónqueabordaoTribunalatinxeánaturezaeconsecuen-ciasdavíaprocedimentalelixidaparatramitaraintervenciónxudicial,adaxurisdicciónvoluntaria.AcuestiónseanalizanoFundamentoXurídico(FXsegundo),notermosseguintes:

ASalapartedabasedequeosprocedementosatravésdosqueseinteresaaconvocatoriaxudicialdasasembleasxeraisdascooperativas,comoosdasxuntasxeraisdasdemaissociedadesmercantís“seconsideranincluídosdentrodosactosdexurisdicciónvoluntaria”,destacandoque“enningúncaso”,llesserádeaplicaciónoartigo1817daLeideAxuizamentoCivilde1881vixentetransitoriamente en tanto non se aprobe a nova regulación da xurisdicciónvoluntaria]“nonsopolanecesidadedeevitarquearesoluciónseprolongueindefinidamente,senónespecialmenteporqueoseuartigo2111[LEC1881],noseuparágrafocuarto,exclúeaconversióndoexpedienteencontencioso,

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127Rodríguez Míquez: Convocatoria xudicial e xurisdicción voluntaria

senprexuízodequeaspartesacudanaoprocedementoquecorrespondaparadirimirassúascontroversias.”

ASalaengadedousdatosadicionaisdeinterese.Porunhabandaqueoasíchamado“expedientedexurisdicciónvoluntaria”conclúecoadecisiónxudi-cialacordandooudenegándoaconvocatoriasolicitad,“senqueresulteprecisaningunhaoutra resolución.”Polo tanto,quedaaomarxedomesmomesmoapublicidadedaconvocatoria (“Inclusose tendestacadoqueninmesmoapublicidade da convocatoria forma parte do expediente”). Por outra, que a“resolución denegatoria poderá ser susceptible de recurso de apelación.”,comoaconteceuprecisamentenocasoqueexaminamos.

VariascousaspodemosdestacardestasprimeirasafirmaciónsdaSala.

Enprimeiro lugar edexeito coherente coanatureza societariadas coo-perativas,queaSalarecoñecequeaconvocatoriaxudicialtantonocasodascooperativascomonasdemaissociedadesmercantíspódesetramitarcomounexpedientedexurisdicciónvoluntaria.

Ensegundolugar,quedeacordocunhaprácticaxudicialconsolidada,talecomoxasinalamos,aSalacomparteocriteriodanonaplicacióndooartigo1817LEC1881,édicir,rexeitaaposibilidadedequeascuestiónssuscitadasnestavía,sevolvancontenciosas,oquedilataríaasoluciónrequiridapolaspartes,queé,precisamente,unhadasfinalidadesdestetipodeexpedientes.

Enterceirolugar,edexeitomoiimportante,aSalarecoñecequecandoaresoluciónsexadenegatoriasepoderá interporrecursodeapelación.Oquesupón,sensucontrario,quesioórganoxudicialdaluzverdeáconvocatoria,asúaresolucióndébeseexecutardoxeitomáis rápidoposible.Senque isoimpida,nonobstante,queavalidezdosacordosquesepuideranadoptardecelebrarseaxuntaouasembleapodanserposteriormente impugnadaequemesmoavalidezdaconvocatoriapodaserpostaencuestiónnoseumomento.

ASala taménengadealgúnsdetallesdeintereserespectodatramitacióndestesexpedientes.Así,afirmaqueosmesmossesustancian“facilitandotrá-miteaosrepresentantesdasociedade”paraqueformulenalegacións”,oque,senembargo,dadaanaturezadoprocedemento,exclúetantoaposibilidadederéplicacomodaaperturadunperíododeproba.EstemesmorazoamentolevaaSalaaafirmaaimposibilidadedeparalizarasactuaciónsparasustanciarincidentealgún,oudetramitaralegaciónsparalelasdenaturezaincidental.

Nonobstante,aconvocatorianonéautomáticanocasodequesesuscitecontroversiaxudicial,demaneiraquepodenpoñersedemanifestocuestións

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128 Rodríguez Míquez: Convocatoria xudicial e xurisdicción voluntaria

queobriguenadecidirsobreaprocedenciaounondamesma[aconvocatoria]ou da inclusión de determinados extremos da orde do día.O argumento éclaro.Poisdenonadmitirestemínimocontrol“poderíanprovocarsesitua-ciónsabsurdas,quechegasenaampararaconvocatoriadexuntasantesolici-tudesfraudulentas,abusivasoucarentesdeobxecto,entreoutrosmotivosquepoderíanserdebidamenteapreciados.”Seadmiten,pois,aíndaquedexeitomoiexcepcional,aprácticadedilixenciasadicionais.”

Realizadasasanterioresconsideracións,aSalaresolvequenoncabeapre-ciarprexudicialidadecivilalgunhanintampoucoalterarosistemaderecursosnonsendoposibleoutrorecursoqueodeapelación.EstaúltimacuestióntenunimportantealcanceprácticoxaqueéabasesobreaqueaSalarexeitaporimprocedenteaanáliseda“adhesión”denovossolicitantes,coainvocaciónaoprincipioxeral“pendenteapellationenihilinnovetur”Cfr.FXCuartoin fine)].

b)Alegalidadedadenegacióndaconvocatoria:unhacuestióndeconcursodenormas.

Adiscrepanciaentreossocioseosadministradoresrespectodalegalidadedasolicitudedeconvocatoriaefectuadapolosprimeirostenasúaorixenunpresuntoconflictodenormas;edicir,acercadecaléanormativaquerexeasociedadecooperativaimplicada,nunpuntonoqueexistediscrepanciaentreassoluciónsquerecollea lexislaciónxeraldecooperativas,aLei27/1999,do16dexullo,decooperativas(LC),ealexislaciónautonómicamadrileña,aLei4/1999,do30demarco,deCooperativasdelaComunidadedeMadrid(LCM),onderadicaamesma.AcuestiónresólvesenoFXterceiro.

MentresaLCrequirequeaconvocatoriasexasolicitadapor,alomenos,o20%dossocios(Artigo23LC:“3.AAsembleaXeralextraordinariaseráconvocada...apeticiónefectuada,fehacentemente,porunnúmerodesociosquerepresentenovinteporcentodototaldosvotos...”),oArtigo31LCM,reduceaporcentaxeao10%(Artigo31.1LCM“1.AAsembleaXeralpoderáserconvocadapolosadministradores ...petición...dealomenosundezporcentodossociosoudecincuentasocios...”).

Resultaevidentequecal sexaanormaqueseconsideredeaplicaciónaconvocatoriaserálícitaounon,poissegundoosautos,onúmerodesociosquesolicitaronareferidaconvocatoriafoide9duntotalde55,oquesuperao10%perononchegaao20%.

ASala,centraodebatenacuestióndaaplicacióndirectadunhaoudoutranorma, rexeitandoquese trataradunproblemadesupletoridade.Enconse-

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129Rodríguez Míquez: Convocatoria xudicial e xurisdicción voluntaria

cuencia,xaquelogooartigo2LCestablecequeditalei“serádeaplicación:A)ás sociedadescooperativasquedesenvolvana súaactividadecooperati-vizada no territorio de variasComunidadesAutónomas, agás cando nunhadelassedesenvolvaconcarácterprincipal.”Ecomprobarquenosestatutosdacooperativainteresadaseestablecequeoámbitoterritorialdentrodoquedebenestarsituadasasexplotaciónsagrariasdossocios“éocorrespondenteás(sic)ComunidadeAutónomadeMadridecomunidadesadxacentes”,con-clúe—comoxaofixeraoXulgadonoseudía—,queresultadeaplicaciónanormaestatalenonaautonómica,centradoasúaatenciónencomprobaraconcorrenciadosrequisitosquenelaseestablecen.

Así,interpretaaprevisióncontidanocitadoartigo23.3,par.Segundo(“SeorequirimentodeconvocatorianonforaatendidopoloConselloRectordentrodoprazodunmes,os solicitantespoderán instardoxuízcompetentequeaconvoque.”)nosentidodequeasolicitudeaoxuíz“debeefectuarsepolosqueinstaronorequirimento.”Dexeitoque,aoseuxuízo,“noncabedarlugaraditaconvocatoriacandoasolicitudenonaefectúaunnúmerodesociosque,habendopreviamenteefectuadoorequirimento(enonoutros),representenaporcentaxequeesixeaLei.”

ParaaSala“aconvocatoriaxudicialprecisatantoqueossolicitantessexanantesrequirentes,comoquecumpranaporcentaxeesixidolegalmente.”,inter-pretaciónqueestimacoincidentecoaqueserecollerespectodassociedadesdecapitalnosartigos168e169.2TRLSC(RDLex.1/2010,do2dexuño,poloqueseaprobaotextorefundidodaLeideSociedadesdeCapital),encantoque“seprecisaunhasolicitudepreviaaosadministradoresporsociosquerepre-sentenuncincoporcentodocapitalsocialeéesaminoríasolicitanteenonoutraaque,denonseratendida,podepromoveraconvocatoriaxudicial.”

4.- vAloRACión finAlAaxilidadenarespostaéesencialparaaresolucióndosconflictos,epara

talfin,avíadaxurisdicciónvoluntaria,aíndaquenonaxeitadamentemoder-nizada,éespecialmenteútilnamaioríadossupostosquepodanxurdir.

O substrato común que se aprecia en todas as sociedadesmercantís faiconvenienteadoptarsoluciónsomáishomoxéneasposiblesentreosdiversosfigurassocietariasexistentes.Opresentecasoéunboexemplo.

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131Fernández Fernández: A responsabilidade dos membros do consello reitor dunha cooperativa…

Cooperativismo e Economía Social, nº 35 (2012-2013), pp. 131-135

A ResponsAbilidAde dos membRos do Consello ReitoR dUnhA CoopeRAtivA, en ApliCACión do

ARtigo 367 dA lei de soCiedAdes de CApitAl(ComentARio Á sentenzA dA AUdienCiA

pRovinCiAl de león 335/2012, de 12 de xUllo)

EstanislaodeKostkaFERNÁNDEZFERNÁNDEZ

1. AnteCedentes

1.1. Suposto de feitoNo litixiodirimese a acciónde responsabilidadedosmembrosdoCon-

selloReitordeConstruciónsConspa,SociedadeCooperativaLimitada,coaexistenciadeseriasdúbidasdeDereitosobreaaplicacióndalexislacióndaLeideSociedadesdeCapitalásCooperativas,aspectossobreosquenonhaiunanimidadeentreadoutrinaeentreaxurisprudencia.Enconcreto,ofondodoasuntoversasobreaaplicaciónou inaplicacióndoartigo367daLeideSociedadesdeCapitalásactuaciónsdosmembrosdoConselloReitor.

Tantoenprimeira instancia comoenapelación,desestimanseaspreten-sións da acción de responsabilidade dosmembros do Consello Reitor pordanos,fundamentadasnaomisióndodeberdeconvocatoriadaXuntaXeralparaadisolucióndaCooperativa.Ademandante,pretendeaaplicaciónporanaloxíadanormativarecollidanaLeideSociedadesdeCapitalsobreares-ponsabilidadepordébedas,encasodenonconvocatoriadaXuntaXeral,áresponsabilidadepordanosdosmembrosdoConselloReitor,siexistisefaltadedilixenciadosdemandadosnoexerciciodassúasfuncións.

Fernández Fernández: A responsabilidade dos membros do consello reitor dunha cooperativa…

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132 Fernández Fernández: A responsabilidade dos membros do consello reitor dunha cooperativa…

1.2. A sentenza de xuízo ordinario do Xulgado de 1º Instancia nº 8 do Mercantil de León, de 28 de novembro de 2011.Osautosinstrúenseconnúmero175/2011noXulgadode1ªInstanciaNº

8edoMercantildeLeón,ondesedictousentenzadedata28denovembrode2011,cuiofallodesestimaíntegramenteademandapresentada,absolvendoósdemandados.

NademandaexercítaseaacciónderesponsabilidadefronteósintegrantesdoConselloReitor,parareclamarocumprimentodaobrigadinerariaderivada,conformesinalaasentenza,doestablecidoporunDecretoqueaprobouavalo-racióndocustoda“obrigadefacer”,envirtudedeacordotransaccional.

Aesixenciaderesponsabilidadeósdemandadosfundamentaseno“incum-plimientodaobrigaciónlegaldeconvocaraAsembleaXeraloudesolicitaradisoluciónxudicialcandoconcorraalgunhadascausasdedisolución legal-menteprevistas”.Aparteactora,trasenumerardiversalexislación,enparticu-laraLei4/2002,de11deabril,deCooperativasdaComunidadedeCastillaeLeón,eaLei27/1999,de16dexullo,deCooperativas,acabafacendo“unhaderivaciónódispostoparaaresponsabilidadedosadministradoresdesocieda-desdecapital”.(artigo51.3daprimeiraLeicitadae43dasegundacitada).

OsdemandantesexercitanavíadoRealDecretoLexislativo1/2010,de2dexullo(RCL2010,1792e2400),poloqueseaprobaotextorefundidodaLeideSociedadesdeCapital,enconcretoadoartigo367,quetextualmentedique:“Responderánsolidariamentedasobrigassociaisposterioresoacaeci-mentodacausalegaldedisoluciónosadministradoresqueincumplanaobrigadeconvocarnoprazodedousmesesaxuntaxeralparaqueadopte,noseucaso,oacordodedisolución,asícomoosadministradoresquenonsolicitenadisoluciónxudicialou,siproceder,oconcursodasociedade,noprazodedousmesesacontardesdeadataprevistaparaacelebracióndaxunta,candoestanonseconstituíu,oudesdeodíadaxunta,candooacordofosecontrarioádisolución”.

FronteásposiblesacciónsrecollidasnaLeideSociedadesdeCapital,aná-logasásprevistasnasderogadasLeideSociedadesAnónimaseLeideSocie-dadesdeResponsabilidadeLimitada,ademandanteoptou,comosinalamos,porexercitaraacciónprevistanoartigo367daLeideSociedadesdeCapital,que ten a súa equivalencia nos artigos 262.5 da derogadaLei de Socieda-desAnónimase105.5daderogadaLeideSociedadesdeResponsabilidadeLimitada[sobreunfeitosimilar,vid.VÁZQUEZPENA,M.J.,“Aplicacióndoartigo262.5dáLeideSociedadesAnónimasaunsupostoderesponsabili-

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133Fernández Fernández: A responsabilidade dos membros do consello reitor dunha cooperativa…

dadedosmembrosdoConselloReitorporfaltadedisolucióneliquidacióndaCooperativa[AnotaciónáSentenzadáAudienciaProvincialdeVizcaianúm.133/2005 (Sección 4ª.), do 18 de febreiro. Ponente: Ilmo. Sr.D. FernandoValdés-SolísCecchini(A.C.2005\612)”,Revista(Anuario)CooperativismoeEconomíaSocial,núm.28(Curso2005/2006),2006,páxs.193a198].Cir-cunstanciaqueseponderelevodeformataxativa,candoodemandantenorecursodeapelación,oindicarospronunciamientosqueseimpugnan,expre-samentealúdesea“orexeitamentodaaplicabilidadeosmembrosdoConselloReitordasSociedadesCooperativasdasnormasdaresponsabilidadecontidanoartigo367daLeideSociedadesdeCapital”.

2. A sentenzA de ApelACión

OrecursofoivistopoloTribunaldaSecciónPrimeiradaAudienciaPro-vincialdeLeón,connúmeroderecursodeapelacióncivil77/2012,delimitán-doseoobxectoáacciónderesponsabilidadeexercitadafronteosdemandados,comointegrantesdoConselloReitor,parareclamarocumprimentodaobriga-cióndineraria,entendéndosequeesaresponsabilidadeincluíataméndébedasdaCooperativa,petitioquefoidesestimada.

TalecomorecolleasentenzadaAudienciaProvincialdeLeónqueana-lizamos,aresponsabilidadeprevistanoartigo367daLeideSociedadesdeCapital non é unha responsabilidade por danos causados, senón unha res-ponsabilidadepordébedaslegalmenteestablecidanunsupostoconcreto:nonconvocarxuntaxeralparaadoptaracordodedisoluciónou,noseucaso,nonsolicitarasúadisoluciónxudicialou,noseucaso,promoverdeclaracióndeconcurso.Édicir,oadministradornonrespondepordanoalgún,senónpolasdébedasdasociedade.[Respectodisto,entreoutras,asentenzadaSala1ªdoTribunalSupremodedata30dexuñode2010(RJ2010,5694)].

Comoafirmaasentenzanúmero228/2008,de25marzo,destamesmaSala(RJ2008,4649),aresponsabilidadedosadministradoresporobrigassociais,concaráctersolidariocoasociedade,previstanoartigo260.1,números3º,4ºenoartigo260.5daLeideSociedadesdeCapital(RCL1989,2737eRCL1990,206),“constitúeunharesponsabilidadepordébedaallea“exlege”,encantoasúafonte—feitodeterminante—éomerorecoñecementolegal,senquesexareconducibleaperspectivasdeíndolecontractualouextracontrac-tual.Fundamentasenunhacondutaomisivadosuxeitooquepolasúaespe-cífica condición de administrador esíxeselle un determinado facer, e cuxainactividadpresúmese imputable—reprochable—, salvoque acredite unha

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134 Fernández Fernández: A responsabilidade dos membros do consello reitor dunha cooperativa…

causarazoablequexustifiqueouexpliqueadecuadamenteononfacer”.Con-dutas estas que proporcionan confianza ó tráficomercantil e seguridade astransacciónscomerciais,candointerveñenpersoasxurídicasmercantilessenresponsabilidadepersoaldossocios,talecomoserecollenoartigo1daLeideSociedadesAnónimaseoartigo1daLeideSociedadesdeResponsabilidadeLimitada(RCL1995,953).

Ésuliñable,ademais,queanormanontencaráctersancionadoroupuni-tivo, enpalabrasdapropia sentenza “non tennaturezade sanciónoupenacivil”[...],senónqueestablece“unharesponsabilidadeengarantía”,peroámarxede cómopoida calificarse, é totalmente allea o conceptode resarci-mientopordano,xaquenonsepretendeareparacióndundano,senónopagodunhadébeda.Nonobstante,siodanocausadoéprodutodoimpagodunha-débedaporcausaimputableóadministrador,poderíanseexercerenaplicacióndoartigo397daLeideSociedadesdeCapital.

Enconclusión,aaplicacióndalexislaciónsobreSociedadesCooperativasáresponsabilidadepordanosnonpodeestenderseáresponsabilidadedopagodadébeda,talecomorecolledeformaprácticamenteunánimesentenzasdic-tadasnasAudienciasProvinciales,senquelleconsteáSalaquehaxaalgunhadictadaensentidocontrariopoloTribunalSupremo.EntreoutrasasentenzadaSección1ªdaAPdePontevedradedata15desetembrode2011(PROV2011,347996)naquesesinalaque“[…]nalexislacióndecooperativasnonexistiu nin existe unha responsabilidade dos membros do ConselloReitorquesexaparangonableáresponsabilidadedosadministradoresqueseregulana lexislación da sociedade anónima e de responsabilidade limitada, parti-cularmenteporquenonseestableceuaresponsabilidade“ex lege”dosarts.262.5LSAe105.5LSRL.Aúnicaacciónqueseestableceestápróximaácon-figuradanoart.135LSAe69LSRL,nosensodequetratasedunhaaccióndedanosquerespondeóesquematípicodasacciónsdestaclaseeesixen,paraquearesponsabilidadepoidaserdeclarada:queexistaunfeitoneglixente,quedomesmoresulteundanoequeentreuneoutroconcorraunadecuadonexodecausalidade”.

EnomesmosensoassentenzasdaSección9ªdaAPdeValenciadedata29dexuñode2011(PROV2011,398842),daSección28ªdaAPdeMadriddedata30dedecembrode2009(PROV2010,137597),ouasentenzadaSección1ªdaAPdeJaéndedata30dexuñode2010(PROV2010,370377)que,ásúavez,citanestemesmosentidoasseguintes:sentenzasdaAudienciaProvincialdeValladolidde9deAbrilde2007(PROV2007,262950),deBadajozde17

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135Fernández Fernández: A responsabilidade dos membros do consello reitor dunha cooperativa…

deOutubrode2005,deValenciade19deSetembrode2005(PROV2005,275154)edeBarcelonade24deXaneirode2005(PROV2005,54742).

3. Reflexións finAisAíndacandoocriterioseguidonestasentenzaémaioritarioexeneralizado,

ocertoéqueasentenzadaSección1ªdaAudienciaProvincialdeVizcaya,dedata18defebreirode2005(AC2005,612),dexeitomoiconcreto,adaSección16ªdaAudienciaProvincialdeBarcelona,dexeitomáisxenérico,eadaSección3ªdaAudienciaProvincialdeBurgosdedata11dexaneirode2012(PROV2012,34651),estendenosmembrosdoConselloReitoraapli-cacióndosartigos262.5daLeideSociedadesAnónimas(RCL1989,2737eRCL1990,206)e105.5daLeideSociedadesdeResponsabilidadeLimitada(RCL1995, 953).Por tanto, aínda admitindocomoxeneralizada aopiniónquesustentaassentenzasdostribunaisqueviñemosanalizando,ocertoéquedevanditocriteriononbasaenxurisprudenciadoTribunalSupremo.Aoqueéprecisoengadirqueodevanditocriterioraramenteéconsideradoporsenten-zasdasaudienciasprovinciais.Nonenbalde,asentenzacomentadaconclúeestimandoque“concorrenseriasdúbidasdeDereitoquenonxustificanacon-denaencostasdasdemandantes”.

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137Sánchez Cabanelas: Cooperativa de vivendas. Baixa voluntaria non xustificada

Cooperativismo e Economía Social, nº 35 (2012-2013), pp. 137-142

CoopeRAtivA de vivendAs. bAixA volUntARiA non xUstifiCAdA

IsabelSÁNCHEZCABANELAS

O obxecto deste comentario é a sentencia da Sección 4ª daAudienciaProvincialdeCoruña508/2012,do14dedecembro,norecursodeapelaciónnúmero118/2012,interpostoporD.JACOBO(cooperativistadacooperativadevivenda“AMUIÑASOCIEDADECOOPERATIVAGALEGA”),contraasentenciadictadapoloXuzgadodoMercantilnúmero2deACoruña,dedata18demaiode2011,nosautosnúmero392/10,sobrereclamacióndecanti-dade,sendorecurrida“AMUIÑAS.COOP.GALEGA”.

1.- AnteCedentes

Asentenciaobxectodeestudotraeasúacausanosseguintesantecedentes:

1.-O12desetembrodo2005,D.JACOBOsolicitaoingresocomosociona cooperativa de vivendas “A MUIÑA SOCIEDADE COOPERATIVAGALEGA”.

2.-Na súacondiciónde socioachega300eurosaocapital social e100euroscomocuotadeingreso.

3.-O25desetembrodo2007,faientregade40.125eurosenconceptodecantidadeparafinanciaropagodavivienda.

4.-O15defebreirodo2008,previasolicitude,“AMUIÑASOCIEDADECOOPERATIVAGALEGA” acorda a baixa deD. JACOBO.O acordo debaixacalificaamesmacomobaixavoluntarianonxustificadaeestableceunprazomáximodecincoanosparaadevolucióndasachegasefectuadaspolosocioconformeaoartigo64daLeideCooperativasdeGalicia.

Sánchez Cabanelas: Cooperativa de vivendas. Baixa voluntaria non xustificada

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138 Sánchez Cabanelas: Cooperativa de vivendas. Baixa voluntaria non xustificada

5.-D.JACOBOentendequeoacordodebaixaaplicainadecuadamenteoartigo64daLeideCooperativasdeGaliciadebendoaplicaro121.2dacitadaLei.Oartigo121.2estableceunprazomáximodunanoenondecincoparaadevolucióndasachegas.

6.-O1dexuñodo2010,oactorremiteunburofaxáCooperativa,reque-rindoadevolucióndasachegasporentenderquexaremataraoprazolegalparaoseureintegro.

7.- A Cooperativa non atende o requerimento e o 3 de novembro do2010,D.JACOBOplantexademandadereclamacióndecantidade.Acanti-dadereclamadasecorrespondecoasachegasfeitasparafinanciaropagodavivenda,menosasdeducciónsaplicadasporbaixavoluntarianonxustificadaesumadososxuroslegaisdendeorequerimentodo1dexuñodo2010.

8.-O18demaiodo2011,oXuzgadodoMercantilnº2daCoruñadictasentencia desestimando a demanda formulada por D. JACOBO, contraAMUIÑASOCIEDADECOOPERATIVAGALEGA.

9.-EntempoeformaD.JACOBOpresentarecursodeapelacióncontraacitadasentenciainteresandoarevocacióndasentenciadeinstanciaeaestima-cióndademandaformulada.

10.-O14dedecembrodo2012,aSección4ªdaAudienciaProvincialdaCoruñafallaestimandoorecursodeapelacióninterpostoporD.JACOBO,revocando a sentencia de instancia, a cal deixa sen efecto, e no seu lugarestima a demanda formulada porD. JACOBOcontra “AMUIÑASOCIE-DADECOOPERATIVAGALEGA”,aquencondenaaabonaraoactoracan-tidadede36.915euros,conaplicacióndoxurolegaldendeorequerimentodo1dexuñodo2010,incrementadoendouspuntosporaplicacióndoartigo576daLeideAxuizamentoCivil,dendeodictadodaresolución,conimposicióndascostasdeinstanciaádemandada,esenimposicióndecostasenalzada.

2.- ConClUsións

AsentenciaobxectoderecensiónponfínaolitixioqueplantexanaspartessobreoprazoquetenaCooperativaparaadevolucióndascantidadesache-gadasporD.JACOBOdestinadasafinanciaravivenda,unhavezquecausabaixavoluntarianonxustificadanacooperativa.

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139Sánchez Cabanelas: Cooperativa de vivendas. Baixa voluntaria non xustificada

ALeideCooperativasdeGaliciacontemplanoseuartigo20odereitodetodocooperativistaadarsedebaixavoluntariamentedacooperativadaquesexasocio.

Artigo20.1“Osociopoderádarsedebaixavoluntariamentenacooperativaencalqueramomento,mediantepreavisoporescritoaoórganodeadministra-ción.Oprazodepreavisoquefixaránosestatutosnonpoderásersuperioraunano”.

Este dereito do socio de darse de baixa da cooperativa, non supón queacompetenciaparadecidirsobreesabaixarecaiaencadasocio,antesben,aquelsocioquedecidedarsedebaixanacooperativatenqueformalizarasúasolicitudedebaixaanteoórganodeadministración.OConselloReitoréoórganocompetenteparaacordarabaixadosocio.

Asemade,eseacordodebaixaadoptadopoloConselloReitoraceptandoasolicitudedebaixa,requireasúacalificacióncomobaixaxustificadaoubaixanonxustificada.

Oartigo20daLeideCooperativasdeGaliciaestablecequeacalificacióndabaixaseráde“baixaxustificada”,nossupostoscontempladosnoparágrafoterceiroeentódososdemaissupostosprevistosnaleiounosestatutos.

Artigo20.3“Teránaconsideracióndexustificadasasbaixasqueteñanasúaorixenasseguintescausas:

Aadopcióndeacordospolaasembleaxeralqueimpliquenobrigasoucar-gasgravementeonerosas,nonprevistasestatutariamente,seosociosalvaseexpresamenteoseuvotoou,estandoausente,manifesteasúadesconformi-dadeporescritodirixidoaoórganodeadministracióndacooperativa,noprazodedousmesesdendeaadopcióndoacordo.Enambososcasosdeberáforma-lizarasúasolicitudedebaixadentrodomesseguinteádataderealizacióndaasembleaoudapresentacióndodevanditoescrito.

Entodososdemaissupostosprevistosnestaleiounosestatutos”.

Polotanto,aquelessupostosdebaixasquealeinoncalificaexpresamentecomobaixasvoluntariasxustificadas,entenderasequemerecenacalificacióndebaixasvoluntariasnonxustificadas.

Acalificacióndabaixacomoxustificadaounonxustificadatenconsecuen-ciaseconómicasimportantesparaosocioquedeixaacooperativa,xaquesoa-menteasbaixasquemerecenacalificacióndebaixasxustificadasnonsofrendeducciónsnadevolucióndasachegasaocapitalsocial.

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140 Sánchez Cabanelas: Cooperativa de vivendas. Baixa voluntaria non xustificada

Nocasoquenosocupa,D.JACOBOcausabaixanacooperativao15defebreirodo2018coacalificacióndebaixavoluntarianonxustificada.

Aspartesnoncuestionanacalificacióndabaixacomobaixavoluntarianonxustificada,asúadisputafaireferenciaáaplicacióndosartigos64e121daLeideCooperativasdeGalicia.

“AMUIÑASOCIEDADECOOPERATIVAGALEGA” invoca o artigo64paradilataratacincoanosadevolucióndascantidadesentregadasporD.JACOBOenconceptodeentregaparafinanciaropagodavivenda.

Artigo64“Osestatutosregularánodereitodossociosaoreembolsodassúasachegasaocapitalsocialnocasodebaixa.Aliquidacióndestasachegasfarasesegundoobalancedepechamentodoexercicionoqueseproduzaabaixa,podendoestablecerdeduccións tan só sobre as achegasobligatorias,quenonseránsuperioresó30%nocasodeexpulsión,ninó20%nocasodebaixanonxustificada.Nocasodebaixaxustificada,nonprocederáningunhadeducción. 4.-O prazo de reembolso non poderá exceder de cinco anos apartirdadatadabaixa.Nocasodefalecementodosocio,oreembolsodeberárealizarsenunprazononsuperioraunanodendeofeitocausante.”

Polacontra,D.JACOBOsosténqueoprazodecincoanoscontempladonoartigo64faireferenciaaoreembolsodasachegasaocapitalsocialnocasodebaixa,peronadadírespectoaoreembolsodascantidadesentregadasparafinanciaropagodavivenda.

Ascantidadesentregadasparafinanciaropagodavivendasonunhapecu-liaridadedascooperativasdevivendaeconstiúenoobxectodestelitixio.Norelativo a estas cantidades, entendeD. JACOBOque temos que acudir aoartigo121.2dacitadaLei.

Artigo121.2“Nocasodebaixadosocio,acooperativapoderáreterototaldascantidadesentregadasporelparafinanciaropagamentodevivendaselocaisataquesexasubstituídonoseusdereitoseobrigasporoutrosocio.Osestatutosfixaránoprazomáximodeduracióndodereitoderetención,quenonpoderásersuperioraunano.

Candoabaixadosociofoseconsideradacomononxustificada,seoprevénosestatutos,poderánaplicársellesáscantidadesentregadasporelparafinan-ciaropagamentodasvivendaselocaisasdeducciónsásqueserefireoartigo64destalei,ataunmáximodo40%dasporcentaxesquenelseestablecen,destinándosenasúatotalidadeaoFondodeReservaObligatorio.

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141Sánchez Cabanelas: Cooperativa de vivendas. Baixa voluntaria non xustificada

Ascantidadesásqueserefireoparágrafoanterior,asícomoasachegasaocapitalsocial,deberánsellereembolsaraosocionomomentoenquesexasubstituídonosseusdereitoseobrigasporoutrosocio.”

Nesteprocedemento,D.JACOBOnonreclamaáCooperativaos300eurosqueenconceptodecapitalsocialachegounomomentodeadquiriracondicióndesocio.Asemadetampoucoreclamaos100eurosqueentregoucomocuotadeingreso,oquereclamaD.JACOBOéacantidadeentregadaparafinanciara vivenda, 40.125 euros,menos as deduccións que sexan de aplicación aocausarbaixavoluntarianonxustificadanaCooperativa,máisosinteresesdedemora.Sobreestacantidade,deacordocoaLeideCooperativasdeGaliciaaAMUIÑASOCIEDADECOOPERATIVAGALEGA,tiñaunprazodunanoenondecincoanosparaprocederaoreembolso.

Do tenor literal do artigo121 - artigoque resulta aplicable por tratarsedunhacooperativadevivendaeserobxectodestelitixioacantidadeentregadapolosocioparafinanciarasúavivenda-sedesprendequearemisiónquefaiaoartigo64éreferidaexclusivamenteásporcentaxesdededucciónsquesellepodenaplicarascantidadesentregadasparafinanciaravivenda,perononfaireferenciaalgunhaaoprazoparadevolvertalescantidades,queestáfixadonoparágrafosegundodocitadoartigocomoprazomáximodunano.

Poloexposto,pódeseafirmarquenascooperativasdevivendasnocasodabaixadunsociotemosquediferenciaráhoradedevolverasachegasentre:achegasaocapitalsocialeachegasparafinanciaravivenda.

Asachegasaocapitalsocialpodenreembolsarse,segundooartigo64daLeideCooperativasdeGalicia,nunprazomáximodecincoanos.Polacontra,ascantidadesentregadaspolosocionunhacooperativadevivendaparafinan-ciaramesmadeberánreembolsarse,segundooartigo121dacitadaLei,nunprazomáximodunanodesdequeosociocausabaixa.

Porúltimo,tantoasachegasaocapitalsocialcomoascantidadesentrega-dasparafinancia-lopagamentodavivendadeberánreembolsarseaosocionomomentoenquesexasubstituídonosseusdereitoseobrigasporoutrosocio.

Estainterpretacióndosartigos64e121daLeideCooperativasdeGaliciaáasostidanasentencianúmero508/2012,de14dedecembrodictadapolaSección4ªdaAudienciaProvincialdaCoruñanaquerevocaasentenciadeinstanciaestimandoademandaformuladaporD.JACOBOcontraAMUIÑASOCIEDADECOOPERATIVAGALEGA,aquencondenaaabonaraoactoracantidadede36.195euros,conaplicacióndoxuro legaldendeorequeri-

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142 Sánchez Cabanelas: Cooperativa de vivendas. Baixa voluntaria non xustificada

mentode1dexuñodo2010,incrementadoendouspuntosporaplicacióndoartigo576daleideAxuizamentoCivil,conimposicióndecostasdeinstanciaápartedemandada.

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143Rodríguez Míguez: Impugnación dos acordos do consello reitor dunha cooperativa de vivendas…

Cooperativismo e Economía Social, nº 35 (2012-2013), pp. 143-146

impUgnACión dos ACoRdos do Consello ReitoR dUnhA CoopeRAtivA de vivendAs e

impRoCedenCiA dA dedUCión de CAntidAdes nAs devolUCións poR bAixA xUstifiCAdA dUn soCio. ComentARio dA sAp de pAlenCiA núm.

31/2013 (seCCión 1), de 4 febReiRo de 2013

M.ªJesúsRODRÍGUEZMÍGUEZ.

1.- pResentACiónAbaixaousaídanunhasociedadeouencalqueratipodeorganización,teña

ounoncarácterasociativoépoloxeralunfeitocotiáerelevanteaomesmotempo.Nocasodassociedadescooperativasémesmounprincipiosubstantivoeestrutural.Trátasedoquesechama“principiodeportasabertas”,segundoocal sepermiteaossociosqueseadhiranoubencausenbaixa librementenamesma,senprexuízodequeasúaeventualsaídapodatertrascendenciamesmoparaasupervivenciadasociedade,xaquedeberespectarseasesixen-ciasdunnúmeromínimolegaldesocios(ou,ensentidocontrario,onúmeromáximoquepodanfixarosEstatutos).

No caso das cooperativas de vivenda este feito é aíndamáis relevante,comoteremosocasióndevernestecaso,epresentauncaráctersingularqueesixeunhanormativaespecíficadestinadaaregulardexeitoequitativoosinte-resesenconflito(osquesevaneosquesequedan),enfuncióndevariantesdiversaserequisitospropios.

Enefecto,ocasoqueimosexaminarversasobredaprocedenciaounondepracticarnunhaCooperativadevivendadeduciónsnasdevoluciónsdecan-tidadesaossociosquecausanbaixanamesma.Édicir,nonsecuestionaodereitoábaixasenónascondiciónsnasqueestasedebeproducir.

Rodríguez Míguez: Impugnación dos acordos do consello reitor dunha cooperativa de vivendas…

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Nondebemosesquecerqueacrisenaqueestáosectorinmobiliariodesde2008nonsófaiqueestetipodecasossexanmáisfrecuentessenónqueponenevidenciaanecesidadedunharegulaciónespecífica.

2.- AnteCedentes

A sentencia ditada enApelación polaAudiencia Provincial de PalenciaresolveunrecursocontraopreviopronunciamentodoXulgadode1ªInstanciaeInstruciónnúm.1dePalencia,recaídanoXuízoOrdinarionúm.309/2012,dedata10desetembrode2012,ondeoxuízliteralmentedispón:

“Desestimar a demanda interposta [...] en nome e representación deD.FabiocontraRíoPisuergaSociedadeCooperativadevivendas,absolvendoapartedemandadadospedimentosdeducidosnasúacontra.Conimposiciónaparteactoradascostascausadas.”

Osfeitosaceptadosnasentenciaimpugnadapodenresumirsebrevementenoseguinte:

D.Gabriel eD.Fabio impugnaronxudicialmenteo acordodoConselloReitordeRíoPisuergaSociedadeCooperativadeVivendasde1desetembrode2010,asícomooacordodasúaAsembleaXeral,do15deabrilde2011,nosqueseacordabaquetrasdasúabaixanacooperativaseprocedíaaactua-lizaroseusaldodereembolsodeacordocoasperdasdoBalancedepechedo2009,oquesupuñapracticarunhadeduciónacadaundelesporimportede29.120,47€nosaldoresultante.Édicir,preténdesellesreducirascantidadesareembolsaracausadasperdasnasquetiveraincorridoasociedade.

O fundamento era que na cooperativa se aprobara por unanimidade unplanodeviabilidade(constandoqueosactoresovotaroneofixeronafavor)noqueseacordabaque“oquesevaisenparcelasoporteasperdasderivadasdoactualprezodemercadoenrelacióncoscustos”,poloqueasentenciaagoraimpugnadaconsiderouaxustadoquesellesrepercutiraósactoresascorres-pondentesperdas.

Pola contra, os demandantes/apelantes sosteñen que os citados acordossonnulosdeplenodereito,senqueoseuvotofavorableoconvalide,xaqueelescausaronbaixao22dedecembrode2009,ebaixaxustificada,poloquedeconformidadecoalexislaciónaplicable(nestecaso,comoveremos,aLei4/2.002, do 11 de abril deCooperativas deCastela eLeón) e osEstatutosdapropiacooperativanonllescorrespondíasoportardeduciónalgunhasobre

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dascantidadesnoseudíaanticipadas,epolotantoapracticadado40%debeanularse.

3.- ComentARio

ALei4/2.002do11deabrildeCooperativasdeCastelaeLeón(apartiresdeaquíLCCL),establecenoseuartigo59queocapitalsocialestaráconsti-tuídopolasaportaciónsobrigatoriasevoluntariasdossocios,equepoderánser:

“a)Aportaciónscondereitodereembolsonocasodebaixa.

b)AportaciónsnoqueoseureembolsonocasodebaixapodaserrefusadoincondicionalmentepoloConselloReitor.”

Polasúabanda,oartigo118.6LCCLsinalaoseguinte:

“OsEstatutospoderánpreverenquecasosabaixadunsocioéxustificadaeparaosrestantes,aaplicación,nadevolucióndascantidadesentregadaspolomesmoparafinanciaropagodasvivendaselocais,dasdeduciónsaqueserefireoapartado3doartigo66,ataunmáximodo50%dasporcentaxesquenomesmoseestablecen.”

Ocitadoartigo66daLCCL,noseuparágrafo3º(naredacciónvixentenomomentodosfeitos),establecíaarespectodoreembolsodasaportaciónsque:

“OsEstatutosdecadacooperativafixaránoimporteporcentualdasdedu-cións,quecomomáximoseránaplicablesacontíadoreembolso,segundoascausasmotivadorasdomesmo,quenonpoderánexcederdo30%nocasodeexpulsión,nindo20%nocasodebaixanonxustificada.”

Polotanto,asingularidadequepresentannestamateriaascooperativasdevivendassometidasálexislacióndecooperativasdaComunidadedeCastelaeLeónéquealeiseremiteaosEstatutosparacoñeceroscasosnosqueabaixadunsociosepoderácalificarcomoxustificada.

No presente caso, o artigo 12.1.3 dosEstatutos da SociedadeCoopera-tivaRíoPisuergaestablecíaespecificamenteque,senoprazodetresmesesemedianteresoluciónexpresa,oConselloReitornoncalificaabaixa,amesmaentenderasecomoxustificada.Trátasedunhasortedesilenciopositivo,noqueafaltadedilixenciadosórganosxestoresdascooperativasnoncalificandoabaixaresólveseeninteresedossociosquecausanbaixa,dadoquesecalifica

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146 Rodríguez Míguez: Impugnación dos acordos do consello reitor dunha cooperativa de vivendas…

exlegecomoxustificada,coasimportantesconsecuenciasquedetalcalifica-ciónderivanparaosmesmos,endetrimentonoseucasodapropiasociedade.

Como consta acreditado no expediente xudicial, oConselloReitor, poracordodo31demarzode2010 (modificadoporoutrodo1de setembro),nonsócalificouabaixacomoxustificada,senónqueproducida,segundoodemandante/apelante,condata22dedecembrode2009esenqueconstereba-tidoocitadoacordo,ditándoseesteforadoprazodetresmeseslegalmenteestablecido.

Enconsecuencia,eenaplicacióndaLCCLedasdisposiciónsestatutarias,abaixaéclaramentexustificada,ocalimpideaprácticadededuciónalgunhanoreembolsamentodasaportacións.

Ávistadoexposto,aSalapronunciouseestimandonasúaintegridadeorecursointerposto,revocandoasentenciaapeladaedeclarandoanulidadedosacordosdoConselloReitordo1desetembrode2010,asícomoodaAsembleaXeraldo15deabrilde2011relativososdereitosdosapelantes,declarandoenconsecuenciaodereitoaoreembolsodasaportaciónsaocapitaldaSociedadeCooperativaedospagosaconta,condevengodeinteresesdendeabaixa(22dedecembrode2009),senimpoñercostasnasdúasinstanciasaninguén.

4.- ConClUsiónsNoncabedúbidadequeosqueaolongodapresentecriseparticiparonen

proxectoscooperativosnosectordavivendateñenasumidounriscoespecial,quevaimáisalódoque inicialmentesepoderíapensarnunproxectodestanatureza.

Nasituaciónnaqueseatopanmoitasdascooperativasdevivendadesdeo comezoda crise, especialmentedelicadanamaioríados casos, oque faipreciso,paraevitarenabusos,queossociosquedesexencausarbaixa(algoperfectamentelexítimo),sexanperfectamenteescrupulososcosrequisitosfor-maisesixidosparapoder facelo.Domesmoxeito,noncabedúbidadequenestasmesmascircunstanciasosdemaissociose,dexeitomoiespecial,osqueparticipannavidadascooperativasdesdepostosdirectivos,debenextre-marpolasúabandaavixilanciadesesmesmosrequisitos formaispara,senimpedirolexítimodereitodesaída,nonrepercutan,polasúaneglixencia,endetrimentodopatrimoniocooperativo,comoxasinalamos,aboseguroesta-ránxadeporsideterioradosnameirandepartedoscasosacausadamesmacrise.

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Cooperativismo e Economía Social, nº 35 (2012-2013), pp. 147-152

ACoRdos do Consello ReitoR de nAtURezA sAnCionAtoRiA. ComentARio dA sAp de bURgos

núm. 214/2012 (seCCión 3ª), de 23 de mAyo.

SinesioNOVOFERNÁNDEZ

Resumo

Dous socios daCOOPERATIVAAVÍCOLAYGANADERADEBUR-GOS, en concreto as persoas xurídicas GUTIÉRREZ EXPORCI, S. L. eÁLAMODOMINGO,CARLOSYPEDRO,S.C.,presentandemandapolaqueimpugnandousacordosdoConselloReitordacooperativaáqueperten-cen

Oprimeirodosacordosimpugnadosimpoñíaaambasasdúassociedadesdemandantesopagodunhacláusulapenalporincumprimentodasobrigasdoscooperativistas.Dita cláusula atopábase prevista no contrato asinado polasactorascandoseincorporaronácooperativa,nocaltaménseexpresabaqueossociosseobrigabanaentregartodaaproducióndeporcosparaosacrificionomatadoiroqueacooperativadesignedurantetodooperíododeduracióndocontrato.É,precisamente,oincumprimentodestaconcretaobriga,oquemotivaaaplicaciónpoloConselloReitordacláusulapenal.Fronteóacordoqueimpoñíaopagodacláusula,oscooperativistassancionadosinterpuxeronrecursoanteaAsembleaXeral,quefoiinadmitidopolomesmoConsello.

A inadmisión a trámite, polo susodito órgano cooperativo, do recursopresentadopolosdemandantes,constitúeosegundodosacordosobxectodeimpugnaciónnavíaxurisdicional.

OXulgadodoMercantilnº1deBurgosditousentenzaendata16dexaneirode2012,polaqueestimabaaexcepcióndefaltadelexitimacióndasociedadecivildemandante.Considerouotribunaldeprimeirainstanciaqueassocieda-descivísquenonseconstituíronenescriturapúblicaounonseinscribironno

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RexistroMercantilcarecendepersonalidadexurídicapropiaeindependentedadorestodossociosqueasintegren.

Contraasentenzaabsolutoriaditadaenprimeirainstancia,osdemandantespresentanrecursodeapelación,doquecoñeceaSecciónTerceiradaAudien-ciaProvincialdeBurgos.

Enprimeirotermo,asentenzadaAudienciaapártasedatesesostidapoloXulgadodoMercantilencantoápersonalidadexurídicadasociedadecivildemandante. En aplicación de xurisprudencia tanto do Tribunal SupremocomodaDirecciónXeraldosRexistrosedoNotariado,entodocasoposteriorásentenzacitadapoloxulgadordeprimeirainstancia,aAudienciaProvincialrecoñeceapersonalidadexurídicadasociedadecivil recurrente.SegundoamencionadaxurisprudenciadoTribunalSupremo,osdousrequisitosdeins-cripciónnoRexistroeconstituciónenescriturapúblicaxanonconstitúenunhaesixenciaineludibleparaqueunhasociedademercantilostentepersonalidadexurídica,podendosersubstituídospolachamadapublicidadedefeitonasrela-ciónsdasociedadeconterceiros.Estamesmadoutrina,logodaresolucióndaDirecciónXeraldosRegistrosedoNotariado,de14defebreirode2002,seríaextensibleássociedadescivísirregulares.

Ensegundotermo,unhavezdesestimadaaexcepciónprocesual,aAudien-ciaProvincialvesenanecesidadedeentrarnofondodoasunto.Víamosante-riormentequeosrecurrentesimpugnarondousacordosdoConselloReitor,undedata28desetembrode2010,eoutrodedata29dedecembrodomesmoano.Aimpugnacióndoprimeiro,queimpoñíaósdemandantesopagodunhacláusulapenalporincumprimentodassúasobrigascomocooperativistas,fun-damentabase na infracción do principio de audiencia e na desproporción ecarácterdesorbitadodasanción.OsegundoacordoobxectodeimpugnaciónrefíreseádecisióndoConselloReitordenonadmitiro recursopresentadoanteaAsembleaXeralpolossociossancionados.OsdemandantessolicitananulidaddedevanditoacordopornonrespectaroprocedementoreguladonaLeideCooperativasdeCastelaeLeón,queprevéaimpugnacióndosacordossancionatoriosanteoComitédeRecursose,na súa falta, anteaAsembleaXeral,comovíapreviaeobrigatoriaparaacudiráxurisdiciónordinaria.

Finalmente, a sentenza daAudienciaProvincial deBurgos declara nulooacordodoConselloReitorde28desetembrode2010,porestimarqueoincumprimentoqueorixinaaaplicacióndacláusulapenalidentifícase,ásúavez,cosupostodefeitodunhafaltamoigravetipificadanosestatutosdacoo-perativa,comoéoincumprimentodaobrigadepoñeradisposicióndaAgru-

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pacióna totalidadedaproduciónreferenteóproductorouósprodutosparaoscalesseadheriron.Xaquelogo,estamosperanteunacordosancionatoriodoConselloReitorquedeberespectar,comononfoiocaso,oprincipiodeaudienciaósinteresadospreceptuadonoartigo24.3.bdaLeideCooperativasdeCastelaeLeón.Ocaráctersancionatoriodoacordode28desetembrode2010taménconduceáAudienciaProvincialdeBurgosadeclararanulidaddoacordode29dedecembrode2010,polocaloConselloReitorinadmitíaatrámiteaimpugnacióndoanterioracordoanteaAsembleaXeral.

AnotACión

I. Personalidade xurídica da sociedade civilAsprincipaiscuestiónsquesuscitaasentenzadaAudienciaProvincialde

Burgospódensereduciraunhadeíndoleprocesualeoutradecaráctersubstan-tivo.Respectodaprimeira,semellaclaroquesetratadedecidirsiasociedadecivilqueaparececomorecurrente tenpersonalidadexurídicae,polo tanto,alexitimaciónactivanecesariaparaserpartenoprocedementodeimpugna-cióndeacordosnulos.Nestepunto,aopinióndaAudiencia,contrariamenteómanifestadonasentenzadaprimeirainstancia,móstrasefavorableaadmitirapersonalidadexurídicadeÁLAMODOMINGO,CARLOSYPEDRO,S.C.

Comooposiciónádoutrinaacollidanasentenzaquenosincumbe,éinte-resanteapuntararecenteecontrovertidaresolucióndaDirecciónXeraldosRexistrosedoNotariado,de25dexuñode2012,queentreoutrascuestiónsdeclara:“resultahoxeclaramentequefoivontadedolexislador-quedebetervalorpreferenteparao intérprete-quesó tivesenpersonalidadexurídicaassociedadescivísquecumprisenunplusderequisitosequesonosmesmosqueseesixennoCódigodecomercioparaqueassociedadesmercantísteñanpersonalidadexurídica”.

Istonoentanto, segue sendomaioritaria adoutrinaqueadmite aperso-nalidadexurídicadas sociedades civís non inscritasnoRexistroMercantil,postura coincidente con xurisprudencia reiterada doTribunal Supremo. Envirtudedasentenzadoaltotribunal,de7demarzode2012,onososistemanonesixeainscripcióndassociedadescivísenrexistroalgúneninoart.1669doCódigoCivilninoartigo35domesmoCódigosupeditanáinscripciónorecoñecementodapersonalidadedasasociaciónsdeintereseparticular,sexancivís, mercantís ou industriais, ás que a lei conceda personalidade propia,independentedadecadaundosasociados.Aestaliñaxurisprudencialaxús-

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tase igualmente a interesante sentenza doTribunal Superior deXustiza deAndalucía,sédeGranada,de2dexullode2012.Segundoamesma,ospactosefectuadospolasociedadeencuestióneranpúblicosporconstarenescritura,paratalefectononérequisitoimprescindiblequeestiveseinscritanoRexistroMercantil,poistalcircunstanciapoderádotardemaiorpublicidade,peroasúaausencianonsignificaqueospactossexansecretos.Asíetodo,aconstanciaenescriturapúblicaeacontrataciónpolosórganossociaisnondeixanlugaradúbidasdequeaentidadeactuabanotráficoxurídicocomosuxeitodedereito.Nocasoquenosocupa,apreciamosclaramentequeopactopolocalasocie-dadecivilrecurrenteseincorporaáCooperativaconstaenescriturapública,poloqueosargumentosdoTribunalSuperiordeXustizadeAndalucía sonperfectamenteaplicablesásenténciaobxectodapresenteanálise.

II. Naturaleza sancionatoria dos acordos do consello reitor

Unhavezresoltaacuestiónprocesual,éobrigadoatenderósargumentosdefondosuscitadospolosrecurrentesparaimpugnarosacordosdoConselloReitor.Aenumeracióndetodoseleslévanosaconcluírqueorecursosefun-damentanadesproporciónecarácterdesorbitadodasanción,nainfraccióndoprincipiodeaudienciaparaasúaimposiciónenanonadmisióndunrecursosuscitado,anteaAsembleaXeral,contraoacordosancionatoriodoConselloReitor.

Oprimeirodosargumentosrelacionadosnonfoiaceptadopolotribunaldeapelaciónparaestimaro recurso.TrátasedeconsiderardesproporcionadaacuantíaqueoacordodoConselloReitorde28desetembrode2010impuxoósrecurrentesporaplicacióndunhacláusulapenal.Enordeádeterminacióndadevanditacantidade,aAudienciaProvincialentendequeoscálculosefec-tuadossoncorrectos,segundoinformedoperitoxudicial.Tendoencontaqueaformadeobteracuantíadaindemnizaciónformúlaseentermosobxectivosnapropiacláusulapenal,nonatopamosatrancoalgúnádecisióndaAudiencia.Diacláusulaqueosocioincumpridorpagaráapartependentedeamortizartomandounhaproporciónouprorrateode9anossobreoinvestimentoreali-zadonomomentodeasinarseestecontratoeaquesepuideserealizarataomomentoenqueocorraoincumprimentodosocio.Operiododetempoóqueseextenderáestaobrigadepagoporpartedosocioseráoqueresteataquesecumpranoscincoanospactadosdeduracióndopresentecompromiso.

Deixandoámarxeadiscusiónsobreocarácterdesproporcionadodasan-ciónimpostapoloacordodoConselloReitorde28desetembrode2010,a

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apreciacióndosrestantesargumentosdefondodorecursoredúceseadetermi-narsiodevanditoacordopresentaounonnaturezasancionatoria.Osrecur-rentespretendentantoadeclaracióndenulidadedoacordodoConselloquellesimpónopagodunhacantidadedediñeiro,enaplicacióndacláusulapenalprevistanaescrituradeconstitucióndacooperativa,comoanulidadedainad-misióndorecursocontraoanterioracordo,presentadoanteaAsembleaXeral.

Envirtudedoartigo39daLeideCooperativasdeCastelaeLeón,enrela-cióncoartigo45.4damesmalei, sonnulososacordosdoConselloReitorcontrariosálei.Osrecurrentesconsiderannulososacordosimpugnadospor-queentendenque,nocasododedata28desetembrode2010,nonse llesproporcionouósinteresadosaaudienciaprevistanoartigo24.3.bdaLeideCooperativasdeCastelaeLeóne,nocasodoacordodedata29dedecembrode2010, infrínxese a letra cdomesmoartigo,quepermite a impugnacióndoacordode sanciónanteaAsembleaXeral.Parapodermosdeterminar sihoubo vulneración da lei e, en consecuencia, que os acordos impugnadossexandeclaradosnulos,debemosconcluírsiospreceptosmencionadossonaplicablesósupostodefeito.Noartigo24.3recóllenseunhaseriedenormasmínimasquehandeobservarosprocedementossancionadores,reguladosconmaiordetallenosestatutosdascooperativas.Así ascousas, tendoencontaque o Consello Reitor da cooperativa recurida non respectou ningún dostrámites legais quehande seguirse nun expediente sancionador, chegamosáconclusióndeque,paraconsideraranulidadesolicitadapolosdemandan-tes,habemosdeconcluír anatureza sancionatoriadoacordodedata28desetembrode2010.TraloexamedosfundamentosdedereitodasentenzadaAudiencia,apreciamosqueunmesmosupostodefeitoésubsumible,ávez,nunhainfracciónmoigrave,tipificadanosestatutosdacooperativarecurrida,e nunha estipulación contractual, integrada na escritura de constitución dedevanditasociedadeesancionadacunhacláusulapenal.Estaestableceunhaobrigadepagoós sociosfirmantesquenonentreguen todaaproducióndeporcosparaosacrificionomatadoiroqueacooperativadesignedurantetodooperiododeduracióndocontrato.Polasúabanda,osestatutosdaCOOPE-RATIVAAVÍCOLAYGANADERADEBURGOScualificancomofaltamoigraveoincumprimento,porpartedossocios,daobrigadepoñeradisposicióndaAgrupaciónatotalidadedaproduciónreferenteóproductorouósprodutosparaoscalesseadheriron.Resultaevidentequeacondutadescritanacláu-sulapenalconstitúe,ómesmotempo,unhafaltaestatutariamentetipificada.NestepuntoestamosdacordocoaAudienciaenque,denonconsiderarmossancionatoria a resolución doConselloReitor de 28 de setembro de 2010,

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estaríasepermitindoa inaplicacióndoprocedementosancionadoreascon-siguientesgarantíaslegaisquesupónparaossociosinfractorese,domesmoxeito,eludiríaseocontroldaAsembleaXeral,queécompetenteparacoñecerdos recursos non xurisdiccionais fronte ós acordos sancionatorios doCon-sello.Aestainterpretaciónpodemosengadirlleoprincipioxeraldodereitoindubioproreo,postoque,polotipodemateriadequesetrata,asdúbidashanderesolverseenbeneficiodosocio(MorillasJarillo,M.J.eFeliúRei,M.I.,CursodeCooperativas,segundaedición,Madrid,2002,p.197).

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ACtUAlidAde fisCAlCoordinadora:AnaMaríaPitaGrandal

▪ AnaMaríaPitaGrandalLas tasas en el ambito de la administración de justicia. ¿Posibles supuestos de injusticia?

▪ RobertoI.FernándezLópezAs principáis novidades introducidas no ordenamento orzamentario e tributario de galicia en 2013

▪ SorayaRodríguezLosadaNovidades lexislativas introducidas pola lei 16/2012, de 27 de decembro, pola que se adoptan diversas medidas tributarias dirixidas á consolidación das finanzas públicas e ao impulso da actividade económica

▪ CarmenRuizHidalgoIncentivos fiscais á contratación regulados na Lei de Reforma Laboral

▪ LuisMiguelMuleiroParadaAs novas medidas tributarias de apoio aos emprendedores

▪ MaríaCruzBarreiroCarrilOs novos impostos medioambientales e a normativa de desenvolvemento

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▪ MónicaSiotaÁlvarezEscrituras públicas de subrogación e novación modificativa de préstamos e de créditos hipotecarios: o seu ¿dispar? tratamento no Imposto sobre Actos Xurídicos Documentados. Comentario á Resolución do TEAC de 16 de maio de 2013

▪ JaimeAneirosPereiraA transmisión de empresas e o IVE. A esixencia do imposto no caso de que se transmita un paquete accionarial

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Cooperativismo e Economía Social, nº 35 (2012-2013), pp. 155-163

lAs tAsAs en el Ambito de lA AdministRACión de JUstiCiA. ¿posibles sUpUestos de inJUstiCiA?

Dra.AnaMaríaPITAGRANDALCatedrática de Derecho Financiero y Tributario

Universidad de Vigo

1. intRodUCCión

Cuandosecumpleunañodesde laentradaenvigorde laLey10/2012,de20denoviembre,por laqueseregulandeterminadastasasenelámbitode laAdministraciónde Justicia, pareceoportuno realizar una reflexión enrelaciónconsucontenido.Aunquenoexistenaúndatosfiablesyconsolidadosseconocequesehaproducidoundescensoenlalitigiosidad,loquepodríaserunabuenanoticiasinoconstituyeconsecuenciadeunalimitaciónalderechodedefensa.

SinlugaradudaselEstadosocialydemocráticodeDerechotieneenlaAdministración de Justicia uno de sus pilares fundamentales y ésta ha deentenderse,enlostérminosdelart.24delaConstituciónEspañolacomoelderechoquetienentodoslosciudadanos“aobtenerlatutelaefectivadelosjuecesytribunalesenelejerciciodesusderechoseintereseslegítimos,sinque,enningúncaso,puedaproducirseindefensión”.

TampocoexistendudaalgunarespectoaquelaAdministracióndeJusticia,comoserviciopúblicoesencialquegarantizalaresolucióndeconflictosylapazsocial,implicaungastocuyafinanciaciónpodríahacersedediversasfor-mas,perofundamentalmentededos.Enprimerlugar,elEstadopuedeasumiríntegramenteelgastopúblicoqueproduceesteserviciopúblicofinanciándoloconlosrecursosdelTesoropúblico,queproceden,fundamentalmente,delarecaudacióndeimpuestos.Ensegundolugar,puederepercutirtodoopartedel

Pita Grandal: Las tasas en el ambito de la administración de justicia. ¿Posibles supuestos…

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costeatravésdelestablecimientodeuntributocuyohechoimponibleseríaelpropiodelatasa.Lasolicituddeamparojudicialsuponeeldesarrollodeunaactividadadministrativa,típicaenlaestructuradelhechoimponibledeestetributo.

LaaprobacióndelaLey10/2012hasupuestoennuestropaíslaasuncióndeestasegundaopción,quehasidotambiénasumidaporpaísesdenuestroentorno.EnelfondodeestatemáticaseencuentraeldebatedelaescasezdelosrecursosdelaAdministracióndeJusticiaylanecesidaddeprestarunaJus-ticiarápida,eficazydecalidad,loqueresultaincompatibleconlaprecariedadaquesevesometida.

Laprimera cuestiónque suscita estaLey, sin lugar adudas, es la de lacompatibilidaddelatasaenellareguladaconeltextoconstitucional.Aesterespecto,elRealDecreto-ley3/2013,de22defebrero,porelquesemodificaelrégimendelastasasenelámbitodelaAdministracióndeJusticiayelsis-temadeasistenciagratuita,havenidoaintroducirmodificacionesenlaLey10/2012,paraunamejoradaptaciónaladoctrinadelTribunalConstitucional,sentada tantoen lasentencia20/2012,de16defebrerode2012yenotrasposteriores.EnlapropiaExposicióndeMotivossereconocequelamodifica-cióndelacuantíadelatasasehamanifestadocomonecesariaparaevitarquepuedagenerar“efectosindeseados”.

2. los AnteCedentes

PorDecreto1035/1959,de18dejunioseestablecierontasasjudicialesacuyopagoveníanobligadaslaspersonasnaturalesojurídicas“quepromuevanlaactuacióndelosTribunalesyJuzgadososeanparteenelproceso,salvoloscasosdenosujeciónoexencióndeterminadosporlospreceptosvigentes”.Seexigíanentodoslosórdenesjurisdiccionalesexceptoelsocial.Enelámbitopenalhabíaimportantesexenciones.LarecaudaciónseefectuabapormediodeefectostimbradosyseaplicabaalaremuneracióncomplementariadelosfuncionariosdelaAdministracióndeJusticia,hastaquelaLeyde8dejuliode1963dispusoqueelproductodelastasasjudicialesseingresaseenelTesoroPúblico,integrándoseenelPresupuestodelEstado.

ElTextoRefundidodelaLeydelImpuestosobreTransmisionesPatrimo-nialesyActosJurídicosDocumentados,de30dediciembrede1980sujetabaalamodalidaddeActosJurídicosDocumentados“lasresolucionesjurisdic-cionalesy los laudosarbitrales, losescritosde los interesadosrelacionados

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conaquéllas,asícomolasdiligenciasyactuacionesquesepractiquenytesti-moniosqueseexpidan”.

La Ley 25/1986, de 24 de diciembre, suprimió las tasas judiciales, yexplicódichasupresiónen lossiguientes términos:“LaConstituciónEspa-ñolaensuart.1propugnalalibertad,lajusticia,laigualdadyelpluralismopolíticocomovaloressuperioresdelordenamientojurídicoespañol.Además,enelpárrafodosdelart.9instituyealospoderespúblicosenlaobligacióndepromoverlascondicionesparaquelalibertadylaigualdadseanrealesyefectivas,yderemoverlosobstáculosqueimpidanodificultensuplenitud”.Señala,además,queenelámbitodelaAdministracióndeJusticia,losvaloresconstitucionalessemanifiestanenelderechoaobtenerlatutelajudicialefec-tivadelosderechoseintereseslegítimosreconocidosenelart.24delapropiaConstitución.Yenestesentidoexpresalaincompatibilidaddelosprincipiostributariosvigentesconlaordenacióndelastasasjudiciales.

Continuandoconlalíneadegratuidad,sesuprimeelImpuestosobreActosJurídicosDocumentadosenrelaciónconlasactuacionesjudicialesyconelRegistroCivil.

3. lA ReinCoRpoRACión de tAsAs JUdiCiAles A pARtiR de 2002

LaLey53/2002de30dediciembre,deMedidasFiscales,AdministrativasydelOrdenSocialintrodujoensuart.35latasaporelejerciciodelapotestadjurisdiccionalenlosórdenescivilycontenciosoadministrativo.Elgravamenrecaesobrelaspersonasjurídicas,ydeclaraexentasalaspersonasfísicasyalasentidadesdereducidadimensióndeacuerdoconloprevistoenelImpuestodeSociedades.

LaLO1/2009,de3denoviembre,establecióeldepósitojudicialpararecu-rriryenlaDA15ª.13dispusoquelaexigenciadeldepósito“serácompatibleconeldevengodelatasaexigidaenelejerciciodelapotestadjurisdiccional”.

LaLey4/2011,de24demarzo,demodificacióndelaLEC,incluyóenelhechoimponibledelatasajudiciallapresentacióninicialdelprocedimientomonitorioydelprocedimientomonitorioeuropeo.

Finalmente,laLeydeMedidasdeAgilizaciónProcesalde10deoctubrede2011,incluyóenlascostaselimportede“...latasaporelejerciciodelapotestadjurisdiccionalcuandoéstaseapreceptiva”.

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4. lA tAsA poR el eJeRCiCio de lA potestAd JURisdiCCionAl en los óRdenes Civil, ContenCioso-AdministRAtivo y soCiAl, de lA ley 10/2012, modifiCAdA poR el ReAl deCReto-ley 3/2013

ApesardequelaLey10/2012haevitadoutilizarlaexpresión“tasajudi-cial”o“tasasjudiciales”,comosehacíaenelDecretode1959,lociertoesqueestaLeyasupuestounfrancoretrocesoalasituaciónqueenmateriajudicialexistíaenesaépocayque,comohemosdicho,sesuprimióconlafinalidadderemoverlosobstáculosqueimpedíanodificultabanlaplenituddelascondi-cionesparaquelalibertadylaigualdadfuesenrealesyefectivas.

Sibienesciertoquela“reincorporación”delastasasjudicialesseiniciaconlaLey53/2002,noesmenosciertoqueelámbitosubjetivoprevistoeramuchomásreducidoydeunacapacidadeconómicapresumiblementemayor:entidadesjurídicas,quenotuvieranlacalificacióndeempresasdereducidadimensión.

LaLeyvigente,porelcontrario,declarasujetospasivosatodaslasperso-nas,físicasojurídicas,quenotenganderechoalaasistenciajurídicagratuita.Es tambiénunanovedad la sujeciónen los supuestosde recursosde supli-caciónycasaciónenelordenjurisdiccionalsocial,sibienlostrabajadores,porcuentaajenaoautónomos,gozandeunaexenciónparcialdel60%enlacuantíadelatasa.Enlalegislaciónde1959,lajurisdicciónsocialhabíaestadoexcluidadelabonodetasasjudiciales.

En relacióncon los funcionariospúblicos,para suequiparacióncon lostrabajadoresenelordenjurisdiccional,elRealDecreto-ley3/2013haintrodu-cidounnuevoapartado4enelartículo4,enelque,enelordencontencioso-administrativo,“los funcionariospúblicoscuandoactúenendefensadesusderechosestatutariostendránunaexencióndel60porcientoenlacuantíadelatasaquelescorrespondaporlainterposicióndelosrecursosdeapelaciónycasación

Posiblementeunodelosaspectosmásllamativosdelatasaquevenimosanalizando,loconstituyeelart.8.2enelquesedisponequeeljustificantedepagode la tasadebeacompañara todoescritoprocesalmedianteelqueserealiceelhechoimponible.Encasodenoseacompañasedichojustificante,elSecretariojudicialrequerirálasubsanación,“nodandocursoalescritohastaque tal omisión fuese subsanada”.Y, se dispone asimismo, que la falta depresentacióndeljustificantedeautoliquidación,“noimpedirálaaplicaciónde

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losplazosestablecidosenlalegislaciónprocesal,demaneraquelaausenciadesubsanacióndetaldeficiencia,traselrequerimientodelSecretariojudicialaqueserefiereelprecepto,darálugaralapreclusióndelactoprocesalyalaconsiguientecontinuaciónofinalizacióndelprocedimiento,segúnproceda”.VolveremossobreestepreceptoperoconvienedeciraquíqueelRealDecreto-ley3/2013tambiénincideenesteprecepto,señalandounplazode10díasparalasubsanación,queenlaredacciónoriginalnoserecogía.Entiendoquenosencontramosanteunplazodecaducidad,quenointerrumpelaprescripciónyque,enconsecuencia,eldemandantepodráplantearnuevamentelapreten-sión,dentrodelplazolegalmenteestablecido.

Aspectos especialmente susceptibles de crítica en la regulación actual en atención a la CE y a la vista de la jurisprudencia del TCLosaspectosquepodemossometeracríticasonvarios.Peroenestelugar

voyareferirmeaaquellascuestionesque,desdemipuntodevista,sonmuyimportantes.

Enesesentido,enprimerlugar,seplatealacuestiónrelativaasiescom-patiblelaexigenciadetasasjudicialesconelderechoalaasistenciagratuitayconelderechoalatutelajudicialefectiva.Yloprimeroquehayquedeciraeste respectoesqueexisteyaunaabundante jurisprudencia tantodelTCcomodelTribunaldeDerechoHumanosdeEstrasburgo,enunsentidoquecontradicelosmotivosexpuestosenlaLey25/1986,de24dediciembre,quesuprimiólastasasjudicialesyenlaque,convienerecordarahora,sefunda-mentabalasupresiónenlaCEy,enparticular,ensuart.24.

Deacuerdoconlasentencia20/2012delTC,enrelaciónconlatasaqueveníanobligadasasatisfacerlasentidadesmercantilesconelevadovolumende facturación, “enprincipionovulnera laConstituciónqueunanormaderangolegalsometaaentidadesmercantiles,conunelevadovolumendefactu-ración,alpagodeunastasasquesirvenparafinanciarloscostesgeneradosporlaactividadjurisdiccionalqueconllevajuzgarlasdemandasquelibrementedecidenpresentarantelosTribunalesdelordencivilparadefendersusdere-choseintereseslegítimos”.

Entodocaso,enlavaloracióndeestadoctrinadelTC,sisepretendesuaplicaciónalaLeyqueahoranosocupa,esprecisonoperderdevistavariascosas.Laprimera,quesiseafirmalaposibilidaddeaplicarunatasanodebeolvidarelpropioTCsupropiadoctrina,quesobretododesdeelaño2000,vieneexigiendoquetodoslostributosseestablezcanatendiendoalacapaci-

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dadeconómicay,loqueesaúnmásimportanteenrelaciónconesteprincipio,queelhechoimponibleincluyaensuselementosuníndiceomanifestaciónderiqueza.

Puesbien,alavistadelanuevaredacciónqueelRealDecreto-ley3/2013introduceenelart.7.2delaLey10/2012,esposiblequeellegisladorhayasidoconscientedequelaSTC20/2012otorgacoberturaalatasaaplicadaalaspersonasjurídicas,cuyacapacidadeconómicapuedeponersedemanifiestoensuvolumendeoperacionesycorrespondientemagnituddesuspretensiones,mientrasquelaLey10/2012contemplasujetospasivos,personasfísicas,cuyacapacidadeconómicalaLeynoseocupadeintegraradecuadamenteatravésdelelementoobjetivodelhechoimponible.

En efecto, en virtud de la modificación introducida por el citado RealDecreto-leyenelapartado2delart.7ylaintroduccióndeunapartado3enelmismo precepto, el componente variable de la tasa se aplicará según elsujetopasivoseapersonajurídicaopersonafísica,estableciéndoseuntipodegravamensensiblementemás reducidocuandoel sujetopasivoseapersonafísica,asícomounlímitemuchomásreducidoenestecaso(2.000€),queenelprimero(10.000€).EnlaexposicióndemotivosdelRealDecreto-ley3/2013se reconoce“quepeseaque las tasas, enabstractoypor símismas,no seconsideranlesivasdederechoalguno,podríanllegaradarsecasosconcretoseindividualizadosenlosquelacuantíadijadaenlatasaresultaraexcesiva.Con-secuentemente,aunpartiendodelalegitimidaddelavigenteconfiguracióndelatasa,esnecesarioarbitrarlosmecanismosqueevitenque,nisiquieraconcarácterresidual,lacuantíadelastasaspuedagenerarefectosindeseados”.Loimportantealrespectoserápoderllegaradeterminarsirealmenteestamedida,aunquemejorelasituacióndemuchossujetos,essuficienteparaevitaresoseufemísticamentedenominados“efectosindeseados”.

Del articuladode laLey10/2012no resulta fácilmente extraíble que ellegisladorhayatenidoencuentaladoctrinaconstitucionalenrelaciónconlacapacidadeconómicaalconfigurareltributo.Porelcontrario,lainterpretaciónquedelmismosepuederealizaresbiendiferente,loquevieneconfirmadoinclusoenmuchasexpresionesempleadasenlaexposicióndemotivosdelaLey.Enefecto,sehaceunejerciciodeconfusiónalpretenderqueúnicamenteenaquelloscasosenqueseacrediteinsuficienciaderecursosparalitigar,laConstituciónconsagralagratuidaddelajusticia.Enestaafirmaciónseestápresumiendoquetodoslosciudadanosquecarecenderecursosaccedenalajusticiagratuita,yesoexigiríaunanálisisprevioyminuciosodelaregulacióndelaccesoalajusticiagratuita.Sepresumetambiénqueaquellosciudadanos

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quenoaccedena la justiciagratuita tienencapacidadeconómicasuficienteparasoportarlascargastributariasvinculadasalproceso,sinqueellosupongamenoscaboparasuderechodeaccesoalajurisdicción.Setrata,enconsecuen-ciadeunamedicióndelacapacidadeconómicatécnicamentemuydeficienteyaquesehacedependerdeunacircunstancia,accesoalajusticiagratuita,quenogarantizalaexistenciadeunacapacidadeconómicarelativa,cuyaconcu-rrenciaesimprescindibleenlaaplicacióndetodaclasedetributos.

En este sentido, aunque el Real Decreto-ley 3/2013, de 22 de febreromodificalaLey1/1996,de10deenero,deAsistenciaJurídicaGratuita,par-ticularmente,encuantoalosrequisitosdeaccesoasícomodeexclusiónpormotivoseconómicos,todavezqueeliminadelcómputodelosbienesinmue-bleslaviviendahabitual,eincluyeenelmismolosrendimientosdecapitalmobiliario,essabidoquelacasuísticaesmuyvariadaydifícilmentesepuedeafirmarquequienesnotienenaccesoalajusticiagratuitaestánclaramenteensituacióndesoportartasasjudiciales.Seolvidaque,sobretodolaspersonasfísicas, pueden estar sometidas a situaciones en las que todos sus recursosestáncomprometidosyelcostedelajusticiapuedeempujarlesarenunciaralegítimaspretensiones.

Porotraparte, si tenemosencuenta lasnormasdecuantificaciónde lastasasen lasque,almenosenelplano teórico,hadeatendersealcostedelservicio,habríaquetomarenconsideraciónalsujetoqueprovocóelcoste.Lapersonaquerecurrenoesnecesariamentelaqueprovocaelcostedelservicio,sobretodocuandoelresultadodellitigioesunasentenciaestimatoriadelapretensióndeldemandante.NosonpocosloscasosenlosqueelsujetotienequeacudiralosTribunalesporactuacionesdelaAdministraciónqueposte-riormentesedeclaranarbitrariasoqueconstituyensupuestosdedesviacióndepoder.Loadecuadoenestossupuestosseríaquelastasasrecayesennosobrequienesrecurrensinosobreaquellosquefracasanensuspretensiones.

Ensegundolugar,yenciertomodotambiénenrelaciónconloyaseñalado,enlamedidaenqueserefierealacuantificacióndelatasa,resultallamativalanormaintroducidaporelRealDecreto-ley3/2013,enlaLey10/2012,alaña-dirunnuevopárrafoalart.7.1:“Cuandoelrecursocontenciosoadministrativotengaporobjetolaimpugnaciónderesolucionessancionadoras,lacuantíadelatasa,incluidalacantidadvariablequeprevéelapartadosiguiente,nopodráexcederdel50porcientodelimportedelasancióneconómicaimpuesta”.

La propiaLey ha puesto demanifiesto que el legislador es plenamenteconscientedequeprobablementesonmuchosloscasosenlosqueesposible

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quenohaya fundamentoparapretender laexistenciadeunamanifestaciónderiquezagravableenlaconductaquedalugarapromoverelejerciciodelapotestadjurisdiccional.Atiendeaunoenparticular,eldelaimposicióndesanciones,paralimitarenfuncióndelacuantíadeéstalacuantíadelatasa.¿Yquéocurresilasanciónnoesajustadaaderecho,sielTribunalfinalmentedecidequehasidoimpuestasinfundamentojurídicosuficiente?.Lodicho:elcontribuyentehabrásoportadounatasaquepodríaserel50porcientodelacuantíadelasanción.

Enesamismalíneadeintroducirnormasquecorrijanenlamedidadeloposibleaberracionesjurídicas,elRealDecreto-ley3/2013modificaelapar-tado5delart.8eintroduceunanormaquerevisteungraninterés:enelcasodeque“laAdministracióndemandadareconociesetotalmenteenvíaadminis-trativalaspretensionesdeldemandante”.Setendráderechoaladevolucióndel60%delimportedelacuotadelatasa,desdelafirmezadelaresoluciónquepongafinalprocesoyhagaconstarlaformadeterminación.Disposiciónprevistainicialmenteparaprocesosenlosquepudieraexistirresoluciónextra-judicialdellitigio,enlaexpresiónoriginaldelpreceptoo“allanamientototalosealcanceunacuerdoquepongafinallitigio”enlostérminosempleadosporelpreceptovigente.

Entercerlugaryparaterminar,tambiénenrelaciónconlaexigenciadeljustificantedelpagodelatasaquedeberáacompañaratodoescritoprocesalmedianteelqueserealiceelhechoimponibledeltributo.

EsteaspectohasidotambiénmodificadoporelRealDecreto-ley3/2013,quehadadonuevaredacciónalapartado2delartículo8,enelquesedisponequecuandonoseacompañasedichojustificante,“elSecretariojudicialreque-riráalsujetopasivoparaqueloaporteenelplazodediezdías,nodandocursoalescritohastaquetalomisiónfuesesubsanada.Laausenciadesubsanación...darálugaralapreclusióndelactoprocesalyalaconsiguientecontinuaciónofinalizacióndelprocedimiento,segúnproceda”.Lanovedadenestepreceptoesquesefijaunplazoparalasubsanación,sibiensesiguesosteniendoquesineljustificantedepagolaconsecuenciaesquenosedarácursoalescritoconlasconsecuenciasprocesalescorrespondientes.

EsciertoqueladoctrinadelTCenestamateriahasidodesdehacetiempoladejustificarqueellegisladorpuedacondicionarlaprestacióndelaactivi-dadjurisdiccionalalabonodeunatasasjudiciales,porquesegúnlasentencia20/2012,eslícitoqueellegisladoradoptemedidasparalograrunaltogradodedecumplimientoespontáneodelaobligacióndepagaruntributo.Admitió

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elTCinclusoqueaunqueesasmedidasincidanenelejerciciodelderechodeaccesoalajurisdicción.LaSTC133/2004,de22dejulio,establecióqueeldefectodetimbredelasletrasdecambiolesprivabadesufuerzaejecutiva.

Sinembargo,laposibilidaddequeelSecretarioJudicialnodétrámitealescritoporimpagodelatasapuedeserconsiderada,alavistadelajurispru-denciadelTribunalEuropeo,unavulneracióndelderechoalaccesoaunTri-bunalreconocidoenelart.6.1delConvenioEuropeodeDerechosHumanos.AsílohaestablecidoelTribunalensuSentenciaKreuzcontraPoloniade19dejuniode2001,entreotras.

Ami juicio,a lamismaconclusióndebe llegarsea lavistadelart.24.1CE.CuestióndistintaeselderechodelaAdministraciónaexigirelpagodeltributoporelprocedimientolegalmenteestablecidoyquepuedellegara laejecucióndelpatrimoniodeldeudor.

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Cooperativismo e Economía Social, nº 35 (2012-2013), pp. 165-171

As pRinCipÁis novidAdes intRodUCidAs no oRdenAmento oRzAmentARio e

tRibUtARio de gAliCiA en 2013

RobertoI.FERNÁNDEZLÓPEZProfesor Titular de Dereito Financeiro e Tributario

Universidade de Vigo

i. As medidAs mÁis sAlientAbles no eido oRzAmentARio: RedUCCión en gAstos de peRsoAl

Nomarcodoescenariodeconsolidaciónfiscal,quecaracterizaascontasdasAdministraciónspúblicasespañolasnosúltimosanos,aLei2/2013,do27defebreiro,deorzamentosxeraisdaComunidadeAutónomadeGaliciaparaoano2013,manténaliñadeactuarnonsónosingresos,convistasamellorararecadaciónfiscal,senóntaménnoterreodogastopúblico,noqueseaprecia-unanomáis-unhacontenciónxeralizadadomesmocandononunhaverda-deirareduccióndosimportesasignadosadeterminadaspartidas.

Xa que a extensión e contornos deste comentario impiden unha análisepormenorizadadadevanditaLei,centrarémonosenprimeirolugarensalien-tarareduccióndogastooperadanamasasalarialdosempregadospúblicoscuxasretribuciónsdependentotalouparcialmentedaXuntadeGalicia,para,nunsegundoapartadodotraballo,sistematizaroscambiosoperadosnoeidotributario.

Notocanteaoprimeiroapartado,mereceapenadetersenoscapítulosIeIIIdoTítuloIIdaLeidedicadoaregularosgastosdepersoal.Concretamente,noqueatinxeaocapítuloI,anormapostulaexpresamentequeduranteoano2013opersoalaoservizodosectorpúblicoautonómico(funcionario,laboral,estatutario,altoscargos,etc.)sufriráunhamermasalarialquesetraducena

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percepcióndo60%demediadasdúaspagasextra,queunicamenteestaránformadaspolosoldobase,ostrienioseocomplementodedestino,oucanti-dadeequivalente.O lexisladorautonómicoxustificaa reducciónsalarialnanecesidadedemanterestesniveisretributivosataqueseacadeningresosentermossimilaresaomomentoenqueseincorporouocomplementoespecíficonaspagasextra.Ademáis,enpalabrasdaLei,“estamedidaretributivaenmár-casenuncontextodeoutorgarestabilidadeaosempregadospúblicos,coader-rogacióndopunto3doartigo5damencionadaLei1/2012,do29defebreiro,mantendoaxornadalaboralíntegraparaopersoalinterino”.Édicir,téntasemanteromesmonúmerodeempregadospúblicos(agásasbaixasdefinitivasporxubilacións,etc.)peroacostadedisminuiromontoglobaldossoldosapercibirporaquéles.

Participadestamesmafilosofíaaoutramedidareductoradogastodeper-soal,a incorporadaaocapítuloIIIdoTítuloIIdaLei2/2013.Estámonosareferir ásuniversidades,poisodevandito capítulo recolleo límitemáximodoscustosdepersoaldastresuniversidadesgalegas,asícomoasretribuciónsadicionaisdopersoalaoseuservizoeaautorizacióndeconvocatoriasparaaprovisióndepersoallaboralfixoencasosexcepcionais.

Sendúbidaoaspectomáiscontrovertidoatinxeaodispostonoart.37daLei,noqueoseuapartado2dispónque“asretribuciónsdopersoalaoser-vizodasentidadesintegrantesdoSistemauniversitariodeGaliciareduciransenunhaporcentaxeequivalenteáobtidadaaplicacióndoindicadonaletrad)daalíneaUndoartigo21desta leisobreasretribucións íntegrasanuaisdopersoalfuncionariodaXuntadeGalicia,eesteaxustedeberásupoñernoseuconxuntoun5%damasa salarialdecadaentidade”,namentrasqueo seuapartado 3 apostilla o seguinte: “A devandita redución aplicarase sobre osconceptos retributivos dos que a súa regulación non sexa de competenciaestataleacordaraseaoabeirodascompetenciasdaComunidadeAutónomadeGalicia,respectandooexerciciodaautonomíauniversitaria.Estareduciónseralleaplicableatodoopersoalconformeassúasretribuciónsíntegrasanuaiseindependentementedasúarelaciónlaboraledaaplicaciónorzamentariacoaquesefinancie”.

Asípois,aLeideixounasmansda“autonomíauniversitaria”amaneiradeexecutarofinprevistonanorma:reduciramasasalarialnun5%.Orexei-tamentoeacontestaciónsocialdosempregadospúblicosdasuniversidadesgalegasviñeronmotivadosnonsópoloobxectivoxenéricopretendidopololexisladorautonómicosenóntaménpolaformadeaplicaresareducciónporpartedasrespectivasinstituciónsuniversitarias.Apautaxeralnestecasofoi

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apostaenmarchadunharegradeprogresividade,detalxeitoqueosempre-gadoscuxasretribuciónsprocedesen,totalouparcialmente,dofinanciamentoachegadopolaXuntadeGalicia sufriríanunhamermadosseussalariosenfuncióndomaioroumenorimportedesteúltimos(maiorparaossoldosmáisaltosemenorparaosmáisbaixos).Rexeitóuseasíaaplicacióndunhareduc-ciónproporcionalelineal(omesmoporcentaxereductorparatódolosempre-gados)porconsiderarseéstamáisinsolidariaquearegradaprogresividade.

Convénsalientarque,napráctica,estamermasalarialatacoudecheoundossinaisdeidentidadedopagamentoenfuncióndeobxectivosecalidadeacadadospolopersoalaoservizodasuniversidadesgalegas.Estamosarefe-rirnosaoscomplementosautonómicospor recoñecementoao labordocentee investigador pero,máis específicamente, ao complemento por excelenciacurricular,oquecausaverdadeiraperplexidadeeincredulidadenunmomentonoqueauniversidadeestáasometerseauncontinuoprocesoderendicióndecontasa sociedadeen funciónprecisamentedos resultadosobtidosnoeidodocentee investigador.Ditodoutramaneira,amermadosdevanditoscom-plementossalariaisvaiacontracorrentedunescenarionoque,hoxemáisquenunca,éprecisoincentivaraosprofesoresuniversitariosqueacadanmelloresresultadosacadémicosecientíficosparaoconxuntodasociedade.

Senperxuiciodasmedidasreductorasexecutadasporcadaunhadasuni-versidades galegas ao abeiro do mandato contido no citado art.37 da Lei2/2013, o art.38 certifica amaiores e demaneira expresa amerma cuanti-tativaconcretaquesofrenen2013asretribuciónsadicionais,dopersoalaoservizodasentidadesintegrantesdoSistemauniversitariodeGalicia,corres-pondentesaoscomplementosretributivosautonómicosvinculadosaorecoñe-cementoaolabordocente,aolaborinvestigador,poloscargosdexestióneáexcelenciacurriculardocenteeinvestigadora.Édicir,estaseaemprenderuncamiñodevoltaqueseiniciouacertadamentehaiseteanoscoaintroducciónnaquelmomento polaXunta deGalicia dos devanditos complementos convistas a recoñecer aos docentes universitarios conmáis emelloresméritoscurriculares,oquedemostraunhafaltadesensibilidadeecoherenciadoactuallexisladorautonómicocoatantasvecesproclamadanecesidadedepotenciaracalidadedosistemauniversitario.

ii. modifiCACións no eido tRibUtARio

Polasuabanda,oTítuloVIdaLei2/2013éoqueconténasnormasdeactualizacióndediferentestributos.OdevanditoTítuloVIenmárcasenafilo-

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sofíapropiaquegobernaavontadedolexisladorautonómicoconsistenteenconciliaroincrementodosingresospúblicos,necesarioparaacadaroobxec-tivodeestabilidade,coafinalidadedeadecuaraimposiciónindirectaaomarcoxeraldanormativaestatal,especialmentenoqueatinxeaostiposimpositivosdoIVEquerexendendeo1desetembrode2012.

Así,entermosxeráis,nocapítuloreferenteaos tributospropiosestablé-censemodificaciónsnastaxasvixenteseacreacióndeoutrasnovas,ademáisdemodificaraleiqueregulaoImpostosobreodanomedioambientalcausadopordeterminadosusoseaproveitamentosdaaugaencorada,paraadaptalaáreorganizacióndaAdministracióntributaria,queselevaacabocoacreacióndaAxenciaTributariadeGaliciaeoiniciodasúaactividade.ALei2/2013engadeuncriteriodeafectaciónaosrecursosfinanceirosderivadosdoImpostosobreodanomedioambientaledoCanonEólico,easíestipúlasequeosingre-sosobtidospolosdevanditostributos(atotalidadedelesnoprimeirocasoemetadenocasodoCanonEólico)financiaránosgastosdeinvestimentodes-tinadosaosaneamento,aproteccióneamelloradomedionatural,asícomoarealizacióndetransferenciasparalevaracaboobraseservizoshidráulicos.Porúltimo,taménseincorporaunartigonoquesemodificaaLei9/2010,do4denovembro,deAugasdeGalicia,equerecolleaobrigaparaasentidadessubministradoras de auga de presentaren autoliquidación cuadrimestral dascantidadesrepercutidaspoloCanondaAuga.

OutranovidadeatinxeaoréximedetransitoriedadeprevistoparaoCanonEólico,comoconsecuenciadasmodificaciónsdaLei8/2009,do22dedecem-bro,polaqueseregulaoaproveitamentoeólicoenGaliciaesecreanoCanonEólicoeoFondodeCompensaciónAmbiental,afindeadaptaradevanditaLeiáreorganizacióndaAdministracióntributariaqueselevaacabocoacrea-cióndaAxenciaTributariadeGaliciaeoiniciodasúaactividade.Destexeito,outórgansellevalidezásactuaciónsdosobrigadostributariosentantononseleveacaboodesenvolvementoregulamentariodaleie,poroutrolado,adota-cióngradualdoFondodeContinxenciadeExecuciónOrzamentaria.

Nocapítulo referenteaos tributoscedidos incorpóransevariasmodifica-cións.Enprimeirolugar,eenrelacióncoastaxasfiscaissobreoxogo,establé-ceseunhamaiorseguridadexurídica,aorecollerquetodososxogosquedansometidosástaxasadministrativas.

En relación co Imposto sobre aRendadasPersoasFísicas, enprimeirolugar,procédeseásupresióndadeduciónporfomentodoautoempregocomoconsecuencia da Sentenza 161/2012, doTribunal Constitucional, do 20 de

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setembro.Ademáis,duplícaseadeducióndoIRPF,aumentandoolímitedededuciónaos8.000euros,paraaspersoasqueinvistanenacciónsouparti-cipacións sociais denovas entidadesoude recente creación coobxectodeincentivaraactividadedos«BusinessAngels»,eesténdeseadeduciónante-rioráspersoasmozasemprendedorasimplicadasnaxestiónordinariacunhanovadeduciónnoseuimpostopersoal(IRPF)do20%dascantidadesinvesti-das(cunlímitedededuciónde4.000euros)nacreacióndenovasempresasounaampliacióndaactividadedeempresasderecentecreación.

No referidoao Imposto sobreoPatrimonio, e coafinalidadedeatendermellor a prestacióndegastos de carácter social e as políticas de emprego,modifícanseostiposdegravamedaescalaparaocálculodacotaíntegra.

En canto ao Imposto sobre Sucesións e Doazóns, e coa finalidade defomentarasactividadesdeemprendemento,recólleseunhareduciónnabaseimpoñiblenossupostosdesucesiónsoudoazónsafillosefillasedescendentesdediñeirodestinadoácreacióndunhaempresaoudunnegocio,tendoencontaopatrimoniopreexistentedapersoadonataria.

Enconcreto,nasadquisicións mortis causa,porfillosedescendentes,asícomonasdoazónstaménafillosedescendentes,dediñeirodestinadoáconsti-tuciónouadquisicióndunhaempresaounegocioprofesionalestabléceseunhareducióndo95%dabaseimpoñibledoImpostosobreSucesiónseDoazóns,cun límitede118.750euros.Nocasodequeohabentecausa–casodunhasucesiónmortis causa-ouodonatario–tratándosedunhadoazón-acreditenungraodeminusvalíaigualousuperiorao33%,olímiteseráde237.500euros.

Polo que se refire ao Imposto sobreTransmisións Patrimoniais eActosXurídicos Documentados (ITPAXD), co obxectivo de acadar unha neutra-lidadefiscalaxeitada,os tiposdegravamexeraisequipáranseá imposiciónsobreovalorengadido.Nesteeido,destacaanormasegúnacal,concarácterxeral,namodalidadedeTransmisiónsPatrimoniaisOnerosasdoITPAXD,otipodegravameaplicableátransmisióndebensinmobles,asícomonaconsti-tuciónecesióndedereitosreaisquerecaiansobreestes,agásosdereitosreaisdegarantía,serádo10%(omesmoqueotipoimpositivoquerexenoIVEdendeo1dexaneirode2013paraaadquisicióndeedificiosoupartesdosmesmosaptosparaasúautilizacióncomovivendas).

Ahora ben, a regra anterior admite unha importante excepción tratán-doseda adquisicióndunhavivendahabitual enGalicia.Enconcreto, aLei2/2013establecequenamodalidadedeTransmisiónsPatrimoniaisOnerosasdo ITPAXD o tipo de gravame aplicable ás transmisións de inmobles que

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170 Fernández López: As principáis novidades introducidas no ordenamento orzamentario…

vaianconstituíravivendahabitualdocontribuínteserádo8%,semprequesecumpranosseguintesrequisitos:a)Queasumadopatrimoniodosadqui-rentesparaoscalesvaiaconstituírasúavivendahabituale,deserocaso,dosdemaismembrosdassúasunidadesfamiliaresnonsupereacifrade200.000euros,máis 30.000 euros adicionais por cadamembro da unidade familiarqueexcedaoprimeiro.AvaloracióndopatrimoniorealizaraseconformeasregrasdoImpostosobreoPatrimonioreferidasádatadaadquisicióndoinmo-ble,incluíndoestepoloseuvalordeadquisiciónesendeducióndasdébedasasumidasnossupostosdeadquisiciónconprezoaprazadooufinanciamentoalleo.b)Aadquisicióndavivendadeberádocumentarseenescriturapública,nacalsefaráconstarexpresamenteafinalidadededestinalaaconstituírasúavivendahabitual.c)NocasodetergozadodareduciónestablecidanoImpostodeSucesiónseDoazóns(diñeirorecibidoparaserdestinadoácompradunhavivendahabitual),otiporeducidodo8%aplicaraseaoimporteresultantedeminorarabaseliquidablenacontíadoimportedadoazón.d)Nosupostodequeoinmoblesexaadquiridoporvariaspersoasenonsecumpranosrequisi-tossinaladosnosapartadosanterioresentodososadquirentes,otiporeducidodo8%aplicaráselleáparteproporcionaldabaseliquidablecorrespondenteáporcentaxedeparticipaciónnaadquisicióndoscontribuíntesquesíoscum-pran.

Estesmesmoscatrorequisitosesíxenseparapoderaplicarotipodegra-vamedo1%namodalidadedeActosXurídicosDocumentados,cotavariabledosdocumentosnotariais,doITPAXDeparaasprimeirascopiasdeescriturasquedocumentenaadquisicióndavivendahabitualdocontribuínteouaconsti-tucióndepréstamosoucréditoshipotecariosdestinadosaoseufinanciamento.Noutrocaso,otipoimpositivoaplicable,concarácterxeral,serádo1,5%,senperxuiciodotipomáisreducidodo0,5%previstoparadeterminadoscolecti-vosdecontribuintes(discapacitados,familiasnumerosas,emenoresdetrintae seis anos).

Ensuma,paraintroducirelementosdeprogresividade,mantéñensetiposbonificadosnoITPAXDcofindefacilitaroaccesoávivendaeaocréditoparaoseufinanciamentoparadeterminadoscolectivos,comoaspersoasdiscapa-citadas,asfamiliasnumerosasouosmenoresdetrintaeseisanos,estable-cendolímitesaestestiposbonificadosenatenciónaoprezodeadquisicióndavivendaeaosniveisdepatrimoniodoscontribuíntes,asícomomedianteasúaincompatibilidadeconoutrosbeneficiosfiscaisestablecidospolaComunidadeAutónomaconidénticafinalidade.NamodalidadeActosXurídicosDocumen-

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tadosestabléceseunhadedución,tantonatransmisióndeinmoblesdestinadosalocalcomercialcomanospréstamosparaadquirilos.

EnrelacióncoImpostosobreHidrocarburos,modifícaseocapítuloVdoTextorefundidodasdisposiciónslegaisdaComunidadeAutónomadeGaliciaenmateriadetributoscedidospoloEstado,aprobadopoloDecretolexislativo1/2011,do28dexullo,queactualmente regulao ImpostosobreasVendasMinoristasdeDeterminadosHidrocarburos,impostoquefoiderrogadopoladisposiciónderrogatoriaterceiradaLei2/2012,do29dexuño,deorzamentosxeraisdoEstadoparaoano2012,conefectosparao1dexaneirode2013,epasaaseintegrardentrodoImpostosobreHidrocarburos,reguladonocapí-tuloVIIdotítuloIdaLei38/1992,do28dedecembro,deimpostosespeciais.

Finalmente,encantoásmedidasprocedementaiseásobrigasformais,ecoafinalidadedesistematizareaclararanormativavixenteataagora,facilitara xestión emellorar a loita contra a fraudefiscal, aLei 2/2013dalle unhanova redacción á regulacióndos beneficiosfiscais non aplicables de oficiono Imposto sobreSucesións eDoazóns eno ITPAXDnoque se refire aosrequisitosformaisparaasúaaplicacióneásconsecuenciasdoincumprimentodosrequisitosmateriaisprevistosencadaundeles,coobxectodesistematizareaclararanormativavixenteataagora.Ademáis,introdúcensenovasobrigasinformativasenrelacióncoITPAXD,comoadepresentardeclaraciónsinfor-mativassobreoutorgamentodeconcesións,ouactosenegociosadministrati-vosasemelladosparaefectosdoreferidoImposto,einformaciónsobrebensmoblesusados.

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173Rodríguez Losada: Novidades lexislativas introducidas pola lei 16/2012, de 27 de decembro…

Cooperativismo e Economía Social, nº 35 (2012-2013), pp. 173-180

novidAdes lexislAtivAs intRodUCidAs polA lei 16/2012, de 27 de deCembRo, polA QUe se AdoptAn

diveRsAs medidAs tRibUtARiAs diRixidAs Á ConsolidACión dAs finAnzAs públiCAs e

Ao impUlso dA ACtividAde eConómiCA

SorayaRODRÍGUEZLOSADAProfesora Axudante Doutora de Dereito Financeiroe Tributario

Universidade de Vigo

ALei16/2012,de27dedecembro,polaqueseadoptandiversasmedidastributariasdirixidasáconsolidacióndasfinanzaspúblicaseaoimpulsodaacti-vidadeeconómica,asícomoaLei17/2012,de27dedecembro,deOrzamen-tosXeraisdoEstadoparaoano2013,introducirondiversasnovidadesparaoano2013queafectaronáeconomíasocial.Enparticular,faremosreferenciaásmodificaciónsnoImpostosobreaRendasdasPersoasFísicas(IRPF),ImpostosobreSociedades (IS), Imposto sobre aRendadeNonResidentes (IRNR),Imposto sobre o Valor Engadido (IVE), Imposto Xeral Indirecto Canario(IXIC),ImpostosobreosDepósitosnasEntidadesdeCrédito,ImpostosobreoPatrimonio(IP),ImpostosobreTransmisiónsPatrimoniaiseActosXurídicosDocumentados(ITPAXD),ImpostosobreBensInmobles(IBI),ImpostosobreActividadesEconómicas(IAE)e Impostosobreo IncrementodeValordosTerreosdeNaturezaUrbanaouPlusvalíasmunicipais (IIVTNU).Demodoparalelo,modificáronsealgúnsaspectosdasSociedadesAnónimasCotizadasdeInvestimentonoMercadoInmobiliario(SOCIMI),introducíronsecambiospuntuaisnoréximedenotificaciónsnostributosperiódicos,asícomopeque-nasalteraciónsnoTextoRefundidodaLeidoCatastroInmobiliario.

Rodríguez Losada: Novidades lexislativas introducidas pola lei 16/2012, de 27 de decembro…

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174 Rodríguez Losada: Novidades lexislativas introducidas pola lei 16/2012, de 27 de decembro…

i. modifiCACións no iRpfPoloquerespectaaoIRPF,destacanasmodificaciónsqueafectanádedu-

ción por investimento en vivenda habitual, á tributación das ganancias noxogo,aogravamedasgananciaseperdaspatrimoniaisqueseintegrannabaseimpoñibledoaforro,ávaloracióndaretribuciónenespecieporutilizacióndevivenda,áimputacióndeprimasdeseguroscolectivos,eáreduciónderende-mentosdotraballoirregulares.Asimesmo,prorróganseareducióndorende-mentoporcreaciónemantementodeempregoeosbeneficiosfiscaisligadosaosgastoseinvestimentoennovastecnoloxíasparahabituaraosempregadosnoseumanexo.Finalmente, introducíronsecambios referidosá imputacióntemporalporcambioderesidenciaaoutroEstadoMembrodaUE.

Así,suprímeseadeduciónporinvestimentoenvivendahabitualrecollidanoart.68.1ºLIRPFapartiresdo1dexaneirode2013,aíndaquese instauraunréximetransitorio,atravésdoquesepermitequecontinúenpracticandoadedu-ción,dunhabanda,oscontribuíntesqueadquiriranasúavivendahabitualantesdo1dexaneirode2013;edoutra,oscontribuíntesquesatisfacerancantidadesparaaconstrución,obrasderehabilitaciónouampliacióndavivendahabitual,asícomoobrasdeadecuaciónnavivendahabitualdepersonascondiscapacidadeantesdo1dexaneirode2013,semprequerematenantesdo1dexaneirode2017.

Nonseinclúeningúnréximetransitorioparaascontasaforrovivenda,poloqueoscontribuíntesquedepositarancantidadesencontasvivendadestinadasáprimeiraadquisiciónourehabilitacióndavivendahabitual,poderánengadirácuotalíquidaestataleautonómicadevengadasnoexercicio2012asdedu-ciónspracticadasataoexercicio2011,senterquesatisfacerxurosdedemora.

Ensegundolugar,suxéitanseaoIRPFatravésdungravameespecialospre-miosdasloteríasdoEstado,CCAA,ONCE,CruzVermellaeentidadesanálo-gasdecaráctereuropeo;aplicaraseuntipodegravamedo20%,declarándoseexentososprimeiros2.500€.Ademáis, conefectosdende1dexaneirode2012,permítesecomputarasperdasnoxogo,colímitedasgananciasobtidas.

Enterceirolugar,conefectosdendeo1dexaneirode2013pasanaintegrarabaseimpoñibledoaforrosóasgananciaseperdaspatrimoniaisquederivandetransmisióncandooperíododexeraciónsexasuperioraunano.Polasúabanda, asganancias eperdaspatrimoniaisquederivande transmisiónsnasqueoperíododexeraciónsexainferioraoanoouasquenonderivandetrans-misións,pasaránaintegrarabaseimpoñiblexeral,limitándosenestecasoosaldodasperdasquepodencompensarsecosaldopositivodosrendementoseimputaciónsderendasao10%.

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175Rodríguez Losada: Novidades lexislativas introducidas pola lei 16/2012, de 27 de decembro…

Encuartolugar,engádensecambiosnaformadevalorararetribuciónenespecieporutilizacióndevivenda,candononsexapropiedadedopagador.Ovalorvirádadopolocosteparaopagador—incluidosos tributosquesedevenguencoaoperación—,senqueavaloraciónpoidaserinferiorátaxaciónqueteríanocasodequeavivendafosedasúapropiedade.

En quinto lugar, modifícase o réxime de imputación das contribuciónsempresariaisaseguroscolectivosquecubranascontixenciasdexubilaciónefalecementoouincapacidade.Aimputacióndasprimasporcadaempresariopasaaserobrigatoriapoloimportequeexcedade100.000eurosanuaisporcontribuínte,salvonosseguroscolectivoscontratadosaconsecuenciadedes-pidoscolectivosrealizadosatendendoaodispostonoart.51doET.Establé-ceseunréximetransitorio,envirtudedocalamodificaciónnonafectaráaoscontratosdeseguroformalizadosantesdo1dedecembrode2012.

Ensextolugar,establécensenovoslímitesparaaaplicacióndareducióndo40%sobre rendementosdo traballoconperíododexeraciónsuperioradousanosouirregulares,candoderivendaextincióndarelaciónlaboral,comúnouespecial,oudarelacióndeadministradoresemembrosdeconsellosdeadmi-nistración.Agoraben,establéceseunréximetransitorioenvirtudedocalnonseaplicaráolímiteaosrendementosdotraballoderivadosdeextinciónsderela-cións laboraisoumercantísproducidasconanterioridadeao1dexaneirode2013.

Ensétimolugar,altérasearegradeimputacióntemporaldasrendaspenden-tesnocasodecambioderesidenciaduncontribuínteaoutroEstadoMembrodaUE.Apartiresdo1dexaneirode2013,permítesequeocontribuínteopteporimputarasrendasdunhasoavezaoderradeiroperíodoimpositivonoquesexaresidentedeseEstado,oupresentarunhaautoliquidacióncomplementariacadavezqueobteñarendasprocedentesdaimputación,senxurosousanción.

ii. modifiCACións no isAs principais novidades introducidas no IS responden á limitación das

amortizaciónsfiscalmentededuciblesnoIS,alteraciónsnarelacióndegastosnondeducibles,eliminacióndaobrigadeefectuarpagosfraccionados,flexibi-lizacióndosrequisitosdeaplicacióndoréximefiscalespecialdearrendamentodevivendas,modificaciónnoréximefiscalespecialaplicableásoperaciónsdereestructuracióneresolucióndeentidadesdecrédito,actualizacióndoscoefi-cientesdecorrecciónmonetariadovalordeadquisiciónparatransmisiónsdeinmobles,establecementodungravameespecialsobreospremiosprocedentes

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176 Rodríguez Losada: Novidades lexislativas introducidas pola lei 16/2012, de 27 de decembro…

doxogoeprórrogadotipodegravamereducidonoISpormantementooucreacióndeemprego.

Comezandopoloslímitesásamortizaciónsfiscalmentededucibles,conefec-tosparaosperíodosimpositivosqueseinicienen2013e2014enrelaciónconentidades de reducida dimensión, establécese un límite á deducibilidade dasamortizaciónscontablesdoinmovilizadomaterial,intanxibleedosinvestimen-tosinmobiliariosatao70%daqueresultarafiscalmentededucibleenvirtudedosarts.11.1,11.4,111,113e115TRLIS.Aamortizacióncontablequenonresultefiscalmentededucible,deducirasedeformalinealduranteunprazode10anosou,opcionalmente,duranteavidaútildoelementopatrimonial,apartiresdoprimeiroperíodoimpositivoqueseiniciedentrodoano2015.

Ensegundo lugar, introdúceseunnovosupostodegastonondeducible:osgastosderivadosdaextincióndarelaciónlaboraloucesedoConsellodeAdministraciónqueexcedan,paracadaperceptor,domaiorde1.000.000€ouacuantíaqueestéexentaporaplicacióndoestablecidonaLIRPF.

En terceiro lugar, eliminínase a obriga de efectuar pagos fraccionados,poloqueasentidadesásquese refireoart.28LIS,apartados5ºe6º,nonestaránobrigadasapresentaracorrespondentedeclaración;taménseeliminaaobrigaderealizaropagofraccionadomínimoásentidadesacollidasáLei49/2002eásSOCIMI.

Encuarto lugar,flexibilízanseos requisitosdeaplicacióndo réximefiscalespecialdearrendamentodevivendas.Osnovosrequisitosseránosseguintes:(a)queonúmerodevivendasarrendadasouofrecidasenarrendopolaentidadeencadaperíodoimpositivosexacomomínimode8–frenteás10quesereque-rían-;(b)operíododetemponoquesedebenmanterenalugamentoserádepolomenos3anos–antesesixíanse10—;(c)suprímenseosrequisitosdetamañodasvivendas—antesesixíasequenonforansuperioresa135metroscadrados—.

Enquinto lugar,modifícaseo réximefiscal especial aplicable ásopera-ciónsdereestructuracióneresolucióndeentidadesdecrédito.Nestaliña,oréximeestablecidonoCapítuloVIIIdoTítuloVIIdoTRLIS,de fusións eescisións,pasaa aplicarse taménás transmisiónsdonegociooudeactivosoupasivosrealizadasporentidadesdecréditoencumprimentodeplansdereestructuraciónouplansderesolucióndeentidadesdecréditoafavordoutraentidadedecrédito.

Paralelamente, actualízanse os coeficientes de corrección monetaria dovalordeadquisiciónparatransmisiónsdeinmoblesqueteñanlugarnosperío-

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dosqueseinicienen2013,eprorrógaseotipodegravamereducidonoISpormantementooucreacióndeempregoparaasmicroempresas.

Porúltimo,edemodosimilarámodificaciónoperadanoIRPF,establéceseungravameespecialsobreospremiosdasloteríasdoEstado,CCAA,ONCE,CruzVermellaEspañolaeentidadesanálogasdecaráctereuropeo.

iii. modifiCACións no iRnRAsprincipaisnovidadesenrelacióncoIRNRsondúas.Porunhabanda,

establéceseasuxeicióndospremiosdasloterías,aoigualquesucedecoIRPF.Poroutrolado,modifícaseogravameespecialsobrebensinmoblesdeentida-desnonresidentes,quedandosuxeitassóasentidadesresidentesnunterritorioqueteñaaconsideracióndeparaísofiscal.

iv. modifiCACións no ive e no ixiCEnrelacióncoscambiosoperadosnoIVE,enprimeirolugarintrodúcese

unelementoesclarecedor,indicandoexpresamentequeoconceptodeentregadebensinclúeaadxudicacióndosinmoblespromovidosporcomunidadesdebensaosseuscomuneiros.

Ensegundolugar,modifícaseabaseimpoñibledoimposto.Así,poloquerespectaásoperaciónsaprazos,bastará instarocobrodundosprazosparaqueocréditoseconsidereincobrableeabasesepoidareducirnaproporcióncorrespondente.Doutraparte,nonsepoderámodificarabaseimpoñibleaten-dendoásregrasdoscréditosincobrablesconposterioridadeaoautodedecla-racióndeconcurso,paraoscréditoscorrespondentesacuotasrepercutidasporoperaciónsdevengadasantesdequesediteoauto.

Enterceirolugar,introdúcensediversasmatizaciónsenrelacióncodevengodedeterminadasoperaciónsintracomunitarias.

Encuartolugar,modifícaseaLeidoIVEadaptándoaaonovoréximedefacturacióndo30denovembrode2012.

Finalmente,modifícaseaexencióndosservizosprestadospolasuniónseagrupaciónsdeintereseeconómicoaosseusmembros,ampliandoaexenciónaoscasosnosqueosmembrosdesenvolvanunhaactividadeexentaounonsuxeitasindereitoadedución,aíndaquenonsetratedunhaactividadeesen-cial.Estaexencióntaménseráaplicablecandosecumplaorequisitodequeosmembrosselimitenareembolsarapartequellescorrespondanosgastosrea-

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lizadosencomún,aprorratadededuciónnonexcedado10%eoservizononseempreguedirectaeexclusivamentenasoperaciónsqueorixinenodereitoádedución.E,asimesmo,limítaseanonexenciónnoscontratosdearrenda-mentofinanceiro,establecéndoseunhaduraciónmínimadedezanosparaqueoscontratossexancalificadoscomotalesaesesefectos.Encasocontrario,aadquisicióndoinmobleseríacalificadacomosegundaentregadeedificacións.

Demodoparalelo,introdúcenseestasmodificaciónsnoIXIC,paraqueoréximesexauniformeentodooterritoriodoEstado.

v. CReACión do imposto sobRe os depósitos nAs entidAdes de CRéditoCréase o Imposto sobre os Depósitos nas Entidades de Crédito. Este

impostotencomofeitoimpoñibleomantementodefondosdeterceirosporentidadesdecréditoeassucursaisenterritorioespañoldeentidadesdecréditoextranxeirasequeimpliquenaobrigaderestitución.

O tipodegravame fíxaseno0%,poloqueoscontribuíntesnonestaránobrigadosapresentarautoliquidacióncandoacuotaíntegrasexaceroeuros.

vi. modifiCACións no ipProrrógaseavixenciadoIPduranteoexercicio2013.

vii. modifiCACións no itpAxdEnrelacióncoasnovidadesnesteimposto,enprimeirolugarestablécese

anonsuxeiciónámodalidadedeActosXurídicosDocumentados(AXD)dosdocumentos administrativos relativos a anotacións preventivas de embargoquesexanordenadaspolaautoridadeadministrativacompetente.

Ensegundolugar,aLeideOrzamentosXeraisdoEstadoactualizaaescaladegravameaplicableástransmisiónserehabilitaciónsdegrandezasetítulosnobiliariosao1%.

viii. tRibUtos loCAlesNoque se refire ao IBI, exclúesea exenciónno IBIdosbens inmobles

integrantesdoPatrimoniohistóricocandoseafectenaexplotaciónseconómi-cas,salvoquesexadeaplicaciónalgúndossupostosdeexenciónprevistosna

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179Rodríguez Losada: Novidades lexislativas introducidas pola lei 16/2012, de 27 de decembro…

Lei49/2002.Agoraben,osConcellospoderánestablecerunhabonificaciónpotestativadeatao95%dacuota íntegraparaestes inmoblesnonexentos.Doutraparte,establécesequeosConcellospoderánregularunhabonificacióndeatao95%dacuotaíntegradoimpostoafavordeinmoblesparaactividadesdeclaradasdeespecialintereseouutilidademunicipal.

PoloquerespectaaoIAE,taménsecreaunhabonificaciónparaactivida-deseconómicasquesexandeclaradasdeespecialintereseouutilidademuni-cipal.Ademáis,enrelacióncoasactividadesdetemporada,establécesequeareducióndastarifasserádeaplicaciónácuotadesuperficie,establecéndoseaincompatibilidadeentreaaplicacióndestareducióneapresentacióndabaixaporcesedeactividade.

Doutraparte,establécesequeoRexistrodaPropiedadenoninscribiránin-gúndocumentoque conteña acto ou contrato determinante das obrigas tri-butariaspoloImpostosobreoIncrementodoValordosTerreosdeNaturezaUrbana (IIVTNU) sen aprevia acreditaciónde ter presentada a correspon-denteautoliquidación.

ix. modifiCACións nA RegUlACión dAs soCimi

FlexibilízanseosrequisitosdeaplicacióndoréximeespecialdasSocieda-desAnónimasCotizadasdeInvestimentonoMercadoInmobiliario(SOCIMI).

Destamaneira,aíndaqueseesixeoempregodaformaxurídicadesocie-dadeanónima,redúceseocapitalsocialmínimoa5millónsdeeuros(antesesixíanse15millóns).

Oobxectosocialseráaadquisiciónepromocióndebensinmoblesdenatu-rezaurbanaparaoseuarrendamento,atenenciadeparticipaciónsnocapitaldoutrasSOCIMI,doutrasentidadesnonresidentesnoterritorioespañolqueteñanomesmoobxectosocial,doutrasentidades,residentesounonenterri-torio español e que estén sometidas aomesmo réxime establecido para asSOCIMIencantoáobriga,legalouestatutaria,dedistribucióndebeneficiosederequisitosdeinvestimentoefinanciación.EsteréximeamplíaseásSOCIMInoncotizadas.

Establécese que o 80%do valor do seu activo sexan bens inmobles denaturezaurbanadestinadosaoarrendamento,outerreosparaapromocióndebensinmoblesquesevaianadestinaraesafinalidade,semprequeapromo-ciónseiniciedentrodostresanosseguintesáadquisición.

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180 Rodríguez Losada: Novidades lexislativas introducidas pola lei 16/2012, de 27 de decembro…

Elimínaseaobrigadadiversificacióndos investimentos inmobiliarios,eestablécesequeosinmoblesqueformenpartedoactivodasociedadeseman-teñanarrendadospolomenosdurantetresanos.

Esíxese,ademáis,queo80%dasrendasdoperíodoimpositivoproveñandoarrendamentodebensinmoblesoudedividendosouparticipaciónsenbene-ficiosprocedentesdeparticipaciónsafectasaocumprimentodoseuobxectosocial principal.

Elimínaseo límite dovolumende endebedamentodo70%do activo, eredúceseolímitededistribuciónobrigatoriadedividendosao80%.Otipoderentapasado19%ao0%,baixoacondicióndequesecumprandeterminadosrequisitos.

Poloquerespectaátributacióndossocios,sesetratadunsuxeitopasivodoISouIRNRconestablecementopermanente,nonserádeaplicaciónadedu-ciónprevistanoart.30doTRLIS;sesetratadunsuxeitopasivodoIRPF,noserádeaplicaciónaexencióndos1500€;e se tratadunsuxeitopasivodoIRNRsenestablecementopermanente,nonserádeaplicaciónaexencióndos1500€previstanoart.14TRLIRNR.

x. modifiCACións no Réxime de notifiCACións nos tRibUtos peRiódiCos e no tR dA lei do CAtAstRo inmobiliARio. mAntemento do xURo de demoRA e legAl do diñeiRo.Enprimeirolugar,establécesequenonseránecesariaanotificaciónindivi-

dualdasliquidaciónscandotiveranlugarmodificaciónsdecarácterxeraldoselementosintegrantesdotributosdecobroperiódicoporrecibo,pormediodeordenanzasfiscais,exceptonossupostosdoart.102.3LXT.

Polo que respecta aos cambios noTR daLei doCatastro Inmobiliario,preveseunhatramitaciónabreviadadoprocedementodeinspeccióncatastral,flexibilízaseaactualizacióndosvalorescatastraispormediodasleisdeorza-mentosxeraisdoEstadoeregúlaseunprocedementoderegularizacióncatas-tral,paracontribuíráloitacontraafraudefiscal.

Porúltimo,mantenseparaoano2013oxurolegaldodiñeironun4%eointeresededemoranun5%.

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181Ruiz Hidalgo: Incentivos fiscais á contratación regulados na Lei de Reforma Laboral

Cooperativismo e Economía Social, nº 35 (2012-2013), pp. 181-182

inCentivos fisCAis Á ContRAtACión RegUlAdos nA lei de RefoRmA lAboRAl

Carmen RUIZHIDALGOProfesora Titular de Dereito Financeiro e Tributario

Universidade de Vigo

ALei3/2012,de6dexullo,demedidasurxentesparaareformadomer-cado laboral inclúe, no capítulo II damesma,diversasmedidasdirixidas afomentar a contratación indefinida e a creación de emprego, tanto para ostraballadores,comoasPYMES,que,aefectosdestasnotas,éapartequenosinteresa.

As empresas de cincuenta ou menos traballadores constitúen, segundodatosdoDirectorioCentraldeEmpresasdoInstitutoNacionaldeEstatística,o99,23%dasempresasespañolas.Areformalaboraltratadefacilitaracon-tratacióndetraballadoresporpartedestasempresas,querepresentanámaiorpartedotecidoprodutivodonosopaísequealberganasdiversasfórmulasdeorganizaciónempresarialqueposibilitaonosoordenamientoxurídico,entreasquecabodestacarotraballoautónomoeasdiversasfamiliasdaeconomíasocial.

Conestafinalidadecréaseunhanovamodalidadedecontratodetraballoportempoindefinidodaquesópoderánfacerusoasempresasqueteñanmenosdecincuentatraballadoresque,peseásituacióndecriseeconómica,apostenpolacreacióndeemprego.Porsupostoestenúmerolimitadodetraballadoressóédeterminantenomomentodacontratacióndotraballadorporestetipodecontratoindefinido.Ademais,establécensedousincentivosfiscaisparasuxei-tospasivosdoImpostosobreSociedadesecontribuyentesdoImpostosobreaRendadasPersoasFísicasquerealicenactividadeseconómicas,destinadosaincentivarestetipodecontrato.

Ruiz Hidalgo: Incentivos fiscais á contratación regulados na Lei de Reforma Laboral

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182 Ruiz Hidalgo: Incentivos fiscais á contratación regulados na Lei de Reforma Laboral

Oprimeirodosincentivosresultaaplicableexclusivamenteaaquelasenti-dadesquecarezandepersoalcontratado,mentresqueosegundovaidestinadoásempresasdecincuentaoumenostraballadores,querealicenacontratacióndedesempleadosbeneficiariosdunhaprestacióncontributivadedesemprego. Asímesmo,racionalizarosistemadebonificacionesparaacontratacióninde-finida,cuxaprácticageneralizaciónlimitougravementeasúaeficiencia.Así,asbonificacionesprevistasnestaLeidiríxenseexclusivamenteás empresasqueteñanmenosdecincuentatraballadores,benpolatransformacióndecon-tratosenprácticas,desubstituciónoudesustitucióndaidadeporxubilaciónencontratosindefinidos,oubenpolacontrataciónindefinida,atravésdanovamodalidadecontractualsinalada,demozasdeentre16e30anosoudesem-pleadosmaioresde45anos.

Para a aplicación dos incentivos vinculados ao contrato de traballo portempoindefinidodeapoioaosemprendedores,aempresadeberámanternoempregoaotraballadorcontratadopolomenostresanosdesdeadatadeini-cio da relación laboral.Asímesmo, deberámanter o nivel de emprego naempresaalcanzadococontratoportempoindefinidodeapoioaosemprende-doresdurante,polomenos,unanodesdeacelebracióndocontrato.Encasode incumplimiento destas obrigacións deberase proceder a o reintegro dosincentivos.

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Cooperativismo e Economía Social, nº 35 (2012-2013), pp. 183-193

As novAs medidAs tRibUtARiAs de Apoio Aos empRendedoRes

LuisMiguelMULEIROPARADAProfesor de Dereito Financeiro e Tributario

Universidade de Vigo

NoBOEde28defebreirode2013publicouseoRealDecreto-lei4/2013,de22defebreiro,poloqueseadoptarondeterminadasmedidasdeapoioaoemprendedoredeestímuloedecreacióndeemprego.DíasdespoisoCon-gresodosDeputadosaprobouaResoluciónde14demarzode2013,publi-cadanoBOEdodíaseguinte,polaqueseordenouaconvalidacióndeseRealDecreto-lei4/2013.Nestanormaadoptáronse,atravésdediversasreformasnonosoordenamentoxurídicoeconcarácterurxente,variasmedidasdirixidasadesenvolveraEstratexiadeEmprendementoeEmpregoXoven,afomentaro financiamento empresarial a través demercados alternativos, a reducir amorosidadenas operacións comerciais e, en xeral, a fomentar a competiti-vidadedaeconomíaespañola.MáisrecentementeaprobouseaLei14/2013,de27desetembro,deapoioaosemprendedoreseasúainternacionalización,quefoipublicadanoBOEo28desetembro.Nestanormataménatopamosunconxuntodemedidasfiscaisque teñencomaobxectivocomúnempren-derreformasfavorablesaocrecementoeareactivacióneconómica,buscandofortalecerotecidoempresarialdeformaduradeira.Nopresentetraballoimosfacerunhaanálisevalorativaparcialeconxuntadestasdúasnormas.

Dendeaópticatributaria,areformadoRealDecreto-lei4/2013pretendedaramparoaunmarcofiscalmáisfavorableparaoautónomoqueiniciaunhaactividadeemprendedoracoobxectivodeincentivaracreacióndeempresasereduciracargaimpositivaduranteosprimeirosanosdeexerciciodunhaacti-vidade.ConestafinalidadeintrodúcensedúasreformasparciaisnoImpostosobreaRendadasPersoasFísicas(IRPF)eunhareformanoImpostosobre

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Sociedades(IS).Todaselasmodificaciónsnormativasconefectosdende1dexaneirode2013.NaLeidoIRPFintrodúcenseasdúasmodificaciónsseguin-tes:

1ª)Establéceseunhanovareducióndorendementoencasode iniciodeactividadeseconómicasenestimacióndirectaparaaquelescontribuíntesqueiniciaronasúaactividadeapartiresdo1dexaneirode2013.Introdúceseunnovoapartado3noartigo32daLeide Impostoondese regulaunhanovaredución do 20% do rendemento neto das actividades económicas que sepoderáaplicarcandoconcorranasseguintescircunstancias:a)queoscontri-buíntesdeterminenorendementopolométododeestimacióndirecta,b)queasactividadeseconómicasseinicienapartirdo1dexaneirode2013ec)quenonseexerzaningunhaoutraactividadenoanoanteriorádatadeiniciodanovaactividade.Noentanto,entenderasequenonserealizouningunhaacti-vidadeanteriormentecandoapesardedesenvolveraactividadeneseperíodo,estaactividadenuncaxeraserendementosnetospositivos.Areduciónaplica-rasenoprimeiroperíodoimpositivonoqueorendementosexapositivoenoseguinte.Naquelescasosenqueseinicie,apartirdo1dexaneirode2013,unhaactividadequexereodereitoaaplicarestareducióneposteriormenteseinicieoutra,sencesarnaanterior,areduciónempezaraseaaplicarnoperíodoimpositivonoqueasumadosrendementosnetospositivosdeambasasactivi-dadessexapositiva,aplicándosesobreditasuma.Nembargante,nonsepoderáaplicarestareduciónnosperíodosimpositivosenquemáisdo50%dosingre-sosprocedandunhapersoaouentidadedaqueocontribuínteobtiveserende-mentosdotraballonoanoanteriorádatadeiniciodaactividadeeconómica.Acontíadosrendementosnetosdeactividadeseconómicassobreaqueaqueseaplicaráestareduciónnonpoderásuperaroimportede100.000eurosanuais.

2ª)Esténdeseaprevisióndaexencióndasprestaciónspordesempregonasúamodalidadedepagoúnico,reguladanaletran)doartigo7daLeidoIRPF,suprimíndoseo límite cuantitativoanteriormente existentede15.500€.Enconsecuencia,dendeo1dexaneirode2013estasprestaciónspordesempregoestaránexentasintegramente,encalqueracaso.

Doutrabanda,noISestabléceseunnovotipodegravamereducidoparaentidadesdenovacreación.Oartigo7doRealDecreto-Lei4/2013introduce,conefectosparaperíodosimpositivosqueseinicienapartirde1dexaneirode 2013, a DisposiciónAdicional Decimonovena do Texto Refundido daLeidoImpostosobreSociedades(endianteTRLIS),queaprobauntipodegravame reducidopara as entidadesdenova creación, constituídas a partirde1dexaneirode2013,querealicenactividadeseconómicas.Nonteñena

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consideracióndeentidadesdenovacreaciónaquelasque formenpartedungrupo segundoo artigo 42 doCódigo deComercio, con independencia daresidenciaedaobrigacióndeformularcontasanuaisconsolidadas.Deacordocoanovanormaasentidadesdenovacreacióntributarán,noprimeiroperíodoimpositivoenqueabaseimpoñibleresultepositivaenoseguinte,conarranxoá seguinte escala, agás se, de acordo co previsto non artigo 28 doTRLIS,debentributarauntipodiferenteaoxeneral:1º)Polapartedebaseimpoñiblecomprendida entre0 e 300.000 euros, ao tipodo15%e; 2º) polaparte debaseimpoñiblerestante,aotipodo20%.Estaescalanonserádeaplicaciónna cuantificación dos pagos fraccionados cando ao suxeito pasivo lle sexadeaplicaciónamodalidadedoartigo45.3TRLIS.Nonseentenderáiniciadaunhaactividadeeconómica,aosefectosdoprevistonestadisposición:

1º)Candoaactividadeeconómicafoserealizadaconcarácterprevioporoutras persoas ou entidades vinculadas non sentido do artigo 16TRLIS etransmitida,porcalqueratítuloxurídico,áentidadedenovacreación.

2º)Nincandoaactividadeeconómicafoseexercida,duranteoanoanterioráconstitucióndaentidade,porunhapersoafísicaqueostenteunhapartici-pación,directaouindirecta,nocapitalounosfondospropiosdaentidadedenovacreaciónsuperiorao50%.

AsmedidasfiscaisrecollidasnoRealDecreto-lei4/2013,foronreprodu-cidasnaLei11/2013,de26dexullo,demedidasdeapoioaoemprendedoredeestímulodocrecementoedacreacióndeemprego,cunhaúnicanovidadereferidaaoImpostosobreSociedades.Estanovidadeconsistiuenqueatarifareducidataménseamparacomodeposibleaplicaciónaosresultadoscoopera-tivoseextracooperativosdascooperativasdenovacreación.

NosúltimosanososDecretosleistéñenseconvertidonoinstrumentofun-damentalatravésdoquemoitasdasnormasfundamentaisdeordenacióndanosacomunidadeseveñenaprobando.Quizaisunpoucoderazoabilidadenatécnicaxurídicaempregadaparaaprobacióndasleisdeberíaempezarautili-zarsepolosnososgobernantes,daorientaciónpolíticaquesexan,senrecaernoabusodeformasdelexislarexcepcionais.Dendeopuntodevistatributa-rio,peseaqueasmodificaciónsparciaisseenmarcannocadrodunhareformamáisglobaldosistemaqueseconsideranecesariaeatendeaocontextodecriseeconómica,acadanunsefectosbastantereducidosenonrespondenreal-menteaosfinsquesedinperseguir.ComavaloracióndasnormasadoptadasnoDecreto-lei4/2013podemossosterqueasreformasnoIRPFsonmoilimi-tadasenonvanterdemasiadoimpactoreal,alomenosquesepoidaenxuízar

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moipositivamente.A reducióndo20%do rendementonetode actividadeseconómicastratadeatallardalgúnxeitoásituacióndecriseeconómicaperoesixeterrendementospositivos,cousanonhabitualaoiniciodasactividades.Encantoáampliacióndaexencióndasprestaciónspordesempregonasúamodalidadedepagoúnico,tampoucoestamosanteunbeneficiotributariodeefectostanimportantesnamedidaenquetantoaanteriorexenciónlimitadacuantitativamentecomaonovobeneficiotributarioesixenomantementodaactividade económica durante cinco anos, cousa non fácil nos tempos quecorren.Denonmoitaenvergadura,enatenciónásfinalidadesbuscadas,nospareceasemadeoincentivofiscalestablecidonoISparaasentidadesdenovacreación,postoqueparapoderaplicaronovo tipodegravamereducidoasnovas entidades terán que acadar bases impoñibles positivas o que, comodixemosconrelaciónáreducióndorendementonetodeactividadeseconómi-casdoIRPF,nonéomáishabitualduranteosprimeirosanosdasempresas.Quizaisconveñaplantexarsenalgúnmomentoaqueempresariosousocieda-desinteresa,seéqueseestimaaxeitado,darllealgúnincentivoouaxudafiscalduranteosprimeirospasosnasúaactividade;¿asqueteñenperdasouasqueteñenganancias?,¿aalgunhasdelas?,¿aalgunhasdelas,segundoomomentoeasituacióneconómica,perosempreconcondicións?...Sexacomosexa,nonfaltaráquendigaqueamedidaéóptima,amellorposible,eaccederasvanta-xesfiscaiséunhameracuestióndeplanificaciónfiscal.

Pasandoáanálisedalei14/2013,debemoscomezardicindoqueestanormadánoseutítulopreliminarunconceptoamplodeemprendedor,comoaquelapersoafísicaouxurídicaquevaidesenrolarouestádesenrolandounhaactivi-dadeeconómicaprodutiva.Enmateriatributariaatopamosunmaiornúmerodemedidas,demáisrelevanciaeinteresaespecialmenteocontidodotítuloIIondeseregulanos:“ApoiosfiscaiseenmateriadeSeguridadeSocialaosemprendedores”.Establécensealgunhasreformasnostrespiaresfundamen-taisdoordenamentotributario:IRPF,ISeIVE.

NoIRPF,regúlaseunnovoincentivofiscalnacuotaestatalpoloinvesti-mentorealizadonaempresadenovaourecentecreación.Afinalidadedavan-taxetributariaéfavoreceracaptaciónporempresasdenovaourecentecrea-ción,defondospropiosprocedentesdecontribuíntesque,ademaisdocapitalfinanceiro,acheguenosseuscoñecementosempresariaisouprofesionaisade-cuadosparaodesenvolvementodasociedadenaqueinvisten,investidordeproximidadeou«businessangel»,oudaquelesquesóesteaninteresadosenachegarcapital,“capitalsemente”.Xuridicamente,engádeseunnovoapartado1aoartigo68daLeidoIRPFpoloqueseestableceunhanovadeduciónpor

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investimentoenempresasdenovaourecentecreación.Adeduciónaplicaraseexclusivamente na cuota íntegra estatal.Aporcentaxe de dedución será do20%dascantidadessatisfeitaspolasubscricióndeacciónsouparticipaciónsenempresasdenovaourecentecreaciónquecumpranosrequisitosestableci-dos.Abasemáximadededuciónseráde50.000eurosanuaiseestaráformadapolovalordeadquisicióndasacciónsouparticipaciónssubscritas.Candoseaplicouaexenciónporreinversiónreguladanoartigo38LIRPF,aquenosreferiremosdespois,unicamenteformarápartedabasedadeducióndasnovasacciónssubscritasoexcesodoimportetotalobtidonatransmisióndasacciónspolas que se aplicou a exención.A aplicación da dedución requirirá que oimporte comprobado do patrimonio do contribuínte ao finalizar o períodoimpositivoexcedadovalorquearroxaseasúacomprobaciónaocomezodomesmopolomenosnacontíadosinvestimentosrealizados.

Paraaprácticadadeduciónseránecesarioobterunhacertificaciónexpe-didapolaentidadecuxasacciónsouparticipaciónssesubscribenindicandoocumprimentodosrequisitosesixidos.Aentidadecuxasacciónsouparticipa-ciónsseadquirandeberácumprirosseguintesrequisitos:1)RevestiraformadeSociedadeAnónima,SociedadedeResponsabilidadeLimitada,SociedadeAnónimaLaboral ou Sociedade deResponsabilidadeLimitadaLaboral; 2)Exercerunhaactividadeeconómicaquecontecosmediospersoaisemateriaisnecesariosparaodesenvolvementodamesma-nonpoderáterporactividadeaxestióndunpatrimoniomobiliarioouinmobiliario-;3)Osfondospropiosdaentidadenonpoderánsuperar400.000eurosnoiniciodoperíodoimpositivoenqueocontribuínteadquiraasacciónsouparticipacións.Adeduciónsoa-menteresultarádeaplicaciónrespectodasacciónsouparticipaciónssubscritasapartirdo29desetembrode2013,datadeentradaenvigordaLei14/2013.

Noposteriordesinvestimento,queteráqueproducirsenunprazoentretrese doce anos, declárase exenta a ganancia patrimonial que, no seu caso, seobteña,acondicióndequese reinvistanoutraentidadedenovaourecentecreación (novo apartado 2 do artigo 38 daLIRPF).A exención poderá sertotal,sesereinvisteoimportetotalobtidopolatransmisióndasaccións,ouparcialcandooimportereinvestidosexainferioraototalpercibidonatrans-misión. Non resultará de aplicación a exención por reinvestimento: a) nincandoocontribuínteadquirisevaloreshomoxéneosnoanoanteriorouposte-riorátransmisióndasaccións(nestecaso,aexenciónnonprocederárespectodosvaloresquepermanezannopatrimoniodocontribuínte);b)nincandoasacciónssetransmitanaocónxuxe,ouaparentesenliñarectaoucolateral,porconsanguinidadeouafinidade,ataosegundograoincluído;c)nincandoas

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acciónsouparticipaciónsse transmitanaunhaentidade respectodaqueseproduza,cocontribuínteouconcalqueradaspersoascitadasnopuntoanterior,algunhadascircunstanciasestablecidasnoartigo42doCódigodeComercio.Estamedidaacompáñasedasupresióndaletrad)doapartado4doartigo33eadisposiciónadicionaltrixésimacuartadaLIRPFqueestablecíanaexencióndedeterminadasgananciaspatrimoniaisxeradasnatransmisióndeacciónseparticipaciónsenempresasdenovaourecentecreación.

Poroutraparte,modifícaseoapartado2doartigo68daLIRPFregulandoasespecialidadesnecesariasparaaaplicacióndanovadeduciónpor inves-timentodebeneficiosdoartigo37doTRLIS.Estadeduciónseráaplicablerespectodos rendementosnetosdeactividadeseconómicasobtidosapartirde 1 dexaneiro de2013.Enparticular, acóllense as seguintes especialida-desparaaaplicaciónno IRPF:1º)Darándereitoádeduciónos rendemen-tosnetosdeactividadeseconómicasqueseinvistanenelementosnovosdoinmobilizadomaterial ou investimentos inmobiliarios afectos a actividadeseconómicasdesenvolvidaspolocontribuínte;2º)Deberaseinvestirunhacon-tíaequivalenteápartedabaseliquidablexeralpositivadoperíodoimpositivoquecorrespondaaosrendementosnetosdeactividadeseconómicas(abasedadeduciónseráestacontía);3ª)Aporcentaxedededuciónserádo10%oudo5%candoocontribuíntepracticaseareducióndo20%previstanoartigo32.3daLIRPF,ouareduciónpormantementooucreacióndeempregoousetratederendasobtidasenCeutaeMelillarespectodasqueseaplicouadeduciónprevistanoartigo68.4daLIRPF;4ª)Oimportedadeduciónnonpoderáexce-derdasumadacuotaíntegraestataleautonómica.Adeduciónaplicaraseaoscontribuíntesquedeterminenorendementoendeterminacióndirectaencal-queradassúasmodalidades(normalousimplificada).Noentanto,tratándosedecontribuíntesquedeterminenorendementonetopoloréximededetermina-ciónobxectivapoderaseaplicarcandoseestablezaregulamentariamente.Entodocasodeberáncumprirseosrequisitosestablecidosparaasempresasdereducidadimensión(art.108TRLIS).Acifradenegociosnoperíodoimposi-tivoinmediatoanteriorhadeserinferiora10millónsdeeuros.

NoIS:1º)Establéceseaaludidanovadeduciónporinvestimentodebene-ficiosparaaquelasentidadesqueteñanacondicióndeempresasdereducidadimensión(ERD),vinculadaácreacióndunhareservamercantildecarácterindispoñible (novo artigo 37 doTRLIS), 2º)modifícanse algunhas normascomúnsrelativasaoconxuntodasdeduciónsencuotanoISparaincentivara realizacióndedeterminadas actividades (novos apartados2 e tresdo art.44TRLIS),3º)modifícaseeamplíaseaposibleaplicacióndoréximefiscal

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aplicableásrendasprocedentesdedeterminadosactivosintanxibles(“patentbox”)e;4º)mellóranseos incentivosfiscaispor creacióndeempregoparatraballadorescondiscapacidade.

EncantoádeduciónporInvestimentodeBeneficios,paraperíodosimpo-sitivosiniciadosdesdeo1dexaneirode2013,introdúceseoartigo37TRLIS(sencontidodendehabíaunsanos),creandoadedución,paraossuxeitospasi-vosquecumpranosrequisitosdoréximedeentidadesdereducidadimensión.Adeduciónaplicarasesobreacuotaíntegradoexercicionoqueserealiceoinvestimento,econsisteno10%dosbeneficiosquese invistanenelemen-tos novos do inmobilizadomaterial ou investimentos inmobiliarios afectosaactividadeseconómicas.Adeduciónserádo5%paraasentidadesquetri-butendeacordocoaescaladegravamedoD.A.duodécimadoTRLIS(tiporeducidopormantementooucreacióndeemprego).O investimentodeberárealizarsenoprazocomprendidoentreoiniciodoperíodoimpositivoenqueseobteñenosbeneficiosobxectodeinvestimentoeosdousanosposterioresou,excepcionalmente,deacordocunplanespecialdeinvestimentoaprobadopolaAdministración tributaria a proposta do suxeito pasivo.Os elementospatrimoniaisobxectodeinvestimentodeberánpermanecerenfuncionamentono patrimonio da entidade, salvo perda xustificada, durante un prazo de 5anos,ouduranteasúavidaútilseéinferior.

Abasedadeduciónresultarádeaplicaraoimportedosbeneficiosdoexerci-cio,senincluíracontabilizacióndoIS,obxectodeinvestimentouncoeficientedeterminadopor:1º)Nonumerador:osbeneficiosobtidosnoexercicio,senincluíracontabilizacióndoIS,minoradosporaquelasrendasouingresosquesexanobxectodeexención,redución,bonificación,deducióndoartigo15.9doTRLISoudeduciónpordobreimposición,exclusivamentenaparteexenta,reducida,bonificadaoudeducidanabaseimpoñible,oubenquexerasedereitoa dedución na cuota íntegra e; 2º)No denominador: os beneficios obtidosno exercicio, sen incluír a contabilización do IS.O coeficiente que resultetomarasecondousdecimaisredondeadopordefecto.Asentidadesqueapli-quenestadeducióndeberándotarunhareservaporinvestimentos,concargoaos beneficios do exercicio, por un importe igual á base de dedución, queseráindispoñibleentantoqueoselementospatrimoniaisnosqueserealiceoinvestimentodebanpermanecernaentidade.Estadeduciónéincompatiblecoaaplicacióndaliberdadedeamortización,coadeduciónporinvestimentosregulada no artigo 94 da Lei 20/1991, de 7 de xuño, demodificación dosaspectos fiscais do Réxime Económico Fiscal de Canarias, e coa Reservapara investimentosenCanarias reguladanoartigo27daLei19/1994,de6

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dexullo,demodificacióndoRéximeEconómicoeFiscaldeCanarias.Comosepodecomprobar,estamedidasupónunhatributaciónreducidaparaapartedosbeneficiosempresariaisquesedestineaoinvestimento,respectodosquesexan obxecto de distribución, dado que os primeiros quedarán sometidos,concarácterxeral,auntipodegravamedo15%(25%menoso10%).

Onovoapartado2do artigo44TRLIS, estableceque as entidadesquetributenatipodegravamexeral,aoresultantedaescaladoartigo114TRLISprevistoparaasERD,ouao35%,quexerendeduciónsporactividadesdeinvestigaciónedesenvolvementoeinnovacióntecnolóxica(I+D+i,recollidasnosapartados1e2doartigo35doTRLIS)enexerciciosiniciadosapartirdo1dexaneirode2013,poderánoptarporaplicaradeduciónnostermosxeraiscoslímitesdoapartado1doartigo35.1TRLISou,oqueresultanovo,porquedarexcluídasdocitado límite.Paraquedarexcluídasdeberán renunciaraun20%(enconceptodedesconto)doimportedadeduciónxerada,acam-biodocalpoderánaplicaradeduciónsen límites.Encasode insuficienciadecuotapoderasesolicitaroseuabonoáAdministracióntributaria,atravésdadeclaracióndoIS.Oimportedadeduciónaplicadaouabonada,nocasodeactividadesdeinnovacióntecnolóxicanonpoderásuperarconxuntamenteo importe de 1millón de euros anual.O importe da dedución aplicada ouabonadaporactividadesdeI+D+inonpoderásuperarconxuntamenteeportodososconceptos,oimportede3millónsdeeurosanuais.Paraaaplicacióndodispostonesteapartado,débensecumprirosseguintesrequisitos:1º)Quetranscorra,polomenos,unanodesdeafinalizacióndoperíodoimpositivoenquesexerouadedución,senqueamesmafoseobxectodeaplicación;2º)Queoplantelmediodetraballadoresou,alternativamente,oplantelmedioadscritoaactividadesdeI+D+inonsevexareducidodendeofinaldoperíodoimpo-sitivoenquesexerouadeducióneos24mesesseguintes;3º)Quesedestineunimporteequivalenteádeduciónaplicadaouabonada,agastosdeI+D+iouainvestimentosenelementosdoinmobilizadomaterialouactivointanxibleexclusivamenteafectosásdevanditasactividades,excluídososinmobles,nos24mesesseguintesáfinalizacióndoperíodoimpositivoencuxadeclaraciónserealiceacorrespondenteaplicaciónouabono;4º)Queaentidadeobtiveseuninformemotivadosobreacualificacióndaactividadecomoinvestigaciónedesenvolvementoouinnovacióntecnolóxicaouunacordopreviodevalo-racióndosgastoseinvestimentoscorrespondentesásdevanditasactividades,nostermosestablecidosnoapartado4doartigo35doTRLIS.Oincumpri-mento de calquera destes requisitos levará a regularización das cantidadesindebidamenteaplicadasouabonadas,naformaestablecidanoartigo137.3

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doTRLIS.Estamedidasupónuncertoavance,cantomenosformalmente,eviñasendodemandadapolosectordadoqueparaamaioríadasempresasquerealizanactividadesdeI+D+iaconfiguraciónderrogadadoincentivofiscalnonllespermitíaobterunaforroreal,postoquenonacadabanosbeneficiosnecesariosparaabsorberadeduciónxeradapoloseuintensoinvestimentoenI+D+i.AíndaqueasempresasnonpoderánaplicalaataaautoliquidacióndoISde2014.Onovoapartado3doartigo44TRLISestablecequeunmesmoinvestimentononpoderádar lugaráaplicacióndemáisdunhadeduciónnamesmaentidadesalvodisposiciónexpresa,ninpoderádarlugaráaplicacióndunhadeduciónenmáisdunhaentidade.

Paraascesiónsdeactivosintanxiblesqueseproduzanapartirdo29desetembrode2013,modifícaseareducióndasrendasprocedentesdedetermi-nadosactivosintanxibles(artigo23TRLIS;patent box).Aredacciónanteriordopreceptopermitíaareduciónnabaseimpoñibledo50%dosingresospro-cedentesdedeterminadosactivosintanxibles.Areformaelevaaporcentaxedereduciónao60%esubstitúeingresosporrendasnetas,senmodificarosbens cuxa cesión se pode beneficiar do réxime.Determínase como se cal-culan as rendas netas,mantense a exclusión do beneficiofiscal das rendasprocedentesdedeterminadosbensepermíteseaossuxeitospasivos,enarasdeconquerirunhamaiorseguridadexurídicanaaplicacióndoréxime,solicitaráAdministracióntributariaunacordopreviodevaloraciónoudecualificaciónquesedesenvolvennosapartados6e7doartigo, respectivamente.Taméndesapareceolímitecuantitativo-temporalnaaplicacióndareduciónpresentenaredacciónanterior-seisvecesocustedexeracióndoactivo-.Atramitaciónparlamentarianonconseguiueliminaraimportantelimitaciónquepresentaanovaredaccióndoartigo23TRLIS,queimpidequeacesióndeintanxiblesentresociedadesquetributenenréximedeconsolidaciónfiscalpoidabene-ficiarsedesteincentivofiscal.Estacircunstanciapodelimitaramplamenteointeresecrecentequeespertabaestebeneficiotributarionosectorempresarial,dandolugarinclusoaunefectocontrarioaopretendidosexeraadeslocaliza-ciónetrasladodosequiposdedesenvolvementodeempresasmultinacionaisapaísesnosqueascondiciónsfiscaisresultenmáisvantaxosascomoéocasodeReinoUnidoouIrlanda.Polodemais,aDisposicióntransitoriacuadraxésimadoTRLISestableceoréximetransitoriodareducióndeingresosprocedentesdedeterminadosactivosintanxibles,paraascesiónsdodereitodeusooudeexplotacióndeactivosintanxiblesqueserealizaronconanterioridadeao29desetembrode2013,establecendoqueseregularánpoloestablecidoconformeaoanteriorartigo23.

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Asemade na Lei 14/2013mellóranse as deducións do IS na cuota polacontratacióndetraballadoresdiscapacitadosdependendodograodeminus-valía.Ascantidadesdeposiblededuciónsobreacuotadotributoelévasedosanteriores 6.000 euros/persoa de incremento do promedio do plantilla res-pectoaoperíodoanteriora:1º)9.000euros/persoadeincrementodamediadetraballadorescondiscapacidadenungraoigualousuperiorao33%einferiorao65%e;2º)12.000eurosporcadapersoa/anodeincrementodamediadetraballadorescondiscapacidadenungraoigualousuperiorao65%,contrata-dospolosuxeitopasivo.

Polodemais,noISaLeiamplíaasentidadesdenovacreaciónquepodenbeneficiarsedaaplicacióndaescalareducidadegravame,resultandounica-menteexcluídasdasúaaplicaciónasentidadesquetributenauntipoinferioráescalaenontodasasentidadesquetributenauntipodistintodoxeneral.Igualmentesuprimeamenciónexpresaáaplicacióndaescalaáscooperativasdenovacreación,tantorespectodosresultadoscooperativoscomoextracoo-perativos

No IVE aLei de apoio aos emprendedores crea un réxime especial docriteriodecaixa,conefectosdendeo1dexaneirode2014,conbaseaoartigo167bisdaDirectiva2006/112/CE,doConsello,de28denovembrode2006,relativaaosistemacomúndoIVE.Esteréximetratadepaliarosproblemasdeliquidezedeaccesoaocréditodasempresas.Anovaregulaciónamparaunréximeoptativo,quesecoñececomocriteriodecaixadobre,paraossuxeitospasivoscuxovolumedeoperaciónsnonsupereos2.000.000deeuros.Con-formeaeste,ossuxeitospasivosdoImpostopodenoptarporunsistemaqueatrasa o deveño e a consecuente declaración e ingreso do IVE repercutidonamaioríadassúasoperaciónscomerciaisataomomentodocobro,totalouparcial,aosseusclientes,coadatalímitedo31dedecembrodoanoinmediatoposterioraaquelenqueasmesmasseefectuasen.Comaposiblecrítica,pode-ríadicirseque,aíndaasí,aempresaquerecibeafacturanonpoderádeduciroIVEatatelopagado;retárdaseodeveñoperotaménseretardaodereitodededución.Tensentidoperoasempresaspoderíanperderclientes,queprefiranescollerunprovedorquenonseacollaaonovosistemadoIVE,outerquecambiarasúarutinadeactuacióneprogramasinformáticosdeapoioáxestión.

Estasúltimasreformasdalei14/2013sondemaiorrelevanciaeposible-mente supoñan máis apoio real aos emprendedores que as do Decreto-lei4/2013.Quéresefacilitareincentivarofinanciamentodosemprendedoresouacertasactividadesoucontrataciónsquerealicen,permitindoretrasarodeveñodo IVEe regulandoalgúnsapoiosfiscaispor reinvestimentodebeneficios.

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193Muleiro Parada: As novas medidas tributarias de apoio aos emprendedores

Perocomareflexiónxeraldebemosrecordarqueoordenamentotributarioeosseuselementosfundamentaisdebenresponderaunsfinseassúasnormas,seénecesario,deberíanadaptarsedomellorxeito,comatodas,árealidadesocial.Ámaiorbrevidadeeben,paraevitarsempremalesmaiores.Adoptarcertasmedidasparciaisequenoncontribúannamellormedidaaoqueseperseguesóéunhamostramáisdaincapacidade,taménxurídica,polaquepasamos,evemospasar,pararesolverosproblemas.Haberáquecontrastarosresultadosreaiseseguramenteseguilotentando,regulandooudesregulandonormativasque,dunhavez,sirvaneficazmenteaoquesedi,oumellorditoaoquedebenservir,enonsefagannuncamirandodeesguellocomamerapropagandapolí-tica,nindecaraacertagaleríasocial.Tampoucotratandodesaírunchiscoaopasoparacontribuírapaliarasituación,quizaissenvisióndeconxunto.Ásveceséposiblequesexamelloralgocanada,ásvecesnon.

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195Barreiro Carril: Os novos impostos medioambientales e a normativa de desenvolvemento

Cooperativismo e Economía Social, nº 35 (2012-2013), pp. 195-199

os novos impostos medioAmbientAles e A noRmAtivA de desenvolvemento

MaríaCruzBARREIROCARRIL

Profesora Doutora de Dereito financeiro e tributario Universidade de Vigo

i. intRodUCión

ALei 15/2012, de 27 de decembro demedidasfiscais para a sostibilidadeenerxética introduciu tres impostos sobre a enerxía no sistema tributarioespañol,oimpostosobreovalordaenerxíaeléctrica,oimpostosobreapro-dución de combustible nuclear gastado e residuos radioactivos resultantesdaxeracióndeenerxíanucleoeléctricaeo impostosobreoalmacenamentodecombustiblenucleargastadoeresiduosradioactivoseninstalaciónscen-tralizadas.Ademais,medianteareferidaLeicréaseuncanonporutilizacióndas augas continentais para a produción de enerxía eléctrica; modifícanseos tipos impositivos establecidos para o gas natural e o carbón e suprí-mense as exencións previstas para os produtos enerxéticos utilizados naproducióndeenerxíaeléctricaenacoxeracióndeelectricidadeecalorútil1. OfundamentodaLeiatópasenoartigo45daConstitución,queconsagraaproteccióndomedioambientecomoundosprincipiosreitoresdaspolíticassociais e económicas.Como se indica nopropiopreámbulodaLei undoseixesdareferidareformatributariaéainternalizacióndoscustosmedioam-

1 - Para un panorama completo da Lei 15/2012, véase Villar Ezcurra, M.:“Cuestiones de eficiencia, eficacia y legalidad comunitaria europea en el procesohaciaunmodelofiscaldelaenergía”,Quincena Fiscal,núm.5,2013,pp.38ess.

Barreiro Carril: Os novos impostos medioambientales e a normativa de desenvolvemento

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196 Barreiro Carril: Os novos impostos medioambientales e a normativa de desenvolvemento

bientaisderivadosdaproducióndaenerxíaeléctricaedoalmacenamentodecombustiblenucleargastadooudosresiduosradiactivosdemodoqueaLeisirvadeestímuloparamellorarosnososniveisdeeficienciaenerxéticaper-mitindomelloraraxestióndosrecursosnaturaiseseguiravanzandononovomodelodedesenvolvementosostible.

ii. os novos impostos sobRe A eneRxÍA

Poloque se refireó imposto sobreovalorda enerxía eléctrica,gravaarealizacióndeactividadesdeproducióne incorporaciónósistemaeléctricodeenerxíaeléctricanosistemaeléctricoespañol,medidaenbarrasdecentralencalqueradasinstalaciónsásqueserefireaLeidoSectorEléctrico2,sendocontribuíntesosquerealicenasreferidasactividades.Abaseimpoñiblevénconstituídapolo importe total que correspondapercibir ó contribuínte polaproducióneincorporaciónósistemaeléctricodeenerxíaeléctrica,medidaenbarrasdecentral,porcada instalación,noperiodo impositivo,esixíndoseoimpostoótipoimpositivodo7%3.

Noqueatinxeáxestióndoimposto,habemosdesinalarqueaLeianali-zadasinalaqueoscontribuíntesestaránobrigadosaautoliquidaroimpostoeingresaracotadentrodomesdenovembroposterioródevengodoimposto,de acordo coas normas emodelos que estableza oMinistro de Facenda eAdministraciónsPúblicas4.NestesentidohabemosdedestacarqueoreferidoMinisterioaprobouaOrdeHAP/703/2013,de29deabril,polaqueseaprobaomodelo583“Impuesto sobre el valor da producción da energía eléctrica. Autoliquidación y Pagos Fraccionados”, e establécese a forma e procede-mentoparaasúapresentación.Omodelo583-quesepresentaráporvíatele-mática,atravésdeInternet,benpolopropiodeclaranteoubenporunterceiroqueactúenasúarepresentación-,eoingresodacotatributariaoudospagosfraccionadosefectuarase,salvoquesedomicilieopago,nosseguintesprazos: -Sesetratadepagosfraccionados,oscorrespondentesósperíodosdostres,seisnoveedocemesesdecadaanonatural,entreosdías1e20dosmesesdemaio,setembro,novembroefebreiroseguintesáfinalizacióndecadaperíodo,respectivamente.

2 -Lei54/1997de27denovembro,noseutítuloIV.3 -Arts.4-8daLei15/2012.4 -Art.10.1daLei15/2012.

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-Sesetratadeautoliquidacións,entreosdías1e30domesdenovembrodoanonaturalseguinteódoexerciciodequesetrate,salvonosupostoqueseproduzaocesedeactividadeconanterioridadeó31deoutubrodecadaanonatural.Nesteúltimocaso,apresentacióndomodeloe,noseucaso,oingresodacota,deberáterlugarentreosdías1e30denovembrodoanonaturalenqueseproduciuocesedeactividade.

Polasúabanda,oImpostosobreaproducióndecombustiblenucleargas-tadoeresiduosradioactivosresultantesdaxeracióndeenerxíanucleoeléctrica,gravaaproducióndestetipodecombustibleeresiduossendocontribuíntesosque realicenesta actividade.ALei analizadacontemplaun supostode res-ponsabilidadesolidariadospropietariosdasinstalaciónscandononsexanosqueasexplotan.Abaseimpoñiblevénconstituídapoloskilogramosdemetalpesadocontidosnocombustiblenuclearproducidoduranteoperíodoimposi-tivo,ou,noseucaso,polosmetroscúbicosderesiduosradioactivosdemedia,baixaoumoibaixaactividade,sendoaplicable,noprimeirocasountipode2.190eurosporkilogramodemetalpesadoe,nosegundocaso,un tipode6.000eurospormetrocúbicopararesiduosdebaixaemediaactividadeede1.000eurospormetrocúbicopararesiduosdemoibaixaactividade5.

Finalmente,oImpostosobreoalmacenamentodecombustiblenucleargas-tadoeresiduosradioactivoseninstalaciónscentralizadasgravaaactividadedealmacenamentonainstalacióncentralizada,sendocontribuíntesostitularesdasinstalacións.Decláranseexentososresiduosprocedentesdeactividadesmédicas ou científicas, así como os residuos radioactivos procedentes deincidentesexcepcionaiseninstalaciónsindustriaisnonsuxeitasáreglamenta-ciónnuclearquesexancualificadoscomotalespoloConsellodeSeguridadeNuclear.Abaseimpoñibledeste impostovénconfiguradadeformadistintadependendodo tipode residuoradioactivoanteoquenosatopemos.Sesetratadecombustiblenuclear,abasedetermínaseenfuncióndadiferenzaentreopesodometalpesadocontidonocombustiblenucleargastadoalmacenado,expresadoenkilogramos.Sesetrataderesiduosradioactivosdealtaactivi-dade,distintosdocombustiblenucleargastado,oudemediaactividadeevidalonga,abaseimpoñiblecalcúlaseenfuncióndadiferenzaentreovolumedetalesresiduosalmacenadosáfinalizacióneócomezodoperíodoimpositivo,expresadosenmetroscúbicos.Finalmente,sesetrataderesiduosradioactivosdemediaactividadenoncontempladosanteriormenteedebaixaoumoibaixaactividade,abaseimpoñiblevénconstituídapolovolumedetalesresiduos,

5 -Art.15-18da15/2012.

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expresadoenmetroscúbicos.Abaseliquidabledetermínaseatravésduncoe-ficientemultiplicadorderedución.Encantoótipodegravame,esteserádife-rente,dependendodotipoderesiduosdequesetrate.Así,éde70eurosporkilogramodemetalpesado,noprimeirocasodosreferidosanteriormente,de30.000eurospormetrocúbicoderesiduoradioactivonosegundodossupos-tos, e de 10.000 ou 2.000 euros pormetro cúbico segundo trátese de resi-duosradioactivosdebaixaoumediaactividadeoudemoibaixaactividade6. OsaspectosrelacionadoscoaxestióndosdousúltimosimpostosanalizadosnestetraballoforondesenvolvidospolaOrdeHAP/538/2013,de5deabril,polaqueseaprobanosmodelos584“Impuesto sobre la produción de combustible nuclear gastado y residuos radiactivos resultantes de la generación de ener-gía nucleoeléctrica. Autoliquidación y pagos fraccionados”e585“Impuesto sobre el almacenamiento de combustible nuclear gastado y residuos radiacti-vos en instalaciones centralizadas. Autoliquidación y pagos fraccionados”,eestabléceseaformaeprocedementoparaasúapresentación.AreferidaOrderegulaasregrasquerexenosmodelos584e585quesehandeutilizarparaapresentacióndaautoliquidaciónedospagosfraccionadoscorrespondentesós impostos en cuestión.Tal presentación debe realizarse obrigatoriamenteporvíatelemática,atravésdeinternet,xasexapoloobrigadotributario,xaporunterceiroautorizado.Apresentacióndaautoliquidacióndeberealizarseduranteosvintedíasnaturaisseguintesaodevengo,mentresquearelativaóspagos fraccionadosdebe realizarseduranteosvinteprimeirosdíasnaturaisdosmesesdeabril,xulloeoutubro.

iii. ConsideRACións finAis

ComezabamosestetraballosinalandoqueofundamentodaLei15/2012atópasenoartigo45daConstituciónqueestableceundeberparaospoderespúblicosdeconservacióndomedioambientecomoprincipioreitordapolíticaeconómica e social.Dunha primeira lectura do preámbulo da referidaLei,benpuidésemospensarquenosatopamosanteoscoñecidoscomo“impos-tos medioambientais”7. Con todo unha análise detallada da configuracióndos referidos impostosponendúbida tal conclusión.Maliaquenonexiste

6 -Arts.19-24daLei15/2012.7 -Sobrearelaciónentreafiscalidadeeomedioambiente,véxasePitaGrandal,

A.M.:“Sistematributarioymedioambiente”,Estudios en memoria de Ramón Valdés Costa,FundacióndeCulturaUniversitaria,Montevideo,1999,pp.588ess.

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unhaúnicadefiniciónuniformedoconceptode“impostomedioambiental”,oTribunalConstitucional,veuentendendoqueparaqueunimpostorecibatalcualificativodebencumprirsedúascondicións8.Enprimeiro lugar,dadeli-mitacióndofeitoimpoñibleedoselementoscuantitativosdebedesprendersequeexisteunhaconexiónentreafinalidade(proteccióndomedioambiente)eomedioempregado.Ensegundolugar,oimpostodebecontermedidasincen-tivadorasparanoncontaminar,constituíndotansóunindicioofeitodequeoimporterecadadoesteaafectadoárealizacióndungastomedioambiental9.

Deacordocoasconsideraciónsanteriormenteexpostas,MartaVillarmani-festouqueoimpostosobreovalordaproducióndaenerxíaeléctricanonéunimpostoverdadeiramentemedioambiental,entreoutrascuestiónsporquenon ten en conta a distinta capacidade contaminante das fontes de enerxíautilizadas,naconfiguracióndoimpostoógravalastodasporigualó7%.Asímesmoesegundoestaautora,asdiferenzasnoselementoscuantitativosnosnovosimpostosáproduciónealmacenamentodeenerxíanuclearsontecnica-mentecuestionables.Endefinitiva,atopámonosanteinstrumentosmeramenterecadatoriosque,ademais,nonsealiñancoasestratexiascomunitarias10. Os impostos analizados tampouco foron ben recibidos no sector das enerxíasrenovables,porentenderqueanovanormativaprexudica,enparticularósec-torfotovoltaico,ódacoxeración-quevaiterqueasumiroimpostolinealáproducióndeenerxíaeo incrementodo impostosobreoprezodogas-asícomoósectordasbiomasas11.

Endefinitiva,benparecequeolexisladorespañoldeixoupasar,unhavezmáis, unha oportunidade para emprender unha verdadeira Reforma FiscalVerde.

8 -Véxase,porexemplo,asentenciadoTribunalConstitucional179/2006,de13dexuñosobreoimpostoextremeñosobreinstalaciónsqueincidennomedioambiente.

9 -Villar Ezcurra,M.: “Desarrollo sostenible y tributos ambientales”,Crónica Tributaria,núm.107,2003,p.136.

10 -VillarEzcurra,M.:““Cuestionesdeeficiencia,eficaciaylegalidadcomunitariaeuropea...”, op. cit., pp. 40 e ss. Roberto Ignacio Fernández López xa puxera demanifesto as deficiencias dalgúns incentivos fiscais españois ó uso das enrxíasrenovablesnoseutraballoespañoles“Unnuevoenfoquedelatributaciónambiental:lafiscalidadespecíficasobrelasfuentesdeenergíasrenovables”,enQuincena Fiscal, 22, 2012, p. 43.

11 -VillarEzcurra,M.:““Cuestionesdeeficiencia,eficaciaylegalidadcomunitariaeuropea...”,op.cit.,pp.42ess.

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201Siota Álvarez: Escrituras públicas de subrogación e novación modificativa de préstamos e de…

Cooperativismo e Economía Social, nº 35 (2012-2013), pp. 201-206

esCRitURAs públiCAs de sUbRogACión e novACión modifiCAtivA de pRéstAmos e de CRéditos

hipoteCARios: o seU ¿dispAR? tRAtAmento no imposto sobRe tRAnsmisións pAtRimoniAis e

ACtos xURÍdiCos doCUmentAdos. ComentARio Á ResolUCión do teAC de 16 de mAio de 2013.

MónicaSIOTAÁLVAREZProfesora de Dereito Financeiro e Tributario

Universidade de Vigo

1. AnteCedentes

Oart.9párrafoprimeirodaLei2/1994,de30demarzo,sobresubrogaciónemodificacióndepréstamoshipotecarios-áqueremiteoart.45.1.c)doRealDecretoLexislativo1/1993poloqueseaprobaoTextoRefundidodaLITPOeAJD-,permiteaexención,namodalidadgradualdeActosXurídicosDocu-mentados,dasescrituraspúblicasdesubrogaciónenovacióndospréstamoshipotecarios.

PerocomoconsecuenciadapromulgacióndaLei41/2007,de7dedecem-bro,polaquesemodificaaLei2/1981,de25demarzo,deRegulacióndoMer-cadoHipotecarioeoutrasnormasdosistemahipotecarioefinanceiro—entreelasaLei2/1994—,empezouseadefender,porpartedos suxeitospasivosdoimposto,aaplicacióndaexenciónásescrituraspúblicasdesubrogaciónenovacióndoscréditoshipotecarios.UndosargumentosbásicosesgrimidosafavordestainterpretacióneraqueaLei41/2007establecíaunhaclaraequipa-raciónentrecréditosepréstamos,aosinalarabertamenteasúaExposicióndeMotivosque“undosobxectivosdapresenteLeiéalcanzaraneutralidadeno

Siota Álvarez: Escrituras públicas de subrogación e novación modificativa de préstamos e de…

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tratamentoregulatoriodosdiversostiposdecréditosepréstamoshipotecariosofertadosnomercado”.

Ataomomento,tantoadoutrinaadministrativacomoospronunciamen-tosxurisprudenciaissostiveron,dexeitomaioritario,queaaplicacióndeditaexención ás escrituras de novación e subrogación de créditos hipotecariossupoñería recorrerá integraciónanalóxica,ocalestaríaprohibidopoloart.14daLXT12.Noentanto, taménseaprecianalgunhasopiniónsdoctrinaisecertospronunciamentosadministrativosexurisprudenciaisdiverxentes,quedefendenaaplicacióndaexenciónamparándosenunhamerainterpretacióndaLei2/1994edassúasposterioresmodificacións13.

Endefinitiva,ostérminosdadiscusión,áhoradepermitir,ounon,queasescriturasdesubrogaciónenovacióndecréditoshipotecariossebeneficiendaexenciónprevistaparaospréstamosdoart.9daLei2/1994,xiraentornoaconsiderarquenosatopamosanteunhainterpretacióndodevanditoprecepto—poloquesepoderíaaplicaraexención—oubenanteunhaintegraciónana-lóxicadomesmo—nesecaso,eenvirtudedodispostonoart.14daLXT,aexenciónnonresultaríadeaplicación—.

2. A ResolUCión do teAC de 16 de mAio de 2013QuizaisomáissalientabledestaResoluciónéqueseapartaclaramentedo

criterio reiterado, ataomomento,polaDXTdenegaraequiparaciónentre

12 -Así poderían citarse, entre outras, asConsultas daDXT de 16 de xuño de2008(V1291-08),6deagostode2009(V1829-09)(JT2009/1229),21dexaneirode2010(V0081-10)(JT2010/184),19defebreirode2010(V0309-10),2dexuñode2010(JT2010/326163),9dexullode2010(V1542-10)(PROV2010/373573),30demarzode2011(V0825-11)(JUR\2011\154698),26dedecembrode2011(V3062-11)(JUR\2012\55109),22demarzode2012(V613-12)(JUR\2012\142926).

Eentreospronuncionamentosxurisprudenciais:SSTSXdeMadrid:núm.471de8dexuñode2011(JT2011\1063);núm.472de8dexuñode2011(JT2011\994);núm. 473 de 8 de xuño de 2011 (JT 2011\996); núm. 946 de 17 de novembro de2011(JUR2012\205009);núm.953de17denovembrode2011(JUR2012\198757);núm.50de3defebreirode2012(JT2012\484);núm.310de10demaiode2012(JT2012\699);núm.336de17demaiode2012(JT2012\703);núm.111de31deoutubrode2012(JT2013\72).

13 -SSTSXdeGaliciade25dexuñode2012(JUR\2012\268303),de6defebreirode2013(JUR\2013\95353);e,SSTSXdeCastelaeLeónde9denovembrode2012(JT\2012\1305)ede21dexaneirode2013(JUR\2013\53485).

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contratodepréstamoecontadecrédito,aefectosdaaplicacióndaexencióndamodalidadegradualdeActosXurídicosDocumentados,queestamoscomen-tado.XaqueoTEACconclúequeaexencióncontidanoart.9daLei2/1994debeaplicarseaofinanciamentohipotecarioenxeral,conindependenciadomodelo de instrumentación (crédito ou préstamo) empregado. Para iso, oTEACutilizabásicamentetresargumentos:

Enprimeirolugar,eaíndapartindodadistinciónentreasfigurasdeprés-tamo e crédito hipotecario, o TEAC considera que no ámbito do ImpostosobreTransmisiónsPatrimonialeseActosXurídicosDocumentadosexisteuntratamento unitario para as figuras de préstamo e crédito, como se pon demanifesto,porexemplo,noart.15doTextoRefundidodaLITPOeAXD.

A continuación, oTEAC recoñece que a distinción entre ambasfigurasxurídicasnonsemanténnítidamenteenpartedosprodutoscrediticiosmoder-namenteofertadospolabancaaparticulareseempresas.

Epararematar,oTribunalampárasenafinalidadeperseguidaenosproble-masqueintentaresolveraLei—nonsóaLei2/1994senónassucesivasrefor-maslexislativasposteriores—,paraconsiderarquenonexisteningúnmotivo(social,económico,etc.)queexplique,áhoradeinterpretaranorma,odistintotratotributariodoscréditoshipotecariosfronteaospréstamoshipotecarios14.

Nanosaopinión,contodo,cadaundosargumentosesgrimidospoloTri-bunal resultan fácilmente rebatibles. Polo que non compartimos o fallo doTEAC.

14 -EnopinióndoTEAC,eámarxedosrazoamentosbaseadosnadistintaorixexurídica de ambas figuras, a única razón que podería avalar o distinto tratamentoa uns e a outros estribaría en entender que o lexislador perseguía exclusivamentefavorecerascondiciónsdosparticularesrespectodaadquisicióndevivendaenonaosectorempresarial,ocalpreferentementefaiusodesistemasdecontasdecrédito.Noentanto,oTribunalrecoñece,acontinuación,quenonéinfrecuentequeosparticularesacudanasistemasdecontasdecréditoparafinanciaraadquisicióndevivenda,comoasímesmo empresas, que para o financiamento dun activo inmobiliario, acudan aun préstamohipotecario de amortización periódica.Conclúe oTribunal afirmandoque, para admitir dita interpretación, sería necesario queo lexislador sinalase estafinalidade,nesecasoocriteriodistintivonondescansaríanecesariamentenanaturezade préstamos e créditos, senón no obxecto de financiamento (vivendas), ou nossuxeitosdeudores (particularesouempresas),distinciónqueaLeienningún lugarrealiza.

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Así, por exemplo, a equiparación que o art. 15 doTextoRefundido daLITPOeAXDrealizaentrepréstamospersoaisecontasdecréditosóseríaefectiva a efectos damodalidadeTransmisiónsPatrimonialesOnerosas -xaque o artigo 15 atópase noTítulo Primeiro doTextoRefundido relativo adevanditamodalidade-enonádeActosXurídicosDocumentados15.

Poroutrabanda,econindependenciadecalsexaafinalidadedanorma,aLei2/1994refíreseinsistentementeaospréstamoshipotecarios,cuxamen-ciónaparecenoseupropiotítulo—“Leisobresubrogaciónemodificacióndepréstamoshipotecarios”—enadeterminacióndoseuámbitodeaplicación.Emaliaqueestanormasufriutresreformaslexislativasdedistintocalado,oseuámbitodeaplicaciónnonseviumodificadoporningunhadelas.

EspecialmentesignificativaéareformaoperadapolaLei41/2007,porquemoitosseampararonnelaparaxustificaraexoneraciónnamodalidadegra-dualdeActosXurídicosDocumentadosdasescrituraspúblicasdenovacióne subrogacióndecréditoshipotecarios.Ocurioso,encalqueracaso,éque,tralamodificaciónlevadaacabopolaLei41/2007,oartigo9daLei2/1994,noquesereguladitaexención,seguefacendoreferenciaexclusivamenteaospréstamoshipotecarios.

Esiefectivamente,comomanteñenalgúnsautores,aintencióndolexis-ladordoano2007eraequiparartotalmenteaospréstamoscoscréditoshipo-tecarios—medida que, lexítimamente, podería adoptar—, tería que facelofeitoexpresamente,bencambiandooámbitodeaplicacióndaLei2/1994,ben

15 -Acuestióndesiastresmodalidadesdoimpostoconstitúenunúnicotributoouenrealidadesontrestributosindependentesreguladosnunmesmocorponormativofoiobxectodunhavivapolémica:

-A posición do tributo único apóiase fundamentalmente no propio TextoRefundido que así o configura baixo unha única denominación e unhas normascomúnsaplicablesástresmodalidades(TitulopreliminareTituloIV).OsTribunaisEconómico-Administrativosadoitanadherirseaestatese.

-Aposicióndotriplotributosusténtaseenargumentoshistóricosenaconfiguraciónde tresmodalidadesconelementos tributariosespecíficos (feito impoñible, suxeitopasivo, tipos de gravame). Esta é a posición mantida por unha consolidada liñaxurisprudencial do Tribunal Supremo e pola maioría da doutrina (por todos:ESCRIBANO,F.,“ElImpuestosobreTransmisionesPatrimonialesyActosJurídicosDocumentados”,enPÉREZROYO,F.(Director),Curso de Derecho tributario. Parte especial,6ªedición,Tecnos,Madrid,2012,páxs.527ess.)

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modificandoditanormafacendoreferenciaapréstamosecréditoshipoteca-riosaolongodetodooseuarticulado.

3.- ConClUsiónDainterpretacióndaLei2/1994,eenparticulardamodificaciónoperada

nestanormapolaLei41/2007,noncabeinferirqueasescrituraspúblicasdenovaciónesubrogacióndecréditoshipotecariosseatópenexentasdamodali-dadegradualdeActosXurídicosDocumentados.

NaépocaenquefoidictadaaLei2/1994,opréstamoeraosistemaxene-ralmenteutilizadoparaaadquisicióndavivendahabitual;porisoépoloquefoiaúnicafiguracontempladapolanorma.Contodo,eaíndaqueocontratodeaperturadecréditoparecíamáispropiodoámbitoempresarial,osparticu-larestaménforonrecorrendoaélprogresivamente.Edefeito,senosfixamosennormasaprobadasnosúltimosanos,poderemosadvertircomoolexisladorfoiequiparandoospréstamoshipotecariosaoscréditoshipotecarios.

Poroutrabanda,adoutrinaentendeque“nonhaberíaobstáculoparaapli-caraexencióntantoaospréstamoscomoaoscréditoshipotecarios,xaque,nosubstancial,presentanamesmaproblemática”16.Perotendoencontaaprohi-biciónreguladanoartigo14daLXT,ditaequiparaciónsósepoderíaproducirporvontadeexpresadolexislador.

Desdeonosopuntodevista,undosmaioresargumentosafavordecon-siderarquenosatopamosanteunhalagoanormativa,enonanteunproblemainterpretativo,ofrécenoloopropiolexisladorautonómicoque,conscientedobaleironormativoequerendoemendalo,reguloudistintosbeneficiosfiscaisquesupoñenaexoneración,napráctica,dasescriturasdenovaciónesubroga-cióndoscréditoshipotecariosdamodalidadedeActosXurídicosDocumen-tados17.

16 -GARCÍAGIL,J.L.,GARCÍAGIL,F.J.,GARCÍAGIL,M.,Nuevo tratado del Impuesto sobre Transmisiones Patrimoniales y Actos Jurídicos Documentados, DAPP,Navarra,2011,páx.543.

17 -Porexemplo,oart.122-6doDecretoLexislativo1/2005,de26desetembro,do Goberno de Aragón, polo que se aproba o texto refundido das disposiciónsdictadas pola ComunidadeAutónoma deAragón en materia de tributos cedidos,estableceunhabonificacióndo100%dacotatributariadoImpostodeActosXurídicosDocumentados na súa modalidade gradual “nas primeiras copias de escrituras denovaciónmodificativa non exentas dos préstamos e créditos hipotecarios a que se

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206 Siota Álvarez: Escrituras públicas de subrogación e novación modificativa de préstamos e de…

Podemos concluír que, na nosa opinión, no caso de que se aplicara aexenciónprevistanaLei2/1994paraasescrituraspúblicasdesubrogaciónenovaciónmodificativadepréstamoshipotecariosaoscréditoshipotecariosestaríaseproducindounhaintegraciónanalóxicaqueseatopaexpresamenteprohibidapoloartigo14daLXT.

refiren os apartados II), III) e IVdopunto 2 do artigo 4 daLei 2/1994, de 30 demarzo,desubrogaciónemodificacióndepréstamoshipotecarios”.Eaíndadeformamáis evidente, o art. 38 bis do Texto Refundido das disposicións legais dictadaspolaComunidadeAutónomadeCanariasenmateriadeTributosCedidos-aprobadomedianteDecretoLexislativo1/2009,de21deabril-dispón:“NamodalidadegradualdeActosXurídicosDocumentados aplicaraseo tipo cero ás escrituras públicas denovación modificativa de créditos hipotecarios pactados de común acordo entreacreedor edeudor, semprequeo acreedor sexaunhadas entidades aque se refireo artigo 1 da Lei 2/1994, de 30 demarzo, sobre Subrogación eModificación dePréstamosHipotecarios,eamodificaciónrefíraseáscondiciónsdotipodeintereseinicialmentepactadoouvixente,áalteracióndoprazo,ouaambas”.

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207Aneiros Pereira: A transmisión de empresas e o IVE. A esixencia do imposto no caso de que se…

Cooperativismo e Economía Social, nº 35 (2012-2013), pp. 207-209

A tRAnsmisión de empResAs e o ive. A esixenCiA do imposto no CAso de QUe se

tRAnsmitA Un pAQUete ACCionARiAl.

JaimeAneirosPereiraProfesor de Dereito Financeiro e Tributario

Universidade de Vigo

ADirectiva2006/112/CEde28denovembrode2006,relativaaosistemacomúndoimpostosobreovalorengadido,establecenoprimeiropárrafodoartigo19que«osEstadosmembrosquedanfacultadosparaconsiderarqueatransmisión,atítuloonerosoougratuitooubaixoaformadeaportaciónaunhasociedade,dunhauniversalidadetotalouparcialdebensnonsupónarealiza-cióndunhaentregadebensequeobeneficiariocontinúaapersonalidadedocedente».Afinalidade é facilitar as transmisiónsde empresas oupartes deempresas,simplificándoaseevitandosobrecargaratesoreríadobeneficiariocunhacargafiscaldesmesuradaque,ademáis,serecuperaríaposteriormentemedianteadeduccióndoIVEsoportado.Estepreceptoreproduceliteralmenteoantesprevistonoartigo5.8daSextaDirectivadoIVE.

Sobreesteprecepto,oTribunaldeLuxemburgoxadixeranaSentenzade27denovembrode2003,noasuntoZitaMoldes,queosEstadosMembrospodenestableceraregladanonsuxeciónAsí,noapartado31dacitadasen-tenzaZitaModesseafirmaque«unEstadomembroquefaiusodafacultadeconferidapolaprimeirafrasedoartigo5,apartado8,daSextaDirectivadebeaplicararegladanonentregaatodatransmisióndunhauniversalidadetotalouparcialdebensenonpode,polotanto,limitaraaplicacióndareglasoaalgunhasdesastransmisións,salvonascondiciónsprevistasnasegundafrasedomesmoapartado».

Axurisprudenzacomunitariaestablece,así,quearegladenonsuxeciónou,danonrealizacióndofeitoimpoñibledoIVEou«nonentrega»natermi-

Aneiros Pereira: A transmisión de empresas e o IVE. A esixencia do imposto no caso de que se…

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208 Aneiros Pereira: A transmisión de empresas e o IVE. A esixencia do imposto no caso de que se…

noloxíadoTribunaldeXustiza,nonseaplicasoástransmisiónsquesupoñanunhasubrogaciónousucesiónatítulouniversal,senónatodotipodetransmi-siónsdunhaempresaoupartedamesma.

Poisben,nestecontextotenimportanciaasentenza do tribunal de xus-tiza da Unión europea de 30 de maio de 2013 (asunto C-651/11) no caso XBVdecideunacuestiónprexudicialnaquesediscutíaasuxeciónounonaoIVEdatransmisióndunhaparticipación,representadapolo30porcentodasaccións,nocapitaldunhasociedade.

Asípois,aprimeiracuestiónqueresolveoTribunalésiacesióndo30%das acción dunha sociedade poden constituir unha transmisión dunha uni-versalidade total ou parcial de bens.Aonon existir unha remisión expresaaoDereitodosEstadosmembrosparadeterminaro sentidoeoalcancedoconceto de transmisión dunha universalidade total ou parcial de bens, ésteconstitueunconceptoautónomodoDereitodaUnión,edebe,enconsecuen-cia,interpretarsedexeitouniformecoafinalidadedeevitardiverxenciasdunEstadomembroaoutroáhoradeaplicaroréximedoIVA.

ElTribunaldeXustiza interpreta este conceptono sentidodequecom-prendeatransmisióndunestablecimentomercantiloudunhaparteautónomadunhaempresa,conelementoscorporaise,noseucaso,incorporaisque,con-xuntamente, constituen unha empresa ou unha parte dunha empresa capazdedesenvolverunhaactividadeeconómicaautónoma,peroquenonsecom-prendeameracesióndebens,comoaventadeexistencias.Taménénecesarioqueocesionarioteñaaintencióndeexplotaroestablecimentomercantilouapartedaempresatransmitidaenonsimplementedeliquidardeinmediatolaactividadencuestión.

Nunharecentesentenzade10denovembrode2011(noasuntoSchriever)oTribunalmanifestouqueparaquepoidaconsiderarsequeexisteunatransmi-sióndunestablecementomercantiloudunhaparteautónomadunhaempresaé necesario queo conxuntode elementos transmitidos sexa suficiente parapermitir desenvolver una actividade económica autónoma.No caso obxetodestasentenzasediscutíasionontransmitirapropiedadedunlocalcomercialprivabadeefectoánonsuxeciónnoIVE.

O problema que se plantexa a sentenza de 30 demaio de 2013 é si atransmisióndeaccióne,enconcretodunhaporcentaxe,podebeneficiarsedosupostodenonsuxecióne,polotanto,danonesixenciadoIVEnaoperación.OTribunalconclúeque“procede sinalar que, a diferencia da tenencia dos activos dunha empresa, o feito de ser titular das accións de ésta non é sufi-

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209Aneiros Pereira: A transmisión de empresas e o IVE. A esixencia do imposto no caso de que se…

ciente para permitir desenvolver unha actividade económica autónoma”. Xaquelogo,aoperaciónestásometidaaesixenciadoIVE.

Deste xeito, segundo a xurisprudencia doTribunal deXusticia, ameraadquisición,amera tenenciaeasimpleventadeparticipaciónssociaisnonconstitúenensímesmas,unhaactividadeeconómicaxaqueameraadqui-sición de participacións financeiras en outras empresas non constitúe unhaexplotacióndunbencofindeobteringresoscontinuadosnotempo.

A situación sería distinta cando a participación vai acompañada dunhaintervencióndirectaouindirectanaxestióndassociedadesnasqueseadquiraaparticipación,siéstaimplicaarealizacióndeoperaciónssuxeitasaoIVE,talescomoaprestacióndeserviciosadministrativos,financeiros,comerciaisetécnicos.

Porconseguinte,acesióndasacciónsdunhasociedadenonpodeasimi-larse,independientementedaimportanciadaparticipaciónnocapital,átras-misióndunhauniversalidadetotalouparcialdebensanonserqueaparticipa-ciónformepartedunhaunidadeindependentequepermitaoexerciciodunhaactividadeeconómicaindependenteequeoadquirenteexerzaestaactividade.Polacontra,unhasimplecesióndeacciónsquenonseacompañada trans-misióndosactivosnonpermiteaocesionario levaracabounhaactividadeeconómicaindependentecomosucesordocedente.

ParaoTribunal,ademáis,é irrelevantequevariosaccionistas realizasenaoperacióndecesiónáveze, tamén,quedeixasenoscargosdirectivosnasociedade.

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ACtUAlidAde CoopeRAtivA em poRtUgAl

Coordinadora:DeolindaAparícioMeira

▪ EduardoGraçaA conta satélite da economia social (CSES) em Portugal - 2013

▪ AnaMariaAlvesBandeiraO Regime de Normalização Contabilística das Entidades sem Fins Lucrativos e as suas especificidades

▪ DeolindaAparícioMeiraA Lei de Bases da Economia Social portuguesa. Breve apresentação

▪ EquipaGeraçãoCoopProjeto GeraçãoCoop – despertar para o cooperativismo

▪ EquipaCOOPJOVEMCOOPJOVEM – uma resposta para o emprego jovem em Portugal

▪ MariaJoãoDias/JoãoAnacoretaCorreiaOs corpos de bombeiros voluntários, as associações humanitárias de bombeiros e a liberdade de associação. Anotação ao Acórdão do STJ de 26 de janeiro de 2012

▪ AndréAlmeidaMartinsA debatida questão da qualificação da relação jurídica entre cooperador trabalhador e cooperativa. Anotação ao Acórdão do TRP, de 27 de fevereiro de 2012

Page 214: E ECONOMÍA SOCIAL

▪ TiagoPimentaFernandesDo seguro de danos na cooperativa de habitação. Anotação ao Acórdão do TRL, de 28 de fevereiro de 2012

▪ MarianaPinheirodeAlmeidaO segredo bancário e o direito à informação nas cooperativas de crédito. Acórdão do TRE, de 22 de março de 2012

▪ CatarinaProença/RaulGuichardDa possibilidade de celebração de um contrato-promessa entre uma cooperativa e um sócio. Anotação ao Acórdão do TRE, de 29 de março de 2012

▪ DeolindaAparícioMeiraA participação do cooperador na atividade de uma cooperativa agrícola. Anotação ao Acórdão do TRC de17 de abril de 2012

▪ PauloVasconcelosAssociações mutualistas. Comunicação da exclusão de associado. Âmbito das coberturas dos benefícios subscritos. Anotação ao Acórdão do STJ, de 11 de setembro de 2012

▪ IrenePortelaCaso da transferência de farmácia de associação pública. Anotação ao Acórdão do STA de 26 de setembro de 2012

▪ ElisabeteRamosResponsabilidade civil pela administração da cooperativa. Anotação ao Acórdão do STJ de 25 de outubro de 2012

▪ ManueladaSilvaPatrícioAs cooperativas de ensino que desenvolvem funções com caráter de interesse público: funções públicas ou privadas? Anotação ao Acórdão do TRP, de 5 de novembro de 2012

▪ HelenaSalazarA impossibilidade de acumulação do cargo de presidente da direção de cooperativa com o exercício de funções por contrato de trabalho durante o mesmo período temporal. Anotação ao Acórdão do TRE de 15 de novembro de 2012

▪ NinaAguiarAspetos fiscais dos donativos a Fundações participadas pelo Estado. Anotação ao Acórdão do STA de 5 de dezembro de 2012

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213Eduardo Graça: A conta satélite da economia social (CSES) em Portugal - 2013

Cooperativismo e Economía Social, nº 35 (2012-2013), pp. 213-221

A ContA sAtélite dA eConomiA soCiAl (Cses) em poRtUgAl - 2013

EduardoGRAÇAPresidente da direção da Cooperativa António Sérgio para a Economia Social

(CASES)

intRodUção

Apropósitodotemaquemefoipropostoabordar,qualseja,acriaçãodeumaContaSatélitedaEconomiaSocial(CSES),emPortugal,consideroperti-nenteteceralgumasconsideraçõesacercadocontextoemquesedesenvolveuoprojeto.

Nosiníciosde2010,finalizadoodesenhoinstitucional,eorganizacional,daCooperativaAntónioSérgioparaaEconomiaSocial(CASES),quesuce-deuaoINSCOOP,deu-seinícioaumprocessodeencontroededescobertamútuadasdiversas«famílias»daEconomiaSocial(ES)emPortugal.

A economia social contemporânea, herdeira de uma tradição históricaforte,cujamemóriacarecedeseravivada,foidurantemuitasdécadascons-tituídaporumanebulosade«famílias»próximas,pelosprincípiosevalorescomuns,masdistantesentresi,napráticaeação,assimcomonarelaçãocomospoderespúblicos.

Verifiquei,naminhaqualidadedepresidentedoINSCOOPedepresidentedadireçãodaCASES,apartirdemarçode2010,essefenómenosurpreen-dentequeconsistia,salvorarasexceções,nofactodosprópriosdirigentesdasorganizaçõesdecúpuladaeconomiasocialnãoseconhecerempessoalmente.

O«setorcooperativoesocial»,queaConstituiçãodaRepúblicaPortuguesa(CRP)consagra,noseuart.82.º,comoumdostrêssetoresdepropriedadedos

Eduardo Graça: A conta satélite da economia social (CSES) em Portugal - 2013

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214 Eduardo Graça: A conta satélite da economia social (CSES) em Portugal - 2013

meiosdeprodução,comamesmadignidade,dosrestantesdois,opúblicoeoprivado,afinalnuncahaviatomadocorpoenquantosetororganizadoemtornodeumaqualquerorganizaçãoassociativa,nemsequerhaviaprosseguido,deformaestruturada,objetivoscomuns.

Ascooperativaseasmutualidades,nascidasdeumamesmaraiz,comumahistóriacentenária,raramentecoabitavamemespaçosdetrabalhoediálogo(mesmoasfinanceiras);asMisericórdias,comumatradiçãodecincoséculosdehistória,construíramumconglomeradoeconómico,prosseguindo,legiti-mamente,oseuprópriocaminho,estribadasnodireitocanónico;asinstitui-çõesparticularesdesolidariedadesocial(IPSS)assumiamcrescenteprotago-nismo,eimportância,naáreasocial,emtornodeumestatutoqueoestadolhesatribui,preenchidasdeterminadascondições;asassociações,maisnume-rosasediversificadaspelanaturezadassuasatribuiçõeseobjetivos,alémdemaispulverizadasnoterritório,desembaraçavam-seexercitandoumintensoespiritodesobrevivência.

Aeconomia socialque,finalmente, aLeideBasesdaEconomiaSocial(LBES), em vigor desde 7 de junho de 2013, reconheceu legalmente, noenquadramentodo«setorcooperativoesocial»queaCRPconsagra,somentecomeçouaganharcorpo,noPortugalcontemporâneo,comosetorautónomoeestruturado,nosplanosinstitucionalelegal,atravésdacriaçãodaCASES,doConselhoNacionalparaaEconomiaSocial(CNES)apartirde2010culmi-nando,nestafasedereinauguração,comaentradaemvigordaLBES.

EmPortugal,nosúltimostrêsanos,ocorreram,pois,mudançasdefundonasinstituiçõesenalegislaçãodeenquadramentodaeconomiasocialsendoassinalávelofactodetaismudançasocorreremcomumaeleiçãolegislativadepermeiodaqualresultouumamudançadegovernodemonstrandoqueépossí-velfazerprevalecer,semescamotearnaturaisdiferençasdeopinião,compro-missospolíticoscomofoi,emblematicamente,demonstradocomaaprovaçãoporunanimidade,pelaAssembleiadaRepública,daLBES.

Nestenovoedifícioemconstrução,comocontributodetodasetodososqueentendemaimportânciaestratégicadaeconomiasocialparaacoesãosocialnumaperspetivademelhoria,ereformadoestadosocial,nãoesteveausenteanecessidadedecriaruminstrumentoestatísticoquepermitisseenfrentarumdeficitcrónicodeinformaçãocredível,ecertificada,nestesetoremPortugal.

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215Eduardo Graça: A conta satélite da economia social (CSES) em Portugal - 2013

o históRiCo ReCente dA Cses

Apósum longoperíodohistóricodevazionoque respeitaà reinvençãodoconceitodeeconomiasocial,comsuasvirtualidadeseconstrangimentos,quernoplanopolítico, institucional, legal,doutrinário,económicoesocial,Portugaldeu,numcurtoperíododetempo,umsaltoemfrente,colocando-senaprimeira linha,nãosóaníveleuropeucomomundial,naabordagemdotema,paraadmiraçãodosmaisatentosaofenómeno.

A Lei de Bases da Economia Social portuguesa, antecedida pela apro-vaçãode leihomólogaemEspanha, antecipoua iniciativa legislativa fran-cesa(viveirodosmovimentosinauguraisdaeconomiasocial)eadoCanadá(Quebeque),integrandonoseuarticulado(art.6.º,n.º2)aobrigatoriedadedaelaboraçãodeumaContaSatélitedaEconomiaSocial(CSES)nosseguintestermos: «Deverá ainda ser assegurada a criação e a manutenção de uma conta satélite para a Economia Social, desenvolvida no âmbito do sistema estatístico nacional».

TalconsagraçãofoiconsensualemgrandemedidapelofactodeaCASEStersuscitado,eincluídonoseuplanodeação,logoem2010,acriaçãodeumaCSEScorrespondendo,aliás,aumdesafiocontidoemdiversosdocumentosdaUE tal como naResolução do ParlamentoEuropeu de 19 demarço de2009,sobreEconomiaSocial,publicadaem25demarçode2010emque,nosseuspontos15e16,fazmençãoexplícitaao«reconhecimento estatístico»nosseguintestermos:

15. Convida a Comissão e os Estados-Membros a apoiarem a criação de registos estatísticos nacionais das empresas da economia social, a estabele-cer contas satélite nacionais por sector institucional e por ramo de atividade, e a permitir a utilização desses dados pelo Eurostat, recorrendo também às competências disponíveis nas universidades;

16. Salienta que a medição da economia social é complementar à medi-ção das organizações sem fins lucrativos (OSFL), convida a Comissão e os Estados-Membros a promoverem a utilização do Manual da ONU sobre as organizações sem fins lucrativos e a prepararem contas satélite que permitam melhorar a visibilidade das OSFL e das organizações da economia social;

Aconceção,ecriação,detalinstrumentoestatísticocompetiriamsempreàautoridadeestatísticanacional(InstitutoNacionaldeEstatística–INE)que,desdelogo,aderiuàpropostatendosidocelebradoumprotocoloentreasduas

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216 Eduardo Graça: A conta satélite da economia social (CSES) em Portugal - 2013

instituições(CASESeINE),em14deabrilde2011,tendoemvistaaconcre-tização,emparceria,doprojeto.

EmPortugalàsemelhançadoqueaconteceumpoucoportodoomundocoexistem duas grandes conceções de economia social: a chamada conce-ção americana,circunscrevendooperímetrodasorganizaçõesdaeconomiasocialàschamadasorganizaçõessemfinslucrativos,«nonprofit institutions»(excluindoascooperativasemutualidades,asprincipaisorganizaçõesdocha-mado«setordemercado»),eaconceção europeiaque,commaisoumenosvariantes,porregiãooupaís,estabeleceumperímetro,maisalargado,noqualsãoconsideradasasorganizaçõesdoschamados«setordemercado»e«denãomercado».

ComorefereorelatóriofinaldaCSESesta«constitui a última etapa de um processo que se iniciou com a Base 2006 das Contas nacionais e que se desenvolveu nas seguintes fases:

- Fase 1: Compilação da conta das Instituições sem fins lucrativos ao serviço das famílias ISFLSF (S.15) de acordo com a Base 2006 das Contas nacionais Portuguesas;

- Fase 2: Extensão da conta do setor institucional S. 15 a outras ISFL, nos termos do HNPI (excluindo trabalho voluntário), produzindo uma conta satélite piloto para as ISFL para 2006, publicada em 2011;

- Fase 3: Compilação, tendo como referência 2012, de uma conta satélite mais alargada, abrangendo a totalidade das unidades no domínio da Eco-nomia Social e, também, a conceção e realização de um inquérito piloto ao trabalho voluntário.»

A definição de eConomiA soCiAl AdotAdA pelA Cses

ComosepodevisualizarpelográficoseguinteaCSESresultadeumpro-cessoevolutivoque,nasuaúltimafase,assentounaadoçãodadefiniçãoope-racionalpropostanorelatórioThe Social Economy in the European Union:

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AEconomiaSocial é um«conjunto de empresas privadas, organizadas formalmente, com autonomia de decisão e liberdade de adesão, criadas para satisfazer as necessidades dos seus membros através do mercado, produzindo bens e serviços, assegurando o financiamento, onde o processo de tomada de decisão e distribuição de benefícios ou excedentes pelos membros não estão diretamente ligados ao capital ou quotizações de cada um, correspondendo a cada membro um voto.

A Economia Social agrupa também as entidades privadas organizadas for-malmente, com autonomia de decisão e liberdade de adesão, que produzem serviços não mercantis para as famílias e cujos excedentes, quando existem, não podem ser apropriados pelos agentes económicos que os criam, contro-lam ou financiam.»

SãoosprópriosautoresdaCSESqueconsideramserestadefinição«a que melhor se adequa aos sistemas de Contabilidade Nacional visto não ter em consideração nem critérios jurídicos, nem administrativos, centrando-se na análise do comportamento dos atores da Economia Social, assim como na procura de semelhanças e diferenças entre os próprios atores e entre estes e os outros agentes económicos. Tem ainda em consideração os princípios históricos, bem como os valores próprios da Economia Social. É, por conse-guinte, uma definição que tem um amplo consenso científico e que permitiu quantificar e tornar visível, de forma homogénea e harmonizada internacio-nalmente, alguns agregados das entidades pertencentes à Economia Social.»

o essenCiAl dos gRAndes númeRos RevelAdos pelA CsesTomandoporbaseoanode2010foipossívelconcluirqueosetordaEco-

nomiaSocial emPortugal era constituídopor50 383 unidades, com forte

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218 Eduardo Graça: A conta satélite da economia social (CSES) em Portugal - 2013

heterogeneidade,tantoemnúmerocomopelotipodeatividadesdesenvolvi-das.Amaiorpartedasmesmas(48,4%)situam-senaáreadacultura,desportoerecreio.Ahegemoniaquantitativanãocorresponde,noentanto,àhegemoniaeconómicapoisaaçãosocialfoiresponsávelpor48,6%doempregoe41,3%doValorAcrescentadoBruto(VAB)daeconomiasocial.

Oquadroacimacondensaosprincipaisindicadoresporgrupodeentidadesepermite-me,deformasintética,teceralgumasconsideraçõesqueconsideropertinentesnocontextodesteartigo.

AsassociaçõeseoutrasOrganizaçõesdaEconomiaSocial (OES)repre-sentavam,emtermosquantitativos,94%douniversototal,contribuindocom54,1%doVAB,64,9%doempregoremuneradoe62,7%dasremunerações.O tipo de entidades sob a designaçãode associações e outrasOES consti-tuíam,conformeorelatóriorefere,«o grupo mais heterogéneo e com maior carência de informação estatística, tornando a sua análise mais complexa e menos precisa».

AtentoofortepesorelativodestegruponoconjuntodaEconomiaSocial,comoosindicadoresapresentadosevidenciam,deverãosercriadascondiçõesparaoaprofundamentodoseuestudo,incluindoadefiniçãodemetodologiasdetrabalho,processoparaoqualareformadalegislaçãoordináriadosetor,conformedeterminaaLeideBasesdaEconomiaSocial,muitopoderácon-tribuir e que os resultados da próximaCSESportuguesa, que amesma leiconsagra,provavelmenteaserelaboradaem2014,combasesemdadosde2012,deverãorefletir.

Éassinalável,atentaaestagnaçãodosetorcooperativoemPortugal,nasúltimasduasdécadas,queestesetenhaapresentadocomoosegundogrupode entidades daEconomia Social commaior peso relativo, em número deunidades,VAB e remunerações, salvo no emprego remunerado em que asMisericórdiasseapresentamemsegundolugar.Asmutualidades,porsuavez,

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apresentaramamédiamaiselevadaquerdoVABgeradoporETC1(empregoremunerado)quernaremuneraçãomédia.

NoquerespeitaaosindicadoresmaisrelevantesoVABgeradopelaEcono-miaSocialem2012,representou2,8%doVABnacional,tendo54,1%origemnasAssociaçõeseOES,17,5%nasCooperativas,12,2%nasMisericórdias,8,5%nasFundaçõese7,7%nasMutualidades.

ParaobterumaimagemmaisimpressivadopesorelativodoVABgeradopelasorganizaçõesdaEconomiaSocial,faceaalgunsoutrosramosdeativi-dade,noVABnacionalveja-seográficoseguinte:

O emprego remunerado gerado pela Economia Social representava, em2010,porsuavez,5,5% do emprego total nacionalrevelandoumacapaci-dadeempregadorasuperioraoutrosramosconsideradostrabalhointensivoscomoseevidenciapelográficoabaixo:

1 -Equivalenteatempocompleto.

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220 Eduardo Graça: A conta satélite da economia social (CSES) em Portugal - 2013

Sublinho, no que respeita a este indicador, muitíssimo relevante numtempoemqueodesempregoameaçaosprópriosalicercesdoestadosocial,queoempregoremuneradogeradopelaeconomiasocialnaUErondaos7,5%doempregoremuneradototal(maisde14milhõesdepessoas)oque,com-paradocomoindicadorhomólogoportuguês(5,5%)indiciaseraeconomiasocial,emPortugal,umsetorcomelevadopotencialnacriaçãodeemprego,assimoprópriosetorsejacapazdesereorganizar,emparticular,atravésdefusões,dinamizaçãoderedesefomentodaintercooperação,eopoderpúblico,assumaeponhaempráticaarecém-aprovadaLBES,desenvolvendotodooseupotencialdeapoioàregeneraçãoefomentodaeconomiasocial.

PorfimumanotaparaassinalarumindicadorqueaCSESevidenciaequedesmitificaumaideiafeita,qualseja,adachamadasubsidiodependênciadosetordaeconomiasocial.

Em2010,osrecursosdaeconomiasocial,noseuconjunto,estimaram-seem€14177,9milhõessendoque62,8%dessesrecursoseramprovenientesdaproduçãoesomente23,8%detransferênciascorrentesesubsídios,sendoos restantes 10,3%provenientesderendimentosdepropriedade.Verifica-se,pois,queaeconomiasocialdependia em menos de ¼ de recursos com ori-

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221Eduardo Graça: A conta satélite da economia social (CSES) em Portugal - 2013

gem em transferências correntes e subsídios, resultando a maioria des-ses recursos da produção própria das organizações da economia social (62,8%).

ConClUsãoNãoseráarriscadoafirmarqueaCSESportuguesaéoriginal,eúnica,a

nível mundial, embora carecendo de aperfeiçoamentos, distinguindo-se detodasasrestantescontassatélitesporabarcar,noseuuniversodeestudo,umperímetro no qual cabem todas as organizações da economia social consi-deradasquernoconceito americanoquernoconceito europeu.Acrescequefoiconcebidacomoumagregadodesubcontasnasquaissãotratadasasrea-lidadesdosdiversosgruposdaeconomiasocial,quais sejam,cooperativas,mutualidades, misericórdias, fundações e associações e outras OES a queacresceoconjuntoeclético,emtermosdaconfiguraçãojurídico-formal,dasorganizaçõescomestatutode InstituiçãoParticulardeSolidariedadeSocial(IPSS).

Trata-se,pois,deumacontasatélitede«vastoespetro»,cuidadosamenteapelidadade«contapiloto»,pelainovaçãoquecomportaeosriscosinerentesàmetodologiaadotadanumaexperiênciadecongregaçãodeinformaçãoesta-tísticadeorganizaçõestãopróximas,pelosprincípiosevaloresqueencerram,e,aomesmotempo,tãodiversas,nosplanoseconómicoesociológico,nuncaantesestudadasdeformatãovastaeabrangente,emparticular,noquerespeitaao setor associativo.

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223Alves Bandeira: O Regime de Normalização Contabilística das Entidades sem Fins Lucrativos e…

Cooperativismo e Economía Social, nº 35 (2012-2013), pp. 223-230

o Regime de noRmAlizAção ContAbilÍstiCA poRtUgUês pARA As empResAs do setoR não

lUCRAtivo —snC-esnl— e As sUAs espeCifiCidAdes RelAtivAmente Ao RelAto finAnCeiRo

AnaMariaALVESBANDEIRAProfessora-Adjunta do Instituto Superior de

Contabilidade e Administração do Porto

1. intRodUçãoAsEntidadesdoSectorNãoLucrativo(ESNL)sempretiveramumpapel

importantenasociedade,oferecendobenseserviçosdeinteressegeral.ComapublicaçãodoDecreto-Lein.º36Ade2011foiaprovadooregimedanor-malizaçãocontabilísticaparaasentidadesdosectornãolucrativoquepassoua fazerparte integrantedoSistemadeNormalizaçãoContabilístico (SNC).Esterecentenormativocontabilísticotrouxeregrasprópriasaplicáveisespe-cificamenteàsentidadesqueprossigam,atítuloprincipal,atividadessemfinslucrativos e que não possam distribuir aos seusmembros ou contribuintesqualquerganhoeconómicooufinanceirodireto,excetoascooperativaseasentidadesqueapliquemasnormasinternacionaisdecontabilidade.

AsespecificidadesdaprestaçãodecontasdasESNLassentamsobretudono facto destas entidades apresentarem três características básicas distintasrelativamenteàsentidadescomfinalidadeslucrativas:(i)respondemafina-lidadesde interessegeralque transcendemaatividadeprodutivaeavendadeprodutosouprestaçãodeserviços,oquesetraduznumainterpretaçãonãoeconómicadoconceitobenefício; (ii)o seufinanciamentopode resultardoseuprópriopatrimóniooude recursosatribuídosporpessoassingularesoucoletivas; (iii) ausência de títulos de propriedade-controlo que possam sercomprados,cedidos,trocadosoudequeseesperealgumtipodecontrapres-

Alves Bandeira: O Regime de Normalização Contabilística das Entidades sem Fins Lucrativos e…

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224 Alves Bandeira: O Regime de Normalização Contabilística das Entidades sem Fins Lucrativos e…

taçãoeconómicanocasodeaentidadecessarassuasatividadeseserobjetodeliquidação.

Era,defacto,necessárioreforçarasexigênciasdetransparênciarelativa-menteàsatividadesqueestasentidadesrealizameaosrecursosqueutilizam,nomeadamenteatravésdaobrigaçãodeprestareminformaçãofidedignasobreagestãodosrecursosquelhessãoconfiados,bemcomosobreosresultadosalcançadosnodesenvolvimentodassuasatividades.

2. o RelAto finAnCeiRo e As sUAs espeCifiCidAdes

OatualSistemadeNormalizaçãoContabilísticaparaEntidadesdoSec-tor nãoLucrativo (SNC-ESNL) veio revogar oPlano deContas das IPSS,oPlanodeContasdasAssociaçõesMutualistaseoPlanoOficialdeConta-bilidadeparaFederaçõesDesportivas,AssociaçõeseAgrupamentosdeClu-bes.Aplica-seàsentidadesqueexerçamatítuloprincipalatividadessemfinslucrativose,simultaneamente,quenãopossamdistribuiraosseusmembrosoucontribuintesqualquerganhoeconómicooufinanceirodireto,nomeada-mente,associações,pessoascoletivasdetipoassociativo,fundações,clubes,federaçõeseconfederações.Ascooperativaseasentidadesqueapliquemasnormasinternacionaisdecontabilidadeencontram-seexcluídasdestenorma-tivocontabilístico.

O SNC-ESNL é composto por vários instrumentos, nomeadamente: asBases para a apresentação de demonstrações financeiras, os Modelos dedemonstraçõesfinanceiras,oCódigodeContas,aNormacontabilísticaederelatofinanceiroparaentidadesdosectornãolucrativo(NCRF-ESNL),easNormas interpretativas.

2.1. Quanto aos elementos das demonstrações financeiras

OSNC-ESNLapresentaalgumasdiferençasquantoàterminologiadeiden-tificaçãodasdemonstraçõesfinanceiras,comosepodeverificarnaseguinteTabela.

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225Alves Bandeira: O Regime de Normalização Contabilística das Entidades sem Fins Lucrativos e…

DemonstraçõesfinanceirassegundoaEstruturaConceptual

Demonstraçõesfinanceirassegundooartigo11.ºdoDecreto-Lein.º36-A (2011)

EntidadesobrigadasaaplicaroSNC-ESNL

EntidadesdispensadasdeaplicaroSNC-ESNL

Balanço Balanço

Mapadopatrimóniofixo

Mapadedireitosecompromissos

Demonstraçãodosresultados

Demonstraçãodosresultadospornaturezasouporfunções

-

Demonstraçãodasalteraçõesnaposiçãofinanceira

Demonstraçãodasalteraçõesnosfundospatrimoniais(poropçãoouporexigênciadeentidadespúblicasfinanciadoras)

-

Demonstraçãodofluxodecaixa

DemonstraçãodosfluxosdecaixaMapadePagamentoserecebimentos

Anexo

Anexo Outrosmapas(designadamenteparaefeitosdecontroloorçamentalexigidosporentidadespúblicasfinanciadoraseoutrasdivulgaçõesexigidaspelaNCRF-ESNLs)

Outrosmapas(designadamenteparaefeitosdecontroloorçamentalexigidosporentidadespúblicasfinanciadoraseoutrasdivulgaçõesexigidaspelaNCRF-ESNLs)

ComaNCRF-ESNL(Avison.º6726-B/2011,de14demarço)passaramaexistirregrasespecíficase,nestaconformidade,asESNLpassaramaseguirosmesmoscritériosqueasempresasemgeraltêm,nomeadamenteaobriga-toriedadedeapresentarDemonstraçõesFinanceiraseseguircritériosdemen-suraçãoedivulgação.

ODecreto-Lein.º36-A/2011,de9demarço,veioestabelecerque,apartirde1dejaneirode2012,todasestasentidadespassaramaestarobrigadasaseguirregrascontabilísticaspróprias—aNCRF-ESNL.Ficam,noentanto,dispensadasdaaplicaçãodaquelanormacontabilísticae,derelatofinanceiro,asentidadescujasvendaseoutrosrendimentosnãoexcedam150000eurosemnenhumdosdoisexercíciosanteriores.

ANCRF-ESNLtempoiscomoprimeiroobjetivoestabelecerosprincipaisaspetosdereconhecimento,mensuraçãoedivulgação.Apósasconsideraçõesgeraissobrereconhecimento,aquelanormaapresentaaestruturaeconteúdodasdemonstraçõesfinanceiras.Contudo,éaPortarian.º105/2011,de14de

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226 Alves Bandeira: O Regime de Normalização Contabilística das Entidades sem Fins Lucrativos e…

março, que aprova osmodelos das demonstraçõesfinanceiras.No capítuloquatrodaNCRF-ESNLsãoelencadostodasasconsideraçõesgeraise,sobre-tudo,asquesãoespecíficasdestasentidades.Asdemonstraçõesfinanceirasdevemserapresentadas,pelomenos,umavezporano.

2.2. O BalançoOBalanço,cujoobjetivoédarinformaçãosobreaposiçãofinanceirada

entidade,deveapresentarativoscorrentesenãocorrentes,epassivoscorren-tesenãocorrentes,comoclassificaçõesseparadasnafacedobalanço.

ANCRF-ESNLconsideraqueumativodeveserclassificadocomocor-rentequandosatisfazqualquerdosseguintescritérios:

a)espera-sequesejarealizadooupretende-sequesejavendidoouconsu-midonodecursonormaldociclooperacionaldaentidade;

b)estejadetidoessencialmenteparaafinalidadedesernegociado;

c)espera-sequesejarealizadonumperíodoatédozemesesapósadatadobalanço;ou

d)écaixaouequivalentedecaixa,amenosquelhesejalimitadaatrocaouusoparaliquidarumpassivodurantepelomenosdozemesesapósadatadobalanço.

Todososoutrosativosdevemserclassificadoscomonãocorrentes,nomea-damente,osativostangíveis, intangíveisefinanceiroscujanaturezasejadelongoprazo.NoativonãocorrentedealgumasESNLpodemexistirbensdopatrimóniohistóricoecultural,ondeseincluemimóveis,arquivos,bibliote-cas,museus,bensmóveis,adiantamentossobrebensdopatrimóniohistóricoecultural.

Segundo aNCRF-ESNL o passivo deve ser classificado como correntequandosatisfizerqualquerumdosseguintescritérios:

a)seesperequesejaliquidadoduranteociclooperacionalnormaldaenti-dade;

b)estejadetidoessencialmenteparaafinalidadedesernegociado;

c)devaserliquidadonumperíodoatédozemesesapósadatadobalanço;ou

d)aentidadenãotenhaumdireitoincondicionaldediferiraliquidaçãodopassivodurantepelomenosdozemesesapósadatadobalanço.

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227Alves Bandeira: O Regime de Normalização Contabilística das Entidades sem Fins Lucrativos e…

Aquelanormarefereaindaquealgunspassivoscorrentes,taiscomodívi-dasapagarealgunsacréscimosdecustos relativosaempregadoseoutroscustosoperacionais,sãopartedocapitalcirculanteusadonociclooperacionalnormaldaentidade.Taisitensoperacionaissãoclassificadoscomopassivoscorrentesmesmoqueestejamparaserliquidadosmaisdedozemesesapósadatadobalanço.

Ospassivosfinanceirospodemserclassificadoscomocorrentesquandoasualiquidaçãoestiverprevistaparaumperíodoatédozemesesapósadatadobalanço,mesmoque:

a)oprazooriginaltenhasidoporumperíodosuperioradozemeses;e

b)umacordoderefinanciamentooudereescalonamentodepagamentosnumabasedelongoprazosejacompletadoapósadatadobalançoeantesdasdemonstraçõesfinanceirasseremautorizadasparaemissão.

Todososoutrospassivosdevemserclassificadoscomonãocorrentes.

2.3. Demonstração dos resultadosOprincipalobjetivodademonstraçãodos resultadosé informarsobreo

desempenhodaentidadenumdeterminadoexercício.ANCRF-ESNLrefereque todos os itens de rendimentos e de gastos, reconhecidos numperíodo,devemser incluídosnosresultadosamenosqueumoutrocapítulodaquelanormaoexijadeoutromodo.ANCRF-ESNLrefereaindaqueositensaapre-sentarnademonstraçãodosresultadosdeverãobasear-senumaclassificaçãoqueatendaàsuanatureza.

2.4. AnexoANCRF-ESNLconsideraqueoanexodeveapresentarinformaçãosobre

asbasesdepreparaçãodasdemonstraçõesfinanceirasedaspolíticasconta-bilísticasusadas,divulgarainformaçãoexigidanoscapítulosdaquelanormaquenãosejaapresentadanafacedobalançoedademonstraçãodosresultados,edeveaindaproporcionarinformaçãoadicionalquesejarelevanteparaumamelhorcompreensãodequalquerumadelas.Asnotasdoanexodevemserapresentadasdeumaformasistemáticaecadaitem,nafacedobalançoedademonstraçãodosresultados,quetenhamerecidoumanotanoanexo,deveterumareferênciacruzada.

Asdivulgaçõesaefetuarnoanexo,pelasESNL,correspondemàspubli-cadasatravésdoanexon.º10daPortarian.º986/2009—Modeloreduzido

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228 Alves Bandeira: O Regime de Normalização Contabilística das Entidades sem Fins Lucrativos e…

doanexosegundooSNC—,constandonaPortarian.º105/2011apenasasalteraçõesquedecorremdasespecificidadesdasESNLequeconsistembasi-camentenosparâmetrosseguintes:(i)ondeselê«SNC»develer-se«ESNL»,(ii)ondeselê«NCRF-PE»(NormaContabilísticadeRelatoFinanceiroparaasPequenasEntidades)develer-se«NCRF–ESNL»e(iii)ondeselê«Capi-taispróprios»develer-se«Fundospatrimoniais».

Existem,noentanto,outrasespecificidadesdasESNLqueaPortarian.º105/2011indica;emparticular:

(i) nos Ativos fixos tangíveisdeveráconsiderar-seumadivulgaçãoadicio-nalreferenteaomontanteenaturezadosbensdopatrimóniohistórico,artís-ticoecultural;

(ii)asdivulgaçõesrelativasaosAtivos intangíveisdecarácterambientalnãosãoaplicáveisaestasentidades;

(iii)nãoseaplicaaestasentidadesadivulgaçãosobreas locaçõesope-racionaisnoquese refereaos futurospagamentosmínimosda locaçãosoblocações operacionais, ao total das rendas contingentes reconhecidas comorendimentoduranteoperíodoeadescriçãoglobaldosacordosdelocaçãodolocador;

(iv)relativamenteàrubricadeInventáriosacrescea informaçãosobreaquantiadosinventáriosescrituradapelocustocorrente;

(v)quantoàsProvisões, passivos contingentes e ativos contingentesnãodevemserconsideradasasinformaçõespormenorizadassobreasprovisõesdecarácterambientaleospassivosdecarácterambiental.Deve,noentanto,serapresentadaainformaçãosobreaindicaçãodovalordosFundosPermanentespormodalidadeassociativadasMutualidadesedopatrimóniolíquidoquelhesestáafeto,bemcomodorespetivograudecoberturafaceàsProvisõesmate-máticasnecessárias;

(vi)àrubricadeSubsídios e outros apoiossãoacrescidasasinformaçõessobreosbenefíciossemvaloratribuído,materialmenterelevantes,obtidosdeterceirasentidadesesobreosprincipaisdoadores/fontesdefundos;

(vii) relativamente aos Instrumentos financeirosdevemserfeitasdivulga-çõesadicionaisquantoaonúmerodemembrosdosórgãosdiretivosealtera-çõesocorridasnoperíododerelatofinanceiroedevetambémserdivulgadaainformaçãosobreasremuneraçõesdosórgãosdiretivos.

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Asrestantesdemonstraçõesfinanceiras(demonstraçãodosresultadosporfunções,demonstraçãodasalteraçõesnosfundospatrimoniais,demonstraçãodosfluxosdecaixa,mapadepagamentoserecebimentos,mapadopatrimóniofixo,emapadosdireitosecompromissosfuturos)elencadaspeloSNC-ESNLbemcomopelaPortarian.º105/2011nãosãomencionadasnaNCRF-ESNL.

2.5. Quanto aos seus destinatários

Oprincipal objetivo das demonstraçõesfinanceiras é o de proporcionarinformação útil aos seus destinatários ou utentes demodo a auxiliá-los natomadade decisões económicas.A este propósito oSNC-ESNL temcomoprincipaisutentesdainformaçãofinanceiraosseguintes:

• doadores, financiadores e associados – pretendem essencialmenteconhecerograudecumprimentodosobjetivos;

• credores–obtençãodainformaçãoreferenteàcapacidadedaentidadesolverosseuscompromissos;

• clienteseutentes–avaliaracontinuidadedosfornecimentosdebensedasprestaçõesdeserviços;

• empregados–conheceraestabilidadedaentidadeassimcomoverificaracapacidadedaentidadeproporcionarremuneração;

• Estado–determinaratributaçãoeobtençãodedadosparaestatísticas;

• voluntários–conhecerosresultadosdasuadedicação;

• membrosdasESNL–conhecercomoosdonativoseoutrosfundossãoaplicados;

• públicoemgeral–avaliaraparticipaçãodaentidadenoseubem-estar,assimcomonodesenvolvimentoeconómicodosectoremqueseinsere.

ApesardasESNLnãoestaremorientadasparaolucro,énotóriaaimpor-tânciadaprestaçãodecontasfaceaoconjuntodeutentesqueesperamqueasentidadessejamboasgestoras.

3. ConsideRAções finAis

Comopresentetrabalhoprocurou-seexplanarasprincipaisespecificida-desrelativasaorelatofinanceirodasESNL.OatualnormativocontabilísticocriadopararegularasESNLfoidesenvolvidoatendendoaosdistintosobje-

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230 Alves Bandeira: O Regime de Normalização Contabilística das Entidades sem Fins Lucrativos e…

tivoseespecificidadesdestetipodeentidade.Emparticular,aNCRF-ESNLtemcomoprincipalobjetivoestabelecerosaspetosdereconhecimento,men-suração e divulgação, e é composto por vários instrumentos (bases para aapresentaçãodedemonstraçõesfinanceiras,modelosdedemonstraçõesfinan-ceiras,códigodecontas,NCRF-ESNLenormasinterpretativas).

4. legislAção UtilizAdADecreto-Lein.º36-A/2011,de9demarço–aprovaoregimecontabilístico

paraasentidadesdosectornãolucrativo

Portarian.º105/2011,de14demarço–aprovaosmodelosdedemonstra-çõesfinanceirasaapresentarpelasentidadesqueapliquemoregimecontabi-lísticoESNL

Portarian.º106/2011,de14demarço–aprovaocódigodecontasespecí-ficoparaasentidadesdosectornãolucrativo

Avison.º6726-B/2011,de14demarço–publicaanormacontabilísticaederelatofinanceiroparaasentidadesdosectornãolucrativo

Decreto-Lein.º64/2013,de13demaio–procedeàsegundaalteraçãoaoDecreto-Lein.º36-A/2011de9demarço

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231Aparício Meira: A Lei de Bases da Economia Social portuguesa. Breve apresentação

Cooperativismo e Economía Social, nº 35 (2012-2013), pp. 231-236

A lei de bAses dA eConomiA soCiAl poRtUgUesA. bReve ApResentAção

DeolindaAPARÍCIOMEIRAProfessora Adjunta da Área Científica de Direito do Instituto Superior de Contabilidade e Administração do Instituto Politécnico do Porto/CECEJ

[email protected]

1. intRodUção

Em15demarçode2013,foiaprovadaporunanimidadepelaAssembleiadaRepública aLei n.º 30/2013, de 8 demaio,Lei de Bases da Economia Social(LBES).

Portugalsurge,destemodo,comoosegundopaísnaEuropa(aseguiràEspanha2)aaprovarumaLeideBasesdaEconomiaSocial3.

EstaLei deBases assume-se como uma lei geral, comobjetivosmuitolimitados,destacando-seo reconhecimento institucionale jurídicoexplícitodosetordaeconomiasocial,oquepassafundamentalmente:peladelimita-çãodoâmbitosubjetivodosseusatoresedosprincípiosemqueosmesmosassentam; pela identificação das formas de organização e representação daeconomiasocial;peladefiniçãodaslinhasgeraisdaspolíticasdefomentodaeconomiasocial;pelaidentificaçãodasviasderelacionamentodasentidadesdaeconomiasocialcomospoderespúblicos.

2 - Ley n.º 5/2011, de Economia Social,queentrouemvigoremfinaisdeabrilde2011.

3 -Entretanto,emFrançafoijápublicadoeencontra-seemdiscussãoo«Projet de Loi relative à l’economie sociale et solidaire»,NOR[V10.º27-05-2013];assimcomonoQuebeque(Canadá):«Projet de loi n.º 27 – Loi sur l’économie sociale».

Aparício Meira: A Lei de Bases da Economia Social portuguesa. Breve apresentação

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232 Aparício Meira: A Lei de Bases da Economia Social portuguesa. Breve apresentação

Nestesentido,esemsealheardofactode,emPortugal,aeconomiasocialteroseusubstratojurídicoemsedeconstitucional,sendoobjetodeumtrata-mentojurídicoautónomoporpartedaConstituiçãodaRepúblicaPortuguesa,oart.1.ºdaLBES(quetemporepígrafe«Objeto»)dispõeque:«A presente lei estabelece, no desenvolvimento do disposto na Constituição quanto ao setor cooperativo e social, as bases gerais do regime jurídico da economia social […]».

2. A delimitAção do ConCeito de eConomiA soCiAl

ALBESoptou,quantoàdelimitaçãodoconceitodeeconomiasocial,porumatécnicacombinada,ouseja,complementandoadefiniçãodeeconomiasocialconstantedoart.2.ºporumaenumeraçãoabertadasentidadesdaeco-nomiasocial(art.4.º)epelaenunciaçãodosseusprincípiosorientadores(art.5.º).

2.1. A definição de economia social

Assim,nostermosdon.º1doart.2.ºdaLBES,«entende-se por Econo-mia Social o conjunto das atividades económico-sociais, livremente levadas a cabo por entidades referidas no art. 4.º (…)», atividades estas que«têm por finalidade prosseguir o interesse geral da sociedade, quer diretamente quer através da prossecução dos interesses dos seus membros, utilizadores e beneficiários, quando socialmente relevantes».

Desta definição ressaltam dois critérios delimitadores do conceito deeconomiasocial:aatividadedesenvolvidaeofimprosseguido.Defacto,olegisladorassociaanoçãodeeconomiasocialaoexercíciodeumaatividadeeconómico-social, aqual teráporfinalidadeaprossecuçãodeum interessegeral.

2.2. A enumeração aberta das entidades da economia social

Adefinição de economia social é complementada por uma enumeraçãoabertadasentidadesdaeconomiasocialconstantedoart.4.º,nostermosdoqual«integram a Economia Social, nomeadamente, as seguintes entidades, desde que constituídas em território nacional: a) cooperativas; b) associações mutualistas; c) misericórdias; d) fundações; e) instituições particulares de solidariedade social não abrangidas pelas alíneas anteriores; f) associações com fins altruísticos que atuem no âmbito cultural, recreativo, do desporto e

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233Aparício Meira: A Lei de Bases da Economia Social portuguesa. Breve apresentação

do desenvolvimento local; g) entidades abrangidas pelos subsetores comuni-tário e autogestionário, integrados nos termos da CRP no setor cooperativo e social; h) outras entidades dotadas de personalidade jurídica, que respeitem os princípios orientadores da economia social, previstos no art. 5.º da LBES, e que constem da base de dados da economia social».

2.3. Os princípios orientadores da economia socialOsprincípiosorientadoresquecomplementamadelimitaçãodoconceito

deeconomia social aparecemenumeradosnoart.5.ºdaLBES,nos termosdoqual«As entidades da economia social são autónomas e atuam no âmbito das suas atividades de acordo com os seguintes princípios orientadores: a) o primado da pessoa e dos objetivos sociais; b) a adesão e participação livre e voluntária; c) o controlo democrático dos respetivos órgãos pelos seus mem-bros; d) a conciliação entre o interesse dos membros, utilizadores ou bene-ficiários e o interesse geral; e) o respeito pelos valores da solidariedade, da igualdade e não discriminação, da coesão social, da justiça e da equidade, da transparência, da responsabilidade individual e social partilhada e da sub-sidiariedade; f) a gestão autónoma e independente das autoridades públicas e de quaisquer outras entidades exteriores à economia social; g) a afetação dos excedentes à prossecução dos fins das entidades da economia social de acordo com o interesse geral, sem prejuízo do respeito pela especificidade da distribuição dos excedentes, própria da natureza e do substrato de cada entidade da economia social, constitucionalmente consagrada».

3. foRmAs de oRgAnizAção, RepResentAção e RelACionAmento dA eConomiA soCiAl Com os seUs membRos, Com A ComUnidAde e Com o estAdoParaconheceraeconomiasocialéprecisodispordeestatísticasfiáveise

adaptadasaosetor.Nestesentido,oart.6.ºdaLBESdispõeque«compete ao Governo elaborar, publicar e manter atualizada em sítio próprio a bases de dados permanente da economia social»(n.º1)eque«deve ainda ser assegu-rada a criação e manutenção de uma conta satélite para a economia social, desenvolvida no âmbito do sistema estatístico nacional»(n.º2).

Oestabelecimentodeformasdeorganizaçãoederepresentaçãodasenti-dadesdaeconomiasocial,quepossamatuarcomointerlocutoresperanteosoutrossetoresdaeconomiaeperanteospoderespúblicos,foi tambémumapreocupaçãodaLBES.

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234 Aparício Meira: A Lei de Bases da Economia Social portuguesa. Breve apresentação

Acrescequeas formasde articulaçãodestas entidadespermitirão incre-mentar,queracompetitividadedasmesmas,queroseupotencialeconómico.Nestesentido,on.º1doart.7.ºdaLBESreconheceodireitodasentidadesdaeconomiasocialdepoderem«livremente organizar-se e constituir-se em asso-ciações, uniões, federações ou confederações que as representem e defendam os seus interesses».Porsuavez,on.º2doart.7.ºdaLBESdispõeque«as entidades da economia social estão representadas no Conselho Económico e Social e nos demais órgãos com competências no domínio da definição de estratégias e de políticas públicas de desenvolvimento da economia social»,evidenciandoapreocupaçãodolegisladorcomoestabelecimentodeviasquepermitamaestasentidadesumaintervençãonosprocessosdedecisãopolítica,nasuacondiçãodeatoreseconómicosesociais,dotadosdeespecialrelevân-cianasociedadeatual.

Nodesenvolvimentodasuaatividadesocial—atividadequeseorientanecessariamenteparaosseusmembros,utilizadoresebeneficiários—,estasentidadesdeverãoassegurarosnecessáriosníveisdequalidadeesegurança,eatuarcomtransparência(art.8.ºdaLBES).Estatransparênciadeveráserasse-gurada,igualmente,peloEstado,aoqualcaberá«desenvolver, em articulação com as organizações representativas das entidades da economia social, os mecanismos de supervisão que permitam assegurar uma relação transparente entre essas entidades e os seus membros, procurando otimizar os recursos, nomeadamente através da utilização das estruturas de supervisão já existen-tes»[al.c)doart.9.ºdaLBES].

4. A QUestão do «fomento dA eConomiA soCiAl»UmdosobjetivosprimordiaisdaLBESconsistenapromoção,estímuloe

desenvolvimentodaeconomiasocialedassuasorganizações.

Assim,on.º1doart.10.ºdaLBESprevêo«fomentodaeconomiasocial»porpartedospoderespúblicos,fundamentando-onofactodeseconsiderarde«interesse geral o estímulo, a valorização e o desenvolvimento da economia social, bem como das organizações que a representam».O interesse geralsurge,destemodo,comoajustificaçãoparaaadoçãodemedidasdefomentodaeconomiasocial.

Nestadecorrência,ospoderespúblicosdevem«promover os princípios e valores da economia social»[al.a)don.º2doart.10.ºdaLBES],«fomen-tar a criação de mecanismos que permitam reforçar a autossustentabilidade económico-financeira das entidades da Economia Social em conformidade

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235Aparício Meira: A Lei de Bases da Economia Social portuguesa. Breve apresentação

com o disposto no art. 85.º da Constituição da República Portuguesa»[al.b)don.º2doart.10.ºdaLBES].

O fomento da economia social por parte dos poderes públicos passará,também, por: «facilitar a criação de novas entidades da economia social e apoiar a diversidade de iniciativas próprias deste sector, potenciando--se como instrumento de respostas inovadoras aos desafios que se colocam às comunidades locais, regionais, nacionais ou de qualquer outro âmbito, removendo os obstáculos que impeçam a constituição e o desenvolvimento das atividades económicas das entidades da economia social»[al.c)don.º2doart.10.ºdaLBES];«incentivar a investigação e a inovação na economia social, a formação profissional no âmbito das entidades da economia social, bem como apoiar o acesso destas aos processos de inovação tecnológica e de gestão organizacional»[al.d)don.º2doart.10.ºdaLBES];e«aprofundar o diálogo entre os organismos públicos e os representantes da economia social a nível nacional e a nível da União Europeia promovendo, assim, o conheci-mento mútuo e a disseminação de boas práticas»[al.e)don.º2doart.10.ºdaLBES].

Ofomentodaeconomiasocialpassará,igualmente,pelaconsagração,paraestasentidades,«de um estatuto fiscal mais favorável, definido por lei em fun-ção dos respetivos substrato e natureza»[art.11.ºdaLBES].Destanormares-saltamduasnotas:emprimeirolugar,olegisladorassumeumcompromissodecaráterfiscalaoconsagrarqueasentidadesdaeconomiasocialbeneficiarãodeumregimefiscaldiferenciado,emsentidomaisfavorável(discriminaçãopositiva),relativamenteàsoutrasentidadesprivadasqueoperamnomercado;emsegundolugar,dadaaheterogeneidadedasentidadesqueintegramosetorda economia social, o regimefiscal será diferenciado entre elas, tendo emconta,segundoomeuentendimento,ograudeintensidadedaprossecuçãodeobjetivosdeinteressegeral,poisénestesentidoqueinterpretoocomplexosegmentodanorma«definido por lei em função dos respetivos substrato e natureza».

5. A QUestão dA sUJeição dAs entidAdes dA eConomiA soCiAl à disCiplinA JURÍdiCA dA ConCoRRênCiASem mencionar expressamente o termo «concorrência», o art. 12.º da

LBESdispõequeasentidadesdaeconomiasocialestãosujeitas«às normas nacionais e comunitárias dos serviços sociais de interesse geral no âmbito

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236 Aparício Meira: A Lei de Bases da Economia Social portuguesa. Breve apresentação

das suas atividades, sem prejuízo do princípio constitucional de proteção do setor cooperativo e social».

Destanorma resultaráentãoque: (i)o factodeumaentidade integrarosetordaeconomiasocialnãoaeximedasujeiçãoàsnormasdaconcorrêncianacionaisecomunitárias;(ii)foiintençãodolegisladorestabelecerqueaestasentidadesdaeconomiasocial,domesmomodoqueaosserviçossociaisdeinteressegeral,poderãonãoseraplicadasasregras,nacionaisoucomunitá-rias,dadefesadaconcorrência,quandoessaaplicaçãoimpossibilitarocum-primentodarespetivamissão:aprossecuçãodointeressegeral.

6. A RenovAção JURÍdiCA do setoRNostermosdoart.13.º,comaentradaemvigordaLBESdar-se-áinícioa

umareformadalegislaçãoaplicávelàsentidadesdaeconomiasocial,reformaestaquedeveráteremcontaodispostonaLBESeosprincípiosorientadoresdaeconomiasocialnelaconsagrados.

Estareformaabrangerá,igualmente,arevisãodoEstatutodoMecenatoedoEstatutodeUtilidadePública.

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237Equipa GeraçãoCoop: Projeto GeraçãoCoop - despertar para o cooperativismo

Cooperativismo e Economía Social, nº 35 (2012-2013), pp. 237-242

pRoJeto geRAçãoCoop - despeRtAR pARA o CoopeRAtivismo4

Nós,aGeraçãoCoop5

[email protected]

A Assembleia-Geral das Nações Unidas, através da sua resolução A/RES/64/136,de18dedezembrode2009,declarouoanode2012comoAnoInternacionaldasCooperativas–AIC2012,tendoemvistaaumentaravisibi-lidadecooperativaemostrarcomoascooperativasbeneficiamdiretamenteosseusmembrosecontribuemparaodesenvolvimentosocioeconómicoeparaosObjetivosdeDesenvolvimentodoMilénio.

Nesse âmbito, a Cooperativa António Sérgio para a Economia Social(CASES)foiaentidaderesponsávelpelaelaboraçãodeumapropostadeati-vidades,coordenaçãoeacompanhamentodoprogramanacionaldoAIC2012,emPortugal,integradasnosseguinteseixosdeintervenção:

-aumentodavisibilidadedosetorcooperativo;

-promoçãodocrescimentodosetorcooperativo;

-estabelecimentodepolíticasadequadasaosetorcooperativo.

Estasatividades,definidaspelaComissãoExecutivadoAIC2012,emPor-tugal,pretenderampromoveranívelinstitucionalenosmoldespropostososobjetivosdefinidospelasNaçõesUnidasatravésde:

4 -Maisinformaçõesem:www.geracaocoop.pt.5 -A equipa do ProjetoGeraçãoCoop é constituída pelos seguintes elementos:

AntónioHeitor,CarlaSilva,CátiaCohen,CátiaRosas,CéliaLavado,FilipaFarelo,JoãoMelo,LaiaSastre,PaulaCorreia,TâniaGaspar,TeresaLucaseTiagoDias.

Equipa GeraçãoCoop: Projeto GeraçãoCoop - despertar para o cooperativismo

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238 Equipa GeraçãoCoop: Projeto GeraçãoCoop - despertar para o cooperativismo

a) utilizaçãoedesenvolvimentointegraldopotencialecontribuiçãodascooperativasparaoalcancedeobjetivosdedesenvolvimentosocial,emparticularaerradicaçãodapobreza,ageraçãodeempregoprodutivoeplenoeamelhoriadaintegraçãosocial;

b) encorajamento e facilitação da criação e desenvolvimento de coope-rativas, incluindo tomada demedidas direcionadas a permitir que aspessoas que vivem na pobreza ou pertencem a grupos vulneráveis,incluindo mulheres, jovens pessoas com deficiência, pessoas idosasepovos indígenas,participemplenamente,numabasevoluntária,emcooperativaseresolvamassuasnecessidadesdeserviçossociais;

c) tomadademedidasapropriadasdirecionadasàcriaçãodeumambientefacilitadorepropícioaodesenvolvimentodecooperativas,atravésde,interalia,odesenvolvimentodeumaparceriaefetivaentreGovernoseomovimentocooperativo,atravésdeconselhosconsultivosconjun-tose/ouórgãosconsultivoseatravésdapromoçãoeimplementaçãodeumalegislaçãomaiseficazeadequada,investigação,partilhadeboaspráticas, formação,assistência técnicaecapacitaçãodecooperativas,especialmentenoscamposdegestão,auditoriaemarketing;

d) sensibilizaçãodaopiniãopúblicarelativamenteaocontributodascoo-perativas para a geração de emprego e o desenvolvimento socioeco-nómico,apromoçãodeinvestigaçãoalargadaerecolhadedadosesta-tísticos sobre as atividades, o emprego e o impacto socioeconómicoglobaldascooperativas,anívelnacionaleinternacionaleapromoçãodaformulaçãopoliticasnacionaissólidasatravésdaharmonizaçãodemetodologiasestatísticas.

Apardestaintervenção,foramadotadaspelaCASESaçõescomplementa-resdestinadasapromoveradivulgaçãoeocrescimentodosetorcooperativojuntodaspessoasecomunidadesqueodesconhecem.

Estas ações complementaresvisaram, emúltimaanálise, elevaronível,consciênciaeinteressepeloMovimentoCooperativoeoseuimpactosocial,designadamente:

• Despertarosvalorescooperativosnascrianças, jovensepopulaçãoemgeral;

• Incentivar o conhecimento e as boas práticas das organizações dosetor cooperativo;

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239Equipa GeraçãoCoop: Projeto GeraçãoCoop - despertar para o cooperativismo

• Promoveraformaçãoecriaçãodenovascooperativas.

AssimnasceuoprojetoGeraçãoCoop,queadotouolema«Despertarparao cooperativismo», com o objetivo principal de dar a conhecer o modeloempresarial cooperativo aos/às jovens, promovendo e divulgando a formacooperativaenquantomodeloativodeconstruçãodeummundomelhor.

Este projeto, iniciado pelaCASES, procurou, desde cedo,maximizar oimpactoeaprojeçãodoseuintentoepromoverotrabalhocooperativoatravésdoenvolvimentodeparceirosestratégicoscomoaAssociaçãoPortuguesadeDesenvolvimentoLocal(ANIMAR),aConfederaçãoNacionaldasCooperati-vasAgrícolasedoCréditoAgrícoladePortugal(CONFAGRI)eaConfedera-çãoCooperativaPortuguesa(CONFECOOP),entidadesquerepresentam,emPortugal,umnúmerosignificativodecooperativas.

Sendoa cooperaçãoo alicerceda empresa cooperativa, oGeraçãoCoopconsiderouqueestapremissadeveriaconstituirnãosóoseupontodepartida,mastambémacomponentetransversalatodasassuasatividades.Oespíritodecooperaçãoconstituiuoinstrumentoprincipalparaodesenvolvimentodoprojeto:cooperaçãointernaentreaequiparesponsávelpelasuapromoçãoecooperaçãoentreorganizações,porqueéumprojetopartilhadoentrediferen-tesentidades.Assim,paraalémdasorganizaçõesdaeconomiasocialqueseassociaramaesta iniciativa,oprojetocontou,ainda,comaparticipaçãodaFórum Estudanteeaadesãodeumconjuntodeestabelecimentosdeensinosecundárioesuperior.

EstabasedetrabalhofundamentalpreparouoGeraçãoCoopparaodesa-fiodecomunicarocooperativismoaos/àsjovens.Enfatiza-seapalavradesa-fioporqueoprojetoconstatouqueosetorcooperativo,paraalémdepoucoconhecidoparaestepúblico-alvo,étambémfrequentementeassociadoaumconjuntode ideias preconcebidas—denominadaspela equipa comomitoscooperativos,entreeles:

• Ascooperativasnãosãoempresas.

• Existemcooperativascomfinslucrativos.

• Ascooperativasnãoatuamnomercado.

• Ascooperativasseguemaideologiacomunista.

• Sóhácooperativasnosetoragrícola.

• Nãohájovensnascooperativas.

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240 Equipa GeraçãoCoop: Projeto GeraçãoCoop - despertar para o cooperativismo

• Otrabalhonascooperativasnãoéremunerado.

• Ascooperativassótrabalhamanívellocal.

• Ascooperativassóproduzembens,nãoserviços.

• Nãohácooperativasnosetorbancário.

• Sóhácooperativasnaszonasrurais.

• Afinalidadedeumacooperativaépagarmenosimpostos.

• Nascooperativasnãopodeexistirum/alíder.

• Ascooperativassãoconstituídasporpessoascombaixosrendimentos.

• As cooperativas não são autossustentáveis, dependemdos apoios doEstado.

• Ascooperativasnãosãogeradorasdeemprego.

Esteconjuntodeideias,desfasadodarealidadecooperativa,constituiuomotordearranqueparaareflexãodaequipasobreasestratégiasaadotarparacomunicaredivulgarummodeloempresarialque,apesardecontarcommaisde150anos,permanecedesconhecidooupoucoesclarecidoparaamaioriados/dasjovensportugueses/as.

Comotransmitiramensagemdocooperativismodeumaformaconside-rada«cool»,queseduzisseajuventudeaquererconhecermelhoreaencararestesetorcomoumaperspetivade futuro foramalgumasdas interrogaçõesquesurgiramaolongodoprocessocriativodedefiniçãodasprincipaisaçõesqueoprojetopretendialevaracabo.

Arespostaparaestasquestõesfoiencontradanasambiçõeseexpetativasdaprópriaequipa,tambémelaconstituídaporjovens.Colocou-se,desdelogo,umaquestão:dequeformaestegrupogostariadevercomunicadoocoope-rativismo?Aconclusãoimediatafoi:deumaformainformal,moderna,claraeprática.

Paraatingiresteintuitoasestratégiasaimplementarteriamdeseracessí-veis,facilmentereconhecíveisparaopúblico-alvoecomumaltopotencialdeidentificaçãocomoseuquotidiano.

Nestesentido,oprojetodefiniucomoações:

• aelaboraçãoedivulgaçãodeumGuia—GuiaGeraçãoCoop—,noqual foramabordadosvários temasrelacionadoscomacooperaçãoe

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241Equipa GeraçãoCoop: Projeto GeraçãoCoop - despertar para o cooperativismo

ocooperativismoeapresentadosexemplosdecooperativasdesucessoconstituídas(também)porjovens;

• aproduçãoedisseminaçãodefolhetosebrochurascontendoosprin-cípios e valores cooperativos e com uma componentemuito práticasobreaconstituiçãodecooperativas,explicandopassoapassoasaçõesnecessárias;

• arealizaçãodeumconcursodefotografiaintitulado«Conseguescap-turarosvalorescooperativosatravésdalentedeumamáquinafotográ-fica?»,queculminounaexposiçãodasfotografiasparticipantes;

• a realização deworkshops que tiveram como objetivo sensibilizar einformaros/asjovenssobreosbenefíciosdacooperaçãoedocoopera-tivismoedivulgaropapeldascooperativasenquantoorganizaçõesdepessoas,promotorasdevaloreseprincípiosfundamentais;esteswork-shops,quecontaramcomaparticipaçãodecercade900estudantesuni-versitáriosedoensinosecundário,integravamumacomponenteteóricadedicadaaoenquadramentodatemáticadocooperativismo(Coopera-tivas:agarraestaoportunidade)eumacomponenteprática(Coopera-tivasJovens:experiênciasemdiscursodireto),dedicadaàdivulgaçãoeapresentaçãodeexemploscooperativosdinâmicos,promovidosporjovense/ouparajovens;assim,foramabordados,deformasimpleserecorrendoaexemplosconcretos,ascaracterísticaseosbenefíciosdomodelocooperativo:

> dequeformaascooperativasdesempenhamumpapelessencialnacriaçãodeautoempregoesãoumfatordisseminadorepotenciadordaparticipação,dacidadaniaedoempreendedorismo;

> comoéqueestemodeloempresarial,commaisde150anos,conti-nuajovemaosercapazderesponderaosdesafiosatuais,colocandoaspessoasnocentrodaaçãoenãooslucros;

> dequeforma,atravésdauniãodeesforços,davisãoempreendedorapartilhada,darespostaconjuntaaumanecessidadecomum,secon-seguefazerdanossacomunidade,donossopaísedonossomundoumlugarmelhor.

Arespostados/asjovensparticipantesfoipositivaatendendoàsopiniõesexpressasnosquestionáriosdesatisfação,tendoasuamaioriademonstradointeresseemaprofundarosconhecimentossobreascooperativaseemconsi-deraromodelocooperativocomoumaopçãodefuturo.Houveaindaalguns

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242 Equipa GeraçãoCoop: Projeto GeraçãoCoop - despertar para o cooperativismo

contactosporpartedosparticipantesdosworkshopsnosentidodaformaliza-çãodecooperativas.

Tendoemcontaestesresultadosmotivadoresparaaequipa,decidiu-sedarcontinuidadeaoprojeto,alargando-oaoutrospúblicos.Assim,duranteoanode2013foramrealizadasaçõesdesensibilizaçãojuntodecâmarasmunicipaiseváriasparticipaçõesnoâmbitodeiniciativasdepromoçãodoempreende-dorismo.

Emboraofuturopareçacadavezmaisincertoeinstável,oprojetoGera-çãoCoopconsideraqueénosobstáculosenasadversidadesquesurgemgran-desideiaseoportunidades,impulsionandoos/ascidadãos/ãsadescobrirnovasformasdefazerascoisas,deinterviredereinventar.Estaformadeencararofuturoexige,assim,maiorcriatividadeecapacidadedereagiredeagir.Exigequesejamosmaissolidários,maisparticipativos,maiscooperativos.

Nós,aGeraçãoCoop,acreditamosqueofuturoestáprecisamentenofor-talecimentodeumaeconomiabaseadanaculturadacooperaçãoedasolida-riedade.Atravésdauniãodeesforços,davisãoempreendedorapartilhadaedarespostaconjuntaanecessidadescomunsépossívelparticiparnamudançaparaummundomelhor.

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243Equipa COOPJOVEM: COOPJOVEM – uma resposta para o emprego jovem em Portugal

Cooperativismo e Economía Social, nº 35 (2012-2013), pp. 243-246

CoopJovem – UmA RespostA pARA o empRego Jovem em poRtUgAl6

COOPJOVEM7

[email protected]

Osúltimosnúmerossobreascooperativaseoempregodizem-nosqueestesetorgera100milhõesdeempregosemtodoomundo,oquedemonstracla-ramentequeascooperativassãoumaimportantefontedecriaçãodeemprego.

DeacordocomoRelatórioVdaOrganizaçãoInternacionaldoTrabalho(OIT)—ACrisedoempregojovem:TempodeAgir(2012)8—«nospaísesdaOCDE,háindicaçõessemelhantesdequeaformaçãodecooperativasdejovensprofissionaisnasprofissõesliberais(arquitetos/as,designers,serviçosdeTI,contabilistas,etc.)estáaaumentarequeestassão,porvezes,assumi-dassobaformadecooperativasdeempresários/asondepequenasemédiasempresassejuntamparaformarumacooperativaparapartilharserviços».

Esterelatóriotambémreferequealgunsestudostêmapontadoparaofactodequeascooperativassãomaisresilientesesustentáveisdoqueoutrostiposdeempresaeque«opotencialdascooperativasparacriaremanterpostosdetrabalhoreflete-secadavezmaisemprogramasqueintroduzemascooperati-vasnoscurrículosnacionais,emconsonânciacomaRecomendação(n.º193)

6 -Maisinformaçõesem:www.cases.pt.7 -AequipadoProjetoCoopJoveméconstituídapelosseguinteselementos:

AntónioHeitor,CarlaSilva,CátiaCohen,CátiaRosas,CéliaLavado,FilipaFarelo,JoãoMelo,LaiaSastre,PaulaCorreia,TâniaGaspar,TeresaLucaseTiagoDias.

8 -http://www.ilo.org/public/portugue/region/eurpro/lisbon/pdf/relatorio_empregojovem_2012.pdf.

Equipa COOPJOVEM: COOPJOVEM – uma resposta para o emprego jovem em Portugal

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244 Equipa COOPJOVEM: COOPJOVEM – uma resposta para o emprego jovem em Portugal

sobrePromoçãodasCooperativas,2002,easdiretrizesdaONUquevisamcriarumambientefavorávelparaodesenvolvimentodecooperativas.»

OCIRIECPortugal(CentrodeEstudosdeEconomiaPúblicaeSocial)rea-lizou,sobpropostadaCASES,em2012,uminquéritoàscooperativassobreoempregojovememPortugal.

Estessãoalgunsdosresultados:

• os/as jovens (menosde35 anos) representamquaseum terço (31%)dos/astrabalhadores/asdascooperativas;

• a quase totalidade dos/as trabalhadores/as (93%) trabalha a tempointeiro;

• quatroemcadacincotrabalhadores/asdascooperativasestácontratado/a«semtermo»;

• asmulheressãomaioritárias(58%)noconjuntodos/astrabalhadores/asdascooperativas;

• adiferençaentreaspercentagensdecooperativasquegeraramempregoequedespediramdáumsaldopositivode13%afavordacriaçãodepostosdetrabalho.

Estesdadosindicamqueascooperativassãoumasoluçãodeautoempregoparaosjovens,quepodem,atravésdeumacooperativa,transformarassuasideiasnumnegócioempreendedor.

O CoopJoveméumprogramadeapoioaoempreendedorismocoope-rativoedeincentivoaodesenvolvimentodeumaculturasolidáriaedecoo-peração,destinadoàcriaçãodopróprioempregopelos/asjovens,quedecorreno ano de 2013, estando já elaborada uma proposta, a integrar o QuadroEstratégicoEuropeu2014-2020,designadoporCOOPJOVEM+,queprevêoalargamentodosapoiosàconstituiçãodecooperativasporpartedecercade6000jovens.

O CoopJovem está disponível para todos/as os/as jovens residentesnasregiõesdeconvergência(Norte,CentroeAlentejo),comidadecompreen-didaentreos18eos30anos,quepossuam,pelomenos,o9.ºanodeescola-ridadeeque pretendamconstituirumanovacooperativaqueintegrede5a9cooperadores/as.

Nocasodascooperativasagrícolas,aidadedos/asjovensalarga-seatéaos40 anos.

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245Equipa COOPJOVEM: COOPJOVEM – uma resposta para o emprego jovem em Portugal

ABolsaCoopJovemconstituiumdosapoiosdoprograma,apardoapoiotécnico,quetemcomoobjetivopromoveroalargamentodascompetên-ciasdoscandidatoseasuacapacitaçãonaestruturaçãoedesenvolvimentodoprojetocooperativo.Numafaseposterioréaindadisponibilizadaumalinhade crédito ao investimento, bonificada e garantida, no âmbito da tipologiaMICROINVESTE.

Esteprogramatemvindoademonstrarumagrandeadesãoporpartedosjovens.Defacto,das463candidaturasefetuadas,numcurtoespaçodetempo,foramjáaprovadasbolsaspara260jovens,envolvidosem70projetoscoo-perativos.Estesresultadosevidenciamqueoprogramaatingiuumaexecuçãode87,5%nonúmerodeprojetoscooperativoscandidatoseaprovadoseumaexecuçãode36%dejovens.

Dos 260 bolseiros e bolseiras aprovados/as, 156 são jovens residentesnaregiãodoNorte,88naregiãodoCentroe16naregiãodoAlentejo.Dosprojetoscooperativos39sãodoNorte,24doCentroe7doAlentejo,etêmcomoáreasdeIntervenção:Agricultura(37,5%);OutrosServiços(11,25%);Agro-alimentareTurismo(8,75%);AçãoSocial,Saúde,IndústriasCriativaseServiçosCulturais(7,5%)eAmbiente(5%).

A atribuição dasBOLSACoopJovem ascende a ummontante totalde450000eurosparaaprimeiraesegundafases,quecorrespondeaos2e4mesesdebolsa.

O CoopJovemregistajáumtotalde463candidaturasàBolsaCOO-PJOVEM,quecorrespondema116projetoscooperativos.

FicamaquialgunsdadosrelativosàexecuçãodoCoopJovem:

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246 Equipa COOPJOVEM: COOPJOVEM – uma resposta para o emprego jovem em Portugal

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247Dias e Anacoreta Correia: Os corpos de bombeiros voluntários, as associações humanitárias…

Cooperativismo e Economía Social, nº 35 (2012-2013), pp. 247-264

os CoRpos de bombeiRos volUntÁRios, As AssoCiAções hUmAnitÁRiAs de bombeiRos

e A libeRdAde de AssoCiAçãoAnotação ao Acórdão do supremo tribunal de Justiça de 26 de janeiro de 2012

MariaJoão DIASAdvogada

[email protected]

JoãoANACORETACORREIAAdvogado

[email protected]

1. o ACóRdão do sUpRemo tRibUnAl de JUstiçA de 26 de JAneiRo de 2012 («ACóRdão»)

1.1. A ilegalidade do ato de destituição do comandante dos bombeiros face ao Regulamento Geral dos Corpos de Bombeiros («RGCB»)

OAcórdão versa sobre a legalidade— ou,mais propriamente, sobre ailegalidade—doatopraticadopeladireçãodeumaassociaçãohumanitáriadebombeirosquefezcessarasfunçõesdocomandantedocorpodebombeirosvoluntáriosdetidopelaassociação.

AnulidadedadeliberaçãotendenteaoafastamentodocomandanteforajádeclaradapelaTribunalAdministrativoeFiscaldeBragaeconfirmadapeloTribunal Central eAdministrativoNorte. OAcórdão percorre o raciocíniojá trilhadopelas instânciasanteriores, confirmando integralmenteadecisãorecorrida.

Dias e Anacoreta Correia: Os corpos de bombeiros voluntários, as associações humanitárias…

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248 Dias e Anacoreta Correia: Os corpos de bombeiros voluntários, as associações humanitárias…

Ailegalidadedoato,conformeapresentadanoAcórdão,resultadamani-festaviolação,pelodeliberaçãodadireção,doRGCB.Àdatadosfactos,oRGCBencontrava-severtidonoDecreto-Lein.º296/2000,de17denovem-bro,conformealteradopeloDecreto-Lei209/2001,de28dejulho.

NostermosdasdisposiçõesrelevantesdoRGCB—dasquaissedestacamosseusartigos19.ºe36.º—,acessaçãodefunçõesdocomandantedosbom-beirosdava-seunicamentepelodecursodotempooumedianteaaplicaçãodasançãodisciplinardedemissão.

Comefeito,nos termosdoartigo19.ºdoRGCB,oquadrodecomandodos bombeiros era nomeado por umperíodo de cinco anos, renováveis.Ocomandante poderia permanecer em funções até ao limitemáximo dos 65anos,sendoesselimiteprorrogávelporcincoanos.Tantoanomeação,quantoarenovaçãodefunçõesestavamsujeitasahomologaçãopeloinspetordistritaldosbombeiros,nostermosdaalíneac)don.º1edon.º7doartigo19.ºdoRGCB.

Apenadedemissão,por suabanda,encontrava-seprevistanaalínead)do artigo 34.º doRGCB, e apenas poderia ser aplicadamediante processodisciplinar,nostermosdon.º3doreferidoartigo34.ºdoRGCB.Poroutrolado,on.º3doartigo36.ºdoRGCBclaramentedispunhaqueaaplicaçãodequaisquerpenasdisciplinaresaocomandantedocorpodebombeiroscabiaaoinspetordistritaldebombeiros.

Afigura-sepertinenteretirarjáduasilaçõesdoregimeexposto,sempre-juízodocarácterintrodutóriodestaslinhas.Aprimeira,éadequeoRGCBpreviacausaslimitadasdecessaçãodarelaçãoestabelecidaentreaassociaçãodetentoradocorpodebombeiroseocomandantedessemesmocorpo.Peseemboraaassociaçãodetentoradocorpodebombeirosfossecompetenteparaanomeaçãodocomandante—nomeação,reitera-se,sujeitaaposteriorhomo-logaçãopeloinspetordistritaldosbombeiros—,nãodispunhadecorrespeti-vascompetênciasparaasuadestituição.Emsuma,aassociaçãotinhapoderesparanomearocomandanteparaummandatodecincoanosepararenovaroseuexercíciodefunçõesporiguaisperíodos,masnãotinhapoderesparafazerocomandantecessarfunçõesdepoisdenomeado.

Asegundailaçãorelevanteéadequeoinspetordistritaldosbombeirosdesempenhavaumpapelimportantetantonadesignaçãocomonademissãodocomandante.Conformesetemfrisado,anomeaçãoearenovaçãodefun-çõesdocomandantedependiamdehomologaçãopeloinspetordistrital.Emacréscimo,eraaoinspetordistritalquecabiaacompetênciadisciplinarsobre

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249Dias e Anacoreta Correia: Os corpos de bombeiros voluntários, as associações humanitárias…

ocomandantee,no fundo,opoderparao fazercessar funçõespormotivodiferentedodecursodotempo,atravésdademissão.

Ora,nocasoemapreço,aassociaçãopretendeuexercerumaespéciededireitoàlivredestituiçãodocomandantedosbombeiros,fundadaem«falta de confiança “política” e inexistência de condições de relacionamento entre a Direcção e o referido Comandante, não enquadráveis num procedimento disciplinar»9.Emconsequência,emediantedeliberaçãodadireçãode17demaiode2007,aassociaçãodecidiufazerocomandantecessarfunções.

Sóque,ecomosevemdedizer,oRGCBnãopreviaacessaçãodefunçõesdocomandantepordestituição,nematribuíaàassociação(nem,logo,àsuadireção)quaisquerpoderesparaafastarocomandantedoexercíciodocargo.

Numaoutraperspetiva, oRGCBapenasprevia a demissão fundada emprocessodisciplinar,nãoabrindoapossibilidadedeafastamentodocoman-dantepormotivosquenãomerecessemespecialcensura.Destaforma,apró-priaconceçãodelivredestituiçãonãoencontravaacolhimentonoRGCB.

Faceaoexposto,pareceassazclaroqueoatodadireçãoemapreço,ten-denteàdestituiçãodocomandantedocorpodebombeiros,desconsideroueviolouasnormasdoRGCBquesumariamentesedescreveram.

1.2. A alegada inconstitucionalidade do RGCB

Aassociação,contudo,procurousustentara legalidadedoatopraticado,alegandoainconstitucionalidadedoRGCB,porviolaçãodedimensõesperti-nentesdaliberdadedeassociação.

Comefeito,deacordocomaargumentaçãodaassociação,oquadrovertidonoRGCBretiravapoderesàassociação,violandoonúmero2doartigo46.ºdaConstituiçãodaRepúblicaPortuguesa(«CRP»),noqualestãoplasmadasasliberdadesdeautorregulaçãoeatuaçãodasassociações.

Estalinhadedefesadaassociaçãoassentavaemdoispilares:porumlado,a associação defendia a existência de uma lacuna no RGCB, sustentandoque devia estar «prevista e regulada a possibilidade da cessação do man-dato do Comandante de um corpo de bombeiros (fora da previsão do pro-cedimento disciplinar) como está regulamentada a cessação de uma comis-

9 -Conclusãon.º4dorecursodaassociação,transcritanoAcórdão.

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250 Dias e Anacoreta Correia: Os corpos de bombeiros voluntários, as associações humanitárias…

são de serviço»10.Lacunaessaque,noentenderda associação,deveria serpreenchidacomrecursoàLein.º51/2005,de30deagosto,queaindahojeestabeleceregrasparaasnomeaçõesdosaltoscargosdirigentesdaAdminis-traçãoPública.Poroutrolado,aassociaçãodefendiaqueon.º3doartigo36.ºdoRGCB,aosubtrairopoderdisciplinardaassociaçãoafavordoinspetordistritaldosbombeiros,comportavaumgraude ingerênciadasautoridadespúblicasnavidadaassociaçãoincompatívelcomaCRP11.

Como já seantecipou,aargumentaçãodaassociaçãonãoprocedeu,eoacórdãorecorridofoimantido.

Vamos,noentanto,deter-nossobreasquestõeslevantadaspelaassociação,procurando explanar e refletir sobre a regulamentação hoje aplicável tantoaoscorposdebombeiroscomoàsassociaçõeshumanitáriasdebombeiros,àluzdosquadrosda liberdadedeassociaçãopatentesnonossoordenamentojurídico.

2. libeRdAde de AssoCiAção

2.1. A liberdade de associação na CRPAliberdadedeassociaçãoencontra-seconsagradanoartigo46.ºdaCRP,

precisamentesobaepígrafe«liberdade de associação»12. Insere-se assim no «Título II - Direitos, liberdades e garantias»da«Parte I - Direitos e deveres fundamentais»daCRP.

Assim,eemprimeiralinha,aliberdadedeassociaçãoapresenta-secomoum direito, liberdade e garantia. Como decorrência dessa qualificação, ao

10 -Conclusãon.º14dorecursodaassociação,transcritanoAcórdão.11 -Cfr.conclusõesn.º12en.º13dorecursodaassociação,transcritasnoAcórdão.12 -Transcreve-seintegralmente,parafacilidadedereferência,oreferidoartigo46.º

daCRP:«1. Os cidadãos têm o direito de, livremente e sem dependência de qualquer autorização, constituir associações, desde que estas não se destinem a promover a violência e os respectivos fins não sejam contrários à lei penal. § 2. As associações prosseguem livremente os seus fins sem interferência das autoridades públicas e não podem ser dissolvidas pelo Estado ou suspensas as suas actividades senão nos casos previstos na lei e mediante decisão judicial. § 3. Ninguém pode ser obrigado a fazer parte de uma associação nem coagido por qualquer meio a permanecer nela. § 4. Não são consentidas associações armadas nem de tipo militar, militarizadas ou paramilitares, nem organizações racistas ou que perfilhem a ideologia fascista.».

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251Dias e Anacoreta Correia: Os corpos de bombeiros voluntários, as associações humanitárias…

direitodeassociaçãoseráaplicáveloregimematerialespecíficoprevistonoartigo18.ºdaCRP.

Feitaestasubsunção,cumpreatentarnoconteúdoespecíficodaliberdadedeassociação.Conteúdoessequeseafiguramultidimensional.Aliás,enaspalavrasdeJorgeMiranda,“o direito de associação apresenta-se como um direito complexo, com múltiplas dimensões — individual e institucional, posi-tiva e negativa, interna e externa[...]»13.

Concretizando:emprimeiralinha,aliberdadedeassociaçãosurgecomoum«direito individual, mas de exercício necessariamente colectivo»14.Estáaquicontidaamanifestaçãomaisimediataouintuitivadaliberdadedeasso-ciação:odireitoaassociar-secomoutrem,aconstituirumaassociação,nostermosexaradosnon.º1doartigo46.ºdaCRP.Emsegundalinha,aliberdadedeassociaçãosurgecomoum«direito individual e de exercício individual, positivo e negativo»15.Estãoaquicontempladas,entreoutras,asvertentesdaliberdadede associaçãoque asseguramodireitode aderir a associações jáexistentessobdeterminadascondições,odireitodeabandonarumaassociaçãoaquesepertençaeodireitoanãochegarsequerapertenceraumaassocia-ção16.Porfim,aliberdadedeassociaçãosurgecomo«um direito institucional, um direito de liberdade das associações constituídas»17.

Estaúltimadimensãodaliberdadedeassociaçãoencontra-severtidanon.º2doartigo46.ºdaCRPeéaquemaisnosinteressaparaacompreensãodasquestõesdivisadasnoAcórdão.

Vamosassimdedicarumaslinhasmaisaestavertentedaliberdadedeasso-ciação,procurandoperceberofundamentodasalegaçõesdeinconstitucionali-dadevertidasnoAcórdão.

13 - MIRANDA, JORGE, «Liberdade de associação e alterações aos estatutossindicais»,emRevistadeDireitoedeEstudosSociais,AnoXVII,n.º2,abril-junho1986, pp. 161-189, p. 168.

14 -MIRANDA,JORGE/MEDEIROS,RUI,ConstituiçãoPortuguesaAnotada,TomoI,2.ªedição,CoimbraEditora,2010,p.956.

15 -MIRANDA,JORGE/MEDEIROS,RUI,ob.cit.,p.956.16 - Também neste sentido,MACEDO, MANUEL VILAR, As Associações no

Direito Civil,CoimbraEditora,2007,p.23.17 - MIRANDA, JORGE / MEDEIROS, RUI, ob. cit., p. 957.

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Nessepropósito,cumpredesdejáoperaradistinçãoentreduasfacesdaliberdadeinstitucional:avertenteinternaeavertenteexterna18.Veremosdeseguidaemqueconsistemeemquerelevamnocasoemapreço.

2.2. Dimensão institucional interna

A liberdade de associação, na sua vertente institucional, compreende odireitodeaassociaçãoseautorregularedeseautogovernar.

Talsignifica,porumlado,queostermosecondiçõesaplicáveisàconsti-tuiçãoevidadaassociaçãosãoescolhidospelosassociados.Comefeito,aosassociadosassistealiberdadederegularosestatutosdaassociação,ressalva-dososimperativoslegais.

Nessesentido,PauloVideiraHenriquesafirmaque«[n]o plano da actua-ção colectiva ressalta, sobretudo, a chamada liberdade de organização e regulamentação interna, contemplada no artigo 46.º n.º 2, da CRP; [...]»19, e que «[e]m nossa opinião, a liberdade de organização e regulamentação interna deve ser concretizada, desde logo, numa ampla liberdade de modela-ção do conteúdo dos estatutos»20.

Poroutrolado,aliberdadeinstitucionalinternasignificaqueaassociaçãosegovernaasimesma.

Note-sequeacompetênciaparadesignarosórgãosdaassociaçãocabeaosassociados,seminterferênciadepoderespúblicos.ConformeobservadoporJorgeMiranda, a associaçãogozade«[l]iberdade de constituição dos seus órgãos, sendo os seus titulares eleitos pelos associados sem dependência tam-bém de aprovação ou homologação [...]»21.

18 -DeacordocomMIRANDA,JORGE,ob. cit.,pp.168e169,coexistemnasassociações, «internamente, o direito de auto-organização, de livre formação dos seus órgãos e da respectiva vontade e de acção em relação aos seus membros» e«externamente, o direito de livre prossecução dos seus fins, incluindo o de filiação ou participação em uniões, federações ou outras organizações de âmbito mais vasto».

19 - HENRIQUES, PAULO VIDEIRA, O regime geral das associações, em Comemorações dos 35 anos do Código Civil e dos 25 anos da Reforma de 1977, Volume2,CoimbraEditora,2006,pp.271a304,p.295.

20 -HENRIQUES,PAULOVIDEIRA,ob. cit., p. 297.21 -MIRANDA,JORGE/MEDEIROS,RUI,ob. cit., p. 957.

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253Dias e Anacoreta Correia: Os corpos de bombeiros voluntários, as associações humanitárias…

Emacréscimo,essesórgãosgozamdeautonomia.DeacordocomVictorMendes,«[...]na gestão e administração interna da associação os dirigentes associativos gozam de autonomia, obviamente sobre a protecção das deli-berações dos respectivos associados e no estrito cumprimento das normas legais»22.

Em suma, a dimensão institucional interna da liberdade de associaçãotranspareceespecialmentenopoderdeosassociadosaprovaremosestatutosdaassociaçãoeelegeremosseusdirigentes,bemcomonaatribuiçãodepode-resaosórgãosdaassociaçãopara,autonomamente,exerceremascompetên-ciasquelhesãoatribuídasnaadministraçãodaassociação.

Comodecorrênciadesta liberdade internadasassociaçõesedoprimadodavontadedosassociados,impõe-seorespeitoporprincípiosdemocráticosnasassociações.Taisprincípiosdemocráticospodemserobservadosnopro-cessodealteraçãodosestatutosdaassociaçãoounaeleiçãodenovostitularesparaosórgãossociais.ConformeobservadoporJorgeMiranda:«[a] liber-dade ou autonomia interna das associações comporta ainda a observância de princípios democráticos dentro da associação. Um dos corolários deste princípio será assim a eleição periódica dos dirigentes e a admissibilidade de destituição»23.

2.3. Dimensão institucional externa

A liberdade institucional externa corresponde à liberdade da associaçãoprosseguir os seusfins e realizar o objeto a que se dedica, sem ingerênciaexterna.Identifica-seassimcomumaliberdadedeatuaçãodaassociação24.

Comojáobservado,estaliberdademanifesta-seconcretamentenapossi-bilidadedaprópria associação integrarorganizaçõesmais latas25, mas tam-bémno direito de a associação se organizar e prosseguir livremente a suaatividad»26.

22 -MIRANDA,JORGE/MEDEIROS,RUI,ob. cit., p. 957.23 -MIRANDA,JORGE/MEDEIROS,RUI,ob. cit., p. 958.24 -Aexpressãoéutilizada,nomeadamente,porBELEZA,LEONOR/SOUSA,

MIGUELTEIXEIRA, «Direito de associação e associações», emEstudos sobre a Constituição,III,Lisboa,1979,pp.121a193,p.179.

25 -Cfr.notaderodapé10.26 -DeacordocomMENDES,VICTOR,ob. cit.,p.46:«esta perspetiva do direito

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Emsuma,aliberdadeinstitucionalexternaconsiste,paraasassociações,na«[...]prossecução dos seus fins, sem interferência das autoridades admi-nistrativas e ainda sem dependência de autorização ou de aprovação relati-vamente aos actos dos seus órgãos»27.

2.4. Síntese sobre a dimensão institucional. Relevo da liberdade de associação no Acórdão

Aliberdadedeassociação,nasuadimensãoinstitucional,compreendeumavertenteinternaeumavertenteexterna.

Internamente,aliberdadedeassociaçãomanifesta-senopoderdeosasso-ciadoscriaremasregrasaplicáveisàassociaçãoeescolheremosdirigentespara a associação, sem intervenção de poderes públicos. Externamente, aliberdadeinstitucionalmanifesta-senafaculdadedeaassociaçãoatuareexer-cerasuaatividade,tambémsemingerênciadasautoridadespúblicas.

Assim,enoqueinteressaparaasquestõesvisadaspeloAcórdão:ahomo-logaçãodadesignaçãodeórgãosdaassociaçãonãosecompagina,emprincí-pio,comoconteúdododireitodeassociação;apossibilidadededestituiçãodostitularesdosórgãoséumaexigênciadeprincípiosdemocráticos;eaasso-ciaçãogozadeliberdadenaprossecuçãodasuaatividade.

Por estes motivos, a argumentação da associação vertida no AcórdãoassentaemsupostainconstitucionalidadedoregimeaplicávelaocomandantedebombeirosnoRGBC.RecordamosqueoRGBCexigiaahomologaçãodanomeaçãodocomandantepeloinspetordistrital,nãoadmitiaasuadestituiçãopelaassociaçãoeatribuíaopoderdisciplinarsobreocomandanteaoinspetordistrital.

Vamosagoraanalisaroregimeaplicávelaoscorposdebombeirosvoluntá-rioseàsassociaçõeshumanitáriasdebombeiros,comofiltrodaliberdadedeassociação,tendoporintuitoperceberonderesideoequívocodasalegaçõesdeinconstitucionalidadeesgrimidaspelaassociaçãonoAcórdão.

de associação corresponde à liberdade de actuação da própria associação e o direito a organizar-se e prosseguir livremente a actividade».

27 -MIRANDA,JORGE/MEDEIROS,RUI,ob. cit., p. 959.

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3. o Regime ApliCÁvel Aos CoRpos de bombeiRos volUntÁRios e às AssoCiAções hUmAnitÁRiAs de bombeiRos

3.1. Os corpos de bombeiros: do RGCB ao Decreto-Lei n.º 247/2007, de 27 de junho, que define o regime jurídico aplicável à constituição, organização, funcionamento e extinção dos corpos de bombeiros, no território continental («DL 247/2007»)

3.1.1. RGCB e DL 247/2007

ORGCBencontrava-seemvigoràdatadosfactosvertidosnoAcórdãoe,comotal,ésobreesseregimequeoAcórdãoversa.Noentanto,nadataemqueoAcórdãofoilavrado—janeirode2012—,oquadrolegalvigenteparaoscorposdebombeirosvoluntárioserajáoutro.

Comefeito,oRGCBfoirevogadopeloDL247/2007,diplomaque,atual-mente,deveserconsideradonaredaçãodadapeloDecreto-Lein.º248/2012,de 21 de novembro e pelaDeclaração deRetificação n.º 4/2013, de 18 dejaneiro.

Apesar de o DL 247/2007 operar uma reforma operacional profunda28, aproxima-semuitodoRGCBemtermosconceptuais.Assim—eporqueinte-ressaterosolhosnopresente,mesmoquandoapretextodefactospassados—,vamosprocurarcompararoRGCBcomoregimeagoraemvigor,paraprocurarentenderemquetermossecolocamtambémhojeasquestõescontro-versasvisadaspeloAcórdão.

3.1.2. Corpo de bombeiros vs. associação humanitária de bombeiros

Doartigo2.ºdoDL247/2007constamduasdefiniçõesúteisparaacom-preensãodocasosobapreço.Aprimeira,vertidanaalíneac)doreferidoartigo,reporta-seaoconceitodecorpodebombeiros,definidocomo«a unidade ope-racional, oficialmente homologada e tecnicamente organizada, preparada e equipada para o cabal exercício das missões[...]».Asegundadasdefiniçõesrelevantesincidesobreoconceitodeentidadedetentoradecorpodebombei-

28 - Veja-se a afirmação, no preâmbulo do DL 247/2007, de que «pretende concretizar-se uma profunda mudança ao nível da estruturação dos corpos de bombeiros e da sua articulação operacional».

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roseconstadaalínead)domesmoartigo2.º:«entidade pública ou privada que cria, detém e mantém em actividade um corpo de bombeiros[...]»29.

Torna-seassimclaroquecorpodebombeiroseentidadedetentoradecorpodebombeirossãoduasrealidadesdistintas.Existem—comoexistiamjánavigência doRGCB—dois planos diferentes: a organização demeios queprossegueasmissõesdesocorrooudeoutranaturezaatribuídasaosbombei-ros;eaentidadequedetémedealgumaformaexploraessaorganização.

Oscorposdebombeirospodemserclassificados,nostermosdon.º1doartigo 7.º doDL 247/2007, como profissionais,mistos, voluntários ou pri-vativos.Poroutrolado,nostermosdoartigo4.ºdoDL247/2007,asentida-desdetentorasdoscorposdebombeirospodemsermunicípios,associaçõeshumanitáriasdebombeirosououtraspessoascoletivasprivadasquepreten-damcriarcorposprivativosdebombeiros.

Osdoisplanos intersectam-se: nos termosdon.º 4do artigo7.º doDL247/2007,osbombeirosvoluntários—tipodecorpodebombeiroemcausanoAcórdão—sãoforçosamentedetidosporumaassociaçãohumanitáriadebombeiros—tipodeentidadedetentoradecorposdebombeiroemcausanoAcórdão30.

Existeassimumacorrelaçãoentrecorpodebombeirosvoluntárioseorga-nizaçãohumanitáriadebombeiros.Todavia,eapesardessacorrelação,nãoexisteumaidentificaçãoentreasduasestruturas.

OraoDL247/2007visaapenasregular,nasuaessência,oscorposdebom-beiros.AomesmopropósitosededicavajáoRGCB.Oregimeaplicávelàsentidadesquedetêmoscorposdebombeiros, ressalvadosaspetospontuais,terálugarnoutrassedes.

Nestecontexto,otemadadesignaçãodocomandantedocorpodebombei-ros,emdiscussãonoAcórdão,surgeinseridonasmatériasrelativasàorgani-zaçãodocorpodebombeiros,comotal.Nãoseprendeassim,esalvomelhor

29 - A distinção entre corpo de bombeiros e entidade detentora de bombeirosperpassava já claramente o RGCB: veja-se a definição de corpo de bombeirosconstante do n.º 1 do artigo 2.º do RGCB, a par da classificação dos corpos debombeirosconstantedoartigo8.ºdomesmodiploma,emcontrapontocomoelencodeentidadescomcompetênciaparaacriaçãodecorposdebombeiros,vertidonon.º3doartigo5.ºdoRGCB.

30 -Amesmaformulaçãoconstavajádon.º4doartigo8.ºdoRGCB.

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opinião,comquestõesdeorganizaçãointernadaentidadedetentoradocorpodebombeiros.

Comefeito,eantecipandoasnossasconclusões,parece-nosqueocoman-dantedocorpodebombeirosnãoéumórgãodaassociaçãomassimummem-brodoquadrode comandodocorpodebombeirosdetidopela associação.Assim,osinteressesquegravitamemtornodasuadesignaçãoecessaçãodefunçõesnãoseconfundemcomaquelesquepresidemaoregimeestabelecidoparaostitularesdosórgãosdasassociações.

Mais:osimplesfactode,noAcórdão,adecisãodeafastamentoterema-nadodadireçãoenãodosassociados,atestaquenãohouvequalquerpreten-sãodeexercíciodaliberdadeinternadaassociação,protegidaporprincípiosdemocráticos.

3.1.3. O regime de designação e cessação de funções do comandante

ORGCBpreviaumenvolvimentodaassociaçãonadesignaçãodocoman-dante,atribuindo-lheospoderesparaadesignação,aindaquesujeitaaposte-riorhomologação.Omesmoequilíbriodeinteressesperpassouparaaalíneab)don.º2doartigo6.ºdoDL247/2007,queprevêahomologaçãodosqua-drosdepessoaldocorpodebombeirosvoluntáriospelaAutoridadeNacionaldeProteçãoCivil(«ANPC»).

Simetricamente,nemoRGCBprevia,nemoDL247/2007prevê,aces-saçãodefunçõesdocomandantepor iniciativadaassociação.Porfim—ecomoseverámelhorinfra,noponto3.2—osquadrosdisciplinareshojeemvigor,àsemelhançadosconstantesdoRGCB,mantêmacompetênciadisci-plinarsobreocomandanteforadaalçadadaassociaçãodetentoradocorpodebombeiros.

Oenvolvimentodaentidadedetentoradocorpodebombeirosnadesig-naçãodocomandantefacilmentesecompreendeedeseja.Contudo,nãonosparecenecessáriaaconclusãodaassociação,nosentidodequeaopoderdedesignação deva corresponder também a faculdade de «dispensar, demitir, exonerar ou prescindir»31docomandante.

Com efeito, e como temos insistido, o comandante não é um órgão daassociação.Ocargode comandantedebombeiros éumcargooperacional,marcadopor interessespúblicos,quenãoseprendemcomarepresentativi-

31 -Conclusãon.º16dorecursodaassociação,transcritanoAcórdão.

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dadedosassociadoseadireçãodaassociação.Bempelocontrário,asfun-çõesatribuídasaocomandantedevemserexercidasemindependênciaesemaingerênciadeinteressesdaassociação,quepossamnãosercompagináveiscomasatribuiçõesdeinteressepúblicocometidasaocorpodebombeiros.

Recupera-se,aestepropósito,afundamentaçãodoAcórdão,ondesedis-põeque:«[...]óbvias razões de interesse público, ligadas à operacionalidade dos corpos de bombeiros, explicam que a escolha dos seus comandantes fun-damentalmente dependa de um juízo da Administração; e, sobretudo, que tais comandantes actuem com independência em relação aos órgãos dirigentes das associações respectivas».

3.1.4. Outros aspetos relevantes

AquestãoabordadanoAcórdãoprende-secomadesignaçãodocoman-dante,eaelanosdedicámos.Masemváriosoutrospontosdoregimeapli-cávelaoscorposdebombeirosvoluntáriospode serobservadoo relevodeinteressespúblicos.

Atentandoaoregimeoraemvigor,note-sequeoDL247/2007atribuiàANCP,entreoutros,ospoderesparaautorizaracriaçãodecorposdebombei-ros(n.º4doartigo4.º),suspenderasuaatividade(n.º9doartigo4.º),pro-moverasuaextinção(n.os3e5doartigo4.º)eaprovarosseusregulamentosinternos[alíneaa)don.º2doartigo6.º].

Realce-se,umavezmais,quetaispoderesincidemsobreocorpodebom-beiros,enãosobreaassociaçãoqueosdetém.Naturalmente,aANPCnãodispõedepoderesparasuspenderaatividadedaassociaçãohumanitáriadebombeirosouextinguirtalassociação,oqueconsubstanciariaumaviolaçãoflagrantedon.º 2doartigo46.º daCRP.AANPCdispõedepoderes, sim,sobreaconstituição,atividadeeextinçãodoscorposdebombeiros.

Nãoobstante,taispoderespoderão,emalgumgrau,colidircomavertenteexternadaliberdadedeassociação,consideradanasuadimensãoinstitucio-nal.Comefeito,admitindo-sealgumacoincidência,emmaioroumenorgrau,entreaatividadedocorpodebombeiroseaatividadedaassociação,admite-seque,emúltimainstância,aANPC,detenhapoderesparacercearaatividadeprosseguidapelaassociação.

Parece-nos,contudo,queotemaexigeumareflexãomaisampla.Qualquertipodeentidade,quedetenhaqualquertipodeempresa,vê-seforçadaacon-vivercomasregraslegaisespecíficasdaatividadeaquesededica.

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Aessepropósitocumpreconvocaroregimematerialespecíficodosdirei-tosliberdadesegarantias,vertidonoartigo18.ºdaCRP,equesobrequisitosexigentesadmitearestriçãodaliberdadedeassociação.

Em abstrato, parece-nos possível afirmar que os regimes aplicáveis aoscorposdebombeirossórestringemaliberdadedeassociação,nasuadimen-sãoexterna,naexatamedidaemqueregulamentamaatividadelevadaacabopelosbombeiros.Asassociaçõeshumanitáriasdebombeirospodemprosse-guiraatividadeaquesepropõem,exatamentenostermosemqueestaéadmi-tidanoordenamentojurídico.

Em concreto, cumprirá no entanto pesar, para cada poder atribuído àANPC,seessafaculdadeemalgumamedidafereasdimensõesrelevantesdaliberdadedeassociação,eseofazounãoaoabrigodeumarestriçãoconsti-tucionalmenteadmitida.

3.2. O poder disciplinar: novamente, do RGCB ao Regulamento Dis-ciplinar dos Bombeiros Voluntários («RDBV»)Frisámossupra—ponto1.1—queadefesadaassociaçãoassentavaem

doispilares.Porum lado, a associaçãoavocava-seumdireito adestituir ocomandante.Poroutro lado,aassociaçãoqualificavaon.º3doartigo36.ºdoRGCBcomouma«norma insólita»32, emvirtudedeatribuir competên-ciasparaoprocedimentodisciplinaraoinspetordistritaldosbombeiros,sub-traindoopoderdisciplinaràesferadaassociação.

Aestaluz,osquadrosdisciplinaresaplicáveisaocomandantedocorpodebombeirosvoluntáriosmerecemumabrevereferência.

Àdatadosfactos,ecomojásefrisou,on.º3doartigo36.ºdoRGCBatri-buíaacompetênciadisciplinarsobreocomandantedosbombeirosaoinspetordistritaldosbombeiros.

ORGCB,contudo,ecomojásedisse,foirevogadopeloDL247/2007.Essediploma,noentanto,nãoregulaasquestõesdisciplinares.Taisquestões,entretanto,haviamjásidoconfiadasaoEstatutoSocialdoBombeiro,cons-tantedoDecreto-Lein.º241/2007,de21de junho, equehoje se encontraalteradopelaLein.º48/2009,de4deagostoepeloDecreto-Lein.º249/2012,de21denovembro,bemcomopelasDeclaraçõesdeRetificaçãon.os3/2013e4-A/2013,de18dejaneiro(«EBS»).

32 -Conclusãon.º12dorecursodaassociação,transcritanoAcórdão.

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Non.º1doartigo37.º,oEBSremeteacriaçãodeumregulamentodisci-plinarprópriodosbombeirosvoluntáriosparaportariadoMinistrodaAdmi-nistraçãoInterna.OregimeganhouformanoRDBV,constantedaPortarian.º703/2008,de30dejulho.Non.º4doartigo13.ºdessaportaria,podeler-seque«a aplicação de qualquer pena disciplinar ao comandante do corpo de bombeiros é da competência do comandante operacional distrital».

Emsíntese,atualmenteacompetênciadisciplinarsobreocomandantedosbombeirospermaneceaindasubtraídaàassociaçãohumanitáriaquedetémocorpodebombeirosvoluntários.Note-sequeasoluçãoéidênticaàprevistaparaoutrostiposdecorposdebombeiros,detidosporoutrasentidades,nostermosdon.º3doartigo40.ºdoEBS.

Reiterandooraciocínioexaradoacima—ponto3.1—,asregrasaplicá-veisaoscorposdebombeirose,emespecífico,aoseuquadrodecomandos,podemmediatamenterefletir-senaatividadedaassociação,restringindoasualiberdadedeatuação.ArestriçãopoderánoentantoserconformeàCRP,sepreenchidososrequisitosdoartigo18.ºCRP.

3.3. As associações humanitárias de bombeiros: o Regime Jurídico das Associações Humanitárias de Bombeiros («RJAHB»)

Acima—ponto3.1—esforçámo-nospordistinguirentrecorpodebom-beiroseentidadedetentoradocorpodebombeiros.Atentámosnosregimesvigentesparao corpodebombeiros àdatados factosvertidosnoAcórdão(RGCB)enaatualidade(DL247/2007).Alocámosocomandantedosbom-beirosaoprimeirodosplanosreferidos—corpodebombeiros—,notandoqueasfunçõesdecomandoexercidasnãosereportamàorganizaçãointernadaassociação.

Percorridoestecaminho,ficouporperscrutaroregimeconcretamenteapli-cávelàprópriaassociaçãohumanitáriadebombeiros.Esseregimeconsta,noessencial,doRJAHB,vertidonaLein.º32/2007,de13deagostoe,comotal,aprovadoapósaocorrênciadosfactoscarreadosparaoAcórdão.ORJAHBdedica-senãosóádefiniçãodoregimejurídicodasassociaçõeshumanitáriasdebombeiros,mastambémàfixaçãodasregrasparaasuaassociaçãocomconfederaçõesoufederações.

Nostermosdon.º1doartigo2.ºdoRJAHB,associaçõeshumanitáriasdebombeirossão«pessoas colectivas sem fins lucrativos que têm como escopo principal a protecção de pessoas e bens, designadamente o socorro de feri-

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dos, doentes ou náufragos, e a extinção de incêndios, detendo e mantendo em actividade, para o efeito, um corpo de bombeiros voluntários ou misto, com observância do definido no regime jurídico dos corpos de bombeiros».Trans-pareceassim,tambémnadefiniçãodoRJAHB,adiferençaentreassociaçãohumanitáriadebombeirosecorpodebombeiros.

Porumlado,oRJAHBregulaastípicasmatériasdaconstituiçãoevidadasassociações:aquisiçãodapersonalidadejurídica(artigo3.º),constituiçãoeestatutos(artigo4.º)eórgãossociais(artigo10.ºess.).Poroutrolado,ecomespecial interesseparao casovertidonoAcórdão,o artigo8.º doRJAHB,sobre cooperação institucional, expressamente prevê que a cooperação daadministração com as associações deve respeito ao princípio da liberdadeassociativa.Finalmente,oRJAHBdebruça-sesobreaquelestemasemqueocarizprivadodasassociaçõesseentrecruzacomointeressepúblicodasati-vidadesqueprossegue.Referimo-nosàsmatériasrelativasàinelegibilidade,incapacidade e impedimento para os órgãos sociais (artigo 24.º e ss.), aosapoiosàatividadeassociativa(artigo31.ºess.)eàtutela(artigo36.ºess.).

Asdisposiçõesrelativasàtuteladistinguementreasgarantiasdointeressepúblicoeocontrolosucessivo.Nesteúltimoâmbito,ecomparticular inte-resseparaostemasaqueoranosdedicamos,faz-senotarqueasassociaçõeshumanitáriasdebombeirosqueusufruamdeapoiospúblicosficamsujeitasafiscalizaçãopelaANPCedemaisentidadescompetentes,emconexãocomessesapoios(n.º1doartigo42.º).Emacréscimo,cenáriosdepráticareiteradadeatosdegestãoprejudicialpodemconduziràdestituiçãojudicialdostitula-resdosórgãossociais,promovidapelaANPC.

Asregrasdatutelapodem,assim,comportarrestriçõesàsdimensõesinter-naseexternasdaliberdadedeassociação,quedevemobediênciaaoregimematerialdosdireitos,liberdadesegarantias,vertidonoartigo18.ºdaCRP,quetemosvindoarealçar.

Finalmente,note-sequeoutrosdiplomaspodemteraplicaçãoàsassocia-ções humanitárias de bombeiros. Destaca-se naturalmente o Código Civil,comexpressaaplicaçãosubsidiárianostermosdoartigo50.ºdoRJAHB.

AprincipalilaçãoquepodeserretiradadoestudoconjuntodoDL247/2007edoRJAHBéadequeestamosemfacededoisdiplomasautónomosecom-plementares,como tambémsãoautónomosecomplementaresoscorposdebombeiros voluntários e as associações humanitárias de bombeiros que osdetêm.

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Tendencialmente,oDL247/2007regulaasmatériasquecontendemcomaatividadedoscorposdebombeiros,tocandoporessavia,mediatamente,aatividade prosseguida pela associação humanitária de bombeiros.Assim, eatendendoaoseuobjeto,asnormasdoRGCB,salvoqualquerpatologia,sópoderãointerferircomadimensãoinstitucionalexternadaliberdadedeasso-ciação.ORJAHB,porseulado,regulamatériasqueinterferemdiretamentecomaliberdadedeassociação,consideradaquercomodireitoindividualdeexercício coletivo, quer como direito individual positivo e negativo, quercomodireitoinstitucional.

4. ConClUsõesa)NocasovisadopeloAcórdão,aassociaçãoprocurouafastarocoman-

dantedocorpodebombeiros,mediantedeliberaçãodadireçãonosentidodacessaçãodefunções.OraoRGCB,emvigoràdata,sóadmitiaacessaçãodefunçõesdocomandantepordecursodotempoouatravésdepenadedemis-são,aplicadaemsededeprocessodisciplinar.Oraacompetênciadisciplinarsobre o comandante competia ao inspetor distrital dos bombeiros, e não àassociação.Aassociaçãoprocurou,contudo,sustentaralegalidadedoatodeafastamentodocomandante,arguindoqueasnormasvioladasdoRGCBeraminconstitucionais por violação da dimensão institucional do direito à livreassociação.OAcórdãonãofoisensívelàargumentaçãodaassociaçãoeman-teveadecisãorecorrida.

b)Aliberdadedeassociaçãoéumdireitomultidimensional:correspondeaumdireitoindividualdeexercíciocoletivo,aumdireitoindividual(positivoenegativo)eaumdireitoinstitucional.

c)Adimensãoinstitucionaldaliberdadedeassociaçãocompreendeperspe-tivasinternaseexternas.Noprismainterno,liberdadedeassociaçãosignificaqueaassociaçãoseautorregulaeautogoverna(nomeadamentemodelandoosseusestatutoseescolhendoosseusdirigentes).Navertenteexterna,liberdadedeassociaçãosignificaqueasociedadepodeprosseguir livrementeosseusfinseatividades,semingerênciadospoderespúblicos.

d)Oscorposdebombeirosvoluntáriosnãoseidentificamcomasassocia-çõeshumanitáriasdebombeirosqueasdetêm.Ocorpodebombeiros(volun-táriosounão)consistenumaorganizaçãodemeiosencarreguedeprosseguirdeterminadasmissõesdesocorrooudeoutranatureza.Aassociaçãohumani-táriadebombeiroscorrespondeàentidadedenaturezaassociativaquedetémumcorpodebombeiros,voluntáriooumisto.

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e)ORGCBregulavaoscorposdebombeirosàdatadosfactosvertidosnoAcórdão.Hoje,amesmamatériaéreguladapeloDL247/2007.

f)Porseulado,asassociaçõeshumanitáriasdebombeirosnãodispunhamderegulamentaçãoespecíficaàdatadosfactosvisadospeloAcórdão.HojeoseuregimeconstadoRJAHB.

g)Oregimedisciplinaraplicávelaocomandantedocorpodebombeirosencontrava-se,àdatadosfactos,regulamentadanoRGCB.Hoje,estávertidonoEBSenoRDBV.

h)Atualmente,oDL247/2007,oEBSeoRDBVimpõemregrasàativi-dadedoscorposdebombeirosvoluntáriosque,mediatamente,podemcon-tender comaatividadeprosseguidapelas associaçõesquedetêmoscorposdebombeiros.Namedidaemquetaisregrasconsubstanciemumarestriçãoàdimensãoinstitucionalexternadodireitodelivreassociação,devemrespeitaro regimematerial específico dos direitos liberdades e garantias vertido noartigo18.ºdaCRP,sobpenadeinconstitucionalidade.

i)ORJAHBfixaregrasparaasassociaçõeshumanitáriasdebombeiros,regulando a dimensão coletiva, individual e institucional do direito à livreassociação.Noâmbitoinstitucional,destacam-seregrasdetutela.Namedidaemquetaisregrasconsubstanciemumarestriçãoaodireitodelivreassocia-ção,devem respeitaro regimematerial específicodosdireitos liberdades egarantiasvertidonoartigo18.ºdaCRP,sobpenadeinconstitucionalidade.

j)Àluzdetodooexposto,esalvomelhoropinião,parece-nosqueoAcór-dãoandoubemaoconfirmaradecisãorecorrida.Emnossoentendimento:

i.ocomandantedocorpodebombeirosnãoéumórgãodaassociaçãomassimumquadrodocorpodebombeiros;adimensãoinstitucional internadalivreassociaçãonãoéafetadapelasregrasrelativasàdesignaçãoecessaçãodocomandantedosbombeiros;

ii.aatividadedaassociaçãohumanitáriadebombeiroscoincidirá,media-tamente,eemmaioroumenormedida,comaatividadedesenvolvidapelocorpodebombeirosdetidopelaassociação;assim,adimensãoinstitucionalinterna da liberdade de associação poderá, em abstrato, ser maculada porregrasqueinterfiramcomaatividadedocorpodebombeiros,nomeadamenteregulandoadesignaçãoecessaçãodefunçõesdocomandante,ousubtraindocompetênciasdisciplinaresàassociação;

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264 Dias e Anacoreta Correia: Os corpos de bombeiros voluntários, as associações humanitárias…

iii.aindaaí,asrestriçõesàliberdadedeassociaçãoserãoconformescomaCRPsecumpriremcomoregimematerialespecíficoprevistonoartigo18.ºdaCRP;e,finalmente,

iv.dosfactoscarreadosparaoAcórdãoedasregrasdedireitoaíaplicadas—enovamente,salvomelhoropinião—nãosedivisaumaconcretarestriçãoàliberdadedeassociação,sancionávelnosquadrosdaCRP.

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265Almeida Martins: A debatida questão da qualificação da relação jurídica entre cooperador…

Cooperativismo e Economía Social, nº 35 (2012-2013), pp. 265-284

A debAtidA QUestão dA QUAlifiCAção dA RelAção JURÍdiCA entRe CoopeRAdoR

tRAbAlhAdoR e CoopeRAtivAAnotação ao Acórdão do tribunal da Relação

do porto, de 27 de fevereiro de 2012

AndréALMEIDAMARTINSEquiparado a Assistente da Área Científica de Direito do Instituto Superior de

Contabilidade e Administração do Porto. Advogado. [email protected]

1. ApResentAção do litÍgio

Noacórdãoobjetodapresenteanotação,oTribunaldaRelaçãodoPortoéconfrontadocomaquestão—quesepodedizerrecorrente—daqualificaçãodarelaçãojurídicaentrecooperadortrabalhadorecooperativa33, i.e.,saberseexisteentreambosumcontratodetrabalhoou,emalternativa,umacordodetrabalhocooperativo.

OsfactossubmetidosàapreciaçãodoTribunaldaRelaçãodoPortonãodiferemsubstancialmentedaquelesqueesteeoutrosTribunaissuperiorespor-tuguesestiveramoportunidadedeanalisaremváriosoutrospleitosemqueaquestãojurídicaatrásenunciadaconsistianoprincipalproblemaasolucionar.

Tipicamente, e também no acórdão aqui em causa, um cooperador tra-balhadordecooperativadeproduçãooperária intentaumaaçãodeclarativaemergentedecontrato individualde trabalhoemquepeticionaaoTribunaldeTrabalhoquecondeneacooperativadequeeramembroapagar-lheuma

33 -Ou, comoenunciaoTribunaldaRelaçãodoPorto,«saber qual a natureza jurídica da relação entre as partes (contrato de trabalho ou de cooperador)».

Almeida Martins: A debatida questão da qualificação da relação jurídica entre cooperador…

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266 Almeida Martins: A debatida questão da qualificação da relação jurídica entre cooperador…

quantiadevidaporforçadacessaçãodarelaçãolaboral,nocasoumaindem-nizaçãopelaresoluçãocomjustacausadocontratodetrabalho34.Paratanto,estecooperadoralegaaexistênciadoselementostípicosdocontratodetraba-lho:(i)«trabalhou sempre sob a autoridade e direcção efectiva da Ré»,(ii)«mediante retribuição mensal»,(iii)«executando as funções inerentes á sua profissão»(iv)«e auferindo um salário mensal de € 470,00.».

AestratégiadedefesagizadapelaRé—tambémelarecorrentenoslití-giosdamesmanatureza—passoupornegaraexistênciadeumcontratodetrabalho,umavezqueoAutoreraummembrodacooperativae,consequen-temente,osmontantesmensaisqueauferianãopodiamserqualificadoscomosalários,mascomo«adiantamento por conta dos resultados a apurar no final de cada ano».

OTribunalde1.ªinstânciaatendeuaosargumentosdacooperativa,consi-derandoqueovínculoqueseestabeleceuentreacooperativaeoseumembroeraumacordode trabalhocooperativoenãoumcontratode trabalho,peloque,consequentemente,absolveuaRédopedido.Nãoseconformandocomestadecisão,oAutorinterpõerecursoparaoTribunaldaRelaçãodoPorto,pondoemcriseasentença.

Emacórdãoproferidoa27defevereirode2012,aSecçãoSocialdoTribu-naldaRelaçãodoPortoentendeunegarprovimentoaorecurso,confirmandoasentençarecorridae,emsuma,validandooentendimentodequearelaçãoexistenteentreasparteséqualificávelcomoacordodetrabalhocooperativo35.

2. AnotAção

2.1. A questão discutida: a qualificação do trabalho prestado à coope-rativa pelo cooperador trabalhador

Aquestãoemdebatenopresenteacórdão,comojásedeixouexpresso,éadaqualificaçãodovínculocontratualestabelecidoentreumcooperadortraba-lhadoreacooperativadeproduçãooperáriaoudeserviçosaquepertence.AdecisãodoTribunaldaRelaçãodoPortonoarestoquesecomentaconsiderou

34 -Pedidoesteaqueacresce«o que é devido a título de férias, subsídio de férias e de natal, salários e subsídio de refeição».

35 -Decisãoque,comoopróprioTribunaldeixaclaro,seguedepertooAcórdãodoTribunaldaRelaçãodoPortode19desetembrode2011,disponívelemwww.dgsi.pt.

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267Almeida Martins: A debatida questão da qualificação da relação jurídica entre cooperador…

queessa relaçãocontratualdeveserqualificadacomo«acordo de trabalho cooperativo»,nãoatendendoàposiçãodocooperadorquereclamavaaexis-tênciadeumcontratoindividualdetrabalhocomacooperativa.

A qualificação do vínculo contratual entre cooperador e cooperativa detrabalhoafigura-secomopontodepartidaincontornávelparaadeterminaçãodaleiaplicávelaosrespetivoslitígios:casoseentendaqueexisteumcontratoindividualde trabalho,a legislação reguladoradessa relaçãoseráoCódigodoTrabalho,aopassoqueseseadotaraqualificaçãodeacordodetrabalhocooperativo,asnormasrelevantesserão,emfacedaleivigente,ascontidasnoCódigoCooperativo(daquiemdiante,«CCoop»)36.

Nestes termos, entendemosque seráútil, antesde adotarmosumaposi-çãosobreaquestãodebatida,emprimeirolugar,teceralgumasconsideraçõessobreascooperativasdeproduçãooperáriaedeserviçosemPortugale,deseguida,analisarasposiçõesdadoutrinaejurisprudênciaportuguesassobreo tema,bemcomoconsultaraperspetivadeoutrosordenamentos jurídicos(EspanholeItaliano).

2.2. As cooperativas de produção operária e as cooperativas de servi-ços em PortugalNostermosdoartigo4.ºdoCCooposetorcooperativodivide-seemvários

ramos,entreelesodaproduçãooperáriaedeserviços37.Adoutrinaportuguesatemidentificadoestesdoisramoscomoaquelesemqueaquestãodiscutidasurgecommaisfrequênciaerelevo«uma vez que apenas nestas o sócio se vincula a contribuir com o respetivo trabalho»38.

36 -DereferiraindaqueoCCoopestabelececomodireitosubsidiário,desdequenãodesrespeitemosprincípioscooperativos,asnormasdoCódigodasSociedadesComerciais(nomeadamente,ospreceitosaplicáveisàsociedadesanónimas)deformaa colmatar as lacunas que não possam ser ultrapassadas pelo recurso à legislaçãocomplementaraplicávelaosdiversosramosdosetorcooperativo.

37 -Respetivamente,alíneasf)ej)doartigo4.ºdoCCoop.38 - Vide CATARINA DE OLIVEIRA CARVALHO, «Qualificação da relação

jurídicaentrecooperadorecooperativa:contratodetrabalhoouacordodetrabalhocooperativo?», in Jurisprudência Cooperativa Comentada - Coordenação GeralDeolindaAparícioMeira,ImprensaNacionalCasadaMoeda,Lisboa,2012,p.588.Nãoobstante,cumprenotar,comJORGELEITE,in«RelaçãodeTrabalhoCooperativo»,Questões Laborais,AnoI,N.º2,1994,p.94enota8,queaquestãodaqualificaçãodovínculocomolaboraloucooperativotambémpoderásurgirnascooperativasde

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268 Almeida Martins: A debatida questão da qualificação da relação jurídica entre cooperador…

Ascooperativasdeproduçãooperáriae as cooperativasde serviços sãoregidas,alémdoCCoop,porlegislaçãocomplementarespecífica.

Ascooperativasdoramodaproduçãooperáriatêmcomolegislaçãocom-plementaroDecreto-Lein.º309/81,de16deNovembro.EsteDecreto-Leiestabelecequeascooperativasdoramodaproduçãooperáriatêm«por objecto principal a extracção, bem como a produção e a transformação, de bens no sector industrial»39.

Qualquerprofissionaldasatividadesdesenvolvidaspelacooperativapodeser sócio, apresentando uma proposta, subscrevendo 3 títulos de capital epagandoumajoia,adquirindoodireitodeelegeresereleitoparaosórgãosdadireção,assembleiageralouconselhofiscal.Estesóciodesenvolveasuaati-vidadeaoserviçodacooperativa,recebeumaquantiamensalepoderecebernofimdoanoeconómicoosdesignadosexcedentes40.

Noentanto,umprofissionaldasatividadesdesenvolvidaspelacooperativa,mesmonãosendosócio,tambémpodedesenvolverasuaatividadeprofissio-nalparaacooperativa,comoseutrabalhadorsubordinado—i.e.,comvínculoprovenientedecontratoindividualdetrabalho—e,nestecaso,éconsideradoterceiro,nãotendoosdireitosatribuídosaossócios,maxime,odireitoàdistri-buiçãodeexcedentes41.

Porseu turno,ascooperativasdeserviços têmcomolegislaçãocomple-mentaroDecreto-Lein.º323/81,de4dedezembro.

Areferidalegislaçãoestabelececomoporobjetoprincipaldascooperativasdeserviços«a prestação de serviços, exceptuados aqueles que se encontram expressamente abrangidos por legislação aplicável a outro ramo do sector

artesanato, previstas no Decreto-Lei n.º 303/81, de 12 de novembro e, numa dasmodalidadesdas cooperativasde ensino, as cooperativasdeprestaçãode serviços,exclusivamenteconstituídaspordocentes, investigadoreseoutros trabalhadoresdoestabelecimentodeensinooudacooperativa,nostermosdoDecreto-Lei441/82,de6denovembro.

39 -Artigo2.º,n.º1doDecreto-Lein.º309/81,de16denovembro.40 - Videosartigos25.º,31.º,33.º,51.ºe73.ºdoCCoop,bemcomoosartigos5.ºe

7.ºa9.ºdoDecreto-Lein.º309/81,de16denovembro.41 - Videartigos2.º,n.º2,72.ºe73.º,n.º1doCCoopeosartigos6.ºe9.º,n.º2do

Decreto-Lein.º309/81,de16denovembro.

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cooperativo»42.Talcomosucedeparaascooperativasdeproduçãooperária,osprofissionais interessadosserãoadmitidoscomocooperadoresdesdequeestejamaptosadesenvolveraatividadeprofissionalemcausa,beneficiandodosdireitoseficandoobrigadosacumprirasobrigaçõesgeraisdoscoopera-dores,nostermosacimadescritos.Deigualmodo,umprofissionaldasativi-dadesdesenvolvidaspelacooperativa,mesmonãosendosócio,tambémpodedesenvolverasuaatividadeprofissionalparaacooperativa,comotrabalhadorsubordinado.

2.3. A divisão na doutrina e jurisprudência portuguesas

ComodestacaJúlioGomes,aquestãodaqualificaçãojurídicadovínculoqueunecooperadortrabalhadorecooperativaétemacontroversonajurispru-dência43e,acrescentaríamosnós,tambémnadoutrinaportuguesa.

Comefeito,pelomenosdesdeadécadade1980,aindaantesdavigênciadoatualCCoop,jáaquestãoerasubmetidaàapreciaçãodosTribunaissupe-riores.

Nesteâmbito,destaca-seoacórdãode6de junhode1980doSupremoTribunaldeJustiça(daquiemdiante,«STJ»),ondesesumariouque«Nadaimpedeque o sócio de uma cooperativa seja simultaneamente seu trabalha-dor, sendo distintas e autónomas as relações jurídicas decorrentes dessas duas qualidades e não envolvendo a exclusão de sócio necessariamente a cessação do contrato»44.

ComonosdánotaDeolindaMeira,oentendimentodequeasituaçãojurí-dicadocooperadortrabalhadorsecaracterizapelaexistênciadeduas«rela-ções jurídicas distintas e autónomas»45 (umasocietáriaeoutralaboral, i.e., emergentedeumcontratodetrabalhosubordinado)prevaleceunajurispru-dênciaduranteadécadade80e90doséculopassado,estandopatenteemacórdãosdoSupremoTribunaldeJustiçade22desetembrode1989e10de

42 -Artigo2.º,n.º1doDecreto-Lein.º309/81,de16denovembro.43 - JÚLIOGOMES,Direito do Trabalho - Volume I - Relações Individuais de

Trabalho,CoimbraEditora,Coimbra,2007,p.173.44 -AcórdãodoSTJde6dejunhode1980,Rec.37/79,BMJn.º298,p.156.45 -DEOLINDAAPARÍCIOMEIRA,O Regime Económico das Cooperativas no

Direito Português - O capital social,VidaEconómica,2009,p.237,nota597.

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novembrode198946,bemcomonosacórdãosdaRelaçãodeÉvorade10dejaneirode198947edaRelaçãodeCoimbrade30demarçode199548,10deoutubrode199649e17deabrilde199750.

Nãoobstanteodomíniodesteentendimento,nãodeixaramdesurgirdeci-sõesqueapresentavamumaperspetivaeumasoluçãodiferenteparaaquestãoemapreço.Porexemplo,emacórdãode12dejunhode1991,oTribunaldaRelaçãodeLisboadecidiuque«Nas cooperativas de produção operária não existe, em relação a cada um dos cooperantes que a integram, qualquer rela-ção laboral, em que se contraponham entidade patronal e trabalhador, pois que todos os cooperantes funcionam como trabalhadores-empresários.»51

Acontradiçãoentreoacórdãocujosumárioseacabadecitareodoacór-dãode6dejunhode1980doSupremoTribunaldeJustiçafoiprecisamente

46 -Respetivamente,AcórdãodoSTJde22desetembrode1989,BMJde1989n.º389,p.465eAcórdãodoSTJde11denovembrode1989,BMJn.º391,p.378,onde,emambos,constasumariado:«Nada impede que o sócio de uma cooperativa seja simultaneamente seu trabalhador, sendo distintas e autónomas as relações jurídicas decorrentes dessas duas qualidades», acrescentando oAcórdão do STJde22desetembrode1989que«É,aliás,oprópriodiplomalegalqueregulamentaas cooperativas de serviços (Decreto-Lei n.º 323/81) que admite expressamente aexistênciadecontratodetrabalhosubordinado».ParadecisõesconvergentesdoSTJnos temas abordados nestes acórdãos dos anos 80 vide:Acórdão de 1986-02-25,SupremoTribunaldeJustiça,AcórdãosDoutrinais,n.º304,p.580;Acórdãode1986-02-07,SupremoTribunaldeJustiça,AcórdãosDoutrinais,n.º292,p.500;Acórdãode1986-07-29,SupremoTribunaldeJustiça,AcórdãosDoutrinais,anoXXVI,n.º304;Acórdão,de1986-07-25,SupremoTribunaldeJustiça,AcórdãosDoutrinais,n.º304,p.580;Acórdão,de1986-07-25,SupremoTribunaldeJustiça;Acórdão,de1986-02-07,SupremoTribunaldeJustiça,AcórdãosDoutrinais,n.º292,p.500.

47 - Acórdão da Relação de Évora de 10 de janeiro de 1989, Colectânea de Jurisprudência,AnoXIV,TomoI,p.267.

48 -Acórdão da Relação de Coimbra de 30 demarço de 1995,Colectânea de Jurisprudência,AnoXX-1995,TomoII,p.55,noqualsesumariouque«Nada obsta a que o sócio cooperante seja, simultaneamente, trabalhador da cooperativa».

49 -AcórdãodaRelaçãodeCoimbrade10deoutubrode1996,ColectâneadeJurisprudência,AnoXXI,TomoIV,p.84-85.

50 -AcórdãodaRelaçãodeCoimbrade17deabrilde1997,Boletim do Trabalho e Emprego,2.ªsérie,n.º1-6,2000,p.359.

51 -AcórdãodoTribunaldaRelaçãodeLisboade12dejunhode1991,Rec.6694,CJ,1991,T.III,p.218.

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omoteapartirdoqualojuslaboralistaJorgeLeite,emartigopublicadoem199452,sedebruçousobreaquestão.

EsteAutor, perspetivando a questão simultaneamente do ponto de vistacooperativoe laboral,veiocontrariaroentendimento jurisprudencialdomi-nante,afirmandoquearelaçãoqueseestabeleceentrecooperadortrabalhadorecooperativanãoéumarelaçãolaboral,anteséumarelaçãocujanaturezajurídicaequalificaçãosetemqueencontrarnoseiodopróprioDireitoCoope-rativo.JorgeLeitedestacaqueestetipodecooperativas«traduz-se numa via ou num processo de juntar o que a empresa capitalista separa: junta nos tra-balhadores, que são seus membros, as funções e, consequentemente, também o risco e demais vantagens e desvantagens que, na empresa capitalista, deles estão dissociados, assim os transformando em produtores autónomos»53ouem«empresários de si mesmo»ou«patrões de si mesmos»54.Porestemotivo,concluiJorgeLeite terãodeserperspetivadascomo«indissociáveis as dimen-sões de sócio e de trabalhador dos membros deste tipo de cooperativa»55.

Nestaperspetiva,aposiçãodestesóciocooperadortrabalhadorapresenta--secomocomplexa,vistoqueaatividadecooperativadetrabalhoaqueestáobrigado, temumconteúdomuitopróximoda laboral,muitoemboraasuaorigemassentenumvínculodeevidentecarizsocietário,formalizadonaacei-taçãodosestatutos.ÉnestasequênciaqueoAutorintroduziuaterminologiaquedaíemdianteseriautilizadapelosdefensoresdainexistênciadeumcon-tratodetrabalho,qualificandoarelaçãoentrecooperadorecooperativacomoumnegóciomistoqueapelidade«acordo de trabalho cooperativo».Contudo,énecessárioterematençãoqueesteAutordefendequeháváriasordensderazõesquerecomendamqueoregimedarelaçãoentrecooperativaeosóciocooperadortrabalhador,muitoemboranãodeva,nempossa,serreguladopelalegislaçãolaboral,deva«em alguns aspectos, ser temperado por princípios e normas de natureza laboral»quefuncionariamcomo«limites laborais às regras cooperativas»56.

52 -JORGELEITE,op.cit.,p.89.53 -JORGELEITE,op.cit.,p.101.54 -TEIXEIRARIBEIROapudJORGELEITE,op.cit.,p.101.55 -JORGELEITE,op.cit.,p.101.56 -JORGELEITE,op.cit.,p.105.JÚLIOGOMES,op.cit.,p.177,destacando

estaposiçãomoderadadeJORGELEITE,chama,noentanto,aatençãoparaofactodeoAutornãoapresentaruma«justificação para a aplicação das regras e princípios

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Esta posição sobre a natureza jurídica da prestação do cooperador nascooperativasdetrabalhofoiposteriormenteadotada,peloladodoscoopera-tivistas,porDeolindaMeira.Destacandoqueafunçãoeconómicaesocialdovínculoqueligaestescooperadoresàcooperativasóseconcretizacomarea-lizaçãodeumaprestaçãoglobal(quecongrega,simultaneamente,caracteressocietáriosedenaturezapróximaàlaboral),aAutorasustentaque«entre a cooperativa e o sócio cooperador trabalhador não há duas relações distintas e autónomas, mas um negócio jurídico misto»e«não se pode pretender a aquisição da qualidade de membro de uma cooperativa de trabalho recu-sando a correspondente contribuição em trabalho, como não se poderá man-ter aquela qualidade recusando a prestação, para o futuro, da atividade a que se comprometera»57.

Nasendadestaposição,despontaramnajurisprudênciadecisõesque,apli-cando a doutrina de JorgeLeite, começarama qualificar a relação jurídicaentrecooperadorecooperativanascooperativasde trabalhocomo«acordo de trabalho cooperativo»,negandoanaturezalaboraldamesmaeassimafas-tandoaaplicação(eaproteção)doCódigodoTrabalho.Entreessasdecisõesdestacamos,pelaargumentaçãoutilizadanafundamentação,oacórdãodoTri-bunaldaRelaçãodoPortode19desetembrode201158.Comefeito,oTribu-naldaRelaçãodoPortocomeçaporafirmarque«enquanto o contrato de tra-balho se caracteriza pelos elementos da subordinação jurídica e económica, a actividade desenvolvida pelos trabalhadores-sócios assenta numa relação de cooperação. Pois, apesar de o trabalhador não sócio e o trabalhador sócio executarem a mesma actividade e serem dirigidos pelas mesmas pessoas físi-cas, estas intervêm em qualidades jurídicas diferentes, para o primeiro como empregador e para o segundo como o cooperador que tem funções de distri-buição de trabalho.»Destaconclusão,oTribunalpassaadestacarasdiferen-

de Direito do Trabalho que considera poderem aplicar-se.».57 -DEOLINDAAPARÍCIOMEIRA,op.cit.,p.235e239.58 -AcórdãodoTribunaldaRelaçãodoPortode19desetembrode2011,disponível

emwww.dgsi.pt.EsteacórdãofoiopontodepartidaparaCATARINADEOLIVEIRACARVALHO(op.cit.,p.587-593)sepronunciarsobreaquestãodaqualificaçãodarelaçãojurídicaentrecooperadorecooperativanascooperativasdetrabalho.

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çasemtermosdeprocedimentodisciplinar59eremuneração60eexplicaqueaeventualsemelhançacomoDireitodoTrabalhona«nomenclatura»utilizadapeloDireitoCooperativoderivadadificuldadedesteúltimoemcriareadotarterminologia própria.A conclusãodoTribunal daRelaçãodoPorto é a deque«nas cooperativas de produção o sócio trabalhador não tem um duplo estatuto: trabalhador subordinado, por um lado, e sócio ou cooperador, por outro»,antessedevequalificararelaçãoentreambosexistentecomo«acordo de trabalho associado», «acordo de cooperação laboral»ou«acordo de tra-balho cooperativo»,sendoseuelementoessencial,queopermitedistinguirdequalqueroutronegóciojurídico,aprestaçãodetrabalhocooperativoque,nascooperativasdeprodução,traduzodesignado«ato cooperativo».

Nãoobstanteaexistênciadedecisõesnosentidodadoutrinado«acordo cooperativo de trabalho»,averdadeéqueaquestãoestálongedeserpacífica,existindoaindaváriosAutores,querdoespectrodoDireitoCooperativo,querdaáreadoDireitodoTrabalho,quemantémaposiçãocontráriaedefendemaexistênciadeumvínculolaboral.

Nessesentido,porexemplo,JoséAntónioRodrigues,ligadoaoestudodoDireito Cooperativo, pronunciando-se sobre as consequências da exclusãodecooperadornoâmbitodeumprocessodisciplinaremqueseapreciauma

59 -«Daí que o primeiro [o trabalhador] possa ser perseguido disciplinarmente pela prática de uma infracção e o segundo [o trabalhador-sócio] possa, perante o incumprimento de deveres cooperativos, ser objecto de um processo escrito e de uma deliberação de exclusão da Assembleia Geral. Isto apesar de facticamente ambos os trabalhadores terem praticado a mesma infracção e de ela ter sido apreciada em prévio processo escrito, só que ali ele tem natureza disciplinar e aqui social. Dai que o trabalhador sócio não possa resolver o vínculo, mas demitir-se e não possa ser despedido, mas excluído».Sobreoprocessodisciplinarcooperativo,vide ANDRÉALMEIDAMARTINS,«Asuspensãopreventivadecooperadoresnoâmbitodo processo disciplinar cooperativo», inJurisprudência Cooperativa Comentada - CoordenaçãoGeralDEOLINDAAPARÍCIOMEIRA, ImprensaNacionalCasa daMoeda,Lisboa,2012,p.463-477.

60 - «Por outro lado, a circunstância de ambos receberem mensalmente uma importância, tal também não significa identidade de estatuto, ainda que a quantia seja de igual montante. Na verdade, para o trabalhador não sócio tal quantia é retribuição, contrapartida do trabalho prestado e para o sócio é uma parte do rendimento anual da cooperativa, que é antecipada previsionalmente e que será contabilizada no final do ano económico, podendo haver excedentes para distribuir entre os sócios, ou perdas a suportar pelos mesmos.»

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infraçãodisciplinardoâmbitocooperativo,entendequemuitoemborapossacessarovínculosocietário,«todas as outras relações jurídicas subsistem. Ou seja, sendo o cooperador um trabalhador ou um prestador de serviços da coo-perativa, mantém o seu vínculo laboral. O que não obsta a que, integrando a sua conduta que deu origem à exclusão, justa causa para despedimento, nos termos da legislação laboral, não possa a cooperativa — no mesmo pro-cesso disciplinar conducente à exclusão, ou o que nos parece preferível, em processo autónomo — promover o seu despedimento, por violação de normas do direito laboral»61.EsteAutorsustentaadefesadatesedaexistênciadeumvínculolaboral(aoladodovínculosocietário)emduasordensderazões:porumlado,«porque a própria legislação cooperativa prevê quadros jurídicos distintos nas relações entre as cooperativas e os cooperadores»e,poroutrolado,nacircunstânciadeemcasodeconflitoentreocontratodesociedadeeodireitoaotrabalho,serosegundoobemjurídicoquedeveprevalecer62.

Por parte dos juslaboralistas, há igualmente Autores de destaque quedefendemaqualificaçãolaboraldovínculoentreacooperativaeocoopera-dortrabalhadornascooperativasdeproduçãoeserviços,criticandoaposiçãomaisrecentedajurisprudência.NesteâmbitodestacamosaposiçãodeJúlioGomes,seguidadepertoporCatarinadeOliveiraCarvalho.

EstesAutorescriticamaposiçãodefensorado«acordo de trabalho coo-perativo»namedidaemqueomesmoassentanumaconceçãodeinexistên-cianascooperativasdalógicaconflitualentrecapitaletrabalhoquemarcaoDireitodoTrabalho,oque,segundoestesAutores,nãocorresponderáàreali-dadeatualdascooperativas.

Comefeito,partindodaquiloquedesignaríamoscomoumaconsideraçãoconcretaerealistadarealidadelaboral,JúlioGomesdeixaaconclusãodeque«na raiz do conflito que, de facto, alimenta o contrato de trabalho não está necessariamente a diferença entre os que detêm e os que não detêm os meios de produção, mas mais singelamente entre os que exercem o poder e os que obedecem»63,peloquesubtrairàaplicaçãodoDireitodoTrabalhoarelaçãojurídica em análise em homenagem a uma conceção que vê a ausência de

61 -JOSÉANTÓNIORODRIGUES,Código Cooperativo - anotado e comentado e Legislação Cooperativa,4.ªEdição,QuidIuris-SociedadeEditora,Lisboa,2011,p. 102.

62 -JOSÉANTÓNIORODRIGUES,op.cit.,p.102.63 -JÚLIOGOMES,op.cit.,p.177.

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275Almeida Martins: A debatida questão da qualificação da relação jurídica entre cooperador…

conflitonacooperativa,éumaposição«irrealista, explicável por uma certa utopia cooperativa e por uma fase histórica de entusiasmo pelo ideal coope-rativo»,quenãopodeserhojesubscrita,sobpenadesedeixarocooperadorabandonado—semaproteçãodasregraslaborais—aosperigoscaracterísti-cosdeumaestruturaempresarial.

Nestemesmosentido,explicaCatarinadeOliveiraCarvalhoque«excluir abinitio os sócios-trabalhadores da proteção conferida pela legislação labo-ral pode significar negar a tutela a quem mais dela necessita em homenagem a princípios cooperativos cuja aplicação em concreto se pode mostrar insu-ficiente ou mesmo irrealista»64.Porisso,concluemosjuslaboralistascitadosque«a única circunstância relevante para a determinação da existência de um contrato de trabalho entre a cooperativa e o sócio trabalhador é a identi-ficação da subordinação jurídica, tal como sucede em geral na distinção entre trabalho autónomo e trabalho subordinado»65.

Numaoutraperspetiva,aintervençãojuslaboralistatem,entrenós,oméritodeconvocarparadiscussãoumacircunstânciaquenemsempreéobjetodasanálisesdoladocooperativista:apossibilidadede«utilização fraudulenta do instrumento cooperativo»66.

Defacto,partindodaconceçãoquenãoadmiteaqualificaçãodarelaçãojurídicaemanálisecomolaboral,nãoédifícildeimaginarsituaçõesde«uti-lização do modelo cooperativo para dissimular verdadeiras relações de tra-balho subordinado com fuga ao direito do trabalho em concorrência desleal com outras empresas»67.

Naverdade, tendoemconta,porum lado,a«aquisição crescente pelas cooperativas de uma fisionomia empresarial»68 e a consequente concentra-ção da gestão da cooperativa numa estrutura dirigente, que se destaca doscooperadorestrabalhadores,aqueacresceumasubstituiçãoprogressivados

64 -CATARINADEOLIVEIRACARVALHO,op.cit.,p.592.65 -CATARINADEOLIVEIRACARVALHO,op.cit.,p.593.Nomesmosentido,

JÚLIOGOMES,op.cit.,p.179,66 -JÚLIOGOMES,op.cit.,p.176.67 - CATARINADEOLIVEIRACARVALHO,op.cit.,p.590.68 -DestacadapelajurisprudênciaitalianareferenciadaporJÚLIOGOMES,op.

cit., p. 175, nota 447.

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276 Almeida Martins: A debatida questão da qualificação da relação jurídica entre cooperador…

princípioscooperativosporobjetivoscapitalistas69,bemcomo,poroutrolado,aevidentesemelhançadoscaractereseinstitutosassociadosaumaprestaçãode trabalho, seja ela«laboral»ou«cooperativa»70, torna-se evidentequeépossível que nas cooperativas de trabalho com inúmeros cooperadores tra-balhadores,severifiquemsimulaçõesde«acordos de trabalho cooperativo»quesãoverdadeirosepróprioscontratosindividuaisdetrabalho,demodoaescaparàaplicaçãodasregraslaborais.

Éporestemotivoqueestesautoresdefendemquedeveexistirporpartedocooperador«um real poder de controlo sobre a cooperativa»,decorrentede«uma participação genuína nas deliberações sociais ou qualquer influência sobre as decisões concretas da cooperativa»71.Casocontrário,seseconstatarqueovínculosocietárioésimuladoequehásubordinaçãojurídica,nãorestaoutraalternativaquenãosejaqualificarocontratocomocontratodetrabalho.

Sãoestas,assim,aslinhasgeraisdasprincipaisposiçõesdoutrinaisejuris-prudenciaisportuguesassobreaquestãodebatidanoacórdão.

2.4. A questão em debate numa perspetiva de Direito Comparado

1. Em Itália

TambémemItáliaoproblemadaqualificaçãodarelaçãojurídicaqueseestabeleceentrecooperadorecooperativasuscitoudiversasposiçõesnadou-trinaenajurisprudência.

Júlio Gomes72 dá-nos nota da evolução das posições jurisprudenciaisitalianassobreo tema,desdea tradicionalposiçãoda«natureza puramente

69 -ComoassinalaCATARINADEOLIVEIRACARVALHO,op.cit.,p.590.Note-seque,comodestacaFERNANDOVALDÉSDAL-RE,emprincípioascooperativasdetrabalhoprosseguem«pelo menos tendencialmente, abolir certas leis não escritas do capitalismo, nomeadamente a que confere ao proprietário do capital investido o direito de extrair da força de trabalho empregada uma utilidade superior à do seu custo»(in«Lacooperativade trabajoasociado:unamiradadesde las legislacionesestataly autonómica»,Relaciones Laborales, n.º19/2010,EdiciónElectrónica,LaLey,Madrid,2010,p.3).

70 -Sujeiçãoapoderdisciplinar,existênciadeumhoráriodetrabalho,marcaçãodeférias,faltasjustificadaseinjustificadas,etc..

71 -ComoassinalaCATARINADEOLIVEIRACARVALHO,op.cit.,p.590.72 -JÚLIOGOMES,op.cit.,p.174.

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associativa da relação entre as cooperativas de trabalho e produção e os coo-perantes»atéàaberturaparauma«via de tendencial aproximação da relação de trabalho subordinado com a relação cooperativa».

A esta abertura e a aproximação aoDireito doTrabalhonão foi indife-rente o interesseque, a partir de certa altura, o tema emanálise despertounosjuslaboralistasitalianos.Assim,aoníveldadoutrina,sehouveautores73 quedefenderamdeformairredutívelaposiçãoquerejeitaaexistênciadeumvínculolaboral,abundamoutrosquesustentamqueaquestãodaqualificaçãodovínculoentrecooperadorecooperativanãodiferedaquelequesecolocaquandoháquedistinguiro trabalhoautónomodo trabalhosubordinado:háquefazerotestedaexistênciadasubordinaçãojurídica74.

É, aliás, nesta sequência que, como refere Catarina de Oliveira Carva-lho,váriosautoresitalianosdefendemquearelaçãocooperativadeterminaaexistênciadedoisvínculosentrecooperadorecooperativa:«uma relação de carácter associativo que tem por objeto o exercício em comum de uma ativi-dade empresarial e uma relação laboral em sentido próprio (ou, em alterna-tiva, consoante a factualidade concreta do caso, um contrato de prestação de serviços)»75.Porseuturno,JuanLópezGandíarealçaqueajurisprudênciaitalianaevoluiudesdeaideiada«absoluta incompatibilidade entre o vínculo societário e vínculo laboral»até admitirque«os estatutos no exercício da sua autonomia negocial podem estabelecer que também as prestações que se refiram ao objeto social, isto é que a atividade desenvolvida pelo sócio para a atividade institucional da cooperativa possa ser objeto de um contrato de trabalho que se acumula ao da sociedade, sempre que não se trate de um contrato de trabalho simulado»76.

Estadoutrina,declarainfluênciajuslaboralista,acabouporseimporcontraodomíniodajurisprudênciacontráriaanteriorefoimesmoconsagradapela

73 -ANTONIOVALLEBONA,«IlLavoroinCooperativa»,RIDL, 1991, parte I, p. 291 e ss..

74 -MICHELEMARIANI, «Cooperativa di Lavoro»,Enciclopedia del Diritto, Aggiornamiento,vol.I,Giuiffré,Milano,1997,p.459,cit.apudJÚLIOGOMES,op.cit., p. 179 e nota 467.

75 -CATARINADEOLIVEIRACARVALHO,op.cit.,p.592enota22.76 -JUANLÓPEZGANDÍA,Las cooperativas de trabajo asociado y la aplicación

del derecho del trabajo,TirantloBlanch,Madrid,2006,p.40.

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278 Almeida Martins: A debatida questão da qualificação da relação jurídica entre cooperador…

Lein.º142/2001,de3deabril77,quedispõequeocooperadorestabelececomacooperativa,nomomentodaformaçãodovínculoassociativoouposterior-mente,umarelação(umcontrato)detrabalhosubordinadoouautónomo78.

2.EmEspanha

AquestãoemanálisefoitambémobjetodeacesadiscussãodoutrinalemEspanha.Como informaJuanLópezGandía, trata-sede«uma polémica já antiga, que remonta aos anos setenta nos laboralistas e que ressuscitou do ponto de vista doutrinal em alguns setores da doutrina dos anos noventa»79. Asposiçõesdoutrinaissobreaquestãopodemserdivididasentreaquelasquedefendiamqueovínculoentreocooperadoreacooperativaerasocietário,osquedefendiamasuanaturezalaborale,porúltimo,asquecatalogavamessarelaçãocomoum«tertium genus»oudenaturezamista80.

Comefeito,umapartedadoutrinadestacavaquearelaçãoentrecoopera-dorecooperativa«éespecialesocietária,masnãolaboral»eque«os sócios trabalhadores não são assalariados da sua cooperativa, nem sequer têm a dupla condição de sócios e trabalhadores»81.Dedestacar,porém,quemesmoautoresqueafirmamanaturezaexclusivamentesocietáriaouassociativadovínculo emcausa, nãodeixamde referir que aprestaçãode trabalhodestecooperador«está claramente impregnada ou influenciada pelo direito laboral que, em muitos casos, tem o carácter de direito mínimo, com o louvável pro-

77 - Lei 3 aprile 2001, n.º 142 — Revisione della legislazione in materiacooperativistica, con particolare riferimento alla posizione del socio lavoratore—alteradapelaLein.º30/2003,de14defevereiro(estaúltimatambémconhecidaporLeiBiagi,porreferênciaaojuslaboralistaMARCOBIAGIqueestevenasuaorigem).

78 -Artigo1,n.º3daLein.º142/2001:«Il socio lavoratore di cooperativa stabilisce con la propria adesione o successivamente all›instaurazione del rapporto associativo un ulteriore rapporto di lavoro, in forma subordinata o autonoma o in qualsiasi altra forma, ivi compresi i rapporti di collaborazione coordinata non occasionale, con cui contribuisce comunque al raggiungimento degli scopi sociali.»

79 -JUANLÓPEZGANDÍA,op.cit.,p.35.80 -Comreferênciasbibliográficassobreotema,videJAVIERHIERROHIERRO,

«Lasrelacioneslaboralesenlascooperativasdetrabajoasociado»,AranzadiSocial,n.º20/2004,EditorialAranzadi,2004,p.12.

81 -FRANCISCOVICENTCHULIÁ,Ley General de Cooperativas,TomoXX,Vol. 3.º, Editorial Revista deDerecho Privado / editoriales deDerechoReunidas,Madrid,1994,p.586-587

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279Almeida Martins: A debatida questão da qualificação da relação jurídica entre cooperador…

pósito de que os sócios trabalhadores não resultem discriminados, em relação aos trabalhadores por conta de outrem»82.

Porém,nãofaltavadoutrinaemEspanhaque,influenciadapelosjuslabora-listasitalianos,seinclinavaparaaqualificaçãolaboraldarelaçãoentresóciotrabalhadorecooperativa83.

Poroutrolado,houveautoresqueprocuraramconciliarasdiferençasentreasposiçõesanteriores,defendendoqueonegócioemcausatinhaumanatu-rezamista que comungava elementos de ambas as posições anteriormenteexpostas84.

ApolémicafoiencerradapelaLein.º27/1999,de16dejulho,aLeyEstataldeCooperativas,cujonúmero1doartigo80.ºprescreve«São cooperativas de trabalho associado as que tem por objeto proporcionar aos seus sócios postos de trabalho, mediante o seu esforço pessoal e direto, a tempo parcial ou com-pleto, através da organização em comum da produção de bens ou serviços para terceiros. Também poderão contar com sócios colaboradores. A relação dos sócios trabalhadores com a cooperativa é societária.»85.

Noentanto,note-sequeestaopçãolegalnãosignificouumadesconside-raçãototalda influênciados institutos laboraisnaregulaçãodarelaçãoqueseestabeleceentreosóciotrabalhadoreacooperativa.Muitopelocontrário,comodestacaJavierHierroHierro,noarticuladodaLeyEstataldeCoope-rativasencontra-sea«regulação de um estatuto laboral para tais sócios»86, onde se encontram normas sobre a capacidade para ser sócio trabalhador,antecipaçõesporconta,períodoexperimental,regimedisciplinar,etc.Adou-trinadestacaqueaintroduçãodestasnormasnaLeyEstataldeCooperativas

82 - JÚLIO COSTA COMESAÑA, «Apuntes sobre la regulación estatal eautonómicadascooperativasde trabalho»,Cooperativismo e Economia Social, n.º 28,UniversidadedeVigo,p.53apudDEOLINDAMEIRA,op.cit.,p.235,nota591.

83 - Vide, neste sentido, KOLDO MIKEL SANTIAGO REDONDO, Socio de cooperativa y relación laboral,IBIDEMEdiciones,Madrid,1998,p.125ess.

84 - Vide MONTOYAMELGAR, «Sobre el socio-trabajador de la cooperativade trabajoasociado», inEstudios de Derecho de Trabajo en memoria del Profesor Gaspar Bayón Chacón,Madrid,p.139-141.

85 -Opçãoque,comonosdánotaJUANLÓPEZGANDÍA,op.cit.,p.35,nota64,foiigualmenteseguidapelasleisautonómicasdaComunidadeValenciana,CastillayLéon,AragóneLaRioja.

86 -JAVIERHIERROHIERRO,op.cit.,p.13.

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éo resultadodeum«procedimento de extensão do Direito do Trabalho às cooperativas»87.

2.5. Posição adotada

AocontráriodoquesucedeemItáliaeEspanha,o legisladorportuguêsnãotomouposiçãosobreaquestãodaqualificaçãojurídicadarelaçãoentreocooperadortrabalhadorecooperativa.

Comefeito,nãoexistenoCCoopqualquernormasemelhanteaonúmero3doartigo1daLeiItalianan.º142/2001,de3deabrilitaliana,nemaonúmero1doartigo80.ºdaLein.º27/1999,de16dejulho,aespanholaLeyEstataldeCooperativas.Poroutrolado,concordamoscomJúlioGomesquandooAutorsugerequenãoédecisivaa«circunstância de o próprio Código Cooperativo prever expressamente que o capital subscrito pode ser realizado em trabalho ou serviços (artigo 21.º, n.º 1 do Código Cooperativo), sendo aliás dever do cooperador prestar o trabalho ou serviço que lhe competir (al. c) do artigo 34.º)»88.

Do nosso ponto de vista, porém, as teses avançadas pelos laboralistaspecampornão levar em linhade conta as especificidadesdoDireitoCoo-perativo,centrando-seunicamentenumaperspetivadeDireitodoTrabalho.Nessesentido,porexemplo,quantoàquestãodasubordinaçãojurídicaaqueseencontrasujeitoocooperadortrabalhador,tendemosaconcordarcomosautoresquesustentamqueapresençadocontratodesociedadenãoé indi-ferenteaesta formadeprestar trabalhoeque,emconsequência,a referidasubordinaçãonãoé laboraldopontodevista jurídico.Comefeito,nãonosparecesuficienteparafirmaraexistênciadeumcontratodetrabalhoconstatarasituaçãodesubordinaçãoaqueocooperadortrabalhadorseencontrasujeito,pois,comorefereJuanLópezGandía,dasubordinação«não cabe concluir que o sócio não seja parte da vontade empresarial, e que esta seja alheia a ele, como organização, antes, pelo contrario, produz a sua inserção num âmbito organizativo, de direção e disciplinar que não é alheio ao sócio, já que se trata de uma exigência funcional do trabalho coletivo associado, quando adote a forma subordinada»89.

87 -JUANLÓPEZGANDÍA,op.cit.,p.69.88 -JÚLIOGOMES,op.cit.,p.173.89 -JUANLÓPEZGANDÍA,op.cit.,p.48.

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Assim, defendemos que, no que diz respeito às chamadas cooperativasde trabalho,nãoexisteentreacooperativaeocooperadorque lheprestaoseu trabalhoumcontratode trabalhosubordinado,massimumnegóciodenatureza distinta e específica que parte da doutrina e a jurisprudência vêmdesignandode«acordo de trabalho cooperativo».

Com efeito, é nosso entendimento que, quanto a esta matéria, a razãoassisteaquelesautoresquesustentamqueentre acooperativaeosóciocoo-perador não há duas relações jurídicas distintas e autónomas ou umduploestatuto,marcadopordoisvínculosautónomoscomacooperativa,istoé,porumlado,sóciocooperadore,poroutrolado,trabalhadorsubordinado.Tendoemcontaafunçãoeconómicaesocialdovínculoqueligaestescooperado-resàcooperativaquesetraduz,paraoscooperadores,numaprestaçãoglobalcomcaracteressimultaneamentesocietáriosedenaturezapróximaàlaboral,parece-nosqueatesedo«acordo de trabalho cooperativo»éaquelaquetemmais aptidão para caracterizar corretamente a relação complexa que existeentreestaspartes,jáquequalificá-lasimplesmentecomoumcontratodetra-balhopareceredutor.

De todoomodo, as teses laboralistas têmo inegávelméritode chamaraatençãoparacircunstânciasquenãopodemdeixardeserconsideradasnaanálisedoscasosemqueaquestãoemapreçosecoloque.

Emprimeirolugar,afraudeàleipelautilizaçãodacooperativaparamas-cararumverdadeirocontratodetrabalhoéumapossibilidadereal,sobretudoem épocas demaiores constrangimentos financeiros para as empresas, emqueefetivamentenospodemosdepararcom«casos em que os trabalhadores de cooperativas são pressionados para assumirem a posição de sócio, como forma de redução dos custos laborais»90.Por issomesmo, exige-sequeostribunaisestejamatentosàssituaçõesdesimulaçãode«acordos de trabalho cooperativo»,reveladasquerpelascircunstânciasquerodearamaformaçãodovínculocomacooperativa,querausênciadeexercícioefetivoerealdosváriosdireitosassociadosàparticipaçãodosóciocooperadornavidacoope-rativa91,noscasosemqueessafaltadeexercícioderivedeimpedimentodacooperativaenãodafaltadeiniciativadocooperadortrabalhador.Poroutrolado, o cooperador trabalhador que pretenda ver qualificado o seu vínculo

90 -CATARINADEOLIVEIRACARVALHO,op.cit.,p.590.91 -Aspetoque,comosalientaCATARINADEOLIVEIRACARVALHO,op.cit.,

p.590,nemsempreéobservadopelajurisprudência.

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comolaboral,porsimulaçãodo«acordo de trabalho cooperativo»,teráquealegarosfactosdemonstrativosdasimulação.

Emsegundolugar,éinevitávelconcordarquenascooperativasdegrandedimensãoagrandemaioriadossócioscooperadoresdificilmentepoderãoserconsideradospatrõesouempresáriosdesimesmos.Defacto,sedopontodevistaformal,talafirmaçãopodeaindaaceitar-secomoverdadeira,averdadeéque«a questão de que o sócio seja empresário de si mesmo, não se coloca de facto da mesma forma na pequena cooperativa e na de grandes dimen-sões, onde já se nota uma certa distância, uma vez que os órgãos de direção estão mais afastados dos sócios, com o seu próprio funcionamento e com um reforço da empresa como organização face aos próprios sócios»92. Como salienta,JuanLópezGandía,«o sócio trabalhador, por sua conta, não orga-niza, controla ou dirige o processo produtivo, o seu próprio trabalho, antes se encontra inserido no círculo organizativo, diretivo e disciplinar de outra pessoa, que leva a cabo a direção e controlo do trabalho e exerce os poderes de especificação e disciplinares»93.Éporissoquenascooperativaséneces-sáriovigiaraquiloquesucede«emnome do pretenso interesse coletivo»umavezque«também nas cooperativas podem existir condutas discriminatórias, assédios e está em jogo a necessária tutela da integridade física e moral do trabalhador».

Aindaassim,mantemosquearelaçãoemapreçonãoélaboral,nãoderivadeumcontratodetrabalho,antesdeumnegócioespecíficodenaturezaasso-ciativa.Porém,comojádefendemosnoutrolocal94,concordamoscomJorgeLeite,quandooAutordefendequeháváriasordensderazõesquerecomendamqueoregimedarelaçãoentrecooperativaeosóciocooperadortrabalhador,muitoemboranãopossaserreguladopelalegislaçãolaboral,deva «em alguns aspectos, ser temperado por princípios e normas de natureza laboral»quefuncionariamcomo«limites laborais às regras cooperativas»95.Oproblema

92 -JUANLÓPEZGANDÍA,op.cit.,p.42.93 -JUANLÓPEZGANDÍA,op.cit.,p.48.94 -ANDRÉALMEIDAMARTINS,op.cit.,p.476.95 - Vide JORGELEITE, ob. cit., p. 105.Questão interessante também é a de

saberqualotratamentojurídico,equalapossível ligaçãoàlegislaçãolaboral,dosdireitos coletivos dos sócios trabalhadores cooperadores.Para JORGELEITE, ob.cit., p. 108, nota 30, esta análise «reforçaria a tese da não configurabilidade das duas relações distintas e autónomas». Para uma análise da questão, na perspetivada legislação espanhola, vide JUAN ESCRIBANO GUTIÉRREZ, «Cooperativas

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quesecolocaé,contudo,aformacomoessesprincípioseregraslaboraissepodemaplicarao«acordo de trabalho cooperativo».

Quanto a nós, o recurso à analogia revelar-se-á como uma solução derecurso,talvezdemasiadoarriscadaecasuística,paraqueostribunaisaado-temcomoboaeútilnadecisãodestescasos,assimseperdendoapossibilidadedaaplicaçãodasregraslaboraiscomoformadetuteladocooperadortrabalha-dor.Por isso,danossaperspetiva,ocaminhoaseguir teránecessariamentequepassarporumaintervençãolegislativa.

Da experiência doDireito Italiano eEspanhol, retiramos que foi este ocaminhoseguido,emboraosordenamentosemcausatenhamconsagradocon-ceçõesdiferenteseutilizadométodoslegislativosdiversos.

EmItália,a intervençãofoiaonívelprópriadaconfiguraçãojurídicadotrabalhoprestadoàcooperativaquenãose«levariaacaboatravésdocontratodesociedade,massimmedianteumcontratolaboraladjuntoeconectadosemseparaçãodo societárionumaespéciedenegócio jurídicocomplexo»96. Ao passoqueemEspanha,seoptouporafirmarovínculosocietárioeintroduzirum procedimento de extensão doDireito doTrabalho às cooperativas quesalvaguardaanaturezanãolaboraldarelação,mascriaumestatutolaboralparaoscooperadorestrabalhadores.

EmPortugal,JúlioGomesjádefendeu,de iure condendo,umaintervençãolegislativasemelhanteàqueseverificounoordenamentoitaliano97.

Paranós,emcoerênciacomanossaposiçãoquantoànaturezadarelação,entendemospreferívelaextensãodasnormaslaboraisàscooperativas.

Esteprocedimentodeextensãodasnormaslaboraisàscooperativaspodeseguirdoiscaminhosdiferentes.Aprimeiraopçãoéprocederaoqueadoutrinaespanholadesignoude«cooperativização das instituições laborais»quecon-siste«numa utilização pela legislação cooperativa de institutos e categorias próprias do ordenamento laboral, ajustadas na sua introdução, porém, às singularidades próprias do trabalho cooperativo ou às especificidades orga-nizativas em que se desenvolve»98.Poroutrolado,tambémépossívelobtero

de trabajo asociadoyderechos laborales colectivos de los socios-cooperativistas»,Revista de Derecho Social, pp. 97 a 124.

96 -JUANLÓPEZGANDÍA,op.cit.,p.70.97 -JÚLIOGOMES,op.cit.,p.179.98 -FERNANDOVALDÉSDAL-RE,op.cit.,p.9.

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284 Almeida Martins: A debatida questão da qualificação da relação jurídica entre cooperador…

resultadopretendidoatravésdeuma«laboralização do regime de prestação do sócio trabalhador» que basicamente consiste em «remeter a regulação dessa prestação (ou das suas condições de execução) ao bloco de legalidade laboral, ao seu conjunto ou a respeito de aspetos determinados»99.

Sejaqualforaopçãoeleita,parececlaroqueapenasumaintervençãolegis-lativaevitaráasoscilaçõesdajurisprudência,tutelandoaposiçãoespecíficadocooperadortrabalhadorevalorizandooDireitoCooperativo.

99 -FERNANDOVALDÉSDAL-RE,op.cit.,p.9.

Page 287: E ECONOMÍA SOCIAL

285Pimenta Fernandes: Do seguro de danos na cooperativa de habitação. Anotação ao Acórdão…

Cooperativismo e Economía Social, nº 35 (2012-2013), pp. 285-291

do segURo de dAnos nA CoopeRAtivA de hAbitAçãoAcórdão do tribunal da Relação de lisboa de 28 de fevereiro de 2012

TiagoPIMENTAFERNANDESEquiparado a Assistente da Área Científica de Direito do Instituto Superior de

Contabilidade e Administração do Porto [email protected]

1. o CAso SuB JuDiCe

Vários cooperadores, cadaumdelesproprietáriodeumamoradianumacooperativadehabitação, intentaramumaaçãodeclarativacontra:a)aditacooperativa e promotora da construção dos imóveis, b) a empreiteira quelevouacaboaconstruçãodosmesmos,eaindacontrac)aseguradoracomaqualacooperativahaviacelebradoumcontratodesegurodedanos,comvistaàcoberturadedanosrelacionadoscomasmesmasmoradias.

Alegaramosautoresemsínteseque,aquandodoprimeiroinvernodeocu-paçãodasmoradias,detetaramumasériedevíciosnasmesmas,osquaissereconduziamessencialmenteàausênciadeisolamentotérmicodacobertura,nosmoldesfixadoscontratualmente,eà incorreta instalaçãodecaixilhariasnosvãosdasjanelas.Nesseseguimento,eporviadaaçãoinstaurada,pediramacondenaçãodosRéuscooperativaeempreiteiroacorrigiremosmenciona-dosdefeitosou, emalternativa, aprocederemaopagamentodocorrespon-dentecustoorçamentadoparaas intervençõesdacoberturaecaixilharias,eainda,emqualquercaso,aopagamentodeumaquantiaaosautoresatítulodedanosemergentes, relativaàanormaldesvalorizaçãoedesgastedecadaumadasmoradias,provocadospelaalegadafaltadecondiçõesdesalubridade,confortoesegurança.RequereramaindaacondenaçãodaRéseguradora,emsub-rogação da cooperativa, a responsabilizar-se pelo que fora peticionado

Pimenta Fernandes: Do seguro de danos na cooperativa de habitação. Anotação ao Acórdão…

Page 288: E ECONOMÍA SOCIAL

286 Pimenta Fernandes: Do seguro de danos na cooperativa de habitação. Anotação ao Acórdão…

contraesta,aoabrigodocontratodesegurodecoberturadedanosentreambascelebrado.

Proferiu-sesentença,quejulgouaaçãoparcialmenteprocedente,conde-nando-seaRéempreiteiraaprocederàreparaçãodosdefeitosdenunciadoseaindaaopagamentodaquantiapeticionadapelosAutoresatítulodedanosemergentes.Porseuturno,asRéscooperativaeseguradoraforamabsolvidasdopedido.

Inconformadoscomaimprocedênciaparcialdaação,osAutoresinterpu-seramrecursonessaparteparaaRelaçãodeLisboa,pugnandopelarespon-sabilizaçãodaquelasRésnostermosdopeticionado.OTribunaldeRecurso,noentanto,acabouporconfirmaradecisãoda1.ªinstância,porentenderquequeraRécooperativaqueraseguradoranãopoderiamserresponsabilizadaspelos danos emcausa.Noque respeita á cooperativa, entendeuoTribunalque,«figurandoumacooperativadehabitaçãocomoentidadequepromoveuaconstruçãodeumimóvel,construçãoefetuadaporoutraentidadenoâmbitodeumcontratodeempreitadacelebradocomaquela,aresponsabilidadepelareparaçãodosdefeitosdeconstruçãoverificadosnoimóvelvendidoaocoo-peranteincumbeapenasàempreiteiraenãoàcooperativa»,tendoemcontaanaturezajurídicadaaquisiçãodeumfogoporpartedeumcooperadornestescasos.Emconsequência,acabouporabsolveraRéseguradora,aproveitandoparareferirque,emtodoocaso,osprejuízosemcausanãoestariamcobertospelocontratodesegurodedanosemcausa.

2. AnÁlise JURÍdiCA do pRoblemA

2.1. Da legitimidade passiva da Ré cooperativaTantoa1.ªinstânciacomooTribunaldeRecursoentenderamque,quando

acooperativadehabitaçãoatribuiumfogoaocooperador,encontramo-nosperanteumespecialcontratodecompraevenda,queeminúmerosaspetosescapaaoregimegeraldacompraevenda,naesteiradoquevemsendojáentendimentodavariadíssimajurisprudência(cfr.,entreoutros,oAcórdãodoSupremoTribunaldeJustiçade16/12/1999,Proc.n.º99B993eosacórdãosdaRelaçãodeLisboade1/10/2009,Proc.n.º57/2001.L1-6,ede20/9/2011,Proc.n.º7056/04.5TVLSB,todosacessíveisemwww.dgsi.pt)edoutrina(vd., sobreotema,DeolindaAparícioMeira,O regime económico das cooperati-vas no direito português. O capital Social,VidaEconómica,Porto,2009,pp.220ess.,AnaAfonso,«Oproblemadaresponsabilidadedecooperativade

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habitaçãopelosdefeitosdeconstruçãodefogovendidoacooperador»,Coo-perativismo e Economia Social,n.º32,2009-2010,pp.293-305,eMarianaPinheirodeAlmeida,«Aaquisiçãodefogoporcooperadornumacooperativade habitação: natureza jurídica», Jurisprudência Cooperativa Comentada, Dir.DeolindaAparícioMeira,CASES,2012,pp.595-608)quesetêmpro-nunciadosobreestamatéria.

Comosesabe,numnormalcontratodecompraevenda,ovendedorres-pondeperanteocompradorpelosdefeitosdacoisavendida,deacordocomoregimeestatuídonosarts.913.ºa922.º.Simplesmente,tratando-sedeum«especialcontratodecompraevenda,delineadoemfunçãonãosódoespe-cíficoposicionamentodosmembrosdacooperativa,comotendaemcontaafunçãodesta»,aceita-sepacificamentequeaestecontrato sejamsubtraídasalgumasdasregrasquecompõemoregimegeral,nomeadamentearesponsa-bilidadedacooperativa(vendedora)pelosdefeitosverificadosnacoisaven-dida,peranteoscooperadores(compradores)aquemamesmafoivendida.Trata-sedeumavisãocomaqualnossentimosimpelidosaconcordar,oquejá tivemosaoportunidadede referiranteriormente (vd.TiagoPimentaFer-nandes,«Acooperativadehabitação:sobrearesponsabilidadepordefeitosdeconstruçãonavendaaterceiros»,Cooperativismo e Economia Social, n.º 33, 2010-2011,pp.261-266,emanotaçãoaoAcórdãodaRelaçãodeLisboade29dejunhode2010,oqualaliásdiscorrenessemesmosentido).

EmEspanha, também se tementendidoque a cooperativa de habitaçãonestescasosnãoéresponsávelpelosdefeitosdeconstruçãodosfogos.Comefeito,oart.1591doCódigoCivilespanholatribuiessaresponsabilidadeàfiguraúnicadoconstrutor,atribuindoaesteumprazode10anosderespon-sabilidadepordefeitosnaconstrução.Noentanto,ajurisprudênciaespanholaveio,demodounânime(vd.portodos,oAcórdãodoTribunalSupremode1deoutubrode1991,oAcórdãodaAudiênciaProvincialdeValênciade29desetembrode1996ouoAcórdãodaAudiênciaProvincialdeGranadade15dejulhode2003),estabelecerumanítidadistinçãoentreafiguradopromotor--construtoredopromotor-mediador,excluindoestaúltimadocampodeapli-caçãodoart.1591doCódigoCivil.Estadistinção,comonotaAnxoTatoPlaza(«Acondiçãodepromotorearesponsabilidadepordívidasnascoopera-tivasdehabitação»,inJurisprudência Cooperativa Comentada,Dir.DeolindaAparícioMeira,IN-CM,2012,p.262),«teveumaindubitávelrelevâncianomomentodedeterminaraposiçãojurídicaearesponsabilidadedascooperati-vasdehabitaçãonoâmbitodapromoçãoimobiliária».Comefeito,aoatribuiràcooperativadehabitaçãoaqualidadedemeropromotor-mediador(enãode

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umapromotora,emsentidoestrito) relativamenteàshabitaçõesconstruídasparaposterioradjudicaçãoaoscooperadores(asituação,comosublinhaAnxoTatoPlaza,jáseriadiferentesetratassedeimóveisque,emvezdeadjudica-dosaoscooperadores,fossemvendidosaterceiros—op. cit., pp. 265-266), osTribunaisespanhóisafastavamassimapossibilidadedeestaseracionadapelospróprioscooperadoresemcasodedefeitonacoisavendida.

Outrodosargumentos invocadospelosAutorespara fundamentara res-ponsabilizaçãodaRécooperativaancora-senoprópriodiplomaqueregulaascooperativasdehabitação,nomeadamentenoart.2.º,n.º2doDL502/99,de19denovembro,alteradopeloDecreto-Lein.º76-A/2006,de29demarço,ondese lêque«sãocooperativasdehabitaçãoeconstruçãoasque tenhamporobjetoapromoção,construçãoouaquisiçãodefogosparahabitaçãodosseusmembros,bemcomoasuamanutenção,reparaçãoouremodelação».ÉnestepreceitolegalqueosAutoresapoiamassuasalegaçõesderecurso,deleextraindoumaobrigaçãodacooperativapromotoraasseguraramanutençãopermanentedasboascondiçõesdehabitabilidadedosedifícios,aísedevendoincluira«reparação dos defeitos de construção».

Maisumavez,oTribunaldeRecursorejeitouaargumentaçãodosAutores,sustentandonão serprovávelque aobrigaçãode«manutençãopermanentedasboascondiçõesdehabitabilidadedosedifícios»impostaàscooperativasimplique umdever de reparação de defeitos de construção verificados nosfogos.No entender daquela instância, osAutores terãomesmo retirado dotextolegalumsentido«queomesmonãocomporta».

Julgamos, salvomelhor opinião, que tambémaqui assiste razão aoTri-bunal ad quem. Com efeito, não nos parece que o legislador pretendesse,através desta solução legal, responsabilizar a cooperativa promotora pelareparaçãodedefeitosdeconstrução,masqueapenasaincumbiudeassegurara«manutenção»dosfogos,supostosqueevidentementenãoseconfundem.Umacoisaézelarpelaconservaçãodeumimóvel,praticandoatosnormaisdemeraadministraçãonessesentido(note-sequeestaé,aliás,descritacomoumaatividadesecundáriadacooperativa,comonotaJoséAntónioRodrigues,Código Cooperativo Anotado e Comentado e Legislação Cooperativa,4.ªed.,QuidJuris,2011,p.380),outrabemdistintaéassegurarareparaçãodever-dadeirosdefeitosqueseverificaramnomesmo.«Aliás»,comonotaadecisãoemanálise,«aexpressão‘manutenção’pressupõe,logicamente,queoimóvelseencontredevidamenteconstruído».

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2.2. Da legitimidade passiva da Ré seguradora

Comosedisse,1.ªinstânciaaferiudaresponsabilidadedaRéSeguradoraem funçãoda responsabilidade do tomador do seguro (cooperativa), de talformaque,afastadaesta,concluiupelaabsolviçãodaquela,muitoemboranãotenhasidoesseoargumentoesgrimidopelaprópriaseguradoraemsededecontestação.Noentanto,o factodeaRéseguradoranão terconcretamenteinvocadoessemeiodedefesa,noentenderdoTribunaldaRelação,nãoserevelariaimpeditivoderesolverolitígiodessaforma,«porquantosetratademeraindagação,interpretaçãoeaplicaçãoderegrasjurídicas,atividadeaqueo juiz exerce sem sujeição às alegações das partes». Só assim o não seriaquando«adeclaraçãodointeressadoconstituiuumelementodeprevisãodanorma,semoqualoefeitonãoseproduz»(LebredeFreitas,Introdução ao Processo Civil, Conceito e Princípio Gerais à Luz do código revisto,CoimbraEditora,1996,Coimbra,p.116),oqueainstânciaconcluiunãoserocaso.Note-sequeestalinhadeargumentaçãoseguidapeloTribunalrecorridomaissentidofazquandoinseridanalógicadonovoCódigodeProcessoCivil,jáemvigoremPortugal(Lein.º41/2013,de26dejunho,comentradaemvigornodia1desetembrode2013),equeéfrutodeumareformaprocessualsig-nificativaque,entreoutros,tomacomoprincipaloobjetivode«racionalizar,simplificaretornarcélerearealizaçãodofimessencialdoprocessocivil–ajustacomposiçãodoslitígiosemtempoútil»(vd.,apropósito,aExposiçãodeMotivosdoreferidodiploma).

Emtodoocaso,aquestãocentral,noqueàRéseguradoradizrespeito,consistiaemsaberseosdanosemcausanosautosestariamounãocobertospelocontratodesegurocelebradoentreestaeacooperativa.Essafoi,aliás,aargumentaçãoapresentadapelaseguradora,quecontestouinvocandoqueoressarcimentodosprejuízosdecorrentesdasdeficiênciasdenunciadaspelosAutoresnãoestariacobertopelarespetivaapólice.

Trata-sedeumcontratodesegurodedanos,tendoporobjetoagarantia,atéaolimiteconvencionado,dopagamentodeindemnizaçãoporprejuízosrela-cionadoscomaperdaoudeterioraçãodasegura,verificadooeventoderisco.Nosegurodedanos,comoésabido,aprestaçãodoseguradornãovaiparaalémdodano—daquiseextraioprincípio indemnizatóriooudaproibição do enriquecimento do segurado —,significandoistoqueoseguronãodeveservirparaqueoseguradoseenriqueça,masapenasparaorepararnamedidadodanoporestesofrido.

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Estamodalidadedecontratodeseguroéadmitidapelon.º2doart.43.ºdoRegimeJurídicodoContratodeSeguro,aprovadopelaLein.º72/2008,evemreguladademodoespecíficonosartigos123.ºeseguintesdaquelediploma.

Importaentãoatentarnoconteúdodocontratodesegurocelebradonocasodosautos.AssimofezoTribunalad quem,sublinhandoquedascondiçõesgeraisdomesmoresultavaquesepretendeu«ressarciroseguradopelosdanossofridospelosobjetossegurosquetenhamorigemnumacascausasaseguirindicadas:danosmateriaisàempreitada-basequecomprometamasuaestabi-lidadeousolidezetenhamorigememerrosdedesenho,defeitosdeexecuçãooudefeitosnosmateriaisempregues»—cfr.CapítuloII–RiscosCobertos.

Comestaprevisãoemmente,etendoemcontaquenasituaçãoemaná-liseestavamemcausa,comojásedisse,danosrelacionadoscomaausênciadeisolamentotérmicodasmoradiasdosAutoreseaincorretainstalaçãodascaixilharias nas janelas, oTribunal não teve grandes dúvidas em apartar ocaso sub judice daquela previsão contratual, numa linha de raciocínio queseguimossemhesitação.Naverdade,nãocremosqueosdanossupraretra-tadossejamsuscetíveisdeafetara«estabilidadeousolidez»dosimóveisemquestão,atéporquecontendemcomaspetosnãotãofundamentaisdasobrasemquestão.NomesmosentidopareceapontaraprópriaalegaçãoapresentadapelosAutoresnestasede,quandoinvocamapenasquetaisdefeitosprovoca-vam«atotalausênciadeimpermeabilizaçãodacoberturaeoscilaçãoextremadetemperaturadentrodecadaumadasmoradias»ouquefacilitariam«aintru-sãodeterceiros»(vd.pontos18.ºa20.ºdasalegaçõesdosAutores).

Quantoàscondiçõesespeciaisdocontratocelebrado,sublinhouoTribunalque,porviadasmesmas,asRéscooperativae seguradoraenglobaramnosriscoscobertosos«danosmateriais»relativosà«impermeabilizaçãodeter-raçosetelhados».Eainda,quesegundoasditascondiçõescontratuais,«nãoobstantequalquerdisposiçãoemcontrárioprevistanascondiçõesgeraisdaapólice,ficaestabelecidoqueasobrigaçõesdeladecorrentessãoextensíveisagarantirosprejuízossofridoscomareparaçãoourestituiçãodoselementosdescritoscomounidadedeobraquegarantemaimpermeabilizaçãodascober-turas,terraçosetelhadosdoedifício,danificadosemconsequênciadeerrosdeprojeto,defeitodosmateriais,ounaexecuçãodosmesmos,sempre que tenha dado lugar à manifestação de um dano material produzido por água»,oque,emrigor,nãoeraocaso.

AssimsevêqueoclausuladonocontratodesegurodedanosemcausanospresentesautosnuncapoderiaabrangerotipodedanosalegadospelosAuto-

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res,peloquetambémnestasedesempreimprocederiaapretensãoformuladacontraaRéseguradora.

3. ConClUsõesAdecisãodoTribunalad quem,dopontodevistadaabsolviçãodasRés

cooperativaeseguradora,nãomerece,quantoanós,qualquerreparo.

Por um lado, porque a natureza jurídica da atribuição de um fogo pelacooperativaaosseuscooperadoresnãonosdespertajáquaisquerhesitações,nosentidoemqueasparticularidadesqueenvolvemestenegóciojustificamaaplicaçãodeumespecialregimedecompraevenda,noâmbitodoqualédeafastararesponsabilidadedacooperadoraenquantovendedoradosimóveis,peranteoscooperadoresecompradores,pelosdefeitosverificadosnosmes-mos.

Poroutrolado,seestacircunstância,jádeper se,apontariaparaailegiti-midadepassivadaRéseguradora,comaqualacooperativahaviacelebradoumcontratodesegurodedanosparaacoberturadosriscosrelacionadoscomasditasmoradias,averdadeéque,doclausuladonoditocontrato,nãosevis-lumbraqualquersupostoquepermitisseaoTribunalconsiderarosdanosemcausanospresentesautoscomocobertospelasrespetivasapólices.

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Cooperativismo e Economía Social, nº 35 (2012-2013), pp. 293-306

o segRedo bAnCÁRio e o diReito à infoRmAção nAs CoopeRAtivAs de CRéditoAcórdão do tribunal da Relação de évora, de 22 de março de 2012

MarianaPINHEIRODEALMEIDAAssistente Convidada do Departamento de Direito do

Instituto Politécnico do Cávado e do Ave [email protected]

1. ApResentAção do litÍgio

Ocooperador,membrodeumacooperativadecréditoagrícola,propôscon-traestaúltimaumaaçãodeclarativacomvistaaoreconhecimentododireitoaobteraidentificaçãocompletadetodososmembrosdacooperativa,atravésdalistacomosseusnomesemoradas,comointuitodeospodercontactaredaraconheceroseuprogramaeleitoral,noâmbitodaseleiçõesparaosórgãossociaisdareferidacooperativanotocanteaotriénio2012/2014.

Ora,onúcleocentraldedebateconcentra-senoalcancedodireitoàinfor-maçãodequeétitularocooperador,faceàaplicabilidade,nocasoconcreto,dosigilobancáriodefendidopelacooperativadecrédito.

Nesteencalço,oTribunaldaPrimeiraInstânciajulgouaaçãoprocedente,condenandoacooperativaaprestarainformaçãosolicitadapelocooperadorcomumaantecedênciamínimadedoismesescomreferênciaàdatadaselei-ções.

ARé(aquicooperativa),discordandodamencionadadecisão,delainter-pôsrecursoparaoTribunaldaRelaçãodeÉvora,que,damesmaforma,con-siderouoreferidorecursototalmenteimprocedente,comoveremos.

Pinheiro de Almeida: O segredo bancário e o direito à informação nas cooperativas de crédito…

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2. ACóRdão do tRibUnAl dA RelAção de évoRA, de 22 de mARço de 2012Antesdeprocedermosàapreciaçãojurídicadostemasnuclearespresentes

nadecisãojurisprudencialemanálise,cumpreapreciarosfactoseaaplicaçãododireitoaosmesmos,medianteumbreveresumodasituaçãorelatada.

ARééumacooperativaderesponsabilidadelimitadaquetemcomoobjetooexercíciodefunçõesdecréditoagrícolaemfavordosseusassociadoseapráticadedemaisatosinerentesàatividadebancária.Porsuavez,oautorécooperador,associadodaRé.

Ora,emmaiode2008,oAutordecidiuconcorreràseleiçõesparaintegra-çãodosórgãossociaisdaRé,dirigindo-lheassimumamissivaondepeticio-navaosseguinteselementos:«a)listacompletadoscooperadores,atualizada,comidentificaçãodosmesmos,designadamentecomasrespetivasmoradas;b)regulamentoeleitoral».

NesseseguimentoeemrespostaaopeticionadopeloAutor,aRérespondeunegativamentecomasseguintesfundamentações:«Relativamente à alínea a) da sua carta informamos de que, em nossa opinião, não será possível dis-ponibilizar à revelia dos restantes cooperadores, a solicitada lista completa daqueles com identificação e morada, uma vez que a disponibilização de tais elementos não se encontra prevista nem nos Estatutos da Caixa, nem no Código Cooperativo e nem sequer no Código das Sociedades Comerciais (ex-vi art. 9.º do Código Cooperativo). Trata-se de informação que não é de caracter público pelo que a sua divulgação se traduzirá numa intromissão da vida privada de cada Cooperador, protegida pela Constituição da República Portuguesa.»

Mais referiu que uma vez não regularizadas as dívidas decorrentes deempréstimosconcedidospelaCooperativaaoAutor,omesmonãoestariaemcondiçõesdeelegibilidadeparaaintegraçãodosseusórgãossociais,tendoemconsideraçãooart.17.º,n.º1,dosEstatutos.

Aestaúltimaafirmação,oréucontestou,invocandoopagamentoeregu-larização das suas dívidas após a eleição dos órgãos sociais para o triénio2009/2011.

PropostaaaçãoporpartedoAutor cooperadorpara reconhecimentododireitodeacessoàsinformaçõessolicitadas,aquestãocontrovertidacentrou--seessencialmentesobreoart.33.º,n.º1,alíneac)doCódigoCooperativo,queconsagraodireitodoscooperadoresarequerer informaçõesaosórgãos

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competentesdacooperativaeexaminaraescritaeascontasdacooperativanosperíodosenascondiçõesqueforemafixadaspeloestatuto,pelaassem-bleia-geral, ou pela direção, em contraponto como art. 78.º, n.ºs 1 e 2 doDecreto-Lei298/92,de31dedezembro,queestabeleceo regimeaplicávelao sigilo bancário e que, alegadamente, legitima a cooperativa a recusar aconcessãodeinformaçõessobreosseussócioscooperadores.

Trataremos,assim,deanalisarasquestõessuprareferidas.

3. do segRedo bAnCÁRio nAs CoopeRAtivAs de CRéditoEmprimeirolugar,cumpre-nosrealizarumabreveintroduçãoreferenteàs

cooperativasdecrédito,paramelhorcompreensãodaaplicabilidadedosigilobancárioàsreferidasinstituições.

As Caixas de Crédito Agrícola encontram-se reguladas pelo Decreto--Lein.º24/91,de11dejaneiro,quedeacordocomoseuart.1.º,aprovaoregimejurídicodocréditoagrícolamútuo,anexoaomencionadodiploma(oregimejurídicodoanexoenunciado,entretantoalteradopelosDecretos-Lein.os230/95,de12desetembro,320/97,de25denovembro,102/99,de31demarço,201/2002,de26desetembro,76-A/2006,de29demarçoe142/2009,de16dejunho).

De acordo como art. 1.º doAnexodoDecreto-Lei n.º 24/91, de 11dejaneiro,ascaixasdecréditoagrícolamútuosão instituiçõesdecrédito,sobaformacooperativa,cujoobjetoconsistenoexercíciodefunçõesdecréditoagrícolaemfavordosseusassociados,bemcomoapráticadosdemaisatosinerentesàatividadebancária.

Umanotasobrea relevânciadascooperativasdecrédito.Estaspoderãoconstituir-secomomotoresdedesenvolvimentodaspopulaçõesligadasàati-vidadeagrícolaintegradasemmercadosregionaisrurais,encorajandoasuapermanêncianosseuslocaisdeorigem,concomitantementereduzindooten-dencialfluxomigratórioparaascidades,ouseja,facilitandoatãonecessáriasustentabilidadeterritorial,aspiraçãoquesetornamaisevidenteemocasiõesmarcadasporforteinstabilidadeeconómicaedesagregaçãodotecidosocial,comoaqueseviveatualmente.

AesterespeitoPaulaCaboeJoãoRebelo(em Análise da insolvência das cooperativas de crédito agrícola,FórumCIMO,CiênciaeDesenvolvimento2011,Bragança,20e21denovembro)referemque«oacessoaocréditoagrí-

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colatemparticularrelevâncianopresentecontextododesenvolvimentoagrí-colaerural,especialmentedadaaelevadadependênciadeprodutosalimen-taresimportadoseaatualcrisedadívidasoberana.AquiasCaixasAgrícolastêmumpapel fundamental a desempenhar.A sua natureza cooperativa e aabordagemdenegócioúnicafazemdasCaixasdeCréditoAgrícolaumaforçapoderosaparaarecuperaçãoeconómicanacional,funcionandocomofatordeestabilização no setor bancário e impulsionador do desenvolvimento local,particularmentenaquelasregiõescujaeconomialocalésuportadapelaagri-cultura[…]ascooperativasdecréditocontribuemparainclusãonoscircui-tosfinanceirosdedeterminadospúblicosquetêmdificuldadesdeacessoaosmesmos.Estainclusãoéfeita,queranívelsocial,servindoosestratossociaismaisbaixos,queranívelterritorialaoestarempresentesemzonaseconomi-camentedesfavorecidas[…].Aimportânciarealdascaixasdecréditoagrícolaestáassimenraizadanasuaabordagemdenegóciosúnica,notávelpelasuaproximidadeàscomunidadesemqueestãoinseridas,sendoumaforçaimpul-sionadoradodesenvolvimentolocaleregional[…]».

Por estemotivo, as caixas de crédito agrícola encontram-se submetidasnãosóaumregimepróprio, jáanteriormentemencionado:asuaregulaçãotemtambémporbaseoRegimeGeraldasInstituiçõesdeCréditoeSocieda-desFinanceiras(aprovadopeloDecreto-Lein.º298/92,de31dedezembro,sucessivamente alteradopor inúmerosdiplomas ao longodos anos, emaisrecentementepelosDecretos-Lein.os18/2013,de6defevereiroe63-A/2013,de10demaio)eoCódigoCooperativo(cfr.art.2.º, sobaepígrafedireitosubsidiário,doAnexo1doDecreto-Lei24/91,de12dejaneiro,alteradopeloDecreto-Lei230/95,de12desetembro).

Defacto,oart.2.ºdoDecreto-Lein.º24/91,de11dejaneiro(alteradopeloDecreto-Lein.º230/95,de12desetembro),vemconsagrarodireitosubsidiá-rioesgrimidonostermosacimaexpostos.DeacordocomJoséAntónioRodri-gues,(Código Cooperativo, Anotado e Comentado, Legislação Cooperativa, QuidJuris,2011,p.286),«odireitosubsidiárioenunciadonestanormanãoseencontrahierarquizado,massimdividopordoiscamposdeaplicação:onegó-ciodascaixasdecréditoagrícolamútuo—aoqualseaplicasubsidiariamenteoRegimeGeraldasInstituiçõesdeCréditoedasSociedadesFinanceiras—eodomínioinstitucionaleorganizacional,inerenteànaturezadapessoacole-tiva—aoqual se aplica subsidiariamenteoCódigoCooperativo edemaislegislaçãocooperativa».

Nestecontexto,umadasquestõesdebatidasnoAcórdãorelaciona-secomosegredobancárioesuaaplicabilidadeaocasoconcreto.

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O Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras(RGICSF) regulaoprocessodeestabelecimentoeoexercíciodaatividadedasinstituiçõesdecréditoedassociedadesfinanceiras(art.1.º,1RGICSF),sendocertoque,deacordocomoart.3.ºdoreferidodiploma,sãoconsidera-dasinstituiçõesdecréditoaCaixaCentraldeAgrícolaMútuoeascaixasdecréditoagrícolamútuo.

Porestemotivo,eatítulosubsidiário,serãoaplicadasasregrasconstan-tesdoRegimeGeraldasInstituiçõesdeCréditoeSociedadesFinanceirasàsCooperativasdeCrédito (cfr. art. 2.º, sob a epígrafedireito subsidiário, doAnexo1doDecreto-Lein.º24/91,de12dejaneiro,alteradopeloDecreto--Lein.º230/95,de12desetembro).Consequentemente,inexistindoqualquerregulamentaçãonaquiloqueaosegredobancáriodizrespeitonodiplomaqueespecialmenteasregula,deverãoseraplicadasasregrasconstantesdosartigos78.ºe79.ºdoRGICSF.

ArespeitodosegredobancárioemPortugal,AntónioMenezesCordeiro(em o Manual do Direito Bancário, Almedina, 2006, pp. 259 e ss.) refereque a «históriamostra que a consagração em lei forma do segredo bancá-rioocorreporviadecrisesoudegravesagressõesàdeontologiaeàartedabanca.Admitimosqueapopularizaçãodabanca,tenhatambémcontribuídoparaisso.Numcenáriodeestreitorelacionamentopessoalentreobanqueiroeocliente,osegredoeraevidente:malhaveriaquereafirmá-lo.Amassificaçãoperturbouesseesquema.Porumlado,obanqueirorodeia-sedeempregadosde formaçãodiversa, todos comacesso, real oupotencial, aos segredosdaprofissão.Poroutro,aprópriamultiplicaçãodosclientesgeraumambientededescuidoededesconsideraçãopelapessoadecadaum».

O segredo bancário consiste assim na obrigação imposta às entidadesbancárias e seus órgãos de administração, seus empregados, mandatários,comitidoseoutraspessoasquelhesprestemserviçosatítulopermanenteouocasional,deguardarreservarelativamenteaosdadoseconómicosepessoaisdosseusclientesquelhesadvenhamdasrelaçõesbancáriascomestesestabe-lecidas.

Éassimumdeverdecorrentedaespecialrelaçãodeconfiançaestabelecidaentreassociedadesfinanceiraseinstituiçõesdecréditocomosseusclientes.

De acordo com oAcórdão doTribunal da Relação de Lisboa, de 4 dedezembrode2012,«nãoéapenasumsegredodas instituiçõesdecréditoesociedadesfinanceiras,masumdeverestabelecidoemfunçãodeumatriplici-dadedeinteresses.É,antesdemais,umsegredoestabelecidoembenefícioda

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própriaatividadebancária,emqueo«elemento»confiançaassumeumarele-vânciaacrescidafaceaoutrasatividadeseconómicas(elementosrespeitantesàvidadainstituição).Étambém,eemseguida,estabelecidoembenefíciodoscidadãos, clientesdiretosdas sociedadesbancárias (relaçõesdestas comosseusclientes),nesteâmbitoseinserindoaprimeiraexceçãoacimareferida.Eétambém,eporúltimo,estabelecidoembenefíciodosterceirosque,comoclientesindiretos(clientesdaatividadeemboranãodainstituição)serelacio-namcoma instituiçãobancária atravésdos seus clientes (outrasoperaçõesbancárias).».

Nãorestam,porissodúvidas,queaRé,seusrepresentantesetrabalhado-res,enquantoinstituiçãodecréditoincluídanoâmbitodoart.3.ºdoRGICSFestarásubmetidaaestedevernostermosdefinidosnoreferidodiploma,pelaaplicaçãodiretadodireitosubsidiárioemvirtudedaausênciadeestipulaçãodeleiespecial.

Detodomodo,cumpreapreciaraviabilidadedetalargumentoparafunda-mentaraomissãodainformaçãodosnomesdoscooperadoresquandosolici-tadaporumdosmembros/cooperadoresdacooperativa.

Defacto,decorredoart.78.º,n.º2doRGICSFque os nomes dos clien-tes, as contas de depósitos, seus movimentos e outras operações bancárias encontram-sesujeitosasegredobancário.

Ora, no caso em apreço, as informações solicitadas referiam-se à iden-tidadedoscooperadores, tambémmembrosdaCooperativa,paraefeitosdeapresentaçãodeumprogramaeleitoral.

Adificuldadeverificadaéadequeaqualidadedecooperadores,nocasoemconcreto,confunde-secomade«cliente»,tendoemconsideraçãoadelimita-çãodoobjetonegocialdacooperativadecréditoagrícola,comoanteriormentereferimos—instituiçõesdecrédito,sobaformacooperativa,cujoobjetoéoexercíciodefunçõesdecréditoagrícolaemfavordosseusassociados,bemcomoapráticadosdemaisatosinerentesàatividadebancária.

AlbertoLuís(emo Segredo Bancário em Portugal,LivroseTemas,aces-sível em http://www.estig.ipbeja.pt/~ac_direito/Luis81.pdf) refere que «porclientetemdeentender-senãosóaquelequerealizaoperaçõesnobanco,mastambémtodoaquelequeentracomeleemrelaçõespré-negociaisnãoche-gadasabomtermoeemresultadodasquaisobancoficouadispordeumconjuntodeinformaçõessobreapessoa,seusbensenegócios—informações

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quepertencemàesferadasuavidaprivadaequeelapróprianãodesejaverdivulgadas».

Ora, emprimeira instânciapoderíamosconcluirqueo segredobancáriopoderiaassimseroponívelaocooperadornamedidaemque,emabstrato,acooperativasempreestariaadisponibilizardadosdosseusclientes,tambémcooperadores.

Contudo,duasrazõesselevantamperanteoreferidopostulado:oart.79.ºdoRJICSF,bemcomoosprincípiossubjacenteàatividadecooperativa.Trata-remosdededicaronossoestudoaumabrevereferênciaaestaslimitaçõesdosigilobancárionoâmbitocooperativo.

3.1. As exceções ao dever de segredo (art. 79.º do RGiCSF) e os prin-cípios enformadores das cooperativas

Oart.79.ºdoRGICSF,designadamente,oseun.º2,alíneaf)referequeos factoseelementoscobertospelodeverdesegredosópodemser revela-dosquandoexistaoutradisposiçãolegalqueexpressamentelimiteodeverdesegredo.

Aesterespeito,oAcórdãodoTribunaldaRelaçãodoPorto,de15demaiode2012(RelatorVieiraeCunha),entendeuque,seseverificarumasituaçãoglobalquefazaosigiloperderoseualcance,designadamenteporforçadosprincípiosconstitucionaisdodireitoàtutelajurisdicionalefetiva(arts.20.º,n.º1,1.ªpartee4partefinalCRP)oudodireitoàproporcionalidadeouàproibi-çãodoexcesso(espelhadosnoart.18.º,n.º2daCRP)existe,emboaverdade,«outradisposiçãolegalqueexpressamentelimitaodeverdesegredo»naexe-gesedodispostonoart.79.º,n.º2,alíneaf)doRGIC.

Do mesmo modo, ponderamos que perante uma situação casuística denaturezacooperativista,osigilopossaperderoseualcanceporforçadosprin-cípioscooperativosqueestãoemcausa,queenformamtodaestruturaecarac-terizaçãodascooperativasequeseencontramconstitucionalmenteprotegidos(art.61.º,n.º2daCRP)integrando,assim,oâmbitoealcancedoart.79.º,n.º2,alíneaf)doreferidodiploma.

Defacto,arespeitodascooperativasdecrédito,RobertoCoutoCalviñosublinhou(em«Ascooperativasdecrédito:determinaçãodoseuregimelegalederegistoapartirdadoutrinaresultantedoAcórdãodoTribunalConstitucio-nal291/2005,de10denovembro»,Jurisprudência Cooperativa Comentada, CoordenaçãoGeralDeolindaAparícioMeira,IN-CM2012),queofactode

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constituíremumtipoconcretodestas[SociedadesCooperativaseEntidadesdeCrédito]singularizando-sequantoaoseuobjetoouatividade,concretizadoem servir as necessidades de financiamento dos seus sócios e de terceirosmedianteoexercíciodessaatividadedeintermediaçãoindiretanocrédito[…]nãodeverádeterminaraperdadosseuscarateresgeraiscooperativos.

Ora,aLei52/96,de7desetembro(alteradapeloDecreto-Lein.º343/98,de6denovembro,peloDecreto-Lein.º131/99,de21deabril,peloDecreto--Lei n.º 108/2001, de 6 de abril, peloDecreto-Lei n.º 204/2004, de 19 deagosto,epeloDecreto-Lein.º76-A/2006,de29demarço),aplicávelàscoo-perativasde todososgrauseàsorganizaçõesafinscuja legislaçãoespecialparaeleexpressamenteremeta(art.1.ºdaLei57/96de7desetembro),consa-granoseuartigo3.ºosprincípioscooperativosdeondedecorre,entreoutros,oprincípiodagestãodemocráticapelosmembros(art.3.º,2)eodaautonomiaeindependência(art.3.º,4.º).

Deacordocomoprimeirodosprincípiosreferidos,«ascooperativassãoorganizaçõesdemocráticasgeridaspelosseusmembros,osquaisparticipamativamente na formulação das suas políticas e na tomada de decisões. Oshomenseasmulheresqueexerçamfunçõescomorepresentanteseleitossãoresponsáveisperanteoconjuntodosmembrosqueoselegeram[…].

Decorredesteprincípioumaideiadeparticipaçãoativaporpartedosseusmembrosnoseiodacooperativa,quesópoderáobteralcanceplenoatravésdoacessoatodaainformaçãoeesclarecimentosinerentesaoseufuncionamento.

Porsuavez,oprincípiodaautonomiaeindependênciaprevistonoreferidodiplomaconsagra,expressamente,queascooperativassãoorganizaçõesautó-nomasdeentreajuda,controladaspelosseusmembros.

Ora, perante o aresto em análise a questão impõe-se: como poderão osmembrosdeumacooperativacontrolaraorganizaçãoeparticiparnelaativa-mentesemquelhessejapossívelacederàidentificaçãodosrestantesmem-bros,principalmentequandoointeressenessaidentificaçãorelaciona-secomoprincípiodagestãodemocráticadeacessoàspolíticasetomadasdedecisãodascooperativas?

Emnossoentender,arespostaaestaquestãoencontra-senaprópriaexce-çãoaosegredobancário,previstonoart.º79.º,n.º2,alíneaf)doRGICSF.Defacto,aindaquedeixedeexistirumanorma legalque literalmenteafasteaaplicabilidadedosigilobancárioemcasodepreteriçãodosprincípioscoope-

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rativos,eladecorreexpressamentedaConstituiçãodaRepúblicaPortuguesa,designadamentedoart.61.º,2.

Talcomoanteriormentereferimos,oart.61.º,n.º2daCRPconsagraque«atodoséreconhecidoodireitoàlivreconstituiçãodecooperativas,desdequeobservadososprincípioscooperativos.».Decertaforma,olegisladordeuumaespecialênfaseaosprincípioscooperativosque,sobopontodevistaglobal,serão aptos a afastar o sigilo bancário, se assim a organização e funciona-mentodouniversocooperativooexigirem.

Nãoserá,porisso,legítimoexigirdeumcooperadorquerenuncieaosseusdireitosdecorrentesdosprincípioscooperativosconstitucionalmenteprotegi-dosemordemaobedeceraosegredobancário,cujaaplicabilidadeérestritaaos«clientes»dacooperativaenãoaosseusmembros.

Nomesmosentidodecidiu,anossover,positivamente,oacórdãosub judice aoestabelecerque«ofactodeacooperativaexerceraatividadebancárianãoobstaaqueaoqueorasedeixoudito,poisquenoexercíciodessaconcretaatividade,oqueacooperativanãopoderárevelaréonomedosseusclientes,ouquaisquerelementosbancáriosreferentesaosmesmos[…].Écertoqueasqualidadesdecooperadoredeclientepodemcoexistirnamesmapessoa,masessefactonãopodeobstaraodireitodoscooperadoresdeseconhecerementresi,tendoematençãoopapelquelhescabenofuncionamentodacooperativa,sendocertoqueacooperativaquandoprestaainformaçãosobreaidentidadedeumcooperador,nãoestáaviolarqualquersigilodecarizbancário,dadaanaturezadistintadecooperadoredecliente».

Opresenteacórdão,apesardesalvaguardarosprincípioscooperativosine-rentesàpresentesituação,optouporafastaraaplicabilidadedosigilobancárioaoscooperadoresnamedidaemqueosmesmosnãopoderãoserconsideradosclientesparaosefeitosdoart.78.º,n.º2,doRGICSF.

Emboraconcordandocomoteordasentença,aceitamosafragilidadedafiguracooperador/clienteesomosdoentendimentodeque,dadaaproteçãoconstitucionaldosprincípioscooperativosemcausa,poderáaquisuscitar-seumaeventualexceçãoaosegredobancárioprevistonoart.79.º,n.º2,alíneaf)doRGICSF,porforçadoart.61.º,n.º2doCRPedoart.3.ºdoCódigoCooperativo.

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3.2. O direito à informação nas cooperativas de crédito.OdireitoàinformaçãonoCódigoCooperativovemprevistonoart.33.º,n.º

1,alíneac).Deacordocomoreferidopreceito«oscooperadorestêmdireitoa requerer informações aos órgãos competentes da cooperativa e examinaraescritaeascontasdacooperativanosperíodosenascondiçõesqueforemfixadaspelosestatutos,pelaassembleia-geraloupeladireção».

Este direito tem sido alvo de várias análises por parte da doutrina, namedidaemqueasuaredaçãoseapresentamuitoaquémdaquiloqueoatualuniversocooperativistaexige.

Defacto,tendoemconsideraçãoocrescimentodestasorganizações,fácilserácompreenderque,emboraisentasdequalquerintuitolucrativo,cadavezmaisasCooperativasseaproximamdaformadeorganizaçãoempresarialdassociedadescomerciais.

HelenaSalazar(emJurisprudência Cooperativa Comentada, Obra Cole-tiva de Comentários a Acórdãos de Jurisprudência Portuguesa, Brasileira e Espanhola, CoordenaçãoGeral DeolindaAparícioMeira, IN-CM, 2012,pág.349)sublinhaque«odireitoàinformaçãorepresenta,nosdiasdehoje,apossibilidadedeacessodocooperadoraumasériedeconhecimentosessen-ciaiserelevantesparagarantir,emespecial,oacompanhamentopermanenteepróximodaatividadedacooperativa,contribuindoparaaefetivaçãodoprin-cípiocooperativodagestãodemocráticapelosseusmembros,extravasandoclaramenteamerafunçãodeinformarosóciodemodoaexercerperiódicaeconscientementeoseudireitodevoto.»

Ora, o art. 9.º do Código Cooperativo estabelece o direito subsidiárioaplicável às cooperativasmediante a existência de lacunas: «para colmataraslacunasdopresenteCódigoquenãoopossamserpelorecursoàlegislaçãocomplementaraplicávelaosdiversosramosdosetorcooperativo,poderecor-rer-se,namedidaemquenãosedesrespeitemosprincípioscooperativos,aoCódigodasSociedadesComerciais,nomeadamenteaospreceitosaplicáveisàsSociedadesAnónimas.»

Peloquecumprirácompreenderoalcanceda informaçãorequeridapeloAutor(cooperador)esaberatequepontooCódigodasSociedadesComer-ciais(CSC)nãopoderia,àpartida,sustentarestedireito.

Nassociedadesanónimasodireitodossóciosàinformaçãomanifesta-sepordoismodos:«comodireito à informação em sentido estrito—poderdeosóciocolocarquestõesàsociedade(aoórgãodeadministração,normalmente)

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sobreavidasocialedeexigirqueelarespondaverdadeira,completaeeluci-dativamente(art.290°e291.ºdoCSC);comodireito de consulta—poderdeosócioexigiràsociedade(aoórgãodeadministração)aexibiçãodoslivrosdeescrituraçãoedeoutrosdocumentossociaisparaseremexaminados(arts.288°e289°CSC).»(Cfr.AcórdãodoTribunaldaRelaçãodeÉvorade28.10.2009).

No caso sub judice,inclinar-nos-íamosparaassociarodireitoàinformaçãodaidentificaçãodossócios,paraefeitosdaapresentaçãodeumprogramaelei-toral,comoenquadradonodireitoàinformaçãoemsentidoestritonamedidaemquesetratadeumdireitosobreavidasocialdasociedade.

Na verdade, tendo em consideração os princípios já referenciados, quenorteiamaconstituiçãodeumacooperativa,designadamenteoprincípiodagestãodemocrática,fácilseriademonstrarqueainformaçãorelativaaoscoo-peradorescomointuitodeapresentaroprogramaeleitoralcaberianodireitoàinformaçãosobreosassuntossociais,sustentadopeloart.291.ºdoCSC,ex viart.9.ºdoCódigoCooperativo.

Contudo, a decisão jurisprudencial acabou por recorrer a um exercíciosegurodedecomposiçãodopreceitoqueconsagraodireitoàinformaçãodoscooperadores,constantedoart.º33.º,n.º1,alíneac)doCódigoCooperativo.

Defacto,deumaanáliseatentaaoreferidonormativoresultaqueomesmoéconstituídoporduaspartesessenciais:

i)Odireitodoscooperadoresarequerer(qualquerinformação)aosórgãoscompetentes.

ii)OdireitodeoscooperadoresexaminaremaescritaeascontasdaCoo-perativanosperíodosenascondiçõesqueforemfixadaspelosestatutos,pelaassembleia-geral,oupeladireção.

Refere o acórdão que «a norma citada não esclarece o conteúdo dessedireitoàinformação»—de requerer informações aos órgãos competentes da cooperativa—«maspeloteordasuasegundaparte,queserefereàescritaeàscontas, temqueconcluir-sequeesseconteúdoteráqueserdefinidodeformamuitomaisabrangentedoqueseriaamerareferênciaaesseselementoscontabilísticos. Julgamos que o conteúdo do direito à informação tem queencontrar-secomrecursoaoschamadosprincípioscooperativos,aquealudeoart.61.º,n.º2,daCRP,considerandoodispostonoart.3.ºdoCódigoCoo-perativo»[…].

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Peloque,deacordocomareferidainterpretação,fácilseráadmitirqueodireitoàinformaçãodaidentificaçãodoscooperadores,porpartedeumcoo-perador,sempreseintegraránoconteúdogenéricodaprimeirapartedoart.33.º,n.º1,alíneac)doCódigoCooperativo.

Anossover,contudo,estainterpretaçãopoderáserdealgumaformaperi-gosatendoemconsideraçãoodireitosubsidiárioreferenciado.

Comovimos,para colmatar as lacunasdoCódigoCooperativoquenãoopossamserpelorecursoàlegislaçãocomplementaraplicávelaosdiversosramosdosetorcooperativo,poderecorrer-se,namedidaemquenãosedes-respeitemosprincípioscooperativos,aoCódigodasSociedadesComerciais,nomeadamenteaospreceitosaplicáveisàsSociedadesAnónimas.

Ora,umavezqueoart.33.º,n.º1,alíneae),nãoconcretizaodireitoàinformação dos cooperadores quando estabelece o momento de requerer informações aos órgãos competentes da cooperativa,parece-nosviávelquetalconcretizaçãosejaalcançadaporrecursoaodireitoàinformaçãomínimaouaodireitocoletivoàinformaçãoconcedidosaosacionistas,noâmbitodeumasociedadeanónima(arts.288.ºdoCSCe291.ºdoCSC).

E nessa base, sempre seria obrigatório encontrar o alcance do direito àidentificaçãodoscooperadoresnoâmbitodealgunsdosreferidospreceitos.

É,contudo,verdade,quesefosseessaabasedelegitimaçãoderecursoaessedireito,ocooperadoremdeveriaterrecorridoameioprocessualdiferente—designadamenteaoinquéritojudicialprevistonoart.292.ºdoCSC.

Refereoreferidonormativoque«oacionistaaquemtenhasidorecusadainformaçãoaoabrigodosartigos288.ºe291.ºdoCSC,ouquetenharece-bidoinformaçãopresumivelmentefalsa,incompleta,ounãoelucidativa,poderequereraotribunalinquéritoàsociedade».

Dito de outromodo, uma vez que o cooperador não invocou qualquerumdosnormativosemcausapararequererasinformaçõespretendidas,nãopreenchia, de facto, os pressupostos essenciais para a efetiva utilização doinquéritojudicial.

O relator, no presente caso, bastou-se em concretizar o referido direitoà informaçãodocooperador,atravésdosprincípios inerentesàexistênciaefuncionamentodeumaCooperativa,oque,anossover,poderáseralvodealgumacríticafaceaosargumentossupraexpostos.

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Detodoomodo,énossaopiniãoqueosprincípioscooperativosnãopode-rãosernegligenciadosdeânimoleveequepoderão,defacto,fundamentarváriassituaçõesqueseencontrampadecidasderegulamentação,nesteâmbito,nomeadamente,comoanteriormentereferimos,ofactodenãoserpossível,anossover,oporaoscooperadoresosigilobancáriofaceainformaçõesrelacio-nadascomaestruturaeos«assuntossociais»daCooperativa.

4. ConClUsão

Ocomentárioaoacórdãoapresentadoteveemvistaaanálisedematériasqueaindapadecemdealgumauniformizaçãonaquiloqueàregulamentaçãocooperativadizrespeito.

Emnossoentendimento,tantooTribunalde1.ªinstânciacomooTribunaldaRelaçãodeÉvoraproferiramdecisõesacertadasnaquiloqueaodireitoàinformaçãodeumcooperadordizrespeito.

Osigilobancário,emboraseapliquetambémàsCooperativadeCréditoAgrícola,umavezqueasmesmasassumemanaturezadual—instituiçõesfinanceiraseentidadescooperativas—anossovernuncapoderáseroponívelaoscooperadoresdeformaalegitimararecusadeinformaçãorelativamenteàlistadeidentificaçãodosrestantescooperadores

Istoporque,peseemboraoscooperadoresseconfundamnanaturezadeclientesdaCooperativa(eporissoser,dealgumaformasustentável,ofactodeestaremprotegidospelosigilobancárioprevistonoart.78.ºdoRGICSF),sãopessoasquecontribuemparaaformaçãoeconstituiçãodacooperativa,tendo por isso legítimas expectativas de nela participar de forma plena aoabrigodoprincípiodegestãodemocrática,expressamenteditadopeloart.3.ºdoCódigoCooperativo.

Poressemotivo,nãopoderáodireitoà informaçãoestabelecidonoart.33.º,n.º1,alíneac)doCódigoCooperativoserpreteridoemproldeumdireitoquevisaessencialmenteprotegerosclientesdeumaCooperativa,quenelanãoparticipam.Atéporqueissosignificariaviolarosprincípiosfundamentaisquelheestãosubjacenteseconsequentementeaproteçãoquelheséconstitu-cionalmenteconferidapeloart.61.º,n.º2daCRP.

Reiteramos,porisso,anossaconvicçãodequeoAutornopresentelitígioteriatodoodireitoaacederàinformaçãosobreosnomesdosrestantescoo-peradores daCooperativa, desdeque sejam salvaguardadas as informações

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relacionadascomosnegóciosparticularescelebradosentreosCooperadoreseCooperativa,nasuaqualidadedeclientesdainstituiçãodecrédito.

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Cooperativismo e Economía Social, nº 35 (2012-2013), pp. 307-313

dA possibilidAde de CelebRAção de Um ContRAto-pRomessA entRe UmA

CoopeRAtivA e Um sóCioAnotação ao Acórdão do tribunal da Relação de évora de 29 de março de 2012

CatarinaPROENÇAEquiparada a Assistente da Área Científica de Direito do Instituto Superior de

Contabilidade e Administração do Porto [email protected]

RaulGUICHARDProfessor Coordenador da Área Científica de Direito do Instituto Superior de

Contabilidade e Administração do Porto [email protected]

delimitAção do pRoblemA

O Acórdão que nos propomos analisar, relatado pelo DesembargadorConde Brás, suscita problemas relacionados com a natureza jurídica doacordocelebradoentreumsócioeumacooperativadehabitação,acordoessequepermitiuaoprimeiropassaraocuparumfogo,medianteopagamentodequantiasmensaispreviamenteestabelecidas.

Temosporobjetivoabordaraquestão,desdehámuitodebatidanadou-trina—e também já nas páginas desta revistamais de umavez abordado—enajurisprudência,dapossívelaplicaçãodotipocivil«compraevenda»aosacordosdetransmissãodehabitaçãocelebradosentreacooperativaeumdosseussócios,e,subsequentemente,colocaroproblemadaviabilidadedaexistênciadeumcontratopromessacomocontratopreliminareconsequenteconsideraçãocomosinaldasquantiasprestadasperiodicamentepelosócioàcooperativa.

Proença e Guichard: Da possibilidade de celebração de um contrato-promessa entre uma…

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308 Proença e Guichard: Da possibilidade de celebração de um contrato-promessa entre uma…

Oregimedatransmissãodefogosnoâmbitocooperativoestáregulamen-tadonoDLn.º502/99,de19denovembroe,apesardeestediploma legalcontemplarexpressamenteapossibilidadedecelebraçãodecomprasevendasentrecooperativasecooperantes,éomissoquantoàpossibilidadedeconclu-sãodecontratospreliminares,mormente,deumcontratopromessadecompraevenda.

Ora,etendoporreferênciaocasoquenospropomosanalisar,oTribunaldaRelaçãodeÉvoraconsiderounãoserpossívelacelebraçãodetaiscontratos,préviosàtransmissãodapropriedade,pornãosecoadunaremcomotipoderelaçõesestabelecidasnoâmbitocooperativo.Aargumentaçãodotribunalvainosentidoderemeterparaaesferaexclusivadasrelaçõesestabelecidasentrecooperativas e cooperadoresos contratos atravésdosquais as cooperativasatribuemfogosaoscooperadores, considerando,ainda, serdenegaraapli-caçãodoregimecivilísticoporsermuitodifícildeoperarcomoartigo442.ºdoCódigoCivil,maxime, reconduzindo ao conceito de sinal as prestaçõesmensais.

desCRição do litÍgio

Em1999,aoabrigodo«ProgramaZ»,foicelebradoumacordoentreumacooperativadehabitaçãoeumsócio,medianteoqualesteúltimosecompro-meteuaadquirirumfogodestinadoahabitaçãoprópria.Emvirtudede talatribuição,osóciovinculou-seaopagamentodeumaquantiamensalprevia-menteestabelecida,atítulodeautofinanciamento,tendoefetivamentepagoasquantiascorrespondentesaosmesesdeoutubrode1999aagostode2001,nomontanteglobalde€6584,13.

Aconteceque,emjunhode2001,osóciosolicitouàcooperativaautori-zaçãopararealizarumasobrasexteriores,tendo-asiniciadoapósconcessãodamesma.Posteriormente,acooperativadehabitaçãoenviou-lheumacartainformandotertomadoconhecimentodequeagaragemdahabitaçãoprópria,quelheforaatribuída,nãoestavaaserutilizadacomafinalidadeinvocadapelosócio(asditasobras),exigindoassim,aentregadaschavesnoprazomáximode48horas.Mais,advertiuqueanãoverificaçãodessaentrega,determinariaaalteraçãodacorrespondente fechadura (oqueefetivamenteaconteceuemjulhode2011).Aindanodia17domêsdejulho,osócioinformouverbal-menteacooperativadaaprovaçãoporumainstituiçãobancáriadaconcessãode crédito necessário à aquisição do imóvel, bemcomoda necessidade deefetivaçãodoregistopréviodahipotecaafavordessainstituição,entregando

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paraoefeitotodaadocumentaçãonecessária.Maistarde,ecomdatade5desetembrode2011,osócioenviouumacarta,dandoconhecimentoàcoope-rativaque,apósacomunicaçãoverbaldejulho,deixavadeterqualquertipoderesponsabilidadepelanãoefetivaçãodaescriturapública,nãoaceitandoodébitodequaisquerquantiasapartirdeentão,edemonstrandoaintençãoderesponsabilizaracooperativapelosdanossofridosemvirtudedarecusainjus-tificadanarealizaçãodaescriturapública.Consequentemente,emsetembro,acooperativaenviouumacartaaosócioexpondoquelheiriaserinstauradoumprocessodisciplinarcomfundamentonautilizaçãoindevidadoprédioemapreço,ficando,ainda,suspensodoexercíciodequalquertipodefaculdadecorrespondenteàposiçãoqueocupava.

Posteriormenteaesteseventos,osócioinstaurouumaaçãodeclarativasobaformadeprocessoordináriono1.ºJuízoCíveldoTribunaldaComarcadeÉvora,ondealegou ter sidocelebradocomacooperativaumcontratopro-messadecompraevendadofogo,peticionandoumaindemnizaçãonomon-tantede€17492,86erespetivosjuros,porperdadointeressenacelebraçãododitocontrato,oualternativamente,adevoluçãodasquantias,comnaturezadesinal,quetinhaentregueàcooperativaaolongodotempoequeperfaziamumaglobalidadede€6584,13ejuros.

O tribunala quo pronunciou-seno sentidodenãohaver sidocelebradoqualquer contrato promessa, entre as partes, não tendo, consequentemente,asquantiaspagasanaturezadesinale,afirmandopelocontrário,aexistênciadeumarelaçãoprópriaentreacooperativaeocooperador.Destemodo,nãoconsiderouaRéresponsávelpelamoraouincumprimentonacelebraçãodocontratodecompraevenda,absolvendo-adospedidos.

DadecisãodaPrimeiraInstância,oAutorinterpôsrecursoparaoTribunaldaRelaçãodeÉvora,alegando,emsíntese,queasquantiasporeleprestadasrevestiamanaturezadesinal,peloqueteriadireitoàrestituiçãododobro,porincumprimento,ouseja,nãocelebraçãodocontratoprometidoporpartedaapelada,eafirmandoqueterásidodevidoàculpadestaúltima(suspensãodasfunçõesdesócioeinstauraçãodoprocedimentodisciplinar)queaescriturapúblicanãofoirealizada.Porseulado,aRé,contra-alegou,dizendo,resumi-damente,queseriademanteradecisãorecorrida,pornãotersidocelebradoqualquer contratopromessaentreaspartes,não tendo,por essemotivo,osmontantespagosanaturezadesinal,eanãorealizaçãodocontratodefinitivosedever,exclusivamente,àculpadoAutor.

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Otribunalad quemconfirmouasentençadaPrimeiraInstância,reiterandoquenãotemaplicaçãooregimelegaldocontratopromessa,porsetratardeumacordopertencenteaoforodasrelaçõesestabelecidasentrecooperativaecooperadores,acordoessesujeitoaumregimepróprio.

AnÁlise JURÍdiCA do pRoblemA

Comojáreferimos,oAcórdãosuscitaaimportanteecontroversaquestãodesaberqualanatureza jurídicadovínculoestabelecidoentreumacoope-rativaeumsócio,atravésdoqua,aprimeirapermiteaosegundooacessoaumahabitação,medianteopagamentodeuma sériedeprestaçõesmensaispreviamentefixadasecorrespondentesàamortizaçãodocustodahabitação.

Antesdeanalisarmosjuridicamenteoacordocelebrado,vamo-nosreferir,aindaquedeformasucinta,àpossibilidadeteóricadacelebraçãodeumcon-tratodecompraevendaentreumacooperativaeumsócio(temapornósabor-dadodeformamaisdesenvolvidaem«Dapossibilidadedacelebraçãodeumacompraevendadeumimóveledeumcontratopromessadecompraevendaentreumacooperativaeumsócio»,Jurisprudência Cooperativa Comentada, Dir.GeralDeolindaAparícioMeira,IN-CM,Lisboa,2012,pp.529a535).Paraverificarseacompraevendaseadequaaestetipodeacordos,énecessá-riorefletirsobreopreenchimentodoselementosdaquelecontratoeteraindaemcontaasespecificidadesdoregimedascooperativasdehabitação,consa-gradaspelolegisladornoRegimeJurídicodasCooperativasdeHabitaçãoeConstrução(doravantedesignadoporRJCHC).

A compra e venda é definida pelo artigo 874º doCódigoCivil comooacordo através do qual se transmite a propriedade de uma coisa ou de umdireito,medianteumdeterminadopreço(paramaisdesenvolvimentossobreestamatériaverMenezesLeitão,Direito das Obrigações, Volume III Con-tratos em Especial, 7.ªEdição,Almedina,Coimbra,2010,pp.11a164).Temcomoefeitosessenciaisosdescritosnoartigo879.ºdoCódigoCivil,sendoestesatransmissãodapropriedade(atransferênciadapropriedadeéonormalefeitoimediatodocontrato,mas,essaeficáciaédiferidanacompraevendadecoisasfuturas,indeterminadas,debensalheios,eainda,navendaalternativaenavendacomreservadepropriedade),aobrigaçãodeentregaracoisa(paraovendedor)eaobrigaçãodepagaropreço (paraocomprador).Podemos,assim,concluir,que,paraseverificarotipocontratual«compraevenda»,ésuficienteaexistênciadeumacordonoqual,medianteopagamentodeumpreçoeaentregadeumobjeto,setransmiteapropriedade.

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Porseulado,oRJCHC,noartigo26.º,dizexpressamentequeaproprie-dadeétransmitidaparaoscooperadoresatravésdeumcontratodecompraevenda,eoartigo27.ºdomesmodiplomafazaressalvadequeopreçonãopodeexcederocustodofogoparaacooperativa.

Daconjugaçãodasduasregulamentaçõeslegaisconcluímosserpossívelacelebraçãodeumacompraevendaentreumacooperativaeumsócio,namedidaemque,verificando-seoselementosessenciaisdamesma,nadaobstaàaplicaçãodestetipodecontrato(nestesentido,RaulGuichard,«AcórdãodoTribunaldaRelaçãodeLisboade17deDezembrode2009», in Cooperati-vismo e Economia Social,n.º33,2010-2011,pp.253-260).Osacordosesta-belecidosentreacooperativaeocooperadornãodeixam,pois,deabrangeroselementosessenciaisdotipocontratual«compraevenda»,nemdeixamdeconfigurarumarelaçãonegocialbilateralesinalagmática,independentementedaqualidadeespecíficadocomprador edovendedor eda circunstânciadeo preço estar «tabelado» (em sentido contrário, não admitindo a aplicaçãodo regimeda compra evendaaoâmbito cooperativo,verAnaAfonso,«Oproblemadaresponsabilidadedecooperativadehabitaçãopelosdefeitosdeconstruçãode fogovendidoacooperador», in Cooperativismo e Economia Social,n.º32,2009-2010,pp.293-305,eIsabelGemmaFajardoGarcía,La gestión económica de la cooperativa: responsabilidade de los sócios, Confe-deracióndeCooperativasdelaComunidadValenciana,1997,pp.93a100.).Claro que,mesmo admitindo esta possibilidade, é importante referir que acompraevendanãodeixadeserdotadadecertasespecificidadesdecorren-tesouatinentesàqualidadedoscontraentes(adotandoadesignaçãodeumacompra e venda cooperativacomoaliásfoipornósdesenvolvidoemop. cit. p.534e,nestesentidotambémMarianaPinheirodeAlmeida,«Aaquisiçãode fogoporcooperadornumacooperativadehabitação:natureza jurídica»,Jurisprudência Cooperativa Comentada,Dir.GeralDeolindaAparícioMeira,IN-CM,2012,pp.595a608).

Admitidasemelhantepossibilidadeemtermosgerais,háqueanalisarjuri-dicamenteoacordosubmetidoàapreciaçãodoTribunal,medianteoqual,comopagamentodeváriasprestaçõesmensaisatítulodeautofinanciamento,eragarantidoaumsócioodireitodehabitaçãodeumfogo.Acontrovérsiaresidena(im)possibilidadedereconduçãodoacordocelebradoaoinstitutojurídicodocontrato-promessa,eparatalaproximaçãoderegimestorna-seimprescin-dívelanalisaradefiniçãoeelementosdesteúltimo.Ora,nostermosdoartigo410.º,n.º1,doCódigoCivil,contrato-promessaéaconvençãoatravés«daqualalguémseobrigaacelebrarcertocontrato».Vê-seassim,dadefinição

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legal,queparahaverumcontrato-promessa(decompraevenda)énecessárioqueambososcontraentes(nocasodeestarmosperanteumcontratobilateral)se vinculem a emitir declarações posteriores, declarações estas que no seuconjuntovãointegraroconteúdodochamadocontratoprometido(aprópriacompraevenda).Ocontrato-promessa,comumaextremaimportânciaprá-tica,insere-senoâmbitodoscontratospreliminares,cujaexecuçãoirádesen-cadearacelebraçãodeumcontratoprometido,destacando-seestefuncionale temporalmentedoprimeiro.DeacordocomMenezesLeitão (verDireito das Obrigações, Volume I, Introdução, Da constituição das obrigações, 8.ª Edição,Almedina,Coimbra,2009,pp.214a218),aprincipalcaracterísticadestecontratoresidenoseuobjeto,geradordeumaprestaçãodefactoposi-tivo,istoé,aobrigaçãodeemitirumadeclaraçãonegocialcorrespondenteaonegócioprometido,quesepodereportaraqualqueroutrocontrato,desdeque,sedemonstreaautonomiaexistenteentreambos(veraindaGravatoMorais,Contrato-promessa em geral e contratos-promessa em especial, Almedina,Coimbra,2009,p.31).

Ora,atendendonovamenteaoacordosub judice,oumelhor,aoquenosédadoaconhecerdafactualidadedomesmo,nãoépossíveloseuenquadra-mentonoinstitutodocontrato-promessadecompraevenda,jáquenãosevis-lumbraqualqueracordopreliminar,nemseencontramrazõesquepermitamconcluirportal.Ofactodeumdosefeitosessenciaisdocontrato-promessaserafuturacelebraçãodeumcontratoprometidoobsta,nestecaso,àaplicaçãodoseuregime,umavezqueaconvençãocelebradapreviaquenofinal,comacelebraçãodeumaescriturapública,apropriedadese transmitisseparaaesferajurídicadosócio(existindo,pois,umúnicoacordo,translativo,emboracom eficácia real diferida, e nunca um contrato preliminar). Parece que aspartesnãopretenderamna«atribuiçãodofogo»pactuarnumatradição,comoconvençãoacessóriadeumhipotéticocontrato-promessa.Acresce,ainda,acircunstânciadeolegislador,noRJCHC,nãoterfeitoqualquerreferênciaàpossibilidadedecelebraçãodecontratospromessadecompraevendaentrecooperativasesócios.

Paraalémdadenominaçãodadaaoacordo,foilevantadooproblemadareconduçãoaoconceitode«sinal»dasprestaçõesmensaispreviamentefixa-das.NaspalavrasdeAntunesVarela(verDas Obrigações em Geral – Volume I, 10.ªEdição,Almedina,Coimbra,2002,p.311)«osinalconsistenacoisa(dinheiroououtra coisa fungívelounão fungível)queumdos contraentesentregaaooutro,nomomentodacelebraçãodocontratoouemmomentopos-terior,comoprovadaseriedadedoseupropósitonegocialegarantiadoseu

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cumprimento...»,epodeserprevistoparaoscontratospreliminarescomoparaoscontratosdefinitivos.Assim,consideramos,salvomelhoropinião,queasprestaçõesemcausanãopodemser inseridasnoconceitodesinal,pornãoteremcomoescopoademonstraçãodeuma intençãodevinculação,nemaprovadeseriedadeemcelebraronegocio jurídico,visando,pelocontrário,atravésdasuaperiodicidade,amortizarocustodofogoemquestão,demodoaque,nofinaldopagamentodaúltimaprestaçãoocorresseumatransferênciadapropriedadedacooperativaparaosócio.

Concluindo, pensamos que a convenção em discussão se traduz, comoaliásjápornósfoidefendido(verop. cit. p.535),numcontratosui generis, atípico,comoobjetivofundamentalde,comaliquidaçãodetodasaspresta-çõesmensais,conduziraumatransferênciadapropriedade.Combina-seassimoregimedeumdireitoàhabitação,porpartedosócio,comumaexpectativadeaquisiçãodapropriedadedofogo.Sendodestemodo,aRelaçãodeÉvoraterádecididobem,emboracomumafundamentaçãosucintaoumesmoinsufi-ciente,aonegarprovimentoàpretensãodoAutoreaoentenderqueocontratoemapreço,muitofrequentenoâmbitocooperativo,nãosepodiareconduziràfiguradocontrato-promessadecompraevenda,masquesetratavaantesdeuma«derivaçãoexclusivadasrelaçõesjurídicasCooperativa/Cooperadores»,regidaporpreceitosprópriosecomcondiçõesespeciaisqueescapamàsqueregulamaquelafiguralegal.

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315Aparício Meira: A participação do cooperador na atividade de uma cooperativa agrícola…

Cooperativismo e Economía Social, nº 35 (2012-2013), pp. 315-326

A pARtiCipAção do CoopeRAdoR nA AtividAde de UmA CoopeRAtivA AgRÍColA

Anotação ao Acórdão do tribunal da Relação de Coimbra de17 de abril de 2012100

DeolindaAPARÍCIOMEIRAProfessora Adjunta da Área Científica de Direito do Instituto Superior de Contabilidade e Administração do Instituto Politécnico do Porto/CECEJ

[email protected]

1. sÍntese do litÍgio

A., cooperador, produtor de uvas, intentou uma ação declarativa contraumaAdegaCooperativa(doravanteRé),cooperativaquetemporobjetoprin-cipalunificar,conservar,destilar,embalarecolocarnomercadoasuvaspro-venientesdasexploraçõesdosseuscooperadores.

A.,naqualidadedecooperador,entregouàRé14214kgdeuvasnoanode2003,e17866kgnoanode2004,conformeéseudevernostermosdoart.15.º,n.º2,al.a),dosEstatutos,osquaisdispõemque«oscooperadoresdevementregaràcooperativaatotalidadedoprodutodaexploraçãoobjetodacooperativa,comexceçãodasquantidadesnecessáriasaoconsumofamiliarouatividadeprofissional».ARé,nassuasinstalações,transformoutaisuvasemvinhoque,posteriormente,vendeuoudeuodestinoquemelhorserviuosseusfins.

100 - Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, proferido no Processo37/11.4TBGVA.C1, disponível http://www.dgsi.pt, de que foi relator Moreira doCarmo.

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EntreA.eaRéexistiu,porisso,umatransação,invocandoA.queaRéestariaobrigadaapagar-lheovalordasuvasentreguesporesteeasrespetivasbonificações,nostermosdosarts.397.º,398.º,n.º1,405.º,n.º1,406.º,n.º1,doCódigoCivil.Assim,perantearecusadepagamento,intentouumaaçãodeclarativadecondenaçãocontraacooperativa,reclamando,emconcreto,ovalordasuvasdoanode2003(1886,86euros)edoanode2004(3308,56euros),aqueacresceumabonificaçãode2613,25euros,noquerespeitaàsuvasde2003,ede3575,45,noquerespeitaàsuvasde2004.DovalordasuvastinhamsidojádeduzidasasdespesassuportadaspelaAdegaCooperativa.

EstesvaloresforamreconhecidoseconfirmadosporumescritoparticularassinadoporummembrodaDireçãodacooperativa,datadode30/11/2007.

OTribunaldePrimeiraInstânciaabsolveuaAdegaCooperativadopedidocontra ela formulado pelo cooperador, entendendo que seria exigível umadeliberação da Assembleia geral nesse sentido. Efetivamente, considerouqueofactodenãoexistirqualquerdeliberaçãosocialquantoaopagamentodasuvasedasbonificaçõesreferentesaosanosde2003e2004desoneravaaAdegaCooperativadopagamentodoquefordevido.Fundamentouestasuadecisãonofactodeascooperativas,àsemelhançadassociedades,nasceremeseremregulamentadascombasenavontadedosseuscooperadores,expressae formadanasassembleiasgerais, sobrepondo-seavontadecoletivaàvon-tadedecadacooperador,individualmenteconsiderada,àluzdoprincípiodagestãodemocráticapelosmembros[art.3.ºdoCódigoCooperativoPortuguês(CCoop)101].

AcrescentouoTribunaldePrimeiraInstânciaque,emconformidade,nosestatutosdaRéseprevêque«oscooperadorestêmdireitoahaverempartenosexcedentescomobservânciadoquefordeliberadonaAssembleiageral»[art.14.º,n.º2,al.c),dosEstatutos].

Ocooperador,inconformadocomestadecisão,interpôsrecursoparaoTri-bunaldaRelaçãodeCoimbra,fundamentando-onosseguintesargumentos:

a)aCooperativa reconheceuporconfissãoovaloreconómicodobenefícioobtidoporA., relativo aovalor dasuvas e respetivabonificação, sendo

101 -Lein.º51/96,publicadaemsetembrode1996equeentrouemvigorem1de Janeiro de 1997.OCódigo Cooperativo foi, entretanto, alterado peloDecreto-Lein.º343/98,de6denovembro;peloDecreto-Lein.º131/99,de21deabril;peloDecreto-Lei n.º 108/2001, de 6 de abril; peloDecreto-Lei n.º 204/2004, de 19 deagosto;epeloDecreto-Lein.º76-A/2006,de29demarço.

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queopagamentodestaquantiatantopodeserexigidojudicialmentecomoextrajudicialmente;

b) tendoA.exigido judicialmentedaAdegaCooperativaaquelepagamentoenãotendoestareunidonemasuaDireçãonemasuaAssembleiaGeral,nosentidodeaprovaraquelepagamentoeouopagamentodascontasdosanosrespetivos,nãopodeinvocar judicialmentequeopagamentonãoéexigívelporfaltadaquelasdeliberações;

c)competiaàAdegaCooperativaalegareprovarque,reunidososseusórgãossociaisparaoefeito,tinhasidodeliberadonãoaprovarascontasdaquelesanosedeliberadonãopagarosbenefícioseconómicosdosseuscooperado-resobtidosnomesmoperíododetempo;

d)asdificuldadeseconómicasdaAdegaCooperativanãopodemjustificaraausênciadaquelasdeliberaçõese,muitomenos,onãopagamentodaquelesbenefícios;

e)acresceque, tendoaAssembleiaGeraldacooperativaaprovadoopaga-mentodosbenefíciosrelativosaoanode2006,talprovaqueasuasituaçãoeconómicapermitiaopagamentodosbenefíciosdosanosde2003e2004,anos anteriores.

AargumentaçãodeA.procedeueoTribunaldaRelaçãorevogouasen-tençadoTribunaldePrimeiraInstância.Assim,considerouquenãosepodepôremcausaasuscetibilidadedeA.receberdaAdegaCooperativaumacom-pensaçãoproporcionalàsuaparticipaçãonaatividadedacooperativa,oqueresultaria,desdelogo,doPrincípio cooperativo da participação económica dos membros,consagradonoart.3.ºdoCCoop.Sendoassim,aAdegaCoo-perativaestariaobrigadaapagaraA.ovalordasuvasentreguesporesteedasrespetivasbonificações.Paraevitarestaobrigação,aCooperativateriadeterdeliberadoquetalpagamentonãoteriadeserfeitodefinitivamenteouquefoideliberadoonãopagamentotemporariamente,deliberaçãoquenãoexiste.

InexistindonosestatutosdaRécooperativaenoCCoopprazoparaacoo-perativaefetuaropagamentodastransaçõeshavidascomosrespetivoscoope-radores,nemestandoprevistooudeliberadoquetalprazoficanadependênciadavontadedodevedoroudapossibilidadedopagamentodomesmo,acoo-perativaficaobrigadaaopagamentodaquelevalor,apósinterpelaçãojudicialouextrajudicial.

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2. os diReitos e deveRes do CoopeRAdoR, deCoRRentes dA sUA pARtiCipAção nA AtividAde dA CoopeRAtivAAsituação fácticasubjacenteaesteAcórdãodoTribunaldaRelaçãode

Coimbrarelaciona-secomasespecificidadesdoobjetosocialdacooperativaecomosdireitoseobrigaçõesquedecorremdasuaprossecuçãoquerparaocooperadorquerparaacooperativa.Concretamente,discute-seseopaga-mentodacontrapartidareclamadapelocooperadorpelaentregadasuvasestádependentedeumadeliberaçãodaassembleiageraldacooperativanessesen-tido.

Anoçãodecooperativaconstadoart.2.ºdoCCoop,nostermosdaqualserãocooperativasas«pessoascoletivasautónomas,delivreconstituição,decapitalecomposiçãovariáveis,que,atravésdacooperaçãoeentreajudadosseusmembros,comobediênciaaosprincípioscooperativos,visam,semfinslucrativos,asatisfaçãodasnecessidadeseaspiraçõeseconómicas,sociaisouculturaisdaqueles».

Destanoçãoresultaqueacooperativa:

a)temumapersonalidadejurídicaprópriaedistintadadecadaumdosseusmembros(arts.2.º,n.º1e16.ºdoCCoop).

b)temumanaturezainstrumentalfaceaoscooperadores,nosentidodequenãotemumfimpróprioouautónomo.

Nestestermos,acooperativasurgecomouminstrumentodesatisfaçãodasnecessidadesindividuais(detodosedecadaum)doscooperadores.Assim,acooperativadestina-seaoperarcomosseusmembros,osquaisparticipamnaatividadequenoseiodamesmasedesenvolve.Porisso,seafirmaqueacooperativatemumescopomutualístico.Nestesentido,oart.34.º,n.º2,al.c),doCCoop,estabelecequeoscooperadoresdeverão«participaremgeralnasatividadesdacooperativaeprestarotrabalhoouserviçoquelhescompetir»,peloqueocooperador,diversamentedosóciodeumasociedadecomercial,nãoestaráapenassujeitoàobrigaçãodeentradaparaocapitalsocialdacoo-perativa,mastambémàobrigaçãodeparticiparnaatividadedamesma.

Esta relação entre o cooperador e a cooperativa é uma relação jurídicacomplexa,naqualsedestaca,porumlado,aobrigaçãoassumidapelocoo-peradordeparticiparnaatividadedacooperativae,poroutrolado,acontra-prestaçãorealizadapelacooperativadestinadaàsatisfaçãodasnecessidadesdaquele.Arealizaçãodoobjetosocialdacooperativaimplicará,porisso,que

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oscooperadoresforneçamouprestembensouserviçosàcooperativa.Aesteconjuntodefatorestrazidospeloscooperadoresparaacooperativa,chamaadoutrinacapital mutualísticooumassa de gestão económica102.

NocasoespecíficodestaAdegacooperativa,ocooperadorestariavincu-ladoaentregar-lhea totalidadedasuvasdasuaexploraçãoqueaquela,nassuasinstalações,transformariaemvinho,oqualposteriormentevenderiaouaoqualdariaodestinoquemelhorservisseosseusfins.

Estaobrigaçãodeparticipaçãodocooperadornaatividadedacooperativasurge,então,comoomecanismobásicoparadesenvolveroobjetosocialdestacooperativa.

Ora,destasrelaçõesestabelecidasentreocooperadoreacooperativanodesenvolvimentodaatividademutualísticadecorremposterioresnegócioseobrigações sobrecujanatureza jurídicanemoCódigoCooperativonemosestatutosdestacooperativasepronunciam.Contudo,talqualificaçãorevesteenormerelevânciaprática,umavezqueestesnegóciosapresentamespecifi-cidades que dificultamo seu enquadramento nas categorias jurídicas tradi-cionais.Assim, quando este cooperador entrega a sua produção agrícola àcooperativa,paraqueestaatransformeecomercialize,estamosperanteumnegóciojurídicodenaturezaespecial,comváriasespecificidadesresultantes:dossujeitosqueintervêmnonegócio(acooperativaeocooperador);doramodacooperativaemquestão(agrícola);doescopomutualísticosubjacenteaoobjeto social da cooperativa, traduzido na satisfação das necessidades doscooperadores.

Peranteosilênciodolegislador,adoutrinaeajurisprudênciadividem-seentreduasteses.Porumlado,osquedefendema«tesecontratualista»,nostermosdaqualestesnegóciosseriamexternosaovínculocooperativo.Estar-

102 -Ver,nestesentido,Ver:ISABEL-GEMMAFAJARDOGARCÍA,La gestión económica de la cooperativa: responsabilidad de los socios,Tecnos,Madrid,1997,pp. 78 e ss.; FRANCISCO VICENT CHULIÁ, Ley General de Cooperativas, TomoXX,Vol.3.º,EditorialRevistadeDerechoPrivado /EditorialesdeDerechoReunidas,Madrid, 1994, pp. 305 e ss.; eMANUELPANIAGUAZURERA,«LasSociedadesCooperativas.LasSociedadesMutuasdeSegurosylasMutualidadesdePrevisiónSocial»,in:Tratado de Derecho Mercantil(dir.deMANUELOLIVENCIA/CARLOSFERNÁNDEZ-NÓVOA/RAFAELJIMÉNEZDEPURGA;coord.deGUILLERMOJIMÉNEZSÁNCHEZ),TomoXII,Vol. 1.º,MarcialPons,Madrid-Barcelona,2005,pp.83ess..Aexpressãomassa de gestão económicaobtevemaiorêxitonadoutrinadoqueaexpressãocapital mutualístico.

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-se-ia,assim,perantecontratosobrigacionais (decompraevenda,deman-dato,decrédito,consoanteoobjetodacooperativa),visando-se,atravésdeles,aprossecuçãodoescopomutualístico.Destaforma,ocooperadorsurgirianaduplacondiçãodecooperadorecontraentecomacooperativa.Poroutrolado,osquedefendema«tesemonistasocietária»,segundoaqualtaisobrigaçõesenegóciossubsumir-se-iamnarelaçãocooperativa,sendouma«dimensão»desta,peloquecorresponderiamadireitosedeveresestatutários,eestariam,porisso,submetidos,emprimeiralinha,àsregrascooperativasconstantesdalei, dos estatutos, dos regulamentos internos edasdeliberaçõesdosórgãossociais.

Sãoevidentesosefeitospráticosdaadoçãodeumaoudeoutratese.

Assim, se a relaçãomutualista for considerada uma relação contratual, reger-se-ápeloregimegeraldocontratoemcausae,dentrodamargemdispo-sitivaconcedida,reger-se-ápelascondiçõesestipuladasentreocooperadorea cooperativa.

Sesequalificararelaçãomutualistadesocietária,emcasodeconflitoentreocooperadoreacooperativa(porexemplo,quantoaopagamentodopreçoouprazodeentregadosbens)aplicar-se-á:emprimeirolugar,oDireitoCoopera-tivo(lei,estatutos,regulamentosinternos,deliberaçõesdosórgãossociais);e,sósubsidiariamente,seaplicará,poranalogia,oregimedocontratoquemaisseassemelheàatividadeque,nocasoconcreto,édesenvolvidapelacoopera-tiva.

Astesescontratualistastêmsidoobjetodecríticas,porpartedascorrentesdoutrinaisdefensorasdastesessocietárias,invocandoasemelhançateleoló-gicaqueexisteentreasprestaçõescooperativaseasprestaçõesacessórias.

Argumentamque, se as prestações acessórias—que são potestativas enormalmente excecionais para os sócios das sociedades de capitais— sãoconsideradas obrigações sociais (uma vez que é necessária a sua previsãonocontrato sociale se integramnaprópria relaçãosocietária),pormaioriade razãodeverão sê-loasprestaçõesmutualistasque sãoconsubstanciais àcooperativa.Nascooperativas,oconteúdodaobrigaçãodeparticipaçãodocooperadorconstarádosestatutossociaisoudosregulamentosinternosque,enquantoinstrumentosdedesenvolvimentodosestatutos,terãoumevidentecaráctersocietário.

Invocam,aindae a favordas teses societárias,o factode—sendoqueas prestações mutualistas se apresentam como o mecanismo fundamental

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para a consecução do objeto social das cooperativas— haver, então, umacoincidênciadefinsentreasprestaçõescooperativaseaprópriacooperativa.Estaunidadedefimimpediráquesepossa falardecontratosdistintos.Emalgunscasos,as relaçõesmutualistassão tãocomplementaresdarealizaçãodofimsocialqueserádifícilnãoconsiderarquefarãopartedomesmoato.Acrescequeestedireitoeobrigaçãodocooperadordeparticiparnaatividadedacooperativasurgemdesdeoseuingressonacooperativaeformalizam-se,frequentemente,nosestatutosenosregulamentosinternosdacooperativa,quesãodocumentossociais103.

Ora,oAcórdãonãosepronuncia,deformaclara,quantoànaturezajurí-dicadestatransação,questãoque,todavia,assumeumaenormerelevâncianoâmbito deste litígio.Quando o cooperador reclama da cooperativa aquelesmontantes,fá-loaquetítulo?Corresponderãotaismontantesaopreçoapagarnadecorrênciadeumacompraevendaqueocooperadorrealizoucomacoo-perativa?Oucorresponderãotaismontantesaumacontrapartidadecorrentedocumprimentodeumdeverestatutário?OAcórdãopareceadotar«timida-mente»asegundaopção,poisreferequeocooperador,nocumprimentodeumdeverconsagradonosestatutos,entregouàsuacooperativadeterminadaquantidadedeuvas,comumdeterminadovalor,oqueimplicaopagamentoporestadovalordofornecimentoedaeventualbonificação(correspondenteaumbónusatribuídopelaqualidadedasuvas).

3. o vAloR CoRRespondente à entRegA dAs UvAs e à RespetivA bonifiCAção não é Um exCedente CoopeRAtivo

O Tribunal de Primeira Instância parece ter confundido os mon-tantes em dívida ao cooperador com a figura do «excedente» coopera-tivo. Só assim se compreende que se mencione a norma dos estatutosda Ré relativa à participação nos excedentes [art. 14.º, n.º 2, al. c)], quese qualifique os montantes em dívida como «benefícios» e que se façadepender a sua distribuição de uma deliberação da Assembleia geral, considerando-seinsuficienteodocumentoescritodoórgãodeDireçãoemquesereconheceovaloremdívida(independentementedaquestãodeestenão

103 - Ver sobre esta problemática, DEOLINDAAPARÍCIOMEIRA,O regime económico das cooperativas no Direito Português: o capital social, EditoraVidaEconómica,2009,Porto,pp.220-244

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conter as assinaturas exigidas estatutariamente para obrigar a cooperativa,matériaquenãoserátratadanestaanotação,porquelateralàproblemáticaquesubjazaesteAcórdão).

Ora,taismontantesreclamadospelocooperadornãopoderãoserqualifi-cadoscomoexcedentes,dadoqueoconceitodeexcedentesedefinecomoumvalorprovisoriamentepagoamaispeloscooperadoresàcooperativaoupagoamenospela cooperativaaoscooperadores, comocontrapartidadapartici-paçãodestesnaatividadedacooperativa.Nocasoemanálise,aexistirexce-dente,omesmocorresponderiaaumvalorpago«amenos»pelacooperativaaocooperadorpelassuasuvaseoqueaquisereclamaéovalordasuvas(quenuncafoipago).

Éverdadequeoexcedentetememcomumcomosmontantesreclamadosporestecooperadorofactoderesultardeoperaçõesdacooperativacomosseuscooperadores,sendogeradoàcustadestes.

Contudo,o excedenteconstitui«o resultadodeuma renúncia tácitadoscooperadoresavantagenscooperativasimediatas»104,podendoounãoretor-naraoscooperadores,comoveremos.

Oretorno,entendidocomooinstrumentotécnicodeatribuiçãoaocoope-radordoexcedente,surge,então,comoumadistribuiçãodiferidadomesmo,significandoadevoluçãoouarestituiçãoquesefazaomembrodeumadadacooperativa,aofazerobalançoealiquidaçãodoexercícioeconómico,daquiloquejáéseudesdeoiníciodaatividade.Oretornodeexcedentesfuncionará,destemodo,comoumacorreçãoa posteriori,atravésdaqualsedevolverá,aquemformouoexcedente,adiferençaentreopreçopraticadoeocusto,ouadiferençaentreasreceitaslíquidaseosadiantamentoslaboraispagos,dife-rençaestadeterminadacomexatidãonofinaldecadaexercício.

Na cooperativa, o excedenteque cada cooperadorgerou foi consequên-ciadaatividadequedesenvolveucomacooperativaenamesmaproporçãodointercâmbiomutualístico,peloqueacadacooperadorcorresponderáumretorno,proporcional tambémaesse intercâmbio.Nesta linha,oart.3.ºdoCCoopconsagraumaorientaçãogenéricanosentidodeumarepartiçãodosexcedentesem«benefíciodosmembrosnaproporçãodassuastransaçõescomacooperativa».

104 - RUI NAMORADO, Cooperatividade e Direito Cooperativo. Estudos e Pareceres,AlmedinaCoimbra,2005,p.183.

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Tambémfoi esteocritérioutilizadonoAcórdãoparaadelimitaçãodosmontantesemdívidaaocooperador.

Adistribuiçãonaproporçãodasoperaçõesfeitascomacooperativaenãoemfunçãodaparticipaçãonocapitalsocialterá,assim,asuarazãodesernacircunstânciadequeessesmontantesouessesexcedentesserãoascontrapar-tidase/ouasvantagenscooperativasqueocooperadorobteveprecisamenteaofazerusodosserviçosquelheprestaacooperativa,peloqueaproporçãoquelheseráatribuídaestaráemrelaçãodiretacomousofeitodessesserviços.

4. A iRRelevânCiA dA existênCiA de UmA delibeRAção dA AssembleiA geRAl

AdecisãodoTribunaldePrimeiraInstânciaassentounoequívocodequa-lificarosmontantesemdívidaaocooperadorcomoexcedentes,invocandooart.14.º,n.º2,al.c),dosEstatutosdaRéque,comovimos,dispõeque«oscooperadores têmdireitoahaverpartenosexcedentescomobservânciadoquefordeliberadoemAssembleiageral»e,porisso,considerando-sequeonascimentoparaacooperativadaobrigaçãodepagaraocooperadoraquelesmontantespressuporiaaexistênciadeumadeliberaçãodarespetivaAssem-bleiageral.

Aexigênciadestadeliberaçãoseriaplenamenteválidaseestesmontantespudessemserqualificadoscomoexcedentes.

De facto, tal comonodireito societário,noqual sedestacaa inexistên-ciadeumdireitosubjetivoàconcretarepartiçãodolucro,tambémnodireitocooperativo, serádedefenderquea inclusão, entreosdireitosdocoopera-dor,dodireitoaoretornocooperativo(art.73.º,n.º1,doCCoop)nãosupõeoreconhecimento,afavordocooperador,deumdireito(concreto)aexigiraaplicaçãodepartedosexcedentesdisponíveiscomoretorno.Autilização,pelolegislador,daexpressão«poderãoretornaraoscooperadores»evidenciaapossibilidadedequeodireitoaoretornosejaderrogadopordeliberaçãodaassembleiageral.

Destaque-se,desdelogo,que,nascooperativas,umapercentagemdoexce-dentedeexercício,resultantedasoperaçõescomoscooperadores,reverteráparaareservalegal[art.69.º,n.º2,al.b),doCCoop]eparaareservaparaeducaçãoe formaçãocooperativa [art.70.º,n.º2,al.b),doCCoop], assimcomoparaoeventualpagamentodejurospelostítulosdecapital(art.73.º,n.º1,doCCoop).

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324 Aparício Meira: A participação do cooperador na atividade de uma cooperativa agrícola…

Sódepoisdeefetuadasestasreversõesepagamentosseestaráemcondi-çõesdeapuraroretorno(art.73.º,n.º1,doCCoop).

Além disso, tal como nas sociedades comerciais, nas quais, se houverreservasaformarouareconstituir,nãopoderãoossóciosreceberquaisquerquantiasoubensatítulodelucros(arts.32.ºe33.ºdoCódigo das Sociedades Comerciais), também nas cooperativas não se poderá proceder à distribui-çãodeexcedentes«antesdeseteremcompensadoasperdasdosexercíciosanterioresou,tendo-seutilizadoareservalegalparacompensaressasperdas,antesdeseterreconstituídoareservaaonívelanterioraodasuautilização»(art.73.º,n.º2,doCCoop).Poroutraspalavras,o legislador impedeadis-tribuiçãodeexcedentesquandoenamedidaemqueforemnecessáriosparacobrirprejuízostransitadosouparareconstituirareservalegal.

Consagra-se,destemodo,umregimeinderrogáveldecoberturadeprejuí-zos,devendoosexcedentesdeexercícioserafetadosemprimeiralinhaatalfinalidade.

Talcomonassociedadescomerciais,quantoaolucrosocietário(arts.31.º,250.º,n.º3,e386.º,n.º1,doCódigo das Sociedades Comerciais), tambémnascooperativasasnormasnãodeterminamumadistribuiçãoautomáticadosexcedentesatítuloderetornoe,porisso,adistribuiçãonãoseoperarásemumadeliberaçãosocialnessesentido.Nosilênciodosestatutos,taldelibera-çãoderepartiçãodeverásertomadapormaioriadosvotosemitidos,dadoqueéestaa regraparaaaprovaçãodageneralidadedasdeliberações (art.51.º,n.º2,doCCoop;eart.386.ºdoCódigodasSociedadesComerciais,aplicávelporforçadoart.9.ºdoCCoop).

Assim,havendoresultadospositivosnoexercício,seráinequívocooespaçodediscricionariedadedequedisporáaassembleiageral,quantoàaplicaçãodosmesmos.

Porumlado,aAssembleiageralpoderáoptarlivrementeentreadistribui-çãopeloscooperadoresoupelaformaçãodereservas.AAssembleiapoderáconsiderarqueapolíticadeconstituiçãodereservas,comvistaaoautofinan-ciamento(agrandeopçãoquesecontrapõeàdistribuição),poderásermuitomaisconveniente,dopontodevistadoscooperadoresedacooperativa.

Poroutrolado,aassembleiageralpoderádeterminararetençãotemporáriadepartedosretornosindividuais(«retornodiferido»,naspalavrasdeFerreira

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325Aparício Meira: A participação do cooperador na atividade de uma cooperativa agrícola…

daCosta105),paraobviaràfaltadecapitaisprópriossuficientes.Estediferi-mento do retorno constituirá um empréstimo do cooperador à cooperativa,devendo,porisso,serconsentidopelocooperador(art.294.º,n.º2,doCódigo das Sociedades Comerciais,aplicávelporremissãodoart.9.ºdoCCoop).

Tudo istoestáemharmoniacomo jámencionadoPrincípio da partici-pação económica dos membros(art.3.ºdoCCoop)queapontatrêsdestinospossíveisparaosexcedentes:1.º–«desenvolvimentodassuascooperativas»;2.º–«apoioaoutrasatividadesaprovadaspelosmembros»;3.º–«distribuiçãodosexcedentesembenefíciodosmembrosnaproporçãodassuastransaçõescom a cooperativa».Daqui resultará que o retorno é um dos três destinosadmitidos pelo legislador, no caso de se colocar essa hipótese, sendo queexistetambémapossibilidadedeseconjugaremostrêstiposdeobjetivosoudoisdeles.

Odireito ao retorno serápor issoumdireitoderrogável do cooperador,estandocontudoestaderrogabilidadelimitadapeloPrincípio geral do abuso de direito.Nãopoderá recusar-seadistribuiçãodeexcedentes semmaise,também, não poderá fundar-se a recusa emmotivos extrassociais, o que aacontecerpoderáfundamentaraçõesderesponsabilidadecontraosmembrosdadireção.Aassembleiageral,emobediênciaaosprincípiosgeraisdenaturezacontratual,designadamenteaoPrincípio da boa-fé,devepoisfundamentaradeliberaçãoqueafasteadistribuiçãodeexcedentesatítuloderetorno.Assim,adeliberaçãosobrearetençãodosexcedentesnopatrimóniodacooperativaterádesefundamentarno«interessesocial»,nomeadamentenasnecessidadesdeautofinanciamentodacooperativa.Daquiresultaquetaldeliberaçãoseráinválidaseoscooperadoresdamaioria,comoseuvoto,visaremprosseguirinteressesextrassociaise,simultaneamente,prejudicareminteressesdacoo-perativaoudeoutroscooperadores.

Contudo,nocasoemanálise,nãopoderáafirmar-seainexistênciadeumdireitosubjetivoaopagamentodosmontantesemdívida,dadoquetaismon-tantesnãosãoexcedentes,masacontrapartidadevidaaocooperadorpelasuaparticipaçãona atividadeda cooperativa.Ou seja, o cooperadornão está areclamar aquilo que recebeu «amenos» pela sua participação na atividadedacooperativa(concretizadanaentregadasuvas),masopreçodevidoeque

105 - FERNANDO FERREIRA DA COSTA, Código Cooperativo. Benefícios fiscais e financeiros. Estatutos do Inscoop,LivrariaPetrony,Lisboa,1981,p.94.

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326 Aparício Meira: A participação do cooperador na atividade de uma cooperativa agrícola…

nãohaviasidopagodecorrentedatransaçãoefetuadaentreocooperadoreacooperativa,talcomojáfoidestacado.

Concordamos,destemodo,comosentidodoAcórdãodoTribunaldaRela-çãodeCoimbraaodefenderqueofactodenãoexistirqualquerdeliberaçãosocialnosentidodopagamentodasuvasebonificaçõesnãodesoneraaRé(cooperativa)dopagamentodoquefordevido,ficandoacooperativaobrigadaatalpagamento,apósinterpelaçãojudicialouextrajudicial.

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327Paulo Vasconcelos: Associações mutualistas. Comunicação da exclusão de associado. Âmbito…

Cooperativismo e Economía Social, nº 35 (2012-2013), pp. 327-332

AssoCiAções mUtUAlistAs. ComUniCAção dA exClUsão de AssoCiAdo. âmbito dAs CobeRtURAs dos benefÍCios sUbsCRitos

Acórdão do tribunal do supremo tribunal de Justiça, de 11 de setembro de 2012

PauloVASCONCELOSProfessor Coordenador da Área Científica de Direito do Instituto Superior de Contabilidade e Administração do Instituto Politécnico do Porto. Advogado

[email protected]

i

Oacórdãoemanálise,proferidopeloSupremoTribunaldeJustiça,em11desetembrode2012,dequefoirelatorMarquesPereira[disponívelemhttp://www.dgsi.pt],apreciou,paraalémdeumaquestãopréviadenaturezaproces-sual,duasquestõesreferentesàatribuiçãodebenefíciosaosmembrosdeumaassociaçãomutualista—nocasoo«MontepioGeral,AssociaçãoMutualista».

Osfactospodemresumir-seassim:umcasalcomprouem1997umafraçãoautónomacomrecursoaocréditoconcedidopela«CaixaEconómicaMonte-pioGeral».Paragarantiadocréditoconcedido,osdevedoresnãosóderamafraçãoadquiridaemhipotecaàreferidaCaixaEconómica,comoficaramobri-gadosaconstituiremseufavorumsegurodevidaougarantiasimilar.Paracumprir tal obrigação, os devedores tornaram-se associados do «MontepioGeral,AssociaçãoMutualista»,tendosubscritoum«PlanoEncargosHabita-ção»(GarantiadePagamentodeEncargos),medianteopagamentodeumaquotaanual.AinscriçãonestebenefíciodaAssociaçãoMutualista,sendofeitaporambososcônjuges,extinguir-se-iacomaprimeiramorte.

Paulo Vasconcelos: Associações mutualistas. Comunicação da exclusão de associado. Âmbito…

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328 Paulo Vasconcelos: Associações mutualistas. Comunicação da exclusão de associado. Âmbito…

Sucedeque,apartirdedeterminadaaltura,osdevedoresdeixaramdepagar,quer asprestaçõesdoempréstimocontraídopara a aquisiçãodahabitação,querovalordosseguroscontratados.Umavezquenãofoipagooprémiodoseguro(rectius:aquotacorrespondenteaobenefícioemqueseinscreveram),a«MontepioGeral,AssociaçãoMutualista» comunicouao cônjugemaridoque,atentooatrasonopagamentodasquotizaçõesdasmodalidadessubscri-tas,ficavasujeitoaanulaçãodassubscrições.Apartirdenovembrode1999o«MontepioGeral,AssociaçãoMutualista»considerouanuladaasubscriçãodagarantiadepagamentodeencargos.Posteriormente,em2004,osdevedoressolicitaramareaquisiçãodosdireitos,aoabrigodoRegulamentodeBenefí-ciosdo«MontepioGeral,AssociaçãoMutualista»,quepreviaapossibilidadede retoma da posição de subscritor,mediante o pagamento das quotas emdívida,oquefoirecusado,comfundamentodejáseteresgotadooprazoparatal.

Ora, sucede que, em 2006 a devedora mulher adoeceu, tendo-lhe sidofixada uma incapacidade de 80%, pelo que reclamou junto do «MontepioGeral,AssociaçãoMutualista»opagamentodovalordoempréstimocontraídoperantea«CaixaEconómicaMontepioGeral»,nostermosdoRegulamentodobenefício«GarantiadoPagamentodeEncargos»,referenteaoempréstimocontraído.

Peranteesta factualidade,o tribunaldeprimeira instância julgouaaçãoimprocedente e absolveu as Rés («Caixa Económica Montepio Geral» e«Montepio Geral, Associação Mutualista») do pedido. Inconformados, osAutores recorreram para oTribunal daRelação, que confirmou a sentençarecorrida.DelainterpuseramrecursoderevistaparaoSupremoTribunaldeJustiça.

ii

OacórdãodoSTJ,faceàfactualidadequeresultadasinstâncias,depara-seentãocomduasquestões:

A) saberseaquandodopedidodepagamentodaindemnizaçãoobenefí-ciodegarantiadepagamentodeencargosseencontravaanuladovalidamente;

B) saberseamesmagarantiadepagamentodeencargosabrangiaoriscodemorteedeinvalidez,ousóoriscodemorte.

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329Paulo Vasconcelos: Associações mutualistas. Comunicação da exclusão de associado. Âmbito…

iii

Ora,noquerespeitaàprimeiraquestão,oTribunalnãotevedúvidasemafirmarquenãobastavaadeclaraçãoderesoluçãodirigidaaomarido,sendoimprescindível que a mesma tivesse sido também dirigida à mulher. Nãoobstante serem casados no regime de comunhão de bens e a obrigação depagamentodoprémiodoseguroemcausaconstituirumaobrigaçãocomumdocasal,averdadeéqueadevedoramulhererapartenocontratodeseguro,peloqueeraindispensávelquearesoluçãodocontratofosseefetuadaquantoaambososcônjuges,oquenãosucedeunocasoemapreço.

Pelomenos,nosautosnãofoifeitaprovadequeaAutoramulhertivessetomadoconhecimentodadeclaraçãodevontadedaAssociaçãoMutualistanosentidodeanularobenefíciocontratado,sendoineficazquantoaelaacomu-nicaçãodirigidaaomarido.

OTribunallouvou-se,alémdomais,emjurisprudênciadopróprioSTJquetemafirmadoquearesoluçãocontratualtemqueserfeitadiretamenteacadaumdoscônjuges,«não podendo ter-se o contrato por legalmente resolvido se a comunicação de rescisão foi apenas dirigida ao cônjuge marido»—cf.AcórdãodoSTJ,de31dejulhode2007(FariaAntunes).

Apesardeseconcordarcomosentidodadecisão,nãopodedeixardeseregistarquetodaafundamentaçãodoSTJsealicerçanoregimedocontratodeseguro.Ora,nocasoemapreçonãoéessecontratoqueembomrigorestáemcausa.Naverdade,oqueosAutoresfizeramfoisubscreverumbenefíciodeumaassociaçãomutualista,tornando-separaoefeitomembrosdessaasso-ciação.E,nostermosdoregulamentodosbenefíciosconcedidos,agarantiadepagamentodeencargos«destina-se, em caso de falecimento e ou invalidez permanente do subscritor, a substitui-lo no pagamento das prestações que se vencerem e até ao termo de um determinado contrato ou a proporcionar a entrega de determinada quantia aos beneficiários indicados».

Ora,nostermosdoregulamentodebenefíciosdestaassociaçãomutualista,onãopagamentodasquotas,porperíodosuperioraseismeses,determinaaexclusãodaassociação.Nocasoemapreço,tantoquantodosfactosassentesconstantesdoacórdão,nãofoiiniciadoqualquerprocessodeexclusãodestesassociados.E,defacto,asnotificaçõesenviadasparaocônjugemaridoape-nasreferemaanulaçãodobenefícioreferenteàmodalidadesubscrita,emborarefiramque«a anulação[dassubscrições]poderá mesmo levar à eliminação de Associado, o que lamentaríamos».

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330 Paulo Vasconcelos: Associações mutualistas. Comunicação da exclusão de associado. Âmbito…

Nestestermos,maisdoqueaausênciadeumacomunicaçãoderesoluçãocontratualdirigidaespecificamenteàmulher,oqueeraimprescindíveleraoiníciodeumprocessotendenteàexclusãodamesmadaassociaçãomutualista,comodeterminamos seus estatutos.Umavezque talnãoocorreu, emboracomdiversofundamento,entendemosqueécorretaaconclusãoaquechegouoSupremoTribunaldeJustiça.

iv

Tendorespondidoafirmativamentequantoàquestãodavalidadedobenefí-ciosubscritopelaAutoramulher,umaoutraquestãosecolocavaaoTribunal:saberseobenefíciosubscritoabrangiaapenasoriscodemorteoutambémoriscodeinvalidez.

Certoéqueopedidodesubscriçãodojáreferidobenefíciode«GarantiadePagamentodeEncargos»éomissoquantoaoâmbitodecoberturapretendidopelossubscritores.Ora,umavezquenostermosdocontratodeempréstimocelebradocoma«CaixaEconómicaMontepioGeral»apenaseraexigidaaconstituição de um «seguro de vida ou garantia similar», o STJ entendeu,por recursoàsnormasde interpretaçãodasdeclaraçõesnegociais,queape-nasestavaemcausaoriscodevida.UmacircunstânciaquefoiconsideradadecisivapelosConselheiros (quedecidiramsemvotosvencidos) foiadeadeclaraçãodeaceitaçãodaAssociaçãoMutualistareferirexpressamentequea garantia que osAutores haviam subscrito sobre duas vidas «extingue-secomaprimeiramorte».DestaafirmaçãoretiraoTribunalqueaRéassociaçãomutualistainterpretouapropostadosAutorescomovisandoapenasacober-turadoriscodemortedeumdeles,tendo-aaceitenessestermos.

Apesardenãoserpossívelexprimirumaopiniãoperentória,nãodeixadeimpressionarofactodeosAutoresseteremlimitadoaaderiraumbenefícioquelhesfoiapresentado,cujoregulamentodeterminaqueomesmosedestina«em caso de falecimento e ou invalidez permanente do subscritor, a substituí--lo no pagamento das prestações que se vencerem...».

Nocaso,deveriamserexigidosespeciaisdeveresdeinformaçãoporpartedaassociaçãomutualista,aqualdeveriaclaramenteindicarosbenefícioscon-cedidoseocustoassociadoàsváriasopções.Noquadrofactualqueédescrito,osAutoreslimitaram-seasubscreveroplanoquelhesfoiindicado,razãopelaqualdevemter-seaquiporaplicáveisasregrasdoscontratosdeadesão,comosustentaramosrecorrentesnassuasalegaçõesderecurso.

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331Paulo Vasconcelos: Associações mutualistas. Comunicação da exclusão de associado. Âmbito…

Ora,nostermosdoregimedascláusulascontratuaisgerais(DLn.º446/85,de25deoutubro),ascláusulasdestebenefíciosubscritopelosAutoresdeve-riamter-lhessidocomunicadasnaíntegra(art.5.º,n.º1),recaindooónusdaprovadetalfactosobreapartequesubmeteraaoutraacláusulascontratuaisgerais.Ouseja,caberiaàAssociaçãoMutualistaprovarquehaviafacultadoaosbeneficiários informaçãobastantequantoaosexatos termosdamodali-dadesubscrita.

Poroutrolado,nostermosdomesmoregime,recaíasobreaAssociaçãoMutualista a obrigaçãode informar os beneficiários sobre os aspetos com-preendidosnascláusulasquelhesforampropostasecujaaclaraçãosejustifi-que,comopareceserocasodaquestãoemapreço.Naverdade,nãoéaceitávelque,prevendooregulamentodobenefícioambasascoberturas(morteeinva-lidez,emconjuntoouisoladamente),aassociaçãonãoesclareçacabalmenteosbeneficiáriosdaopçãoquelheéaplicável,quandoopedidodesubscriçãoéomisso.

Acresce que, tratando-se de cláusulas ambíguas, na dúvida deve preva-lecerosentidomaisfavorávelaoaderente,comodeterminaoartigo11.ºdoregimedascláusulascontratuaisgerais.TendoosAutoresefetuadoumpedidodeadesãoaobenefício«GarantiadePagamentodeEncargos»,queeraomissoquantoaoâmbitodacobertura,eprevendooregulamentodobenefícioambasasopções,atendo-atentoodeverdeinformaçãoquerecaisobrequemrecorreacláusulascontratuaisgerais,deveriaaAssociaçãoMutualistaterinformadoosbeneficiários,demodoclaroeinequívoco,sobreamodalidadequeestavamasubscrever.Enadúvidaquantoàmodalidadesubscrita(âmbitodacober-tura)dever-se-iaoptarpelosentidomaisfavorávelaosaderentes.

Nãopodeaindadeixarsesereferirque,estandoemcausaumaAssociaçãoMutualista,pormaioriaderazãoseimporãoasrazõesacabadasdeaduzir.Naverdade,estasassociaçõesintegramodenominadosetordaeconomiasocial,talcomoconstadarespetivaLeideBases[cf.art.4.º,b),daLein.º30/2013,de8demaio].Ora,umdosprincípiosorientadoresdasentidadesdaeconomiasocialéodorespeitopelovalordatransparência,oqualnãopodedeixardeseprojetarnasrelaçõesentreestaseosseusmembros.Tambémporestarazão,sedeveentenderque sobreaAssociaçãoMutulistaemcausadevemrecairespeciaisdeveresdeinformaçãoaosseusmembros,osquaisnãosemostramdevidamenteobservadosnocasosub judice.

Não foi contudoessaaorientaçãodoSupremoTribunalde Justiça,queneste acórdão em apreciação fundamentou a sua opção na ideia de que se

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332 Paulo Vasconcelos: Associações mutualistas. Comunicação da exclusão de associado. Âmbito…

poderiadeduzirdocontextodasdeclaraçõesnegociaisqueoseusentidoeraodeapenasabrangeroriscodemorte,nãoodeinvalidez.Assimsendo,nãodeuprovimentoaorecursoderevistadeduzidopelosassociadosda«AssociaçãoMutualista,MontepioGeral»,tendoantesconfirmadoasdecisõesdasanterio-resinstâncias.

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333Irene Portela: Caso da transferência de farmácia de associação pública. Anotação ao Acórdão…

Cooperativismo e Economía Social, nº 35 (2012-2013), pp. 333-348

CAso dA tRAnsfeRênCiA de fARmÁCiA de AssoCiAção públiCA

Anotação ao Acórdão do supremo tribunal Administrativo de 26 de setembro de 2012106

IrenePORTELAProfessora Coordenadora da área Científica de Direito da Escola Superior de

Economia e Gestão do Instituto Superior do Cávado e do Ave de [email protected]

1. do litÍgio

OInfarmed–InstitutoNacionaldaFarmáciaedoMedicamento107deli-beroudeferiropedidodetransferênciadaFarmáciapertencenteaumaasso-ciaçãopúblicaparaumalocalizaçãositaaumadistânciainferiordaquelaqueestáfixadapelaPortaria936-A/99de22deoutubro.O recorrentedonodaFarmáciaprivativaopôs-seaestadeliberaçãoporqueentendeuqueviolavaoprincípiodaconcorrênciajáqueosseusclientessãopotenciaisclientesdafarmáciatransferida.Alegouaindaqueoatopadeceudeumvíciodeformaedeumvíciodeviolaçãodelei.

OTribunalnegouprovimentoaorecursocontenciosodeanulaçãodadeli-beraçãodoConselhodeAdministraçãodoINFARMEDquedeferiuopedidodetransferênciadafarmáciasocial,combase«nostermosdon.º6daPortaria936-A/99,de22deoutubro»108.

106 -AcórdãodoSupremoTribunalAdministrativo(STA)n.º0491/12emwww.dgsi.pt,consultadoemjulhode2013.

107 -Deoraemdiante«INFARMED».108 - Cfr. Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo (STA) n.º

Irene Portela: Caso da transferência de farmácia de associação pública. Anotação ao Acórdão…

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334 Irene Portela: Caso da transferência de farmácia de associação pública. Anotação ao Acórdão…

ContraaposiçãoadotadaaRecorrentesustentouqueapopulaçãodesti-natáriadaFarmáciaprivativaeadaFarmácia social éamesmaporqueosfuncionáriosdoEstado,osdesignados«associados»,sãotambémpotenciaiseefetivosclientesdeoutrasfarmáciassituadasnasredondezasdoprédioemLisboa.Portanto,alegouqueoqueestavaemcausaeraumaquestãodecon-corrênciaentrefarmácias,ofendendoodispostonoponto2.º,n.º1,alíneab),daPortarian.º936-A/99,de22deoutubro,porquedistavamapenas214,74metrosemlinhareta109.

Atento à matéria, o Tribunal deliberou que o recurso jurisdicional nãomereceprovimentoporqueafarmáciaemquestãoregia-sepelasnormasespe-ciaisdosn.ºs4e5daBaseIIdaLein.º2125de20.03.1965edoartigo44.ºdoDLn.º48547de27.08.1968,eacujaclientelareduz-seaouniversomuitoespecíficodosassociados,nãodevendoaplicar-seoregimegeralcontidonasnormasdoponto3don.º16edaalíneab)doponto1don.º2,daPortarian.º936-A/99,de22.10.NafundamentaçãodoAcórdão,ocoletivoapontouqueestassãoasregrasque«foramcogitadasparaevitarsituaçõesdeviolaçãodaconcorrência» e continua, não há, portanto, qualquer concorrência entre asFarmáciasnaexatamedidaemquenãoháclientelacomumoucoincidente,sendoqueesteéumpressupostobásico—umaverdadeiracondiçãosine qua non —daexistênciadeconcorrência.Econcluiuque«nãoera,pois,necessá-rioqueoINFARMEDrespeitassearegradaconcorrênciaentrefarmácias,(ocasodosartigos2.ºe16.ºdaPortaria)respetivamente,aimposiçãodos500metrosdedistânciamínimaentrefarmácias,eaobrigaçãodeanúncioprévioda transferência.As duas farmácias em litígio não se estavamnuma situa-çãodeigualdadedecircunstâncias,umavezqueaFarmáciadeAssociaçãoPúblicanãoestavaabertaaopúblicoemgeral,ouseja,nãoabasteciaosclien-tesdafarmáciaprivada.Nãodevendoportantoaplicar-seanormadoponto3don.º16dareferidaPortariadestinadaaevitarumtratamentodiscriminatórioentrefarmáciasemsituaçãoigual.

Além disso existia a necessidade de, através da norma da alínea b) doponto1don.º2daPortaria,corrigiralgumasassimetriasexistentesnadistri-buiçãodefarmáciasnoterritórionacionale,dessemodo,tornarosserviços

747/07DE2007/11/08emwww.dgsi.pt,consultadoemjulhode2013.109 - VidePortarian.º936-a/99de1999/10/22,naredaçãodaPortaria1379/2002de

2002/10/22,artigo1.º,al.b),artigo2.ºeartigo6.º.

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335Irene Portela: Caso da transferência de farmácia de associação pública. Anotação ao Acórdão…

farmacêuticosmaispróximoseacessíveisdoscidadãos110. Ora, neste caso, os clientesdeambasasfarmáciasnãocoincidiam,peloquenãosejustificavaapreocupaçãodeatingiresseobjetivoe,daí,nãohaverrazõesparaaaplicaçãodessedispositivolegal.

Conclui negando o argumento da concorrência entre farmácias, que «adesigualdadedecircunstâncias,ofactodeasclientelasnãocoincidirem,con-duzaquearelaçãodeconcorrênciaestejamuitoesbatida,peloquetambém,porestavia,nãosevêfundamentoparaquesejaacionadoessenormativo».

NosentidodesteacórdãoevisandoumasituaçãoemtudoidênticaàqueoraseanalisaoTribunaldecidiu111noâmbitodeumrecursocontenciosointentadoporoutra recorrenteamesmaquestãocomoutros fundamentos,a saber«oregimejurídicodaPortarian.º936-A/99,de22.10,nãoseaplicaàtransferên-ciadafarmáciaprivadaporváriasrazões.Emprimeirolugar,porque,tendoaPortariacomonormahabilitadoraoart.50.ºn.º2doDecreto-Lei48547,de27.08.1968oscritériosaseguir«naautorizaçãodainstalaçãodenovasfarmá-ciasouasuatransferênciasãoacomodidadedaspopulaçõeseaviabilidadedaexploraçãoeconómicadosestabelecimentos».Concomitantemente,atransfe-rênciadafarmáciaparticularnãoestáabrangidapelascondiçõesparatransfe-rênciadefarmáciasprevistasnoart.2.ºdaPortaria936-A/99,de22.10,ex vi doart.16.ºn.º1damesmaportaria,umavezqueoregimeaífixadoaoabrigo

110 - Vide a jurisprudênciadoSupremoTribunalAdministrativoproduzidanestesentido: Acórdão n.º 005706/60 de 01-07-1960; Acórdão n.º 001191/61 de 12-10-1961;Acórdão n.º 001257/62 de 20-12-1962;Acórdão n.º 6830/65 de 19-03-1965;Acórdãon.º9055/75de20-03-1975;Acórdãon.º026943/90de01-03-1990;Acórdãon.º035752/96de30-01-1996;Acórdãon.º046303de26-03-2003;Acórdãon.º047025,de29-10-2002;Acórdãon.º57/11de31-03-2011;Acórdãon.º0491/12de26-09-2012;Acórdãon.º0928/09de05-06-2012;Acórdãon.º0652/12de26-09-2012;Acórdão n.º 0269/11 de 13-07-2011;Acórdão n.º 01095/09 de 24-03-2011;Acórdão n.º 0987/07 de 21-05-2008;Acórdão n.º 028/11 de 03-03-2011;Acórdãon.º01160/09de17-03-2010;Acórdãon.º01114/09;Acórdãon.º0755/08;Acórdãon.º0449/08de27-05-2008;Acórdãon.º0747/07de08-11-2007;Acórdãon.º046823de21-11-2001;Acórdãon.º048196/02de26-02-2002;Acórdãon.º011163/83de17-11-1983;Acórdãon.º0958/05de23-03-2006;Acórdãon.º01289/05de16-03-2006;Acórdãon.º01552/03de14-02-2006;Acórdãon.º0127/04,14-04-2005;Acórdãon.º060/04de18-01-2005; todosdisponíveisemwww.dgsi.pt,consultadoem julhode2013.

111 - VideacórdãodesteSTAde2007.11.08,noprocesson.º747/07,disponívelemwww.dgsi/jsta.pt.

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336 Irene Portela: Caso da transferência de farmácia de associação pública. Anotação ao Acórdão…

dodispostonoart.50.ºdoDL48457,de27.08.1968,nãoabrangeasfarmáciasquefuncionamaoabrigodoart.44.ºdestediploma.Aregulamentaçãodeveteremconsideraçãoessespontos,visandoapenasageneralidadedoscidadãos(acomodidadedaspopulações)easubsistêncianomercadodasempresas(aviabilidadedaexploraçãoeconómicadosestabelecimentos),esópodereferir--seàs farmáciasqueestãonomercadoemsituaçãodeconcorrência,oquenãoémanifestamenteocasodafarmáciasocialquetemcomodestinatáriosúnicososseusassociadosevêasuaviabilidadeeconómicadependerdassuascotizações.

Masaquestãoadiantadapelarecorrentenãodeixadesercuriosaeperti-nentenaexposiçãoquefazdosfactosquandoalega:«anovafarmácia,possuimontraeportadeacessopermanentedosutentesparaoexterior[…]possuiporta direta para a rua, não cumprindo o preceituado na lei e alterando ospressupostosdasuaabertura»[…] enquanto«as atuais instalações, encon-tram-se num edifício semacessopermanentedosutentesparaoexterior»,orapresume-seamudançadeabordagemrelativamenteàclientela«associada».Semdúvida,apesardeoTribunalnadadizerrelativamenteaesta«observa-ção»noAcórdão.

2. dAs novAs bAses legAis dA AtividAde de «fARmÁCiA de ofiCinA»

ALein.º 2125,publicadaem20.03.1965,veiodefinir«asbasesparaoexercício da atividade de farmácia» e no n.º 4 da suaBase IImanteve asautorizaçõesde funcionamentode farmáciasde instituições,aoestipular-seque«paraocumprimentodosseusfinsestatutários,asMisericórdiaseoutrasinstituiçõesde assistência eprevidência socialpoderão serproprietáriasdefarmáciasdesdequeestassedestinemaosseusserviçosprivativos.Asfar-máciasqueestasinstituiçõesatualmentepossuamabertasaopúblicopodemcontinuarnomesmoregime».

Amanutençãoemfuncionamentodasfarmáciasdasinstituiçõesindicadaspassouaconfigurarumaexceçãoàregrageraldequesóosfarmacêuticosouassociedadescujossóciosofossempodiamserproprietáriosdefarmácias,conformeresultavadodispostonon.º2damesmaBaseII.

Porseulado,oDL48547de27.08.1968veiodefiniroquadrojurídicodo«Exercíciodaprofissãodefarmacêutico»,estipulandonoart.º44que:«Noalvarádasfarmáciaslicenciadasnostermosdon.º4daBaseIIdaLein.º2125

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337Irene Portela: Caso da transferência de farmácia de associação pública. Anotação ao Acórdão…

indicar-se-áexpressamentequeestasfarmáciasapenaspodemfornecermedi-camentosemcondiçõesespeciaisàspessoasque,nostermosdosestatutosouregulamentosdasentidadesaquepertençam,tenhamessaprerrogativaenascondiçõesaliexpressamenteestabelecida.Afarmáciadaassociaçãopúblicain casufoiautorizadaatransferir«asinstalações»aumadistânciainferioràpermitidaporLei,«aapenas214,74metrosdafarmáciadarecorrente»por-quea farmáciadaassociação, cuja transferência foi autorizada, funcionavaao abrigo do disposto no art.º 44 doDL 48547, de 27.08.1968, abrangidaportantopelolicenciamentoprevistonon.º4daBaseIIdaLein.º2125,de20.03.1965112.

Diferentemente do que acontece com a transferência das farmácias pri-vadas,estasópoderáserautorizadase«nãoseencontrarinstaladanenhumaoutrafarmáciaamenosde500metrosdedistânciaemlinhareta»(condiçãoprevistanon.º1,al.b),doart.2.ºdaPortaria936-A/99,de22/10comareda-çãodaPortaria1379/2002,de22.10).

Aportaria1379/2003,de22.10,veioalteraraportarian.º936-B/99,de22deoutubroabrindoumregimequesepretendiaexcecionalvisandoinstalarfarmáciasforadosgrandescentrosurbanos.Apromoçãoderegrasdeconcor-rênciatransparentes,equilibradasejustas,paracorrigirasassimetriasnadis-tribuiçãodefarmáciaseeliminarpotenciaisfocosdeconflitosdeinteresses.

Atransferênciadefarmáciasdoslocaisdemaiorconcentraçãoparazonasondeexistiamemmenornúmero,atravésdeumprogramaespecialdetrans-ferência,denaturezatemporária,iapermitirinstalarfarmáciasnesseslocais,melhorando assim a cobertura farmacêutica emcada concelho, e «permitirinstalaralgumascentenasdenovasfarmácias,indoaoencontrodointeressedaspopulaçõescarenciadasdesteserviço,especialmentenoscentrosurbanosdemenordensidadepopulacionalcomprejuízoparaosdoentesedapopula-çãoaíresidente».

AentradaemvigordoDecreto-Lein.º307/2007de31deagostolevouàreorganizaçãojurídicadosectordasfarmácias,cujoregimeremontavaessen-cialmenteàdécadade60doséculopassado(Pavia,M.B.eCorreia,A.,2007)

112 -Porforçadoartigo3.ºdaLein.º16/2013de8defevereiroforamrevogadosaLein.º2125,de20demarçode1965,eoDecreto-Lein.º48547,de27deagostode1968.APortaria936-A/99,de22.10,objetodesteAcórdão,seriarevogadapeloDecreto-Lei207/2007.

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338 Irene Portela: Caso da transferência de farmácia de associação pública. Anotação ao Acórdão…

EsteDecreto-Leiveioestabeleceroregimejurídicodas«farmáciasdeOfi-cina»quesão«estabelecimentosondeparaalémdesepoderadquirirmedi-camentosououtrosprodutosnecessáriosparacuidardasaúdeedobem-estardocorpo,podemserdesenvolvidastambémpesquisastécnicasedeproduçãodenovosmedicamentos,bemcomo,oestudodamanipulaçãodefármacos,acriaçãoeaplicaçãodemétodosdecontroledequalidade,criaçãoeaplicaçãodemétodosdeidentificaçãoedosagemdetóxicos»(OrdemdosFarmacêuti-cos, 2007).

Por iniciativa do Provedor de Justiça, o Tribunal Constitucional pro-nunciou-se noAcórdão n.º 612/2011 publicado em24 de janeiro de 2012,declarandoinconstitucionaisvariasnormasdoDL307/2007.Adeclaraçãodeinconstitucionalidadedoartigo14.º n.º 1quedelimitava apropriedadedasfarmáciasàspessoassingularesousociedadescomerciaiseadoartigo47.ºn.º2al.a)quepreviaumacontraordenaçãoparafarmáciasquenãoadotassemaformadesociedadecomercialeadoartigo58.ºqueobrigavaasentidadesdosetorsocialdeeconomiaaprocedernoprazode5diasacontardaentradaem vigor do diploma às adaptações necessárias para cumprir os requisitosdoartigo14.ºporqueviolavamoprincipiodoexcessoínsitonoprincípiodoEstadodeDireitoconsagradonoart.2.ºdaConstituiçãodeRepúblicaPortu-guesa,conjugadocomoartigo63.º,n.º5(Meira(a),2012:243-254).

Comoefeitodiretodestadeclaraçãodeinconstitucionalidade,oDecreto--Lein.º307/2007viriaasofreralteraçõessucessivaseprofundas.Aprimeiraalteração resultoudaLei n.º 26/2011de16de junhoque alterouo regimedatransferênciadefarmácias;AsegundaalteraçãoviriacomoDecreto-Lein.º171/2012de1deagosto,adequandooregimejurídicodasfarmáciasdeoficinaà jurisprudênciafixadapeloAcórdãodoTribunalConstitucionaln.º612/2011,destacando-se,deentreasmodificações introduzidas,oestabele-cimentodeumprazosuficientementealargado,«abrangendoumperíododepelomenosumanoeconómico,paraqueasentidadesdosectorsocialcomfarmáciasemregimedeconcorrênciaprogramemadequadamenteasuaadap-taçãoaosrequisitosexigidosàsproprietáriasdefarmáciasqueseencontremnomercado»113. Clarificou o critério de licenciamento de novas farmácias,prevendo um concurso com pré-seleção dos candidatos que preencham osrequisitos legais e determinou a instalaçãoda farmácia de acordo comumsorteio,noscasosemqueonúmerodecandidatospré-selecionadosexcedaonúmerodefarmáciasainstalar,afastandoasdúvidasrelativasàaplicação

113 -AcórdãodoTribunalConstitucionaln.º612/2011.

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doprincípiodaigualdadesuscitadaspelocritériodegraduação.Opreâmbuloesclareceu«queestasalteraçõesvisamcumpriroestabelecidonoMemorandodeEntendimentosobreasCondicionalidadesdePolíticaEconómicafirmadopeloGovernoPortuguêscomoFundoMonetárioInternacional,aUniãoEuro-peiaeoBancoCentralEuropeu,procedendoàrevisãodalegislaçãoaplicávelaosectordasfarmácias,introduzindomedidasexcecionaisatinentesàviabi-lidade económica do funcionamento de algumas farmácias de oficina, cujaregulamentaçãoviriaaserfeitapelaPortarian.º352/2012114de30deoutubro,querevogouaportarian.º1430/2007115de2denovembroqueporsuaveztinhajáregulamentadoosaspetosprocedimentaisdaaberturadenovasfarmá-cias(cujoregimedetransferênciaseencontravajáprevisto,comalteraçõesaoregimedoartigo26.ºdoDecreto-Lein.º307/2007,atravésdoartigo2.ºdaLein.º26/2011116,de16dejunho).

Oartigo1.ºdaLein.º26/2011de16dejunhoestabeleceuoregimejurídicodatransferênciadefarmáciasintroduzindoumnovotextoaosartigos26.ºeal.

114 -Portarian.º1430/2007,de2denovembro,publicadanoDiáriodaRepública,1.ªsérie,N.º211de2denovembrode2007,quenoseuartigo42.ºrevogavaaPortarian.º 936-A/99, de 22 de outubro, alterada pelas Portarias n.ºs 1379/2002, de 22 deoutubro,168-B/2004,de18defevereiro,e865/2004,de19dejulho.Noartigo2.ºfixavaos requisitos cumulativos para a abertura de novas farmácias (a)Capitaçãomínima de 3 500 habitantes por farmácia aberta ao público no município, salvoquandoafarmáciaéinstaladaamaisde2kmdafarmáciamaispróxima;(b)Distânciamínimade350mentrefarmácias,contadosemlinhareta,doslimitesexterioresdasfarmácias;(c)Distânciamínimade100mentreafarmáciaeumaextensãodesaúde,umcentrodesaúdeouumestabelecimentohospitalar,contados,emlinhareta,dosrespetivoslimitesexteriores,salvoemlocalidadescommenosde4000habitantes.Non.º2prevêqueatransferênciadefarmácianomunicípiodependadopreenchimentocumulativodasalíneasb) e c)donúmeroanterior.(3)Adistânciaprevistanaalíneab)donúmeroanterioraplica-setambémàaberturaoutransferênciadefarmáciaemrelaçãoafarmáciasituadaemmunicípiolimítrofe.(4)AdeterminaçãodonúmerodehabitanteséfeitaemfunçãodosdadosmaisrecentesdisponibilizadospeloInstitutoNacionaldeEstatística,I.P..

115 -Portarian.º352/2012de30deoutubro,publicadanoDárioda República, 1.ª série, N.º 210 de 30 de outubro de 2012 e a ainda a Portarian.º1430/2007,de2denovembro.

116 -Lei26/2011de16dejunhopublicadanoDiáriodaRepública,1.ªsérie,N.º115,de16dejunhode2011.

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j)doartigo48.º117doDecreto-Lein.º307/2007,de31deagosto,prevendoqueaproprietáriapode,dentrodomesmomunicípio,transferiralocalizaçãodafarmácia,desdequeobserveascondiçõesdefuncionamento:previstasnon.º2doartigo1.º,ousejadesdequeopedidodetransferênciacumpraoscritériosseguintes:(a)anecessidadedesalvaguardaraacessibilidadedaspopulaçõesaosmedicamentos,asuacomodidade,bemcomoaviabilidadeeconómicadafarmácia,cujalocalizaçãooproprietáriopretendatransferir;(b)amelhoriaouaumentodosserviçosfarmacêuticosdepromoçãodesaúdeedobem-estardosutentes».Eacresceaoabrigodon.º6domesmoartigo1.º,«orequisitodadistânciamínimaentre farmáciasnãoéaplicávelnocasode transferên-ciadentrodamesmalocalidade,desdeque(a)sejaprevisívelamelhoriadaqualidadedaassistênciafarmacêutica;(b)nãoocorraalteraçãodacoberturafarmacêutica;se(c)osproprietáriosdasfarmáciassituadasadistânciainferioràdefinidanodiplomaaqueserefereopresentenúmerodeclaremporescritoa sua não oposição; e (d) a nova localização da farmácia respeite as áreasedivisõeslegalmenteexigíveisparaaquelesestabelecimentos.Sendoqueodispostonaalíneac)don.º6apenaséaplicávelnocasodea transferênciaresultarnumamaiorproximidadegeográficaentreafarmáciaatransferireasexistentes».Oartigo2.ºfixouospressupostosaverificarnatransferêncianosconcelhoslimítrofes.

Assim,asfarmáciassituadasemmunicípioscomumacapitaçãoinferiorà exigível para a abertura de novas farmácias, podem transferir-se para osconcelhoslimítrofescomcapitaçãosuperior,desdequesejamobservadasascondiçõesdefuncionamentoeseverifiquem,cumulativamente,osseguintespressupostosnomunicípiodeorigem:(a)existamfarmáciasamenosde350mdafarmáciaquesepretendetransferir;(b)acapitaçãonessemunicípionãose tornesuperiorà legalmenteexigívelparaaaberturadenovasfarmácias.Noartigo31.ºdareferidaportarian.º352/2012Ogovernoregulamentouempormenorospedidosdetransferênciaparaconcelhoslimítrofes.Noartigo4.º,amesmaLeidefinequeseaplicaatodosospedidosdetransferênciadefarmá-ciasdentrodomesmomunicípioposterioresàdatadasuaentradaemvigor,bemcomoàquelesque,tendosidoapresentadosaoINFARMED,nãotenham

117 -Porforçadoartigo3.ºdaLein.º26/2011,aalínea j)doartigo48.ºdoDL307/2007passaateraseguinteredação:«j)Aaberturadafarmáciaaopúblicosemaatribuiçãodorespetivoalvaráouafaltadeaverbamentoemcasosdealteraçãodapropriedadeoudetransferênciadalocalização,previstasnoartigo25.º,bemcomoatransferênciadalocalizaçãodefarmáciasemaautorizaçãoprevistanoartigo26.º;».

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sido até essa data alvo de decisão definitiva. Ficando inquestionavelmenteultrapassadaaquestãodo«respeitopelosmetros»entrefarmáciasemtrans-ferência,preenchendo-sepelaviainterpretativadosconceitosindeterminados(BaptistaMachado,1983:115-117)de«necessidadedesalvaguardaraaces-sibilidade[…]asuacomodidade,[…]aviabilidadeeconómicadafarmáciatransferidaeamelhoriaouaumentodosserviçosfarmacêuticosdepromoçãodesaúdeedobem-estardosutentes».

AsegundaalteraçãoaoDecreto-Lein.º307/2007resultariadoartigo3.ºdoDecreto-Lein.º171/2012de1deagostoaoacrescentaroartigo59.º-Aespe-cialmente referenteao regimedasFarmáciasdosectorsocialdaeconomia,cujoregimeaplicáveléoda1.ªpartedon.º4dabaseIIdaLein.º2125,de20demarçode1965,comasnecessáriasadaptações,ouseja,queforneçammedicamentosemcondiçõesespeciaisàspessoasdeacordocomosestatutosouregulamentosdessasentidades.Nãosãoaplicáveisàsfarmáciasprivativasasdisposiçõesdoartigo14.ºedaalíneaa)don.º2doartigo48.º.Especificanon.º3queasentidadesdosectorsocialdetentorasdefarmáciasabertasaopúblico,devemprocederaté31dedezembrode2013àsadaptaçõesnecessá-riasaocumprimentodosrequisitosprevistosnoartigo14.º.

PorsuavezoDecreto-Lein.º171/2012,de1deagosto,veioalterarpelasegundavezoartigo57.ºdoDecreto-Lein.º307/2007cujaredaçãojátinhasidodadapelaLein.º26/2011,de16dejunho,clarificandoosconcursosparainstalaçãodenovasfarmácias.Assim,nostermosdoartigo2.ºaaberturadenovasfarmáciasdependedopreenchimentocumulativoderequisitos:quantoà capitaçãomínimade3500habitantespor farmácia aberta aopúbliconomunicípio,salvoquandoafarmáciaéinstaladaamaisde2kmdafarmáciamaispróxima,quantoàdistânciamínimade350mentrefarmácias,contados,emlinhareta,doslimitesexterioresdasfarmácias.

Alémdisso,nostermosdoartigo20.ºe),oPedidodetransferênciadeveconter a demonstração do preenchimento dos critérios estabelecidos nasalíneas a) e b) do n.º 2 do artigo 26.º doDecreto-Lei n.º 307/2007, de 31deagosto,naredaçãodadapelaLein.º26/2011,de16dejunho,abrindoapossibilidadedeoINFARMEDpoder,fundamentadamenteeemfunçãodointeressepúblicodaacessibilidadedoscidadãosàdispensademedicamentos,abrirumconcursoparaainstalaçãodenovasfarmáciasemzonadelimitadae inferioràáreadomunicípio.Poroutro lado,nos termosdoArtigo27.ºoproprietáriodefarmácianãopoderequereratransferênciadalocalizaçãodafarmáciaantesdedecorridoumperíododecincoanoscontadoapartirdadata

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darespetivaaberturasegundooprevistonapartefinaldaalíneaa)don.º1doartigo2.º.

ALein.º16/2013de8defevereiroprocedeàterceiraalteraçãoaoDecreto--Lein.º307/2007,de31deagosto,alterandoosartigos14.º,15.º,17.ºe24.ºqueregulamapropriedadedafarmácia.Nostermosdoartigo14.º,«podemserproprietáriasde farmáciaspessoas singularesou sociedades comerciais.Asentidadesdosectorsocialdaeconomiapodemserproprietáriasdefarmáciasdesdequecumpramasnormasregulamentareseoregimefiscalaplicávelàspessoascoletivasreferidasnon.º1».Nãoobstante,oartigo15.ºestabeleceumlimiteàpropriedade,àexploraçãoouàgestãodequatrofarmácias,eoartigo17.ºabrereconheceagestãodenegóciosoucontratodemandatonapropriedadeeexploraçãodafarmácia.

Finalmente,oDecreto-Lein.º128/2013de5desetembrointroduzaquartaalteração ao regimedoDecreto-Lei n.º 307/2007de31de agosto relativa-menteàsmatériasdosmedicamentosfalsificadosedafármaco-vigilância.Oartigo7.ºdaLei16/2013aditaaoDecreto-Lein.º307/2007,de31deagostooartigo9.º-A,permitindoavendaonlinedemedicamentosaopúblico.

3. A (não) ConCoRRênCiA entRe fARmÁCiAs e As bAses dA eConomiA soCiAlAquestãodefundoquesubjazaestecomentário,voltandoaoacórdão,éa

darelevânciaounãodeexistirumarelaçãoconcorrencialentreasfarmáciasdeoficinaeasfarmáciasdeeconomiasocial.Aoincorporaroart.59.º-A,oDecreto-Lei307/2007 reconheceexpressamenteaespecificidadedo regimedasfarmáciasdeeconomiasocial.OraestamosperanteomomentoemqueestereconhecimentopodeserreforçadoatentosàentradaemvigordaLei«LeideBasesdaEconomiaSocial»,aLein.º30/2013de8demaio,cujoobjetoé«odesenvolvimentododispostonaConstituiçãoquantoaosectorcooperativoesocial,asbasesgeraisdoregimejurídicodaeconomiasocial,bemcomoasmedidasdeincentivoàsuaatividadeemfunçãodosprincípiosedosfinsquelhesãopróprios».AquestãodasujeiçãodasentidadesdaeconomiasocialàsnormasdaconcorrênciarepresentacomodizaAutoraDeolindaMeira(Meira(B),2012:41)«aomissãodadiscriminaçãopositivadestasentidadesfaceàsempresasdosetorprivado»eacrescenta«mantém-senoartigo12.º(quetemporepígrafe«Concorrência»)doProjetodeLeideBasesequedispõe,semmais,queasentidadesdaeconomiasocial«estãosujeitasàsnormasnacio-naisecomunitáriasdeconcorrêncianoquerespeitaaodesenvolvimentodas

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atividades enquadráveis nos requisitos nelas estabelecidos». Será, conclui,«inquestionávelqueasatividadesdasentidadesdaEconomiaSocialdeverãoserexercidasnoquadrodeumaeconomiademercadoedelivreconcorrêncianãopodendotransformar-seeminstrumentodedistorçãodofuncionamentoeficiente do mercado» porque, continua «o legislador não pode ignorar oPrincípiodaproteçãoprevistonaCRPparaosetorcooperativoesocial[…]dever-se-áconsagraraaplicaçãodeumdireitodaconcorrênciaquetenhaemconta as especificidades do setor e o respeito pelo princípio constitucionalacima referido, comoconsequenteaperfeiçoamentodo regimeprevistonoartigo12.ºdoProjeto»Efinaliza«Sendoassim,aminhapropostaéadequeo legislador deva acrescentar ao artigo 12.º que as entidades da economiasocialestarãosujeitas,nodesenvolvimentodasrespetivasatividades,àsnor-mas nacionais e comunitárias da concorrência, «sem prejuízo do princípiodaproteçãoprevistonaConstituiçãodaRepúblicaparaosetorcooperativoesocial»(Meira-B,2012:41).

AnovaLeidefinenoseuartigo2.ºaEconomiaSocialcomo«oconjuntodas atividades económico-sociais livremente levadas a cabo por entidadescujamissãoviseointeressegeraldasociedadeouointeressedosseusmem-bros,utilizadoresoubeneficiários,quandosocialmenterelevante».Sãoabran-gidasporestaLei(artigo4.º)entidadescomoascooperativas,asassociaçõesmutualistas, as misericórdias, as fundações, as instituições particulares desolidariedade social não abrangidas pelas categorias anteriormente referi-das,asassociaçõescomfinsaltruísticosquedesenvolvamasuaatividadenoâmbitocultural,recreativo,dodesportoedodesenvolvimentolocal,asenti-dadesabrangidaspelossetorescomunitárioeautogestionário integradosnosetorcooperativoesocial,eaindaoutrasentidadesdotadasdepersonalidadejurídica,querespeitemosprincípiosorientadoresdaeconomiasocialprevis-tosnestaLeiequeconstemdabasededadosdaeconomiasocial.AsentidadesacimareferidasestarãorepresentadasnoConselhoEconómicoeSocialenosdemaisórgãoscomcompetênciasnodomíniodadefiniçãoeestratégiasedepolíticaspúblicasdedesenvolvimentodaeconomiasocial.

Ora,seporumladoháinteresseemdesenvolverpolíticasdeincentivoàeconomiasocialporquetaléumacomponenteimportantedoProdutoInternoBrutotendoemvistareforçaraautossustentabilidadeeconómicaefinanceiradas entidades da economia social, facilitar a criação de novas entidades eapoiaradiversidadedeiniciativasprópriasdestesectorbemcomoincentivarainvestigação,ainovaçãoeaformaçãonoâmbitodestasentidades(preâm-bulodaLei30/2013),poroutroladoqueroTribunaldeContas(Auditoriaao

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INFARMED,2011),queraAutoridadeparaaConcorrência(recomendação1/2006daAutoridadedaConcorrência)têmfeitorecomendaçõesnosentidode apontar que o setor das farmácias não é verdadeiramente concorrencialporquearegulaçãoadministrativaoimpedeeapesardeafigurada«empresasocial»,tersidomencionadanoprojetodelei,acaboupornãoterconsagraçãolegalenquantoentidadeintegrantedaEconomiaSocial,porqueseriadetodoointeressequearegulamentaçãodestaleiviesseesclarecerseosprincípiosorientadoresdasentidadesdaEconomiaSocial,como:(a)oprimadodaspes-soas edosobjetivos sociais; (b) a adesãoeparticipação livre evoluntária;(c)ocontrolodemocráticodosrespetivosórgãospelosseusmembros;(d)aconciliaçãoentreointeressedosmembros,utilizadoresoubeneficiárioseointeressegeral;(e)orespeitopelosvaloresdasolidariedade,daigualdadeedanãodiscriminação,(f)dacoesãosocial,dajustiçaedaequidade,datranspa-rência,daresponsabilidadeindividualesocialpartilhadaedasubsidiariedade;(f)agestãoautónomaeindependentedasautoridadespúblicasedequaisqueroutrasentidadesexterioresàeconomiasocial;(g)aafetaçãodosexcedentesàprossecuçãodosfinsdasentidadesdaeconomiasocialdeacordocomointe-ressegeral,semprejuízodorespeitopelaespecificidadedadistribuiçãodosexcedentes,própriadanaturezaedosubstratodecadaentidadedaeconomiasocial,constitucionalmenteconsagradasãosuficientesparagarantirqueestasentidadesdaeconomiasocialquepodemlivrementeorganizar-seeconstituir--seemassociações,uniões,federaçõesouconfederaçõesqueasrepresentemedefendamosseusinteresses(artigo7.º)nãose«desmaterializem»(nosen-tido da sua descaracterização social e de interesse público) oumelhor nãose«materializem»em«empresasquevisemolucroeaproveitemesteapoioconstitucionalparaquebrarosníveisdequalidade, segurançae transparên-cia.Ofomentodaeconomiasocialenquantoobjetivodeinteressegeraldospoderespúblicos,noâmbitodassuascompetênciasemmatériadepolíticasdeincentivoàeconomiasocialdeve:[…]Fomentaracriaçãodemecanismosquepermitamreforçaraautossustentabilidadeeconómico-financeiradasenti-dadesdaeconomiasocial,emconformidadecomodispostonoartigo85.ºdaConstituiçãodaRepúblicaPortuguesa.

Noartigo12.º,comojásereferiu,olegisladordeixaumaadvertência«àsentidadesqueintegramabasededadosprevistanoartigo6.ºdapresenteleiestãosujeitasàsnormasnacionaisecomunitáriasdosserviçossociaisdeinte-ressegeralnoâmbitodassuasatividades,semprejuízodoprincípioconstitu-cionaldeproteçãodosetorcooperativoesocial.Ora,nãodeixadetersentidoque,noplanocomunitário,existaumaprioridadedeaplicarasnormassubs-

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tantivasdaconcorrênciaprecisamenteaossectoresondeomercado internonãoestáaindaplenamenterealizado,comoéocaso(recomendação1/2006daAutoridadedaConcorrência).

«Tudoéveneno,nadaéveneno,dependedadose…».Assim,entreumaEuropacompetitivaeumaEuropasocial,qualescolher?(OrdemdosFarma-cêuticos,2013).Asoluçãonãoéoptarporumaououtramasencontraromodocomopodemcoexistiresustentar-semutuamenteestesdoissistemas.

O farmacêutico como profissional independente e sujeito ao código dedeontologia e ética profissional é capaz de garantir a dispensa demedica-mentos e de serviços livre de interesses puramente comerciais, pelo que alivreconcorrênciadeveserentendidarelativamenteàqualidadedosserviçosprestadosenãoemrelaçãoaopreçodomedicamento.

Poroutrolado,desdemaiode2004,comaentradaemvigordoRegula-mentodaComissãoEuropeian.º1/2003,doConselho,de16dedezembrode 2002, relativo à execução das regras de concorrência estabelecidas nosartigos81.ºe82.ºdoTratado,asAutoridadesNacionaisdeConcorrênciaeosTribunaisNacionaispassaramaterresponsabilidadesreforçadasnaaplicaçãodasnormasdeconcorrênciaconstantesdoTratadoCEàsprofissõesliberais(Freire,2013:522,547).

Finalmente,adianta-seaimportânciadovolumedenegóciosdasativida-desretalhistasedistribuidorasdasfarmáciaseadespesapúblicadoEstadoportuguêscommedicamentosascendea1,9%doPIB,umadasmaiseleva-dasdaEuropa.EmPortugal,ogastocommedicamentosrepresenta2,2%doPIBe413€(PPC)per capita,anuais,situando-seacimadamédiaEuropeia,com1,7%doPIBe376€per capita (OCDE,2010).OsencargosdoSNScommedicamentosrepresentam18,5%doorçamentodoSistemaNacionaldeSaúde(SNS)e0,95%doPIB(Infarmed,2010).

O sector farmacêutico tem sido alvo de váriasmedidas como objetivodecontrolaradespesacomomedicamentoeovalordacomparticipaçãodoEstadonadespesatotalemsaúdeporqueéreconhecidamenteexagerada.Omercadodomedicamentoéespecíficopeloquenãosegueomodeloeconó-micodeummercadoemconcorrênciaperfeita.Nesteâmbito,édesalientarque,doladodaoferta,severificamdistorçõesnaproteçãodepatenteporqueexiste regulação da entrada nomercado, e uma documentada estratégia defidelizaçãodeclientes.Doladodaprocura,destaca-seaprescriçãopormédico(oconsumidornãodecideoquequercomprar)adispensaporfarmacêutico

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346 Irene Portela: Caso da transferência de farmácia de associação pública. Anotação ao Acórdão…

eaausênciadepagamentodovalortotaldomedicamento(Mossialoset al., 2004).

Estasdiferençasemrelaçãoaospressupostosdeummercadodeconcor-rênciaperfeita,conjuntamentecomoconsensoglobaldequeomedicamentopode ser considerado como um bem complementar de outros serviços desaúde, com fortes implicações na saúde pública, justificam a regulação doEstado desde o desenvolvimento domedicamento, à sua produção e à suadistribuição(Queirós,2013).

ÉaindadedestacarquenospaísesdereferênciaparaformaçãodepreçosemPortugal(Espanha,França,GréciaeItália),apropriedadedasfarmáciasé reservadaa farmacêuticos e existemcritériosgeográficos edemográficosparaainstalaçãodenovasfarmácias(AutoridadedaConcorrência,2013).Ainstalaçãodefarmáciaestácondicionadaàaberturadeconcurso,definidadeacordocomasnecessidadesidentificadasparaumadeterminadaregião,combasenacapitação.Atualmente,aleiestabeleceumacapitaçãode3500habi-tantesporfarmácia.

DeacordocomVolkerimket al.(2007),asbarreirasàentradanomercadodefarmáciaspodemserdeíndoleregulatória(regulaçãodapropriedade,ins-talação,etc.)oueconómica.OacórdãodoTribunaldeJustiçaEuropeusobreo«casoAstúrias»considerouem2010queasrestriçõesàliberdadedeesta-belecimentosãocompatíveiscomodireitoEuropeuejustificáveisparaasse-gurarumfornecimentoseguroedequalidadedemedicamentosàpopulação(Ordem dos Farmacêuticos, 2013).O caso remonta a 2002, altura em queaComunidadeAutónomadasAstúrias(Espanha)decidiuabrirumconcursoparaaemissãodeautorizaçãodeinstalaçãodefarmácias.EssadecisãotinhaporbaseodecretodasAstúriasquelimitaonúmerodefarmáciasemfunçãoda população dessa zona.Alémdisso, o sistema proíbe a abertura de umafarmácia amenos de 250metros de outra farmácia. Por último, o decretofixatambémoscritériosquepermitemfazerumaopçãoentrefarmacêuticosconcorrentes,medianteaatribuiçãodepontosemfunçãodaexperiênciapro-fissional e universitária dos candidatos.Dois dos candidatos farmacêuticosquepretendiamabrirumanova farmácianasAstúrias,decidiram impugnarjudicialmenteoconcursoabertopelasAstúriaseoreferidodecreto,umavezquenãosepretendiamsujeitaraoregimedeplanificaçãoterritorialdecorrentedodecretoasturiano.OTribunalSuperiordeJustiçadasAstúriasfoichamadoapronunciar-sesobreoslitígiose,porterdúvidasquantoàcompatibilidadedodecretoasturianocomaliberdadedeestabelecimentoconsagradanotra-tado,dirigiu-seaoTribunaldeJustiçaEuropeu.AdecisãodoTribunaldeJus-

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tiçaEuropeuindicaqueoslimitesdemográficosegeográficosdefinidospelalegislaçãodasAstúriasparaaaberturadefarmáciasconstituemumarestriçãoàliberdadedeestabelecimento,contudoosmesmossãocompatíveiscomaleieuropeia(AcórdãodoTribunaldeJustiçadaUniãoEuropeianosprocessosapensosC-570/07 eC-571/07)118 em razãodas necessidadesde cuidados emedicamentoscomqualidadeedobemestardapopulação.

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348 Irene Portela: Caso da transferência de farmácia de associação pública. Anotação ao Acórdão…

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349Ramos: Responsabilidade civil pela administração da cooperativa. Anotação ao Acórdão do…

Cooperativismo e Economía Social, nº 35 (2012-2013), pp. 349-361

ResponsAbilidAde Civil pelA AdministRAção dA CoopeRAtivA

Anotação ao Acórdão do supremo tribunal de Justiça de 25 de outubro de 2012119

MariaElisabeteRAMOSDoutora em Direito. Professora Auxiliar da Faculdade de Economia de Coimbra

[email protected]

1. sÍntese do litÍgio

Umacooperativadeproduçãooperária intentounoTribunal Judicial deViladoCondeumaaçãodeclarativacontraas trêsdiretorasqueexerceramfunçõesdesde1985até27dejunhode2005(daquiemdiante,Rés).

AcooperativapedeacondenaçãodasRésnopagamentode:

a) € 1 651093,30, correspondente às dívidas da cooperativa àFazendaPúblicaeàSegurançaSocial,acumuladaduranteaadministraçãoacargodasRés;

b)€100000,00€,correspondenteàquantiarecebidapelasRés,emrepre-sentaçãodacooperativa,deumacompanhiadeseguros;

c)montantesgastospelaPresidentedaDireçãoemcomprasemsupermer-cados, almoços e jantares em restaurantesdequalidade superior, contasdetelemóvel,compradeartigosparaolareautomóvel.

OTribunalJudicialdeViladoCondeabsolveuasrésdopedidoquecontraelaseraformuladopelacooperativa.

119 -Acórdão doSupremoTribunal de Justiça proferido noProcesso 1059/06.2TBVCD.P1.S1,disponívelhttp://www.dgsi.pt.

Ramos: Responsabilidade civil pela administração da cooperativa. Anotação ao Acórdão do…

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350 Ramos: Responsabilidade civil pela administração da cooperativa. Anotação ao Acórdão do…

Acooperativa,inconformadacomestadecisão,interpôsrecursoparaoTri-bunaldaRelaçãodoPortoqueconfirmouasentençadotribunaldeprimeirainstância.

Do acórdão do Tribunal da Relação do Porto, a cooperativa interpõerecursoparaoSupremoTribunaldeJustiça.

Dosfactosdadoscomoprovadospelasinstâncias,salientamososseguin-tes:

a)aAutoraéumacooperativa,doramodosectorcooperativodaproduçãooperária;

b)astrêsRésexercerampelomenosdesde1985até27dejunhode2005,asfunções,respetivamente,dePresidentedaDireção,TesoureiraeVogaldaDireção;

c) as dívidas daAutora à Fazenda Nacional e à Segurança Social, em27/6/2005,emesmo3,6,9e12mesesantes,ascendiamaquantianãoinferiora€1500000,00(ummilhãoequinhentosmileuros);

d)a10/8/2005aautoraapresentouprocessodeinsolvêncianoTribunaldeComérciodeVilaNovadeGaia,quecorretermospelo1.ºJuízo,soboproc.n.º507/05.3TYVNG,eondefoijádeclaradainsolventepordecisãotransitadaemjulgado.Noprocesso,encontra-sejuntaprocuraçãodoadministradordeinsolvênciaaratificaroprocessadonaação;

e)nosdiasanterioresàtomadadeposse(danovadireção)aanteriorPre-sidentedaDireçãoemitiuesacouumcheque,àsuaordemeaseufavor,nomontantede€16000,00(dezasseismileuros);

f)comrecursoaocartãodecréditodaempresa,aPresidentedaDireçãoalmoçou e jantou em vários restaurantes do concelho deVila do Conde ePóvoadeVarzim;

g)aPresidentedaDireçãogastavadinheirodacooperativaparacomprarartigosparalarecasa,fazercomprasnumhipermercadoeparacomprarfloresemmontantenaordemdosváriosmilharesdeeuros;

h)depoisdetercessadoassuasfunçõescomoPresidentedaDireção,estaex-dirigentecontinuouautilizarotelemóveldacooperativaeagastarquan-tiassignificativasemtelefonemasnacionaiseinternacionais;

i)emfinaisdomêsdeOutubrode2004ocorreuumincêndionasinstala-çõesesededacooperativa;

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351Ramos: Responsabilidade civil pela administração da cooperativa. Anotação ao Acórdão do…

j)CompanhiadeSegurosGlobal,S.A.pagouàcooperativa,representadaporduasdiretoras,umaindemnizaçãodetalsinistronovalorde€100000,00(cemmileuros).Nãofoiprovadoquetalquantiatenhaintegradoopatrimóniodacooperativa.

OSupremoTribunaldeJustiçaproferiuaseguintedecisão:

a) Manutenção doAcórdão recorrido quanto à absolvição das Rés dopedidodopagamentodasquantiascorrespondentesàsdívidasdaSegurançaSocialeFazendaNacional.

b)CondenaçãodasRés,solidariamente,nopagamento:i)de€125316,17(€100000,00correspondenteàimportânciarecebidaspelasRésdasegura-doranasequênciado incêndioe€25316,17correspondenteaochequede€16000,00recebido+€8479,56valordoveículorecebido+€836,72des-pesaspessoais);ii)dasdespesasemtelefonefeitaspelasRés,apartirdadatadacessaçãodasfunçõesdestascomomembrosdadireçãodacooperativa.

2. infRAção dA lei pelA CoopeRAtivA e ResponsAbilidAde dos membRos dA diReção

OAcórdãodoSupremoTribunalde Justiça trata factosconstitutivosdaresponsabilidade civil pela administração de uma cooperativadeproduçãooperária.Competeàdireçãoopoder-deverdegerira(s)empresa(s)dacoope-rativa120.OCódigoCooperativopoucodizsobreoquesejaaadministraçãodacooperativa121.Oart.56.ºdoCCoop.,determinaquea«direçãoéoórgão

120 - Sobre o poder-dever de administrar, v. MARIA ELISABETE RAMOS, Responsabilidade civil dos administradores e diretores de sociedades anónimas perante os credores sociais,Coimbra:CoimbraEditora,2002,p.77.

121 -Paraassociedades,J.M.COUTINHODEABREU,Governação das sociedades comerciais,2.ªed.,Coimbra:Almedina,2010,p.40,consideraqueaadministração«compreenderá as decisões estratégicas ou fundamentais sobre os objetivosempresariais a longoprazo, as correspondentesorganizaçãodosmeiosprodutivos,dimensãoelocalizaçãoda(s)empresa(s),asváriaspolíticasempresariais—produção(tiposdeprodutosemercadosdestinatários),distribuição,pessoal,financiamentos—,oprovimentodospostoslaboraisdedireção,osistemainformacionalinter-orgânicoe intra-empresarial». Caraterização que talvez possa ser aplicável às cooperativastitulares de empresas. Sobre a possibilidade de a cooperativa atuar sem empresa(emsentidoobjetivo),v.J.M.COUTINHODEABREU,Da empresarialidade. As empresas no direito,Coimbra:Almedina,1996,p.166.

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deadministraçãoederepresentaçãodacooperativa»,seguindo-seumelencoexemplificativodetarefasqueincumbemaesteórgão.

Sabe-sequeoingressonocargodediretordeumacooperativaimplicaqueotitularestejaadstritoaobservarumextensoenãocompletamentedetermi-nadoroldedeveresjurídicos122.Algunsestãoconcretamentedescritosnaleie,porisso,jáforamdesignados«devereslegaisespecíficos»123.Mencione-se,atítuloexemplificativo,odeverdeelaboraranualmenteesubmeteraoparecerdoconselhofiscaleàaprovaçãodaassembleiageralorelatóriodegestãoeascontasdoexercício,bemcomooplanodeatividadeseoorçamentoparaoanoseguinte[art.56.º,a),doCódigoCooperativo],odeverdenãopraticaratosestranhosaoobjetoouinteressesdacooperativa[art.65.º,1,a),doCódigoCooperativo],odeverdenãopagaroudenãomandarpagarimportânciasnãodevidaspelacooperativa[art.65.º,1,b),doCódigoCooperativo],odeverdenãodistribuirexcedentesfictícios[art.65.º,1,d),doCódigoCooperativo].

ParaládosdeverescujafonteéoCódigoCooperativooualegislaçãocoo-perativa,háqueconsiderardeveresqueseencontramdispersospelosistemajurídico.Nestecontexto,considere-se,maisumavezatítulodeexemplo,odeverdeosmembrosdadireçãorequereremainsolvênciadacooperativaemcertascircunstâncias(arts.18.ºe19.ºdoCIRE)124.

Para além destes, os/as diretores/as da cooperativa estão vinculados aobservaros«devereslegaisgerais»125decuidadoedelealdade126.

Háquequestionarseexisteumdeverlegaldeosdiretoresdacooperativaobservaremecumpriremas normas legais cuja destinatária direta e imediata é a cooperativa.

122 - Para as sociedades, v. MARIA ELISABETE RAMOS, O seguro de responsabilidade civil dos administradores. Entre a exposição ao risco e a delimitação da cobertura,Coimbra:Almedina,2010,p.104.

123 -J.M.COUTINHODEABREU,Responsabilidadecivildosadministradoresdesociedades,2.ªed.,Coimbra:IDET/Almedina,2010,p.12.

124 -Cfr.MARIA ELISABETE RAMOS, O seguro…, cit. p. 104, s..125 - J. M. COUTINHO DE ABREU, Responsabilidade civil…, cit., p. 14.126 -Desenvolvidamente,v.MARIA ELISABETE RAMOS,«Daresponsabilidade

dos dirigentes e gestores das cooperativas – uma introdução»,Cooperativismo e Economia Social,32(2009/2010),p.50,ss..

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Parecequeserádeafirmarqueadireçãodacooperativa,namedidaquelhecompeteadministrarerepresentaracooperativa,deveatuarnorespeitopelalegalidade e cumprir as normas destinadas à cooperativa127. É, pois, lícito,afirmarque«taisnormasseaplicam,narealidade,directaeimediatamente,aosadministradoresenquantotitularesdoórgãodapessoacoletivaporviadaimputaçãocriadapelarelaçãodeorganicidadeexistente»128.

Destemodo,àsdiretorasdacooperativadeproduçãooperáriaincumbia,porforçada«relaçãodeorganicidadeexistente»odeverdecumprirasobri-gaçõesdestaparacomaFazendaNacionaleparacomaSegurançaSocial.Devedoradestasquantiasé,semmargemparadúvidas,acooperativa.

Acooperativa,invocandoresponsabilidadecontratualdasRés,pediuqueestasfossemcondenadasnopagamentoàcooperativadosmontantescorres-pondentesàsdívidasàSegurançaSocialeàFazendaNacional.

OSupremoTribunaldeJustiçamanteveaabsolviçãodasRésquantoaestepedido,invocandoafaltadenexo de causalidade.ConsiderouesteTribunalque«atentooreferidocontextoempresarialemquesedesenvolveuaactivi-dadedaautora,nãosepossaafirmarqueoelevadoníveldeendividamentojuntodaSegurançaSocialedaFazendaNacionalsejaconsequênciaexclusivadasacçõeseomissõesocorridasnodecursodagerênciadasRRapontodeseremresponsabilizadaspelatotalidadedesseendividamentonostermosemqueaAutoraofaz».

Efetivamente,osdiretoresdacooperativanãosãoresponsáveispelascon-sequências imputáveis ao(s) risco(s) de empresa129. Se em virtude de umaconjunturadesfavorável,aempresasocietáriaentraemcriseedeixadepagarsalários ou de satisfazer outros compromissos, por estes incumprimentos éresponsávelacooperativa.Osmembrosdadireçãodacooperativanãoestãosujeitosaresponsabilidadepatrimonialporresultadoeconómico(negativo)daempresadecarizessencialmenteobjetivo130.

127 - MANUEL CARNEIRO DA FRADA, «O dever de legalidade: um novo(nãoescrito)dever fundamentaldosadministradores?»,Direito das Sociedades em Revista,8(2012),p.69,ss.,defendeexistirestedeveracargodosadministradoresdesociedades.

128 - MANUEL CARNEIRO DA FRADA,«Odeverdelegalidade…»,cit.,p.70.129 - V. MARIA ELISABETE RAMOS, Responsabilidade civil dos

administradores…, cit., p. 91, ss..130 - MARIA ELISABETE RAMOS, Responsabilidade civil dos administradores…,

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Oqueseacabadeafirmarnãosignificaqueacooperativanãopossareagiraatuações ilegaisdosdiretores.Desde logo, temà suadisposiçãoomeca-nismodadestituiçãoqueéumadascompetênciasdaassembleiageral [art.49.º,a),doCCoop.].

Paraalémdisso,acooperativapoderá,aoabrigodaresponsabilidadecon-tratual,obteroressarcimentodosprejuízosqueparaelasignificouodesres-peitodaordemjurídicaqueacondutadadireçãoprovocou.Ofundamentodestaresponsabilidadecontratualpodeserencontradonoart.65.ºdoCCoop.,naparteemqueestadisposiçãoestatuia responsabilidadedosdiretoresdacooperativaperanteestapela«violaçãodalei».

3. gestão de empResA CoopeRAtivA, deveRes de leAldAde e bUsiness JUdgement RUle

3.1. Decisões empresariais ilícitas — violação dos deveres de leal-dadeOAcórdãodoSupremoTribunaldeJustiçanãotemdúvidasemafirmar

queostitularesdadireçãodascooperativasestãosujeitosaodever de leal-dade.Fundaestejuízonoart.64.ºdoCSC,ex vi art.9.ºdoCCoop..Lê-senoAcórdãoque«Osdirectores,gerenteseoutrosmandatários—talcomoosadministradoresnassociedadescomerciais—dascooperativasestãoassimadstritosaosdeverespreceituadosnesteartigo,bemcomoaosdecuidadoelealdade,enunciadosnoart.64.ºdoCódigodasSociedadesComerciais,prin-cípiosque,nãodesrespeitandooscooperativos,constituemfonte,aindaquededireitosubsidiário,deobrigaçõesparaasuaresponsabilização—art.9.ºdoC.Coop.»

OCódigoCooperativonãocontémumadisposiçãosemelhanteàdoart.64.º, 1, b), doCSC, consagradora dodever legal geral de lealdade131. No entanto,oCódigoCooperativo,emdisposiçõesdiversasedispersas,consagra

cit., p. 92; J. M. COUTINHO DE ABREU/MARIA ELISABETE RAMOS, «Responsabilidade civil de administradores e de sócios controladores (notas sobreoart.379.ºdoCódigodoTrabalho»,Miscelâneas n.º3,Coimbra:IDET/Almedina,2004, p. 27).

131 - Sobre esta disposição, v.RICARDO COSTA/GABRIELA FIGUEIREDO DIAS,«Artigo64.º»,in:Código das Sociedades Comerciais em comentário(coord.deJ.M.CoutinhodeAbreu),vol.I,Coimbra:Almedina,2010,p.721,ss..

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355Ramos: Responsabilidade civil pela administração da cooperativa. Anotação ao Acórdão do…

manifestaçõesespecíficasdodeverdelealdadedosmembrosdadireção.Sãooscasosdoart.56.º,i),doCCoop.quedeterminaacompetênciadadireçãoparapraticarosatosnecessáriosàdefesadosinteressesdacooperativaedoscooperadores;oart.65.º,1,doCCoop.impõeaexecuçãofieldomandato;amaiorpartedasinfraçõestipificadasnasdiversasalíneasdon.º1doart.65.ºdoCCoop.configuramviolaçõesgravesdodeverdelealdade132.

Odeverdelealdadeimpõequeosdiretoresdacooperativaatuemnointe-ressedesta133.Ostitularesdoórgãodeadministraçãodacooperativa,noexer-cíciodassuasfunções,estãoacuidardeinteressesalheios.Odever de leal-dadeobstaaque,numasituaçãodeconflito de interesses com a cooperativa, adireçãoprivilegieosseusinteressesouinteressesdequemlheépróximo.

Asinstânciasderamcomoprovadososseguintesfactosqueconsubstan-ciamaviolaçãododeverdelealdade:

a)nosdiasanterioresàtomadadeposse(danovadireção),aanteriorPre-sidentedaDireçãoemitiuesacouumcheque,àsuaordemeaseufavor,nomontantede€16000,00(dezasseismileuros);

b)usandoocartãodecréditodacooperativa,aPresidentedaDireçãoalmo-çouejantouemváriosrestaurantesdoconcelhodeViladoCondeePóvoadeVarzim egastavadinheiroefundosdaautoraparacomprarartigospara larecasa,fazercomprasnumhipermercadoparacomprarfloresnaordemdosváriosmilharesdeeuros;

c)nãoafetaçãoaopatrimóniodacooperativados100000eurospagospelacompanhiadeseguroscomoindemnizaçãodosinistroocorridoemoutubrode2004;

d) aPresidentedaDireção,medianteopagamentodovalor residual de1700000$00,adquiriuparasioautomóvelrelativamenteaoqualacoopera-tivapagoutodasasrendasdevidaspelocontratodelocaçãofinanceira.

132 - Desenvolvidamente, v. MARIA ELISABETE RAMOS, «Daresponsabilidade…»,cit.,p.51,ss..

133 - Para a caraterização do dever de lealdade dos administradores, v. J. M. COUTINHO DE ABREU,«Deveresdecuidadoedelealdadedosadministradoreseinteressesocial»,in:Reformas do Código das Sociedades,Coimbra:IDET/Almedina,2007, p. 22, ss..; MARIA ELISABETE RAMOS, O seguro…, cit., p. 114, ss.;RICARDO COSTA/GABRIELA FIGUEIREDO DIAS, «Artigo 64.º», cit., p. 721,ss..

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356 Ramos: Responsabilidade civil pela administração da cooperativa. Anotação ao Acórdão do…

3.2. Presunção de culpa

Aprovadecomportamento(s)ilícito(s)nãoésuficienteparafirmarares-ponsabilidadecivildosdirigentesdacooperativaparacomesta.Énecessárioqueosrestantesrequisitosdaresponsabilidadecivilcontratualestejampreen-chidos.

Aresponsabilidadecivildosdiretoresperanteacooperativaexigeaculpa dequematua.Acircunstânciadeoart.65.ºdoCCoop.nãoreferirexpressa-menteesterequisitonãoautorizaaconclusão—queseriaincorretaejuridi-camenteinfundada—dequeseprescindadaculpa.Noordenamentojurídicoportuguês,oregime-regraéodaresponsabilidadecivilsubjetiva(art.483.ºdoCCivil).

ComorefereoSupremoTribunaldeJustiça,naresponsabilidadecivildosdiretores para com a cooperativa, esta última beneficia de uma presunção legal de culpadosdirigentes.

Oart.65.ºdoCCoop.nãoprevêtalpresunçãodeculpa134.MaselaresultadoregimegeraldoCódigoCivilsobreresponsabilidadecivilcontratual(art.799.º,1,doCCivil)eéreiteradapeloart.72.º,1,doCSC135.Oquesignificaque recai sobre os diretores o ónus de provar que atuaram sem culpa (art.350.º,1,doCCivil).

OCódigoCooperativonãoresolveexpressamenteaquestãodocritério de apreciação da culpa dos dirigentes,paraefeitosderesponsabilidadecivil.NoacórdãodoSupremoTribunaldeJustiça,lê-seque«Opadrãodecomporta-mentoexigívelaosgerentesédeumgestordotadodequalidadeparaocargo(enãoapenasdeumbompaidefamília)».

Nassociedadescomerciais,opadrãogeralparaavaliaraculpadosadmi-nistradoresé o da abstrata diligência do gestor criterioso e ordenado, previsto noart.64.º,1,a),doCSC136.OCódigoCooperativonãoresolveexpressamenteestaquestão.Peranteestalacuna,háquequestionarseopadrãoaplicávelaos

134 -V.MARIA ELISABETE RAMOS,«Daresponsabilidade…»,cit.,p.45.135 -Sobreestapresunçãodeculpa,v.J. M. COUTINHO DE ABREU/MARIA

ELISABETE RAMOS, «Artigo 72.º», in:Código das Sociedades Comerciais em comentário(coord.deJ.M.CoutinhodeAbreu),vol.I,Coimbra:Almedina,2010,p. 842.

136 - J. M. COUTINHO DE ABREU/MARIA ELISABETE RAMOS, «Artigo72.º»,cit.,p.842.

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357Ramos: Responsabilidade civil pela administração da cooperativa. Anotação ao Acórdão do…

diretoresdacooperativaéodadiligênciadogestorcriteriosoeordenado(art.64.º, 1, a),doCSC)137ouoda«diligênciadobompaidefamília,emfacedascircunstânciasdocaso»(arts.487.º,n.º1,799.ºdoCódigoCivil).

Vários argumentos podem sermobilizados no sentido de que o critérioaplicávelàapreciaçãodaculpaéodogestor criterioso e ordenado138:a) tanto osadministradoresde sociedadescomoosdiretoresdecooperativasgereminteressesepatrimóniosalheios;b)porserassim,hádeserexigidoaestesgestoresdeinteressesalheiosumpadrãomaisexigentedoqueodobompaide família; c) não existindo uma norma específica doCódigoCooperativoquereguleestamatéria,deveaplicar-secomodireitosubsidiárioodireitodassociedadesanónimas(art.9.ºdoCCoop.)que,justamente,elegeocritériodogestorcriteriosoeordenado.

3.3. Gestão de cooperativa e âmbito de aplicação do art. 72.º, 2, do CSC

Peranteafactualidadedadacomoprovada,oSupremoTribunaldeJustiçadeclaraque«asRéstêmderesponderperanteaautoranostermosdocitadoart.72nº1doCSCexvidoart.9doCod.Cooperativo,sendocertotambémquenãoilidiramapresunçãoquefuncionavacontraelasetambémnãovemprovadaqualquerfactualidadeexclusivadessaresponsabilidade(cfr.art.72nº2doCSC)».

OSupremoTribunaldeJustiçaparececonsiderar—seatendermosaotre-choqueacabámosdecitar—queoart.72.º,2,doCSCéaplicávelaocasoemanálise.E,porisso,quearesponsabilidadecivildasRésparacomacoopera-tivapoderiatersidoexcluídaseaquelastivessemlogradoprovarqueatuaramemtermosinformados,livresdequalquerinteressepessoalesegundocritériosderacionalidadeempresarial(art.72.º,2,CSC).

Parece-mequeoart.72.º,2,doCSCéaplicávelàscooperativas,tendoemcontaqueodireitodassociedadesanónimas,porforçadoart.9.ºdoCCoop.,ésubsidiariamenteaplicávelàscooperativas.

137 -V.J. M. COUTINHO DE ABREU/MARIA ELISABETE RAMOS,«Artigo72.º»,cit.,p.842.

138 -Cfr. MARIA ELISABETE RAMOS,«Daresponsabilidade…»,cit.,p.46.

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358 Ramos: Responsabilidade civil pela administração da cooperativa. Anotação ao Acórdão do…

Noentanto,parece-mequeasRés,atendendoàfactualidadedadacomoprovada,nãopoderiambeneficiardaexclusãoderesponsabilidadecivilpro-porcionadapeloart.72.º,2,doCSC139.

Naverdade,estanormasóéaplicávelseseverificaremdeterminadospres-supostosoucondições140:a)énecessárioqueumadecisãotenhasidotomada;b)osdiretores,bemcomopessoaspróximas,nãopodemestaremconflitodeinteressesrelativamenteaoobjetodadecisão;c)asnormasprocedimentaisdadecisãotêmdesercumpridas;aregranãoseaplicaseodiretornãoseinformarazoavelmenteantesdedecidir.

Porconseguinte,oart.72.º,2,doCSCnão se aplica a decisões violadoras do dever de lealdadeoudedevereslegaisespecíficos,estatutáriosoucontra-tuaisdosdiretores.

Duasdasrésreceberamos100000eurospagospelacompanhiadesegurosàcooperativa.Estedinheirodeveriaterentradonopatrimóniodacooperativaedevidamenteregistadonacontabilidade.EstemontantenãofoiregistadonacontabilidadedacooperativaeasRésnãolograramprovarqueeletivessesidoutilizadoemfavordacooperativa.

Aleinãoreconheceàsdiretorasdacooperativaespaçodediscricionarie-dadequantoàquestãodesaberseodinheirorecebidodacompanhiadesegu-rosdeveounãoser integradonopatrimóniodacooperativaedevidamenteregistado na contabilidade.A factualidade dada comoprovadamostra que,quantoàaplicaçãodestesdinheiros,houveviolaçãododeverdelealdadedasdiretorasdacooperativa,e,porconseguinte,estasnão«atuaramlivredequal-querinteressepessoal».E,certamente,nãoforamrespeitadasasnormaslegaisqueregulamosregistoscontabilísticosdosbenspertencentesàcooperativa141.

139 -Entreoutrascontrovérsiasqueenvolvemestepreceito,édiscutidoseoseuobjetivo é proteger os administradores ou, antes, facilitar a sua responsabilização.Sobreestasquestões,v.MARIA ELISABETE RAMOS, O seguro…,cit.,p.158,ss..

140 - J. M. COUTINHO DE ABREU/MARIA ELISABETE RAMOS, «Artigo72.º»,cit.,p.845.

141 - V. com interesse ANA MARIA RODRIGUES, «Os novos desafios dacontabilidade para organizações da economia social que aplicam o SNC – ascooperativas»,Cooperativismo e Economia Social,32(2009/2010),p.115,ss..

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359Ramos: Responsabilidade civil pela administração da cooperativa. Anotação ao Acórdão do…

4. efetivAção dA ResponsAbilidAde Civil dos diRigentes pARA Com A CoopeRAtivA

4.1. A legitimidade ativa da cooperativa para «o exercício do direito de ação civil»

Porfim,cumpretecerumareflexãobrevesobrealgunsaspetosdenaturezajurídico-processual.

Nostermosdosarts.49.º,n),e68.º,1,doCCoop.,oexercícioemnomedacooperativa,dodireitodeaçãocivilcontradiretoresdeveseraprovado em assembleia geral.Porconseguinte,alegitimidade ativadacooperativaparaaaçãodependededeliberaçãodeassembleiageral.

Oórgãodeadministraçãoederepresentaçãodacooperativaeoórgãodefiscalizaçãosãoincompetentesparadecidiraproposituradeaçõesderespon-sabilidadecontradiretores.

Oart.51.º,2,doCCoop.exigemaioria qualificadade,pelomenos,dois terçosdosvotosexpressosnaaprovaçãodadeliberaçãoquedecideoexercíciododireitodeaçãocivildacooperativacontraosdiretores.OCódigoCoope-rativodemarca-sedasoluçãoacolhidapeloart.75.º,1,doCSC142queexigetão-sóamaioria simplesdosvotos.Oregimecooperativo,porconfrontocomo regime jurídico-societário, dificulta a responsabilizaçãodos diretores porpartedacooperativa.

OCódigoCooperativonãofixaoprazodentrodoqualdeveserpropostaa ação de responsabilidade previamente deliberada pela assembleia geral.Tratando-se,pois,deumalacunadoCódigoCooperativo,elaseráresolvidapelaaplicaçãodoart.75.º,1,doCSCex vi art.9.ºdoCCoop.143.Destemodo,areferidaaçãodeveserpropostanoprazodeseismesesacontardareferidadeliberação.Seoprazonãoforcumprido,aindaassimnãoficaráacooperativa

142 -Sobreoregimesocietário,v.MARIA ELISABETE RAMOS, O seguro…,cit.,p.184,ss.;J.M.COUTINHO DE ABREU/ MARIA ELISABETE RAMOS,«Artigo75.º»,in:Código das Sociedades Comerciais em comentário(coord.deCoutinhodeAbreu),vol.I,Coimbra:Almedina,2010,p.875,ss..

143 -Sobreodireitodassociedadesanónimascomodireitosubsidiárioaplicávelàresponsabilidadedosdiretoresdascooperativas,v.MARIA ELISABETE RAMOS, «Daresponsabilidade…»,p.41,ss..

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360 Ramos: Responsabilidade civil pela administração da cooperativa. Anotação ao Acórdão do…

impedida(dentrodoprazodeprescrição)deproporaação144.Porém,ultrapas-sadoaqueleprazo,écertoqueaaçãopodeserpropostaporcooperador(es)(art. 77.º, 1, ex vi art. 9.º145)ouatéporcredoresdacooperativa(art.78.º,2,CSC, ex viart.9.ºdoCCoop.).

4.2. Insolvência da cooperativa e legitimidade exclusiva do adminis-trador da insolvência

OAcórdãodoSupremoTribunaldeJustiçareferequeseencontra juntaaoprocessoaprocuraçãodoadministradorda insolvênciaaratificaropro-cessadonaação.Oart.82.º,2,doCIREconsagraalegitimidade exclusivadoadministradordainsolvênciapara,duranteoprocessodeinsolvência,proporefazerseguiraaçãosocialderesponsabilidade146.

Alegitimidadedoadministradordainsolvênciaéindependentedo«deve-doroudosseusórgãossociais»[art.82.º,2,a),doCIRE].

Compreende-sequeoadministradordainsolvênciatenhalegitimidadeparaproporoufazerseguiraaçãoderesponsabilidadecontraosdiretores,poisacooperativadevedorainsolventeestáprivadadospoderesdeadministraçãoededisposiçãodosbensintegrantesdamassainsolvente.Essespoderespassamacompetiraoadministradordeinsolvência(art.81.º,1,doCIRE).Poroutrolado,nos termosdoart. 81.º, 4,doCIRE,«oadministradorda insolvência

144 -Nestesentido,v.J. M. COUTINHO DE ABREU, Responsabilidade civil…, cit.,p.61;J.M.COUTINHO DE ABREU/MARIA ELISABETE RAMOS,«Artigo75.º»,cit.,p.877.DemododiferentejulgouoAcórdãodoSupremoTribunaldeJustiçade17/9/2009,proferidonoProcesso94/07.8TYLSB.L1.S1,disponívelemwww.dgsi.pt,queconsiderouoprazodeseismesescomoprazodecaducidade.

145 - Sobre a ação ut singuli e cooperativas, v.MARIAELISABETERAMOS,«Açãout singuli e cooperativas (AnotaçãoaoAcórdãodoTribunaldaRelaçãodoPortode16deoutubrode2008),CooperativismoeEconomiaSocial,32(2009/2010),p.273,ss.;MANUELCARNEIRODAFRADA/DIOGOCOSTAGONÇALVES,«Aaçãoutsinguli(deresponsabilidadecivil)earelaçãododireitocooperativocomodireitodassociedadescomerciais»,RevistadeDireitodasSociedades,4(2009),p.885, ss.

146 - Desenvolvidamente, MARIA ELISABETE RAMOS, «Insolvência dasociedade e efetivação da responsabilidade dos administradores», Boletim da Faculdade de Direito, 2007, p. 449, ss., O seguro…,cit.,p.211,ss.;J. M. COUTINHO DE ABREU/MARIA ELISABETE RAMOS,«Artigo75.º»,cit.,p.878,ss..

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361Ramos: Responsabilidade civil pela administração da cooperativa. Anotação ao Acórdão do…

assumearepresentaçãododevedorparatodososefeitosdecaráterpatrimo-nialqueinteressemàinsolvência».

5. ConClUsãoEsteAcórdãodoSupremoTribunaldeJustiçaexpõeumaexperiênciacoo-

perativaemqueadireçãoatuouváriasvezesemconflitodeinteresses,usandoembenefícioprópriobensdacooperativa.

Oprincípiocooperativodagestãodemocráticaimplicaocontrolodemo-cráticodasdecisõestomadaspeloórgãodegestãodacooperativa.OCódigoCooperativo—a«law in books»—prevêinstrumentosjurídicosidóneosàefetivaçãodestecontrolo.Noentanto,éprecisoqueaexperiênciacoopera-tiva—a«law in action»—seapropriedetaisinstrumentoseatalhe,omaiscedopossível,comportamentosdadireçãoquesejamvioladoresdodeverdelealdade. Tais comportamentos privam a cooperativa de bens, informação,oportunidadesdenegócioque legitimamente lhepertencem.Aoserposter-gadoointeressedacooperativaemfavordo(s)interesse(s)dequemageresãocriadasascondiçõesadversasaoêxitodoprojetocoletivoqueestevenabasedacooperativa.

AbReviAtURAsCCiv:CódigoCivil

CCoop:CódigoCooperativo

CIRE:CódigodaInsolvênciaedaRecuperaçãodeEmpresas

CSC:CódigodasSociedadesComerciais

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363Silva Patrício: As cooperativas de ensino que desenvolvem funções com caráter de interesse…

Cooperativismo e Economía Social, nº 35 (2012-2013), pp. 363-373

As CoopeRAtivAs de ensino QUe desenvolvem fUnções Com CARÁteR de inteResse

públiCo: fUnções públiCAs oU pRivAdAs?Anotação ao Acórdão do tribunal da Relação do porto

n.º Rp20121105628/11.3ttbCi.p1, de 5 de novembro de 2012

ManueladaSILVAPATRÍCIOProfessora Adjunta da Área Científica de Direito do Instituto Superior de

Contabilidade e Administração do Instituto Politécnico do Porto [email protected]

1. o litÍgioOTribunaldaRelaçãodoPortofoichamadoadecidiremsedederecurso

interpostodadecisãofinalquepôstermoaoprocessoem1.ªinstânciaequejulgou improcedente a ação interposta peloAutor, professor de educaçãovisual(EVT),comosfundamentosqueseseguem:

«Está assente que o autor se encontra numa situação de reforma anteci-pada da função pública desde 26/08/10.

Ora, perante tal facto, cumpre aferir se ao mesmo seria permitido conti-nuar a leccionar na ré nos moldes em que vinha fazendo e, para tal, ter-se-á de recorrer ao estatuído no DL n.º 498/72 de 09/12, o qual promulgou o esta-tuto da aposentação (e sucessivas alterações – DL n.º 215/87 de 29/05, DL n.º 179/2005 de 02/11 e DL n.º 137/2010 de 28/12).

Mais concretamente, ter-se-á de recorrer ao disposto no art. 78.º do citado DL.

Este último, na redação conferida pelo DL 179/2005, dispunha “Os apo-sentados não podem exercer funções públicas ou prestar trabalho remune-rado, ainda que em regime de contrato de tarefa ou de avença, em quaisquer

Silva Patrício: As cooperativas de ensino que desenvolvem funções com caráter de interesse…

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364 Silva Patrício: As cooperativas de ensino que desenvolvem funções com caráter de interesse…

serviços do estado, pessoas coletivas públicas ou empresas públicas, exceto quando se verifique alguma das seguintes circunstâncias: a) quando haja lei que o permita; b) quando, por razões de interesse público excepcional, o Primeiro-Ministro expressamente o decida (…)” — n.º 1.

Já na redação conferida pelo art. 6.º do DL n.º 137/2010 — decreto que, entre outros aspectos, veio eliminar a possibilidade de acumulação de venci-mentos públicos com pensões do sistema público de aposentação —, dispõe o n.º 1 do art. 78.º: “Os aposentados não podem exercer funções públicas remuneradas para quaisquer serviços da administração central, regional e autárquica, empresas públicas, entidades públicas empresariais, entidades que integram o setor empresarial regional e municipal e demais pessoas cole-tivas públicas, exceto quando haja lei especial que o permita ou quando, por razões de interesse público excepcional, sejam autorizados pelos membros do governo responsáveis pelas áreas das finanças e da Administração Pública”.

Neste último diploma descrevem-se ainda as situações abrangidas pelo conceito de exercício de funções, a saber: todos os tipos de atividade e ser-viços, independentemente da sua duração, regularidade e forma de remune-ração e todas as modalidades de contratos, independentemente da respetiva natureza, pública ou privada, laboral ou de aquisição de serviços — n.º 3 do art. 78º.

Note-se que, face ao estatuído no n.º 2 do art. 8.º do DL n.º 137/2010, será a redação conferida pelo mesmo ao art. 78.º a que se aplica à situa-ção do autor — “o regime introduzido pelo artigo 6.º do presente decreto-lei aplica-se a partir de 1 de janeiro de 2011 aos aposentados ou beneficiários de pensões em exercício de funções que tenham sido autorizadas para o efeito ou que já exerçam funções antes da entrada em vigor do presente decreto-lei”.

Sendo óbvio que a ré não se enquadra em nenhuma das categorias (entes públicos) enunciadas no n.º 1 do art. 78.º — trata-se de uma cooperativa de ensino —, ter-se-á de indagar se o autor exercia ou não funções públicas.

Como é sabido, as funções públicas são executadas no âmbito dos serviços públicos, que aparecem normalmente como serviços administrativos, e são “o modo de atuar da autoridade pública a fim de facultar, por modo regular e contínuo, a quantos deles careçam os meios idóneos para satisfação de uma necessidade coletiva individualmente sentida” — cfr. Prof. Marcello Caetano, Direito Administrativo, Almedina, 1983, II vol.., pág. 1067.

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365Silva Patrício: As cooperativas de ensino que desenvolvem funções com caráter de interesse…

Atente-se que a ré funciona em regime de contrato de associação com o Ministério da Educação, tendo natureza de interesse público (…).

Como bem refere a ré na Contestação, por força do DL n.º 321/88 de 22/09 (diploma que disciplina a inscrição de pessoal docente do ensino não superior, particular e cooperativo na Caixa Geral de Aposentações, ficando abrangido pelas disposições constantes dos respetivos estatutos — arts. 1.º n.º 1 e 6.º n.º 1) foi atribuída natureza de interesse público às funções desempe-nhadas pelos estabelecimentos de ensino particular e cooperativo no âmbito do sistema educativo.

Ora, atendendo a que o autor foi contratado pela ré para leccionar no estabelecimento da mesma, ter-se-á necessariamente de concluir pelo exercí-cio de funções públicas por parte do mesmo (foi contratado para satisfação de necessidades do Estado com carácter e interesse público — funções edu-cativas).

Note-se que, para o diploma referente ao estatuto da aposentação, o que é determinante – e suficiente — para despoletar a aplicação do regime nele previsto é que os serviços sejam prestados, total ou parcialmente, presencial-mente ou à distância, pelo aposentado e que esses serviços tenham um custo para a entidade pública, independentemente do destino da remuneração. É o caso em análise: o autor está aposentado da função pública e a ré funciona em regime de associação com o Ministério da Educação, sendo, pois, finan-ciada (ou, pelo menos, co-financiada) pelo Estado.

Consequentemente, o mesmo apenas podia ter continuado a leccionar na ré na hipótese devidamente autorizado para esse efeito — art. 78.º n.º 4 e 7 — e, mesmo nessa hipótese, nunca poderia acumular o recebimento da pensão (por aposentação) com qualquer outra remuneração (in casu, pelas funções exercidas na ré art. 79.º. seja como for, não logrou o autor estar munido de tal autorização, nem sequer a ter solicitado…».

OTribunaldaRelaçãodoPortonãoconcordoucomestalinhadefunda-mentação,aduzindoosargumentosqueseseguem:

«Não podemos concordar com tal fundamentação.

Desde logo, impõem-se uma precisão no quadro normativo aplicável ao ensino cooperativo, em que se insere a Ré.

O ensino cooperativo encontra-se tutelado nos arts. 43.º e 75.º da CRP, deles se podendo concluir que, estando cometida ao Estado a obrigação

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366 Silva Patrício: As cooperativas de ensino que desenvolvem funções com caráter de interesse…

constitucional de criar um sistema público de ensino — uma rede de estabe-lecimentos —, ou seja, reconhecendo que a prestação do serviço de ensino é uma tarefa pública necessária, capaz de satisfazer todas as necessidades educativas do País, o Estado reconhece também o valor do ensino particular e cooperativo enquanto realidade que se lhe impõe e que participa num sis-tema plural de ensino.

No plano infraconstitucional, o ensino particular e cooperativo é basica-mente regulado pelas leis n.ºs 46/86 (Lei de Bases do Sistema Educativo), de 04.10, e 9/79 (Lei de Bases do Ensino Particular e Cooperativo), de 19.03.

A primeira, na parte que agora releva, consagrou o reconhecimento pelo estado do valor do ensino dos estabelecimentos particulares e cooperativos como uma expressão concreta da liberdade de aprender e ensinar e do direito da família a orientar a educação dos filhos e considerou ainda, como parte integrante da rede escolar, aqueles estabelecimentos que se enquadrem nos princípios gerais, finalidades, estruturas e objetivos do sistema educativo — arts. 2.º, n.º 3, 54.º, n.º 1 e 55.º, n.º 1.

A Lei n.º 9/79, reconhecendo que a atividade e as escolas públicas, par-ticulares e cooperativas, enquadradas no âmbito do sistema nacional de educação, são de interesse público, colocou todos estes estabelecimentos no mesmo patamar — arts. 1.º, n.º 1, 2.º e 6.º.

E, coerentemente, estabelece o art. 3.º, n.º 2, que “as escolas particulares e cooperativas, quando ministrem ensino colectivo que se enquadre nos obje-tivos do sistema nacional de educação, gozam das prerrogativas das pessoas coletivas de utilidade pública…”.

Como é sabido, pessoas coletivas de utilidade pública são pessoas coleti-vas de direito privado que, segundo a sua finalidade estatutária, são de utili-dade pública.

Ora, a atribuição de algumas prerrogativas das pessoas coletivas de utili-dade pública aos estabelecimentos particulares e cooperativos reforça assim a sua natureza de pessoas coletivas privadas, não dotadas de poderes de auto-ridade.

Podemos, assim, concluir deste quadro normativo que as escolas privadas e as escolas cooperativas atuam no setor privado, no exercício de atividades privadas, ainda que de interesse público.

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367Silva Patrício: As cooperativas de ensino que desenvolvem funções com caráter de interesse…

E se é assim, toda a atividade desenvolvida pelas escolas particulares e cooperativas pertence à esfera do direito privado: nomeadamente, nas suas relações laborais com os professores, os contratos celebrados assumem-se como atos de direito privado.

Dito isto, temos de concluir que a atividade exercida pelo recorrente, ainda que de interesse público, não se enquadra no âmbito das funções públicas, pelo que não lhe é aplicável o citado art. 78.º do Estatuto da Aposentação, na redação do DL n.º 137/2010.

Acresce que, como bem refere o recorrente, este Decreto-Lei — cf. art. 1.º - destinou-se à aprovação de «um conjunto de medidas adicionais de redução da despesa pública com vista à consolidação orçamental prevista no Pro-grama de Estabilidade e crescimento (PEC) para 2010-2013».

Assim, especificamente, ao alterar a redação do citado art. 78.º e do art. 79.º do Estatuto da Aposentação, visou, por um lado, manter o carácter excepcional da autorização para acumulação pelos aposentados de funções públicas, e, por outro lado, eliminar a possibilidade de acumulação de venci-mentos públicos com pensões do sistema público de aposentação.

Podemos, assim, concluir que, no caso em apreço, nada impedia a manu-tenção do contrato de trabalho do recorrente».

2. enQUAdRAmento dA QUestão A tRAtAROquesevaitratarnopresentecomentárioaoAcórdãosupra identificado

éaquestãodesaberseaatividadedesenvolvidapelascooperativasdeensinosãodemoldeaenquadrarotípicoexercíciodefunçõespúblicas,quandoatalatividadeéatribuídoocarácterdeinteressepúblico.

Ditodeoutromodo,ofactodeseratribuídoaoensinocooperativocarácterde interessepúblico justifica,por si só, a aplicabilidadeàs cooperativasdeumregimededireitoadministrativo,mormenteoregimejurídicodoempregopúblico, na medida em que está em causa a aplicação do Decreto-Lei n.º137/2010,de28dedezembro?

3. âmbito de ApliCAção do deCReto-lei n.º 137/2010, de 28 de dezembRoODecreto-Lein.º137/2010,de28dedezembrotemcomoobjetoaaprova-

çãodeumconjuntodemedidasadicionaisdereduçãodedespesacomvistaà

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368 Silva Patrício: As cooperativas de ensino que desenvolvem funções com caráter de interesse…

consolidaçãoorçamentalprevistanoProgramadeEstabilidadeeCrescimento(PEC) para 2010-2013. Nesta sequência, este diploma veio, em primeirolugar,procederàclarificaçãodoâmbitosubjetivodeaplicaçãododecreto-Lein.º192/95,de28dejulhoedoDecreto-Lein.º106/98,de24deabril,queestabelecemoregimedeabonodeajudasdecustoesubsídiodetransportepormotivosdedeslocaçãoemserviçopúblicodostrabalhadoresqueexercemfunçõespúblicas,emterritórionacionaleaoestrangeiroenoestrangeiro.Emsegundo lugar,veioestabelecera reduçãodevaloresdasajudasdecustoedosubsídiode transportepara todosos trabalhadoresqueexercemfunçõespúblicas.Emterceirolugar,veioclarificarqueosregimesdotrabalhoextraor-dinárioedotrabalhonoturnoprevistosnoRegimedoContratodeTrabalhoemFunçõesPúblicassãoaplicáveisatodosostrabalhadorescomcontratodetrabalhoemfunçõespúblicasemtodososórgãoseserviçosabrangidospeloâmbitodeaplicaçãoobjetivodaLein.º12-A/2008,de27defevereiro,inde-pendentementedacarreirae/ouestatutoprofissionalemqueseenquadrem.Emquartolugar,veioeliminarapossibilidadedeacumulaçãodevencimentospúblicoscompensõesdosistemapúblicodeaposentação.Emquintoeúltimolugar,veioprocederaoaumentodeumpontopercentualdacontribuiçãoparaaCaixaGeraldeAposentações.I.P.

Poisbem,doqueacaboudesereferireparaumamelhordelimitaçãodoâmbitodeaplicaçãodoDecreto-Lein.º137/2010,de28dedezembro,cumpresaberquemsãoostrabalhadores com contrato de trabalho em funções públi-cas,umavezqueestediplomaapenasaelesdizrespeito.

Atualmente,oregimejurídicodosvínculos,carreiraseremuneraçõesnaAdministraçãoPúblicaéreguladopelaLein.º12-A/2008,de27defevereiroepelaLein.º59/2008,de11desetembroqueaprovouoRegimedoContratodeTrabalhoemFunçõesPúblicas147(RCTFP)erespetivaregulamentação.

Preceituaoartigo2.º,n.º1,daLein.º12-A/2008,de27defevereiro,noqueconcerneaorespetivoâmbitosubjetivodeaplicaçãoque«A presente lei é aplicável a todos os trabalhadores que exercem funções públicas, indepen-

147 -Estediplomafoiobjetodediversasalteraçõeslegislativas,asaber:DeclaraçãodeRetificaçãon.º22-A/2008,de24deabril;Lein.º64-A/2008,de31dedezembro;Lein.º3-B/2010,de28deabril; lein.º55-A/2010,de31dedezembro; lein.º64-B/2011,de30dedezembro;Lein.º34/2012,de2desetembro;Lein.º66/2012,de31dedezembroeLein.º66-B/2012,de31dedezembro.

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dentemente da modalidade de vinculação e de constituição da relação jurí-dica de emprego público ao abrigo da qual exercem as respetivas funções».

Poisbem,asmodalidadesdeconstituiçãodarelaçãojurídicadeempregopúblico são a nomeação, o contrato de trabalho em funções públicas (portempoindeterminadoouatermo)eacomissãodeserviço148.

Agora,cumpreaferirdoquesetrataquandosefalaemrelaçãojurídicadeempregopúblico.Sementrarmosemgrandesconsideraçõesconceituais,avan-çaremoscomumconceitosimplistaderelaçãojurídicadeempregopúblico,comosendoa relação mediante a qual um indivíduo se obriga a prestar uma atividade sob a autoridade e direcção de uma pessoa coletiva pública. Assim sendo,eemfacedesteconceito,arelaçãojurídicadeempregopúblicohádeternecessariamentecomoentidadeempregadoraumaentidadepública.Estaideiadecorredaprópriaintençãolegislativa,umavezqueaLein.º12-A/2008,de27defevereiroestipulanoartigo3.º,noqueconcerneaorespetivoâmbitoobjetivodeaplicação,que:«1. A presente lei é aplicável aos serviços da admi-nistração direta e indirecta do Estado. 2. A presente lei é também aplicável, com as necessárias adaptações, designadamente no que respeita às compe-tências em matéria administrativa dos correspondentes órgãos de governo próprio, aos serviços das administrações regionais e autárquicas. 3. A pre-sente lei é ainda aplicável, com as adaptações impostas pela observância das correspondentes competências, aos órgãos e serviços de apoio ao Presidente da República, da Assembleia da República, dos tribunais e do Ministério Público e respetivos órgãos de gestão e de outros órgãos independentes. 4. A aplicabilidade da presente lei aos serviços periféricos externos do Estado, quer relativamente aos trabalhadores recrutados localmente quer aos que, de outra forma recrutados, neles exerçam funções, não prejudica a vigência: a) das normas e princípios de direito internacional que disponham em contrário; b) dos regimes legais que sejam localmente aplicáveis; e c) dos instrumentos e normativos especiais de mobilidade interna. 5. Sem prejuízo do disposto no n.º 2 do artigo anterior, a presente lei não é aplicável às entidades públicas empresariais nem aos gabinetes de apoio quer dos membros do Governo quer dos titulares dos órgãos referidos nos n.ºs 2 e 3.»

Emfacedoexposto,asfunçõespúblicaslaboraisapenassãodesempenha-dasnoseiodeumapessoacoletivapública.Poisbem,aserassim,cumpresaberoquesãopessoascoletivaspúblicas.

148 -Artigo9.ºdaLein.º12-A/2008,de27defevereiro.

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Comoésabido,aAdministraçãoPúblicaportuguesaécompostaporváriaspessoascoletivasquepelofactodeformaremaAdministraçãoPúblicasão,necessariamente,públicas.Aspessoas coletivaspúblicas sãoos sujeitosdaAdministraçãoPública,ousesepreferir,aAdministraçãoPúblicaemsentidoorgânico,quepodeseraAdministraçãoPúblicadiretadoEstado,quandoapessoacoletivaemcausaéopróprioEstado,AdministraçãoPúblicaindiretadoEstado,quandoestejamosapensarnosinstitutospúblicosou,ainda,Admi-nistraçãoPúblicaAutónoma,quandonosreferimosàsassociaçõespúblicas149 ouàs autarquias locais150, estaúltimadesignada,mais especificamente,porAdministraçãoPúblicaLocalAutárquica.Daíque,atualmente,hajaquemserefiraàAdministraçãoPública,nãonosingular,massimnoplural—Admi-nistraçõesPúblicas,dadoquecadaumadelaspossuicaracterísticasprópriasquelhespermitedemarcarem-seumasdasoutras.

Assim,enãoobstanteosinúmeroscritériosquetêmsidopropostospeladoutrina,querportuguesaquerestrangeira,paradelimitaroconceitodepessoacoletivapública151,paranós,pessoascoletivaspúblicassãoaquelasàsquaissãoconferidasprerrogativasdeautoridadequelhespermiteatuaremnomepróprio,deummodounilateraleexecutoriamentenoconfrontocomterceiros.

Postoisto,necessáriosetornaaferirdanaturezajurídicadascooperativasdeensino.

No plano constitucional, o ensino cooperativo (incluindo o particular)encontra-sereguladonoartigo43.º,n.º4enoartigo75.º,n.º2,daConstitui-çãodaRepúblicaPortuguesa(CRP).

149 -Paramaioresdesenvolvimentossobreasassociaçõespúblicas,nomeadamente:conceito,estrutura,formasdeassociaçãonoDireitoportuguês,referênciahistórica,regimejurídico-constitucional,problemáticadasassociaçõespúblicasprofissionais,videaliçãodeJORGEMIRANDAproferidanoâmbitodasprovaspúblicasparaaobtençãodasuaagregação inRevistadaFaculdadedeDireitodaUniversidadedeLisboa,VolumeXXVII,1986,pp.57ess..

150 -SobreadistinçãoconstitucionalentreAdministraçãoPúblicadireta,indiretaeautónomavideJORGEMIRANDA,Manual de Direito Constitucional, Tomo III, 3.ª edição,CoimbraEditora,Coimbra,pp.207ess..

151 -ParaaenumeraçãoecríticadasváriasconceçõesvideDIOGOFREITASDOAMARAL,Curso de Direito Administrativo, 1.ªEdição, 1986, pp. 580 a 587, e abibliografiaaícitada.

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Oartigo43.º,n.º4estabeleceagarantiadodireitodecriaçãodeescolasparticulares e cooperativas152, consistindo, essencialmente, na liberdade deentidadesprivadasecooperativasfundaremestabelecimentosdeensino,semimpedimentoesemnecessidadedeautorizaçãoestadual153.

Noartigo75.º, n.º 2, o legislador constitucional reconhecendoo ensinoparticularecooperativonãodispensa,contudo,oEstadode,porsi,garantirasatisfaçãodasnecessidadesdeensinoatravésdosistemaescolarpúblico154, consistindo numa obrigação estadual de criação de um sistema público deensinocomocoroláriodiretoeimediatododireitoaoensino(artigo74.º,n.º1,daCRP).Osentidoimediatodestepreceitoéodequeasatisfaçãododireitoaoensinoénecessariamenteumatarefapública,emtermosdeseraoEstadoquecompetecriararededeestabelecimentosquecubratodasasnecessidadeseducativasdopaís155.

Noplanoinfraconstitucional,oensinoparticularecooperativoé,basica-mente,reguladopelaLein.º46/86,de04deoutubro(LeideBasesdoSis-temaEducativo)epelaLein.º9/79,de10demarço(LeideBasesdoEnsinoParticulareCooperativo).Esteúltimodiploma,maisconcretamenteoartigo3.º,refereque«Para efeitos desta lei, consideram-se escolas públicas, esco-las particulares e escolas cooperativas: a) Escolas públicas – aquelas cujo funcionamento seja da responsabilidade exclusiva do Estado, das regiões autónomas, das autarquias locais ou de outra pessoa de direito público; b) Escolas particulares — aquelas cuja criação e funcionamento seja da respon-sabilidade de pessoas singulares ou coletivas de natureza privada; c) Escolas cooperativas — aquelas que forem constituídas de acordo com as disposições legais respetivas.»

152 -«Égarantidoodireitodecriaçãodeescolasparticularesecooperativas.»153 -Todavia,aliberdadedecriaçãodeescolasnãoabrange,porém,imediatamente

odireitodeconferirhabilitaçõesougrausacadémicos,oqualpoderádependerdecontroloprévioporpartedaAdministraçãoPública,ficandosubmetidoarequisitosmaisoumenosexigentes.(NestesentidovideJ.J.GOMESCANOTILHOeVITALMOREIRA,Constituição da República Portuguesa Anotada, 3.ª edição, CoimbraEditora,1993,p.250.

154 -Artigo75.º,n.º1,daCRP:«OEstadocriaráumarededeestabelecimentospúblicosdeensinoquecubraasnecessidadesdetodaapopulação.»

155 -J.J.GOMESCANOTILHOeVITALMOREIRA,Constituição da República Portuguesa Anotada, cit., p. 369.

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Assim,dopróprioquadroconstitucional,bemcomo legal resultaacoe-xistênciadoensinopúblico,privadoecooperativo,posicionadosemsetoresdistintoselegalmentediferenciados.

Paraoquenosinteressaenoqueaoensinocooperativodizrespeito,esteélevadoacabopelossujeitosdochamadosetorcooperativoesocial,quesãoascooperativasequeemnadacomungamdoconceitodepessoascoletivaspúblicas,desdelogo,porqueascooperativasfazempartedosetorcooperativoesocialdapropriedadedosmeiosdeprodução,aquiloquenaliteraturajurí-dicaeeconómica,porvezes,sedesignaporterceirosetorousetordaecono-miasocialparaabrangertodasasformasdeexploraçãodosmeiosdeproduçãoque,alémdacircunstânciaresidualdenãoserempúblicosnemprivados,secaracterizampelofactodenãoobedeceremàlógicadaacumulaçãocapitalistaedeteremcomoobjetivoesbateraseparaçãoentre,porumlado,apropriedadedosmeiosdeproduçãoeostrabalhadoresou,poroutro,entreapropriedadedosmeiosdeproduçãoeosdestinatáriosdosbensouserviçosproduzidos,integrandoosubsetorcooperativo,todasasunidadescooperativas,desdequeorganizadasegeridassegundoosprincípioscooperativos(artigo61.º,n.º2,daCRP),qualquerquesejaoseutipo,enãoapenasascooperativasdeproduçãopropriamenteditas156.

Nãoqueremosaquitecergrandeseprofundasconsideraçõessobreosetorcooperativoesocial,oqueapenasqueremosdeixarbemclaroéqueexistemtrêssetoresdepropriedadedosmeiosdeproduçãoreconhecidosconstitucio-nalmente(artigos80.º,alíneab)e82.º,ambosdaCRP)aosquaisestãosubja-centesprincípiosefilosofiasdistintas,peloquepertenceráaosetorpúblicoasentidadespúblicas,aosetorprivado,asentidadesprivadaseaosetorcoopera-tivo,asentidadescooperativas.

Poisbem,assenteesta ideia, facilmentesepoderáafirmarqueas regrasjurídicasdeempregopúblicoapenasserãodeaplicarnoâmbitodasrelaçõeslaboraisestabelecidasentreumaentidadeempregadoradosetorpúblicoeporissomesmopúblicaeotrabalhadorquenasuaórbitradesempenhaasuaati-vidadelaboral.Aserassim,nãohaveriareceiosparasériosdesmentidosemafirmarqueoDecreto-Lei,cujoâmbitodeaplicaçãosubjetivoestáaquiemcausa (Decreto-Lein.º137/2010,de28dedezembro)nãoédeaplicar aostrabalhadoresdeumaentidadecooperativa.

156 -J.J.GOMESCANOTILHOeVITALMOREIRA,Constituição da República Portuguesa Anotada, cit., p. 405.

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373Silva Patrício: As cooperativas de ensino que desenvolvem funções com caráter de interesse…

Todavia,umaquestãosecoloca.Eseaessaentidadecooperativaforatri-buídoocarácterdeinteressepúblico?Comoacontece,precisamente,comascooperativasdeensinoporforçadoartigo2.ºdaLeideBasesdoEnsinoPar-ticulareCooperativo157?

4. AlCAnCe dA AtRibUição do CARÁCteR de inteResse públiCo

Quandoaumaentidadeprivadaéatribuídoocarácterdeinteressepúblicosignificanãoqueessaentidadepasseaternaturezadeentidadepública,trans-portando-separaosetorpúblico,massimqueaatividadedesenvolvidaporessaentidadeédeinteressegeral,podendo-sedefinirasinstituições particula-res de interesse público como pessoas coletivas privadas que, por prossegui-rem fins de interesse público, têm o dever de cooperar com a administração Pública e ficam sujeitas, em parte a um regime especial de Direito Adminis-trativo158.

Poisbem,ficandoempartesujeitasaumregimeespecialdeDireitoAdmi-nistrativo, significará, segundo as regras da hermenêutica jurídica, que umdeterminadoregimedeDireitoAdministrativosomente lhesserádeaplicarseolegisladorodisserexpressamente.Sehouverumaintençãoexpressaporpartedolegisladorqueassimseja.

Ora,fazendo-seumaincursãopeloquadronormativo,cujaaplicaçãoaquiestá emcausa, emnenhummomento sedepreendequeo legisladorpossuiintençãodealargaroâmbitodeaplicaçãoquerdoDecreto-Lein.º137/2010,de28dedezembro,querodaLei12-A/2008,de27defevereiroaoutrasenti-dadesquenãosejampúblicas,deixando,assim,deforaasentidadesprivadaseasdosetorcooperativo,umavezqueasremuneraçõesquecolocamàdispo-siçãodosseustrabalhadoresnãoconstituemvencimentospúblicos.

Nestesentido,somosdaopiniãoqueaatividadedesenvolvidapelascoo-perativasdeensinonãoédemoldeaenquadrarotípicoexercíciodefunçõespúblicas,mesmoquando a tal atividade é atribuído o carácter de interessepúblico.

157 -«Asatividadeseosestabelecimentosdeensinoenquadradosnoâmbitodosistemanacionaldeeducaçãosãodeinteressepúblico.»

158 -DIOGOFREITASDOAMARAL,Curso de Direito Administrativo, cit., p. 550.

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375Helena Salazar: A impossibilidade de acumulação do cargo de presidente da direção de…

Cooperativismo e Economía Social, nº 35 (2012-2013), pp. 375-384

A impossibilidAde de ACUmUlAção do CARgo de pResidente dA diReção de CoopeRAtivA

Com o exeRCÍCio de fUnções poR ContRAto de tRAbAlho dURAnte o mesmo peRÍodo tempoRAl

Anotação ao Acórdão do tribunal da Relação de évora de 15 de novembro de 2012

HelenaSALAZARDocente do Instituto Superior de Contabilidade e Administração do Porto.

Mestre em Direito. Advogada [email protected]

1. delimitAção dAs QUestões A tRAtAR

AanáliseaoAcórdãodoTribunaldaRelaçãodeÉvorade15denovembrode2012reconduz-se,noessencial,àquestãodesaberseépossívelumindi-víduoacumular,nomesmoperíodo,ocargodepresidentedadireçãodeumacooperativacomoexercíciodefunçõesdediretoratravésdeumcontratodetrabalhocomamesmaentidade.

Noarestoemanálisetambémsãoabordadosdoisassuntosdenaturezapro-cessualconexoscomaquestãoprincipalquesupraenunciamos,designada-mente,asuspensãodainstâncialaboraleaprejudicialidade.Aestepropósitodiscute-seseaaçãolaboral,emqueotrabalhadorpedequesejadeclaradaajustacausadaresoluçãodoseucontrato,deveficarsuspensaatéàdecisãonaaçãoemquepreviamentesepediuaanulaçãodadeliberaçãosocialqueodes-tituiudepresidentedadireçãodacooperativa.Otratamentodestasmatériasdecarácteradjetivonãocabe,contudo,naeconomiadapresenteanotação,peloqueestasquestõesprocessuaisnãoserãopornósabordadas.

Helena Salazar: A impossibilidade de acumulação do cargo de presidente da direção de…

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2. bAse fACtUAl RelevAnte no ACóRdão em AnÁliseParaanáliseeperspetivaderesoluçãodaquestãoessencialenunciada,são

relevantesosseguintesfactosdorecursodeapelação:queosujeitofoiadmi-tidoem3dejulhode1995,porcontratodetrabalhocelebradocomumacoo-perativa,paradesempenharasfunçõescorrespondentesàcategoriadediretor;queem27deabrilde1998oindivíduotornou-secooperadordestacoopera-tiva;queassumiuocargodepresidentedadireçãodaqueladesde2007até29dedezembrode2010,alturaemfoidestituídopordeliberação,queimpugnoujudicialmente;queduranteoperíodoemqueassumiuocargodepresidentecumulou igualmenteas funçõesdediretor;quedesdeque foidestituídodocargodepresidentenãolheforamatribuídasquaisquerfunções,tendoinclu-sivamentesidoimpedidodeacederàsinstalações;eque,porfim,lhefoipaganosmesesdefevereiro,marçoeabrilde2011umaretribuiçãodemontanteinferioràacordada,factoquemotivouoenvioàcooperativadeumacartaderesoluçãodocontratocomjustacausaem13demaiode2011.

3. o exeRCÍCio dAs fUnções de diRetoR AtRAvés de ContRAto de tRAbAlhoComojáreferimos,aligaçãodorecorrenteàcooperativasurgiuatravésda

celebraçãodeumcontratodetrabalhoemjulhode1995,contratoessepeloqualseobrigavaadesempenharparaasuaentidadepatronalasfunçõesdediretor,medianteretribuição.

Foiessarelaçãocontratualqueosujeitoinvocoupararesolvercomjustacausaocontratodetrabalhocelebradocomacooperativa,dadooincumpri-mentodoempregadorquantoaopagamentodaretribuiçãoajustadaedeoutrosdeveres.EstaaçãoestevenabasedopresenteAcórdão.

Determinadosapoderconcluirpelaexistênciaouinexistênciadecumula-çãodaqualidadedetrabalhadorcomadepresidentedoórgãoexecutivodacooperativa,abordaremosdeseguidaqueroconceitodecontratodetrabalhoquerosseusprincipaiselementos.

O contrato de trabalho encontra-se definido no artigo 11.º do CódigodoTrabalho como sendo aquele contrato pelo qual uma pessoa se obriga,medianteretribuição,aprestarasuaatividadeaoutraououtraspessoasnoâmbitodeorganizaçãoesobaautoridadedestas159.

159 -Oconceitoapresentadoequivaleaotrabalhosubordinado,quesedistinguedo

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Danoçãolegal,eparaalémdoelementopessoal,colhem-seosseguinteselementosessenciais:aprestaçãodeumaatividade,asubordinaçãojurídicaea retribuição160.Comosabemos, sóépossíveladmitiraexistênciadeumcontratode trabalhoquandoo trabalhadorprestaumaatividademanualouintelectualaoutraououtraspessoasquearecebemenquantoempregadores.Estaprestaçãodaatividadedotrabalhadoraoempregadorconstituioobjetodocontratodetrabalhoeéexecutadasobopoderdedireçãodoempregador.

Estaatividadedeveserprestadanoâmbitodeorganizaçãoesobaautori-dadedoempregador,omesmoédizerquesóhácontratodetrabalhoseexistirsubordinaçãojurídica.

Finalmente,paraquepossamosfalardaexistênciadeumcontratodetra-balho,impõe-seaexistênciaderetribuiçãocomoacontrapartidadotrabalhoprestado,oqueemregratemcorrespondêncianotempodetrabalho.

Otrabalhosubordinadoé,pornatureza,retribuído;porconseguinte,aati-vidadeexecutadapelotrabalhadoréobrigatoriamenteretribuídapeloempre-gador,conformeprevistonoartigo127.ºn.º1b)doCódigodoTrabalho.

Dos elementos elencados como integradores do conceito, a verdadeirapedradetoquedocontratodetrabalhoéaexecuçãodasfunçõescontratadascomsubordinaçãojurídica161.Comosabemos,éatravésdasubordinaçãojurí-dicaquesecaracterizaedistingueocontratodetrabalhodeoutrasfigurasquelhesãopróximas,comosucede,porexemplo,comocontratodeprestaçãodeserviçosprevistonoartigo1154.ºdoCódigoCivil.

Importa notar, porém, que a subordinação jurídica não se apresenta emtodasasrelaçõeslaboraiscomamesmaconfiguração,sendomaisevidentenaexecuçãodealgumasfunçõesdoquenoutras.Adependênciadotrabalhador

trabalhoautónomoouindependenteessencialmentepelo tipodeobrigaçãoaqueoprestadordeatividadesevincula,queseconfiguracomoumaobrigaçãoderesultado.Dopontodevistaconceptualadistinçãoéperfeitamentecompreensívelemborapossaserespecialmentecomplexadopontodevistaprático.

160 -Sobreotemavide,entreoutros,ROMANOMARTINEZ,Direito do Trabalho, 5.ªedição,Coimbra,Almedina,2010,p.320;BERNARDOLOBOXAVIER, Manual de Direito do Trabalho,Lisboa,Verbo,2001,p.291;MONTEIROFERNANDES,Direito do Trabalho,14.ªedição,Coimbra,LivrariaAlmedina,2009,p.128ess..

161 -Atualmente referida na lei por referência à autoridade que o empregadorexerce sobreo trabalhador, enquadradapela integraçãodaquelenaorganizaçãodoempregador.

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aoempregadoréclaramentemenospatentenasfunçõesemqueotrabalha-dorgozadeautonomiatécnica,oquesucedeespecialmentenasprofissõesouatividadesmaisqualificadaseespecializadas,eseguramentenasfunçõesdediretorque,porcontratodetrabalho,eramexercidasparaacooperativa.

Emtodoocaso,sendoadependênciaaoempregadormaisevidentenunscontratosdetrabalhodoquenoutros,temsempredeseverificaraexecuçãodocontratocomummínimodesujeiçãodotrabalhadoraopoderdedireçãodoempregador162.

Cabeaoempregadornoâmbitodestepoder,edaautoridadequeexercesobre o trabalhador, dirigir-lhe ordens e instruções para a execuçãoda ati-vidadecontratada,ordensessasàsquaisotrabalhadordeveobediênciacon-formeoprevistonoartigo128.ºn.º1e)doCódigodoTrabalho.

Derealçarqueécaracterísticodocontratodetrabalho(assentetambémnopoderdedireção)aexistênciadopoderdisciplinardoempregador,oqualestáprevistonoartigo98.ºdoCódigodoTrabalhoequepermiteàentidadepatro-nalaplicarsançõesaotrabalhadorsemprequeestepratiquequalquerinfraçãodisciplinar(artigo328.ºdoCódigodoTrabalho).

4. o exeRCÍCio do CARgo de pResidente dA diReção dA CoopeRAtivA

Sobreosórgãosdascooperativas trataoCapítuloV,artigos39.ºa68.º,doCódigoCooperativo163.Sobreadireçãodacooperativaemconcreto,deveatender-seaodispostonasnormasdosartigos55.ºa59.ºdaqueleCódigo.

162 - Conforme consta do artigo 12.º do Código do Trabalho, presume-se aexistência de um contrato de trabalho sempre que na situação em concreto severifiquemalgumasdasseguintescaracterísticas:aatividadesejarealizadaemlocalpertencenteaobeneficiárioouporeledeterminado;osequipamentoseinstrumentosdetrabalhoutilizadospertençamaobeneficiáriodaatividade;oprestadordeatividadeobservehorasdeinícioedetermodaprestação,determinadaspelobeneficiário;sejapaga,comdeterminadaperiodicidade,uma«quantiaaoprestadordeatividadecomocontrapartidadamesma;oprestadordeatividadedesempenhefunçõesdedireçãoouchefianaestruturaorgânicadaempresa.

163 -SobrecooperativasnodireitoportuguêsvideDEOLINDAMEIRA,O Regime Económico das Cooperativas no Direito Português,Porto,VidaEconómica,2009.

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Natemáticaemanáliseassumeespecialdestaqueoartigo56.ºque,sobaepígrafecompetênciadadireção,fixaquecabeaesteórgãocolegial(encabe-çadopeloseupresidente)aadministraçãoearepresentaçãodacooperativa,designadamente,aelaboraçãoeaprovaçãoanualdascontas,doplanodeati-vidadesanual,doorçamento,entreoutras164.

OCódigoCooperativonadaprevêsobreoexercíciodaatividadedepre-sidente da cooperativa e eventuais incompatibilidades com o exercício deoutroscargosoufunções,peloquenabuscadeumapropostadesoluçãoparaasituaçãodopresenteacórdãoaplicaremosodireitosubsidiário:oCódigodasSociedadesComerciais,assumindoespecialrelevoosartigos390.ºeseguin-tes165.

Comosesabe,oartigo9.ºdoCódigoCooperativoprevêaaplicaçãoàscooperativas, a título subsidiário, das normas do Código das SociedadesComerciais,nomeadamenteospreceitosaplicáveisàssociedadesanónimas,oqueapenasépossívelquandotaisnormasnãodesrespeitaremosprincípioscooperativosprevistosnoartigo3.ºdoCódigoCooperativo166.

Comespecialinteresseparaasituaçãoemanálise,oartigo398.ºdoCódigodasSociedadesComerciaisfixaoregimeerespetivasconsequênciasdaacu-mulaçãodocargodeadministradoreoexercíciodeoutrasatividadesporcon-tratodetrabalhoououtrotipodevínculo.

164 -Das competências que oCódigoCooperativo exemplificativamente atribuià direção, notamos especialmentepela relação como caso sub judice a atribuiçãodas tarefas relativas à contratação e gestão do pessoal necessário às atividades dacooperativa,oqueaparecenaprevisãodaalíneaf)doartigo56.º,oque,emprimeiraanálise, pode configurar uma confusão entre a posição de empregador e a detrabalhador.

165 - O artigo 42.º do Código Cooperativo, sob a epígrafe incompatibilidades,apenasprevêquenenhumcooperadorpode ser simultaneamentemembrodamesada assembleia geral, da direção, do conselho fiscal ou dos outros órgãos eletivosestatutariamenteprevistos,assimcomonãopodemsereleitosparaomesmoórgãosocialdecooperativascommaisde20membros,ousersimultaneamentemembrosdadireçãoedoconselhofiscal,oscônjugeseaspessoasquevivamemuniãodefacto.

166 - Princípios da adesão voluntária e livre, da gestão democrática pelosseus membros, da participação económica dos seus membros, da autonomia eindependência,daeducação,formaçãoeinformação,daintercooperaçãoedointeressepelacomunidade.

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5. ACUmUlAção do CARgo de pResidente do óRgão exeCUtivo Com o exeRCÍCio de fUnções poR ContRAto de tRAbAlho

Noacórdãoemanáliseosfactosevidenciamqueorecorrentefoiadmitidopelacooperativaem1995paraexercer,porcontratodetrabalho,asfunçõesdediretor,sendoquecercadedozeanosmaistarde,em2007,assumiuocargodepresidentedoórgãoexecutivodacooperativa.

Sobreoexercíciodeoutrasatividadespelosadministradores,on.º1doartigo398.ºdoCódigodasSociedadesComerciaisestabelececomoprincípiogeralque,duranteoperíodoparaoqualforamdesignados,osadministradoresnãopodemexercernassociedades,ouemsociedadesemrelaçãodegrupo,quaisquerfunçõestemporáriasoupermanentesaoabrigodecontratodetraba-lho,subordinadoouautónomo167.

Contudo,éaprevisãodon.º2doartigoemreferênciaquesesubsumeàfactualidadedescritanoacórdão,ouseja,asituaçãoemqueoexercíciodefunçõesporcontratodetrabalhoprecedeadesignaçãoparaapresidênciadoórgãoexecutivodacooperativa.

Aquiprevê-sequequando fordesignadaadministradorumapessoaqueexerçaquaisquerfunçõesporcontratodetrabalhonasociedade,oscontratosdetrabalhocelebradosseextingamousesuspendamconsoanteotempodasuaduraçãorelativamenteàdatadadesignação168.Extinguem-seoscontratosdetrabalhocelebradossetiveremsidocelebradoshámenosdeumanoantesdadesignaçãocomoadministradoresuspendem-setodososcontratosdetra-balhoquetenhamduraçãosuperior169.

167 - Com interesse para o tema vide MENEZES CORDEIRO, Os Deveres Fundamentais dos Administradores das Sociedades,RevistadaOrdemdosAdvogados,Ano66,Vol.II,Lisboa,2006,p.443ePEDROMAIA,Função e Funcionamento do Conselho de Administração da Sociedade Anónima,BoletimdaFaculdadedeDireito,Studia Iuridica,62,UniversidadedeCoimbra,CoimbraEditora,2002,p.179ess..

168 -Emespecial sobreo temavideCOUTINHODEABREU,Administradores e Trabalhadores de Sociedades (cúmulos e não), IDET,Colóquiosn.º2,TemasdeSociedades,Coimbra,Almedina,2006,p.9.

169 -AtravésdoAcórdãodoTribunalConstitucional626de19deDezembrode2011, foideclaradaa inconstitucionalidadedon.º2doartigo398.ºdoCódigodasSociedadesComerciasnaparteemquedeterminaaextinçãodoscontratosdetrabalhopreviamentecelebradospelosadministradoresequeduremhámenosdeumanoà

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381Helena Salazar: A impossibilidade de acumulação do cargo de presidente da direção de…

6. A sUspensão do ContRAto de tRAbAlho CelebRAdo Com A CoopeRAtivANocasovertidonesteacórdão,comadesignaçãodosujeitoparapresidente

dadireçãodacooperativaem2007,ocontratodetrabalhopeloqualexerciaparaamesmaentidadeasfunçõesdediretor,oqueseverificavadesde1995,suspendeu-se,conformeresultadasnormasquereferimosnopontoanterior170. Tambémadecisãosufragadanopresenteacórdãovainessesentido,decisãoessacomaqualconcordamosnaíntegra.

Procuraremosagoraexaminarquaisosefeitosdasuspensãodocontratodetrabalhoexistente,matériaqueopresentearestonãoanalisa,masquesereveladeinteressedesignadamentenomomentodeapurarosdireitosdotra-balhadorfaceàresoluçãodocontratodetrabalho.

Asuspensãodocontratodetrabalhovemtratadanosartigos294.ºeseguin-tesdoCódigodoTrabalhoefundamenta-senaimpossibilidadetemporáriadaprestaçãodetrabalhoporfactorelativoaotrabalhadorouaoempregador171.

A designação para presidente da direção da cooperativa configura umasituaçãodeimpedimentoporfactorelativoaotrabalhador,queseenquadraespecificamentenaprevisãolegaldon.º5doartigo296.ºdoCódigodoTra-balho.Nestecasoespecial,olegisladorprescindedanãoimputabilidadeaotrabalhadordofactoqueoriginaasuspensão,admitindoporconseguintequepossaexistirsuspensãoporfactosligadosàpessoadotrabalhadoredesejadospor ele.

Daleituradoartigo296.ºconcluímosqueofactodeterminantedasuspen-sãodocontratodetrabalhopodeassentaremfactoquenãosejaimputávelaotrabalhador, comopor exemplo a doença ou acidente, ou em impedimentotemporárioimputávelaotrabalhadorresultantedecasosprevistosnalei.

datadadesignaçãoparaadministrador.170 -Nostermosdon.º4doartigo253.ºdoCódigodoTrabalho,otrabalhadordeve

comunicaraoempregadoraausênciasemprequeamesmadetermineasuspensãodocontratodetrabalhoporimpedimentoprolongado.Oincumprimentodestaobrigaçãodeterminaqueaausênciasejainjustificada.

171 -SobreasuspensãodocontratodetrabalhovideLEALAMADO,Contrato de Trabalho – à luz do novo Código do Trabalho,3.ªedição,Coimbra,CoimbraEditora,2011, p. 339 e ss.; ROSÁRIO PALMARAMALHO,Direito do Trabalho, II, 3.ª edição,Coimbra,Almedina,2010,p.803ess.;eMONTEIROFERNANDES,ob. cit., p. 509 e ss..

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382 Helena Salazar: A impossibilidade de acumulação do cargo de presidente da direção de…

Éprecisamenteoqueseverificanesteacórdão,poisasuspensãodocon-tratodetrabalhodecorredaprevisãolegaldoartigo398.ºn.º2doCódigodasSociedadesComerciais.

7. efeitos dA sUspensão do ContRAto de tRAbAlho

Comojáreferimos,adesignaçãodorecorrenteparapresidentedadireçãodacooperativaem2007determinouasuspensãodocontratodetrabalhopeloqualexerceuatéessadataasfunçõesdediretor.Importa,porisso,debruçarmo--nosagorasobreosefeitosdasuspensãodocontratodetrabalhodediretor.

Dosváriosnúmerosdoartigo295.ºdoCódigodoTrabalhoresultaque,duranteoperíododesuspensãodocontratodetrabalho,mantêm-seosdirei-tos,deveresegarantiasdaspartesquenãopressuponhamaefetivaprestaçãodetrabalho172.

Omecanismodasuspensãodocontratode trabalhoapresentaessencial-menteduascaracterísticas:ésupervenienteàcelebraçãodocontratoeétem-porária.

Conclui-seque,mantendo-seovínculo,sesuspendeaprestaçãodaativi-dadepelotrabalhador,opagamentodaretribuiçãopeloempregador,odeverde obediência do trabalhador ao empregador e a obrigação do trabalhadordevelarpelaboaconservaçãoeutilizaçãodosinstrumentosdetrabalho.Jáduranteoperíododesuspensãomantém-se,paraambasaspartes,odeverderespeito,e,paraotrabalhador,odeverdelealdadeparacomoempregador173.

Denotarque, de todososdeveresqueo trabalhadormantémduranteotempodesuspensãodoseucontrato,amanutençãododeverdelealdadedotrabalhadoràentidadepatronallevantaespeciaisdificuldades,porserexcessi-vamentedifícilmarcaroslimitesdetaldeverdelealdade174,eespecificamente

172 -LEALAMADO,ob. cit.,p.335,denominaasuspensãodocontratodetrabalhocomoovínculorelaxado.

173 -Sãomanifestaçõestípicasdodeverdelealdadedotrabalhadornãonegociarpor contaprópriaoudeoutrememconcorrência como empregador, nãodivulgarinformações referentes à organização, aos métodos de produção ou aos negócios[artigo128.ºn.º1f)doCódigodoTrabalho].

174 -Adificuldadesurgequantoàobrigaçãodesigiloeatodasasoutrasaçõesdosujeitoquepressuponhamaconfiançadoempregador.

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383Helena Salazar: A impossibilidade de acumulação do cargo de presidente da direção de…

nocasodoacórdão,pelofactodeaqualidadedetrabalhadoredeempregadorestaremreunidasnamesmapessoa.

Outroefeitodasuspensãodocontratodetrabalho,comespecialimportân-ciaparaotrabalhador,resultadeotempodesuspensãosecontarparaefeitosdeantiguidadedotrabalhador,oquenocasodosautosserefletiriasignificati-vamentenaindemnizaçãodevidapelaresoluçãocomjustacausaqueosujeitopeticionouaotribunal.

Umefeitoadicionalprevistonaleiéodeotempodesuspensãodocontratodetrabalhonãoterefeitosnoprazodecaducidade,nemobstaraquequalquerdaspartesfaçacessarocontratodetrabalhonostermosgerais175.

Acrescequeon.º4doartigo295.ºdoCódigodoTrabalhoprevêaindaque,terminadooperíododesuspensão,serãorestabelecidostodososdireitos,deveresegarantiasdaspartesdecorrentesdaefetivaprestaçãodetrabalho.

A suspensão do contrato de trabalho apresenta-se, assim, como umamaneirademanutençãodovínculofaceaoempregador,paralisandoosseusprincipaisefeitos.Alémdomais,garanteaotrabalhadorodireitoaopostodetrabalho, permitindo aomesmo tempo o exercício de determinados cargospúblicosouprivados.

8. A destitUição do CARgo de pResidente dA diReção e o RegResso do tRAbAlhAdoR

Adestituiçãodocargodepresidentedadireçãodacooperativaaconteceupordeliberaçãodatadade29deDezembrode2010,peloque,deacordocomoprevistonoartigo297.ºdoCódigodoTrabalho,otrabalhadordeviaapre-sentar-seaoempregadorpararetomaraatividadedediretornodiaimediatoàcessaçãodoimpedimento,retomandoassimaplenitudedassuasfunções,oexercícioplenodedireitosegarantiaseocumprimentodetodososdeveresaqueestavaadstrito.

Todavia,agindoaparentementeemdesconformidadecomalei(istoapesardeoacórdãonãoevidenciaracausadadestituiçãodocargodepresidentedadireção)oempregadorimpediuotrabalhadornãosódeexercerasfunçõesde

175 -Decorremaindadasuspensãodocontratodetrabalho,pormotivorespeitanteaotrabalhador,efeitosquantoaosubsídiodenatal[artigo263.ºn.º2c)doCódigodoTrabalho]equantoaodireitoaférias(artigo245.ºn.º4doCódigodoTrabalho).

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384 Helena Salazar: A impossibilidade de acumulação do cargo de presidente da direção de…

diretor,mastambémdeteracessoainstalaçõeseequipamentosdacoopera-tiva,comportamentosestesqueconfigurampelomenosaviolaçãododeverdeocupaçãoefetivadotrabalhadorprevistonaalíneab)don.º1doartigo129.ºdoCódigodoTrabalho176.

Acrescequeoempregador,apósofimdasuspensão,decidiuunilateral-mentebaixarovalordaretribuiçãoacordadacomotrabalhador(oqueocorreudesignadamentenosmesesdeFevereiro,MarçoeAbrilde2011).Esteproce-dimentodoempregadorconfiguraviolaçãodeoutragarantiadotrabalhador,previstanaalínead)don.º1domesmoartigo129.ºdoCódigodoTrabalho,equelheasseguraairredutibilidadedasuaretribuição.

Estacondutadoempregadorafigura-sevioladoradasgarantiaslegaisdotrabalhadorquesupraidentificamos,sendomotivobastanteparaqueotraba-lhadorresolvacomjustacausaoseucontratodetrabalhocomacooperativa,comdireitoàindemnizaçãoprevistanalei:artigos394.ºn.º2b)e396.ºdoCódigodoTrabalho.

Emjeitodeconclusão,concordamoscomasoluçãoapresentadanoAcór-dão,queapresentacomodesfechoparaocasosub judicequeadesignaçãodotrabalhadorparaocargodepresidentedadireçãodecooperativaacarretouasuspensãotemporáriadorespetivocontratodetrabalhocomaquelacoopera-tiva.

Essasuspensãodocontratodetrabalhosubsistiráenquantosemantiveroexercíciodasfunçõesdepresidentedoórgãoexecutivodacooperativa,tendocomoconsequênciaqueosujeitoestaráimpedidoporleideexercerquaisquerfunçõesporcontratodetrabalho.

Ocontratodetrabalhoficaparalisadonasuaexecução,designadamentenoqueconcerneaosdireitosedeveresdaspartesqueestejamligadosàprestaçãodetrabalho,restabelecendo-senaplenitudedasuaexecuçãoquandoterminaracausaquemotivouasuasuspensão.

Emsuma,éimpossívelacoexistêncianomesmoperíodotemporalerela-tivamenteaomesmosujeito,doexercíciodocargodepresidentedadireçãodecooperativacomodesempenhoemsimultâneodefunçõesporcontratodetrabalhonessamesmacooperativa.

176 -Sobreodeverdeocupaçãoefetivavide,entreoutrosJÚLIOGOMES,Direito do Trabalho,I,Coimbra,CoimbraEditora,2007,p.551ess.;MENEZESLEITÃO,Direito do Trabalho,3.ªedição.,Coimbra,Almedina,2012,p.309ess..

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385Nina Aguiar: Aspetos fiscais dos donativos a Fundações participadas pelo Estado. Anotação ao…

Cooperativismo e Economía Social, nº 35 (2012-2013), pp. 385-404

Aspetos fisCAis dos donAtivos A fUndAções pARtiCipAdAs pelo estAdoAnotação ao Acórdão do supremo tribunal Administrativo

de 5 de dezembro de 2012, sobre o processo 1018/12177

NinaAGUIARProfessora Adjunta da Área Científica de

Direito do Instituto Politécnico de Braganç[email protected]

1. o litÍgio

OcasodecididonoacórdãodoSupremoTribunalAdministrativoreferen-ciadodizrespeitoaumdonativoefetuadoporumasociedadegestoradeparti-cipaçõessociais(nãoidentificadanotextopublicadodoacórdão)àFundaçãoPortuguesadasComunicações.

Segundoon.º2doartigo40.ºdoCódigodoImpostosobreoRendimentodasPessoasColetivas (CIRC) emvigor à data dos factos, eramdedutíveiscomocustos,noapuramentodolucrotributáveldassociedades,osdonativosefetuadosafundaçõesemqueoEstadoouasregiõesautónomasparticipas-semem,pelomenos,50%dasuadotaçãoinicial.

No caso da Fundação Portuguesa das Comunicações, entidade recetoradodonativoemapreçonademanda, tratava-sedeuma fundaçãodedireitoprivado, cuja dotação inicial havia sido realizada pelo ICP – Instituto dasComunicaçõesdePortugal,pelaCTT–CorreiosdePortugal,S.A.eporumasociedadeanónimatambémnãoidentificadanotextopublicadodoacórdão.

177 -Disponívelatravésdosítiowww.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/dc8f05edb3edea7a80257ad8003fef86?OpenDocument.

Nina Aguiar: Aspetos fiscais dos donativos a Fundações participadas pelo Estado. Anotação ao…

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386 Nina Aguiar: Aspetos fiscais dos donativos a Fundações participadas pelo Estado. Anotação ao…

Segundoresultademodoimplícitodotextodoaresto,asparticipaçõessoma-dasdoICP–InstitutodasComunicaçõesdePortugaledaCTT–CorreiosdePortugal,S.A.somariamapercentagemde50%dadotaçãoinicialdafunda-çãobeneficiáriadodonativorequeridapelopreceitocitado.Aquestãodiscu-tidadiziarespeitoasaberseestasduasentidadesintegravamoconceitodeEstadonaaceçãoempreguepelon.º2doartigo40.ºdoCIRC.

Aadministraçãofiscalconsiderouquenenhumadasduasinstituiçõesinte-gravaoEstadonosentidocomqueotermoeraempreguenaqueladisposiçãolegal,poisesteabrangiaapenasoEstado-pessoacoletiva.Nasequênciadetalentendimento,recusouadeduçãodosdonativosefetuadoseliquidouIRCadicionalsobreoslucrosdasociedadesujeitopassivo(sociedadedoadora).

Noseguimentodeumrecursodeimpugnaçãodesteatodeliquidaçãoadi-cional,asociedadesujeitopassivoobteveumaprimeiradecisãofavorávelàsuapretensãoporpartedoTribunalTributáriodeLisboa,daqualaFazendaPúblicarecorreuparaoSupremoTribunalAdministrativo.JáesteTribunal,discordandodadecisãoanterior,alinhoucomatesedaadministraçãofiscal,sustentandoqueon.º2doartigo40.ºdoCIRCempregavaotermoEstadonaaceçãoadministrativistadepessoacoletiva,excluindo,pois,qualqueroutrapessoacoletiva,mesmoquedependentedoEstadoeintegradanaadministra-çãoindiretadeste.Emapoiodestatese,oTribunalsocorreu-se,emprimeirolugar,deumelementosistemático,confrontandoaredaçãodopreceitocujainterpretaçãoeradiscutida,equesereferiaapenasaoEstado,comoutrasdis-posiçõesdoCIRCquesereferiamexpressamenteao«Estado,regiõesautó-nomaseautarquiaslocais,incluindoqualquerdosseusserviços,estabeleci-mentoseorganismos,aindaquepersonalizados»(artigo40.º,n.º1doCIRC),ouaindaao«Estadoequalquerdosseusserviços,estabelecimentoseorganis-mos,aindaquepersonalizados,compreendidososinstitutospúblicos»[atualartigo9.º,n.º1,al.a)doCIRC].Desteconfronto,concluiuoTribunal,emconcordânciacomaadministraçãofiscal,quese,nomesmodiplomalegal,olegisladorentenderanecessário,emalgunscasos,mencionar,apardoEstado,os«serviços,estabelecimentoseorganismosdoEstado»,talindicariaqueotermoEstadoéutilizadonestediplomalegalnumaaceçãorestrita,queexclui,precisamente,asrestantespessoascoletivaspúblicasintegradasnaadminis-traçãoindiretadoEstado.

OSTArecorreuemsegundolugaraumargumentobaseadonaratio legis danorma.AlegouoTribunalque,constituindoosdonativosreceitasprópriasdas fundações beneficiárias, quando o Estado (na aceção estrita de pessoacoletivadedireitopúblico)nãotemparticipaçãorelevantenoseupatrimónio,

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387Nina Aguiar: Aspetos fiscais dos donativos a Fundações participadas pelo Estado. Anotação ao…

comaconsequentedistanciaçãonaconduçãoousupervisãodassuasativida-des,nãosejustificaobenefíciodaconsideraçãodosdonativoscomocustosfiscais,comasimétricareduçãodasreceitasdoEstado.

Nasuadecisão,oTribunaldesatendeuapretensãodocontribuinteereco-nheceurazãoàadministraçãofiscal,considerandoqueosdonativosfeitospelasociedadecontribuinteàFundaçãoPortuguesadasComunicaçõesnãoeramdedutíveis,pornãoseverificarcumprido,emrelaçãoàFundação,orequisitodeoEstadoparticiparempelomenos50porcentodasuadotaçãoinicial.Eistoporque,emborativessemparticipadoemmaisdecinquentaporcentonadotaçãoinicialuminstitutopúblicoeumaempresadecapitaisexclusivamentepúblicos,estesnãoseriamdeconsiderarcomoEstadoparaefeitosdeaplica-çãodobenefíciofiscal.

2. As fUndAções CRiAdAs poR entidAdes públiCAs - enQUAdRAmento JURÍdiCo e polÍtiCo

AatualLei-Quadrodasfundações178estabelecetrêscategoriasdefunda-ções:i)asfundaçõesprivadas,fundaçõesdedireitoprivado,nasquaispodemparticiparentidadespúblicasmassemqueestas,emconjuntoouindividual-mente,tenhamnafundaçãoumainfluênciadominante;ii)asfundaçõespúbli-casdedireitopúblico,asquaissãocriadasexclusivamenteporpessoascole-tivaspúblicas;eiii)asfundaçõespúblicasdedireitoprivado,queintegramasfundaçõescriadasporumaoumaispessoascoletivaspúblicas,emconjuntoounãocompessoasdedireitoprivado,masemqueaspessoascoletivaspúblicas,isoladaouconjuntamente,detêmsobreafundaçãoumainfluênciadominante.

Na prática, estaLei-Quadro das fundações veio verter em lei e atribuirdenominaçãoprópriaasoluçõesjurídicasquejáexistiamanteriormente,vistoque aspessoas coletivaspúblicas semprepuderamcriar quer fundaçõesdedireitopúblicoquer fundaçõesdedireitoprivado179.A títulodeexemplo,a

178 -Lein.º24/2012de9dejulho.179 -Numestudodedireitocomparadosobrefundaçõesnumconjuntodepaíses,

HELMUTK.ANHEIEReSTEFANTOEPLER:«Germany»,Private Funds, Public Purpose: Philanthropic Foundations in International Perspective,Springer,1999,p.18,sublinhamcomocaracterísticadossistemasdedireitocivil,ousistemasromano-germânicos,comoémaisusualdesignar-seentrenós,opermitir-senestessistemasacriaçãodefundaçõestantodedireitoprivadocomodedireitopúblico,edeosEstadosnãoestarem limitados,quantoà suacapacidadepara criar fundações, à criaçãode

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388 Nina Aguiar: Aspetos fiscais dos donativos a Fundações participadas pelo Estado. Anotação ao…

fundaçãodestinatáriadosdonativosemdiscussãonolitígioobjetodoacór-dãoaquicomentadoéumafundaçãodedireitoprivadocomparticipaçãodeentidadespúblicas.Masalei trouxeumainovaçãoessencialaodistinguireestabelecerdistintosregimestendoporbaseumcritériosubstancialemvezdeformal,queéodaexistênciaouinexistênciadeumainfluênciadominante,nafundação,porpartedosetorpúblico.Comefeito,épercetívelumaíntimaafinidadeentreasfundaçõesdedireitopúblicoeasfundaçõesdedireitopri-vadocriadasporentidadespúblicasnasquaisaquelasentidadesexercemumainfluênciadominante,sendo,pois,desaudarqueolegisladortenhainstituídoum regime especial para as fundações de direito privadonas quais o setorpúblicoexerçaumainfluênciadominante.

AsfundaçõescriadaspeloEstado,diretamenteouatravésdeoutraspes-soascoletivaspúblicas,não são, como já referimos,umfenómeno jurídicorecente. Encontra-se relativamente assente que as fundações180, enquantofenómeno jurídico, tiveramasuagénesenocampododireitoprivadoedodireitoeclesiástico181.FoiapenascomoadventodoEstadoabsolutoquese

fundaçõesdedireitopúblico,podendonormalmente,nestessistemas,criarlivrementefundaçõesdedireitoprivado.Observamaindaosmesmosautoresque,nossistemasdedireitocivil,existemesmoumatendênciacrescenteparaosEstadosoptaremporcriarfundaçõesdedireitoprivado,emdetrimentodoestatutodedireitopúblico,comointuitodeassimganharemmaiorflexibilidadenagestãodetaisfundações.Segundoosmesmosautores(p.18),nodireitonorte-americano,ondeasfundaçõescriadasouadministradaspelogovernotiveramtambémoseuperíodoáureo,estasviramasuaexpressãofrancamentereduzidaaolongodoséc.XX,atéocuparemhojeemdiaumlugarresidual.

180 -Quandonosreferimosàgénesedofenómenofundacional,naAntiguidade,éimportanteprecisarquenãoestamosaindaperantefundações,talcomoasconhecemoshoje,compersonalidadejurídica,masperantedoaçõesmodaisaumgrupodepessoasoufideicomissos.

181 -Referindo-se à emergência do fenómeno jurídico das fundações no direitoromano,queaautoraestudanumaperspetivadedireitocivil,EUGENIASERRANO:Las Fundaciones: Dotación y Patrimonio, Civitas, Madrid, 2000, p. 28, dá-nosindicaçãodeque,nodireitoromano,osurgimentodasfundaçõesocorreassociadoànecessidadeentãosentidapelasfamíliasnobresdeRomadeperpetuaremamemória,não apenas familiar mas sobretudo social, do nobre falecido (no mesmo sentido,LUCÍALINARES:Las fundaciones: Personalidad, Patrimonoio, Funcionamiento y Actividades, Universidade de Valência, Valência, 1998, p. 26). Para isso, eramconstruídassepulturasàmedidadaposiçãosocialdonobre,mas,aomesmotempo,era afetada à sepultura uma área de terreno produtivo, cujos rendimentos ficavam

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deuoaparecimentodefundaçõescriadaspeloEstado182,fenómenoqueterátidoasuaexpressãomáximaemFrança.Nestafase,porém,segundoasfon-tesdisponíveis,asfundaçõesreaisouestatais—normalmenteobraspias—estavamsubmetidasaodireitoestatal,tratando-se,portanto,defundaçõesdedireitopúblico183.

Seráaindainteressantereferir,emcomplementodestebrevíssimoaponta-mentohistórico,mascominteresseparaoquepretendemosdiscutiradiante,que,duranteoperíododasmonarquiasabsolutas,emqueoEstadochamaasiacriaçãodefundaçõessobretudocomfinsassistenciais,seproduzentretantooaparecimentodeummovimentodedescréditoemrelaçãoàsfundações,nãoapenasestataismasigualmenteprivadaseeclesiásticas,àsquaisseimputamosdefeitosdeineficiênciaeconómicaedeseremcausadequebradasreceitasfiscais184.Éassimqueomovimentoliberal,comonãopoderiadeixardeser,trazconsigonãoapenasaeliminaçãodamaiorpartedasfundaçõesdedireitoprivadoereligioso185,mastambémadesnaturaçãodasfundaçõesdedireito

destinados ao cuidado da sepultura e à comemoração do aniversário do defunto,atravésdaqualseiaperpetuandoamemóriasocialdacondiçãonobredaquele.Noplanojurídico,opropósitodescritoeraobtidoatravésdeumcontrato(doaçãomodaloufideicomisso),formalizadoentreonobreeumconjuntodepessoas,normalmentelibertosdodefunto,quesecomprometiamaadministrar,segundoosfinspreviamentefixados,osbensemcausae anãoalienaremessesbens.Nãohádúvida,portanto,que se estava perante a génese da fundação, comumperfil jurídicomuito similarao que existe hoje.A autora designa estas fundações primordiais por «fundaçõesfunerárias». Na continuidade da sua resenha histórica, a mesma autora refere (p.31) as fundaçõesdedireitoeclesiásticoque, aocontráriodas fundaçõesdodireitoromano,tiveramdesdeoiníciopersonalidadejurídica.SobreestasúltimasescrevemRUIMACHETE e HENRIQUE S.ANTUNES:Direito das Fundações. Proposta de Reforma,FundaçãoLuso-Americana,Lisboa,2004,p.11,que«osensinamentossobreacaridade,queserviramdefermentoàsfundaçõesmedievais,transformaramasmaisprosaicasintençõesdosdoadoresdaGréciaeRomaantigas[…]numdeverdecaráterreligiosoe,deumaformaoudeoutra,condicionaramoobjetoeaaceitaçãopolíticadasfundações».

182 -EUGENIASERRANO,op. cit., p. 32;RUIMACHETEeHENRIQUES.ANTUNES, op. cit., p. 11.

183 -EUGENIASERRANO,op. cit., p. 32.184 -RUIMACHETEeHENRIQUES.ANTUNES,op. cit., p. 11.185 -HELMUTK.ANHEIEReSTEFANTOEPLER,op. cit., p. 18.

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390 Nina Aguiar: Aspetos fiscais dos donativos a Fundações participadas pelo Estado. Anotação ao…

público,invocando-sepertenceraoEstado,diretamenteenãoporinterpostasentidades,adefesadetodososinteressessociaisoucoletivos186.

NaspalavrasdeRuiMacheteeHenriqueS.Antunes187,«asuperaçãodomodeloliberalpelanovacompreensãodasfunçõesdoEstadoeoconsequenteaparecimento dos direitos sociais lançaram as raízes do ressurgimento dasfundaçõesemFrançaenospaísessujeitosàs invasõesnapoleónicas».Comefeito,oséc.XXassisteaumarenovaçãodoapoiopopularemrelaçãoatodoodesignado«terceirosetor»188,incluindoasfundações.Acompanhandoesterecrescimentodeinteresseemtornodo«terceirosetor»,verificaram-seduasimportantesmudanças:umalargamentosignificativodoscamposdeatuaçãodasentidadessemfinslucrativosemgeral,incluindodasfundações,eaaber-tura dada pelo legislador aoEstadopara a criaçãode fundações de direitoprivado.

Oesboçohistóricoanteriormenteefetuadopretendeumostrarqueofenó-menojurídicodasfundaçõesnãoevoluiulinearmente,masrevelou-sesempremuitosensívelaocontextopolíticoe ideológicodecadaépoca.Ficoutam-bémdecertomodoclaro,eváriosautoresoafirmam189,quearelaçãoentreoEstado,asfundaçõeseasociedade,aolongodasuacentenáriahistória,foiváriasvezesmarcadapelatensãoeemalgunscasosporumacertadivergênciaentreosfinslegaisdoinstitutojurídicodafundaçãoeosmecanismosqueomesmoinstitutoefetivamentecolocaàdisposiçãodosfundadoreseposterio-resadministradores,quepermitemàfundaçãodesviar-sedosseusfins.

Orápidocrescimentodoterceirosetoraolongodoséc.XXacentuoumui-tasdestastensões.Koele190observaaesterespeitoque«asorganizaçõesfilan-trópicasestãocadavezmaisinfluenciadasporconsideraçõesmercantilistas»

186 - EUGENIA SERRANO, op. cit., p. 32. São do período liberal as «leis dedesvinculação», através das quais os bens pertencentes às fundações retomaramo estatuto de bens livremente comercializáveis. Em Espanha, por exemplo, adesvinculaçãodosbensdetodasasfundaçõesfoioperadapela«Leydesvinculadora»de11deoutubrode1820(LUCÍALINARES,op. cit., p. 27).

187 - Op. cit., p. 12.188 -TermocunhadopelaComissãoFiler,noseurelatórioemitidoem1975,sobre

afilantropiaprivadaeoseupapelnasociedadenorte-americana.189 -HELMUTK.ANHEIEReSTEFANTOEPLER,op. cit., p. 17.190 - INEKEA.KOELE: International Taxation of Philanthropy: Removing Tax

Obstacles for International Charities,IBFD,Amesterdão,2007,p.2.

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eque,emconsequênciadareduçãodadespesapúblicaemmuitospaíses,taisorganizações«estãoavirar-separaatividadescomerciaiseparaumacrescentecooperação como setor empresarial».Desta forma, afirma aindaomesmoautor,aclássicadivisãoentresetorempresarial,setorpúblicoeterceirosetorestáatornar-secadavezmaisturva,levandoosEstadosareformaraslegisla-çõesnacionaisrespeitantesàsorganizaçõessemfinslucrativos191.

AsassinaladastensõesedivergênciasestãobemilustradasnaexposiçãodemotivosdapropostadeLei-QuadrodasFundações,apresentadapelogovernoportuguêsaoparlamento.Nessaexposiçãodemotivosseafirmaque,«[A]uti-lizaçãoarbitráriapeloEstado,nosseusváriosníveis,doinstitutofundacionaltemporvezesconduzidoàretiradadeentidadespúblicasdoperímetroorça-mentaleàperversãodanaturezaelógicadasfundações,oquetemcausadosériosdanosaoprincípiofundacional,queéumprincípionobreestribadonoatoaltruístadedisposiçãodeumpatrimónioparaaprossecuçãodefinsdeinteressesocial».

3. linhAs geRAis dA tRibUtAção dAs fUndAções

Énestecontextodeconsiderávelcomplexidade jurídicaepolíticaqueaquestãofiscaldasfundaçõesdeveserapreciada.

Namaioriadospaíses,asfundações,àsemelhançadeoutrasentidadesqueprosseguemsemfinslucrativosatividadesdeinteressesocial,gozamdeumestatutofiscalprivilegiado192.Esteestatutoinclui,regrageraleentreoutrosbenefícios,aisençãodeimpostossobreherançasedoações,sobreopatrimó-nioimobiliárioesobreastransaçõesdeimóveis193.Nocampodatributaçãodos rendimentos, verifica-se, em regra, um duplo benefício fiscal: isenção

191 -Seráinteressantereferiraestepropósitoqueem1950oCongressodosE.U.A.criouumimpostosobreorendimentodasatividadescomerciaisdasentidadessemfinslucrativos,comoformaderestringiraconcorrênciadeslealqueasempresassofriamporpartedaquelasentidades(K.O’HALLORAN,M.MACGREGOR-LOWNDESeK.SIMON:Charity Law and Social Policy: National and International Perspectives on the Functions of the Law Relating to Charities,Springer,2008,p.554).

192 -VerorecenteestudodedireitocomparadosobrefundaçõesdeANNE-MARIEPIPER(ed.):Charity Law: Jurisdictional Comparisons,Sweet&Maxwell,2012.

193 -Mais rara é a isenção de IVA concedida às fundações que se verifica emPortugal,naIrlandaeemInglaterra.

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sobreoprópriorendimentodasfundações194ededutibilidadeaolucrotribu-tável dosdonativos efetuadospor entidades tributadas e não isentas, comosociedades195.

Oestatutofiscalprivilegiadodasfundações,bemcomodeoutrasentidadessemfins lucrativos, tem sido justificadopelo caráter de interessegeral dasatividadesdestasentidades.CitandoPedreiraMenéndez196«oobjetoprinci-pal das fundações (…) é o de realizar atividades de interesse geral para oconjuntodasociedade.(…)Assim,semprequeumafundaçãodesenvolveassuasatividades,geralmente,estaráacolaborarparaalcançarobjetivossociaisestabelecidosnotextoconstitucional.Detalformaque,comasuaatuação,estaráacontribuirparaasatisfaçãodenecessidadessociaisquedeveriamserasseguradaspelospoderespúblicos,oqueimplicaráumdesencargodasobri-gaçõesdaadministraçãonomomentodesatisfazertaisnecessidades»197.

Similarmenteaoqueacontecenodireitoespanhol,podemosdizerque,emregra,asconstituiçõesdoschamadosEstadosdebem-estarsocialconfiamaoEstadoaresponsabilidadedesatisfazerageneralidadedasnecessidadescole-tivas.Asfundações,porsuavez,têmvistoalargadoolequedeatividadesdeinteressesocialquepodemexercer,coincidindocompraticamente todasasnecessidadescoletivasquesãoconstitucionalmenteconfiadasaosEstados.

194 - No caso do direito português esta isenção está prevista no artigo 10.º doCódigodoImpostosobreoRendimentodasPessoasColetivaseestácondicionadaaocumprimentodedeterminadosrequisitos.

195 -Apenasatítulodeexemplo,oassinaladoduplobenefíciofiscalemimpostosobre o rendimento existe naArgentina (G.OLIVA-BELTRÁN,L.DONDO eO.BELTRÁN: «Argentina»,Charity Law: Jurisdictional Comparisons, cit., p. 8); na Austrália (V. VISEVIC e J. BAXTER: «Australia», Charity Law: Jurisdictional Comparisons, cit., p. 23); na Bélgica, desde 2008 (S. HEIDENBAUER:Charity Crossing Borders: The Fundamental Freedoms’ Influence on Charity and Donor Taxation Rights in Europe,KluwerLawInternational,2011,p.94);naPolónia (S.HEIDENBAUER,op. cit., p.94);naInglaterra(S.HEIDENBAUER,op. cit., p. 87); no Canadá (R. HAYHOE, «Canada», Charity Law: Jurisdictional Comparisons, cit.,p.48);naAlemanha(A.RICHTEReA.GOLLAN,«Germany»,Charity Law: Jurisdictional Comparisons, cit.,p.91);enosE.U.A.(MACGREGOR-LOWNDESeK.SIMON:Charity Law and Social Policy, op. cit., p.554),ondeesteduplobenefíciofiscalexiste,segundoosautorescitados,desdeoséc.XVIII.

196 - J. PEDREIRA MENÉNDEZ: Las Actividades Empresariales de las Fundaciones y su Tributación,LexNova,Valladolid,1999,p.153.

197 -TraduçãodaAutora.

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Destaforma,aatividadedasfundaçõesreduziriaovolumedeprestaçõessociaisporpartedoEstadoeaconsequentedespesapúblico198, justificandoassimoseutratamentofiscalprivilegiado.Nofundo,otratamentofiscalpri-vilegiadodas fundações traduzir-se-ianumacomparticipaçãodoEstadonofinanciamentodasatividadesdasfundações,asquais,emprincípioeempri-meiralinha,caberiamaoEstado.

Ora,ofactodeosrendimentosdasfundaçõesseremisentosdeimpostos,querpelaviadaisençãodasprópriasfundaçõesemrelaçãoaosrendimentosporsigerados,querpelaviadadedução,ao rendimento tributáveldeenti-dades tributadas, dos donativos feitos a fundações, oferece fundamento àtese,advogadahojepormuitosdefensoresdeumamaiortransparênciaparaasentidadessemfins lucrativos,deque tais rendimentossão,na realidade,fundospúblicos,devendocomotalestarsujeitosàmesmadisciplinadestes199. Porrazõesóbvias,estapreocupaçãoémaisintensanoscasosemquesevêesfumara jámencionadadivisãoentreo setorpúblico,o setor empresarialprivadoeosetordasentidadessemfinslucrativos(«terceirosetor»),noqualasfundaçõesseincluem.Estaéaquestãoqueconsideramosatravemestradaproblemáticadoregimefiscalprivilegiadodasfundações.

4. As fUndAções no imposto sobRe o Rendimento em poRtUgAlO n.º 2 do artigo 40.º do Código do Imposto sobre o Rendimento das

PessoasColetivas200(CIRC),queaté1999tinhaporepígrafe«donativosaoEstado»,tinhaatéentãoaseguinteredação:

198 -J.PEDREIRAMENÉNDEZ,op. cit., p. 153.199 - JOHN EVERETT: Community Foundations: An Introductory Report on

International Experience and Irish Potential, Combat Poverty Agency, Dublin,1998, p. iv; GEORGE W. BOHNAM et al.: The Future of Foundations: Some Reconsiderations, Transaction Publishers, 1978, p. 30; em Espanha, em sentidopróximo,J.PEDREIRA,op. cit, p. 154.

200 -Nosistemafiscalportuguêsnãoexiste,comoemEspanha,umaLeidoImpostosobreSociedadesenemtãopoucoumaLeidoImpostosobreoRendimento,comoemItáliaounaAlemanha.ExisteumImpostosobreoRendimentodasPessoasSingulares,regulado no Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares, eum Imposto sobre as Pessoas Coletivas, regulado no Código do Imposto sobre oRendimento das Pessoas Coletivas, cujo âmbito cobre as sociedades de qualquernatureza, incluindo as sociedades civis, as pessoas coletivas públicas de caráter

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«São tambémconsideradoscustosouperdasdoexercício,nasua totali-dade,osdonativosconcedidosa fundaçõesemqueoEstadoouas regiõesautónomasparticipemem,pelomenos,50%dasuadotaçãoinicialou,sendoaparticipaçãoinferior,desdequetalsejaautorizadopordespachoconjuntodoMinistrodasFinançasedoministrodarespetivatutela».

Opreceitofoiinteiramenterevogadoem1999,sendosubstituídoentãoporumadisposiçãointroduzidanoEstatutodosBenefíciosFiscais,oartigo62.º,n.º1,comaseguinteredação:

«São considerados custos ou perdas do exercício, na sua totalidade, osdonativosconcedidosàsseguintesentidades:

[…]

c)FundaçõesemqueoEstado,asRegiõesAutónomasouasautarquiaslocaisparticipemnopatrimónioinicial».

Mantém-se, por isso, toda a atualidade da questão decidida através doAcórdão do SupremoTribunalAdministrativo de 5 de dezembro de 2012,porquantoanormasemantémemvigor,emboracommodificaçõeseinseridanoutrolocaldoordenamentojurídico.

Cumpresalientarqueanormaaquiemcausaconstituiumdesvioàregrageralconstantedoartigo23.ºdoCIRC,peçacentraldoregimedetributaçãodoslucros,segundoaqualsóserãoaceitescomogastosaquelesquecompro-vadamentesejamindispensáveisparaarealizaçãodosrendimentossujeitosaimpostoouparaamanutençãodafonteprodutora[…].Foiessaarazão,aliás,que levouo legislador, justificadamentesobopontodevistadoutrinário,aconsiderarestarmosperanteumbenefíciofiscal.

Aracionalidadedobenefíciofiscalemcausaépoucoclaraeresultaaindamenospercetívelolhandooreferidoartigo62.º,n.º1doEstatutodosBenefí-ciosFiscaisnoseutodo:

«1.Sãoconsideradoscustosouperdasdoexercício,nasuatotalidade,osdonativosconcedidosàsseguintesentidades:

a)Estado,RegiõesAutónomaseautarquiaslocaisequalquerdosseusser-viços,estabelecimentoseorganismos,aindaquepersonalizados;

empresarial,asincluemporsuavezdiversostipos,asassociaçõeseasfundaçõeseaindadiversas entidadesoupatrimónios sempersonalidade jurídica civil, comoasherançasjacentes.

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b)Associaçõesdemunicípiosedefreguesias;

c)FundaçõesemqueoEstado,asRegiõesAutónomasouasautarquiaslocaisparticipemnopatrimónioinicial;

d)Fundaçõesdeiniciativaexclusivamenteprivadaqueprossigamfinsdenaturezapredominantementesocialoucultural,relativamenteàsuadotaçãoinicial[…]».

Váriosaspetosmerecemnotanoquedizrespeitoaestepreceito.Oprimeiroéaamplitudesubjetivadospossíveisbeneficiáriosdodonativoabrangidopeladeduçãofiscal,noquedizrespeitoàsentidadespúblicas:todasasentidadespúblicas,mesmoasdecaráterempresarial,e,destas,mesmoaquelascujages-tãoseencontreconfiadaaentidadesprivadasgozamdavantagemfiscaldeosdonativosqueaelassedestinempoderemserdeduzidoscomocustosdodoadorna sua totalidade e, emcertos casos, sendomesmomajorados, i.e., podendoserdeduzidosemvalorsuperioraovalorefetivamentedoado,comoseveráadiante.

Osegundoaspetomerecedordereparodizrespeitoàausênciadequalquerrequisitorelativoàatividadelevadaacabopelasentidadesdestinatáriasdosdonativos,aocontráriodoqueacontececomosdonativosaentidadespriva-das.Emvistadadimensãoedavariedadedeatividadeslevadasacabopelosetor públicoportuguês, atividades essas frequentemente concorrentes comatividadesempresariaisprivadas201,emuitasoutrasvezesatividadesdesuper-visão e de autoridade sobre atividades comerciais privadas, esta abrangên-ciasubjetivarespeitanteàsentidadesrecetorasdosdonativosquesãoobjetodo benefício fiscal é nomínimo perturbante. Considere-se, apenas a títulode exemplo entremuitosoutrosquepoderiam ser dados e comoobjetodereflexão,ocasodasentidadesreguladoras,asquaistêmimportantespoderespúblicosdecontrolodasatividadesprivadas.

Mas,paraalémdisso,osimplesfactodeobenefíciofiscalnãosedirigiracertasatividades,masatodoosetorpúblicodeumaformaindiscriminada,nãopodedeixardeconstituiremsifontedeestranheza,emfacedosprincípios

201 -M.REYeL.I.ALVARÉZ:«FoundationsandSocialEconomy:ConceptualApproachesandSocio-EconomicRelevance»,CIRIEC-Espanha, Revista de Economía Pública, Social y Cooperativa,73,2011,p.68,referemaexistênciadeduascategoriasdefundações.Aquelascujofiméodesatisfazernecessidadessociais(dosindivíduosedasfamílias)eaquelasqueosAutoresqualificamcomo«market producers»,cujaprincipalatividadeconsisteemprestarserviçosaentidadesdenaturezamercantil.

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informadoresdodireitofiscaledoconceitodebenefíciofiscal202.Aliás,esteaspetopoderásairrealçadoatravésdacomparaçãocomadisposição—aalí-nead)domesmopreceito—respeitanteàs«fundaçõesdeiniciativaexclusi-vamenteprivada».Destas,sóentramnocampodeincidênciadobenefíciofis-cal,comodestinatáriasdodonativo,aquelasque«prossigamfinsdenaturezapredominantementesocialoucultural»e,aindaassim,apenas«relativamenteàsuadotaçãoinicial»,oquesignificaqueumdonativofeitoaumafundaçãoprivadadefinsculturaisousociaisnummomentoposterioraodasuaconsti-tuiçãonãodarálugaraqualquerdeduçãofiscal.

Finalmente,seráaindarelevanteobservarqueaalíneac)don.º1doartigo62.ºdoEBF,aquelaquemais relevaparaocasodecididonoacórdãoaquitratado,abrangetodasasfundações,independentementedasuaatividade203, emque«oEstado,asRegiõesAutónomasouasautarquiaslocaisparticipem nopatrimónioinicial».Ouseja,nãoseexige,sequer,quetaisfundaçõessejamfundaçõesexclusivamentepúblicas204.

202 -DeacordocomK.TIPKEeM.LANG:Steuerrecht,18.ªed.,OttoSchmidt,Colónia,2005,p.328,umbenefíciofiscaléumareduçãodoimpostoapagarporumdeterminadosujeitopassivo,determinadanãoporrazõesdecapacidadecontributivamasporrazõesdepolíticaextrafiscal.

203 - Segundo a Lei-Quadro das Fundações, Lei n.º 24/2012, de 9 de julho, asfundaçõesprosseguemnecessariamentefinsdeinteressesocial,masestesinteressessãoenumeradosde formapródiga, abrangendo (artigo3.º): a assistênciaapessoascomdeficiência;aassistênciaarefugiadoseemigrantes;aassistênciaàsvítimasdeviolência;acooperaçãoparaodesenvolvimento;aeducaçãoeformaçãoprofissionaldoscidadãos;apreservaçãodopatrimóniohistórico,artísticooucultural;aprevençãoe erradicação da pobreza; a promoção da cidadania e a proteção dos direitos dohomem; apromoçãoda cultura; a promoçãoda integração social e comunitária; apromoçãodainvestigaçãocientíficaedodesenvolvimentotecnológico;apromoçãodasartes; apromoçãodeaçõesdeapoiohumanitário; apromoçãododesportooudobem-estarfísico;apromoçãododiálogoeuropeueinternacional;apromoçãodoempreendedorismo,dainovaçãooudodesenvolvimentoeconómico,socialecultural;apromoçãodoemprego;apromoçãoeproteçãodasaúdeeaprevençãoecontrolodadoença;aproteçãodoambienteoudopatrimónionatural;aproteçãodoscidadãosnavelhicee invalidezeemtodasassituaçõesde faltaoudiminuiçãodemeiosdesubsistênciaoudecapacidadeparaotrabalho;aproteçãodosconsumidores;aproteçãoeapoioàfamília;aproteçãoeapoioàscriançasejovens;aresoluçãodosproblemashabitacionaisdaspopulações;ocombateaqualquerformadediscriminaçãoilegal.

204 - No atual direito português existem vários tipos de fundações, os quais seencontram enumerados e descritos no artigo 4.º da Lei-Quadro das Fundações: i)

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Asoluçãolegislativadodireitofiscalportuguês,deampladedutibilidadedequaisquerdonativosefetuadosaquaisquerentidadespúblicas,extensívelafundaçõescomparticipaçãopúblicadominantee,sobretudo,desligadadaatividadedesenvolvidapelaentidaderecetoradosdonativosconstitui, tantoquantosabemos,umasoluçãopeculiarnocontextodospaísesdaOCDE205. Emregra,nesteconjuntodepaíses,sósãodedutíveisosdonativosaorganiza-çõessemfinslucrativospúblicasouprivadasquesedediquemafinssociais,culturais,educacionais,ambientaiseoutrossimilareseaindaassimcomlimi-tes.Emregra também,nomesmoconjuntodepaíses, asorganizações semfins lucrativospertencentesao setorpúbliconão recebemumregimefiscalmaisfavoráveldoqueasorganizaçõescongénerespossuidorasdeumestatutoprivado206.

Aracionalidadedaopçãodolegisladorfiscalportuguêsnãosemostraclaraeresultaaindamenostransparentequandoseatentanumúltimoaspeto,queéodeosdonativosfeitosafundaçõespertencentesaosetorpúblico,paraefeitosdasuadedução,nãoestaremsujeitosaqualquerlimite,aocontráriodoqueconstituiregranospaísesdaOCDE207,eaoinvésdoqueseverificacomosdonativosquetenhamcomodestinatáriosfundaçõesexclusivamenteprivadas,casoemqueosdonativossãodedutíveisatéumlimite,quevariaentre6‰(n.os3e5doartigo62.ºdoEBF)e8‰(n.º6doartigo62.ºdoEBF).

«Fundações privadas», que são as fundações criadas por uma oumais pessoas dedireito privado, em conjunto ou não com pessoas coletivas públicas, desde queestas, isolada ou conjuntamente, não detenham sobre a fundação uma influênciadominante;ii)«Fundaçõespúblicasdedireitopúblico»,quesãoasfundaçõescriadasexclusivamenteporpessoascoletivaspúblicas,bemcomoosfundospersonalizadoscriadosexclusivamenteporpessoascoletivaspúblicas; iii)«Fundaçõespúblicasdedireito privado», que são as fundações criadas por umaoumais pessoas coletivaspúblicas, em conjunto ou não compessoas de direito privado, desde que aquelas,isoladaouconjuntamente,detenhamumainfluênciadominantesobreafundação.

205 -HUGHJ.AULTeBRIANJ.ARNOLD:Comparative Income Taxation: A Structural Analysis,2.ªed.,KluwerLawInternational,2004,pp.233-234.

206 -Podeconsultar-se,aesterespeito,oestudodedireitocompradojáreferenciadoANNE-MARIEPIPER(ed.),op. cit..

207 -HUGHJ.AULTeBRIANJ.ARNOLD,op. cit..

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5. o pRoblemA dA delimitAção do ConCeito de estAdo nAs noRmAs fisCAisNo acórdão que estamos a analisar, o problema central residia na deli-

mitaçãodo termoEstado, utilizado, à data dos factos, no artigo40.º, n.º 2doCIRC (entretanto revogado) e atualmente no artigo 62.º, n.º 1 doEBF.Segundoopreceituadonessasdisposições,sãodedutíveisosdonativosefe-tuadosafundaçõesemqueoEstado,asRegiõesAutónomasouasautarquiaslocais participemnopatrimónio inicial.Aquestão em litígio dizia respeitoasaberseo termoEstadoutilizadonaqueladisposiçãodeviaserentendidocomo referindo-se apenas à pessoa coletiva Estado (uma aceção estrita dotermoEstadoprópriadodireitoadministrativo208)comodefendiaaFazendaPública,ou,pelocontrário,deviaentender-sequeanormafiscalutilizavaotermoEstadonoseusentidomaisamplo,designandoquerapessoacoletivaEstado quer as pessoas coletivas públicas criadas pelo Estado por descon-centração,i.e.,asentidadespúblicascriadaspeloEstadomascompersonali-dadejurídicadistintadeste,integrantesdaadministraçãoestadualindireta209. Aquestãocolocava-senocasoconcretoumavezqueseestavaperanteumdonativoefetuadoporumasociedadeaumafundaçãocujadotaçãoinicialforarealizadaportrêsentidades,sendoumadelasuminstitutopúblicoeoutraumasociedadeanónimadecapitaisexclusivamentepúblicos.

Trata-se de uma questão bem conhecida quer do direito administrativoquertambémdodireitoconstitucional.Nãoé,porém,umaquestãoqueofe-reça,atualmente,qualquercontrovérsia.Nodireitoportuguês,pelomenos,éconsensualqueotermoEstadopodeserusadoemváriasaceçõesbemdife-renciadas210.UmadelaséaqueserefereaoEstadoentidadejurídicadedireitointernacionalpúblico,i.e.,umaentidadedotadadesoberaniaexterna;outraéaqueserefereaoEstadocomooconjuntodetodasasentidades,existentesnoâmbitojurisdicionaldeumEstadosoberano,regidaspelodireitopúblicoe participantes do poder de autoridade pública (jus imperii); e a terceira, maisespecíficadodireitoadministrativo,éautilizadaparadesignaroEstado

208 -FREITASDOAMARAL:Curso de Direito Administrativo,Vol.1,1.ª ed.,Almedina,Coimbra,1989,p.197:«Na[…]aceçãoadministrativa,oEstadoéapessoacoletivapúblicaque,noseiodacomunidadenacional,desempenha,sobadireçãodoGoverno,aatividadeadministrativa».

209 -FREITASDOAMARAL,op. cit., p. 304.210 -FREITASDOAMARAL,op. cit., p. 197.

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comopessoacoletivadedireitopúblico.Naturalmente,nestaúltimaaceção,oEstadoopõe-seaqualqueroutraentidadepública,sejadecarácterterritorial(autarquia,regiãoautónoma),sejadecaráterinstitucional,comoosinstitutospúblicos211,eaindaqueintegradanaadministraçãoindiretadoEstado.

Sendo esta última aceção, como já foi dito, mais específica do direitoadministrativo,elanãoé,contudo,exclusivadesteramododireito,jáqueaprópriaConstituiçãodaRepúblicaPortuguesautilizaotermoEstadocomestesignificado.Éoqueseverifica,porexemplo,noartigo22.ºdotextoconsti-tucional,oqualdispõeque«[o]Estadoeasdemaisentidadespúblicassãocivilmenteresponsáveis,emformasolidáriacomostitularesdosseusórgãos,funcionáriosouagentes,poraçõesouomissõespraticadasnoexercíciodassuasfunçõeseporcausadesseexercício,dequeresulteviolaçãodosdireitos,liberdadesegarantiasouprejuízoparaoutrem»;ounoartigo103.º,n.º1,noqualselêque«[o]sistemafiscalvisaasatisfaçãodasnecessidadesfinanceirasdoEstadoeoutrasentidadespúblicaseumarepartiçãojustadosrendimentosedariqueza».Nestesdoiscasos,otextoconstitucionalutilizaotermoEstadonoseusentidoestritodepessoacoletivadedireitopúblico.

Hoje, o ponto de partida para a resolução da questão de interpretaçãodopreceitoemcausaseriaaregrageraldeinterpretaçãodasnormasfiscaisconstantedoartigo11.ºdaLeiGeralTributária212(LGT)213.Estipulaon.º2destepreceitoque«[S]empreque,nasnormasfiscais,seempreguemtermosprópriosdeoutrosramosdodireito,devemosmesmosserinterpretadosnomesmo sentidodaqueleque aí têm, salvo seoutrodecorrerdiretamentedalei».Mastrata-seaquideumcasoespecial,queanormadeinterpretaçãodoartigo11.º,n.º2nãoconsegueresolver,precisamenteporotermoEstadonãopertencer,comojáreferimos,aumramododireito,masaváriosramos—o

211 -FREITASDOAMARAL,op. cit.,p.314,distingueduascategoriasprincipaisdeentidadespúblicasdistintasdoEstado:institutospúblicoseassociaçõespúblicas.Osinstitutospúblicoscaracterizam-seporteremsubstratoinstitucional,nãoassociativo.EstesincluiriamosserviçospersonalizadosdoEstado,asfundaçõespúblicas(quehojeseriamasfundaçõespúblicasdedireitopúblico),osestabelecimentospúblicoseasempresaspúblicas.PorempresaspúblicasoAutorrefere-seunicamenteàsentidadesdedireitopúblicodecaráterempresarial.

212 -Decreto-Lei398/98,de17dedezembro.213 -Anormareferidanãoestavaemvigoràdatadosfactosdiscutidosnolitígio,

razãoporquenemaadministraçãofiscal,nemoMinistérioPúblico,nemoTribunalateremmencionado.

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direitoadministrativo,odireitointernacionalpúblicoeodireitoconstitucio-nal—assumindosignificadosdiferentesemcadaumdeles.

Nãosendoaplicávelaregradoartigo11.º,n.º2daLGT,oquesimpoderiaserargumentadoéque,integrando-seodireitofiscalnodireitoadministrativo,e tendo o termoEstado um significado bem preciso dentro deste ramo dodireito,torna-senaturalqueolegisladorfiscaluseotermoEstado,emregraesemnecessidadedequalquerespecificação,comosignificadoqueaqueletemnesseramododireito.

Masdeve-seporoutroladofrisarqueoargumentodecisivo,nestecaso,éaqueleemqueoTribunalseesteia,dequeélícitopartirdoprincípiodequeolegisladorfiscalusaráotermoEstado,dentrodamesmalei,semprecomomesmosignificado.Assim,quandooartigo40.º,n.º1doCIRC[entretantorevogadoesubstituídopeloartigo62.º,n.º1,al.a)doEstatutodosBenefí-ciosFiscais] se referea«Estado,RegiõesAutónomaseautarquias locais equalquer dos seus serviços, estabelecimentos e organismos, ainda que per-sonalizados»,nãoháqualquerdúvidadequeotermoEstadoseencontraaíutlizadonosentidoestrito,depessoacoletivapública.Omesmoacontecenoartigo9.º,n.º1,al.a)doCIRC,quandoaísedizqueestãoisentosdeIRC«oEstado,asRegiõesAutónomaseasautarquiaslocais,bemcomoqualquerdosseusserviços,estabelecimentoseorganismos,aindaquepersonalizados,com-preendidosos institutospúblicos,comexceçãodasentidadespúblicascomnaturezaempresarial».Nãopodehaverdúvidadeque,emambososcasos,oEstadoéreferidocomoumapessoacoletivadiferenciadadetodasasoutraspessoascoletivaspúblicas.

Oargumentopoderiaaindaserdesenvolvido,porrecursoaváriosprecei-toscontidosnoutras leisfiscais,que igualmenteempregamo termoEstadoemsentidoestrito:Oartigo2.º,n.º2doCódigodo Imposto sobreoValorAcrescentado(CIVA),oartigo11.ºdoCódigodoImpostoMunicipalsobreImóveis(CIMI)eoartigo6.º,al.a)doCódigodoImpostosobreTransmissõesOnerosasdeImóveis(CIMT).EmboranãopossamosefetuaraquiumaanáliseexaustivadospreceitosinsertosemleisfiscaisqueutilizamotermoEstado,essaanáliseiriasemdúvidaconduzir-nosàconclusãodequesemprequeolegislador fiscal português utiliza o termoEstado, o utiliza no seu sentidoestrito,própriododireitoadministrativo,depessoacoletivapública.

Chegadosaestaconclusão,queéfactual, interessaaindaencontrarumaexplicaçãoparaessauniformidadedesentidoadotadapelo legisladorfiscalportuguês. Se existem vários sentidos possíveis, em direito, para o termo

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Estado,porquerazãoolegisladorfiscalutilizasempreeapenasum?Comopossível resposta a esta questão, sugere-se que a contraposição dos váriospreceitos constitucionais que utilizam o termo Estado permite-nos obter asolução.AConstituiçãoutilizao termoEstadonosentidoestritododireitoadministrativo(comonocasodoartigo22.ºedoartigo103.º,n.º1)quandoestãoemcausarelaçõesousituaçõesjurídicasdedireitoadministrativo(noprimeirocasorelaçõesderesponsabilidadecivilnoâmbitodaatividadeadmi-nistrativa,nosegundocasosituaçõesjurídicascobertaspelodireitoadminis-trativofinanceiro);UtilizaotermoEstadonosentidododireitoconstitucionalquandosetrataderegularrelaçõesousituaçõesjurídicasdedireitoconstitu-cional(comoquando,porexemplo,noartigo9.º,enumeraastarefasfunda-mentaisdoEstado);efinalmenteempregaaindaotermoEstadonaaceçãododireitointernacionalpúblicoquandosetrataderelaçõesousituaçõesjurídicasdoâmbitodesseramododireito(comoquando,porexemplo,noartigo5.º,dispõeque«[o]Estadonãoalienaqualquerpartedoterritórioportuguêsoudosdireitosdesoberaniaquesobreeleexerce,semprejuízodaretificaçãodefronteiras)».

Parece claro, por outro lado, que amesma lógica subjaz ao uso que odireito tributário fazdo termoEstado.Sendoodireito tributárioumaparteespecialdodireitoadministrativo,eleregularelaçõesjurídicastributáriasquesão,tambémelas,relaçõesdedireitoadministrativo.Assim,quandoaleifis-calestabeleceumaisençãoafavordoEstado,regiõesautónomas,autarquiaslocaisedemaispessoascoletivaspúblicas,estáadefinirumarelaçãojurídicatributária,ousejaumarelaçãojurídicadedireitoadministrativo,justificando--sedestemodoqueutilizeotermoEstadonaaceçãododireitoadministrativo.

6. o pRoblemA de fUndo: A limitAção do benefÍCio fisCAl em fUnção dA pARtiCipAção do estAdo-pessoA ColetivA nAs fUndAçõesAquestãocentralnolitígioobjetodoacórdãoaquianalisadoeraadainter-

pretaçãodeumtermoutilizadonumadisposiçãodaleifiscal,questãoquefoipossívelsolucionarcomsegurançaatravésdeumaabordagemsistemática.

Subjacenteaestaquestãodeinterpretação,porém,divisa-seumproblemadefundo,qualsejaodaratiodanormaquelimitaobenefíciofiscaldadedu-çãodosdonativosefetuadosàsfundaçõesaoscasosemqueoEstado-pessoacoletivaparticipanopatrimóniofundacional,eexcluidomesmobenefícioasdoaçõesefetuadasafundaçõesemqueapenasoutraspessoascoletivaspúbli-

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cas—institutospúblicosouassociaçõespúblicas—participamnadotaçãoinicialdafundação.

Nasuadecisão,oSTAabordou,aindaquea títulosecundárioesuperfi-cialmente,estaquestão,aoargumentarque,constituindoosdonativosreceitasprópriasdasfundaçõesbeneficiárias,quandooEstado(naaceçãoestritadepessoa coletivadedireitopúblico)não tem,diretamente,participação rele-vante no seu património, com a consequente distanciação na condução ousupervisãodassuasatividades,nãose justificaobenefíciodaconsideraçãodosdonativoscomocustosfiscais,comasimétricareduçãodasreceitasfiscaisdoEstado.Doquesedesprendeque,paraoTribunal,areduçãodasreceitasfiscais—que, efetivamente, os benefíciosfiscais concedidos às fundaçõesrepresentam—sejustificaapenasquandooEstadotem,diretamente,opoderdeconduzirou,pelomenos,desupervisionaraatividadedasfundações.

NãopodemossecundarestatesedoSupremoTribunalAdministrativo.Emprimeirolugar,porquenãovemoscomoumareduçãodasreceitasfiscais,aqualparatodososefeitoséumadespesafiscal214,que,porserumbenefíciofiscal,representaumdesvioaoprincípiodaigualdadetributária,possaserjus-tificadapelofactodeoEstadoseencontrarnaposiçãodeconduziraatividadeda fundação.Seumbenefíciofiscal significauma reduçãoda receitafiscal(despesafiscal)emdesvioaoprincípioda igualdadetributária,dele teráderesultar,desdelogo,umaclaravantagemsocialquecompenseacomunidadepolíticaemcausa(nocasodeumbenefíciofiscalnoâmbitodeumimpostoestadual, essacomunidadepolíticaéapopulaçãodoEstado)pelaperdadereceitapúblicaepelaprestaçãosocialqueoEstadodeixaderealizaremvir-tudedessadiminuiçãodareceitafiscal215.Portanto,qualquerbenefíciofiscalsópodejustificar-sequandodeleresultarumautilidadesocialconcretaedepreferênciamensurável216.

214 -RANDALLG.HOLCOMBE:Writing Off Ideas: Taxation, Foundations, and Philanthropy in America,TransactionPublishers,2000,p.215.

215 -RANDALLG.HOLCOMBE,op. cit., p. 215.216 -Sobreoproblemadanecessidadedeavaliaroimpactodasentidadesempresas

sociais,nasquaisosAutoresincluemasentidadessemfinslucrativos,verM.DÍAS,C.MARCUELLOeC.MARCUELLO:«EmpresasSocialesyEvaluacióndelImpactoSocial»,CIRIEC-Espanha, Revista de Economía Pública, Social y Cooperativa, 75, 2012, pp. 178-188.

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Jáfoiexpostoanteriormentecomoestaconceçãosearticulanocasoespe-cíficodasfundaçõesedeoutrasentidadessemfinslucrativos.Estasentidadesrecebemumtratamentofiscalfavorável—umconjuntodebenefíciosfiscais—porquelevamacaboatividadesquesãodeinteressegeralparaacomuni-dadeeque,deoutromodo,incumbiriamaoEstado.Umavezquetaisativi-dadessãodaresponsabilidadedoEstadoeéestequem,emprimeira linha,devesuportaroscustosfinanceirosdetaisatividades,seentidadessemfinslucrativossesubstituemaoEstadonarealizaçãodessasatividades,édefen-sávelqueoEstadoparticipenoseufinanciamento217.ObenefíciofiscaléoveículojurídicoquerealizaessaparticipaçãodoEstadonofinanciamentodasatividadesdasentidadessemfinslucrativos.

Masporoutrolado,exatamenteporqueoEstadodespenderecursospúbli-cos comofinanciamento das entidades semfins lucrativos, é exigível queo Estado exerça sempre não uma superintendência (pois esta é própria desituaçõesdedependênciaadministrativa)masumcontroloapertadosobreasentidadessemfinslucrativos218.Porconseguinte,talcontrolonãoésuscetívelde ser questionado, nemos benefíciosfiscais concedidos às entidades semfins lucrativospodemser concebidos comoumacontrapartidadopoderdecontrolodoEstadosobreessasentidades.

Mas se os benefícios fiscais concedidos às fundações encontram a suarazãode ser no facto de essas entidades realizarematividades de interessesocialquesão,emprimeiralinhaeporincumbênciaconstitucionalnamaiorparte dos casos, responsabilidade do Estado, como se justifica então umaacentuadadiferenciaçãoderegimefiscalemfunçãodeadotação inicialdafundaçãoserconstituídaporprivadosoupeloEstado?E,nesteúltimocaso,comoseexplicaaexclusãodobenefícioquandoadotaçãoinicialérealizadaporentidadespúblicascriadaspordesconcentração, i.e.,compersonalidadejurídicadistintadoEstado,daregiãoautónomaoudaautarquialocal?

Naprimeirasituação,comoobservámosnoiníciodestecomentário,está--seperanteumadiscriminaçãoemrelaçãoàsfundaçõescriadascomfundosexclusivamenteprivados,asquaispodemdesenvolveratividadestãooumaisimportantesquantoas fundaçõescriadascomfundospúblicos.Nasegundasituação,nãosecolocaumproblemadediscriminaçãonosmesmostermos,umavezqueasentidadescriadaspordesconcentraçãoprosseguemosmesmos

217 -RANDALLG.HOLCOMBE,op. cit., p. 256.218 -RANDALLG.HOLCOMBE,op. cit., p. 256.

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finsdaentidadedesconcentrada,nãoseencontrando,portanto,emposiçãodeconcorrêncianemtendointeressescontrapostosaosdaquela,e integram-se,indiretamente,naentidadedesconcentrada.Masporessamesmarazão,nãosetornafacilmentepercetívelarazãoquelevaolegisladorfiscalportuguêsacriarumbenefíciofiscalparaumafundaçãocriadapeloEstadoouporumaregiãoautónomaeanegaressemesmobenefícioaumafundaçãocriadaporuminstitutopúblicointegradonoEstadoounaregiãoautónoma.

7. ConClUsãoEmmatériadefundações,aleiportuguesaprevêumbenefíciofiscalque

consistenadedutibilidadeaolucrotributáveldeumasociedadedosmontan-tesdoadosporestamesmasociedadeaumafundação,quandooEstado,asregiõesautónomasouasautarquias locaisparticipemnopatrimónio inicialdamesma.OtermoEstadoéaquiempreguecomosentidoprópriododireitoadministrativo,deEstado-pessoacoletiva,excluindotodasasrestantespes-soascoletivaspúblicas,decaráter territorialou institucional.Nestas funda-çõesincluem-sequerfundaçõesdedireitopúblicoquerfundaçõesdedireitoprivado.Jáemrelaçãoàsfundaçõessemparticipaçãodeentidadespúblicas—fundaçõesprivadasdedireitoprivado—obenefíciofiscalapenasabrangeosdonativosparaadotaçãoinicialdafundação.

Arazãodeserdosbenefíciosfiscaisconcedidos,diretaouindiretamente,àsfundações,residenofactodeestasentidadessededicaremaatividadesqueincumbemaoEstado,justificando-seassimqueoEstado,atravésdobenefíciofiscal,participenofinanciamentodetaisatividades.Massendoestaajustifica-çãodobenefíciofiscal,eprosseguindoaspessoascoletivasterritoriaismeno-reseosinstitutospúblicosigualmentefinsqueincumbemaoEstado,nãosedivisaarazãodalimitaçãodobenefíciofiscalàsfundaçõesparticipadaspeloEstado-pessoacoletiva.Afimdesatisfazeroprincípiodaigualdadetributá-ria,consagradonaConstituiçãoportuguesa,sugerimosquetalbenefíciofiscaldeveria ser estendido a fundações participadas não só por toda e qualquerentidadepúblicamastambémporentidadesprivadas.

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INSTRUCIÓNS AOS AUTORES E COLABORADORES

Este número debe citarse como Cooperativismo e Economía Social, n.º 35, 2013/2013.

Cooperativismo e Economía Social está indexada, entre outros lugares, en Dialnet. Proximamente incluirase en diversas bases de datos.

I. OBXECTIVOS E CARACTERÍSTICAS PRINCIPAISDefinición da revista: Cooperativismo e Economía Social é unha revista interdisciplinaria, plural e aberta á colaboración de toda persoa ou entidade que teña interese en publicar un traballo no ámbito da economía social, dende a perspectiva do dereito, da economía ou da socioloxía, así como tamén dende o propio movemento cooperativo e asociativo.

Estrutura: a revista divídese en seis partes: Doutrina (I), Actualidade xurídica (II), Actualidade laboral (III), Actualidade fiscal (IV), Actualidade financeira e contable (V) e Bibliografía (VI).

Edición e periodicidade: a revista é editada polo Servizo de Publicacións da Universidade de Vigo, polo Centro de Estudos Cooperativos (Cecoop) e por Andavira Editora. Publícase anualmente nun único número ao longo do cuarto trimestre, polo que a súa información se estende ás noticias producidas de xullo dun ano a xullo do ano seguinte. Por esta razón, xunto ao número da revista, figuran os dous anos aos cales fai referencia o seu contido.

II. NORMAS PARA A PRESENTACIÓN DE ORIXINAISContido orixinal: Cooperativismo e Economía Social, que se publica en galego, só acepta traballos de investigación orixinais en galego, castelán ou portugués. Excepcionalmente tamén se aceptará publicar a primeira versión en galego de traballos publicados orixinaria-mente en idiomas distintos dos tres citados. A tradución e revisión farase a cargo dos autores. Non obstante, en circunstancias excepcionais, a tradución e a revisión correrán a cargo da revista.

Data de recepción e de aceptación de orixinais: antes do 30 de xaneiro de cada ano deberá notificarse a calquera dos mem-bros da secretaría da revista ([email protected] ou [email protected]) a intención de enviar un traballo co título provisional, para poder confeccionar un índice provisional e evitar solapamentos. Os traballos orixinais deberán ser presentados antes do 30 de marzo de cada ano. A aceptación comunicarase como moi tarde o 15 de maio.

Sistema de arbitraxe e avaliadores externos: cando se recibe o traballo na secretaría e este é aceptado polo consello de redac-ción, someterase ao exame de dous avaliadores externos anónimos, que utilizarán como criterios de selección: 1. Interese social do artigo, 2. Importancia da mensaxe para o público potencial da revista, 3. Novidade da mensaxe, 4. Validez científica da evidencia en que se basean as conclusións do artigo, 5. Utilidade do traballo para a revista na súa política de cubrir un perfil de temas máis ou menos amplo.

III. INSTRUCIÓNS PARA OS AUTORESExtensión dos traballos: os traballos de doutrina deberán axustarse a un máximo de trinta páxinas mecanografadas a dobre espazo, incluídas as notas a pé de páxina. As “notas de actualidade” deben limitarse a dez páxinas mecanografadas a dobre espazo, sen notas a pé de páxina. Por último, as recensións axustaranse a un máximo de cinco páxinas.

Resumos e palabras clave: os autores de traballos destinados a ser incluídos no apartado de Doutrina (I), xunto co orixinal do traballo, deberán remitir un resumo deste en galego, castelán e inglés, que terá unha extensión máxima de 15 liñas.

Tamén deberán remitirse polo menos tres palabras clave (en galego, castelán e inglés) que faciliten, por exemplo, a súa inclusión en bases de datos.

Afiliación dos autores: a primeira páxina do traballo de doutrina conterá a información seguinte: 1. Título, 2. Nome do autor ou autores, 3. Filiación institucional do autor (que na edición impresa figurará tamén na lista de colaboradores do número) 4, Resumo do traballo e palabras clave (vide apartado anterior), 5. Enderezo electrónico do autor.

Normas técnicas para a presentación dos traballos: os traballos presentaranse necesariamente en arquivo informático en Word ou equivalente, con suxeición ás seguintes normas: tipo de letra, Estafes New Roman; tamaño, 12 (notas ao pé, 10); folio DIN A4; interliñado, 1,5 (notas ao pé simple); e marxes, 3-3-3-3.

Elaboración das referencias bibliográficas: as citas de obras monográficas faranse do seguinte modo: apelidos do autor (en maiúsculas); título da obra (en cursiva), editorial, lugar de publicación, ano e páxinas, (por exemplo, MORILLAS JARILLO, As sociedades coope-rativas, Iustel, Madrid, 2008, p. 56.). As citas de traballos publicados en revistas faranse do seguinte modo: apelidos do autor (en maiúsculas), título do traballo (entre comiñas), título completo da revista (en cursiva), volume, número (se o houbese), ano e páxinas, (por exemplo: COSTAS COMESAÑA, “Apuntamentos á Lei de sociedades cooperativas especiais de Estremadura de 2006”, Cooperativismo e Economía Social, n.º 29, 2006/2007, p. 43.

Incumprimento das instrucións polos autores: os orixinais que non se axusten ás instrucións apuntadas serán devoltos aos autores para que realicen as correspondentes modificacións ou adicións. De non se efectuaren no prazo sinalado, o traballo non será obxeto de publicación.

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COLABORADORES NESTE NÚMERO

Nina AGUIAR.-ProfessoraAdjuntadaÁreaCientíficadeDireitodoInstitutoPolitécnicodeBragançaJoão ANACORETA CORREIA.-AdvogadoAndré ALMEIDA MARTINS.-EquiparadoaAssistentedaÁreaCientíficadeDireitodoInstitutoSuperiordeContabilidadee

AdministraçãodoPorto.AdvogadoAna María ALVES BANDEIRA.-Professora-AdjuntadoInstitutoSuperiordeContabilidadeeAdministraçãodoPortoCláudia AMADOR.-DoutorandaemSociologia,FaculdadedeLetrasdaUniversidadedoPorto.Jaime ANEIROS PEREIRA.-Prof.Dr.deDereitoFinanceiroeTributario.UniversidadedeVigo.Deolinda APARÍCIO MEIRA.-ProfessoraAdjuntadaÁreaCientíficadeDireitodoInstitutoSuperiordeContabilidadeeAdministração

doInstitutoPolitécnicodoPortoMaría Cruz BARREIRO CARRIL.-Profª.AxudantedoutordeDereitoFinanceiroeTributario.UniversidadedeVigo.María Luisa CABELLO LÓPEZ.-AvogadadoIlustreColexiodeAvogadosdeLugo.Daniel COSTA.-PsicólogoSocial,DoutorandoemSociologiapelaFaculdadedeLetrasdaUniversidadedoPortoeinvestigadirdo

ISFLUP-InstitutodeSociologiadaFaculdadedeLetrasdaUniversidadedoPorto.Manuela DA SILVA PATRÍCIO.-ProfessoraAdjuntadaÁreaCientíficadeDireitodoInstitutoSuperiordeContabilidadeeAdministração

doInstitutoPolitécnicodoPortoMaria João DIAS.-AdvogadaPablo FERNÁNDEZ CARBALLO-CALERO.-Prof.TUdeDereitoMercantil.UniversidadedeVigo.Estanislao de Kotska FERNÁNDEZ FERNÁNDEZ.-DoutorenCienciaPolítica.DoutorandodaáreadeDereitoMercantildaUDC.Roberto I. FERNÁNDEZ LÓPEZ.-Prof.TUdeDereitoFinanceiroeTributario.UniversidadedeVigo.Eduardo GRAÇA.-PresidentedaDireçãodaCooperativaAntónioSérgioparaaEconomiaSocialPaula GUERRA.-ProfessoraAuxiliardoDepartamentodeSociologiaeinvestigadoradoInstitutodeSociologiadaFaculdadedeLetras

daUniversidadedoPortoRaul GUICHARD.-ProfessorCoordenadordaÁreaCientíficadeDireitodoInstitutoSuperiordeContabilidadeeAdministraçãodo

PortoXacobo IZQUIERDO ALONSO.-Prof.TEUdeDereitoMercantil.UniversidadedeVigo.Fátima LOUREIRO DE MATOS.-Geógrafa,ProfessoraAuxiliardoDepartamentodeGeografiadaFaculdadedeLetrasdaUniversidade

doPortoVanessa MARCOS.-DoutorandaemSociologia,InvestigadoradoInstitutodeSociologiadaFaculdadedeLetrasdaUniversidadedo

Porto.Luis Miguel MULEIRO PARADA.-Prof.ContratadoDoutordeDereitoFinanceiroeTributario.UniversidadedeVigo.Sinesio NOVO FERNÁNDEZ.-DoutorandodaáreadeDereitoMercantil.UniversidadedeVigo.Cristina PARENTE.-ProfessoraAuxiliardoDepartamentodeSociologia,FaculdadedeLetrasdaUniversidadedoPortoeinvestigadora

doInstitutodeSociologiadamesmainstituição.Tiago PIMENTA FERNANDES.-EquiparadoaAssistentedaÁreaCientíficadeDireitodoInstitutoSuperiordeContabilidadee

AdministraçãodoInstitutoPolitécnicodoPorto.AdvogadoMariana PINHEIRO DE ALMEIDA.-AssistenteConvidadadoDepartamentodeDireitodoInstitutoPolitécnicodoCávadoedoAveIrene PORTELA.-ProfessoraCoordenadoradaáreaCientíficadeDireitodaEscolaSuperiordeEconomiaeGestãodoInstituto

SuperiordoCávadoedoAvedeBarcelosCatarina PROENÇA.-EquiparadaaAssistentedaÁreaCientíficadeDireitodoInstitutoSuperiordeContabilidadeeAdministraçãodo

PortoMaria Elisabete RAMOS.-ProfessoraAuxiliardaFaculdadedeEconomiadaUniversidadedeCoimbra.Soraya RODRÍGUEZ LOSADA.-DoutoraenDereito;ÁreadeDereitoFinanceiroeTributario.UniversidadedeVigo.Jose Antonio RODRÍGUEZ MÍGUEZ.-SecretarioXeraldoTribunalGalegodeDefensadaCompetenciaM.ª Jesus RODRÍGUEZ MÍGUEZ.- AvogadadoColexiodeAvogadosdePontevedra.Carmen RUÍZ HIDALGO.-Prof.TUdeDereitoFinanceiroeTributario.UniversidadedeVigo.Teresa SÁ MARQUES.- Geógrafa,ProfessoraAssociadadoDepartamentodeGeografiadaFaculdadedeLetrasdaUniversidadedo

PortoHelena SALAZAR.-DocentedoInstitutoSuperiordeContabilidadeeAdministraçãodoPorto.MestreemDireito.AdvogadaElena SALGADO ANDRÉ.-DoutoraenDereito;ÁreadeDereitoMercantil;UniversidadedeVigo.Isabel SÁNCHEZ CABANELAS.-LetradadaFederacióndeCooperativas.SINERXIA.Mónica SANTOS.-DoutorandaemSociologiapelaFaculdadedeLetrasdaUniversidadedoPortoeinvestigadoradoInstitutode

SociologiadaFaculdadedeLetrasdaUniversidadedoPortoMónica SIOTA ÁLVAREZ.-Prof.Dr.deDereitoFinanceiroeTributario.UniversidadedeVigo.Francisco TORRES PÉREZ.-AsociadodeDereitoMercantil;UniversidadedeVigo.Paulo VASCONCELOS.-ProfessorCoordenadordaÁreaCientíficadeDireitodoInstitutoSuperiordeContabilidadeeAdministração

doInstitutoPolitécnicodoPorto.AdvogadoManuel José VÁZQUEZ PENA.-Prof.TUdeDereitoMercantil.UniversidadedaCoruña.