Livro Museologia e Património - Volume 6 - para capa e ...

404
e MUSEOLOGIA PATRIMÓNIO e Fernando Magalhães · Luciana Ferreira da Costa Francisca Hernández Hernández · Alan Curcino · COORDENADORES ESECS·PolitécnicodeLeiria Volume 6

Transcript of Livro Museologia e Património - Volume 6 - para capa e ...

Page 1: Livro Museologia e Património - Volume 6 - para capa e ...

eMUSEOLOGIAPATRIMÓNIOe

FernandoMagalhães · Luciana Ferreira da CostaFrancisca HernándezHernández · Alan Curcino

·C O O R D E N A D O R E S

ESECS · Politécnico de Leiria

Volume 6

Page 2: Livro Museologia e Património - Volume 6 - para capa e ...

Fernando Magalhães Luciana Ferreira da Costa

Francisca Hernández Hernández Alan Curcino

(Coordenadores)

MUSEOLOGIA E PATRIMÓNIO Volume 6

Page 3: Livro Museologia e Património - Volume 6 - para capa e ...

MUSEOLOGIA E PATRIMÓNIO

Volume 6

Page 4: Livro Museologia e Património - Volume 6 - para capa e ...

POLITÉCNICO DE LEIRIA

Presidente Rui Filipe Pinto Pedrosa

ESCOLA SUPERIOR DE EDUCAÇÃO E CIÊNCIAS SOCIAIS

POLITÉCNICO DE LEIRIA

Diretor Pedro Gil Frade Morouço

EDIÇÕES

https://www.ipleiria.pt/esecs/investigacao/edicoes/

Conselho Editorial Alan Curcino

(Universidade Federal de Alagoas, Brasil) Dina Alves

(Instituto Politécnico de Leiria, Portugal) Emeide Nóbrega Duarte

(Universidade Federal da Paraíba, Brasil) Fernando Paulo Oliveira Magalhães

(Instituto Politécnico de Leiria, Portugal) José António Duque Vicente

(Instituto Politécnico de Leiria, Portugal) Leonel Brites

(Instituto Politécnico de Leiria, Portugal) Luciana Ferreira da Costa

(Universidade Federal da Paraíba, Brasil) Marco José Marques Gomes Alves Gomes (Instituto Politécnico de Leiria, Portugal)

Silvana Pirillo Ramos (Universidade Federal de Alagoas, Brasil)

Page 5: Livro Museologia e Património - Volume 6 - para capa e ...

FICHA TÉCNICA Título: Museologia e Património - Volume 6 Coordenadores: Fernando Magalhães, Luciana Ferreira da Costa, Francisca Hernández Hernández, Alan Curcino Projeto gráfico: Alan Curcino, Luciana Ferreira da Costa, Leonel Brites Capa: Leonel Brites Imagem da capa: “Coração Jabuticabeira” (2021) por Renan Florindo Edição: Escola Superior de Educação e Ciências Sociais – Politécnico de Leiria ISBN 978-989-8797-62-9 Setembro de 2021 ©2021, Instituto Politécnico de Leiria APOIOS

RededePesquisae(In)Formaçãoem Museologia,MemóriaePatrimônio

Facultad de Geografía e Historia: Grupo de Investigación Gestión del Patrimonio Cultural

U N I V E R S I D A D COMPLUTENSE

M A D R I D

UNIVERSIDADE FEDERAL DA PARAÍBA

Centro de Investigação em Qualidade de Vida

Page 6: Livro Museologia e Património - Volume 6 - para capa e ...

Àcontínuacooperaçãoentreosamigosbrasileiros,espanhoiseportuguesesemtornodaMuseologiaedoPatrimónio.

Page 7: Livro Museologia e Património - Volume 6 - para capa e ...

ÍNDICE

Apresentação.......................................................................................................FernandoMagalhãesLucianaFerreiradaCostaFranciscaHernándezHernándezAlanCurcino

7

ProloguePublic memory as the art of quality maintenance forsocietal development (some notes on mindset and thecontext)...................................................................................................

TomislavSladojevićŠola

13

Elpoderde lamiraday la fascinaciónporelobjeto:de lacolección privada al museo público, piedra angular denuestropatrimonio……………………………………………………………

LauraAriasSerrano

45

Abordagens de avaliação de Programas de Educação emMuseus.....................................................................................................

LouisePalmaAliceSemedo

81

Museus,mitos,espaçosdefronteira:atravessamentos..........TeresaCristinaScheiner

114

Os desafios da Pós-Verdade e da Infodemia para aMuseologia.............................................................................................

CarlosAlbertoÁvilaAraújo

152

OMuseuAfro-BrasileirodaUniversidadeFederaldaBahia-MAFRO:umestudodecasosobremusealizaçãodaCulturaAfro-Brasileira......................................................................................

MarceloNascimentoBernardodaCunha

183

Page 8: Livro Museologia e Património - Volume 6 - para capa e ...

MuseuWorikg (São Paulo, Brasil): a transmissão culturalKaingangeacomunicaçãonapandemiadoCoronavírus......

DirceJorgeLipuPereiraSusileneEliasDeMeloMaríliaXavierCury

240

AEducaçãonocampodosMuseusnoBrasil(1932-1958)....AnaCarolinaGelminideFaria

280

O Edifício 34 sob uma perspectiva museológica-patrimonial: apontamentos sobre ações expositivas nopassado/presente................................................................................

EmanuellyMylenaVelozoSilvaSabrinaFernandesMelo

309

Museu Histórico De Bacurau: desejo de memória eresistêncianastelasdocinemabrasileiro.................................

SilvanaPirilloRamosGeovannaPirilloCarnevalledosSantos

336

Uma trajetória de formação de agentes do patrimônio emuseusnomeionortedoBrasil.....................................................

ÁureadaPazPinheiroRitadeCássiaMouraCarvalho

361

Page 9: Livro Museologia e Património - Volume 6 - para capa e ...

7

Apresentação

Vivemos temposdifíceis, até sombrios e estranhos. Temposdeluto,lutaeresistência.Temposdeolharparaooutro,serempático,tempo de ser colaborativo, tempo de se reinventar. Tempos de sepermitir estar perplexo e de se ter coragem. E, sendo assim, qual opapeldosmuseusedopatrimónionestestempos? Osmuseusdesempenhamumpapelfundamentalnaofertadeespaçosondepossamosrefletirsobreosignificadodopatrimónioedaculturahoje.Seporumladoosmuseuscomoespaçosdememórianospermitemconhecermelhoropatrimónioculturalenatural,ajudando-nos a valorizá-lo, por outro lado, o património oferece-nos umpanoramaglobaldadiversidadeculturalqueosmuseusabrigam.Porisso,ambossãochamadosatrabalhar juntosparaeducaroscidadãosde que é preciso criar novos laços para realizar uma estratégia deconscientização e valorização do património cultural e natural comorecurso que contribui para a humanização e transformação dasociedade. Por outro lado, os museus têm como objetivo social umadiversidadedeleituraspossíveisquepodemseroferecidasapartirdediferentes perspetivas e perante as quais os cidadãos têm aoportunidade de se posicionar de acordo com as suas preferências enecessidades. Não é de estranhar, portanto, que diante da situaçãoexcepcional que vivemos com a pandemia de COVID-19, observemoscomoosmuseuseopatrimónioestãoemcondiçõesdenosoferecerapossibilidadedesuperá-laparanosajudarasairmosrenovadosecomnova energia para enfrentar os desafios futuros. A partir dos novosdiscursos que os museus e o património assumem sobre oenvolvimentodasociedadenavidadas instituiçõesdememória, serápossíveldefinirotipodeparticipaçãoquenelasocorrerá.Osmuseus,nocontextodaemergênciasanitáriaprovocadapelapandemia, foramobrigados a usar uma metodologia participativa que não é maisexclusivamentepresencial e física,mas imagináveisdeoutras formasdeapresentaropatrimónioculturalmuitodiferentesdoqueosusamosaté agora. Portanto, eles têm que estabelecer uma nova forma de serelacionarcomosvisitantesparaqueacomunicaçãosejamaisfluidaeumarelaçãomaispróximasejacriadaentreeles.

Page 10: Livro Museologia e Património - Volume 6 - para capa e ...

MuseologiaePatrimónio–Volume6

8

Isso os levou a usar novas tecnologias para apresentar eoferecer informaçõesàsociedade.Ascoleçõesonlinesãoagoramuitomais valorizadas do que antes e estão sendomais promovidas comomeiodedivulgaçãodopatrimónioedaculturanosmuseus.Osgrandesmuseus têm aumentado muito a percentagem de visitas recebidasonline, bemcomoaparticipação e comunicação atravésdautilizaçãodefeedbacknosmeiosdecomunicaçãodemassa,utilizandopodcasts,Google Art & Culture e realidade virtual, enriquecendo assim aexperiência culturaldos cidadãos.A importânciaque, nopassado, foiatribuída às coleções tradicionais, dá lugar à preocupação e aointeresse pela divulgação e pedagogia de novas formas deapresentação de objetos e património cultural. Pretende-se que osvisitantes virtuais também se tornem criadores de conteúdos einterajamcomoutraspessoaspreocupadasemtransmitiropatrimónioe participar na sua divulgação. As novas tecnologias são, portanto,transformadas em verdadeiros instrumentos e ferramentas dedivulgaçãodopatrimóniocultural. Assim,osmuseussãochamadosaofereceràsnovasgeraçõesde nativos digitais uma comunicação de qualidade em que osvisitantes, físicos ou virtuais, sintam-se à vontade e possam interagirdeformaapermitirageraçãodeconhecimentoeconteúdo.Alémdisso,são obrigados a se deslocar e atuar em condições especiais que osobrigam a considerar novas práticas museográficas nas quais oterritorial e o físico se transformam em ciberespaço, o patrimóniocultural e natural se transmuta em património digital e os visitantesemusuáriosdaInternetcomosquaissecomunicamunscomosoutrospormeiodasconhecidasredes. Hojepodemosnosperguntarcomodeveriamserasrelaçõesentre museus, cultura e património em tempos de pandemia. Osmuseussãochamadosaexplorarnovosmodelosdeatuaçãoquesejamcapazes de manter um diálogo efetivo com os visitantes de formacriativa, valendo-se dosmeios digitais para continuar conservando ecompartilhando seupatrimónio cultural.Osmuseusdevemajudarosvisitantesasesentiremconfiantesparaabordá-losapósapandemiaedispostosacolaborardeformaparticipativaeacolhedoraparavoltarànormalidade. Mas, aomesmo tempo, será necessário analisar como lidarcom os problemas que a crise da saúde está causando e que afetará

Page 11: Livro Museologia e Património - Volume 6 - para capa e ...

MuseologiaePatrimónio–Volume6

9

necessariamenteodesenvolvimentodesuasfunçõessociais,culturais,econômicas e trabalhistas. Sem dúvida, os museus são chamados aenfrentar um novo paradigma em que têm que assumir a tarefa derecriarumanova imagemdomuseuna sua relação coma sociedade.Isso significa que eles não serãomais capazes de colocar todo o seuinteresseeesforçoemprogramar,depreferência,grandesexposiçõesdotipoblockbusterparaatrairgrandesmassasdepúblico,masterãoque prestarmais atenção aos fundos próprios quemantêm em suasreservasequegeralmentesãodesconhecidosdosvisitantes. Comoemqualquertipodecrise,nestatambéménecessárioenfrentá-la criativamente, vendo nela a possibilidade de aprimorar aforma de enfrentar a realidade do património cultural a partir deorçamentosmais inclusivos e globais, que incluem todos os aspectoshistóricos, culturais, naturais e elementos ambientais, que ajudam aconhecê-lo e valorizá-lo. Será esta diversificação das expressõesculturaisqueterádeservalorizadanasuadevidamedida,aomesmotempoqueestastêmdeserselecionadasparaseremexpostasapartirdos diferentes discursos museográficos. Talvez estejamos perante amelhor oportunidade para fazer uma crítica construtiva de como aexperiênciamuseológicaeculturalsedesenvolveuduranteasdécadasanteriores à pandemia e analisar como enriquecê-la com novasfórmulasquesaibamseadaptaràsnecessidadesdomomentopresente.E,nesteprocessodeanálise,nuncadevemosesqueceraimportânciadeouvir as sugestões dos vários públicos que estão a exigir umamaioratenção e uma oferta mais enriquecedora e plural do patrimóniocultural. Património e museus são chamados a realizar juntos umcaminhoqueosleveaenfrentardeformaintegralqualquerdimensãosocioculturalqueafetaoserhumanocomoumtodo.Esseéograndedesafioqueambasasrealidadespatrimoniaistêmqueenfrentar,numaépocaemquenadaprofundamentehumanopodeserestranhoaelas.Não em vão, o património cultural preservado dentro e fora dosmuseus deve contribuir para o desenvolvimento e o bem-estar detodasaspessoas. Aqui, diferentes contribuições escritas por diversas mãos,por autores especialistas reconhecidos, de forma colaborativa e emrede, não pretendem senão evidenciar a importância das múltiplasformas de encarar a realidade patrimonial para que seja conhecida,

Page 12: Livro Museologia e Património - Volume 6 - para capa e ...

MuseologiaePatrimónio–Volume6

10

valorizadaeusufruídaportodososquechegamaosmuseusetambémvisitam os monumentos culturais em todo o mundo, por um futuro,sempre crítico e otimista, melhor, através de se fazer ciênciatransnacionalecomunicá-la. Nesse sentido, temos, portanto, a honra de apresentar àcomunidadeacadémico-científicaeprofissionalosmaisnovosquatrovolumesdaColeçãoMuseologiaePatrimónio,obrasjáconsideradasdereferênciaeesperadasanualmente.

Os livrosMuseologia e Património – Volume5, Volume6,Volume7eVolume8dãocontinuidadeàpublicaçãodosVolume1eVolume 2, publicados no ano de 2019, e Volume 3 e Volume 4,publicados no ano de 2020, e são resultado de uma cooperaçãocientíficainternacionalqueseinicioucomoCentroInterdisciplinardeCiências Sociais (CICS.NOVA) – Polo Leiria em 2019, e, desde 2020,com o protagonismo do Centro em Rede de Investigação emAntropologia(CRIA)daEscolaSuperiordeEducaçãoeCiênciasSociais(ESECS)edoCentrodeInvestigaçãoemQualidadedeVida(CIEQV)daEscola Superior de Saúde de Leiria (ESSLei), todos vinculados aoInstituto Politécnico de Leiria (IPLeiria), Portugal, juntamente com aRede de Pesquisa e (In)Formação em Museologia, Memória ePatrimónio (REDMUS) da Universidade Federal da Paraíba (UFPB),Brasil, e o Grupo de Investigación Gestión del Patrimonio Cultural(GIGPC) da Facultad de Geografía e Historia (FGH)da UniversidadComplutensedeMadrid(UCM),Espanha. O percurso desta cooperação inicia-se com a publicação dequatro Dossiês Temáticos sobre "Museu, Turismo e Sociedade”,respectivamente nos anos de 2014, 2015, 2017 e 2018, na RevistaIberoamericana de Turismo (RITUR), editada em conjunto peloObservatórioTransdisciplinaremTurismodaUniversidadeFederaldeAlagoas (UFAL), Brasil, e pela Facultat de Turisme e LaboratoriMultidisciplinardeRecercaenTurismedaUniversitatdeGirona(UdG),Espanha.Taisdossiês contaramcomoapoiodaREDMUS/UFPBparasua publicação entre 2014 e 2017, além doInstituto de HistóriaContemporânea -Grupode InvestigaçãoCiência,EstudosdeHistória,Filosofia e Cultura Científica (IHC-CEFCi)daUniversidade de Évora(UÉvora), Portugal, assumindo a organização e assinatura comoEditores. Já no ano de 2018, acrescentou-se ao apoio à publicação oCICS.NOVA/ESECS/IPLeiria.

Page 13: Livro Museologia e Património - Volume 6 - para capa e ...

MuseologiaePatrimónio–Volume6

11

Os dossiês objetivaram contribuir para as diversas áreasdedicadas a reflexões sobre os espaços museais e o conhecimentomuseológico, enfocando, sobretudo, uma perspectiva a partir doTurismo, lançando mão de análises sob dimensões sociais,antropológicas, históricas, políticas e econômicas, evocando,transversalmente, os conceitos de cultura, memória, património eeducação na constelação das relações entre museus, turismo esociedadeapresentadaspelosautoresdosartigospublicados.

Comoconsequênciapositivadodossiêde2018,realizou-seemnovembro ainda no ano de 2018 o I Colóquio Internacional sobreMuseu,PatrimónioeInformação,organizadopelaREDMUS/UFPBcomo apoio do CICS.NOVA/ESECS/IPLeiria, na cidade de João Pessoa,Brasil.

A partir do êxito do colóquio, agregando cooperativamenteautores dos dossiês da RITUR como convidados, além de outrosespecialistas reconhecidos internacionalmente, nasceu o projetodestes livros tendo, por sua vez, como autores professores epesquisadoresdoBrasil,daEspanhaedePortugal,dedicadosàsáreasdaMuseologia e doPatrimónio, como objetivo primordial de reunirum conjunto de textos científicos capazes de plasmarem a grandevariedadeeriquezadoqueéproduzidosobreestasáreasnestestrêspaíses.

Os autores que participam de todos os livros oferecem umaamostra muito variada e enriquecedora de quais são os desafios daMuseologiaatualedecomoénecessárioapostaremumaMuseologiasustentável que leve em consideração a promoção, valorização econservação do Património Cultural em conexão necessária prática epolítico-epistemólogica com diversas disciplinas, como aqui sãoencontradas: História, Sociologia, Antropologia, Ciência Política,Turismo, Ciência da Informação, Artes Visuais, Tecnologias, dentreoutras. Para o leitor, descortinam-se aqui pesquisas e ensaioscontemporâneossobreaMuseologiaeoPatrimóniointer,pluri,multietransdisciplinaresnaperspetivadoqueéproduzidonaatualidadenoBrasil,naEspanhaeemPortugal.

Nesteanode2021,temosaalegriaeoorgulhodecontarcomumPrólogonosquatrovolumesapresentadosdaColeçãoMuseologiaePatrimónio, assinado pelo competente amigo e museólogo croata, oProfessorTomislavSladojevićŠola.

Page 14: Livro Museologia e Património - Volume 6 - para capa e ...

MuseologiaePatrimónio–Volume6

12

TomislavSladojevićŠola estudou MuseologiaContemporâneana Sorbonne, França, e fez o seu Doutoramento em Museologia naUniversity of Ljubljana, Eslovénia. Foi professor daUniversidade deZagreb,Croácia,desenvolvendoatividadesligadasàpráticadeensinoecomocurador, diretor, editor, conferencista e consultor. Muitocontribuiupara oConselho Internacional deMuseus (ICOM). Cunhoutermos como “Patrimoniologia” e “Mnemosofia”, dedicando-se,atualmente,comofundadoreDiretordoTheBest inHeritage,aúnicainvestigação e divulgação anual do mundo sobreprojetospremiadosdemuseus,patrimónioseconservaçãodesdeoanode2002.

Vale destacar, para coroar nossas publicações, neste ano de2021 contamos com as belas capas do Professor Leonel Brites(IPLeiria,Portugal) apartirdas fotografiasdos “CoraçõesdeFlorim”,magníficotrabalhodojovemartistaplásticobrasileiroRenanFlorindo,quenostrazememoçõeseváriossignificadosemtemposdepandemiasobreavida.AquiseencontraaArteentrelaçadanosconhecimentosepropostasdaMuseologiaedoPatrimónio.

Vistotratar-sedepublicaçãointernacional,estesquatrolivrosapresentamemduas línguasoficiais,portuguése castelhano,os seuscapítulosoriginais,eeminglêsoseuPrólogo.Ademais,todoconteúdode cadacapítulo, incluindoas figuras, fotografias, imagens, gráficosequadrosanalíticos,bemcomosuasresoluçõesenormalização,sãodaresponsabilidadedosseusrespetivosautores.

Cabe ressaltar, ainda, que cada capítulo aqui encontrado foisubmetidoporavaliaçãoporparesàscegascomvistasàqualidadedapublicação.

Ao final desta apresentação, fica o desejo a todos de umaprofícua leitura na perspetiva de seu uso e de sua ampla divulgaçãocomocontribuiçãoàevoluçãoefuturodoscamposdaMuseologiaedoPatrimónio.

FernandoMagalhãesLucianaFerreiradaCosta

FranciscaHernándezHernándezAlanCurcino

Page 15: Livro Museologia e Património - Volume 6 - para capa e ...

MuseologiaePatrimónio–Volume6

13

Prologue

PUBLICMEMORYASTHEARTOFQUALITYMAINTENANCE

FORSOCIETALDEVELOPMENT(Somenotesonmindsetandthecontext)

TomislavSladojevićŠolaChairofTheBestinHeritage

ChairofEuropeanHeritageAssociation(EHA)http://www.mnemosophy.com

https://independent.academia.edu/TomislavSola1.Theprivilegeofcommunicationandthevalueofinvoking

Iwasgiventheprivilegeofcontributinganintroductorytextto

this well-respected publication in full liberty granted to the seniorsonly, I believe. I will use the opportunity with appreciation, but, asannounced to the benevolent editors by writing an informal text,hardlymore than a collection of lecturer’s notes. So the text is not ascientificone, -at leastnot in form. Ihopethereaderswillbearwithmenonetheless.

I speak from the long experience, insight and frustration andclaim someprofessional relevance even if it comes at the expense ofthescientificimpression.Asever,Iwriteinthefirstperson,givingmyinsideropiniongatheredthroughalongperiodofdiverseinterestsandrolesthat Ihaveassumedinthedomainofpublicmemory.All Ihaveeverwritten is freely accessible at Academia.edu and onmywebsite(mnemosophy.com).

When an idea or thought has an obvious source, quoting isaboutbasic honesty, not somuch thematter of scientific norms.We,the actual living, are just like the blooming surface of the coral reef,made possible by those beneath. I was a direct disciple of GeorgesHenriRiviere and a close colleague toKennethHudson.MywebsitesandTheBest inHeritageconferenceareverbatimdedicated to them.Likepeopleoftendo,theyare(asdifferentastheywere)myimaginary

Page 16: Livro Museologia e Património - Volume 6 - para capa e ...

MuseologiaePatrimónio–Volume6

14

interlocutorswhilewriting: whatwould they say or comment on it?Someotherbrightmindsofthesectorinspiremetoo(GraceMorley,J.C.Dana,D.S.Ripley,W.Sandberg,HuguesdeVarine,JacquesHainard,JeanVeillard,PierreMayrand,BožoTežakand someothers),but likeall of us, I rely upon some greatminds of choice and preference (E.Fromm, L. Mumford, A. Huxley, B. Russell, N. Wiener, MarshallMcLuhan, A. Toffler, R. M. Pirsig and many others). The important,usuallyolderothers,arebehindeverythingweare,nomatterhowwemay,orindeed,shoulddifferfromthem.AntunBauerinitiatedmeintoresearchingmuseumsandcuratorialwork.IvoMaroevićinvitedmetothe position of assistant professor at the Department of Museology,whichhehadjustfounded(1984)attheUniversityofZagreb.

Insomecases,Ireferredverydirectlytosourcesofwisdomandinspiration. Inabook Iwroteasakindofglossaryof "museumsins"("Eternity does not live here any more ..."; translated into Spanish,RussianandLatvian),Iwaswidelyparaphrasingtwowonderfulbooks:"Gulliver'sTravels"and"Faust".2. Knowing the broad context as the way to the meaningfulmission

Will for power and flight from freedom, Erich Frommwould

claim,preventus fromcreatingasanesociety.The temptation,strivefor eternity, the passion for possessing and the pleasure of conquestcreated conventional museums. The whole matter, compressed intoonephrasewouldbethatallthatneedstobedoneistointerprettheneed for museums as a pursuit of the divine inspiration of humans,serving their incessant need for perfecting of human condition.Museumsarenotthereforourmaterialitybutforourspirituality,-thetemples,notofsciencebutsecularspirituality.AsR.Barthessaid,theonly eternity given to humans is that of the human race. Othereternitiesseemtobereachablebyreligiousprojectionsandspeculatedupon by philosophy or natural history. Humanist ethic by which weshould interpret and communicate the accumulated experience (toguide theworld and care for its harmonious development), – that iswhatmuseumsareabout.Inmyyoungcuratorialyears,some45yearsago, Dillon S. Ripley, a legendary director of Smithsonian Institutionwas claiming that museums are there for our “survival”. The idea

Page 17: Livro Museologia e Património - Volume 6 - para capa e ...

MuseologiaePatrimónio–Volume6

15

struckmeasatypicalmindopener.Whowouldhavethoughtthatweshall face it literally by experiencing even the end of species option?EversinceIhavehearditfromhim,Iknewthatmuseumsoughttobeverybusyinstitutions.Well,allgoodmuseumsare!

Itisnotthesocietalgroupsbutthevaluesystemsthatruletheworld. The living humans are all temporarily there as passers-by, asthe changingmembersof humanity;what stays changing at a slowerpaceandoscillating, are thevalues indifferent “packages”. Identity, -the central issue tomost of themuseums is one of them. They onlyserve or feed or their Machine as it transforms in time andcircumstances.Theirmuseumsarethecorepartofthat.Shouldtheybesuch? Not really. Correctly understood museums are mechanisms ofadaptationtosomeextentbutshouldbeacorrectiveforce,theonethatserves the change helping us to create it for the simple, banallysoundinggoal,-ofmakingtheworldabetterplace.Shallowwords?No.Thebestmuseums, like thebestpeople,are just that.Thechange forthebetterorthesteady invitationtosticktothestatusquo.Howcanyou recognize the latter? They never excess their selfishness, nevertranscend their first, pragmatic interests. To recognize them whentheydisguiserequiresinsightandaprofessionalmindset.Inthehandsof a professional “open authority” becomes sharing the insight andexpertise,whereasthemerechasersofbuzzwordsloseauthority.

Technology is a direct consequence of increasing knowledgebutalwaysbecomestheextensionofourselves.Ourspiritualandmoralcapacities fail to control thismaterializing knowledge so it producesalmost its autonomous change. We may blame ourselves formiscalculating the effects but a minority, which is increasinglyprivatizing this development, does it merely for profit ignoring theconsequences. Generally, our technology represents our psychemirrored.Knowledgewithoutethicsis,toputitsimply,-harmful.3.Theunnumberedrevolutionandthechangedvaluesystem

Theworldisconstantlychanging.Themega-trendsareusually

registered as “revolutions” and we now live in the fourth, that ofartificial intelligence, the one changing, mentioned often as “cyber-physical systems”. To remain in the comfort zone of convenientknowledge we decided long ago to understand revolutions as

Page 18: Livro Museologia e Património - Volume 6 - para capa e ...

MuseologiaePatrimónio–Volume6

16

technological.Howeverthetheoryandpracticemaychaseeachothercompetingforpriorityright,itislikelythatsparkhappensinspiritandturnsintoaconceptwhich,inturnimmediatelyseeksforsomefurtherinspiration and finally demands legitimacy from the practicalapplication.

The romantic claim is that revolutions happen due to theepochal inventions of genius minds. But, do technologies happenbecause the world changes or the radically different technologieschangetheworld?Itisnoteitherway,butbothways.Likethecircleoftheory and practice that Kurt Levinewas so ingeniously defining bysaying that there was nothing so practical as a good theory. So,revolutions, I believe, happen rather as a change of mindset, of theworldview,andthewaywejuxtaposeourvaluesbywhichwemeantoshapeourhumandestiny.Wedreamandprojectandcraveidealsandvalues that seem to be the natural part of our spirituality. Namingrevolutions after technological changes is therefore only partly truebut certainly toosterileSTEM-minded. )Theawkwardbalance to thismanipulativesimplificationistheinventionofcolouredrevolutionsastheway of warmongering and geopolitical engineering). Humanities,memoryinstitutionsincluded,aresupposedtostayoutoftheway.

The one that dominates Anthropocene is unnumbered andoverwhelming, heralded by Tacher and Ronald Regan; it took theleading two global politicians at the time hardly a decade (approx.1980-1990)tobestservetheforceswhichimposedthemasleaders.Tothis purpose, huge quasi-democratic machinery was engaged toprovide them with legitimacy to lead the fatal privatisation of theworld. This libertarian movement was adorned by a fake historicalalibidatingbacktomid-18thcenturyAdamSmith’sromanticeconomicmoralizing.Insteadof“theinvisiblehand”ofthemarketgoverningthesociety,thesocietygraduallyslippedintotheauthoritarianruleoftheunobservable forces of the ultra-rich. Velvet totalitarianismprovidedall needed support, from Nobel prize winners (and juries) toinnumerablehiredexperts inprivatizedmediaandbecameknownasliberal capitalism. It is just libertarian and it is not capitalism.Privatisation, meaning the incessant concentration of ever greaterownershipmeansthatprocessissooverwhelmingthatwillnotstopatour doors. It changes the way politicians and the masses theymanipulate,perceivetheworld.

Page 19: Livro Museologia e Património - Volume 6 - para capa e ...

MuseologiaePatrimónio–Volume6

17

Why is this seeming “politicizing” justified in awriting aboutmuseums? Because in the last four decades the governing worldparadigm changed fromproduct toprofit. Before that, profitwas theconsequence of producing and selling products, whereas, from theearly1980s,theproductbecamethemeremeansofprofit.Theprocessof great commodification took place. Even the culture, even theheritage even the intangible heritage, even their air, water, animals,woods…eventhehumans,allcouldhavegraduallybeenviewedasanasset. Product was so unimportant that the very labour becameunimportantandhumiliated.Assuch itwasassignedtothe laboriousandneedyothersand that ishowtheWest’worldviewmounted intoits geopolitical and geostrategic problem. Such detrimental,involutional developments inflicted upon others return like acontagiousdisease.

The consequences of the growing financial adventurismenabled the banks and military-industrial complex to corruptdemocratic processes somuch that even the global financial crisisof2008was itself grabbed as an opportunity for the plunder of publicmoney.Itisduetothesechangesinapproachtoeconomyandpoliticsthattheworkingclassdisappearedandeverythinglegitimatelybecamethe potential asset. Commoditisation of the world began. Thelibertarian triumph was presented as the blossoming of freedom.Whatever the scenario of the fall of the USSR was, the changedparadigm melted additionally its deviated bureaucratic illusion.Gorbachevwasnottheonlypersonwhobelievedthattheworld,onceprincipally and predominantly democratic and capitalist will losereasons for conflicts and (finally) unite its nations to save theendangeredPlanet.AynRand’sevilgospelandprophecyoftriumphalselfish individualism became themost sinister reality. Knowing this,the disintegration of theWest seemed at first possible, then obviousand finally inevitable. Of course, an unfavourable prophecy may berightfullytakenasariskyclaimbenevolentlyofferedonlytoavoidtheunhappyoutcome.

Contrarytowhatnewlibertariancapitalistsclaim,AynRand'sdestructivecelebrationofultimateindividualismwasnotcapitalismatall, but an apotheosis of selfishness and greed against any decenthumanity.Nevertheless,theclownsfrompoliticalrealityshow(ashervulgarfollowers)canbestillworse:"Thereasonwehavethevaccine

Page 20: Livro Museologia e Património - Volume 6 - para capa e ...

MuseologiaePatrimónio–Volume6

18

success is because of capitalism, because of greed my friends". This“private”statementofBorisJonsonpubliclyhasspreadallaroundtheworld. How can this man understand why any country should havemuseums.Howcouldmanyothers, less educatedand lessobligedbytheirfunction?

Thedepreciationoflabourisequallyaneconomicandculturalsin.Tomentionagain thevalue-lesssociety, thedisappearanceof theworkingclassledtotheextinctionofcriteriaofqualitywhichtogetherwith products withdrew into the unattainable 1%. The diminishingmiddle class made non-culture possible, - a certain state of dis-culturation or apathy: the post-modern syntagm “anything goes”imperceptiblyslippedinto“nothingmatters”.Cynically,thecreatorsofproblemscanbeeasiestrecognizedatthemomentwhentheypresentthemselvesasthesavioursfromtroublewhentheyproposesolutionstoproblems theyhavecreated themselves.Evenwhendisguised intosmallbusinessesand franchising, theblueprint reveals thewritingofmultinationalcompanies.Sotheofferedremedyfordevaluedlabourisin further robotisation, virtualisationof reality, universal incomeanddeeperdecreaseofquality,risingprivatisationofresourcesbygeneticmanipulationandpatentingofrealityas,theyconvinceus,thismakeseverythingmoreaccessibleand fightspending famine. Itmaywellbejustthecontraryandyet,publicmemoryinstitutionswillhardlyutterawordlikeitdidnothappenbeforeinmanyways.4.Whywouldthelibertarianworldbeconcerningmuseums?

So, knowing the context matters. The cultural or creative

industryhasbeentherightfulrealitybutat its fringesandinsomeofits coreareas, the society tookcare that creativitywouldnotdependentirely upon thewhims of any individual or a group. Even socialistcountrieswere insomedegrees tolerating this freedom.Thewesterndemocraciesrespectedandanarrayofpractices,fromphilanthropictoentirelypublicfinancing.

But, still, what has this to do with heritage and museums?Simple: the very idea of heritage is transcending the particular andextends into collective and public. Heritage is about value systems.Protagonists, be they institutions or occupations serving it, - change,but values systems live and govern us. The world not only became

Page 21: Livro Museologia e Património - Volume 6 - para capa e ...

MuseologiaePatrimónio–Volume6

19

managed (what I naively thought in my PHD to be the call forresponsibility) but becomes constantly re-invented, registered,classified, catalogued and then appropriated as ownership, bought,concessioned, “genetically” managed and therefore rightfully owned.Identity has been historically misused for nationalist and economicconflicts.Cultureofheritage,or(whatitshouldbedefinedinto)publicmemory is built upon thebasic humanneed for peace andharmony,for continuation and flourishing of differences as of richness, be itnature of culture. Funnily, most religious people that thank theircreator god(s) for the beautiful world, are the most ominoushypocrites.TheirmonopolyovertheGod(s)usuallyexcludesothers,-exactlythatlavishinheritedGod-givenrichness.Whilethethreemainreligions(claimingthatGod isoneandbeingonbadtermswitheachother)maybestillcontemplatingthemathematicaltruthbehindit,wemay rightfully claim some significant space for public spirituality,becauseitisexactlythatclaimthatmatters.Thesecularworldknowsthat heritage is but the well-chosen, profoundly studied, attentivelycared for and generously communicated wisdom. A responsible andethicallyfoundedhumanexperience.

Inbrief,whathasbecomearuthlessmonetisationoftheworld,tends to end up as a clearance sale of values, its institutions, itscollections and its rights to a public mission. Who will own ourmemory?Willhumanbeingsbecomeobsolete?That“revolution”maypasseasilyunderthesocietalradarsaswefumblewithdisputableAI,geneticmanipulationandplanetarymega-brainasamerely technical“revolution”.Muchmore is at stake. Aswe are being reduced to thehyper-mnesic,autisticcharacterfromthe“RainMan”movie,wemightstill contemplate, however, whether our heritage may hold somesuperior wisdom than fun stories for tourists that we finallyappropriateasacosytruth.Funnily,alldictatorsbethemoldfashionedones or hidden behind the curtain of the staged democracy seeheritageandissuingidentity,astheirmightiest,ultimatetool.

Thatengineeredconsenttotheunstoppablerightofownershipgo so symbolically well with the basic procedure of science, -cataloguingtheworldseemedlikethefirstphaseofpossessingit.Thechanges seem to be irreversible. The subjugation of memoryinstitutions may well be just a technical fact on the way to theownershipoftheminds.

Page 22: Livro Museologia e Património - Volume 6 - para capa e ...

MuseologiaePatrimónio–Volume6

20

5.Thevalueframeworkisalwayspolitical

Beyond certain basic education, we all form our own

knowledge “bubbles”, or quanta, particular compilations of humanexperience that become uniquely ours, sort of our ever-changing“private”cognitivecloudsandpulsatingmentalmaps.Allofthem,anyof them, nomatterwhom they belong to, - they deserve a chance ofsharing,andalltakepartinanimmense“parallelogramofforces”bringabout resultant vector(s) representing the magnitude, direction andchoices… Any person, community or culture is a unique amalgam ofverydifferent experiences. Its frequencies, densities, prevailing tonesortypesofimaginingmakeussodifferent,sometimesintheinvisiblesubtletieswhileatothertimesdifferencesamounttorepresentspecificcivilisations.

Such prevailing patterns of thinking and values dominate thebasisofcultureandidentities;theorganisationofanysocietyisaboutitandstems from it.Thespanoforganisationalvariants ranges fromintentional chaos (which some call liberty) to forced order. Bothpoliticaloptionsclaimtorepresenttheruleofthemajorityandbelievetobeabletostoptheprocesseswheretheychoose.Historically,bothsystemshavehadthedisguisedelitesthathijackedthemandatesfromthe“masses”andruleintheirname.IfwelimitthecritiquetotheWest,whichseemstobefairwearetalkingaboutochlocracy,theruleofthemobbyitsquality,seeminglyobsessedwithhumanrightsandjustice.It is always, except in occasional cases, about interests, stageddemocracybeingameretacticofit.

Theillusionsfedtothemassesoftheprecariataremaskingthetrue power of the obscenely rich but false elites hiding behind theappearanceofthestagedrealitybeitnews,events,happenings…evenconflictsandwarsjustaswellasthetrickswhichseeminglyadvocatepeace.Onlythehonesthomofaberprofitsfromthepeace;totherulingwarisalwaysthebestbusiness,beitasforcedeliminationofrulesoropenplunder.ThebigprivatisationofEasternEuropewasoneof thegreatest plunders in history: deindustrialisation, de-population, braindrain, deprivation of own banks and resources, privatisation of thefunctionalpublicsector…

Page 23: Livro Museologia e Património - Volume 6 - para capa e ...

MuseologiaePatrimónio–Volume6

21

Using the advantage of generalisation tomake things obviouslet us say that the world today is truly post-democratic and post-ideological. The false elites are always flirtingwith the social evil ofpoverty, the cradleofmanycalamities. So theochlocracyasa ruleofthemob becomes the daily face of democracy: the world of a blandsimulacrum, a certain shifted, derivative reality. Such “elites” (byinfluenceandshare indecisionmaking)eitherbeginbyattacking theculture or, more likely, end by harming it. Any war is like that; anypush for power is organized like that. (People from the “firstcountries”, be themgeneralpublicor curatorsdismiss this reasoningjudging by themselves). But, to form a world view and meaningfulmindset comprises knowing the world, all of them, - the first, thesecond, the third, and the appearing, shameful “fourth”. That one iscomposed of our contemporaries, - continents, countries andcommunities less lucky by their economic and political past, thesuffering society, exposed tobadlydisguised colonisation, permeatedbycorruption,povertyandslavery.

Globalization is effectively functioning only in the interest ofglobal corporations and as internationalisation of cultures. Mostculturessuffercertainschizophreniaasawideningdividebetween,ononeside,apopulationculturallyestrangedbytheinternationalmedia-generated “culture”, and, on the other, by the radical alt-rightidentitarianmovement.Neither of the two extreme groupswould behappywithlongterm,non-sensationalist,scientificallybaseddiscourseofpublicmemory institutions.Heritage institutionsarenotprotectedby the integrity of the profession nor isolated from these processes.They are, on the contrary, increasingly pressured to act in favour ofparticular interests (tourist industry, corporative strategies,geopolitics,nationalist/chauvinistpolitics).

Deviations are many and varied. To illustrate it we mayrememberthatmuseumexhibitionsarebeingreplacedbyprofessionalexhibition-dealing companies, while the expensive and waywardcuratorshipissubstitutedbypeoplefrommedia,marketingandinstant“cultural managers”. Any ambitious provincial mayor and hisadministrationwillprefertoinvestafewhundredthousanddollarstohave the “sensational” AndyWarhol’s exhibition or one on “Titanic”and receive 50 thousand visitors than fumblewith local curator andforgottenthemesorgeniusesthatboostdeeplocalvalues.Thisgoesas

Page 24: Livro Museologia e Património - Volume 6 - para capa e ...

MuseologiaePatrimónio–Volume6

22

farasmacabre,necrophilicexhibitionslike“Bodies2.0”,advertisedas“Shocking! Impressive! Incredible” in several European cities. Likeinstead of embracing some relevant future, we are reiterating theprimitiveconcepts:BarnumwasdoingthesameinhisprotomuseuminTheStates,backinthesecondhalfofthe19thcentury.

Toillustratethesecond“positionitwouldbeenoughtofollowarisingnumberofnationalistexhibitionswithzealouspropagandaofnational identity that should stand firm against something orsomebody…Likewearewarmingupforsomerealconflicts.Insteadofprotecting and affirming what is the most vital and valuable inidentities, they are in charge, some museums fail prey to politicallymisused overtones. There is nothing wrong to build monuments ormake exhibitions but only the sense of measure, calculated for thelong-term accountability, can protect us from harm by, say, turningmasses into nationalist illusions of greatness and uniqueness againstdignified,modestprideandsense fordiversity.Calibratingandsenseofmeasuredosoundasanidealistfolly.Butthousandsofmonumentsbuilt generations ago got recently demolished. To tell the truth,museumsmanageoftentoresistsuchpressure,seeminglyattheirloss,because this aggressive energy (and the money and influence thatcome with it) is then channelled to the streets, stadiums, new“historical” monuments, media etc. Again, if a profession has hadexistedtoinsistuponstandards,proceduresandcriteria,ifitstillcouldcome into being, the care for heritage and identitieswould not havebeen hijacked by the radical political right or unarticulated activists.My heart iswith the latter, but their solitary actwitnesses that theyhave been abandoned by their museums. Heritage, if exclusive,overstressed and tailored to suit specific interests, myths andnarratives, represents the most fertile ground for alt-right orcorporative interests. Any society not only requires but deserves aprofessionalresponsetoitsthreats.

Most of us work in the public domain, some in the memoryinstitutions directly in charge of forming, caring for andcommunicating the public memory. You must have noted, however,thatmajor social topicsare typicallyopenedby thegeneralpublicororganizedcitizens,-notbyus.Wearetoleratingtheportraits,statuesand plaques of slave traders and colonial despots and similardespicablepersonalitiesinourinstitutions,onthesquaresofourcities

Page 25: Livro Museologia e Património - Volume 6 - para capa e ...

MuseologiaePatrimónio–Volume6

23

squares. , But, our public lost patience and started to act in the onlywayitcan,-inaggressive,riotousaction.Thatshouldnotbethewayinan organized, democratic society, but it is justified in the absence oftimelyinitiativefromcompetentprofessions.

Againignoringtheinert,dismemberedmemoryinstitutions,insomeEuropeantransitionalcountries,thenewnationalist,rightistandvulgarlylibertarianregimestookthechancetowipeoutordistorttheantifascist past by massive destruction of reminders: museums,monuments,sites, libraries,archives,namesofstreetsandsquaresoreven the identityofentirecities. In thepost-ideologicalworld, this isnot truly politics but historical authoritarian templates thatdemonstrate efficiency in manipulation with the masses. Thesetemplates should have been denounced long ago by all thoseoccupations whose task is to record and evaluate the historicalexperience.

The decades-long formidable phenomenon of museums“growing like mushrooms” has had many causes and motives, someimplicit, others tacitly expected to be fulfilled. Decades ago in a textabout it, I remarkedthatnotallof themareedible. Ifpeopleseemtowanttheirmuseum,whosaystheyhavegottentheoneneeded?Readypublic consent should never be taken for granted. For decades themanagement and marketing (directly imported from the economy)stressedtheimportanceofresearchofpublicneed,but,sterilizedasitcomes out it cannot replace the true force of professionalism whichformsaclear,bravevisionstudyingtheneedsofsociety.Whatifpeopledonotknowhowto formulate theirneeds.Allwouldagree that theyneedgoodhealthbut it takesanautonomousprofession to constructthe public health service.Marketing is first and foremost the qualityproduct. Ifwewant tobe loved,wemust love,asanoldLatinsayingclaims.Tolovemeansfirstunconditionalgivingandaffectionalcare.Itagreeswellwitholdwisdom.ABuddhistonesaysthatyoucannotmissifyouarethesameasyourtarget.Intheworldinwhichyourusersaretricked,deceived,abandonedandmanipulated, livingsomeillusionofdemocracy in a betrayed society, - true friends are easily sensed.Peoplefeelthatmuseumsmightorshouldbetheplaceofsecurityandunconditionedgiving,butformost,theyarenot.

Page 26: Livro Museologia e Património - Volume 6 - para capa e ...

MuseologiaePatrimónio–Volume6

24

6.Thepowerofmindsetasabasisofusableprofessionalism

The vantage point does not change reality itself, but our

relation to it. I preach some emerging science of publicmemory andbeing rather a solitary radical I use the freedom to be occasionallyprovocative. It is interestinghowadifferentpoint of viewmaypaintmoreintriguing,challenginganddynamicpictureofagrandprocessoftransfer of collectiveexperience that we classify into overlapping(memory) institutions. In them, -whateverwe are andwhateverwemaywishtoattain,dependsupontheworldaroundus:thewayitwas,or it is or the way it could be. Such shifts in mindset, expressedundoubtedly bymany,makes us see possibilities and challenges thatweotherwisenotperceive.

Webster Merriam dictionary says that mindset is “a mentalattitude or inclination” say of voters that politicians may like todeterminesothattheygrabormaintainthepoweroverthem.Itisalsothewayofreasoning,acertainlifeattitude,itlaterexplains.So,onecansay,itcanbefixed,asortofstableconvictionthatguaranteesthestatusquo(whenwewant topreserveandcontinuesomethingworth it)orbe modified (when we need to oppose something or adapt to it) tobecomethemostpowerfulvehicleofchange.

A productive, creative, flexible, receptive mindset is like aformulainarithmeticintowhichonesubstitutesevermodifiedvaluesto attain the correct, credible effect, - be able to apply it to anysituation. It is also an equation that has to function nomatter whatchangeshappenateithersideofit.So,nottoobfuscatethepointIammaking,Iwishtosaythatmerefactographyorlearnedknowledgedoesnot necessarily help or change anything. If you are a trained curatorworking in the children’s museum, having passed whatever wasnecessarytoprovideyouwithworkingskillsandyouhappentodislikechildrenorbeindifferenttothem,-thewholeeffortandprospectareinvain.But, lovingchildren isbeing them,knowing them, finding thework with them pleasurable and fulfilling; that is the mindset moreeitherimportantthanformaleducationaboutitoridealbasisforit.Inthat case, talent or love are enough to present the correct mindset.When there is a conviction and attitude, only then the knowing theinstitutionanditsworkingprocedures(whathandbooksareabout), -

Page 27: Livro Museologia e Património - Volume 6 - para capa e ...

MuseologiaePatrimónio–Volume6

25

becomes important. Maybe the god-given, the talented and the veryspecialamongus,mayhardlyneedtheformaleducation,buttherestofus, however, cannot do without the training and professionaleducation. We need the regular and organized transfer of theaccumulated professional experience. That is one of the obligatoryfeaturesofanyprofession.

Butonly thewider theoretical insight into thesocietyand thewayitismanagedcanhelpusinbuildingadeepunderstandingofthesociety and its functions, - assist us in creating the clear sense ofmission.Handbooksarenotmeant toreachthat farasbooks.Agoodtheory, a scientific discipline, a sciencemaybe, - that can provide uswith inspiration and self-assurance as we come to realize that anycommongoodisbaseduponcollective,shareddevotion.Knowingthatwe are not alone, but rather part of society designatedwithmissionacquires theprofessionalconsciousness,certainethics, responsibility,importance, riles and expectations, - that is the way to build anyprofession.

7.Lackofautonomyisalwayshidingaservitude

Therefore, both systems are called democratic. So, where do

museums stay?With the rulers. Their natural choicewould be, withtruth, honesty, humanist ethics and virtues of the autonomousprofession. Neither of the two extreme systems can tolerate suchmuseums, - representing some independently chosen, researched,caredforandcommunicatedpublicmemory.Soundsidealtohavesucha conductorof varieties and curatorof values, that like anorchestra,needtoproducewisdomtolivebyinaharmonioussociety.Thisiswhyheritage activities (new statistical term in Australian governmentaldocuments;elsewheretoo,obviously)comprisingmuseums, libraries,archives,digitallybornactions,andallsimilarpublicmemoryactivitieswereneverenvelopedintoacommontheory,letalonespecificscience.Suchaself-confidentandautonomoussectorwouldcounter-actandatthe threats to collective integrity and sane societal reasoning (say,showing howwars compare to natural disasters and unlike the firstcan all be avoided). That, of course, cannot be allowed. (Here, only astepseparatesmefrombeingaccusedofofferingconspiracytheories).How it came that the greedy, gluttonous, mendacious, aggressive,

Page 28: Livro Museologia e Património - Volume 6 - para capa e ...

MuseologiaePatrimónio–Volume6

26

pervertedor simply stupidhave somuchpoweroverus?Howcomethatwepromotethevaluesandlivesofsomanyrascalsandno-goods,of unworthy, from decadent aristocracy to mass murderers? Havingsuchahuge,scientificallydocumentedinsightintothehumanodyssey,museums are best when controlled at least by the lack ofprofessionalism and obligatory training and by discouraging theirstrategic unificationwith other institutions of publicmemory. Thosewhoknowthisare frustratedandtrap themselves imperceptibly intoslowcareers.

7.1“Neutralism”andpublicintellectualism

Inones’life,onemeetsafewscientistsorartists,asalltherest

are craftsmen, followers, imitators, reproducers, many of themmasteringtheirtradequitewell.Sowhoarethescientistsandartists?The rare ones. Those who change the way we see and understandthings. Thosewho change theworld for the better,who are bridges,cornerstones, passages, gates, crossing points, sometimes sensors,amplifiersorcatalysers,-alwaysvisionary.

If deeds,not thewords, are let to speak themostpretentiousamong them are the weakest and always somehow disguised and,often, protected by the professional, social or political statuses andtitles.Inthecaseofprofessorsandscientists,onecanrecognizethemfirstby their fateful seriousness and incomprehensible, almostoccultlanguagetheyuse.Somearealsobiasedasservantsshouldbe.Othersenjoy being useless, as the status of “being neutral” acquired somelegitimacy:powerholdershonourthemthusgettingoutof theirway;majority fells for the hype of some romantic “right” to scientificaloofness to theproblemsof theworld.Have younoticedhowmanyscientists and artists manage to be so avant-garde that they missaddressinganyproblemofcontemporarysociety?Or,whentheydo,itremainsadecorative,agreed,properlydosedone:anyneoliberalrascalbenevolentlycultivatessomeharmlesscriticism.Thisway,theillusionof democracy is shared on both sides of the deceiving mirror.Contemporaryartistsareacaseinthepoint,assomanyaredisguiseddissidents, false tribunes, salon leftists,pretendedrebelsand inactiveactivists. Their proper, just dose of non-conformism flatters theirbosses, - from the obscenely rich who control the society to lesser

Page 29: Livro Museologia e Património - Volume 6 - para capa e ...

MuseologiaePatrimónio–Volume6

27

bosses, in fact, theirpolitical,media and cultural concealers. Like theeasy-goingscientists,suchartistsprovidethemwithaplausiblepublicimageofwidthandindulgence.Whereshouldweplacethemajorityofourmuseumsaccordingtothissocietalreality?

Public intellectuals do not have any more the conditions todedicate themselves to thepublicgood. If theywish tosurvive in theprivatized world, they have to compromise their knowledge, insightandunderstandingofthepublicgood.Inthelastthreetofourdecades,inwaysthatdependuponthesystemandthecountry,thescienceandthe arts as a public good are losing ground and slowly sliding intocommodification.

Paradoxically, only the countries which are declaredauthoritarian, stand a chance to keep public interests outside of thereach of profit, and, for those who know better, even them arewrestlingwiththerisingpressureofseeingcultureandscienceasyetanotherasset.

Learnedmaterial, if not interiorized, if not absorbed at somesub-levelofmind (asmotivation, inspirationetc.) is eitheruselessoreven harmful. As the latter may sound exaggerated, one should bereminded that some of the greatest criminals, be them amongpoliticians,militaryorbusinessmenhavebeenveryknowledgeablebutimmoral antipodes ofwisdomandhonesty.Our collective andpublicmemory,writtenorcarvedintostatuesandplaques,issaturatedwithsuchfallacies,becomingrecentlysubjecttopublicprotests.

Radical thinking is not there for others to agree, but topersuadeothers into thinkingand reflection, toweighing theoptionsand forming theirownopinion; theobjective is, not just any, but thewell informed, ethical and responsible one. That simple proposal isincreasingly blurred by the media denunciations and informationmanipulationofcommonsense,like“Acuibono”(Whostandstogainfrom this?). The greatest existing conspiracy is exactly the tirade ofdisqualifying any relevant testimony by the etiquette of conspiracy.Museumsnevermadeittooneofthepossibledozenmainfeaturesofany profession: autonomy as implied right to offer responses todetected questions and needs in the community that finances them.Butagain,somedidofcourse,insomerarecountriesandinstitutions.Beitmuseologyormnemosophy,anytheoryletalonesciencefailsitsvery idea if itappliesonlytosome.(Ihaveamplywrittenabout it,as

Page 30: Livro Museologia e Património - Volume 6 - para capa e ...

MuseologiaePatrimónio–Volume6

28

visible at Academia.edu and at www.mnemosophy.com). Likeknowledge,anytransferofmemory(turnedintoheritageandidentity),survives in the long run only upon the ethical responsibility. The re-examinationofconsciencethattookplaceintheWestasaspontaneouscivilprotestenabledthevoicesofwisdomfromtheheritagesectortofinally come to the fore.Oxfordprofessor and curatorDanHicks haswritten a wonderful book onmuseum ethics, seemingly talking onlyaboutBritishmuseumsandthecriminalraidandplunderofBenin inthe 19th century (Brutish museums - The Benin Bronzes, ColonialViolenceandCulturalRestitution,2020).

8.Theessentialroleofmuseumsinsocietyorwhywouldweneedmuseums?

Museumsareheretomaketheworldabetterplace.Whyelse

would they exist? What is public memory there for? To buildnational/religiousidentities?Mostofthewarswerefoughtinthenameofthoseconstructedreasons.Conventionalmuseumsareanyhowonlyexpected to support the preconceptions or assist the projected ones.Deniedourproperprofessionalism,theyproclaimedthemselvessomeextendedscientificelite,theretoresearchthenatureoftheworld.Withdue respect (while theymay contribute to that) – others are createdand paid to do precisely that. So, why would museums and othermemory institutions boast of being educational or scientificinstitutions per se. One would expect them to be some business ontheir own, comprising these but taking part, say, in developmentstrategies.Theirbasicideawasalwaysdisturbedbycorruptdelusionsdisguised into scientific fascinations and that basic idea could havebeen one and only: the noble transfer of collective experience. Thememoryinstitutionsweresupposedtorespondtotheimplicitpursuitofvaluesthatmeritedcontinuationandwerethesupposedinstrumentofsurvivalandimprovement.Itissobanaltofindoutthatwealwaystendtosmilewhenphotographed.Notmeaningtomythicizeit,justbereminded:theimpulseofourbasicsurvivalurgeistoleavethebestofourselvesbehind.Weareinaconstantgameofeugenics:asmankind,wewant to be better, but instead of spirituality andwisdomwe areeither offered vaster oceans of knowledge to drown in, or robots,mutantsandcyborgstochoosefrom.Whatweneedissimple:wisdom.

Page 31: Livro Museologia e Património - Volume 6 - para capa e ...

MuseologiaePatrimónio–Volume6

29

Responsible, ethically founded and chosen experience of our bestpredecessors.Whatnew“flowers”onthecoralreefknowbytheself-effacingwisdom,wehavetopainfullytransfertoeachnewgeneration.9.Survivingontheendangeredplanetwiththehelpofprofessions

Through the appropriate mindset, we can build up a specific

ethosof public service, therefore, an attitudewhichby itself inspiresandguidesusasprofessionals.Eitherweshallhaveawell-moderatedandreliableprocessofpublicrememberingsothatourentities,beitafamily, community or society steadily improve, living harmoniouslyand in peace, or we shall have an irregular, hectic, manipulated anddistorted version of it, leading to social convulsions, unrest, fear,insecurityandconflicts.

Mindset can become a worldview or stem from it. Thoughlibertyhas tobeuniversal,wealways teachacertainnorm,acertainspace of negotiated valueswhich the professions, the positive elites,propose that we live by, or rather, that we improve ourselves byappropriatingthem.So,whatever itmaybe, theworldviewor,closer,the mindset, it is best if it is tolerant towards the otherness andbroadly based. It is the mindset that gives the tonality and generalorientationtoourdiscourse.

Humankindiscuriouslyandincrediblyknowledgeableandableto guide innumerable processes in society, let alone in technology. Ituses scienceandallothermeans to control theprocesses, competingwith nature. But as species,we have so damaged the Planet and ourchances that theorists propose the end-of-the species option as thelogical outcome. In national parks (different frommuseums only bysizeandourinabilitytoputtheminagrandioseglasscase)weknowbypersonalnameandthechipcodemostoftheraresurvivorsoftheendangered animal species. Aremuseums an involuntary part of thetriumphalhypocrisy?Themorewetalkaboutthequality,thereislessofit,themorewealarmthelesswecareabouttheoutcome,themorewewarnagainstthreats,themoretheymultiply.Evencivilsocietyhasbeenengaged, alas, turning into ahighlymanipulatedpublicdomain.The excuses are manipulative disguises of our values: liberties,economicprosperity,individualfreedoms,humanrights,-finallyallinthe name of the huge privatization. More and more objections are

Page 32: Livro Museologia e Património - Volume 6 - para capa e ...

MuseologiaePatrimónio–Volume6

30

cunningly labelled as radical activism, denounced as conspiracy anddismissedassubversive.

Pauperised,enragedandfrightenedcitizensdogetradicalandrebellious, - and easily become subject to the barbarization andaggressive mentality of the horde. So, leaving the good side ofglobalisation,-asacertainplanetarisationof its inhabitants,-wecanresortanewtoprimitivenationalismandreligiousexclusionism.Onlythen we can accept that the entire Planet is turned into an unsafe,poisonous and ugly place. If I amwrong, an authority like ZbigniewBrzezinski cannot be (his latest book carrying the title “The GrandChessboard: American Primacy and Its Geostrategic Imperatives“).Reading abundant sources of the sort, one realizes that museums,public memory institutions in general, are not meant to decide onanything. Participation in making developmental (and thereforepolitical) decisions brings importance andmoney. That explainswhywedonotfigureinstrategicplanningnorweget(even)decentlypaid.It ishardto imaginethatmemoryofanysocietybackinganysocietalcontract,orthesimplelifeofanycommunityevenissuchahaphazardandunsystematicproject.

Weall liveby somevalue system.Thosewho ruleus actuallyrulebythevaluesystemthattheyhaveeitherimposedorthatwehaveagreed upon democratically. First,we research, document and selectvaluesthatdeservecontinuity,preservethemandmediatethemtothecommunity. This is a systemic question of any society. That is whatprofessions do and what they are created for. Public memoryinstitutions cannot take up the task of saving the world by we cancontribute to it. Citizens cannot defend themselves without beingbackedupbyprofessions.Thesystemofselective,ethicallyresponsibleremembering is inevitable democratic institute. The velvettotalitarianism is harming the autonomy, integrity and influence ofprofessions with subtle strategies because professions are the bestinvention in the evolution of the society: autonomous, with its owncriteriaofquality,obligatory transferof internalexperience itsethicsandwithitsownidealsabouttheroleinsociety.

ToparaphrasethepoetW.H.Auden,weareheretomaketheworld better; what others are doing here, as he says, “I would notknow”.Theworldinperilshouldhavehadanew,coherentprofession

Page 33: Livro Museologia e Património - Volume 6 - para capa e ...

MuseologiaePatrimónio–Volume6

31

toupkeepitsdiversityandvaluesystemsthatstillmakeitsounique.Professionspossesstheauthoritytonegotiatethesocialcontract.

Itisquitelikelythatwearelatetobuildanewprofession.Somewell-established ones, like that of medical doctors, are undercut byexcessive commercialisation coinciding with the destruction of thedominantroleofthepublichealthsysteminhealthcare.Itdoessoundlike a utopian ideal amidst the global process of professions’degradation. If doctors and engineers did not make it how couldcurators?Mostprobably theycouldnot. Itwouldbewrong,however,to become a curator not knowing about it. Even worse would be toretire from any curatorial position without an awareness of theunderlyingmission.Thisjustifiedfrustrationdeservestobeconveyedtoallinthe(public)memorysector.Unlikeoccupations,allprofessionsarerespectedandprosperous,thereforepartnersinthesocialcontract.They have their own science, obligatory education, autonomy, ethics(wider as the mere code of behaviour), mission, idealist goal,legislationandlicencetobepracticed.

10.Theobsoletenatureofindividualheroism

Thequalityofasocietycanusuallybe judgedby thecommon

definitionsofheroism,bywhat isconsideredbraveandsignificant inany society. The advance of modern society is exactly reduction ofsocialriskintheopenprocessesoffreenegotiationandaction,withoutretaliationagainstdissidents.Asmuchaspublicinstitutionsandpublicintellectualsdeservetheblameforopportunisticpracticesandlackofcourage, one should also bear in mind that the prevailing “staged”democracydiscreetlybutdecidedlydealswithrebelliousamongthem.Individualheroismisverymuchexpulsedfromthesetofpublicvalues.Rightfully so, after romanticism and revolutions are long gone. Notmanyamongthemasspublicwouldregardcertainradicalismof,sayamuseum director, in confrontation with the mainstream (politics ormedia)asanactofjustifiedbravery.Whenevertheyhavechosentodosotherefollowedeithertheenragedreactionoftheiremployersorthepublic. The first is in charge of their power structure and the latterconditioned by national myths and parochialism and expect thatmuseumsoffermythsupportiveoftheircollectiveego.

Page 34: Livro Museologia e Património - Volume 6 - para capa e ...

MuseologiaePatrimónio–Volume6

32

Individual or institutional courage should be respected butwhatweneedisthatitbecomesalegitimatepracticeprotectedbytheinfluential profession and the prevailingmindset in the society.Whywouldwerelyuponsolitaryuncompromisingness,causingsetbacksincareeror the family?Manyofusknowhowmuch families can sufferbecause of excessive professional engagement, so a convincingperformance of an organized profession should provide safeenvironmentforsafecreativityagainsttakingexcessiverisks.Museumdirectors and curators are not trained to appropriate some activiststance,but it shouldbepartof theirmindset,acquiredsometimesbythetalentand,regularly,aspartoftheirprofessionaltraining.

So,todemonstratecourageandindependenceinstitutionsandtheiremployeescanonlydoitasasystem,asanorganizedprofession.Todothesame,citizensneedademocraticrule.Bothdo.Itsufficesforthe latter that individuals are allowed to be integrated, independent,free to abstain, resign or simply express an opinion opposite to thehigherauthoritywithoutbeingsanctioned.

Tohumanists,bethempublicintellectualsorcuratorswhoaretheconsciousnessoftheircommunity,beingignoredbythemediaandbeingobstructedbythesysteminprovidingresourcestotheprojectsmaybecomeanimperceptibleelimination.Insomecountries,theycaneasily slip into being publicly badly perceived or typically unable toprocuredecent life to their familieswhile trying toexercisescientificandmoral integrity in their job. Besides the favourable value systemthatcanimprovethis,theonlyclosesolutionseemstobeinsupportingthe active existence of autonomous professions. Whereas this mayappearself-understood inDenmarkorFinland, it isnotso inmostofthe countries of the world where being free is a painful process ofaccumulating sacrifice, loss, stumbling over invisible social barriers,fightingforautonomy,-allthatoftenendsinbeingsubtlyostracized.

11.Theinnatecyberneticnatureofpublicmemory

The expression cyber, came tomean everything related to or

deriving from the culture of computers, information technology, andvirtual reality. The rare connoisseurs of cybernetics might rightfullyclaim that thewordwith its etymologywas curiously hijackedwhilethe science itself was largely set aside. The somewhat sloppy

Page 35: Livro Museologia e Património - Volume 6 - para capa e ...

MuseologiaePatrimónio–Volume6

33

development of the 3rd revolution usurped the term “cybernetics”from its author (Norbert Wiener, 1948) and the brilliant scientificperspective it suggested only to call in its newmeaning denoting itsvirtualityandversatility.Cyberneticswasimportedintothehumanistsciencesinthe60sunderthepresumptionthatitwouldhelpmanagesocietal guidance systems, but little was proved in practice and theconceptwasmischievouslyandunfortunatelyabandoned.

I regret it ever since, as “cybernetic” was a simple term tosignifyitscapacityofgovernance,asofguidanceofasystem.Thetermand the theory behind describe this vision as applied to mattersrelating toheritageandpublicmemory. I have spent fourdecades inproposingit,-stillveryconvinced(thoughunsuccessful)thatweneedthistheoreticalargumenttoattainthestatusofaprofession.

Cybernetics,-oftendefinedasascienceaboutguidingsystems,anartofanalysis,recognizingdesirabledevelopmentandmaintainingthebalancebycounteringthethreats.Itisaboutbalanceandharmony,homeostasis ifwe apply it to society. Hoping that cyberneticswouldreturnIhaveoftenwrittenaboutthecyberneticmuseum,-theonethatactively shapes its present by participating in governing of itscommunity or society. In the 1960s we have been after educationalmuseums, in thenextdecade, itwasculturalactionandnowperhapsactivism,implyingwillandabilitytoproduceorsupportsocialchange.

Ifdisorderlyoblivionoruncriticalhypomnesiaaredetectedbysocietyasthreats,itlogicallydevelopscounteractiveimpulseswiththeaimtokeep,returnorsimplyachievethebalance.Bothcalamitiescanbe intentional or spontaneous but are dangerous if used formanipulationandenslavement,-asitisoftenthecase.Whatheritageinstitutions should do is use their principles of cybernetics toameliorate the art of guiding and governing society as a system,assisting in managing it towards certain harmony by the use ofmemory input. The bestmeanswill always be communication. Theycannotchangetheworldbuttheycertainlycanhelptomakeitbetter.

Museumsshouldberegardedresponsiblyasaddingthemselvestothesocietyasasystemhelpingtoguideandregulateit.Mostofourenvironmentisregulatedandmaintainedwithinpre-setconditionsbytheactionof cyberneticdevices in constantlyunstableor inanynewgiven conditions. Simply, cybernetics is about guidance by counter-active corrections, of knowingwhere wewant to arrive or what we

Page 36: Livro Museologia e Património - Volume 6 - para capa e ...

MuseologiaePatrimónio–Volume6

34

wanttoachievewithinchangingcircumstances.Anysystem,asoriginalcyberneticsteaches,analysesitsstateandusingfeedbackinformationcorrectsitsfurtherdestiny.Thegreatstartingpositionisthecharacterof societalutopiaweare closest to, ifwehave retainedanycoherentonestill.

Beyond its applications in technology where its function iskeeping thepresetnorm, insociety, inall typesofmemory that formthe onewe constantly negotiate as obliging collective achievement, -the public memory, cybernetics is bout homeostasis, the very samebalancethatmakestheessenceofsustainabledevelopment.Ofcoursewe have to change the Planet being so many and so demanding ashumankind,butweneedtodoit incooperationwithnature,strikingthe amount and quality of change which deprives neither of the“partners”ofitsviability.

Whenitcomestomemory,ofcourseweshallforgetanddistortwhatwehaveretainedaccordingtheownorsomebodyelse’sinterest,led by the circumstances, - and will be at unhappiest loss. So, weemploy some conscious maintenance of the memory. With the firstdrawingonthecave’swall,westartedagianthumanprojectinwhichweselectandresearchanddocumentandcareandcommunicatewhatwe have decided to remember. Each one of us does it incessantly,collective memory does it, cultural memory does it, science and artenvelop both our criteria and our mnemotechnique into institutionsandpremeditationsthatlaybehindthem.

All we need is that long term memory in our community orsocietyisofasufficientqualityandnobilitytoleadusinthedirectionofour ideals, therewhereour identity lies.As it isobvious,museumsarenottheretoscrutinizeothersbutrathertheownsociety,asasortof self-knowing and self-evaluation: Like we would be hearing(probably)theoldestmotounitingallphilosophiesovertheagesNosceteipsum!Knowyourself!,asacallforbasicwisdom.Otherscanonlybeaninsightintothediversityasrichness,asanopportunityoflearningoradmiration.Allelseissimplywrong.Identity,thoughsurprisinglyadynamicvariable,mustbeestablishedinawaysoscientificallyarguedand morally convincing that it provides us with stability and self-esteem,butsocredibleandhonourable thatothershavenodifficultyagreeing to thevalues it invokes.So, - that to the first itbecomesthebasisof thequalityof life and to theothersapleasureof richness to

Page 37: Livro Museologia e Património - Volume 6 - para capa e ...

MuseologiaePatrimónio–Volume6

35

knowandenjoyandbeinspiredby.Allthenotoriousbrandingrestsontheseassumptions.Bytheway,whenitappearedinthe80s,Ifeltthatasabusinessitbelongedtoheritageinstitutionsandnottomanagersbarely accustomed to understanding culture let alone identity. If wewereaprofession,wemighthavetakenthatlucrativeandresponsiblejob,mostlyturnedintoarealityshowtoday.

Ifweall,withthehelpof thedescendantsof thevictims,builtmuseums for the crimes committedbyourancestors, thepastwouldceasetoliveastheseedofnewdivisionsanddestruction.Museumsarea means of continuity of vital forces of identity. All but some. Onlymuseumsofsufferingandwar(suchthemescanbefoundinallmuséesde société),nomatterhow justified, can continue conflicts if theyaremadeuncriticallyandwithoutallsidesparticipating.

Usually,allwewant(purelycybernetically) is tounderpinthenecessary, useful, and grounded memory, so that the identity themuseum is talking about lives on. We always make museums whenthere is a dyingheart of an identity, - not as a replacement for thatheart,butasakindofpacemakertoit,-areminderandstimulatorofitslifefunctions,nomatterhowchangedovertime.

Thepastanddeatharesinfulgoals,whilethefutureandlifeareright.Without thisethicalattitude,ourmemory isnot justamemorybutcanalsobeharmful.

12.Mnemosophy,anameasconventionandasignpost

Knowing the institutional practice and researching the needs

for strategies of public remembering may lead to proposing newapproaches (heritology /1982,/ mnemosophy /1987/). Like with allinventions,neologismsaretheresometimestoillustrateorprovokeacertain re-direction or balance rather than to criticize. But, I wasalways serious about the need for real science in our profession. Ifproposed innovation is too far from the dominating theory andpractices it may be severely opposed. Some people and some ideashave that role of constant reminder and quality of being correctiveproposal.Theirprofitisthere,nevertheless,because,asitissaid,ifyouwant to know something, then you should try to change it.My claimwasrecentlyrefusedbyaninternationalprofessionalauthorityonthegroundthat theterm“science” is “neverusedwhentalkingabout the

Page 38: Livro Museologia e Património - Volume 6 - para capa e ...

MuseologiaePatrimónio–Volume6

36

fieldsofknowledgelikephilosophyorculturalstudies,ormuseology”.Deriving from an Anglos-Saxon taxonomy often revived in thesehypocriticaltimes,bywhichthestatusofscienceisallowedonlytotheSTEM domain, - this persisting conservatism is, nevertheless,embarrassing. It necessarily denies the status to sociology,anthropology or any other “new” sciences from the socio-humanistsphere.Theability to changeandadvancemadeus souniqueamongthespecies.Canweaffordtostoporregress?

Museology is just fine, likeall terms ifaconsensus finds it so,andifweagreeonwhatitscontentis.Thatmaybethecase,butwhyisit assigned more and more names? So museology is named NewMuseology, Critical Museology, Post Critical Museology Critical,MuseumStudies,CriticalHeritageStudies,RadicalMuseology,Museumstudies, Critical Museum Studies, Critical Museum Theory, SocialMuseology,CulturalHeritageSciences (ScienzedelPatrimonio), or inmore recent time, Heritage management / Identity management,HeritageScienceorHeritageStudies…Duringmycareer,beforeandafter I attained a certain apostate status I have myself added somemore. I taught some as fully approved study subjects (Heritology,General Theory of Heritage, Mnemosophy) and about one I havewritten a book (freely accessible at my web sitehttp://www.mnemosophy.com). Some did not find their ambitionsencoded in any variant so have chosen specific terms to fulfil theirneed for theory (Ecomuseology, Economuseology, specialmuseologies…).Allofus,whetheropenlyorimplicitly,demonstratedacertain ambition to get closer to a definition that would ( as I havepleadedat ICOFOMconference inHyderabad,1988.whichwasabouttheuseofmuseologyindevelopingcountries)thatmuseologymustbea universal theory “that can withstand equally desert drought andtropical rain”. I still think the same and it seemswedonot yet haveagreed upon any such theory, let alone science. Museology is stillmisleading any newcomer because the term implies an unspokensuggestionisthatitissomescienceofmuseuminstitutions.

Archivists,librarianscravefortheirattributesofprofessionsintheirownright.Oneconditionisseeminglythescienceofone’sown,-notthetheoryofparticularmemorypracticesbutawiderone,-abletoassistustoformulatethecommonidealistgoalforallpubliclyrelevantmemorypractices,-also,theethicsofheritage,tryingtofindthefinal

Page 39: Livro Museologia e Património - Volume 6 - para capa e ...

MuseologiaePatrimónio–Volume6

37

purpose of societalmemory. It is not some “sciencia generalis” but asuggestion for the scientific basis of a profession that encompassesvarious, converging memory occupations, be them called LAM orGLAM,memoryinstitutions,or,asIprefer,publicmemoryinstitutions.Its term composed of compatible Greek words for memory andwisdom, suggests exactly what it says: it is a theoretical disciplineabout qualitymemory, the one based upon knowledge formed uponresponsible, ethical choices, - wisdom, in fact.We have to name andserve our ideals, be them, wisdom or love or justice, - howeverunscientificandbanaltheymaysound.

Mnemosophyisatrans-disciplinaryscienceofpublicmemory,servingheritageprofession,throughwhichsocietyselects,documents,studies and understands its past, its narratives formed throughcollectiveandsocialmemoryandmoderatesthecontinuousformationand societal use of public memory as the contents of the collectiveexperiencetransfer.

Ifollowmyfascinationforalmostfourdecadesinasomewhatwayward,provocativeandsolitarymanner.Theheritologythat I firstproposed(1982)madesomesuccess,butmnemosophy(1987)didnot.By that time, I was way too far from the mainstream to make anyimpact. The rather unknown book “Mnemosophy – and essay uponscience of public memory” (2015) witnesses that well, though it isfreelyaccessibleon the Internet since then. I thought,however, thatsuggestingacleardirectionwouldcount.ButtheconceptualchangeIwasaftercanbedoneonlywhengeneratedwithinthesystem.13.Whoistheownerofourcommonmemory?

Ultimately, if we take it without the least ideological

implication, democracy is heavily dependent upon the question ofproperty.Whoownsyourmuseums,libraries,archives,nationalparks,protected natural areas, interpretation centres, history trails, visitorcentres,monumentsandsites?Itisrareandunlikelythattheanswerissimpleandobvious,letaloneclaimingbluntlythat“people”istheone.The real proprietor is, therefore, in control of your public, societalmemory, but to quite an extent your ownmemory. By the nature ofthings,thiscannotbeallthesametoanybody.

Page 40: Livro Museologia e Património - Volume 6 - para capa e ...

MuseologiaePatrimónio–Volume6

38

Paradoxically,evenifweignorethefactofownership,theverycharacteroftheGreatGreederamanipulatesitsdependentindustriestowardsexcessivemarketization.Sointerpretationscanchangetosuitor boost financial outcomes. Scientists are then being forced intofalsifications or are gradually pushed out of the institutions as tooexpensive. Too often lately we have heard or even seen that“technicians”andcommunicationexpertsaremoreappreciated.MaybeAI procedure at the entrance of museums will care that visitors getexactly the experience they are willing to pay for. The increasingliteraturemuchpresenton the Internet is “aimedatcoordinating thedevelopment of cultural and tourism industries”. Bizarrely, thequotationexplainstheofficialreasonswhyChinamergedtheMinistryof Culture and National Tourism Administration into a Ministry ofcultureandtourism.

Perhapsa strongcentralizedstate cankeepsucha flammablemixture stable, but the existing division in the West is still someguarantee thatprofitwillnotbecome themasterofheritage.Neitherculturenorheritagecanexistonlyas industries,orrather, if theydo,weeven symbolically abandon thedemocratic characterof the socialproject. It may seem like a political statement, but the socialism ofEastern Europe allowedworkers daily access to top culture. Did wehave to reject that unique quality with everything that was wrong?Havingfreeaccessisalsolegitimacy,muchlikepublichealth.

Almost all museums in The States are private but run ascharities by their trustees. But the temptations ofmodern crisis anddemocraticchallengesdemonstratedhowfragileinstitutionsbecomeifexposed to the timeofGreatGreed (the term is an early proposal ofmine but, naturally, others thought of it too). To illustrate howprivatisation casts a long shadow, - let us mention that the veryoccurrence of private prisons in The States. This scandalous societalperversion,turnedintoalegitimatepractice,aspartofasocialcontextthey make a privatized culture or memory transfer seem lessOrwellian.Andindeed,thestate,eventoitscritics,maysuddenlyseemasmerelyacorruptbureaucracy,notatreacherousgangbetrayingitscitizens.Yes,theStalinistrepressionwasworsebutwenowlearnfromit,amongotherways,frommuseumsofgulagsandalike…

Curiously,when the governing forces find it necessary, AdamSmith’s 18-century ideas are called in, but they refrain in disgust at

Page 41: Livro Museologia e Património - Volume 6 - para capa e ...

MuseologiaePatrimónio–Volume6

39

Marx’s 19-century ideas. Though Marx could not have in mind ournotion of civil society, he regarded it as linked to the state andrepresenting the bourgeoisie. In Theses to Feuerbach (No.10), heclaimsthat“thestandpointoftheoldmaterialismiscivilsociety”,while“the standpoint of the new (materialism) is human society or socialhumanity”.Ifreaditwiththemindofapost-ideological(possiblypost-democratic)standpoint,itcallsforeternalideals.Haveweeverdesiredanythingelse?LewisMumford(StoryofUtopias,1922)impliesthat.Atbest, utopias are ideal visions concernedwith the essential values oflife.

We are curating values in museums, not objects. If we werecurating objects, the academic discipline would suffice for ourexpertise and our professional virtue would be merely the expertknowledge. If we are curating the past as an evolution of values,academic discipline is not enough to build our responsibility andmission into our output tomakewisdom our professional virtue. Soobjectsarenottheobjective,butpeople,thequalityoftheir livesandtheir ability to progress and transferwhat deserves to be continued.Nationalorreligiousidentitiescannotbeata loss ifbydefinitionandtheir virtue regardothers as equal.Theobsessionwith conquest is asortofPonzischemeofdevelopmentinwhichthesufferingnatureandfuturegenerationsarerobbedtoprovidequickandunfoundedprofits.Inmodernsociety,colonisationwaspartofitsvisionof“development”,a methodology of power. It is significant that museums have beenshowcases of this kind ofWestern progress from the beginning andonlynowthebrilliantmindsamongcuratorsandscientists(readDanHicks’“BrutishMuseums”)cantell theappallingtruthand launchthecallforhonesty.

Thegreatmanipulativedoctrineofwesterndemocracyisbasedupon the rule of the majority, upon the illusion of willingness andability of masses to practice the virtues of harmonious living in anorganized society. So, with rare exceptions, any dominant societalsystemtookcaretoobtainthemandatefromthecrowdandruleinthebestinterestsofthepowerholders.Theyimpeccablyindicatetheweakpointsincollectivepsychologyusethefetishistandmythicalqualityofidentity tomake it the cause of an irrational threat. So identities areformed through nationalism which always lacks self-criticism andaboundswiththefearofothersandthedifferent.

Page 42: Livro Museologia e Património - Volume 6 - para capa e ...

MuseologiaePatrimónio–Volume6

40

Besides, all identities deteriorate and need collective, publiccaretobemaintained.Inmoderntimestheirviolentdestructionisrarebutcolonialambitionsarerealisedinsubtlerwaysandaglobalscale.Within the delusive western society, the usual prime cause of theendangeringofidentitiesbetheynatural,culturalorpolitical,-aretheinterests of the ruling false elites juxtaposed internationally by themightofthecorporationsandstateadministrationsbehindthem.Theprocess, even if it may end in the disappearance of identities, isdisguisedintodemocraticform.

In a general sense,heritage canbemany, - from individual tocommunity’s or nation’, - but what public memory institutions areabout is heritage as public memory, almost by definition essence ofdemocracyandgoodgovernment,-thequalityessenceofharmoniousdevelopment.Toassurethatheritageisunderstoodascollectivevalue,itselfbynature“ofthepeople,bythepeople,forthepeople”doesnot“perishfromtheearth”(asfamousLincoln’squotationmayinspireus)weneedaprofession,anorganized institutionalsystemtocare for it.Looksliketoomuchstateandalmostcommunistwehavebeentaughttoleaveit.Theimpressionisthatanunengagedandneutralacademicstance is serving the rising vision of the privatised world. What is“public”issupposedtograduallyslipintotheprivatedomain,butthisexpectationhasanoverwhelmingnature.Turnedintothemindsetandworldview,itwillgoasfaraswaterandair,devouringpublicmemoryinstitutionsinitsprogress.Thiscanbedonegraduallybyoutsourcingmanagement, reducing curatorial presence in museums, by leasepublicinstitutionsormonumentstoprivateentities….

Most of the curators might have learned by now that thepauperisation of the state will quite possibly result in makingconcessions that destruct the very professional basis of thisresponsibility. No deaccessioning can or should happen without theprofessionitselfdecidingaboutit.Moreclearly,deaccessioningforthesakeof financingmuseums is theendofanydecent futureofsociety.Withinmuseums,thatcanbearareexception,decidedbythecollectivewill of the profession, but it needs to be formed first, with all itsprerogatives. Private institutions rarely serve public needs, or theymay do, but in away tacitly agreed as harmless to private interests:much of contemporary art is in the same way commoditized andcrushedbythemarketandmediaterrorofobligatory innovationand

Page 43: Livro Museologia e Património - Volume 6 - para capa e ...

MuseologiaePatrimónio–Volume6

41

excessive, kitschy modernism at any price. The more the myth ofmoderngeniusesisbackedup,therearefewerandfewerofthem.Whywould Banksy be possible if the entire projectwasn’t amanipulatedfailureofart?WhyisitthatauthorslikeKurtVonneguttestifystrongertothetruenatureofartthanartmuseums?Shallwefinallycuratetheentiretruthtoourvisitors?Art isverymuchaproductof themarketandprevailing ideology, - likemuseums, to tell the truth.Ormore tothe banal truth, we have to interpret Degas as more a symbolicbiographerofhistimethananartistpredisposedtooursubtleformalanalysisofhisextravagantcompositionsandspecificdrypalette.Thatis why I think that heritage should bemore often simply termed aspublicmemory.Outofthesamereasonandsheerextravagance,Ihavewritten a book on science that we have the right and obligation to,naming it mnemosophy. Terms are a matter of convention but theyshouldtrytosuggestadirectioninwhichtogo.

14.Plainhonestyvs.Theinversevaluescales

I always regarded museums, so packed with reminders of

humanexperienceimplicitlychargedbythetasktorevealitamakeusmore ready to face the challengesor liveour livesmeaningfully. Theeagerpeopleinmuseumsoftenlookforthat,butitisunlikelythattheyrationalize their urge. Usually, the museum fills the urge to buy thereadycontent,oftencreatingcognitivedissonanceorsimplyprevailingwithitsagenda.Veryspecialmuseums,compassionateandconcerned,offer their visitors the same spiritual fulfilment as any goodwork ofart, a theatre piece, concert or, indeed excellent food or drinkwouldproduce.Thestriveanddedicationtoqualityconfirmthatthisdoesnothappenoftenenough.

Once too old to continue, former curators turn to reading,gardeningorgrandchildren-orifthey’relucky,allofit.Humanly,thatis not bad at all, but their past reaches as far as that. In contrast, acriminal and opportunistic past is always an asset when retiring. Aprofitable servitude can be reversed into verbal betrayal of formerbossesandturnedintomoneyandsocialreputation.Onecanrecognizethepastambassadors,highgovernmentfunctionariesorpotentatesofcorporate empires taking, this time their second trump card out oftheir longsleeves,andcapitalizing theirexperienceby turning it into

Page 44: Livro Museologia e Património - Volume 6 - para capa e ...

MuseologiaePatrimónio–Volume6

42

anacademiccareerevenatthepublicuniversities. Inthehypocriticalworld,thesefalsepenitentswhoturnedintothegreatliberalmindandprogressive professors are even regarded as valuable. In away, theymaybettertestifyagainstthewrongfulorcriminaldeceptivenatureoftheactivitytheyhavepursuedthemselveswhileinbusiness,resultinginethicallyrepulsivefinancialandpersonalgains.Theirmagicofbeingfaithful husbands while taking their legal mistresses to the mess isnevertheless a remarkable skill. Anyhow, amidst the fascinationwiththe very idea of success, everybody applauds them for that. Privateuniversitiesandacademiesaremostlyfoundedonthatfascinationandthriveupon it. So,wehavebuta fewsuchdefectors fromour sector,apart frommaybe some curators and directors of contemporary artmuseums(wheremoneymakersoftenknockatthedoors)whoturnupingalleriesandauctionhouses.Whenat itsworst,oursector ismoreattractive to slackers than to rogues,which, inall its cynicism,getsacertain message across. Some curators make it to universities andinstitutesandsotheyovercomethefrustrationwhenfindingoutthatmuseumsareprimarily communicationalbusinesswith anobligationtoscience,ratherthanviceversa.

Given the privilege of non-scientific discourse, allows me toremindyouthatworthlessandbadpeopleusethesamelanguageandsamelearnedandwisewordsasthemostvaluableamongusmaydo.Most of them are masters in verbalizing the virtues, an art that hasbecomequite an achievementof (western?)hypocrisy; it now, in thetimesoffakenews,ofpost-truthandpost-fact,beingperfected.

Is it not the basic truth that we have to affirm and defendheartily, that museums (public memory institutions) are to be anexample of credible discourse? If possible, following the Latinproverbial plea: res non verba!Deeds, notwords. Research of publicopinion demonstrates that people trust museums almost more thanany other public institutions. We daily hear the most compromisedpersonsspeakingthewordsthattheyhavetheleastrighttoutter.Noreligion approves gluttonous, vainglorious and authoritarian priests.Such are easywithwords andhardonbeing example. The excessiverichness of billionaires is the fault of society. Though being rich byitself is not a sin, possession andownership cannotbe a social ideal.We need to prefer the modest and humble because they can rejectprivileges and make ethical choices even if that may be

Page 45: Livro Museologia e Património - Volume 6 - para capa e ...

MuseologiaePatrimónio–Volume6

43

counterproductivefortheircareers.Theyrefusewhatisimproperandresignwhen forced to do compromise theirmorality.Moralizing hasbeen rightly unsympathetic but honest people and honest museumsaretherealityanddesiredone,atthat.Thatcanandshouldbesaidinmuseumstoo.Whywouldalargelydisputabletelevisionbebraverbyclaiming(rightfully)that“historyisacrimescene”?Weneverdaretosayitbut,paradoxically,itisuswhohavethearguments.Andyet,onefamous commercial TV channel does it, fighting smartly for theattention,byofferingacommongottakenawaysensereasoningabout,otherwisemythicizedpast.

Kenneth Hudson’s favourite syntagm to describe a job welldone was commenting that a certain museum is an “honest” one.ElaboratinghisvisionformyaudiencesItriedtolectureuponhonestmuseums. It is not so difficult to imagine an unpretentious friendlyinstitutionsincerelyinterestedtoservetheneedsofthecommunityofits users. Is it amoralist tirade topraisehonest amongpeople?Howunscientific and unimpressive, one would probably comment! Amuseum from Luxembourg sent a Seasons’ greetings card. KennethreceivedoneandcommenteditinoneoftheEMYAbulletinsinMarchthesameyear“Amuseumthatdoesallthesethingsissurelyfulfillingitspurpose”.Themuseumstatedthatit“hopesthattheirpatronageofthemuseumwill:

• helpthemtorediscovertheirroots• forgestrongerlinkswiththepast• experienceasenseofchange• satisfytheircuriosity• calmtheiranxieties• makethembecomeawareofnewtrends• strengthentheirbeliefs• renewtheirideas• awakentheircreativity• anticipatethefuture• breathetheatmosphereofhappiness

I have included it intomy lectures on the quality ofmuseum

productasaslidetitled„Thedynamicquality“,-adirectreferencetoR.Pirsig's„metaphysicsofquality“(Zenandthemotorcyclemaintenance,1974). This remains a theory of reality, based upon wholistic

Page 46: Livro Museologia e Património - Volume 6 - para capa e ...

MuseologiaePatrimónio–Volume6

44

apprehensionof virtuesother than subjective/objectivemindset, andcompatiblewiththeunderstandingofthetruenatureofthemuseum.Museums are not about the past but about the present. Theirconnection with the past has hardly any more connection thanMichelangelo’s sculptureswith the Carrara quarry. But still, the pastmaybemore likeamine fromwhichwewill, longandpainstakingly,firstextractore(knowledge,insight)andthenpreciousmetal- inourcase wisdom with all its glorification of virtues. Pirsig calls themquality,whileHudson,speakingabouttheproactiveandcounter-activeunderstandingofmuseums,callsgoodmuseumshonest,likewouldbespeakingaboutthevirtuousamongthehumans.Noprofessionimpliesthat its members could be selfish and socially disinterested and yetcorrect and plausible. The professions exist to run society, thereforefor the common good. A profession that would deal with publicmemoryimplieshonourablepeopleandsuchinstitutions.Itshouldbehard to imagine a real curator with the mindset of taking and notgiving. A great curator cannot be but an honest person. The entireinnovationofecomuseumswas,inessence,aboutthatmindset.

Page 47: Livro Museologia e Património - Volume 6 - para capa e ...

MuseologiaePatrimónio–Volume6

45

ELPODERDELAMIRADAYLAFASCINACIÓNPOREL

OBJETO:DELACOLECCIÓNPRIVADAALMUSEOPÚBLICO,PIEDRAANGULARDENUESTROPATRIMONIO

LauraAriasSerrano

UniversidadComplutensedeMadrid,Españahttps://orcid.org/0000-0003-2781-2896

Los museos, como una de las piedras angulares de nuestropatrimonio, tienenunahistoria estrechamenteunida a lahistoriadelcoleccionismo,sobretodoporqueelmuseoesunameracolecciónconcaracterísticas especiales. Por eso la intención que nos mueve aescribir estas páginas no es otra que transitar por una práctica tanantigua como el propio hombre, aquella que hoy conocemos comocoleccionismo.

Enesteprocesodecoleccionar,elpapelde lamiradaesclave,puesellaeslaqueotorgaalapiezaunsignificadoespecialasociadoalomágicooreligioso,alaideadeprestigio,aldeseodeconocimientooalplacerdesucontemplación.Esperamostambiénqueesterecorridoporlahistoriadelcoleccionismonospermitadescubrirlosrasgosquehan ido poniendo las bases del museo moderno, aquel que desdefinales del siglo XVIII fue testigo de cómo las grandes coleccionesprivadas pasaron a convertirse en públicas, engrandeciendo con ellonuestropatrimonio.

1. Losprimerosnúcleosmuseológicosdelahistoria

Pero para que las primeras piezas reunidas por el hombreadquieranunaciertadimensiónpública,habráqueesperaralaGreciaclásica y a sus míticos templos, erigidos en honor de un diosinaccesible,alquelosfielessolopodíanvenerarenel témeno, lazonasagrada exterior. Un lugar que también acogía los thesaurus opequeñas capillas votivas construidas por los habitantes de unadeterminadaciudadparaguardarsuspropiasofrendas,aquellasque,adiferencia de las depositadas en la cella omorada del dios, los fielespodíanvisitarparaadmirarsucontenido;razónporlaqueenelsigloV

Page 48: Livro Museologia e Património - Volume 6 - para capa e ...

MuseologiaePatrimónio–Volume6

46

a.C. los santuarios acabaron convirtiéndose en atrayentes focos deperegrinaciónydisfruteartístico.Señalinequívocadequeeldevotooperegrinoempezabaavalorar lasobrasallíexpuestas,nosoloporsucaráctersagrado,sinoporsubelleza,riquezamaterial,exotismooporsus aportaciones a lahistoriade la polis. Loquehizoquemuchasdeestasobras,enlasqueelvalorsimbólicopredominabasobreeldeuso,fuerancalificadasporKrzysztofPomian(1993,p.49)comosemióforoso“portadoresdesignificados”.

Sobre este asunto encontramos valiosa información en laliteratura de viajes y en el testimonio de autores como Polemón deAtenas, Heródoto y, sobre todo, Pausanias, quien en su conocidaDescripcióndeGrecia(sigloII)(1994)noshabladesantuarios,templos,altares,edificiospúblicosydelasobrasquealbergaban,adornandosurelato con leyendas, referencias a cultos locales y acontecimientoshistóricos.EntreotrascosasPausaniascuentacómolosvisitantes,trashaber orado al aire libre, solían pedir al sacristán encargado de losthesaurus que, previo pago de un óbolo, les mostrara las obras allídepositadas:desde sencillos exvotosopiezasdeorfebrería, a trofeoshistóricos,curiosidadesdelanaturalezaotablillaspintadasopinakés,que con el tiempo darán lugar a las pinakotecas. Según Pausanias(1994,p.70) lapinakotecaconocidamásantiguase situabaenelalanorte de los Propileos de la Acrópolis de Atenas, y consistía en unrecintoiluminadopordosventanasabiertasalmediodía.

También en estos santuarios los sacerdotes se encargabandeconsignar cada exvoto en un registro de entrada, incluyéndolo en elinventario general y velando por su conservación. Germain Bazin(1967), recogiendoel testimoniodePausanias,noshabladecómoenAtenas:

[…] seempecinaban losescudosvotivosparaevitarla corrosión de la herrumbre; en el Partenón habíadispuestosdepósitosdeaceitealospiesdelaAteneaPartenos,deFidias,paraevitarlaexcesivasequedaddelaatmósferaquehubiesedisgregadolaestructuracomplejadelaestatuacriselefantina(p.14).

Aunqueestoslugareshoysonconsideradoscomolosprimeros

núcleosmuseológicosdelahistoria,enlaGreciaclásicaaúnnopuede

Page 49: Livro Museologia e Património - Volume 6 - para capa e ...

MuseologiaePatrimónio–Volume6

47

hablarsedeauténticocoleccionismo,alfaltar“lavaloraciónhistóricadelosobjetosartísticoscomotestimoniodelpasado,elapreciodelaobrapor su creador y la existencia de unmercado artístico en función deestosvalores”(Morán,1987,p.21).

2. Uncolegiodesabioscomogermenformaldelapalabramuseo

Si los santuarios griegos jugaron un importante papel en la

difusión y conservación de las colecciones religiosas, la Greciahelenística sacó el arte de los templos para asociarlo a esa idea deprestigio buscada por los príncipes. Y lo hizo a través de iniciativasvolcadas al estudio y salvaguarda de los testimonios materiales ydocumentales de su esplendoroso pasado. De ahí el auge de lasbibliotecasydelcoleccionismoartístico.

En este contexto de profundos cambios nace el términoMouseion,que,peseaestarenlabasedenuestrapalabramuseo,enlaGreciahelenísticaseasociaalossantuariosconsagradosalasabiduría,origendelasescuelasfilosóficasoinstitucionesdeenseñanzasuperiorque florecieron en Alejandría, Éfeso, Antioquía, Pérgamo o Esmirna.También ahora es cuando surgen los primeros estudios sobre lahistoria del arte griego. Ese fue el caso del desaparecido Canon dePérgamo,unarecopilacióndepropuestasqueenRomaseconvirtióenunvalioso“manualdelbuengustoparalosaficionadosalarte”(Bazin,1967,p.16).

Creadoa finalesdel siglo III a.Cpor iniciativadeDemetriodeFalero,discípulodeAristóteles,elMouseiondeAlejandríaseconcibiócomo centro de investigación o colegio de sabios, a la vez que comoaparatodepropagandayprestigiodelpríncipePtolomeo IIFiladelfo.En él convivían, a expensas del Estado, entre treinta y cincuentaeruditos: poetas, filósofos, médicos, matemáticos, geómetras,astrónomos..., enuna fructífera relación intelectual al estilo del Liceode Aristóteles o de la Academia de Platón. A este privilegiado lugar,situado posiblemente en terrenos del propio palacio, se accedía através de dos grandes avenidas flanqueadas por árboles frondosos,había pórticos, exedras, estatuas y hasta un parque zoológico, unobservatorio, salas anatómicas y laboratorios, un anfiteatro y unaextraordinariabiblioteca,sindudalamásfamosadelaantigüedad.

Page 50: Livro Museologia e Património - Volume 6 - para capa e ...

MuseologiaePatrimónio–Volume6

48

En dicha biblioteca, y en clara sintonía con las pretensioneshelenísticasdeSaberUniversal,lospreciadospapirosseacompañabande bustos de insignes sabios o filósofos, así como de pinakésrepresentando escenasmitológicas o fábulas con una clara intencióndidáctica y moralizante. Y es que la presencia constante de piezasartísticasjuntoalostextosnosllevaaloqueenlapedagogíaclásicasedenominaba arte de la memoria, técnica recordatoria basada en elpoderrememorativodelasimágenes,puesenelmouseionalejandrinolostextos,ademásdeleerlosyestudiarlos,habíaquerecordarlos.Estemétodo,quelegitimabaalartistacomopoetamudoonarradorvisual,tambiénseaplicóenlaBibliotecadePérgamo,endonde,segúnBazin(1967, pp. 15-16), en una sala para reuniones académicas seencontraron una serie de pedestales con inscripciones que antañosirvieron de soporte a estatuas de Homero, Safo, Alceo, Herodoto…,conformandounaespeciedepequeñomuseohistórico,precedentedelosquevolveremosaverenelRenacimiento.Asimismo,habíajuntoala biblioteca una enorme estatua de Atenea que, como diosa de lainteligencia, ocupaba un lugar de honor en estos santuarios de laculturaqueeranlasbibliotecas.

3. Elpesode“lopúblico”.Unaciudadconvertidaenmuseo

Muchomás pragmática va a ser la consideración del arte por

partede laantiguaRoma,endonde lascoleccionesartísticas,muchasprocedentes de botines de guerra, serán instrumentalizadas por elEstado como medio de propaganda política sobre los pueblossometidosylospropiosciudadanos.Yesque,aunquelaapropiacióndeobjetosmaterialesodeesclavosfueraunaprácticabélicahabitual,“suadquisición debía respetar a los dioses y solo se justificaba si hacíavisible elpoderdeRoma” (Jiménez-Blanco,2014,p.23).Estoexplicaqueunaparte importantedelbotín traídopor losgeneralesromanosse depositara en los templos, prevaleciendo su consideración comotrofeo público, frente al carácter devocional y espontáneo de lasofrendasenlaAntiguaGrecia.

También estas colecciones artísticas acabarían convirtiéndoseenunarentableinversióneconómicaquepropicióelaugedelmercadoartístico, y la definición de todos aquellos aspectos que hoy en díasirven para tasar una obra de arte: la rareza, la originalidad, la

Page 51: Livro Museologia e Património - Volume 6 - para capa e ...

MuseologiaePatrimónio–Volume6

49

antigüedad,elvalordelaserie,etc.EnRomaseránmuyfrecuenteslasferias y ventas públicas que, anunciadas mediante grandes carteles,eranprecedidasdeexposicionesdelasobrasqueibanaservendidas.En ellas las piezas más valoradas eras, además de los camafeos, lasesculturasgriegasdeépocaarcaica, tanescasasquesudemandahizoflorecerelmercadodecopias,puesnoolvidemosque losromanos loquemásvalorabandelartegriegoeralaideaquesubyacíabajolaobray,endefinitiva, lacapacidadcreativadeestepueblosingular.Enesteambienteeralógicoquealcanzaraungrandesarrolloelcoleccionismoprivado,yquecadavezfueranmásnumerososlospalaciosyvillasqueguardabanimportantesobrasdearte.Unodeloscasosmásrelevantesfue laVillaAdrianaenTívoli,endondeelemperadorAdrianomandóconstruir templos, palacios, dos bibliotecas, dos termas, tres teatros,unodeellosmarítimo,yunestadio,conformandouninmensoconjuntourbanístico organizado en terrazas escalonadas, peristilos y zonasajardinadas. Pero, además, flanqueando un canal de 220 metros delargo,hizoreproduciraquellasobrasdeartequeélmásadmiraba,conla idea de crear un verdadero microcosmos del imperio realmentehermoso.Entreellasseencontraban“lascuatrocopias intactasdelascariátides del Erecteón provistas de sus brazos, lo que acabó con lapolémicarelativaalaposicióndelosbrazosdeestascélebresfiguras”(Bazin,1967,p.19).

Este abusivo acaparamiento de obras en manos privadaslevantó las protestas del pueblo, a la vez que propició la primeramedida del Estado en pro de la socialización del arte. Una actuaciónque partió del entonces consejero de Augusto, Marco Agripa (62-2a.C.), quien en unmagnífico discurso recordado por Plinio habló concontundenciade laoportunidad “deexponeralpúblico [a sumirada]todosloscuadrosytodaslasestatuas…”(Bazin,1967,p.20),envezdemantenerlas ocultas en villas y palacios. Esta propuesta hizo queemperadores y poderosos decidieran donar al pueblo obras de supropiedad, llenando de arte las vías públicas y, lo que es másimportante,plantandolasemilladenuestraactualideadePatrimonio.

Así,CayoSuetonio(s.f.),ensuVidadelosDoceCésares,cuenta,cómoCesar“siendoedil,noselimitóaadornarelComitium,elForoylas basílicas, sino que decoró asimismo el Capitolio e hizo construirpórticos para exposiciones temporales, en los que exhibió al públicopartedelosnumerososobjetosquehabíareunido”(pp.4-5).También

Page 52: Livro Museologia e Património - Volume 6 - para capa e ...

MuseologiaePatrimónio–Volume6

50

Cesar, como apasionado coleccionista de gemas labradas, acabódonando al Templo de Venus Genitrix -erigido también por él- suDactiloteca, conteniendo seis colecciones de piedras semipreciosas ocamafeos.

OtrocasofueeldelpolíticoehistoriadorAsinioPolión,quien,entre el 38 y el 28 a. C., fundó en el Atrium Libertatis, frente a estemismotemployconelbotínobtenidodesuvictoriacontralosilirios,laprimerabibliotecapúblicadeRoma(GonzálezMarín,2014,p.206),encuyo interior se exhibían numerosas piezas artísticas, entre las quedestacabaelmagníficoToroFarnesiodelaEscueladeRodas.

Todasestasobrasdonadasalpueblooconsagradasalosdiosesempezarona llenar laciudad,convirtiéndolaenunverdaderomuseo.Habíaestatuasenlasvíaspúblicas,foros,jardines,santuarios,teatros,basílicas,termas…y,sobretodo,enlospórticos,dondelosciudadanospodías deambular protegidos del sol y la lluvia. Incluso algunospórticosseconstruyeronespecialmenteparaestefin,comoelPórticode Octavio, un recinto cuadrangular rodeado por cuatro galeríasabiertasen lasqueseexhibíanpiezasartísticas.Ensu interioracogíadostemplosyunascholaqueerautilizadacomobiblioteca,galeríadearte y salón para reuniones del Senado. Este pórtico acabaríaconvirtiéndoseenelmayorconjuntoartísticoabiertoalpúblicode laRomaimperial.

Es también ahora cuando surge el término museum, peroasociado,másque aun edificioque albergaobrasde arte, a aquellasvillas destinadas a las charlas filosóficas, lo que de alguna maneravolvía a acercarnos al mouseion helenístico. Asimismo existíandispersos por la ciudad otros recintos, en su mayoría de iniciativaprivada, dedicados al arte como las gliptotecas, dactilotecas opinakotecas;espaciosestosúltimosalasqueVitruvio(1987)serefiereensusDiezLibrosdeArquitecturaconestaspalabras,“Alasgaleríasdepinturas, y demás oficinas que requieren luz perennemente igual, sedará -luz- por septentrión; pues el curso del sol no hace crecer nimenguarlaluzdeestapartedelcielo,sinoquepermanecetodoeldíaenunestadomismo”(p.12).

Aunque estas galeríasno eranmuseospropiamentedichos, sícontabanconunguardiánoaedituusqueseocupabadesuvigilanciayconservación, y hasta podía servir de guía al público. Sin embargo, ydado que los robos eran frecuentes, los aeditui no solo estaban

Page 53: Livro Museologia e Património - Volume 6 - para capa e ...

MuseologiaePatrimónio–Volume6

51

obligadosadepositarunafianza,sinoqueenalgunoscasosllegaronaresponder de las colecciones a su cargo con su propia vida (Bazin,1967,pp.23-26).

4. La Iglesia como único refugio del arte. Atesorar más quecoleccionar

Con la llegada de la Edad Media este proceso de

democratización de la cultura sufrirá un brusco retroceso, alconsiderarse que todo lo anterior a la era cristiana estaba inundadopor las tinieblas y las potencias del mal. Es cierto que hubo cortesprincipescas, como la carolingia,que trataronde recuperaresenoblepasado,asícomounbuennúmerodemonasteriosqueseembarcaronenlatranscripcióndelostextosclásicos,perolousualesqueelmundoclásico, su cultura y su arte fueran tachados de paganos, y por elloestigmatizados.

Enestecontextosurgen,apartirdelsigloVII,lasCámarasdelTesoro, embrión de los futuros museos eclesiásticos. Estas solíansituarse en pequeñas salas –generalmente abovedadas para evitarincendios-, anejas a iglesias, monasterios o catedrales, y ligadasfrecuentemente a cortes principescas. Pensemos, por ejemplo, entesoros legendarios como el de SanMarcos deVenecia o el de SantaSofíadeConstantinopla,oenotrosmásmodestoscomoeldelaCámaraSanta de la Catedral de Oviedo. Recintos de carácter reservado ymisteriosoalosquesóloalgunosprivilegiadospodíanacceder,loqueeraseñal inequívocadequeyanadaquedabadeesecarácterpúblicoqueRomahabíaotorgadoalarte.

Conformadosensumayoríaporregalosdepríncipes,cruzadoso peregrinos, en los tesoros primaba, por encima de cualquier otraconsideración, el valor simbólico-religioso y material de las piezas:desde ricos objetos litúrgicos, trofeos o reliquias -testimonios de unpasado cristiano que había que conservar- a todo un elenco deespecímenesexóticosomaravillososa losquese lesatribuíapoderescurativos o milagrosos, pensemos, por ejemplo, en aquellos grandeslagartos disecados que solían colocarse a la entrada de los recintossagrados, siguiendo lacreenciadeque “elmal repelealmal”.Resultacurioso que en estos tesoros eclesiásticos algunas de las piezasmás

Page 54: Livro Museologia e Património - Volume 6 - para capa e ...

MuseologiaePatrimónio–Volume6

52

admiradasfueranlasqueprocedíandeesaestigmatizadaAntigüedad.UnaparadojadelaqueBazin(1967)sehaceecoconestaspalabras:

[…] algunos objetos creados por la civilizaciónantigua,elIslamoinclusoelExtremoOriente,quelaEdad Media se sentía incapaz de reproducir, eranconsiderados como infinitamente preciosos;adquiridos con grandes dispendios, quedabanincorporadosa lasurnasorelicarios;deesta formase han conservado las gemas y camafeos antiguos,por los cuales la Edad Media tuvo una verdaderapasión. Asimismo, no se dudó en incorporar a lasorfebrerías sagradas las figuras de Cesar, deGermánico, de Júpiter o de otros dioses… (pp. 30-31).

Y prueba de ello es la Cruz de Lotario (Fig. 1) que aparecepresidida por un camafeo con el rostro del emperador Augusto. Unapieza pagana que al ser incorporada a un objeto sagrado quedabaautomáticamente exorcizada, de la misma manera que la efigie deAugustopasabaaasimilarsealadeCristo.

Dicho esto, no hay duda que en estas Cámaras del tesoromedievales las piezas, más que coleccionarse se atesoraban, creandoconjuntosacumulativos,fantásticoseinconexosunidosnosoloporsunaturaleza transcendente o por ser, como nos dice María DoloresJiménez-Blanco (2014, p. 42), potenciales reservas de caráctermonetariomuyútilespara lacomunidadensituacionesdenecesidad,sino por haberse convertido en una obligación para aquellosestamentoseclesiásticosoprincipescosque, enpalabrasde JoséLuisCanodeGardoqui(2001),necesitabanconfirmarsuposiciónenlomásaltodelaescalasocial:

Los reyes, representantes de Dios en la tierra,representantesde lo invisible, se rodeande todounconjunto de objetos de variada naturaleza… que sesitúanmásalládesuinstrumentalizaciónfísica,másallá del placer estético que pudiera procurar sucontemplación, para adquirir un significado

Page 55: Livro Museologia e Património - Volume 6 - para capa e ...

MuseologiaePatrimónio–Volume6

53

trascendente en el que dicho objeto es portador designosmisteriosos, y actúa comomediador entre larealidad concreta y una serie de consideracionesabstractas de orden político, representativo yespiritual(p.54).

Fig.1CruzdeLotarioconuncamafeorepresentandoelrostrodeAugusto.TesorodelaCatedraldeAquisgrán(sigloX).Fuente:https://upload.wikimedia.org/wikipedia/commons/f/fe/Germania_occidentale%2C_croce_detta_di_lotario%2C_1000_ca%2C_con_base_tardogotica_%28XV_secolo%29_01.jpg5. Detesoroacolección.Larecuperacióndelpasadoclásico

El cambio de "tesoro" a "colección" se produce en el siglo XV

con el Renacimiento, momento en el que se pasa de una culturateocéntricaaotraantropocéntrica,ylasobrascomienzanaapreciarsepor sucalidadpuramenteartísticaoporcontribuira la recuperacióndel pasado clásico, pues no olvidemos que, al valor económico y de

Page 56: Livro Museologia e Património - Volume 6 - para capa e ...

MuseologiaePatrimónio–Volume6

54

prestigioqueRomaotorgabaalarte,elRenacimiento,másintelectualyelitista,añadirávaloresmuchomásformativosyhedonistas.

Italia se convierte en la cuna de esta renovación humanísticaquetraeráinteresantescambiosalcoleccionismo.Asistimosahoraalacreacióndeimpresionantescoleccionesdeantigüedadesquepasadoeltiempodaránlugaramuseos.Pensemos,porejemplo,enlasreunidaspor los papas a lo largos de los siglos XV y XVI que hoy nutren losMuseosVaticanos.TambiénelRenacimientosupusoungranavanceenel campo delMecenazgo de la mano de grandes familias ávidas deprestigiar su estirpe gracias al arte, basta con que recordemos a losMedici en Florencia o los Gonzaga en Mantua, los Montefeltro enUrbinoolosEsteenFerrara.

De todos ellos, los Medici fueron los que reunieron lascoleccionesmásimportantes,y,enconcreto,LorenzoelMagníficoelquemásinterésmostróporcoleccionarpiezasartísticas–incluidaslaspinturas-conuncriteriohedonistayeruditomuchomásmoderno.AsílovemosenelInventariodelPalaciodelavíaLarga,redactadoen1492almorir Lorenzo, y en donde, a diferencia de lo que ocurría con susantepasados, ya figuran pinturas y esculturas con designación de suautor,loquenoquieredecirquelasjoyasolascuriosidadessiguieranestimándose mucho más que la pintura. Algo que queda claro sicomparamos,porejemplo, los30 florinesquepodíanpagarseporunVanEyck,frentealos6.000enquepodíaestarvaloradouncuernodeunicornio(Bazin,1967,p.46).

Tampoco sus colecciones estaban organizadas de formasistemáticaycientífica,peroLorenzosíempezóapreocuparseporsuestudio y conservación, eligiendo a Bertoldo di Giovanni comoconservador de sus mármoles, medallas y camafeos, y a Andrea delVerrocchio como su restaurador. Incluso, guiado por un cierto afándidáctico –y sin duda, de prestigio- decoró el patio de su palacioflorentinocongrandesmedallonespétreos,quereproducíanenelfrisoalgunasdelaspiedrasgrabadasycamafeosmásbellosdesucolección.Queríaquesirvierandemodeloalosartistasqueallíseformaban.

Con él también alcanzó todo su esplendor la AcademiaNeoplatónicaquesuabuelohabíacreadoen1462en laVillamediceadeCareggi,cercadeFlorencia.Unaacademiadelsaber,presididaporunbustodePlatón,que, juntoa lostextosysinunordenestablecido,acabóacogiendoelMuseoDeiCodicieCimeliArtistici(Bazin,p.46),un

Page 57: Livro Museologia e Património - Volume 6 - para capa e ...

MuseologiaePatrimónio–Volume6

55

lugar en el que Lorenzo guardaba su colección de gemas, joyas yantigüedades. Parece que por primera vez empezaba a utilizarse eltérminoMuseoconunsentidomáscercanoalactual.

Otra interesante aportación del Renacimiento, que refleja esepaulatinoalejamientodelosagradoenfavordelolaico,fueelstudiolo,que debemos situar, según Jiménez-Blanco (2014, p. 43), a mediocamino entre los TesorosMedievales, cuya finalidad era elacopio demateriales demanera anónima y azarosa a lo largo del tiempo, y lasCámaras de las Maravillas manieristas, en donde un individuocoleccionabayadeformaconscienteyvoluntariaobjetos ligadosasupersonalidad y marco intelectual. Desde esta posición intermedia, elstudiolo, comoestanciaprivadapensadaparaelconocimientoeruditodel príncipe, aportaba una dimensión intelectual a ese proceso queculminaráalcabodelossiglosenelmuseoactual.

Noes casualqueel studiolo surgiera fundamentalmenteen laToscana, pues el hecho de que, a diferencia de Roma, esta región nocontara con ruinas ni vestigios del mundo clásico, hizo que lospríncipes humanistas se vieran obligados a recurrir al estudio de lostextos,aquelloquehastaentonceshabíanpermanecidoabuenrecaudoenlasbibliotecasdelosmonasterios.

El studiolo humanista por antonomasia fue el deFederico IIIdeMontefeltroenelPalaciodeUrbino(1476),(Fig.2)fielreflejodesudueñoydesusaspiracionescomohombredeacciónyamantedelestudioyde lavidareflexiva.Alejadadelajetreode laCorte,eraestauna preciosa y luminosa estancia –símbolo de la armonía existenteentre hombre y naturaleza– rodeada de armarios decorados consuntuosas marqueterías de nogal que, mediante exquisitostrampantojos, representaban ventanales abiertos al campo connaturalezasmuertasyanimales,estanteríasconlibros,tinteros,relojesdearenaoinstrumentosmusicales,asícomoalegoríasdelasletras,lasartes,lacienciaylaguerra.Ensupartealtasesituabaunadoblefiladeveintiocho retratos de sabios, realizados por Justo de Gante, primerintentoracionaldecrearunagaleríadehombresilustres.

A este lugar el príncipe solía retirarse no solo para estudiartextosclásicos,sinoparadeleitarseconlacontemplacióndealgunosdesus más preciados objetos, reafirmándose como el centro de esepequeñouniversopersonal, que, según Jiménez-Blanco (2014,p. 45),seorganizabaapartirdeunpunto focalreservadoalpríncipe,queal

Page 58: Livro Museologia e Património - Volume 6 - para capa e ...

MuseologiaePatrimónio–Volume6

56

ocuparlodemostrabasimbólicamentesucontrolsobreelsaberantiguoymoderno,sobreelmundonaturalyartificial.ElStudioloseconvertíaasíenunasíntesisdelmundoconocidoademásdeunencuentroconlaherenciaclásica.

Fig.2.VistadelStudiolodeFedericodeMontefeltroenelPalaciodeUrbino(1476).Fuente:https://es.wikipedia.org/wiki/Federico_da_Montefeltro#/media/Archivo:Studiolo_Montefeltre.jpg6. El hombre se aleja de la naturaleza en su búsqueda de lomaravilloso

A partir de 1520, tras el paréntesis clasicista y la llegada del

manierismo, el hombre pierde la seguridad en sí mismo y adoptaactitudes anticlásicas e individualistas que le hacen alejarse de lanaturalezacuyosmisteriosleangustian.

Este cambio de mentalidad coincide con la edad de oro delcoleccionismoyconlaproliferacióndeinventariosycatálogosquenosmuestranordenadascolecciones,dondeelobjeto interesa sobre todopor loqueenseña,por loquepuededescubrirnosdeluniversoy sussecretos.Juntoalostextosyalarteempiezanaadquirirprotagonismolas piezas raras, los prodigios de la naturaleza y lomaravilloso, que

Page 59: Livro Museologia e Património - Volume 6 - para capa e ...

MuseologiaePatrimónio–Volume6

57

justifica el retorno a las creencias mágicas, a la alquimia y a laastrología,víasalternativasparabuscarrespuestas.

Estamaneradiferentedeenfocarelcoleccionismonocalarádeigual formaen Italiaqueenel restode lospaíseseuropeos,debidoaque en el Cinquecento la presencia del espíritu humanista y de laculturaclásicaharáqueelarte sigadespertandomásadmiraciónquelos especímenesnaturales o lo simplementemaravilloso. El casomásclaro lo tenemosenFrancisco IdeMédici, “elpríncipedel studiolo”tanpocoproclivea losasuntosdeEstado,como infatigableestudiosodelartedelvidrio,lametalurgia,laspiedrasdurasylaalquimia.

En 1570 encarga a Giorgio Vasari la construcción de unapequeñaestanciaprivadaenelprimerpisodelPalacioVecchio,dondepoderrefugiarsedelbulliciocortesanoyguardarlosproductosdesusmúltiples aficiones. Comparado con el amplio y luminoso studiolohumanista de Urbino, el de Francesco, sin ventanas, recibía la luzexclusivamente de una vela o candil, lo que lo convertía en unmicrocosmos hecho a la medida de su dueño, en un espacio mágicoapartado de ese entorno natural que lo desborda y sobrecoge. Lascolecciones, desde especímenes naturales y piezas artísticas aproductosdelaboratorio,seguardabanenlosdiecinuevearmariosquerodeaban laestancia,ocultos trasunaspuertas secretaspintadas conescenas alusivas a los objetos que cada armario contenía, y quepreviamente habían sido clasificados por su afinidad con los cuatroelementos de la naturaleza: tierra, agua, aire y fuego. Un complejoprograma iconográfico, inspirado en lasMetamorfosisde Ovidio, queplanteaba la relación dinámica entre arte y naturaleza, comodemostracióndequeelhombredelsigloXVIeracapazdetransformarelmundoylanaturalezamediantelatécnicayelartificio.Elstudioloseconvertíaasíen la representaciónplásticadelCosmosyde todossuselementos, en la metáfora de un mundo ordenado y comprensibledondeelhombreporfinpodíasentirseseguro.

Pero donde enraizará con más fuerza esta cultura de lacuriosidadmanierista va a ser en las cortes centroeuropeas de la 2ªmitad del XVI, testigos del nacimiento de las Cámaras de lasMaravillas o Wunderkammer., unas estancias principescasdestinadas a acoger cualquier objeto o espécimen pero siemprepartiendo de un principio de excepcionalidad: seres anómalos,accidentes de la naturaleza, formas fantásticas..., reflejo de ese todo

Page 60: Livro Museologia e Património - Volume 6 - para capa e ...

MuseologiaePatrimónio–Volume6

58

escondidoquemásqueenlonormalsemanifiestaenlomonstruosoyextraordinario. De ahí que, en estas cámaras, junto a las coleccionesperfectamente clasificadas y ordenadas en armarios o estantes,encontremoscolgadasentechosyparedestodotipodeextravagancias,en una mezcla curiosa e inquietante a juzgar por los grabados ydescripcionesliterariasdelaépoca.

Pero en las wunderkammer también había un componenteexhibicionistaquenadateníaqueverconelrecogimientointelectualdelosstudiolos,puesahoraelpríncipebuscasorprendere inquietarconun doble objetivo. Por un lado, propagandístico, como forma dedemostrar su poder y satisfacer su vanidad, y por otro, intelectual,encaminadoaprofundizarenaquellasdisciplinasquepodíanayudarleadesvelarlossecretosdeluniverso.

Lociertoesque,graciasalavehementeyentusiastaactividadde acopio llevada a cabo por estos príncipes manieristas, se iránconformando las grandes colecciones reales europeas, germende losfuturosmuseosnacionales.Llegadosaestepunto,deboaclararqueen2007 visité las colecciones de Alberto V de Baviera en Munich, deFernandoIIdelTirolenAmbrasydeRodolfoIIdePragaenViena.Ylohiceconlaintencióndeidentificaryponeraldíalaubicaciónactualdelas piezas que Julius von Schlosser cita en su libro Las cámarasartísticas ymaravillosasdelRenacimiento tardío (1988).Comoeradeesperar,ysinqueellodesmerezcalagrancalidaddeestapublicación,texto de referencia para el estudio de las cámaras manieristascentroeuropeas, pude comprobar que los cambios que se hanproducidosonmuynotablestantoenlaubicaciónyorganizacióndelascolecciones,comoenloqueserefierealaidentificacióndelaspiezasydelosespaciosquelasacogen,algológicosipensamosqueellibrosepublicóporprimeravezen1908,siendola2ªedición-queeslaqueyohemanejado-de1923.

Dicho esto, y teniendo en cuenta los datos que obtuve trasvisitar personalmente las colecciones, me gustaría detenermebrevementeenlafiguradelDuqueAlbertoVdeBaviera,creadordeuna de las colecciones más importantes de su época. Según elInventario de 1598 -realizado tras la muerte de Guillermo V, hijo ysucesordeAlbertoV- laCámaraArtística, formadaspor3.407piezas,era un verdadero revoltijo de objetos curiosos y obras de arte. Unascolecciones,que,trassufrirgrandespérdidasaconsecuenciaderobos

Page 61: Livro Museologia e Património - Volume 6 - para capa e ...

MuseologiaePatrimónio–Volume6

59

ysucesivasguerras,hoysepresentanendiezsalasde laResidenzdeMunich, perfectamente ordenadas en función del material: desdeespecímenes naturales como piedras bezoar, conchas o huevos deavestruz, a exquisitas jarras, copas o variados recipientes tallados encuarzo, calcedonia, cristal de roca..., todos ellos engarzados en oro ypiedraspreciosas.

Junto a su labor como coleccionista, el duque patrocinó elprimer tratado museológico que apareció en el norte de Europa: elTheatrum Sapientiae (1565), escrito por su médico de cámara, elflamenco Samuel Quiccheberg, que proponía estructurar la grancolecciónducalencincosecciones:laspiezasasociadasalagenealogíayprestigiodelseñor; lacámaraartísticadeantigüedades;elgabinetedecienciasnaturales;losproductosdelatecnologíayartesmecánicasy, por último, la colección de pinturas y grabados en cobre.Recomendacionesque,aunquenollegaríanaponerseenprácticaenlacolección muniquense, sí fueron tomadas como referencia en otrascorteseuropeas.

SedebetambiénaAlbertoVlacreación,enlaplantabajadelaResidenz de Munich, del Antiquarium (Fig. 3), primer recintoconcebido enAlemania comomuseo. Esta enorme galería abovedadade inspiración romana, prolijamente decorada con figuras alegóricas,vistas de ciudades y grutescos -inspirados en la Domús Aurea deNerón-,fueconcebidaparaexhibirlacoleccióndeesculturasantiguasdel duque, que aparecía colocadas en medio de la decoraciónmanieristadelosmuros,comocamafeosincrustadosenunjoyero.

Muchomásposeídoporelansiadecoleccionarencontramosalarchiduque Fernando II del Tirol, que en el castillo de Ambras,situadoenplenanaturalezaapocoskilómetrosde Innsbrück, creóelMuseumFerdinandeum.Unlugarque,enpalabrasdeSchlosser(1923),acabaría convirtiéndose en “unode losmayores centrosde atracciónpara todos los viajeros distinguidos e ilustrados que en su tour demondepasabanporTirol”(p.65).Algoquenodebesorprendernossipensamos que Ambras reunía todos los espacios propios de ungabineteprincipescodelaépoca:unaKunskammerogabinetedearte,una Schatzkammer o tesoro de orfebrería, una Wunderkammer ogabinete de curiosidades de la naturaleza, y una Rüstkammer ogabinetedearmadurasdeparada.Estaúltimacontaba,además,conelArmamentariumHeroicum(1601),hoyconsideradoel“primercatálogo

Page 62: Livro Museologia e Património - Volume 6 - para capa e ...

MuseologiaePatrimónio–Volume6

60

deeste tipo,procedentedeunagrancolección,queaparecióa travésde la imprenta” (Schlosser, 1988, p. 67). Los ciento veinticincograbados en cobre que lo ilustran, de intencionalidad claramentepropagandísticaalrecordarnoselimportantepapeljugadoporlacasade losHabsburgoa lo largode lahistoria, tambiénnoshablandeuninterés didáctico y museográfico sin precedentes por parte delarchiduque.

Fig.3.ElAntiquariumdelduqueAlbertoVdeBaviera.ResidenciadeMúnich(1569-1571).Fuente:FotoLauraArias.

En cuanto a la Wunderkammer, única cámara de arterenacentistaquesigueensuubicaciónoriginal,sabemoscómoeranosolo gracias al Inventariode1596enel que sedescribe cómoestabadispuestaalamuertedelFernandoII,sinoalalaborderecuperaciónllevadaacabomuchosañosdespuésporelKunsthistorischeMuseumde Viena. Según recoge Schlosser (1988, pp. 65-67), en 1605, tras lamuertedelarchiduque,suhijomayorvendiólacolecciónpor170.000florinesalemperadorRodolfoII,pasandodeestaformaalEstado,peroconlacondicióndequepermanecieraenAmbras.Unadecisiónquecon

Page 63: Livro Museologia e Património - Volume 6 - para capa e ...

MuseologiaePatrimónio–Volume6

61

elpasode losañosacabósumiendoa losedificiosycoleccionesenelmásterribleabandono.Afortunadamenteen1806elKunsthistorischesMuseum emprendió una serie de actuaciones para reordenar ycatalogar lascolecciones, laborquesecontinuaríaa lo largodel sigloXIX.

Habrá que esperar, no obstante, a 1974 para que elKunsthistorischeMuseumdeViena,trasrestaurarycatalogartodaslaspiezas, lleve a cabo la musealización de la Wunderkammer con elobjetivo de devolverle su aspecto original. Esto explica que ladescripciónquehaceSchlosserdeAmbrasen su librode1923no secorrespondadel todo con loqueyovi enmi viajede2007ni con suorganizaciónactual.

Concebida como verdadero compendio del universo, hoy laWunderkammer la conformanveintidósgrandesarmariosdemaderade pino –en origen eran dieciséis-, dispuestos dorso contra dorso ypintados de distintos colores. En ellos se exhiben las colecciones,primeroordenadassegúnsumaterialydespuéssegún la técnica.Porejemplo, el Armario nº 6, de color azul, contiene piezas de coral notrabajado, mientras que el nº 12, de color blanco, objetos de vidrioveneciano y mayólicas. De las paredes y del techo cuelgancornamentas,untiburónyuncocodrilodisecados...,asícomoretratosdepersonajesdeformes,considerados“maravillasdelanaturaleza”,oquehanvividohistoriasextraordinarias,comoelnobleGregorBaciaquienunalanzaleatravesólacabeza,y,peseatodo,vivió.

PerolaCámaradelasMaravillasmásfascinantedelaépocafue,sinduda,lacreadaporelmelancólicoysombríoemperadorRodolfoIIdePraga,sobrinodeFelipeII,bajocuyasupervisiónélysuhermanoErnesto pasarían ocho años en España (1563-1571), durante loscuales, y gracias al conocimiento de las colecciones filipinas, fueronconformando su gusto. Convertido como su tío en un extraordinariomecenasde lasartesy lasciencias,Rodolfo IIhizodePragaelmayorfocodeatracciónculturaldeEuropa.

Enlosprimerosañosdesureinado,estimuladoporconocerlabellezayvariedaddelacreacióndivina,Rodolfocentrósumiradaenelmundonatural.DeahíqueenlosjardinesdelcastillodeHradçany,suresidencia imperial, se cultivaran todo tipo de árboles y flores, y seacogieraaunbuennúmerodeanimalesexóticosprocedentesdepaíseslejanos: guacamayos africanos, cacatúas de las Molucas, faisanes,

Page 64: Livro Museologia e Património - Volume 6 - para capa e ...

MuseologiaePatrimónio–Volume6

62

dromedarios, uros, gacelas, águilas, leones, tigres… y hasta el primerdodo–especiehoyextinguida-quellegóaEuropadesdeislaMauricio.Unosjardinesque,enpalabrasdePabloJiménezDíaz(2001,pp.148-152), habían perdido el sentido unitario y decorativo de los jardinesvieneses o italianos, para convertirse en verdaderos laboratoriosnaturales,dondeviveros,jaulas,estanques,fososoterrazassurgendemanera desordenada y aleatoria. Pues, aunque parezca que es elhombrequienregulayordena lanaturaleza, tambiénestase impone,devolviendoalhombreasuestadiooriginal.

En un lugar destacado del castillo se ubicaba laWunderkammer, de la que poseemos muy poca información. Segúnrecoge Schlosser (1988, p. 126), el inventario más antiguo de lacolección redactado en 1621, nueve años después de la muerte delemperador, solomenciona los nombres de los artistas al lado de loscuadros.Encuantoalde1648,realizadotreintayseisañosdespués,ypocoantesdequeelpalaciofuesesaqueadoporlastropassuecas-deahí que fuese redactado a toda prisa y con gran tosquedad-, no solocontiene importantes errores, sino que se limita a enumerar los 800cuadrosdelagaleríadepinturasdescribiendolostemas,perosincitaraningúnautor,algoinimaginableenuninventarioitalianodelaépoca.

Construida en 1605, la Wunderkammer constaba de cuatrohabitaciones abovedadas, con ventanas que solo se abrían para elemperador,pues,diferenciadelospríncipesdesutiempoansiososdeexhibirsuscolecciones,RodolfoIIlasocultabacelosamente,deahíquesuvisita,reservadasóloaalgunosprivilegiados,tuvieracasielcarácterde una iniciación. Siguiendo el inventario de 1621, cuenta Schlosser(1988, p.137), que en ella todo aparecía en completo desorden,mezclándose las piezas artísticas y mecánicas con las rarezasnaturales: fetos malformados, piedras bezoares, enormes gusanos,raíces de mandrágora…, junto a objetos mágicos, autómatas, relojes,cajitasconimanesyclavosdehierro,quizádelarcadeNoé…,asícomoun buen número de trabajos en piedras semipreciosas. El granprotagonismodeloraroymaravilloso,queproducíaenelvisitanteunaenormesensacióndecuriosidadydesasosiego,colocaestacámaradelasmaravillasenunadelasmásimpresionantesdelaépoca,comosielcoleccionismo manierista brillase con su máximo resplandor envísperasdesuextinción.

Page 65: Livro Museologia e Património - Volume 6 - para capa e ...

MuseologiaePatrimónio–Volume6

63

Unrasgoquediferenciaestacoleccióndeotrasdelaépoca,eslacadavezmásapabullantepresenciadelapintura,solosuperadaporladeotropríncipemanierista:sutíoFelipeII.ComobuenHabsburgoaRodolfo le interesaba el arte europeo, desde artistas ya consagradoscomoBrueghelelviejo,Durero,TizianooCorreggio,aotrosque,comoBartholomeus Spranger, acabarían dando forma bajo su patrocinio aesaestéticaextrañayrefinadahoyconocidacomoArteRodolfino.Pero,sinduda,elpintorquemejorreflejólacomplejidadintelectualdeestecoleccionista fue el pintormilanés Giuseppe Arcimboldo, quien en elRetratodelarchiduquecomoVertumno(1590)(Fig.4),diosdeorigenetrusco que representaba la abundancia de frutos en las diversasestaciones del año, hace un guiño a la iconografía imperial de losHabsburgo(Stepanek,1991,pp.202-203),convirtiendolasfloresylosfrutos en alegorías de la eterna primavera propiciada por el BuenGobiernodelmonarca.Nadamáslejosdelarealidad,sipensamosquedurante sumandato se vivió el lento desmoronamiento del Imperio,ante la impasible mirada de este príncipe manierista, únicamenteobsesionado por acrecentar sus colecciones, aquellas que, tras sumuerte y como consecuencia de múltiples saqueos, acabaríandisgregándoseparasiempre.

7. Galerías de pinturas. Chapuzas, pastiches y pinturas degabinetes

La idea de que el conocimiento es un asunto puramente

científico,dondeelartenotienenadaqueaportar,esdefendidaenelS.XVII por los filósofos Francis Bacon y René Descartes. En concreto,FrancisBacon, pese a ser asiduo a las reuniones que en tiemposdeCarlosIdeInglaterrateníanlugareneljardínrepletodeantigüedadesdel condedeArundel, describe en sunovela utópicaNuevaAtlántida(1626)suviajeaunmundomítico-Bensalem-endonde loshombreslogranlafelicidadgraciasaunaperfectaorganizaciónsocial,centradaenelcontroldelanaturalezayenlospreceptoscientíficos.Allísituabaunenormeycomplejocentrodeenseñanzaeinvestigación:LaCasadeSalomón, en algo parecida al Museion de Alejandría, y donde sesucedían grutas que imitan minas naturales, oficinas químicas, altastorresparaelestudiodelasestrellasydelosfenómenosatmosféricos,huertasyjardinesbotánicos,parqueszoológicos...

Page 66: Livro Museologia e Património - Volume 6 - para capa e ...

MuseologiaePatrimónio–Volume6

64

Fig.4.GiuseppeArcimboldo:RetratodelemperadorRodolfoIIcomoVertumno.Óleosobrelienzo(1590)(PalacioSkolosters.Suecia).Fuente:https://upload.wikimedia.org/wikipedia/commons/thumb/b/b5/Vertumnus_%C3%A5rstidernas_gud_m%C3%A5lad_av_Giuseppe_Arcimboldo_1591_-_Skoklosters_slott_-_91503.tiff/lossy-page1-826px-Vertumnus_%C3%A5rstidernas_gud_m%C3%A5lad_av_Giuseppe_Arcimboldo_1591_-_Skoklosters_slott_-_91503.tiff.jpg

Page 67: Livro Museologia e Património - Volume 6 - para capa e ...

MuseologiaePatrimónio–Volume6

65

Uncomplicadoorganismoquese convertiráenel embrióndeinteresantesiniciativasilustradas,comolaquemásdeunsiglodespuésllevaríaa caboel reyCarlos III en suCiudaddelSaber,ubicadaenelSalóndelPradomadrileño.

EnelsigloXVII,ycomofrutodeestadefinitivaseparaciónentreel arte y la ciencia, encontramos, por un lado, gabinetes de historianatural o científicos de los que van a derivar tanto los Gabinetes deHistoria Natural del XVIII como los actuales museos de CienciasNaturales, de Ciencia o Tecnología. Y por otro, colecciones artísticascadavezmásespecializadasyconunclaro interéspor lapintura.Ungéneroque,segúnPérezPreciado(2010),acabaráconvirtiéndose“enelprincipalelementoderepresentacióncortesana,porencimainclusodelasarmas.Elpoderdeunpríncipenosemedíaexclusivamenteporel valor militar, sino también por su gusto y su afición pictórica”(p.126).Loqueexplicaqueencolecciones tanpersonalescomo ladeFelipe IV, Carlos I, el archiduque Leopoldo Guillermo o el CardenalMazarino laspreocupacionesestéticasdelpropiocoleccionista fuerantenidas en cuenta, tanto o más que el resto de temas políticos yrepresentativosantañotanimportantes

El interés por este género llevó a que no hubiera palacio omansión que no contara con una pequeña o gran galería dondeexponer sus pinturas, anunciando lo que serán nuestras actualespinacotecas.Perodelamanodelapinturanosolotriunfarálagalería,como espacio expositivo amplio y despejado que favorecía lacontemplaciónde lasobras, sinoque surge laPinturadeGabinetes,un nuevo género pictórico que reproducía a pequeña escala galeríasrepletasdecuadros,unasvecesrealesyotrasinventadas,comoformademostrarlaelevadaposiciónsocialdelpropietario.

En la primera mitad del XVII, y gracias al patrocinio de losmonarcas-gobernadoresdelosPaísesBajosresidentesenBruselas,losarchiduques Alberto e Isabel Clara Eugenia, estos gabinetespintados representan colecciones imaginarias de contenidomoralizante o alegórico asociado a los propios intereses artísticos ointelectuales del comitente. Así lo vemos en la serie dedicada a Loscinco sentidos (1617-1618),hoyenelMuseodelPrado, realizadaporJan Brueghel de Velours y Peter Paul Rubens, protegidos de losarchiduques. Estas cinco pequeñas pinturas, cada una dedicada a unsentido, juegan con la ambigüedad espacial, permitiendo que la

Page 68: Livro Museologia e Património - Volume 6 - para capa e ...

MuseologiaePatrimónio–Volume6

66

naturaleza penetre en un interior palaciego repleto de cuadros,animales,plantasytodotipodepreciososobjetosatravésdeloscualessemanifiestalacreacióndivina.

Perocuandoestegéneroalcanzarátodosuesplendorseráenlasegunda mitad del XVII, y lo hará con el Archiduque LeopoldoGuillermodeHabsburgo,gobernadordelosPaísesBajosdesde1647.Como gran amante de las artes, reunió una exquisita colecciónpictórica, eligiendo como conservador y pintor de Cámara a DavidTeniers el Joven. En 1660 Teniers publica el Theatrum Pictorium,primer catálogo ilustrado de una colección de pinturas, en el que sereproducían 244 pinturas de las 517 que formaban la colección demaestros italianos del archiduque. Para ello, previamente tuvo quecopiarapequeñaescalacadaunodeloscuadros,conelfindequeestas“chapuzas”o“pastiches”,comoéllasllamabacariñosamente,sirvierande modelo a los grabadores. Unas pinturas que hoy se encuentrandispersaspordistintosmuseos.

Tenierstambiéndifundiólacoleccióndesumentoratravésdeunaseriedepinturasdegabinetequerepresentabanlagalería,yque,comoaquellaqueelarchiduqueregalóen1647asutíoFelipeIV,(Fig.5) tenían en común: el amplio gabinete captado desde un punto devistaalto,loscuadrosllenandototalmentelasparedes,yalfondootraestancia repleta de libros y más pinturas. Centrando este escenariorepletodeguiñospropagandísticosapareceel archiduque,que, comocoleccionista moderno y verdadero entendido, charla con su propiopintor de Cámara o con algunos viri eruditi, como es el caso, segúnPérezPreciado(2010,p.126),deAlonsoPérezdeViveroyMenchaca,CondedeFuensaldaña,queparticipóenlaadquisicióndelamayoríadelas obras exhibidas en el gabinete, y que aquí aparece delante delpropioTeniers.

Adiferenciadelaspinturasdegabinetedeprincipiosdesiglo,aquí encontramos una colección concreta con obras perfectamenteidentificables, que, además de prestigiar a Leopoldo Guillermo,convierten el lienzo enuncuadro- catálogo (PérezPreciado, 2010,p.126) o fuente visual esencial para conocer el contenido de aquellascolecciones principescas, que con el tiempo acabarán enriqueciendonuestrosgrandesmuseos.

Page 69: Livro Museologia e Património - Volume 6 - para capa e ...

MuseologiaePatrimónio–Volume6

67

Fig.5.DavidTenierseljoven:GaleríadepinturasdelarchiduqueLeopoldoGuillermo.Óleosobreláminadecobre(1647–1651)(MuseodelPrado).Fuente:https://upload.wikimedia.org/wikipedia/commons/a/ad/Teniers-galeria-prado.jpg

8. El siglo de las luces y el nacimiento delmuseomoderno: ¡Ladeseadaaperturadelascolecciones!

Amediadosdel sigloXVIII las ideas ilustradas traeránnuevos

aires de modernidad a una sociedad que comienza a valorar laeducación como motor del progreso. De ahí que se promueva lacreaciónde institucionesque la fomentencomobibliotecasymuseos,sin olvidar las Academias de Bellas Artes, que entre sus actividadescontemplaban la realización periódica de exposiciones, germen deaquellosmuseosdependientesdelasacademias.

Page 70: Livro Museologia e Património - Volume 6 - para capa e ...

MuseologiaePatrimónio–Volume6

68

Tambiénsonañosenlosqueempiezaatomarfuerzauntipodecoleccionistaeruditoyapasionadode laAntigüedad,que, cansadodelasevanescencias rococó, seenfrentaal artedesdeunpuntodevistametódico y especializado, poniendo las bases de los futuros museosarqueológicos. Pero, más que por el arte o la arqueología, elcoleccionista ilustrado sentirá pasión por los Gabinetes de HistoriaNatural, pues el estudio de la naturaleza se concibe asociado a laeconomíay a laproduccióndebienes, constituyendoun instrumentoclaveeneldesarrollosocial,elprogresoylaprosperidadhumana.

Estaaficiónporlascienciasnaturales,delargatradiciónenlospaísesanglosajones,tambiénlaencontramosenEspaña,yenconcretoenlafiguradelreyCarlosIII,queen1771creaenelmadrileñoPalaciode Goyeneche -hoy sede de la Real Academia de Bellas Artes de SanFernando-elRealGabinetedeHistoriaNatural,una instituciónquehacíatiempoquelosilustradosespañolesreclamaban,yconlaqueyacontaban ciudades como Ámsterdam, Viena, Estocolmo, Venecia,LondresoParís.

En este proyecto desempeñó un papel crucial el ecuatorianodon Pedro Franco Dávila, que había donado al monarca su inmensacolección de especímenes, piezas etnográficas, mapas, objetosartísticos…ysucompletísimabiblioteca.Abiertoalpúblicoen1776-ycon Dávila como Director- este Real Gabinete se convirtió en unainstitución muy visitada y alabada por españoles y extranjeros,fundamentalmente,y comorecogeelMemorialLiterario, InstructivoyCurioso de la Corte de Madrid (1784), por la riqueza y metódicapresentación de las colecciones “… arregladas y dispuestas en unosgrandes y espaciosos estantes de caoba, primorosamente trabajados,con sus cristales finos por delante para que no se pueda introducirpolvo”(pp.18-21).

El Real Gabinete contaba con minerales y piedras preciosas,cuadrúpedos, volátiles e insectos,mariscos, peces, fósiles,maderas ysemillas, antigüedades…, así como con el Tesoro del Delfín, unapreciosa colección de vasos y objetos de cristal de roca y piedrassemipreciosastalladas,engarzadasenoroyplata,queelGranDelfíndeFranciahabíadejadoenherenciaalreyFelipeV,padredeCarlosIII.

Encuantosuaccesibilidad,elmédicoyclérigobritánico,JosephTownsend,ensulibroViajeporEspaña(1988),escribía:"…elgabinetedehistorianaturalabresuspuertasa todos.Noesnecesarioobtener

Page 71: Livro Museologia e Património - Volume 6 - para capa e ...

MuseologiaePatrimónio–Volume6

69

un pase, y cualquier persona de aspecto decente puede recorrer sussalasyexaminarloquegustedentrodelhorarioestablecido".

Esta vocación claramente ilustrada de promocionar laeducación, llevóalRealGabinete a acoger en su senodesde1787 losEstudiosdeCienciasNaturales,yapublicardesde1799laqueseríalaprimera revista científica española: Anales de Historia Natural. Esteinterés por las ciencias, y el hecho de que fuera una colecciónnaturalista,laprimeraqueseabrióalpúblicoenEspaña,nodejadeseralgo puntual propiciado por el interés de Carlos III por las cienciasnaturales, que, a diferencia de los monarcas de la dinastía de losAustrias,jamássintióinterésalgunoporlasbellasartes.Deahíelcasoomiso que el monarca hizo a su pintor de cámara, Anton RaphaelMengs,queyaenunacartaaPonzexpresaba“sudeseodequeenunagalería del palacio de Madrid se reuniera lo más selecto de lascolecciones regias, dispersas por los diferentes Sitios Reales,convirtiéndose en fuente inestimable de instrucción para artistas yestudiosos”(Morán,1987,p.38).

Dado que el siglo XVIII seguirá demandando unaespecializacióncadavezmayor,asícomo lanecesidaddeordenar lascolecciones, no es casualidad que por estas fechas saliera a la luz: laMuseographia Neickeliana, escrita en Hamburgo en 1727 por elcomerciante Kaspar Friedrich Neickel. Este texto, recientementeestudiadoporAliciaVallina(2020),yhoyconsideradocomounodelostratados de museología más importantes de la historia, era uncompletísimo compendiode lasprincipales colecciones y cámarasdearte y naturaleza de la época -agrupadas en torno a las principalesciudadesdelmundo-,queademásdehablarnosdeloqueparasuautordebíaserelmuseo ideal,ofrecíaunaseriederecomendacionessobrecómoestudiaryexponerlasobras.

EsenestecontextodondevananacerelBritishMuseum(1759)yelMuseodelLouvre (1793), losdosprimerosmuseoseuropeosquepodemos denominar ya plenamente modernos, y que ilustrarán,respectivamente,lacorrientemuseológicaanglosajonaylafrancesa.

ApenashabíantranscurridosetentaañosdesdelaaperturadelAshmolean Museum de Oxford (1683), primer museo de carácterpúblico y finalidad claramente científica, que pondría las bases de lacorrientemuseológica anglosajona, cuando en Inglaterra se creaba laprimerainstituciónmuseológicadecarácternacional,que,adiferencia

Page 72: Livro Museologia e Património - Volume 6 - para capa e ...

MuseologiaePatrimónio–Volume6

70

delLouvreodeotrosgrandesmuseoseuropeos,notendrásuorigenenlascoleccionesreales.NosreferimosalBritishMuseumdeLondres,creadograciasa ladecisióndelmédicoynaturalista inglés,SirHansSloane (1660-1753),dedonaralEstadobritánicosubibliotecay suscolecciones privadas, formadas por más de 80.000 piezas, entremanuscritos, especímenes naturales, materiales exóticos yantigüedades de Egipto, Grecia, Roma, Extremo y Medio Oriente, yAmérica.

SegúnrelataelquefuedirectordelMuseoBritánicoentre1992y 2002, Robert G.W. Anderson (1995, pp. 179-180), en 1753 Sloanedejó dispuesto en su testamento que su valiosísima colección fueraentregada,porunasumasimbólicade20.000libras,alreyJorgeIIparaque así pudiera ser disfrutada por la nación británica. Si no eraaceptada debía ofrecerse -por este orden- a las RealesAcademias deCienciasdeParís,SanPetersburgo,BerlínoMadrid.Alnodisponerelmonarca de ese dinero, el Parlamento convocó una lotería en la querecaudó95.000libras,conlasquenosolosepudoadquirirlacolecciónsinounamansión,laMontaguHouse,paraconvertirlaenmuseo.

Así fue cómo el British Museum, nacido como verdaderohomenajea la cienciauniversal, abriósuspuertasalpúblicoel15deenero de 1759, acogiendo conjuntamente museo y biblioteca. Segúnrecoge G. Bazin (1969), el valor que en los museos anglosajonessiempre se dio a la investigación y al estudio, explica que, desde susorígenes,elBritishMuseumestuviera“destinadoprincipalmentealoseruditos y a los estudiosos ingleses o extranjeros, para ayudarles ensus investigaciones en todos los campos del conocimiento o en eldominiodecualquierramadelsaber”(p.147).

Por otro lado, aunque en sus estatutos se hablaba del usopúblicoygratuitoquedebíadarsea lascolecciones,Anderson(1995)nosrecuerdaquevisitarlasnoeraalgotrivial:

[…] el acceso no eramuy fácil, ni siquiera para losestudiososycuriosos.Para lavisitahabíaquepedirunaentradaalporteroyelpermiso,encadacaso,delbibliotecario mayor o del director. Los visitantesdebían acudir a determinadas horas y hacer elrecorrido en grupos de cinco, conducidos por unempleado. Los testimonios de la época indican que

Page 73: Livro Museologia e Património - Volume 6 - para capa e ...

MuseologiaePatrimónio–Volume6

71

losguíasllevabanalosvisitantesatalvelocidadquea duras penas -aturdidos y abrumados- podían verlosobjetos(p.180).

Pese a que la historia natural siguió teniendo un gran

protagonismo en el museo, pronto empezaron a llegar importantescolecciones arqueológicas, desde la célebrepiedra Rosetta, al famosoDiscóbolo o a los mármoles del Partenón, que pese a su valor eranconsideradas curiosidades. Este acopio de piezas saturó el museo yobligóaqueen1852seencargaraaRobertSmirkeeledificioactual,deestilo neogriego e inspirado en los Propileos de Atenas. Estosproblemasdeespaciosesolventarondefinitivamenteen1881,treintaañosdespués,conlasegregacióndelascoleccionesdehistorianaturalaunanuevasededeairevictoriano,amediocaminoentreunacatedralyun imponenteespacio industrial,queactualmentealbergaelMuseodeHistoriaNatural.

Como museo histórico, fundamentalmente de antigüedades,hoy el British intenta reunir, más que piezas espectaculares, objetosdocumentados,loqueconviertesuscoleccionesenunagranbibliotecade consulta cuya finalidadesporun lado, ladepreservardemaneraenciclopédicalosobjetosproducidosporelhombre,yporotro,honraraDiosporserelcreadordelUniverso.NoolvidemosqueestemuseonacióenlaépocadelaEnciclopediaBritánica,yenunpaísanglicano.

Pero,aunqueelBritishfuesindudaelprimermuseofinanciadodirectamente por el Estado, su creación no tuvo en Europa larepercusión que tres décadas después lograría elMuseodel Louvre(1793),alerigirseenbuqueinsigniadelgrancambiopropiciadoporlaRevolución Francesa y su deseo de acercar la cultura al pueblo. AlgoqueyaempezóagestarseduranteelreinadodeLuisXVI(1774-1789)ysusasesores:elCondeD´Angiviller,quefuequieneligiócomosededel futuro museo la Gran Galería del Palacio del Louvre, y el pintorHuberRobert,que,comoconservadordelascoleccionesdesde1784,se ocupó de trasladar al Louvre, desde los palacios de Versalles yLuxemburgo,lasobrasreales.DeRobert,además,nosquedaunaseriede nueve pinturas en las que, a modo de crónica, nos muestra lacontrovertidatransformaciónarquitectónicaymuseográficadelaGranGaleríadelLouvre.(Fig.6)

Page 74: Livro Museologia e Património - Volume 6 - para capa e ...

MuseologiaePatrimónio–Volume6

72

Fig.6.HubertRobert:LaGranGaleríadelLouvre.Óleosobrelienzo(c.1795)(MuseodelLouvre).Fuente:https://img.wikioo.org/ADC/Art-ImgScreen-4.nsf/O/A-8Y3GJW/$FILE/Hubert_robert-the_grande_galerie.Jpg

Habrá que esperar a la Revolución Francesa para que secompleteesteprocesodedemocratizacióndelarte,queposibilitarádeforma radical que un gran número de obras, confiscadas al rey, a laIglesiaoaparticulares,acabarannacionalizándose.Eldía1deoctubrede 1792, a menos de un año de la apertura del museo francés, elconsejo ejecutivo provisional encargado de la organización de lascolecciones, dejaba constancia, según recogeFernandoCheca (2008),delosiguiente:

[…]quedichomuseonacionalhabíade serpúblico,servirparalainstruccióndelosartistasyelprogresode las artes, y convertirse en centro de atracción

Page 75: Livro Museologia e Património - Volume 6 - para capa e ...

MuseologiaePatrimónio–Volume6

73

para «los aficionados ilustrados y los hombres decorazón puro que, saboreando las delicias de lanaturaleza, encuentran todavía encanto en susmásbellasimitaciones»(p.3).

Sindudaerantiemposdedebatesentornoadistintosaspectos

museológicos, como aquel que, aún hoy, nos hace preguntarnos porquéelmuseofrancés,peseahaberseinauguradotreintaañosdespuésqueelBritish, sesigueconsiderandoporgranpartede lacomunidadinternacional como el primer museomoderno del mundo. Algo quetienesuexplicaciónenunconvencionalismopropiode lamuseologíafrancesaeitaliana,queconsiderabaqueunverdaderomuseoeraaquelquefundamentalmentealbergabaobrasdearte.

Peroestonosiemprehabíasidoasí,pues,segúnseñalaAndrewMcClellan(1999),pocoantesdelaaperturadelLouvre:

[…] laComisióndelMuseo,constituidaen1792porcinco artistas y un matemático, defendía unainstitución que recogiera bajo un mismo techo«todas las riquezas de la Republica en todas lasramas del arte y de la ciencia», pero David, pintor,elegido por la Convención Nacional como diputadopara la sección parisina del museum, se negó aintroducir artes decorativas e instrumentoscientíficos al lado de las obras maestras de lapintura, por considerar la fórmula tan decadentecomoloscabinetsaristocráticosdelAntiguoRégimen(pp.10-11).

Unosdebatesque, segúnrecogePommier (1992)continuaronenenerode1793, cuandoel coleccionistaymarchantedearte Jean-Baptiste-PierreLeBrun, enfrentándose conelministrodel interior,Jean-MarieRoland,acercadecómodebíaserelmuseodelaRevoluciónyquiénesdebíangestionarlo,decía:

Quédebeserelmuseo.Debeserunamezclaperfectade lo que el arte y la naturaleza han producido demás precioso en cuadros, dibujos, estatuas, bustos,

Page 76: Livro Museologia e Património - Volume 6 - para capa e ...

MuseologiaePatrimónio–Volume6

74

vasosycolumnasdetodaclasedematerias,lamayorparte, antiguas [...]. Todos los cuadros debenordenarseporescuelaeindicar,enlamaneraenqueestarán colocados, las diferentes épocas delnacimiento,progreso,perfecciónydecadenciadelasartes. Los expertos son los únicos que tienen losconocimientos necesarios para ser empleados en laformación del museo, y los artistas no debenconcurrirallí.

Comentarios que adelantaban ya algunos aspectos de la

museología actual, como era el considerar al museo como unainstitución no solo que debía estar regida por especialistas en lasmaterias expuestas, sino que debía perseguir fines educativos y dedelectación, guardando un exquisito equilibrio entre el caráctereruditodeaquelloquemuestraysuscualidadesdebelleza.

El10deagostode1793,aniversariodelacaídadelarealeza,elgobierno de la Convención inauguraba elMuseo de la República oMuseoCentraldelasArtescon537pinturasy124objetosartísticos.Enestosprimerostiempos,ypesealasrecomendacionesdeLeBrun,lasobrasaparecíansinningúntipodeordenmásalládelmeramenteestético, sin cartelas y siguiendo el viejo principio barroco de lamiscelaneaquebuscamásloscontrastesquelasanalogías.Laentradaera para todos gratuita, pero, según el nuevo calendario semanal dediezdías,seestablecióquecincodíasseabrieraalosartistasylostresdel fin de semana al público, permaneciendo dos días cerrado parafacilitarlaslaboresdecomisariosylimpiadores.Unadistribuciónquereflejabaelinterésdelamuseologíafrancesaporlapedagogíaartística,frentealpesoqueenlainglesateníalainvestigación.

TraselgolpedeEstadode1899yconNapoleóninstaladoenelpoder, llegará la verdadera musealización de las colecciones reales,fundamentalmente gracias al buen hacer de su asesor, el barónDominiqueVivant-Denon, convertidoenunode losprimerosymásprestigiosos profesionales demuseos de la historia. Son años en losque se vive el despertar de la museología y la publicación de grancantidad de estudios y trabajos. Una época en la que el MuseoNapoleón,denominaciónquerecibeapartirde1803,alcanzaungranéxito internacional a base de acrecentar sus fondos con las mejores

Page 77: Livro Museologia e Património - Volume 6 - para capa e ...

MuseologiaePatrimónio–Volume6

75

obrasmaestrasdelpatrimonioeuropeo.Yloharámediantelaprácticadel botín, una política que despertó la oposición de muchas figurasrelevantesdelacultura,entreotroselpintorJacques-LouisDavidoelarquitectoyteóricoAntoineQuatremèredeQuincy(2007),quien,ensusCartasaMiranda,ademásdecondenaresteexpolio,noshabladeloque para él significaba el término “patrimonio de la nación”, unconcepto,sinduda,yaplenamentecontemporáneo.

Finalmente, el gobierno contestará a dichas protestas en elDecretodelaConvención-enmessidordelañoII-yconesemesianismopropiodelaRevoluciónfrancesa:

Paríshadeser,enEuropa,lametrópolidelasartes,ylasobrasmaestrastienenenFranciasuverdaderapatria… […] su verdadero lugar, para honor yprogreso de las artes, está bajo el cuidado y en lamanodeloshombreslibres(Bazin(1969,p.176).

LaRestauracióndelosBorbonesconlasubidaaltronodeLuis

XVIII en 1814, va amarcar una nueva etapa en la conformación delmuseo,pasandodenuevoadependerdelreybajoelnombredeMuseoReal.Muchasobrasdearteregresanasusrespectivasciudades,perono a las iglesias o galerías privadas de donde salieron, sino que, ennombredeaquellosmismosprincipiosemanadosdelaRevoluciónquehabíapermitidoalpueblofrancésdespojardesupatrimonioamuchasnaciones, ahora se ubicarían en lugares abiertos al disfrute de losciudadanos, contribuyendo a la formación de los futuros museosnacionales.

HabráqueesperarcincuentaañosparaqueconlaIIIRepública(1870)elLouvreseconviertadeformadefinitivaenMuseoNacional.Pero para entonces su semilla ya había germinado en el resto deEuropa, haciendo realidad aquel deseo de los ilustrados: facilitar atodos,elaccesoalaculturayaldisfrutedelascoleccionesreales.Yesque, si la Revolución francesa había creado el modelo de museopúblico, el Imperio Napoleónico extendió dicha política museística atoda Europa, teniendo especial peso en aquellos países que, comoEspaña o Italia, estaban emparentados con Francia por razonesdinásticasoporcircunstanciasderivadasdelaguerranapoleónica.

Page 78: Livro Museologia e Património - Volume 6 - para capa e ...

MuseologiaePatrimónio–Volume6

76

Me gustaría concluir reflexionando sobre lo que para lamuseología representan estos dos museos que pusieron nombre,respectivamente, a dos tradicionesmuseológicas: la anglosajona y lafrancesa.Dosinstitucionesque,comobienapuntaJavierGómezMartín(2006, pp. 31-42), aunque hijas del mismo espíritu ilustrado, queconsiderabalaeducacióncomoelmotordelprogresodeunanación,sediferencianenelorigenyutilidadquedanasuscolecciones,algoquevendrácondicionadoporlamentalidaddecadapaísyporsuspropiascreenciasreligiosas.Veamosporqué:

En los países protestantes o de cultura no católica llama laatención el gran predicamento del coleccionismo y el mecenazgo, loqueconeltiemporedundaráenlosmuseos.Recordemosquealgunascorrientes protestantes están fundadas sobre el concepto depredestinación:Diossabeloquequierehacerconcadacriatura,siestaresponde a la Gracia divina obrando y viviendo en el temor deDios,sabráqueesunade las elegidasy,por tanto, se salvará.Estoexplicaque el protestantismo no considere la riqueza terrenal, fruto deaccionespecaminosas-comosucedeconelcatolicismo-,sinocomounsignode lagraciadivina, comounaseñaldelamordeDioshaciaunadeterminada criatura. Corresponde a ésta dar gracias al creadorinvirtiendopartedeesariquezaenlasociedad,yaseamedianteobrascaritativas orientadas a fines didácticos o humanitarios o ya seapatrocinando distintas actividades o creando hospitales o museos,pensemos, por ejemplo, en la gran colección del millonario AndrewMellon, donada al Estado en 1936, y que daría lugar a la NationalGallerydeWashington.Estáclaroqueenestecontextogastarenobrasde arte se convierte en un acto filantrópico, en un servicio a lasociedad.

De la misma manera, el espíritu pragmático propio delprotestantismo,ysuinterésporelestudiodelanaturaleza, inspiradosin duda por libros como el Génesis, hace que en estos museosanglosajones lascoleccionesbusquen loscontenidoscientíficos,yconellolaregeneraciónsocialatravésdelaciencia,eltrabajoyelapoyoalaeducación.Museosútilesenlosqueserindeunhomenajealacienciauniversal, tratando de albergar todos los conocimientos del universoemanadosdelacreacióndivina.

Por su parte los museos franceses o de tradiciónmediterránea,porlogeneralcatólicosyqueprocedendecolecciones

Page 79: Livro Museologia e Património - Volume 6 - para capa e ...

MuseologiaePatrimónio–Volume6

77

reales o principescas, proponen, además de unmuseo con un fuertecomponente educativo orientado a la formación de los artistas, unmuseo estético, concebido para dar placer al espectador, un museohedonista que hunde sus raíces en la tradición italiana y en el pesodado a la belleza emanada del arte, incluso por encima delconocimiento. Y más si pensamos que en estos museos de tradiciónmediterránea no va a existir ese condicionante ético o religioso tanfuertementearraigadoenlospaísesprotestantes.

Puededecirse,portanto,segúnJavierGómez(2006,p.39)que“El British, científico, invocaba la gloria de Dios. El Louvre, artístico,perseguíalagloriadeloshombres…”

Unadiferenciaqueen laactualidadyanosepercibede formatanmarcada,pueshoylosmuseos,dependiendodelcontenidodesuscolecciones,han idotomando lomejordecadacorrientemuseológicaadaptandosusestrategiasaaquelloquesehaconvertidoenelobjetodedeseode cualquiermuseo: el público, al que a toda costa hayqueatraerconexposicionesestrella,puesnoenvanosupresenciaeslaquesirveparamedirelmayoromenoréxitode la institución.Unpúblicoque,paradójicamente,haempezadoaperderlacapacidaddemirarelmundoconlacuriosidadyfrescuradeantaño,cuandofascinadoporlabelleza o rareza de un objeto -un guijarro, una concha…- lo cogía yguardaba junto a él. Sensaciones y placeres que hoy podríamosrecuperar visitando sosegadamente un museo, pero que al finalignoramosatrapadosporelvértigodelavidadiariaylaavalanchadeestímulosquenosrodean.Algoquepaulatinamentenoshaceinmunesa la sorpresao, loqueespeor, comoyapredijoPaulValèry (1999,p.139)hacecasicienaños,nosconvierteensuperficiales.ReferenciasAnderson, R.G.W. (1995). The British Museum, Londres. Los grandesmuseos históricos. Fundación Amigos del Museo del Prado. Valencia/Barcelona:GalaxiaGutenberg.CírculodeLectores,174-193.Bazin, G. (1967).El tiempo de losmuseos. Traducción de P. CasanovaViamonteyMassotGimeno.Madrid:Daimon.

Page 80: Livro Museologia e Património - Volume 6 - para capa e ...

MuseologiaePatrimónio–Volume6

78

Cano de Gordoqui, J.L. (2001). Tesoros y colecciones. Orígenes yevolución del coleccionismo artístico. Valladolid: Universidad deValladolid.Checa,F.(2008).Crisisyfinaldeunaideadelmuseo.RevistadeLibros,133(08),3-7.http://www.revistadelibros.com/articulos/crisis-y-final-de-una-idea-del-museo.GómezMartínJ.(2006).Dosmuseologías.Lastradicionesanglosajonaymediterránea:diferenciasycontactos.Gijón:Trea.GonzálezMarín,S.(2014).LasprimerasbibliotecaspúblicasenRomaysuImpactoenlaconcepcióndelaliteraturalatina.RevistadeEstudiosClásicos(REC),41,205-223.Jiménez Díaz, P. (2001). El coleccionismo manierista de los Austrias,EntreFelipeIIyRodolfoII.Madrid:Elece.Jiménez-Blanco, M.D. (2014). Una historia del museo en nueveconceptos.Madrid:Cátedra.Le Brun, J.B.P (1992). Refléxions sur le muséum national: 14 janvier1793,PommierÉ.(ed.).Paris:RéuniondesMuséesNationaux.McClellan,A.(1999).InventingtheLouvre:Art,Politics,andtheOriginsof the Modern Museum in Eighteenth-Century. Paris, Berkeley:UniversityofCaliforniaPress.MemorialLiterario,InstructivoyCuriosodelaCortedeMadrid(1784).Correspondientealmesde febrerode1784.En la ImprentaReal,18-21.http://hemerotecadigital.bne.es/issue.vm?id=0012137789&search=&lang=es.MoránTurina,M.(1987).Elconceptodemuseo.Lafuncióndelmuseoen las diferentes épocas, hasta los años 40 del siglo XX. Museo y

Page 81: Livro Museologia e Património - Volume 6 - para capa e ...

MuseologiaePatrimónio–Volume6

79

Sociedad. Primer curso de museos (Santiago de Compostela, 1986).Madrid:ANABADGalicia,Estudios,3,19-55.Pausanias (1994). Descripción de Grecia [siglo II]. Libro I: Ática yMegáride.Madrid:PlanetadeAgostini.Pérez Preciado, J.J. (2010). El archiduque Leopoldo Guillermo en sugaleríadepinturasenBruselas.Elartedelpoder.LaRealArmeríayelretratodecorte.Madrid:MuseoNacionaldelPrado,126https://www.museodelprado.es/coleccion/obra-de-arte/el-archiduque-leopoldo-guillermo-en-su-galeria-de/461e64f1-71a3-46fb-961b-3958286a12c5.Pomian,K.(1993).Lacolección,entrelovisibleyloinvisible[Prefacio.Collectionneurs, amateurs et curieux. Paris, Venise: XVI-XVIII siècles.Paris:Gallimard,1987].RevistadeOccidente,141,41-49.Quatremère de Quincy, A. (2007). Cartas a Miranda [Lettres sur lepréjudicequ’occasionneraientauxartsetàlascienceledéplacementdesmonuments de l’art de l’Italie, le démembrement de ses écoles et laspoliation de ses collections, galeries, musées..., 1796]. Traducción deIlduaraPintorMazaeda.Murcia:NausícaäEdiciónElectrónica.https://lairem.files.wordpress.com/2010/12/cartas-a-miranda.pdf.Schlosser, J. von (1988). Las cámaras artísticas y maravillosas delRenacimientotardío[1923,2ªed.].Madrid:Akal.Stepanek,P.(1991).PinturaManieristaenlaCortedeRodolfoII.Goya.RevistadeArte,220,202-209.Suetonio,C.(s.f.).LavidadelosDoceCésares[DevitaCaesarum,c.121]I(X),Edición:eBooketwww.eBooket.nethttps://uhphistoria.files.wordpress.com/2011/02/gaio-suetonio-los-doce-cesares.pdf.Townsend, J. (1988).ViajeporEspañaen laépocadeCarlos III(1786-1787) [A journey through Spain in the years 1786 and 1787; with

Page 82: Livro Museologia e Património - Volume 6 - para capa e ...

MuseologiaePatrimónio–Volume6

80

particularattentiontoagriculture,manufactures,commerce,population,taxesandrevenueofthatcountry,1791,3vols.]Madrid:Turner.Valéry,P.,(1999).Elproblemadelosmuseos[LeGaulois,4deabrilde1923].Piezassobrearte,Madrid.Madrid:Visor,137-140.Vallina, A. (2020). Museos, Galerías y rarezas. Estudio sobre laMuseographiaNeickeliana.Madrid:EdicionesAsimétricas.Vitruvio Polion, M. (1987). Los diez libros de Arquitectura [Dearchitectura, c. 15 a C]. JosephOrtiz y Sanz, Presbítero, traducción ycomentarios,libroI,capítuloII.Madrid:Akal.

Page 83: Livro Museologia e Património - Volume 6 - para capa e ...

MuseologiaePatrimónio–Volume6

81

ABORDAGENSDEAVALIAÇÃODEPROGRAMASDE

EDUCAÇÃOEMMUSEUS

LouisePalmaCâmaraMunicipaldeVilaNovadeFamalicão,Portugal

https://orcid.org/0000-0002-7728-8570

AliceSemedoUniversidadedoPorto,Portugal

https://orcid.org/0000-0001-8308-0971

1. Introdução

Avaliaréumaprática inerenteaoserhumano,umavezqueé

um ato comum e quotidiano de determinar o valor de algo. Comoprática profissional, a avaliação carateriza-se como um processosistemático; como disciplina, relaciona-se não só com reivindicaçõessociais,mastambémcomanecessidadededesenvolvermetodologiaseabordagens próprias a cada campo, que tenham em conta acomplexidade dos contextos em que os objetos de estudo seapresentam.

Nocampodosmuseus,aavaliaçãoé frequentementeutilizadaquerparaavaliarosresultadosecomprovaroalcancedosobjetivosdeum programa de educação, quer para apoiar a prestação de contaspublicamente(accountability).Emtodoocasoaavaliaçãoatuasemprecomo posicionamento do museu, por exemplo, como lugar deaprendizagem.Contudoeemboravenhacadavezmais fazendoparteda retórica atual do museu, no contexto português a avaliaçãoraramenteintegraasrotinasdetrabalho.Quandomuitoutiliza-separamedir resultados de curto prazo e quase nunca aplica métodos deavaliaçãodiagnóstica.

Nestecenário,advoga-seanecessidadeurgentedeaplicaçãodemetodologias de avaliação de programas em museus, em Portugal,comopráticarecorrente,ede instrumentosdemapeamentoeanálisediagnóstica do setor que permitam, num primeiro momento,compreenderosistemacomoumtodo.

Page 84: Livro Museologia e Património - Volume 6 - para capa e ...

MuseologiaePatrimónio–Volume6

82

Assim,estetextocomeçaporapresentarumabreverevisãodeliteratura que procura compreender as particularidades da avaliaçãocomometodologiadepesquisaeassuasprincipaisabordagens,tendoem vista a construção de um plano de avaliação. Como exemplo deaplicação, apresenta-se o caso dos serviços educativos das unidadesmuseológicasdaRededeMuseusdeVilaNovadeFamalicão,trabalhodesenvolvidoporLouisePalmaduranteoestágiocurricularrealizadono âmbito do Mestrado em Museologia, na Faculdade de Letras daUniversidadedoPorto1.2. Aavaliaçãocomodisciplina

No campo científico é indispensável ter em conta que a

avaliaçãotemraízesemdiferentesdisciplinaseque,por issomesmo,seapresentaapartirdediferentespontosdevistaebasesdisciplinarescriandodificuldadesóbvias.Nasuaobraseminal,EgonGubaeYvonnaLincoln(1989)negamapossibilidadededefiniranoçãodeavaliaçãoporquenãoencontramconsensoentreduaslinhasdequestionamentoque parecem coexistir na tentativa de definir este conceito: por umlado, a necessidade de encontrar uma resolução categórica sobre osobjetivosdaavaliaçãoeamaneiracomoestaérealizada;e,poroutro,ofacto de que o significado de tal definição varia de acordo com asmetodologiasutilizadas(pp.21-22)2.

Apesar disso, a literatura oferece balizas que possibilitamsituar a avaliação como disciplina3 e prática profissional, assumindocomo característica marcante o seu processo sistemático e rigoroso.Além disso, ainda que as definições sejam estabelecidas dentro dediferentes enquadramentos, muitas delas apoiam-se em termos ouconceitos comuns do campo de estudo, tais como Evaluand, Mérito,Utilidade,Avaliadorinterno,AvaliadorexternoeStakeholder(Mertens&Wilson,2018,pp.5-15).Veja-se,porexemplo,adefiniçãoproposta

1EstetrabalhofoirealizadocomaorientaçãodeAliceSemedoecoorientaçãode Liliana Aguiar e encontra-se integralmente disponível emhttps://repositorio-aberto.up.pt/handle/10216/1306602 Neste texto, as autoras optaram pela tradução livre de citações diretas eoutrasreferênciasdeautorescompublicaçõesemlínguainglesa.3 Por ser uma disciplina que serve a outras disciplinas, a avaliação é aquiconsideradaumatransdisciplina(Mertens&Wilson,2018,p.50).

Page 85: Livro Museologia e Património - Volume 6 - para capa e ...

MuseologiaePatrimónio–Volume6

83

por estas autoras a partir do trabalho deWilliam Trochim (1998, p.248):

A avaliação é uma profissão que usametodologiasformais para fornecer evidências empíricas úteissobreentidadespúblicas(comoprogramas,produtos,desempenho)emcontextosdetomadadedecisãoquesãoinerentementepolíticoseenvolvemváriaspartesinteressadas frequentemente conflitantes, onde osrecursos raramente são suficientes e onde aspressões do tempo são [destaques das autoras]importantes.(Mertens&Wilson,2018,p.5)

É interessante notar que esta definição inclui características

consideradas indispensáveis para diferenciar a prática diária daavaliação,doprocessosistemáticoecientífico,distinguindo,ainda,estapráticaprofissionaldeoutrasáreascientíficas4.Contudo,deixadeforaaspetos do processo de avaliação que são enfatizados por outrasdefinições encontradas na literatura, nomeadamente aquelas que sereferem ao valor, ao mérito e à utilidade5. Ao considerarem estesaspetos, Daniel Stufflebeam e Chris Coryn (2014) , baseiam-se nadefinição desenvolvida pelo Joint Committee on Standards forEducational Evaluation para afirmar que a avaliação diz respeito “àavaliaçãodovaloroudoméritodealgo”(JCSEE,1994,conformecitadoemStufflebeam&Coryn,2014,p.8).Paraestesautores,apresençadotermovalornaraizdapalavraavaliaçãoindicaoseuenvolvimentocoma produção de juízo de valor. Assim, a avaliação é definida comoreferindo-se ao processo sistemático de delinear, obter, relatar e

4 No âmbito da investigação aplicada, Fournier (2005, conforme citado emMertens & Wilson, 2018, p. 6) refere que a avaliação recolhe e sintetizaevidênciasdoobjetodaavaliaçãoparalheatribuirconclusõessobreoestadodas coisas, o valor, o mérito, a importância ou a qualidade. No campo daPesquisaSocialAplicada,autorescomoNormanK.DenzineYvonnaS.Lincoln(2018,p.1308;2005,p.60)eLuisaAires(2011,p.16)incluemaavaliaçãonocontextodapesquisaqualitativa,fazendopartedoseuprocesso.5Tradução livredevalue,meriteworth. Enquantoomérito correspondeaovalorintrínsecodoobjetodaavaliação,autilidaderefere-seaovalordoobjetodaavaliaçãonumdeterminadocontexto.

Page 86: Livro Museologia e Património - Volume 6 - para capa e ...

MuseologiaePatrimónio–Volume6

84

aplicar informações descritivas e de julgamento sobre o mérito, autilidade, probidade, viabilidade, segurança, importância e / ouequidadedealgumobjeto(Stufflebeam&Coryn,2014,p.11-12).

O uso do termo avaliação de programa (Mertens & Wilson,2018;Stufflebeam&Coryn,2014;Trochim,1998)étambémutilizadocomo uma outra forma de distinção entre as práticas formal ecientífica, e informal e quotidiana da avaliação. No entanto, importasublinharqueparaalémdeumtermo,aavaliaçãodeprogramaséumdosmétodosdeavaliação(Stufflebeam&Coryn,2014,p.64).Nocasoqueadianteseapresentatemcomoobjetodaavaliação(evaluand)umdeterminado programa realizado no âmbito de ummuseu e de umaRede de museus. Na verdade, Michael Patton (2015) considera aavaliaçãodeprogramascomoumdosmétodosqualitativosquepodeserusado tantona investigação,quantonaavaliação,dependendodapropostadoestudo,do seuusoedospúblicosaoqual sedestina.Nadefinição do autor, trata-se da "recolha sistemática de informaçõessobre as atividades, as características e os resultados dos programaspara apreciar o programa, melhorar a sua eficácia e / ou apoiardecisõessobreaprogramaçãofutura"(p.62).

Estas comparações entre avaliação e investigação sãofrequentemente abordadas pela literatura. Embora utilizemabordagens metodológicas e ferramentas semelhantes e possamcomplementar-se – quando, por exemplo, a investigação forneceinformações sobre a necessidade, a melhoria ou os efeitos deprogramas ou de políticas (Mertens, 2009, p. 2) – apresentamdiferenças. A principal delas diz respeito aos objetivos com que sãorealizadas: enquanto a investigação tem em vista a criação de novosconhecimentos e a construção de uma teoria, a avaliação tem comoobjetivo apoiar uma tomada de decisão ou solucionar problemas,fazendoum juízodevalordoobjetodeavaliação (Mertens&Wilson,2018, p. 11). Ou seja, a informação obtida é utilizada de formasdistintas (Korn, 1989, p. 221), sendo a avaliação normalmenteconsiderada mais útil e pragmática (Berciano, 2019, p. 121). Naverdade, a avaliação parece ter um carátermais prático ao priorizarpolíticas e questões de atores sociais, ao invés de abordar questõesteóricas abstratas, ou seja, a avaliação de programas visa sobretudoinformar e melhorar os serviços, programas, políticas e discussõespúblicasemcurso(Greene,2000,p.981).DiferençaqueMichaelPatton

Page 87: Livro Museologia e Património - Volume 6 - para capa e ...

MuseologiaePatrimónio–Volume6

85

(2015)tambémdestacaaoafirmarque"ainvestigaçãopodeenvolveroestudo de como tudo funciona. A avaliação de programas envolveestudar como um programa funciona e que resultados obtém parafazerumjulgamentosobreasuaeficácia”(p.43).

A ligação intrínseca entre a noção e os atos de avaliação comquestões políticas é outro fator que não pode deixar de ser tido emconta – seja pelos contextos em que a avaliação se realizahabitualmente, seja por, ao atribuir mérito e valor a programas dedomínio público, ser usada como modo de abordar questões sociaiscríticas.Anívelpolítico,oprocessodetomadadedecisãoécomplexo,mas tem na avaliação um dos possíveis instrumentos para obterinformação. Assim, os seus resultados podem ser usados tanto demaneira instrumental – isto é, como base para tomada de decisão –quanto concetual – quando tais resultados provocam mudanças depensamento e atitude (Weiss, 1998, conforme citado em Mertens &Wilson,2018,p.89). Comotal,aoolharparaasfunçõesdaavaliação,Stufflebeam e Coryn (2014) destacam os seguintes contributos:"melhoria,responsabilização,divulgaçãoeesclarecimento"(p.21).Ouseja,aavaliaçãoterácomofunçõesprincipais:

(a) proporcionar informações durante o desenvolvimento deumprograma,assegurandoasuaqualidadeoumelhorando-o;

(b) comprovaros resultadosdeumprograma, servindo comobaseparaaprestaçãodecontaspublicamente;

(c) disseminar práticas e produtos, e justificar a tomada dedecisão;e,porfim,

(d) servir comoponto de partida para a construção de novasperceçõessobreoassunto.

Nestas concetualizaçõesa figuradoavaliador torna-se centralno processo de avaliação, pois o seu resultado depende não só daescolha de métodos apropriados para atingir os seus objetivos, mastambémdainterpretaçãodosdadosedaformacomosãocomunicados.Érelevantenotarqueaimportânciadoavaliadorcresceàmedidaqueaavaliaçãoseconsolidacomopráticaprofissional.

Page 88: Livro Museologia e Património - Volume 6 - para capa e ...

MuseologiaePatrimónio–Volume6

86

2.1. Necessidades e abordagens no desenvolvimento da práticaprofissional

Como já referido, a base disciplinar6 dos diferentes autores édeterminante para a forma como a avaliação é apresentada naliteratura. No contexto da Educação, por exemplo, Guba e Lincoln(1989, p. 22) compreendem a avaliação como um processo emconstrução,adaptadoaolongodoséculoXXconsoanteasnecessidadesapresentadasnocampo7.Étambémimportantenotararelaçãoentreaconsolidação da avaliação como prática profissional e o

6NocontextodasCiênciasSociais,osestudossobreaavaliaçãodeprogramassociais e políticas públicas relacionados com educação, saúde pública eempregoantecedemaPrimeiraGuerraMundial,tendosidoampliadosapartirdosanos1950(Mertens&Wilson,2018,p.24).Em1976,foramfundadasnosEstadosUnidosduasassociaçõesprofissionaisrelacionadascomapráticadaavaliação.Noentanto,até1995,registam-seapenascincodessasorganizaçõesnacionaise/ouregionaisnomundo:AmericanEvaluationAssociation(AEA),Canadian Evaluation Society (CES), Australasian Evaluation Society (AES),EuropeanEvaluationSocietyeCentralAmericanEvaluationSociety.Em2005,surgiu a primeira organização internacional, chamada The InternationalOrganisation for Cooperation in Evaluation (IOCE) (Stufflebeam & Coryn,2014,p.5).7 Seguindoesta lógica, os autores apresentamquatrogeraçõesdeavaliação:(1) Geração da Avaliação como Medida: avaliação desenvolvida em âmbitoescolarcomoobjetivodemedirodesempenhodosalunos.Nestageração,osavaliadoresassumiamumpapeltécnicoedominavamtodososinstrumentosaplicadosnoprocesso. (2)GeraçãodaAvaliação comoDescrição: nesta faseo/a avaliador/a agregou o papel de descrever ao de medir para conseguircaracterizar padrões de pontos fortes e fracos, de acordo com objetivospreviamentedeterminados.(3)GeraçãodeFormulaçãode JuízosdeValor:oprocesso de avaliação pretendia produzir um julgamento e o/a avaliador/aassumiu, então, o papel de juiz. terá sido nesse momento que surgiram osmodelos baseados em tomadas de decisão e o julgamento passou a sercompreendido como parte integral do processo de avaliação. (4) GeraçãoConstrutivista(ou,aindahermenêuticaeinterpretativa):estageraçãopropôsaavaliaçãocomonegociaçãoeconstrução.Assentenumnovoparadigma,odainvestigaçãoconstrutivista,substituiuomodocientíficoqueguiouasgeraçõesanteriores. Nela, a avaliação é construída com base nas reivindicações,preocupações e questões colocadas pelas partes interessadas, identificadaspelosavaliadoresatravésdainteração(Guba&Lincoln,1989,p.55).

Page 89: Livro Museologia e Património - Volume 6 - para capa e ...

MuseologiaePatrimónio–Volume6

87

desenvolvimento das chamadas normas padrão8, que tornam aavaliaçãoumprocessomaisassertivoeeficiente.Criadaspordiversasorganizações9, estas normas oferecem uma orientação oficial para arealização de ações de avaliação através de padrões e diretrizes quenorteiamo trabalhodopontodevistametodológico,dacondutaedaética do/a avaliador/a, e oferecem parâmetros para examinar aqualidade da própria avaliação10. A partir desta lógica de princípioséticosepadrõesprofissionais(Stufflebeam&Coryn,2014,pp.69-70),o/a avaliador/a é a peça fundamental da avaliação, assumindodiferentespapéis,quevariamnãosódeacordocomasabordagenseosmodelos eleitos, mas também com as fases do processo (Mertens &Wilson, 2018, p. 44-46). Ou seja, a forma como a avaliação édesenvolvida é influenciada por um conjunto de fatores diretamenterelacionados com a maneira como o/a avaliador/a vê e vivencia omundo,ecomasconsequênciassobreoscaminhosqueelegepercorrernesteprocessosistemático.

8Correspondeàtraduçãolivredotermostandards,queéusadoporMertenseWilson(2018,p.25)parareferir-seao“TheProgramEvaluationStandards”,publicadopelo JCSEEem2010.StufflebeameCoryn(2014,p.70)utilizamotermo para referir-se também ao “Guiding Principles for Evaluators”,publicado pela AEA, e ao “Government Auditing Standards”, publicado peloU.S.GovernmentAccountabilityOffice.9A criaçãodessesconjuntosdediretrizes suscitao surgimentodequestões,quevariamdeacordocomosdiferentescontextos.Paraexemplificar,MertenseWilson(2018,p.28)utilizamocasodasdiretrizescriadaspelaTheAfricanEvaluation Association (AfrEA), desenvolvidas para uso em África.Associaçõesdeavaliaçãoemtodoomundotambémdesenvolveramdiretrizesoupadrõesadequadosaosseuspróprioscontextos.10 Tendo em conta que as diretrizes variam de acordo com a origem dodocumento,destacam-seaquiasnormaspadrãoelaboradaspeloJSCEE(2010,s.p.), organizadas de acordo com os cinco atributos principais da avaliação:utilidade, viabilidade, propriedade, precisão e meta-avaliação. No que dizrespeito ao desenvolvimento de orientações destinadas aos avaliadores,salienta-se o “Guiding Principles for Evaluators” (American EvaluationAssociation [AEA], 2018). O documento reúne normas dentro de cincoprincípios que guiam a prática profissional: investigação sistemática,competência,integridade/honestidade,respeitopelaspessoasebens,eaçõescomuns.

Page 90: Livro Museologia e Património - Volume 6 - para capa e ...

MuseologiaePatrimónio–Volume6

88

Avalidadedeumaavaliação está ainda sujeita à competênciaculturaldo/aavaliador/a(Mertens&Wilson2018,p.32),competênciacompreendidacomoum“imperativoético”deacordocomadeclaração“Public Statement on Cultural Competence in Evaluation”. Publicadapela American Evaluation Association, esta declaração admite anegligênciada teoria da avaliaçãono reconhecimentodas influênciasdadiversidadeculturaledospreconceitosculturalmentevinculadosedefineacompetênciaculturalnãocomoumestadoqueseatinge,mascomo

um processo de aprendizagem, desaprendizagem, ereaprendizagem. É uma sensibilidade cultivada aolongo de toda uma vida. A competência culturalrequer consciência de si próprio, reflexão sobre aprópria posição cultural, consciência das posiçõesdos outros, e a capacidade de interagirgenuinamente e respeitosamente com os outros.(AmericanEvaluationAssociation[AEA],2011,p.3)

Ouseja,avalidadedeumaavaliaçãorelaciona-senãosócomo

reconhecimentodacomplexidadedaidentidadeculturaledadinâmicado poder, mas também com a identificação e a eliminação depreconceitos no idioma e a aplicação de métodos culturalmenteadequados.

2.2. EnquadramentoeInter-relaçõesdaAvaliação2.2.1. ParadigmaseConceitos

Partindo do pressuposto de que não há neutralidade (Hein,

1999,p.308),o/aavaliador/aéresponsávelpordefinircomorecolhere utilizar os dados, fazendo-o com base em diversos fatores queindicamquecaminhosaavaliaçãovaitomar.Sendoassim,aavaliaçãoestará assente nas visões de mundo e crenças de quem a realiza,posicionamentosidentificadosnaliteraturacomoparadigma(Mertens&Wilson, 2018, p. 36; Denzin& Lincoln, 2005, p. 55; Guba, 1990, p.17).

Page 91: Livro Museologia e Património - Volume 6 - para capa e ...

MuseologiaePatrimónio–Volume6

89

Estes paradigmas da avaliação baseiam-se num conjunto depremissas filosóficas – axiologia, ontologia, epistemologia emetodologia – que se relacionam de perto com as perspetivas do/aavaliador/a sobre o que considera ser ético, como compreende arealidade, a formacomo interage comos interessadosequalmétodoqueconsideraadequadoparaaavaliação(Mertens&Wilson,2018,p.36). Desta forma, os paradigmas fornecem uma estrutura paraexaminar as diferentes visões de mundo utilizadas atualmente nocampodaavaliação.

Não obstante, o uso dos termosabordagens emodelos émaiscomum,umavezqueocampodaavaliaçãoaindanãofoiexploradodemodo a desenvolver teorias, entendidas como concetualizaçõestestadas com rigor e capazes de guiar procedimentos de avaliação,conduzindoaosresultadosdesejados(Mertens&Wilson,2018,p.40;Stufflebeam&Coryn,2014,p.57).Realça-sequeStufflebeameCoryn(2014) defendem que o termo abordagem é amplo o suficiente paraabranger práticas credíveis ou não de avaliação, enquanto o termomodelo se mostra exigente e restritivo para cobrir algumas ideias11umavezquesetratadeumtrabalhoemconstanteevolução(p.109).

PareceútilreferiraquitambémametáforadaárvorepropostaporChristieeAlkin(2013,p.21)paraapresentarosfundamentoseasabordagens da avaliação (figura 1). A representação apresenta asraízes,apartirdasquaisocampodaavaliaçãoemergiu,eosramosdetrabalho (ou seja, os conceitos), que cresceram a partir deles. Assim,nas raízes encontram-se a responsabilidade social, a investigaçãosocial e a epistemologia, enquanto as abordagens e os modelos daavaliação são organizados de acordo com três conceitos: método,utilidade e valor. A eles, Mertens e Wilson (2018) acrescentam oconceitodajustiçasocial,comoformadetornarapráticadaavaliaçãomaisinclusiva,indoalémdoreflexodotrabalhorealizadonoOcidente,porteóricosbrancos(pp.40-41).

Deste modo, cada um desses conceitos pode ser relacionado,respetivamente, com um dos quatro paradigmas da avaliação que

11 Alkin (2013, p. 14) aponta para dois tipos possíveis de modelos nestecontexto:oprescritivo,quevisaguiarapráticadosavaliadores,servindodeexemplo;eodescritivo,quedescreve,predizouexplicaaavaliação,tendendoaoferecerumateoriaempírica.

Page 92: Livro Museologia e Património - Volume 6 - para capa e ...

MuseologiaePatrimónio–Volume6

90

marcam a atualidade: pós-positivista, pragmático, construtivista etransformador(figura2).

Contudo, asautorasassumemqueas teorias, asabordagenseosmodelos de avaliação envolvem um sistema complexo e, por isso,sugerem umametáfora alternativa em que os ramos deveriam estarnãonumaárvore,masaflutuarnumrio:estametáforanãosópermiteaimbricaçãodaságuas;tambémdemonstraquemuitasforçasentramem jogo para determinar a natureza e os efeitos das diferentescorrentesoceânicas(Mertens&Wilson,2018,p.42).

Figura1Ilustraçãográficadametáforadaárvore

Nota.AdaptadopelasautorasapartirdeMertenseWilson(2018,pp.40-41)

Page 93: Livro Museologia e Património - Volume 6 - para capa e ...

MuseologiaePatrimónio–Volume6

91

Figura2Osparadigmasdaavaliação

Paradigma Conceito Descrição

Pós-positivista Método

Concentra-seprincipalmenteemprojetosedadosquantitativos;podeusarmétodosmistos,masdominamosmétodosquantitativos.

Pragmático Utilidade

Concentra-seprincipalmenteemdadosquesãoconsideradosúteisparaaspartesinteressadas;defensoresdousodemétodosmistos.

Construtivista Valor

Concentra-seprincipalmentenaidentificaçãodemúltiplosvaloreseperspetivasatravésdemétodosqualitativos;podeusarmétodosmistos,maspredominamosmétodosqualitativos.

Transformador Justiçasocial

Concentra-seprincipalmentenospontosdevistadegruposmarginalizados,interrogandoestruturassistémicasdepoderatravésdemétodosmistosparapromoverajustiçasocialeosdireitoshumanos.

Page 94: Livro Museologia e Património - Volume 6 - para capa e ...

MuseologiaePatrimónio–Volume6

92

2.2.2. AsAbordagensnaAvaliaçãodePrograma

Aestepropósitoalgunsdosautoresjáreferidos(Stufflebeam&Coryn, 2014; Mertens & Wilson, 2018) realizaram um exameminuciosoesistemáticodasabordagensdesenvolvidaspordiferentesinvestigadores e utilizadas no campo de estudo. Os dois estudosmencionadosconsideram-seaquicomoumimportantecontributoparaa profissionalização na área, uma vez que organizam diferentespossibilidadesderealizaçãodeumaavaliaçãodeprogramas.

No seu sistema de classificação, Stufflebeam e Coryn (2014)identificam23 abordagensde avaliaçãodeprogramas surgidas entre1960 e 2000, relacionando-as com o grau de juízo de valor que sãocapazesdeproporcionar (p. 111).Estas abordagens foramestudadaspor estes investigadores seguindo como principal lógica adeterminaçãodosseuspontos fortese fracos,eascircunstânciasnasquais cada uma delas pode ser apropriada e útil. Apontadas comoaquelas utilizadas no campo da avaliação atualmente, elas foramseparadas entre cinco categorias: Pseudo-avaliações12, Quase-avaliações, Avaliações de Melhoria/ Accountability, Avaliações deAdvocaciadaAgendaSocialeAvaliaçõesEcléticas.

Sob outra perspetiva, Mertens e Wilson (2018) tambémidentificam 23 abordagens de avaliação, mas utilizam o conceito deparadigmaparaasorganizar (p.42). Importa teremcontaqueousodeste conceito no campo de estudo da avaliação é encontrado notrabalho de Egon Guba (1990), que identificou a utilidade e arelevância dos paradigmas do positivismo, do pós-positivismo, doconstrutivismoedateoriacríticaparaaeducação(pp.20-27).

Assentesnestasreflexões,MertenseWilson(2018)utilizamosparadigmas pós-positivista, pragmático, construtivista etransformador, e os ramos de trabalho a eles associados – método,utilidade,valore justiçasocial,respetivamente–comoestruturaparaclassificareexaminarasabordagensutilizadasnocampodaavaliação,que foram sendo desenvolvidas ao longo da sua consolidação como

12Considerandoqueaavaliaçãodeprogramadeterminaovaloreoméritodoobjetodeestudo,osautoresjulgamilegítimaacategoriaPseudo-Avaliações,jáque deturpam os resultados ao seremmotivadas por objetivos políticos ouprofissionais.

Page 95: Livro Museologia e Património - Volume 6 - para capa e ...

MuseologiaePatrimónio–Volume6

93

disciplina (p. 42). Neste caso, também é realizada uma análisedetalhada do enquadramento das suposições axiológica, ontológica,epistemológicaemetodológicaemcadaparadigma13.

Asfronteirasentreosparadigmaseasabordagensdeavaliaçãoassociadasacadaumdelesnãoparecemserdelimitadasrigidamente,oquepodejustificarosdiferentescritériosutilizadospelosautoresnasformas de organizar o campo da avaliação. Isto explicaria o facto deque, mesmo identificando características semelhantes, Stufflebeam eCoryn(2014)referemasabordagensconstrutivistae transformadoracomo tipos de avaliação da categoria “agenda social e advocacia” (p.191), enquanto Mertens e Wilson (2018) as identificam comoparadigmas, servindo de guarda-chuva para outras abordagens deavaliação(p.129,p.157).

2.3. AAvaliaçãoemInstituiçõesMuseológicas

Nocontextomuseológico,apráticaprofissionaldeavaliaçãoé

reconhecida como tal nos EUA, na década de 1960, num contextopropício de introspeção e prestação de contas publicamente. Seránesse contexto conturbado pós-Watergate que, tal como outrasinstituiçõespúblicas, osmuseus se veempressionados adesenvolverprocessosdeautoavaliaçãodosseusprogramas,anunciandoumanovaeraeoutrosprotagonismos.

A introdução da avaliação nas instituições museológicas teveraízesnosestudossobreocomportamentodospúblicosemexposiçõeseganhouforçasobretudoapartirdosanos1960,nosEstadosUnidos,centrando-se em aspetos educativos, com enfoque nos objetivos deaprendizagem(PérezSantos,2000,pp.25-29).

NaEuropa,emboratardiapelascontingênciassociopolíticasdopós-Segunda GuerraMundial, a incorporação da prática da avaliaçãotambém assumirá um caráter sociológico, voltado para a noção deaccountability. A partir dos anos 1970 assiste-se à sua consolidaçãogeneralizada–sobretudonosEUAenortedaEuropa–relacionando-se com as mudanças socioeconómicas provocadas pelas políticas

13NoRelatóriodeEstágiodeLouisePalma,jámencionado,apresenta-seumasíntesedoenquadramentodassuposiçõesfilosóficasassumidasnoâmbitodecadaumdestesparadigmas.

Page 96: Livro Museologia e Património - Volume 6 - para capa e ...

MuseologiaePatrimónio–Volume6

94

liberais que levaram os museus a assumirem-se plenamente comoinstituições culturais e educativas, mais voltadas para os públicos epreocupadas em prestar contas publicamente (Korn, 1989, pp. 220-221).

Talcomonoutroscontextos,asteoriaseosmétodosutilizadosnaavaliaçãoemmuseustambémprovêmdediversoscamposeforamsendo adaptados para examinar programas, exposições e os seusresultados. Para Randi Korn (1989), “o envolvimento na avaliação einvestigação no contexto do museu mostra um compromisso com opúblico, uma busca de excelência e um desejo de compreender edescreveraexperiênciadomuseu”(p.219).Nestesentido,aavaliaçãoe a investigação fornecem informações que apoiam opções, porexemplo,acercadaprogramação.

Outros autores, como, por exemplo, Graham Black (2005, p.151), salientam que a função principal da avaliação no campo dosmuseuséaferirosresultadosobtidosnosprogramasdeeducaçãoemrelação aos objetivos propostos. Já Hooper-Greenhill (2007) acreditaquemedir o desempenho é uma forma dosmuseus se posicionaremcomolugaresdeaprendizagemnapós-modernidade(p.3).

No entanto, no contexto do pós-museu, Isabel Victor chama aatenção para o paradoxo existente quando se fala de avaliação emmuseus.Paraestaautora,

oparadoxoacontecequandoqueremosdesignaralgoeapalavraqueaparentementemaisseaproximadoquequeremosnomear,nocasoconcretodosmuseus–avaliação–nãoserve,noplanoinstrumental,paracaptaraessênciadarealidadedaacçãomuseológicacontemporânea em toda a sua vocação social,porque, cada vez mais, o termo avaliação é umeufemismo de públicos, espectacularização dopatrimónio e mercantilismo da cultura, que o fazrefém da museologia tradicional. (Victor, 2006, p.105)

Éimportanteteremcontaque,emrespostaàsnecessidadesda

sociedade, o pós-museumodifica as suas abordagens em relação aospúblicos, visando uma melhor compreensão das complexas relações

Page 97: Livro Museologia e Património - Volume 6 - para capa e ...

MuseologiaePatrimónio–Volume6

95

entre cultura, comunicação, aprendizagem e identidade. Além disso,visa trabalhar parapromoveruma sociedademais igualitária e justa,tendonoçãoda sua responsabilidade social e ética na representação,reprodução e constituição de autoidentidades (Hooper-Greenhill,2007,p.1).

Desta forma, a educação – reconhecida como uma funçãoespecializada das instituiçõesmuseológicas desde os finais do séculoXX (Hein, 2006, p. 342) – ganha força na viragempara o século XXI,posicionandoosmuseus comoagenteseducadoresrelevantesparaaconstruçãosocial.Estanovateoriadaeducaçãoemmuseusdebate-secomacomplexa relaçãoentremuseus, conhecimentoe sociedadeeanecessidade de investigar e avaliar a linguagem e as práticas daeducação,refletindocriticamentesobreosseuspressupostoscentraiseconstruindoumavisãomaisética,reflexivaeconsequenteacercadoconhecimento(re)produzidonessesespaços(Semedo,2020).

Desde logo, a avaliação é uma ferramenta que pode serutilizadanãoapenasparaaferirresultados,masquepodetambémserdirecionadaparaarealizaçãodediagnósticos.Argumenta-se,portanto,asuaaplicaçãonoâmbitodaprogramaçãodoserviçoeducativocomoinstrumento de mapeamento do sistema como um todo e das suasinterrelaçõescomoprimeiropassoparaviabilizaraconsciencializaçãoemudançarelativamenteàprogramaçãoeàspráticasinstitucionais.Ocasoquemuitosinteticamenteseguidamenteseapresenta, tevecomoobjetivo central desenvolver uma ferramenta que permitisse umprimeiroolharsobreestarealidade,nocontextoespecíficodaRededeMuseusdeVilaNovadeFamalicão(RMVNF).

3. OcasodaRededeMuseusdeVilaNovadeFamalicão

ARededeMuseusdeVilaNovadeFamalicão(RMVNF)éumaorganização reticular que atualmente reúne 10 museus – Casa deCamilo – Museu. Centro de Estudos, Museu Bernardino Machado,Museu Fundação Cupertino de Miranda - Centro Português doSurrealismo,MuseuNacionalFerroviário-NúcleodeLousado,Museuda Indústria Têxtil da Bacia do Ave,Museu de Cerâmica Artística daFundação Castro Alves, Museu do Automóvel, Museu da GuerraColonial,Casa-MuseuSoledadeMalvar,MuseudeArteSacradaCapelada Lapa – e duas coleções visitáveis –Museu da Confraria da Nossa

Page 98: Livro Museologia e Património - Volume 6 - para capa e ...

MuseologiaePatrimónio–Volume6

96

Senhora do Carmo de Lemenhe e Museu Cívico e Religioso deMouquim.

A Declaração de Princípios assinada em 2012 afirma que aRede atua como uma zona de intersecção entre as unidadesmuseológicasqueacompõem,servindo-lhesdeapoioepromovendoadinamização através de uma série de atividades. Embora partilhementre si o mesmo território, estas instituições têm tutelas, níveis degestãoetipologiasdecoleçõesdiferentes,mantendoumaprogramaçãoindependentenoquedizrespeitoaatividadeseducativas.

Importa ressaltar que a avaliação diagnóstica desenvolvida eaplicada no estudo de caso aqui apresentado, surgiu de umanecessidade da RMVNF que procurava responder à mudança deparadigma proposta em 2018 (Rede de Museus de Vila Nova deFamalicão,2019,p.12).Peranteaperspetivadeelaborarumapolíticade educação, era fundamental que a instituição construísse umolharmaisglobal sobreaspráticasdo serviçoeducativodas suasunidadesmuseológicas. Acredita-se que ao fazê-lo, é possível identificar asconexões entre as diferentes partes do sistema, de maneira afundamentarestratégiasfuturasparaotrabalhoemrede.

3.1. Metodologia

Aavaliaçãodiagnósticapropostatevecomobaseametodologia

de avaliação de programa proposta porMertens eWilson (2018, pp.209-334) e moveu-se entre modelos e abordagens encontrados naliteraturaespecializada,demaneiraapoderserutilmenteadaptadaeaplicadaàavaliaçãodeaçõesnoâmbitodoserviçoeducativodaRede.Para isso, foram traçados objetivos gerais e específicos querespondessem às questões que orientaram o desenvolvimento doestudo(figura3).

Optou-se por um desenho de métodos mistos simultâneos(Creswell, 2014, p. 231) para a recolha simultânea dos dadosquantitativos e qualitativos, com traços de um desenho etnográfico(Creswell, 2014, p. 14) com o foco nas experiências pessoais, nasatividades diárias e no contexto social do quotidiano a partir daperspetivadosparticipantes.

Page 99: Livro Museologia e Património - Volume 6 - para capa e ...

MuseologiaePatrimónio–Volume6

97

Figura3Objetivosgeraiseespecíficostraçadosapartirdasquestõesdaavaliação

Questõesdepartida ObjetivosGerais Objetivos

Específicos

Qualopapeldaavaliaçãodiagnósticanamelhoriadoserviçoeducativoenaarticulaçãonocontextodeumarededemuseus?

Desenvolverumametodologiadeavaliaçãodiagnósticavoltadaparaoâmbitodoserviçoeducativo.

Perceberpotencialidades,oportunidades,fraquezasevulnerabilidadesnoâmbitodoserviçoeducativo.

OquesefazemtermosdeserviçoeducativonaRMVNF?

Providenciarumdiagnósticodasatividadesdeeducaçãoplaneadaseimplementadasem2019.

Mapear“oque”,“quando”,“porquem”e“quaisosrecursosutilizados”narealizaçãodasatividadesserviço.

Qualoperfildosmediadores-educadoresqueatuamnosmuseusdaRMVNF?

Traçaroperfildoscolaboradores/mediadores-educadoresqueatuamnoserviçoeducativo

Traçaroperfilsociodemográficodosmediadores-educadores

ComoéqueoserviçoeducativodosmuseusdaRMVNFsearticulaousepodearticularentreasinstituiçõeseaprópriarede?

CompreenderospontosdeintersecçãoentreasinstituiçõesdaRMVNF.

Procuraramudançadepensamentoeatitudes,inspirandoaçõesnestesentido.

Alémdisso,apropostaédeumdesenhocíclico,sugerindoquea

avaliaçãoéumprocessocontínuo.Ouseja,o retornodoresultadodeuma avaliação ao início do ciclo providencia informações relevantesaos seus participantes, apoiando a tomada de decisão e procurando

Page 100: Livro Museologia e Património - Volume 6 - para capa e ...

MuseologiaePatrimónio–Volume6

98

motivar a mudanças de pensamento e atitudes (Mertens & Wilson,2018, p. 328). Entende-se queoParadigmaTransformador serviudeinspiração a este estudo ao procurar métodos abertos e dialogantescomaspartes interessadas, ambicionandomotivar asmudançasnaedaprática.

A presente avaliação diagnóstica desenvolveu-se em quatrofases.

Um primeiro momento foi dedicado à compreensão dasparticularidades da avaliação como metodologia de pesquisa,definindo-seaamostra.

Asegundafaseapostounacriaçãodosinstrumentosderecolhadedados,desenvolvendoumafichadediagnósticoapartirdafichadelevantamentode atividadesutilizadapeloObservatóriodeEducaciónPatrimonial en España para o levantamento dos dados relativos àsatividades planeadas e realizadas. Cada item da ficha foi criado (ouadaptado)pararesponderàsquestõescolocadaspelaavaliaçãosobrecada atividade do serviço educativo. Para traçar o perfilsociodemográfico dos colaboradores responsáveis pela elaboraçãoe/ou execução das atividades de serviço educativo mapeadas peloestudo, foi desenvolvido um inquérito online com 15 questões,administradoatravésdaferramentaGoogleForms.Arealizaçãodestetrabalhonoâmbitodeumestágiocurricularpermitiuaaproximaçãoeconvivênciacomasequipasdetrabalho,fatorfundamentalparaqueosprofissionaisseenvolvessemativamente,compreendendo-ocomoumprojeto coletivo. No decorrer deste estágio, foi possível conhecer osespaços das unidades museológicas e acompanhar algumas dasatividadesrealizadaspeloserviçoeducativodosdiferentesmuseusdaRede.As impressõesforamapontadasnumdiáriodebordo(figura4)que complementou a recolha de dados.Haverá ainda que salientar ocontextoemqueoestudoserealizouequeserefletenumdesenhoqueteveemconta,porexemplo,aspetosrelativosàgestãopúblicadaRedeeàsparticularidades logísticasdecorrentesdadistribuiçãogeográficadasunidadesmuseológicas.

Page 101: Livro Museologia e Património - Volume 6 - para capa e ...

MuseologiaePatrimónio–Volume6

99

Figura4ExemplosdosapontamentospessoaisnodiáriodeLouisePalma

Page 102: Livro Museologia e Património - Volume 6 - para capa e ...

MuseologiaePatrimónio–Volume6

100

Page 103: Livro Museologia e Património - Volume 6 - para capa e ...

MuseologiaePatrimónio–Volume6

101

A recolha de dados que ocupa a terceira fase, dividiu-se em

duas etapas. Primeiro, preencheram-se parcialmente as fichas dediagnósticocombasenasinformaçõesrecolhidasapartirdarevisãodedocumentos relacionados14. Já a etapa seguinte aconteceria emcontacto direto com os colaboradores, visando complementar opreenchimento das fichas de diagnóstico e recolher informações decarátersociodemográfico.Contudo,peranteasrestriçõesimpostaspelapandemiadoCovid-19estaetapaviriaasofreradaptações.Oimpactonarecolhadedadosapenasincidiusobreumprofissionalporunidademuseológica que foi contactado através de chamadas de vídeo e/ouáudio e a revisãodas fichasporpartedos colaboradores foi tambémrealizadaàdistância.

Porfim,todososdadosrecolhidosforamsistematizadosnumabase de dados em excel no Google Sheets, servindo de base para arealização da análise. No caso dos dados oriundos das fichas dediagnóstico, foram criadas categorias gerais de análise, baseadas nasquestões que orientaram a elaboração do instrumento: descrição daatividade, conceção e planeamento da atividade e realização daatividade(figura5).

Criou-se ainda uma nova categoria para incluir lacunasidentificadasnesseprocesso.Estascorrespondemaperguntasquenãoforam respondidas pela inexistência (a) de documentação, já quenenhuma das instituições tinha o processo histórico das suasatividadesorganizado;(b)deregisto,lacunaevidentenaanáliseacercada realização das atividades, tanto ao nível dos procedimentos, nãosendo o registo das atividades uma prática recorrente , quanto dosresultados, identificando-se uma falta de unidade nos critérios pararegistarvisitanteseonúmerosdesessões,impossibilitandoaprecisãodosdadose/oualeituraqualitativadosdados;(c)deanálise,umavezque a maior parte das atividades não foi avaliada, seja porque aavaliaçãonãoéconsideradapartedaelaboraçãodasatividades.

14 Planos de Atividades Educativas, relatórios anuais elaborados pelasinstituições,documentosinternosdegestãocedidospelaRMVNFesítioswebdasinstituiçõesmuseológicas.

Page 104: Livro Museologia e Património - Volume 6 - para capa e ...

MuseologiaePatrimónio–Volume6

102

Figura5CategoriasdeAnálisecomBasenasQuestõesOrientadorasdaFichadeDiagnósticoDESCRIÇÃODAATIVIDADE

CONCEÇÃOEPLANEAMENTODA

ATIVIDADE

REALIZAÇÃODAATIVIDADE

Oqueé?Qualohistorialdaatividade?

Quandoacontece?Qualéasuatipologia?Quetemasaborda?Paraquemsedestina?Comoéoferecida?Quantocustaparaovisitante?Quantocustaparaainstituição?Quaisconceitosaborda?Quaisosseusobjetivos?Quemodelosdeaprendizagemsãoutilizados?Comosejustificaoseuplaneamento?Quemfaz?Comoédivulgada?Comquerecursoséplaneada?Quemétodosinterpretativospretendeutilizar?Quedomíniosdeaprendizagemprivilegia?

Comoédesenvolvida?Ondeérealizada?Quemexecuta?Oqueproduziu?Queresultadosatingiu?Quantaspessoasatendeu?Quepúblicosatendeu?Quantassessõesforamrealizadas?Comquerecursosérealizada?

METODOLOGIADEDOCUMENTAÇÃO,REGISTOEANÁLISEDAATIVIDADE

Page 105: Livro Museologia e Património - Volume 6 - para capa e ...

MuseologiaePatrimónio–Volume6

103

A interpretação dos dados baseou-se também numa análise

comparativadasinformaçõescoletadascomabibliografiaconsultada,as conversas com os colaboradores durante a recolha dos dados e avivência durante o período de estágio. Os resultados obtidos foramsintetizadosnumaanáliseSWOT(figura6).Figura6AnáliseSWOTdosResultadosdaAvaliaçãoDiagnósticarealizadano

âmbitodoserviçoeducativodaRMVNF

3.2. Algunsresultadosobtidos

Responderamaoinquérito19dos30colaboradoresinquiridose foi possível constatar que as equipas são formadas,predominantemente,porprofissionaisdogénerofeminino(68,4%),denacionalidadeportuguesa,queresidemnosdistritosdeBraga(68,4%)e do Porto (21,1%). É um grupo heterogêneo no que diz respeito àfaixaetária, jáque84,2%têmidadesentreos31eos60anos–dadoque sugere experiência, estabilidade profissional e carreirasminimamente consolidadas.Apesarde73,7%dos funcionários terem

Page 106: Livro Museologia e Património - Volume 6 - para capa e ...

MuseologiaePatrimónio–Volume6

104

cursado o ensino superior, apenas 15% apresentam formaçãorelacionadacomaMuseologiaeoPatrimónio.

Nas 10 unidades museológicas, predominam a tutela pública(60%) e a gestão municipal (40%) e tal reflete-se, por exemplo, napredominância dos contratos por tempo indeterminado e nos cargosocupados – que correspondem, na sua maioria (73,7%), a carreirasgeraisda funçãopública.No entanto, aomesmo tempoqueosdadosindicam estabilidade, também indicam uma mobilidade internareduzida.

Aferiu-seaindaqueamaiorpartedasinstituiçõestêmequipasdeserviçoeducativoformadasporumaquatrocolaboradores(figura7),quedividemoseutempocomoutrasfunçõesmuseológicas(figura8).Ouseja,falamosdeequipasreduzidasemultifuncionais.

Através das fichas de diagnóstico, foram identificadas 94atividades planeadas em 2019 (figura 9).É interessante notar que65,9% dessas atividades se concentram em apenas três instituições,comrelevâncianaatuaçãocomacomunidadenaáreaeducativa. Istoreflete um serviço educativo com maior experiência e melhorestruturado, tanto a nível de equipa, quanto de planeamento; ematividadesmaisdiversas;enumadivulgaçãomaiseficaz.

Umpontoemcomuméquenenhumadas10instituiçõespossuiuma política de educação, confirmando os dados fornecidos pelo“Panorama Museológico em Portugal”. Segundo o relatório, aformalizaçãodoserviçoeducativoépouco frequentenas instituições,tantoemdocumentosfundadoresquantonosdocumentosdegestão–"como a lei orgânica (para os serviços da Administração Central),regulamentos (obrigatórios) e estatutos (não obrigatórios)" (Neves,Santos&Lima,2013,p.83).

Das 94 atividades planeadas, 15 não foram realizadas. A nãorealizaçãodestasatividadesfoiatribuídaàfaltadeadesãodopúblico,argumento que conduziu à reflexão sobre a forma como estas foramdivulgadas. Verificou-se a predominância do sítio web de cadainstituiçãoparaadivulgaçãodasuaprogramaçãodoserviçoeducativo(figura 10). No entanto, a falta de procura por parte dos públicostambém foi atribuída a fatores externos, como a suspensão dotransporte providenciado pela Câmara Municipal para transportargruposescolaresaosmuseus.

Page 107: Livro Museologia e Património - Volume 6 - para capa e ...

MuseologiaePatrimónio–Volume6

105

Figura7Númerodecolaboradoresqueatuaramnoserviçoeducativoem2019

Figura8Áreasdeatuaçãodoscolaboradoresparaalémdoserviçoeducativo

Page 108: Livro Museologia e Património - Volume 6 - para capa e ...

MuseologiaePatrimónio–Volume6

106

Figura9Númerodeatividadesidentificadasnoserviçoeducativo,porinstituição

Figura10Frequência de utilização dosmeios de comunicação na divulgação dasatividades

Por outro lado, nas 79 atividades realizadas foi possível

identificar uma forte ligação com os públicos escolares. Essa ligação

Page 109: Livro Museologia e Património - Volume 6 - para capa e ...

MuseologiaePatrimónio–Volume6

107

ficamuito clara, por um lado, na tipologia das atividades oferecidas,destacando-se as visitas orientadas para escolas (figura 11), e, poroutro,narelaçãodasuacalendarizaçãocomoanoescolar(figura12).Essa presença dos públicos escolares realça a consolidação da visãodas instituições da RMVNF como lugar de aprendizagem e elo deligaçãocomacomunidadeecomoterritório.

Figura11TipologiadasatividadesoferecidaspelosmuseusdaRMVNFem2019

Figura12Periodicidadecomqueaatividadefoiprogramada

Page 110: Livro Museologia e Património - Volume 6 - para capa e ...

MuseologiaePatrimónio–Volume6

108

Ao olhar para os tipos de público contemplados pelaprogramação, nota-se que é muito comum que as atividades sejampensadas para serem adaptadas ou servirem a "todos os públicos”.Aindaassim,o ciclobásicoganhamais atençãonaprogramação–ouseja, há um direcionamento para um público entre 6 e 14 anos, quevisitaomuseuemcontextoescolar.

Paraalémdisso,destaca-sequeospúblicoscomnecessidadesdeapoioàaprendizagemaparecememapenas10,6%dasatividadesetrês instituições museológicas, as minorias sociais não sãoconsideradas, e os visitantes com necessidades específicas sãoconsideradosem39%dasatividadesapresentadascomo“adaptáveis”por ser possível contornar barreiras físicas, sociais e intelectuaisimpostasaosvisitantes.

Noqueserefereàslacunasrelacionadascomainexistênciademetodologias de avaliação nas instituições, destaca-se a falta dedocumentação sobre o desenvolvimento de programas, de registo devisitantes e do número de sessões realizadas também apresentavafalhas,etc.dasatividadesdoserviçoeducativo.Vistoquenenhumadasinstituiçõesinquiridastinhaessesdadosdisponíveis,estetrabalhotevecomo resultado imediatamente visível a recolha sistemática eorganizaçãodedadossobreasatividades,contribuiçãonecessáriaparaa implementaçãodeboaspráticas.Restadizerqueamaiorpartedasatividadesnãofoisujeitaaqualquertipodeavaliação,sejaporquenãoécompreendidacomofazendopartedoprograma,sejaporquefaltamcompetências neste domínio, sendo esta, portanto, uma fase detrabalhopoucovalorizada.

Outrospontosquemerecematençãoreferem-seàcarêncianodomínio de algumas componentes teóricas do campo damuseologia,que se atribuem à falta de uma formação especializada das equipas.Alémdisso,oorçamentodestinadoaoserviçoeducativoaindaépoucorepresentativorelativamenteaoutrasáreas,eafaltadeautonomiadosprofissionaisemrelaçãoaoinvestimentoénotória,exigindodaequipamuitaflexibilidade,qualidadequedeveráserconsideradacomoaspetomarcanteepositivo.Porfim,nota-seumisolamentodasatividades,jáqueraramenteseencontramarticuladasemrede,nãofazempartedeprogramas educativos nem de parcerias. Ou seja, apesar de estaremintegradosnumaorganização reticular, os serviços educativosdessesmuseuspoucosearticulam.

Page 111: Livro Museologia e Património - Volume 6 - para capa e ...

MuseologiaePatrimónio–Volume6

109

4. Consideraçõesfinais

A realização da avaliação diagnóstica no âmbito dos serviços

educativos da Rede de Museus de Vila Nova de Famalicão permitiuperceber(1)aconstituiçãodasequipasdecadaunidademuseológica,traçando um perfil dos colaboradores que atuam comomediadores-educadorese(2)dequeformaasatividadesplaneadasnoanode2019impactaram no trabalho das instituições, no que diz respeito aoinvestimentodetempoederecursosfinanceiros,humanosemateriais.Neste caso, a problemática esteve assente em questões como: "Queatividadesforamplaneadaserealizadas?","Porquem?","Paraquem?","Como?", "Quando?", "Com quais recursos?", para cujas respostasforamdesenvolvidosuma fichadediagnósticoeum inquéritoonline,cujosdadosforamanalisadosqualitativamenteequantitativamente.

Considera-se que os resultados obtidos demonstram que aintegraçãodaprática recorrenteda avaliaçãonoâmbitoda educaçãoemmuseuséurgente.Nestesentido,aavaliaçãodiagnósticamostra-secomo ummétodo vantajoso no contexto museológico ao possibilitarque uma organização seja vista na totalidade. Trata-se de umaferramentaquepermitenão só conhecer,mas reconheceroquevemsendofeitonoâmbitodaeducação.Nocasoapresentado,osresultadosapresentados serviram como ponto de partida para a mudança deatitudeeperceçõessobrearelevânciadaavaliaçãocomoumapráticacoletiva a realizar no contexto museológico e à sua integração noquotidianodasequipascomoformadefundamentarprocedimentosepromovermelhoriasnoserviçoeducativo.

Esta proposta de uma reflexão na ação com ação, tendo emvista um impacto concreto na realidade, adaptou uma abordagemdeavaliação de programa para desenhar e testar uma avaliaçãodiagnóstica que se apoia nos conceitos discutidos pela revisão deliteratura.Aotestarumaabordagemdeavaliação,odesenhoapropria-sedaquiloquemelhorseencaixanosseuspropósitosparaatingirosobjetivostraçados.Emrelaçãoàabordagemmetodológicaaplicadanoestudo de caso, realça-se a importância: (1) do acompanhamento noterreno de um membro da equipa que atuou como moderadora eacompanhou de perto o processo de implementação e os ajustesnecessáriosparachegaraomodelodeavaliação;e(2)dacolaboração

Page 112: Livro Museologia e Património - Volume 6 - para capa e ...

MuseologiaePatrimónio–Volume6

110

indispensável dos participantes da avaliação, que contribuíram demaneira relevante para a produção de algumas questões e semostraram abertos ao estudo proposto. Interessa ainda realçar arelevância da utilização do diário da mestranda como espaço dereflexãoacercanãosódosconceitos,masprincipalmentedaspráticasmuseológicas.

Sabendo-se que este processo de adaptação faz parte daconstrução da metodologia, a ficha de diagnóstico poderá sermodificadacomointuitodemelhorseadaptaradiferentesinteressese facilitar o alcance dos objetivos propostos pela avaliação, podendoservirdebaseparaoutrasavaliaçõesdiagnósticas.

Por fim, importa destacar que houve condicionantes própriasao processo de trabalho – como a inexistência de um glossário emlínguaportuguesanodomíniodaavaliaçãoaplicadaàMuseologiaeanecessidadede adaptaçãono que diz respeito à recolha de dados nocontextodapandemia.

ReferênciasAires, L. (2011). Paradigma qualitativo e práticas de investigaçãoeducacional. Repositório Aberto da Universidade Aberta.http://hdl.handle.net/10400.2/2028.Alkin,M.C.(2013).Comparingevaluationpointsofview.InAlkin,M.C.(Ed.). (2013).Evaluation roots: A wider perspective of theorists’ viewsandinfluences,pp.13-19.SagePublications(2ªed.).AmericanEvaluationAssociation.(2011).Publicstatementonculturalcompetence in evaluation. Fairhaven: Author.https://www.eval.org/ccstatement.American Evaluation Association. (2018). American EvaluationAssociation Guiding principles for evaluators: 2018 Updated guidingprinciples.https://www.eval.org/p/cm/ld/fid=51.Black, G. (2005). The engaging museum: Developing museums forvisitorinvolvement.Londres:Routledge.

Page 113: Livro Museologia e Património - Volume 6 - para capa e ...

MuseologiaePatrimónio–Volume6

111

Camacho, C. F. (2007). Serviços educativos na Rede Portuguesa deMuseus: Panorâmica e perspectivas. In Barriga, S., & Silva, S. G.(Coord.).ServiçosEducativosnaCultura.(pp.26-41).Porto:Setepés.CâmaraMunicipaldeVilaNovadeFamalicão.(2018).RededeMuseusde Vila Nova de Famalicão: a nossa identidade, o nosso futuro[brochura].Creswell, J. W. (2014). Research design: qualitative, quantitative, andmixedmethodsapproaches(4thed.).LosAngeles:SagePublications.Christie,C.A.,&Alkin,M.C.(2013).Anevaluationtheorytree.InAlkin,M. C. (Ed.). (2013).Evaluation roots: A wider perspective of theorists’viewsandinfluences,pp.20-64.SagePublications(2ªed.).Denzin, N. K. & Lincoln, Y. S. (Eds.) (2005).Handbook of qualitativeresearch.(3ªed.).ThousandOaks:SagePublications.Denzin,N.K.,&Lincoln,Y.S.(2018).TheSageHandbookofqualitativeresearch.(5ªed.).ThousandOaks:SagePublications.Greene, J. C. (2000). Understanding social programs throughevaluation. In: Denzin, N. K. & Lincoln, Y. S. (Eds.). Handbook ofqualitative research (2ª ed.), (pp. 981-1000). Thousand Oaks: SagePublications.Guba, E. G. (1990). The paradigm dialog. In Alternative ParadigmsConference,Mar, 1989, Indiana U, School of Education. São Francisco:SagePublications.Guba, E. G., & Lincoln, Y. S. (1989). Fourth generation evaluation.NewburyPark:SagePublications.Hein, G. E. (1999). Is meaning making constructivism? Isconstructivism meaning Making? The Exhibitionist, 18(2), 15-18.http://www.george-hein.com/downloads/Hein_isMeaningMaking.pdf.

Page 114: Livro Museologia e Património - Volume 6 - para capa e ...

MuseologiaePatrimónio–Volume6

112

Hein,G.E.(2006).MuseumEducation.InMacdonald,S.(Ed.)(2006).Acompaniontomuseumstudies(pp.340-35).Oxford:Blackwell.Hooper-Greenhill,E.(Ed.).(1991).Writingamuseumeducationpolicy.UniversityofLeicester,DepartmentofMuseumStudies.Hooper-Greenhill, E. (2007). Museums and Education: Purpose,Pedagogy,Performance.Londres:Routledge.Joint Committee on Standards for Educational Evaluation (2010).Program Evaluation Standards.https://evaluationstandards.org/program/.Korn,R.(1989).IntroductiontoEvaluation:TheoryandMethodology.In:Berry,N.&Mayer, S.M. (Eds.).Museumeducation:history, theory,and practice. (pp: 219-238). Reston: National Art EducationAssociation.Lincoln, Y. S., Lynham, S. A., & Guba, E. G. (2015). Paradigmaticcontroversies,contradictions,andemergingconfluences,revisited.TheSagehandbookofqualitativeresearch,5,213-263.Mertens,D.M. (2009).TransformativeResearchandEvaluation.NovaYork:TheGuilfordPress.Mertens,D.M.,&Wilson,A.T.(2018).Programevaluationtheoryandpractice.NovaYork:GuilfordPublications.Neves,J.S.,Santos,J.A.,&Lima,M.J.(2013).OPanoramaMuseológicoem Portugal: Os Museus e a Rede Portuguesa de Museus na PrimeiraDécada do Século XXI. Direção-Geral do Património Cultural.http://www.patrimoniocultural.gov.pt/static/data/publicacoes/opanoramamuseologicoemportugal_bq.pdf.Patton, M. Q. (2015). Qualitative research and methods: Integratingtheoryandpractice.ThousandOaks:SagePublications.

Page 115: Livro Museologia e Património - Volume 6 - para capa e ...

MuseologiaePatrimónio–Volume6

113

PérezSantos,E.(2000).Estudiodevisitantesenmuseos:metodologiayaplicaciones.Gijón:Trea.Semedo,A.(2020).BorderPedagogyandEmpowermentEducationinMuseums. InAlonsoTak, A. e Pazos-López, A. (2020). SocializingArtMuseums.Berlin/Munich/Boston:DeGruyte.Semedo, A. (2019). Toolbox: Museus. Património. Educação.(Documento não publicado). Porto: Faculdade de Letras daUniversidadedoPorto.Stufflebeam,D.L.,&Coryn,C.L.(2014).Evaluationtheory,models,andapplications(2ªed.)SãoFrancisco:Jossy-Bass.Tarsilla,M. (2010). Inclusivenessandsocial justice inevaluation:Canthe transformativeagendareallyalter thestatusquo?AconversationwithDonnaM.Mertens.JournalofMultiDisciplinaryEvaluation,6(14),102-113.https://journals.sfu.ca/jmde/index.php/jmde_1/article/view/281/280.Trochim, W. M. K. (1998). An evaluation of Michael Striven’s“Minimalist theory: the least theory thatpractice requires”.AmericanJournal of Evaluation, 19(2), pp. 243-249.https://doi.org/10.1177/109821409801900211.Victor, I. (2006). O paradoxo do termo avaliação em museus. umproblema da maior relevância para a museologia contemporânea.Cadernos De Sociomuseologia, 25(25).https://revistas.ulusofona.pt/index.php/cadernosociomuseologia/article/view/426.

Page 116: Livro Museologia e Património - Volume 6 - para capa e ...

MuseologiaePatrimónio–Volume6

114

MUSEUS,MITOS,ESPAÇOSDEFRONTEIRA:

ATRAVESSAMENTOS

TeresaCristinaScheinerUniversidadeFederaldoEstadodoRiodeJaneiro,Brasil

https://orcid.org/0000-0002-3361-109X

Tumedissesteque,quandoseacreditaque

umarelíquiaéverdadeira,sente-seoseuperfume.

(UmbertoECO.Baudolino,p.248)1.Introdução

Recebemosháalgunsdias,atravésdePerRekdal,companheiro

demuitosanosemembrohonoráriodoICOM,anotíciadofalecimento,aos97anos,deKennethKaunda,heróinacionaleprimeiropresidentedaZâmbia independente.Atuandodesdeos anos1940na vanguardada luta pela libertação do domínio britânico, Kaunda fundou oCongressoNacionalAfricanoda Zâmbia e veio a chefiar o PartidodaIndependência Nacional Unida (United National Independence Party -UNIP),ondeadotouedisseminoutáticasdedesobediênciacivil.Comaindependência da Zâmbia, em 1964, lograda sem derramamento desangue, tornou-se presidente do país. Durante sua gestão lutou pelodesenvolvimento da Zâmbia e incentivou as boas relações com ospaíses vizinhos, participandode tentativas para acabar coma guerracivilemAngola15.Muitopopular,ficoureconhecidocomopacificador16,

15 Kenneth David Kaunda (★ Lusaka, 28.04.1924 / ✚ 17.06.2021) foi oprimeiropresidentedaZâmbiaapósaindependênciadopaísdoReinoUnido.Envolveu-se na luta pela independência desde os anos 1940, quando o paíseraconhecidocomoRodésiadoNorte.Governouentre1964e1991.Em1972,devido a surtos de violência tribal e interpartidária, fez uma emenda àConstituição, que se sucedeu à Declaração de Choma, proibindo todos ospartidos políticos, exceto a UNIP. Foi responsável pela aquisição de

Page 117: Livro Museologia e Património - Volume 6 - para capa e ...

MuseologiaePatrimónio–Volume6

115

comocomprovamsuaspalavrasnumdiscursodecampanha, feitoem1991: “Paz, unidade, amor. Uma Zâmbia, uma nação. É nisto que euacredito e é istooque temos.Olhemao redordaÁfrica, oquevocêsveem?Fome.Guerra.Caos.VejamseuspobresirmãosnoZaire,Angola,Moçambique,Etiópia,Uganda.Zâmbiaestáempaz,enãoaospedaços”17.

Tivemosasortedeconheceresteimportantelíderem1990,aovisitar a Zâmbia com o ICOFOM, para debater as relações entreMuseologia e oMeioAmbiente.O evento, realizado emLivingstone eMfwe, incluiudebates comosministrosdegoverno, visitasamuseustradicionais, sítios arqueológicos, reservas de animais selvagens ealdeiasemprocessodemusealização;eculminoucomumjantaroficialcomoPresidente,emsuaresidênciaemLusaka.Interessadoemnossotrabalho, Kaunda nos fez muitas perguntas e revelou interesse emestreitar laços com o ICOM, para o desenvolvimento de projetosligadosaosmuseuseaopatrimônio18.

participaçõesmajoritáriasemimportantesempresasestrangeiras.Acrisedopetróleode1973eumaquedanasreceitasdeexportaçãocolocaramaZâmbiaem situação de crise econômica. A pressão internacional forçou Kaunda amudarasregrasqueomantinhamnopodereeleterminouporsersubstituídoem 1991 por Frederick Chiluba, líder do Movimento para a DemocraciaMultipartidária, eleito naquele ano.Mas permaneceu lembrado com carinhopela população, por sua atuação como libertador e por ter mantido aestabilidade no país durante se governo. In:https://pt.wikipedia.org/wiki/Kenneth_Kaunda.Acessoem26.06.2021;16 Alguns o conheciam como "o Gandhi africano" pelo seu ativismo nãoviolentoeporterconduzidoaantigaRodésiadoNorteàindependência,semderramamento de sangue. In: Agencia Luisa, 18.06.2021. In:https://www.dw.com/pt-002/l%C3%ADderes-africanos-lamentam-morte-de-kenneth-kaunda/a-57949394.Acessoem28.06.2021.17“Peace,unity,love.OneZambia,onenation.ThatiswhatIbelieveandthatiswhatwe have. Look around Africa, what do you see? Starvation.War. Chaos.Look at our poor brothers in Zaire, Angola, Mozambique, Ethiopia, Uganda.Zambia is at peace, not in pieces.” In:https://www.legacy.com/news/celebrity-deaths/kenneth-kaunda-1924-2021-zambias-former-president-and-liberator/.Acessoem28.06.2021.18O sucessodesse complexoprograma resultoudaeficáciaorganizadoradeManiandoMukela,membro do ICOFOM e, naquelemomento, Presidente doComitêNacionaldo ICOMnaZâmbia.Oevento, realizadonummomentoem

Page 118: Livro Museologia e Património - Volume 6 - para capa e ...

MuseologiaePatrimónio–Volume6

116

AhistóriadeKaundanosfazrelembraralgumasdimensõesdoMuseu:asuaestreitarelaçãocomomito;suaimportâncianodiscursodahistoria;aparticipaçãonavidacomunitária;arelaçãoentremuseuse movimento contra-colonial. E nos faz lembrar, também, o quantotodasessasdimensões,aindaquenãogeradasemtemporecente,sãoatuaisepertinentesaodebatecontemporâneo.

2.OdiscursodaHistóriaeomitopolíticonoMuseu

Iniciemos pelas relações entre o Museu e o Mito, indicando

mais uma vez como essas relações podem impregnar o discurso dahistória.

Emseubrilhantelivro“MitologiadoMuseu”,BernardDeloche(2010)fazumaapreciaçãocríticadasrelaçõesentreaideiadeMuseuno contexto do pensamento ocidental e os mitos e ideologias daModernidade. Apresentando como lócus de gênese do museu astransformaçõeséticaseepistêmicasderivadasdaRevoluçãofrancesa,lembra que a “instituição museu” se desenvolve no âmbito de umaideia de “cultura” considerada como bem do Estado (ainda que bemsimbólico, dotado de valor monetário). Nesse contexto, o museu seapresenta como “realidade social concreta, beneficiando-se doreconhecimento público referendado pelo sistema legislativo”19(Deloche2010,p.9.[Trad.Nossa])-oqueotornariasímiledaescolaedeoutrasinstituiçõesequivalentes.

Deloche recorre à teoria do mito de Roland Barthes20,fundamentadanoconceitomarxistadeideologia21comorepresentaçãodeformadaeilusóriadarealidade,semautonomia,baseadanoaspectointelectual e abstrato das coisas. E lembra que, ainda que a fala domitólogosejaumametalinguagem,elacriamundossimbólicosplenosde significações. Neste sentido, poderia existir uma mitologia do

queapresidênciadoICOMeraexercidaporumafricano,tambémmembrodoICOFOM (Alpha Oumar Konaré, do Mali), transformou-se, para todos osparticipantes, numa experiência inesquecível. Em 2010, Mukela recebeu otítulodeMembroHonoráriodoICOM,pelosserviçosprestadosàOrganização.19 Le musée est une institution, c’est-à-dire une réalité sociale concrètebénéficiantd’unereconnaissancepubliquecautionnéeparlesystèmelégislatif.20Barthes,R.Mythologies.Paris,LeSeuil,1957.21Marx,K.,Engels,F.AIdeologiaAlemã[1845-46].

Page 119: Livro Museologia e Património - Volume 6 - para capa e ...

MuseologiaePatrimónio–Volume6

117

Museu;outalvezumautopiadoMuseu,seconsiderarmosqueutópicosignifica, etimologicamente, sem lugar. Mas ao fazer uma leitura domito,DelocheindicaqueainstanciaemqueverdadeiramenteseinsereoMuseuéadeuma“ucronia”22,ouseja,umarepresentaçãoa-históricadoreal.

Em trabalhos anteriores23 já havíamos utilizado argumentosimilaraoescreversobreaideiadeMuseunopensamentoocidental24,fazendoumaapreciaçãocríticadasrelaçõesentreoMuseueoMito,apartir deBarthes.OMito estápresenteno âmbitodoMuseudesde agênese mesma do fenômeno, estendendo-se às suas diferentesrepresentações;elealiseinstalaeserevelacomolinguagem,gerandouma fala reificada que muitas vezes se sobrepõe aos fatos reais,ocultando-osoudiminuindoasuapotencia.

Esta relação se dáde forma complexa, emdiversosníveis, oucamadasrelacionais:

a) na primeira, o Museu e atuado como espaço ideal para amanifestaçãodomito,sejaqualforaformaporesteassumida;espaçoritual,permiteaosujeitotranscenderseuslimites,“situando-seaoladodosdeusesedosheróismíticos”(Scheiner1998,p.27;2008,p.62)etambémde todososque impregnaramsuasrespectivascoletividadescomatostransformadorese/ouvisõesimaginárias;

b) a segunda camada consagra o museu como instancia decriaçãodomito:eoprimeiromitoseráoobjeto,ouqualquerelementoda natureza elevado à categoria de objeto – “metáfora do museu,materializaçãodas relaçõesentreohumanoeo real” (Ibid., p.28).Omuseu fala à sociedade através do objeto, “presentificado,numinosamente, na exposição” (Ibid., ibidem). O mito do objeto se

22 Neologismo criado no século 19 por Charles Renouvier (1876) sobre omodelodo termo “utopia” (sem-lugar)edesignando,por suavez, “um lugarfora do tempo, realmas totalmente privado de história” (Ibid., p. 11. [Trad.Nossa]-Ilsembletoutefoisqueletermed’uchroniepuisse(…)designernonpasunehistoirefictivemaislanégationdetoutehistoire.23Scheiner1998,1999,2000,2008.24AteoriadoMitofoiargumentodeDissertaçãoemComunicaçãoeCultura,defendidajuntoaoProgramadePós-GraduaçãoemComunicaçãoeCulturadaUFRJ.Ver Scheiner, Teresa.Apolo eDionisonoTemplodasMusas.Museu–gênese,ideiaerepresentaçõesnopensamentoocidental.RJ:ECO/UFRJ,1998.Cap.01.

Page 120: Livro Museologia e Património - Volume 6 - para capa e ...

MuseologiaePatrimónio–Volume6

118

reatualiza, assim,pelamística epelo ritual, principalmentenos casosemqueofenômenoMuseusedesvelasobaformadeummodeloquearticula obrigatoriamente espaços e objetos – e que denominamosMuseu Tradicional: pois é essencialmente através do objeto que omuseusedirigeaocorposocial.

c)naterceiracamadaoprópriomuseuéomito–“eahistóriadaculturanosrelembraimediatamenteosgrandesmuseusmíticosdoocidente,quebuscamseraenciclopédiadetudooqueanaturezaeohumano já produziram” (Scheiner 1998, p. 29; 2008, p. 64) ouconquistaram: o Louvre, os museus da Smithsonian Institution, oMuseuBritânico,oHermitage,oMuseudoPrado,oMuseudoAredoEspaço de Washington - todos eles guardando em seus acervos umconsiderável número de objetos icônicos, míticos, da história dahumanidade.

Emtodasessasdimensões,percebe-seodeslocamentoentreacoisaemsieomodocomoelaéapresentada.Écomoseessesmuseusapenas existissem para ser, eles mesmos, objetificados,instrumentalizados, sujeitos a narrativas performáticas do real.Alijados do acontecimento, não representam - apenas referem asdobrasdorealàsquaisestãovinculados.

LembremosqueparaBarthes(1993[1957]),omitoeumafala- uma mensagem, um modo de significação, uma forma que seconfigurapormeioderepresentaçõesquelheservemdesuporte.Tudopode constituir ummito, desde que julgado por um discurso. O quedefineomitonãoéoobjetodesuamensagem,masomodocomoestaéenunciada: qualquer representação pode servir de suporte a falamítica. Aqui, cabem todos os signos: a escrita, a imagem (linguagem-objeto)emesmoosobjetosmateriais;tudoéusável,desdequepossarelacionar-se ao mito para destacar sua função significante25. Certosobjetosseinscrevem,deformatemporáriaouporumlongotempo,noâmbitodomito;masnuncaparasempre,jáquenenhummitoéeterno:

25 “Nestesentido,omito funcionariacomoumsistemasemiológicosegundo,namedida em que considera apenas uma totalidade de signos, ou seja, umsignoglobalatravésdoqualomitoserepresenta.Poderíamosaindaentenderaexistência,nomito,dedoissistemassemiológicos,umformadopela língua(relação linguagem-objeto) e outro, onde o próprio mito funcionaria comometalinguagem”(Scheiner1998,p.11;2008,p.57).

Page 121: Livro Museologia e Património - Volume 6 - para capa e ...

MuseologiaePatrimónio–Volume6

119

“avidaeamortedalinguagemmíticadependemdosdiscursosquesearticulamsobreoreal”(Scheiner2008,p.57).Nesteprocesso,importaespecialmenteoconceito,quedásignificadoaomitoeoreatualiza;massempre associado a um saber confuso, nebuloso, que encontracoerência noprópriomito. Pode-semesmodizer que a característicafundamentaldoconceitomíticoeadeserapropriado:paraBarthes,omitotemcomofunçãodeformar,enãofazerdesaparecerosentido.

É possível identificar aqui duas faces significantes: uma faceplena (o sentido) e uma face vazia (a forma), que se alternam,promovendo por sua vez uma alternância entre o sentido dosignificante e a sua forma, entre uma linguagem-objeto (que fala ascoisas) eumametalinguagem (que faladas coisas), entre consciênciasignificante e uma consciência da representação. Essencialmenteambíguo,omitoseperpetuanotempocomofala,definidopelaforçadesuaintencionalidade-massempredeformaparcial,dandoorigemàsmaisdiversas interpretações.Podeserentendidocomosímbolo, álibiou presença, e assim, vivenciado simultaneamente como históriaverdadeira e narrativa do irreal. Por ser uma fala excessivamentejustificada,naturalizaoconceito,apresentando-ocomoideiainocente,desprovidadeintenções;eofazapartirdequalquersentido,negandoecorrompendotudo,atemesmooprópriomovimentoqueselheopõe.

Ao privilegiar a metalinguagem, a fala mítica elimina aqualidade histórica das coisas, apaga a memória de sua produção,abrindoespaçoparaumarepresentaçãoucrônicadoReal:apresentaoreal histórico, político, definido, sob uma forma apolítica enaturalizada, que suprime a complexidade dos atos humanos pararecriar “ummundo onde não há contradições nem profundezas: ummundo plano, que se ostenta em sua evidencia e onde as coisasparecemsignificarsozinhas,porelaspróprias”(Scheiner1998,p.14).

Maséprecisoperceberquetantoa formacomooconceitodomitosãohistóricospornatureza;eissoindicariaqueasociedadeatual,burguesa em sua essência26, é o campoprivilegiado das significaçõesmíticas:27

26 O estatuto profundo da burguesia, consolidado a partir de 1789, teriareificadoumdeterminado regimedepropriedade, umadeterminadaordem,umadeterminada ideologiaque vem se expressandohistoricamente atravésde conceitosmíticos tais como a Identidade, a Cultura, a Nação, o Capital –

Page 122: Livro Museologia e Património - Volume 6 - para capa e ...

MuseologiaePatrimónio–Volume6

120

A burguesia absorve na sua ideologia toda umahumanidadequenãopossuiumestatutoprofundo,eque só pode vivê-lo no imaginário: expandindo assuas representações através de um catálogo deimagenscoletivas,“consagraadiferenciaçãoilusóriadas classes sociais (...), transforma a realidade domundo em imagem do mundo, a História emNatureza”28. E o faz de modo a inverter a imagemque projeta: o estatuto da burguesia é particular, eportanto histórico - mas o homem que elarepresentaétomadocomouniversal.

Ora, o Museu - essemuseu-instituição do qual ainda trata a

Teoria Museológica, construto da Modernidade, é um dos mitos dasociedadeburguesa:29 representaçãocriadapara instituiraburguesiacomo detentora dos processos e produtos da memória do mundo,

fundamentados por uma logica sutil, onde nem sempre o termo ‘burguesia’aparece,poisestaeaclassesocialquenãoquerserdenominada.Eécomumafala elaborada a partir desses conceitos que a burguesia reconfirma o seuestatuto, universalizando as suas representações (Barthes 1993, apudScheiner1998,p.13;2008,p.58).27 A ideologia burguesa a tudo preenche: pode, sem encontrar resistência,apresentaroteatro,aarte,ohomemburguês,comooteatroaarte,ohomemeternos. Tudo, na nossa vida cotidiana, é tributário da representação que aburguesia criou, para ela e para nós, sobre as relações entre o homem e omundo.Praticadasaonívelnacional (oumundial), asnormasburguesas sãovividascomo leisevidentesdeumaordemnatural:quantomaisaburguesiapropaga as suas representações, tanto mais elas se naturalizam (Scheiner2008,p.58).28Barthes1993[1957],p.162.29 Se a ideologia burguesa pode, sem encontrar resistência, apresentar oteatro, a arte, o homem burguês, como o teatro a arte, o homem eternos,também pode apresentar o museu burguês como o museu eterno, como oúnicomuseupossívelnahistóriadahumanidade.(...)detodososprodutoserepresentações da burguesia, o museu é o que menos tem sido percebidoenquantomito,e isso tempermitidoquevenhasendousado,quasesempre,para gerar uma fala reificada sobre as relações entre o homem e omundo(Scheiner1998,p.14).

Page 123: Livro Museologia e Património - Volume 6 - para capa e ...

MuseologiaePatrimónio–Volume6

121

tomoucomomodeloparadigmáticooLouvre,“instituídonaFrança[...]comoespaçodepoderrealeredefinidoprecisamenteapartirde1789como produto cultural da revolução que legitimou, no mundoocidental,oestatutoburguês”(Scheiner1998,p.14).Espaçoidealparaa manifestação do mito, o Museu instituído acolhe e legitima aexistênciadetodosostiposdepersonagensexemplaresecriadores:oherói,osanto,osxamãsefeiticeiros,ospoetas,ossábios,osbardos,oscientistas,osartistas,osprofissionaisdamídia;podetambémserumainstanciadecriaçãodemitos–sendooprimeirodeles,oobjeto.

Deloche trata em seu livro de todas as representações doMuseu;masseuconstrutoseajustaprecisamenteaoqueassinalamoscomo Museu Tradicional – e nesse caso, concordamos com o autor,quando diz que o museu “faz passar por perene o produto de umaconvenção”, negando seu caráter institucional, “convencional ehistoricamente datado” (Deloche 2010, p. 11 [Trad. Nossa])30. Nomuseuinstitucionalizado,todacoleçãoseapresentadeformaucrônica,gerando uma “pseudo-cronologia não orientada”, onde o tempo setransmutaemespaço(Ibid.,p.12).Negandoahistoricidadedascoisas,o museu pode declarar-se intemporal, apresentar-se como “umarealidade mineralizada, fossilizada, totalmente privada de história.Pura essência” (Ibid., p. 20)31, onde o que se valoriza é o patrimôniosob uma forma “estável, exemplar, íntegra e perene” (Ibid., p. 23)32.Nestesentido,oMuseuTradicionalseriamíticoemsuaessência.

Deloche lembra ainda que a condenação do efêmero,promovidapelopensamentoocidentalapartirdePlatão,associou-seaumadepreciaçãodosensível,revelada,noâmbitodoMuseuinstituído,pelaprevalênciadavisãosobreosdemaissentidos.

Acreditar num museu cuja gênese corresponde à ética e àestética de uma França revolucionária significa reconhecer aimportância da reivindicação do Estado sobre as riquezas culturais,agora percebidas como propriedade pública – o que justificaria a

30 Bref, le musée est une institution qui cherche à nier son caractèreinstitutionnel,c’est-à-direconventionnelethistoriquementdaté.31 …une réalité minéralisée, fossilisée, totalement privée d’histoire. Une pureessence.32Cequisetraduitparlavalorisationdustableetdel’exemplaire,del’intègreetdupérenne…

Page 124: Livro Museologia e Património - Volume 6 - para capa e ...

MuseologiaePatrimónio–Volume6

122

nacionalização de bens patrimoniais considerados relevantes para opaís. Opondo-se às coleções privadas abertas à visitação, este novo“museu” remeteria aos cânones do Direito e da Justiça indicados noContrato Social33; e reafirmaria os ideais de uma democracia onde osujeitosósereconheceemliberdadegraçasaoEstado,comocidadão.Nesse contexto, omuseu se torna “instrumentooficial de valorizaçãodetestemunhoshistóricosemateriaisdohumano”,assimconvertidosem “relíquias congeladas” (Ibid., p. 24).Pode também transformar-seemlocaldecultoereclusão,tornandoinalienáveis(einalcançáveis)osbenssobsuatutela;etransformandoseusconteúdosemleiuniversal.Fundamentado numa ideia de patrimônio comodogma (Choay 1992,apudDeloche2010,p.32),omuseuassimconstituídotenderiaaimporsuasdiretrizespelaculpabilizaçãosocial,fazendousodetemascomoaproteçãoaomeioambiente,aadoçãodecânonessociaismaisabertosea democracia cultural. Tais movimentos incluiriam ainstrumentalizaçãodeconceitosfalsamente“naturais”ou“universais”,comoopatrimônio cultural eopatrimônio imaterial.Delocheapontaque

a culpabilidade imposta pelomuseu não émais doqueumcasoparticulardeumfenômenomaisgeral,queafetaasociedadecomoumtodo.(...)Buscamosconsiderar como um sistema de valores absoluto einsuperáveloqueemrealidadenãoésenãoofrutotodo relativo e talvez muito contestável de umaconquistahistórica(Deloche,2010,p.33).

Aquiopatrimônioculturalserevela, comotoda ideologia,um

produto tardio e pouco legítimo, resultante do movimento detransformarbensprivadosempropriedadepública.Ora,“umconceitoimportadodoDireitoedaEconomiaparaocamposimbólicoapareceaindamais suspeito quando é sub-repticiamente convertido empurariqueza moral, coletiva e desinteressada. Trata-se de um pseudo-

33Rousseau,J.J.DuContratSocial,ouPrincipesduDroitPolitique.Amsterdam:MarcMichelRey,1762.

Page 125: Livro Museologia e Património - Volume 6 - para capa e ...

MuseologiaePatrimónio–Volume6

123

conceito” 34(Ibid., p. 34), recentemente enriquecido pela ideia depatrimônioimaterial,construtojácontemporâneomasquenaverdadecontribui para justificar as experiências de mercantilização decoleções, transvestidas emmovimentos de amplificação demuseus epatrimôniosparadiferentespaíses.

Ao buscar ampliar o construto do museu instituído, Delochelembra que o museu pode ser simultaneamente uma máquina defabricarobjetividadeseumespaçodeapresentaçãosensível–enessesentido,“todoobjetodemuseuserá,porprincipio,imaginário,enessacondição,substitutodesimesmo”(Ibid.,p.28)35.Todomuseuoperaria,assim, como um sistema duplo de signos: denotação / conotação(Davallon1999,apudDeloche2010,p.38-39),podendoelaborar seudiscurso sob a forma de percursos interpretativos lineares, ou não-lineares-comopropostoporMcLuhan,ParkereBarzun(2008[1969]).

Deloche identifica, ainda, três planos de significaçãodesenhadospelaucroniamuseal.Oprimeiroserviriaparalembrarqueexistemvaloresestáveis,“umaordemdemundoondenadaécaótico,adespeito das aparências” 36 (Ibid., p. 44), ordem essa vinculada àsideias do belo e do bem. Este plano remeteria ao que Deleuzeconsiderouuma“visãomoraldomundo”,exemplificadaporessênciasinalteráveis e indestrutíveis, e explicaria porque a visita ao museuprovocaumarupturacomomundoexterior: “osobjetosestão lá, (...)subtraídosaotempo,congeladosparasempre,ancoradosnouniversalenointemporal”37(Ibidem),permitindo-nosacederaosuprassensível.Osegundoplanodesvelaofatodequeessaessênciaintemporalnãoéplatônica, mas sim humanista, influenciada pelas ideias doRenascimentoedeKant,quepercebemaprevalênciadohumanosobreanatureza.Jáoterceiroplanodemonstraqueomuseué“testemunhoeveículo de valores menos universais do que pretende. Pois são osvaloresdenossacivilizaçãoocidental”(Ibid.,p.45-46),historicamente

34 Un concept importé du droit et de l’économie dans le champ symboliqueapparaît d’autant plus suspect qu’il s’est subrepticement converti en une purerichessemorale,collectiveetdésintéressée.Ils’agitd’unpseudo-concept(…)35Toutobjetdemuséeestdoncparprincipeimaginaireet,àcetitre,toujoursunsubstitutdelui-même[Trad.Nossa].36“uneordredumondeoùrienn’estchaotique,endépitdesapparences”.37 “les objets que nous percevons sont là (…) soustraites au temps, figées àjamais”(…)

Page 126: Livro Museologia e Património - Volume 6 - para capa e ...

MuseologiaePatrimónio–Volume6

124

datadosegeograficamentelocalizados,quelheservemdeparâmetro-ainda que esse “ocidente” seja o produto aculturado de múltiplosentrecruzamentos do humano; e que as culturas consideradas como“outras” sejam apropriadas, desvitalizadas e reduzidas, no museu(nessemuseu),aobjetosdecoleção.Esteé tambémoargumentoquejustificaapromessadeusufrutodeum“capitalcultural”(Ibid.,p.50),enquantoprosseguemcadavezmaisativasasoperaçõesprivadasdocapital, que resultam em aumento exponencial do patrimônioeconômicodealgunspoucosgruposminoritários.

Caberia, então, perguntar: a quem interessa que o Museupermaneça sendo percebido, hoje, apenas como instituição? A queminteressaexacerbaraquestãopatrimonialcomoagrandesoluçãoparaos enfrentamentos socioeconômicos dos diferentes grupos culturais?Aqueminteressaseguiracreditandonumrelato-este,sim,mítico-deumMuseuqueseoriginasempredaexperiênciaeuropeia,oumelhordizendo,daexperiênciafrancesa?

De nossa parte, seguimos considerando o Museu comofenômeno38 – a partir de uma origem certamente mítica (talvezeuropeia, mas certamente não-francesa), mas desvelada de modocomplexo: simultaneamente evento, acontecimento, fluxo,presentificação, apresentação, representação.Nesse construto, cabemtodosostemposetodososespaçosdapresençahumananoplaneta,eaindaoprocessodememóriahumanaeseusprodutosmaterializados:os lugares, monumentos e objetos. Cabem, ainda, todos os modos eformas do patrimônio: o patrimônio genético, micro-celular; ageodiversidade; o patrimônio biológico, responsável pelas diferentesconfigurações fito-zoo-ambientais; a vida humana - o corpo comopatrimônio (e todas as suas injunções éticas, políticas, ideológicas,comportamentais).

OMuseuTradicional, instituído, seria apenasumadasmuitasrepresentaçõespossíveisdofenômenoMuseu.

De forma generalizada, o fenômeno Museu seria também a-tópico,utópicoeucrônico–desdobrando-seporentreeparaalémdetodosostemposeespaços,todasasdimensõesdoreal.Mascadaumadesuas faces,ou formasrepresentacionais,apresentademodomuitoparticularessarelação.

38VerScheiner1992,1998,1999,2008.

Page 127: Livro Museologia e Património - Volume 6 - para capa e ...

MuseologiaePatrimónio–Volume6

125

O Museu Tradicional não é certamente a-tópico, já que seconstitui e existenumespaçomaterialdefinido;maséquase sempreutópico e ucrônico, como tão bem aponta Deloche. Por mais que serenove na forma e no conteúdo, ampliando a sua potencia comointerpretante sensível das coisas, sua essência se ancora numinevitável caráter de permanência, deslocamento do real, redução dacomplexidade, linearização do tempo. Neste sentido, podeverdadeiramente abrir espaço para o mito. É também o lugarfundamental do objeto tornado símbolo, signo e referente - emuitasvezes,íconeabsolutodecertosmodosdeinterpretaroreal.

Exemplo notável dessa qualidade é o Museu dos ArquivosNacionaisdosEUA,emWashington,queabriganamesmasalaostrêsdocumentosconstitutivosdaindividualidadepolíticanorte-americana:a Declaração de Independência (1776)39; a Constituição dos EstadosUnidos (1787) – assinada por George Washington e mais 38representantesde12estados,equesedirigeaopaíseaomundoemnome do povo40; e a Carta de Direitos do cidadão norte-americano(United States Bill of Rights – 1789-91). Esses três documentos,conhecidoscomoasCartasdaLiberdade(ChartersofFreedom),vêmhámais de duzentos anos assegurando os direitos civis do povo norte-americano. Nada mais emblemático e relevante para uma sociedadeque se constituiu e sepensa comoexemplomaiordeNação aberta edemocrática, consolidada na luta pelos direitos humanos, pelaigualdadesocialepelaparticipaçãodetodososcidadãosnosprocessosdecisórios da política interna e global. Os documentos são reais, umespetacular conjunto de objetos originais de incalculável valorpatrimonialemuseal,patrimôniohistóricoepolíticodaHumanidade.

39OtextodaDeclaraçãorefereaIndependênciacomoumanecessidadelógicaehistórica:“WhenintheCourseofhumanevents,itbecomesnecessaryforonepeople to dissolve the political bands which have connected them withanother”(…). Declaration of Independence. In:https://museum.archives.gov/founding-documents.Acessoem30.06.2021.40We thePeople of theUnited States, inOrder to formamoreperfectUnion,establish Justice, insuredomesticTranquility,provide for thecommondefence,promote the generalWelfare, and secure the Blessings of Liberty to ourselvesandourPosterity,doordainandestablishthisConstitutionfortheUnitedStatesof America (7.9.1787). Constitution of the United States. In:https://museum.archives.gov/founding-documents.Acessoem30.06.2021.

Page 128: Livro Museologia e Património - Volume 6 - para capa e ...

MuseologiaePatrimónio–Volume6

126

Seu conteúdo comprova que o discurso da “decolonialidade” não éabsolutamente novo, e que verdadeiramente é possível a um gruposocial desligar-se do jugo colonialista e constituir-se como estadonacionallivreesoberano.

Estáregistrada,nessemuseu,arelevânciadofatohistórico:osEstados Unidos da América existem desde 1776 como Nação livre eorganizada. A existência e presença desses objetos são testemunhoindiscutíveldofato.Quantoaserumademocraciaquegaranteatodosigualdade sociopolítica eoportunidadedeparticipação,nãoéprecisomaioresregistrospara indicarqueéaíonde,precisamente,omitoseinstala.

Todaessareflexãosobreomuseueomito teriavalorapenasteórico,ouacadêmico,senãoconhecêssemososefeitoslesivosdeumapercepção incompleta ou distorcida do real sobre o imagináriocoletivo.OsmuitosanosdevivencianaMuseologianosmostraramquequando um museu apresenta e/ou interpreta os fatos de maneiraincompleta, rasa ou distorcida, os objetos apresentados comoevidenciacontribuemparareificaraabordagemmíticaouucrônicadoreal, permitindoque se instaure,na razãoenaemoçãodosusuários,uma “realidade” paralela, que podemuito bem servir para reiterar egarantirapermanênciadecertosmitosesituações.

O universo da Museologia é pleno de museus dedicados àreificaçãomíticadepersonagense/oumomentospolíticos,apartirdapresençadeobjetosicônicos:acoroadeD.PedroII;acartadeGetúlioVargas;osmísseisdoMuseuNacionaldaRevoluçãoIslâmicaeSagradaDefesa41, em Teerã, Irã. Em todos os casos, a narrativa apresentadafoge à historiografia crítica, e a interpretação dos fatos se articulaatravés desses momentos e personagens. O que importa não é aprecisãodoacontecimento,masamanutençãodomito -porsuavez,instrumentalizadoparaatenderainteressesqueestãosemprealémdofato histórico. Qualquer que seja o objeto, o fato, o personagem, aformaeotamanhodomuseu,oqueimportaéaeficáciadoprocessodeaderência simbólica gerado por essas articulações. Este é o caso dasociedade norte-americana, onde amplos segmentos acreditamverdadeiramentehabitarumparaísodemocráticoincondicional.

41 National Museum of the Islamic Revolution and Holy Defense. In:https://en.wikipedia.org/wiki/Holy_Defense_Museum.Acessoem24.06.2021.

Page 129: Livro Museologia e Património - Volume 6 - para capa e ...

MuseologiaePatrimónio–Volume6

127

Quanto à capacidade de fabricar o mito, voltemos aopersonagem do Presidente Kaunda. No Museu Político de Lusaka,capital da Zâmbia, estão dispostos, para admiração pública, objetos“mágicos”, que teriam ajudado Kaunda a vencer a revolução quelibertouopaisdojugocolonialista–“porteremopoderdefazercomquesetornasseinvisívelaosinimigos”(Scheiner1998,p.28;2008,p.63). Fomos pessoalmente apresentados a esses objetos por umhistoriador que relatou, emocionado, a sua força de transmutação; epercebemos que algumas pessoas verdadeiramente acreditavam queKaunda, ao segurarumdaquelesobjetos, teria ficado invisível. Paraessas pessoas tais objetos têmmana, uma força especial que lhes éconferida pelos espíritos; e certamente tiveram protagonismo noencaminhamentodosfatosquelevaramàindependênciadopaís.Aquioobjetoeusadocomo“síntesematerialdomito”,comoumavatar;eomuseu,criadoparadaraopovootestemunhodasuaforçasimbólicaedasuaexistência,reafirmaereatualizaaprovadesuaeficácia.NocasodaZâmbia, teriasidomais fácile inspirador lutarpela independênciaao ladodeumheróimítico,doque lutarao ladodeumoponentedoregime colonial. O museu colabora, assim, para a fabricação e amanutençãodomito,sobdoisaspectosessenciais:omitoKaundaeomito da libertação do jugo colonial - reificando a ideia de que uma“nação livre” do colonizador estará, também, livre dos problemas equestõesqueimpedemseudesenvolvimento.

Numa perspectiva de realidade, lembremos que Kaundaassumiualiderançadeumpaíscom75gruposétnicos,apenasunidospelas fronteiraspolíticasdefinidaspelaspotencias coloniais. SegundoPeltz (2021)42, dos três milhões e meio de habitantes, a maioriavivendoabaixodalinhadepobreza,apenasumacentenatemformaçãoacadêmica.Aindaassim,logroumanterauniãonacional,apartirdeumideárioqueficoureconhecidocomo“humanismozambiano”:mescladevalores cristãos, tradições africanas e princípios orientadoressocialistas. Atuando como mediador em crises políticas da região,buscou diálogo com o governo sul-africano ainda em tempos deapartheidetentouminorarasituaçãodeAngoladuranteaGuerracivil;

42DanielPeltz,17.06.2021.In:https://www.dw.com/pt-002/fil%C3%B3sofo-e-potentado-morre-kenneth-kaunda-fundador-da-z%C3%A2mbia/a-57940104.Acessoem28.06.021.

Page 130: Livro Museologia e Património - Volume 6 - para capa e ...

MuseologiaePatrimónio–Volume6

128

aomesmo tempo, apoioumovimentosde libertaçãonaNamíbia e noZimbabwe. Com o passar dos anos, instaurou um estadomonopartidário. Nacionalizou asminas de cobre do país,mas com aalta dos mercados mundiais, o custo das importações e a falta deacesso ao mar, a economia da Zâmbia entrou em colapso nos anos1970eapopulaçãocomeçouarevoltar-se,terminandoporelegerseuopositor,em1991.

Este resumo da trajetória de Kaunda revela que ele foicertamente um líder emblemático, libertador de seu país e bomarticulador político; mas também um dirigente autoritário, queinstituiu um sistema monopartidário e perseguiu oponentes. Suaimportância foi,entretanto,reconhecidaporseuspares,dirigentesdeoutros países africanos, que lamentaram sua morte, elogiando seu“papel proeminente no movimento de libertação anticolonial docontinente”(Ibid.).Decertaforma,omitoprevaleceusobreosfatos.

3.Museus,deslocamentos,espaçosdefronteira

O mundo das artes e da literatura ofereceu, desde sempre,

relatos baseados na ideia de atravessar fronteiras, encetar percursosemdireçãoaespaçosdesconhecidos:aOdisseia,aChansondeRoland,ascampanhasdeAlexandre,asmemóriasdeMarcoPolo,assagasdasnavegações,aCartadeCaminha,asViagensaoBrasil,deHansStaden.Todos esses relatos, e muitos mais através da história, falam emvencer distancias geográficas, entrar em contato com o Novo, oInesperado, o Diferente. Outros relatos oferecem percursos porespaçosimaginários,aindaquebaseadosnaevidenciareal:asVinteMilLéguasSubmarinas;aViagemaoCentrodaTerra;onaviodeTwain43,quenaveganagotadeáguadeumalaminademicroscópio;assagasdepiratas; o Pássaro Azul, de Maeterlinck. Todos eles viajam poruniversosalternativos.Ecadaumdeles,aseumodo,fazoregistrodaBusca,doEncontro,doContatoedaTransformação.

Mais difícil do que atravessar o espaço é atravessar o tempo,movimentosópossívelpordeslocamentoonírico,perceptual,jáqueoscódigos da Física nos ensinam não ser possível deslocar o corpo notempo,projetar-nosparaalémdas trêsdimensõesque limitamnossa

43MarkTwain,“TheGreatDark”,1898.

Page 131: Livro Museologia e Património - Volume 6 - para capa e ...

MuseologiaePatrimónio–Volume6

129

condiçãomaterial.Fantasiapredominantenopanteãodosmovimentosinalcançáveis aos seres viventes, viajar no tempo é uma perspectivaque,desdesempre,nosfascina.Ese?...

Relatosmíticossobreodeslocamentonotemposãoquasetãoantigos quanto a cultura humana: possivelmente fundamentaram asteoriasreencarnatórias;eestãopresentesemtextosemblemáticosdasculturas da Tradição, onde personagens experimentam o tempo emdistintas dimensões, projetando-se para o passado ou para o futuro.Jones (2021) 44 aponta como exemplos o Ramayana, texto clássicohinduque relata a sagadeKakbhushundi ouShriKakBhusundi45, umser imortal devoto de Rama, destinado a permanecer na Terra até ofinal dos tempos de trevas (Kali Yuga); os textos do cânone Páli – amais antiga e completa coleção de textos sagrados da literaturabudista,algunsatribuídosaopróprioBuda46-ondeestáescritoqueosDevas47vivenciamcemanoshumanosnumsódia;ea lendajaponesaUrashimaTaro,ondeumhomemvisitaopaláciodoDeusDragão,eaoretornar percebe que 300 anos se haviam passado. O mesmo temapode ser encontradona literaturamoderna, comhistórias comoade

44 Jones, Josh. In: https://www.openculture.com/2018/02/whats-the-origin-of-time-travel-fiction.html.Acessoem27.06.2021.45Otermo“Kak”significacorvoeestáassociadoàsagadopersonagem,queemsuaúltimaencarnação foi transformadonumcorvo, decidindoviver sobessaforma.OriginalmenteumsudradeAyodhya,Kakbhushundifoiagraciadocomodomde vivermil vidas e a habilidadede escolher a forma física quedesejasse;renascidocomoBrahmana,recebeudeRamaavidaeternaeavisãosem limites; e tornou-se onarradordos eventosda vidadeRama, dequemrecebeu o dom de viajar através do tempo. In:https://en.wikipedia.org/wiki/Kakbhushundi.Acessoem27.06.2021.46 In:https://www.britannica.com/topic/Buddhism/The-Pali-canon-Tipitaka.Acessoem27.06.2021.47 Na tradição hindu, Devas são seres celestiais associados aos diferentesaspectosdoCosmos–comoBrahma,VishnueShiva,queformamatrindadehinduconhecidacomoTrimuthiedirigemocosmoseosprocessosdecriação.Natradiçãobudista,sãoseresextra-humanos,invisíveisaoshomens(masnãodeuses)equevivemlongamente,masnãosãoimortais-embora,aomorrer,possam reencarnar sob outras formas. In:https://pt.wikipedia.org/wiki/Deva_(budismo).Acessoem27.06.2021.

Page 132: Livro Museologia e Património - Volume 6 - para capa e ...

MuseologiaePatrimónio–Volume6

130

RipVanWinkle,deWashingtonIrving(1819)48;olivroOlhandoparaoPassado (Looking Backward), de Edward Bellamy (1888), cujopersonagem adormece e acorda 112 anos mais tarde (o ano 2000),numa utopia socialista; ou ainda a conhecida obra de H. G.Wells, AMáquinadoTempo(TheTimeMachine-1895),cujaaçãosepassanumfuturo distante – o ano 802701: obra anterior às teorias daRelatividade,apresentaumavisãoquaseproféticasobreoconceitodeespaço-tempo, que poderia indicar, inclusive, alguns argumentos dasnovas tecnologias, como a desmaterialização e a geração de imagensemtemporeal.

Jones (Ibid.) lembra que a uma percepção arcaica de tempocíclicosobrepôs-seaideiadotempolinear,reforçadapelasteoriasdaevolução–queassociaramaevoluçãobiológicaeculturalànoçãodeprogresso;naliteratura, istoserviudebaseparaoquesedenominou“romance utópico”. Mas a utopia é agora centrada nas viagens notempo, desconstrói o cogito linear passado-presente-futuro,engendrandoumaobsessãocomosprincípiosdecausaeefeito.Pensaroretornoaopassadocolocaaquestão:istopodemudaropresente-eofuturo?

Tanto a literatura como as artes cênicas vêm abordando demodo reiterado essa questão, em trabalhos emblemáticos como atrilogiaDevoltaparaofuturo(BacktotheFuture–1985,1989,1990),de Zemeckis e Gale49 - onde o personagem projeta-se em diferentestempos; O Feitiço do Tempo (Groundhog Day), de Ramis e Rubin(1993)50 – que questiona a relação entre o personagem e o tempopresente;Futurama,deGroening(1999-2003),passadanoséculo31;ou Primer, de Shane Carruth (2004), que se fundamenta na teoriamatemáticaparaapresentarumaalegoriada“viagemnotempodentro

48 O conto relata a história de umholandês-americano da América colonial,quetomaabebidaoferecidapormisteriososholandesesquehaviaencontradoe adormece nas montanhas Catskill. Ao acordar, 20 anos mais tarde, haviaperdido a Revolução Americana. In:https://en.wikipedia.org/wiki/Rip_Van_Winkle.Acessoem27.06.2021.49 In: https://pt.wikipedia.org/wiki/Back_to_the_Future. Acesso em28.06.202150In:https://pt.wikipedia.org/wiki/Groundhog_Day.Acessoem28.06.2021

Page 133: Livro Museologia e Património - Volume 6 - para capa e ...

MuseologiaePatrimónio–Volume6

131

da viagem no tempo dentro da viagem no tempo”51. Citemos aindaHarryPottereoPrisioneirodeAzkaban(HarryPotterandthePrisonerofAzkaban)deJ.K.Rowling(2004),emqueHarryeHermioneviajamde volta no tempo com a ajuda de um objetomágico, o Vira-Tempo.Mais recentes são as séries televisivas criadas e/ou associadas àNetflix,equetêmcomobaseaideiadeatravessardiferentes“camadas”de tempo: Travelers (Brad Wright, 2016) – onde a consciência depersonagens do futuro é colocada no corpo de pessoas do presente,que se tornam “hospedeiros” dessas mentes do devir52; Outlander(Gabaldon,livro–1991;série:2014...)emqueapersonagemprincipalatravessa, em 1945, umportal no espaço-tempo, sendo transportadapara1763 - epassaavivernessaépoca53.Nãopodemosesquecerospersonagensqueestãoparaalémdotempo,comoosmuitosvampiros,a começar pelos emblemáticos Drácula (Stoker, 1897) e Nosferatu(F.W.Murnau,1922);ouaindaHighlander(Mulcahy,1986)–guerreiroescocêsquesetornouimortalem1536e“revive”noséculo2054.

Estes são apenas alguns dos incontáveis exemplos quepoderíamosmencionar.Elesnoslembramquecruzarfronteiras,físicasou simbólicas, foi sempre um desejo do animal humano, que buscaprojetar o corpo, a mente e os sentidos em todas as dimensõesperceptuais. É um movimento metafórico, que traduz a verdadeira

51[…]“withtimetravelwithintimetravelwithintimetravel.”JoshJones,inOp.Cit. Ver ainda https://pt.wikipedia.org/wiki/Primer_(filme). Acesso em30.06.2021.Outraobraqueobteveimensosucessoeditorialnosanos1980foiOperação Cavalo de Troia, de J. J. Benítez (1986), em que o personagemretrocede no tempo até os anos 30 da Era Cristã e se encontra com JesusCristo.52 A transferência requer a localização exata do alvo, possibilitada porsmartphoneseGPSdoséc.21.Cadaviajante,usandomídiassociaiseregistrospúblicos referentes a seus alvos, deve manter a vida pré-existente dohospedeiro enquanto realiza missões. In:https://pt.wikipedia.org/wiki/Travelers_(s%C3%A9rie_de_televis%C3%A3o..Acessoem28.06.2021.53 In:https://pt.wikipedia.org/wiki/Outlander_(s%C3%A9rie_de_televis%C3%A3o.Acessoem28.06.2021.54In:https://pt.wikipedia.org/wiki/Highlander.Acessoem28.06.2021

Page 134: Livro Museologia e Património - Volume 6 - para capa e ...

MuseologiaePatrimónio–Volume6

132

essênciadodesejo:alcançartodasasdimensõesdotempoedoespaço,atravessandoasmúltiplasdimensõesdoreal.

Lembremos que as fronteiras geopolíticas nem sempreprecisamsernitidamentedemarcadas,podemapresentar-sedeformadifusa; nem precisam estar numa área continua, podendo abrangeráreaslimítrofes,comqualidadesdiferenciadas.Podemdividirqualquercoisa,deterritóriosfísicosaclassessociaiseeconômicas.Aquiofocoessencial não é a fronteira, a divisa, o limite,mas a possibilidade dodeslocamento–omovimentodepassagemquenosimpulsionarumoadiferentes planos de realidade. É um deslocamento horizontal. E seviajarnoespaçoé,aindanosdiasatuais,umaaventura,maisfascinanteé a perspectiva de viajar no tempo, atravessar as muitas dimensõesvivenciais do que entendemos como “passado” ou “futuro”, numdeslocamentovertical.Masa“viagem”maiscompletaeradicaléadosplanos imersivosdomental,queunematéria, sensaçãoe sentimento,projetando-nosemtodosostempos,espaçosedireções,desdeeparaoMuseuInterior-comoAlicenosPaísdasMaravilhas;ou‘habitando’osuniversos digitais55. Aqui, coloca-se a questão: onde, exatamente,estamos nós?Afinal, todos gostaríamos de ser JohnMalkovich, aindaqueporquinzeminutos.56

A viagem é também o lugar da experiência, matriz doaprendizado pela vivencia do deslocamento. Importa, então, estar nocontroledodeslocamento,saberonde,quando,comoeporquêsefazapassagem. Deve-se ainda lembrar que este será sempre um atopuramenteindividual,aindaquesedênoâmbitodeumacoletividade:mesmooperadaemgrupos,aexperiênciadapassagemésempreuna,personalíssima–emobiliza todosos sentidosdoviajante, todaa suaconsciência lógica e sensível, e ainda os diferentes planos doinconsciente.

55 Exemplos emblemáticos dessa linha interpretativa são os filmesMatrix eMatrix Reloaded, das irmãs Wachowski (1991, 2003), que descrevem “umfuturo distópico no qual a realidade, como percebida pela maioria doshumanos, é, na verdade, uma realidade simulada”. In:https://pt.wikipedia.org/wiki/Matrix.Acessoem01.07.2021.56 Em Quero ser John Malkovich (Kaufman, 1999) os personagens podempenetrar no cérebro do artista e lá permanecer por quinze minutos. Aqui,trata-se de uma viagem por diferentes planos de consciência. In:https://pt.wikipedia.org/wiki/Being_John_Malkovich.Acessoem01.07.2021.

Page 135: Livro Museologia e Património - Volume 6 - para capa e ...

MuseologiaePatrimónio–Volume6

133

EsteéomovimentoqueestánabasedaexperiênciadoMuseucomoviagem:ocontinuadodeslocamentodamenteedossentidos.Aotempohistórico,cronológico,sucede-seotemposocial,cotidianizado;esobre este, dobram-se as camadas do tempo real. Todas essasdimensões imergem no tempo onírico dos deslocamentos, em que osujeito é senhor de todas as dimensões que atravessa – e que oatravessam57.

OMuseuTradicional,comseusobjetosdeslocadosnotempoenoespaço, fazumconviteàviagem,atuacomoumportalparaoutrasdimensões–perceptuaisedoconhecimento.Épossível,sim,atravessá-las,comoovisitantedosquadrosdeKurosawa58-passandoa“habitar”o tempo,o lugareospersonagensrepresentadosnessesobjetos.Masnem todos logram fazer a passagem: como um personagem deOutlander, o visitante pode parar em frente à pedra, admirá-la, atétocá-la, mas nem sempre mergulhará em outras dimensões. Estãopresentesolugar,oobjeto,avontade:masfaltaasintoniavibracionalque é apenas dada pela identificação, pelo desejo intenso de estarnaquelaoutradimensão,naqueleoutrotempooulugar.Projetar-seemdireção a outros mundos, outras esferas do real, é quase umaexperiênciamágica:re-ligare. Sóavivenciaquemestáhabitadopelasmusas. Semsaber (oupoder) fazerapassagem,o “viajante”perde-senaucroniaeapenaspercebeadimensãoutópicadomuseu.

Eis porque são tão celebrados os Museus de Território,especialmente osmuseus comunitários: aqui, coloca-se emmarcha a“mecânicaidentitária”(Deloche2010,p.50)segundoaqualosmuseuspodemseradaptadosasucessivaspropostasideológicas.

57VerScheiner2004,cap.02.58Nosreferimosaquiaomagníficofilme“Sonhos”(Yume),dodiretorjaponêsAkiraKurosawa(1990):numadashistórias,opersonagempenetranoquadro“OsCorvos”deVanGogh,emexposiçãonummuseu–evivenciaumencontrocomopintor.Realizadoantesdodesenvolvimentodastecnologiasdigitais,oque Kurosawa oferece e representa é o mergulho onírico do visitante, narelação direta com o objeto exposto. Verhttps://pt.wikipedia.org/wiki/Yume#Corvos[13].Acessoem29.06.2021.

Page 136: Livro Museologia e Património - Volume 6 - para capa e ...

MuseologiaePatrimónio–Volume6

134

3.1.MuseuseComunidades:participação

Deloche(2010,p.51)nos lembraqueomuseu,assimcomoo

mito,é“umaforma,umamatrizàqualpodemcolar-seasmaisdiversasideologias,paraolucrodebeneficiáriosigualmentemúltiplos”,apartirdo modelo arquetípico universalista, cujos valores são assimreatualizados sob a forma de “novas figuras que elas vêmindiretamentelegitimar”59(Ibid.).Esteébemoscasodealgunsmuseusde território, mitificados como a grande proposta da democraciamuseal – numprocesso que tende a “apagar” ou a remeter, para umplanodefundo,averdadeiratrajetóriadessemodelorepresentacional.

Originadosdasexperiênciasdomuseuacéuabertoemmeadosnoséculo18emultiplicadosaolongodosséculos19e20,osmuseusdeterritóriodesdobraram-seemdiferentesrepresentações:museusacéu aberto, museus de sítio, áreas naturais musealizadas, geosítios,paleosítios, paisagens culturais, aldeias musealizadas, museuscomunitários... e finalmente os ecomuseus.Mas, enredadas namalhasedutora de uma utopia democrática que a tudo generaliza, taisrepresentaçõessãofrequentementereduzidasaosubmodelodomuseucomunitário,ouaoecomuseu.

Sabemos que o modelo do Museu Tradicional, gerado econsolidado no continente europeu a partir de um humanismorenascentista, foi exportado pela via colonialista para as maisdiferentes regiões do mundo60 - e nelas, naturalizado como a únicaforma de museu possível. Quando as experiências de museus a céuaberto comprovaram ser possível a existência de outras formas emanifestações do fenômeno Museu, o Museu de Território ganhouforça e significado como representação de grupos comunitáriosespecíficos. Nada mais aberto, democrático e positivo, se esta novaexperiêncianãotivessesidoinstrumentalizadaemfavordeideologias

59Lemusée[…]estune forme,unematricedans laquellepeuventsecouler lesidéologies les plus diverses au profit de bénéficiaires égalementmultiples (…)que les valeurs qu’il revendiquait rejaillissent sur les nouvelles figures qu’ellesviennentindirectementlégitimer.60VerScheiner1998,Caps.01e02.

Page 137: Livro Museologia e Património - Volume 6 - para capa e ...

MuseologiaePatrimónio–Volume6

135

específicas, do nacional-socialismo61 ao materialismo dialético. Foinesse contextoque se configurouo ecomuseu, queDeloche (2010, p.72) considera uma “nova utopia”, e cujo exemplo maior e maisemblemáticoéoEcomuseudoCreusot,naBorgonha,França.DefinidoporRivière(1977)enomeadoporVarine(1992),oecomuseuseriaasíntesedasrelaçõesdeempoderamentodedeterminadascomunidadessobre seu território geográfico e simbólico e sobre seu patrimônio,servindo de “espelho” da história desses grupos e de suas práticassocioculturais.Deloche(Op.Cit.,p.73)pergunta:seriaestaumautopiarealizada?

A ideia de museus criados desde a base é certamentefascinante, e serve bem à proposta de operar o Museu comoinstrumentoderesistênciapolíticaesocial.Époliticamentecorreta,ebemsintonizadacomosmovimentosdevaloraçãoidentitáriadasmaisdiferentes coletividades, especialmente as que habitam um territóriodelimitadoeasquetêm(outiveram)problemascomotratocolonial.Mas o que muitos ainda desconhecem (ou desconsideram) é que anarrativadoempoderamentocomunitáriogestadaapartirdoCreusote tãobemdisseminadaem inúmerospaíses62 a partirdos anos1980colocaemsegundoplanotrêsfatosincontestáveis.

O primeiro deles, já admitido por Varine63, é que ecomuseussão quase sempre criados desde o alto, como o foi o Creusot: ementrevista realizada em 2020 com Hugues de Varine para sua tese,Valençaregistraque

o Ecomuseu da Comunidade urbana Le Creusot-Montceau-Les-Mines - Museu do Homem e daIndustriafoiaexpressãodeumaarticulaçãopoliticacapaz de transformar a criação de um museu emsímbolo de uma museologia comunitária que sedifundiu pelo mundo. Ali, foram consideradas asnecessidades e demandas daquela comunidade,refletindosuasquestões,napreservaçãodaregiãoepermanência no território. Mas, fica evidente que

61Heimatmuseen-Alemanha,anos1920-40.62IncluindooBrasil.63ApudValença,V.R.2021,Conclusões.

Page 138: Livro Museologia e Património - Volume 6 - para capa e ...

MuseologiaePatrimónio–Volume6

136

desde sua origem o ecomuseu surge de cima parabaixo, seja por interesses políticos, articulação detécnicos e/ou especialistas que veem no grupo eterritório um meio de desenvolver tal região, quepode ou não contribuir diretamente para acomunidadelocal(Valença2021,p.539).

Entendido como uma revanche do mundo operário sobre a

economiacapitalistaquehaviafeitofloresceroCreusot(Deloche2010,p.73),oecomuseusubstituiuosvaloreshumanistaspelosvalores“deum grupo vivo ocupando um território circunscrito” 64 (Maure 1995,apudDeloche2010,p.73).Omodelodoecomuseu,bemancoradonoterritórioenasrealidadescotidianasdeumadadacomunidade,nãoéa-tópicoenemucrônico:massuavinculaçãoaosideaisdeparticipaçãocomunitáriaodefinecomoumanovautopia,capazdeengendrarnovasdiretrizes para a prática museológica, como a Nova Museologia; enovos construtos teóricos, como os “museus de sociedade” (Deloche2010,p.74).Maisqueummito,omuseucomunitário,apropriadopelodiscurso da participação popular, transformou-se num símbolo, emprocessomuitosimilaraodomuseutradicional.

O segundo fato a relembrar é que a gestão dos ecomuseus emuseuscomunitáriosnemsempresefazdesdeabase:namaioriadoscasos, resulta de uma articulação complexa e delicada entre asinstancias responsáveis pela criação desses museus, as liderançascomunitáriaslocaiseoutrosgruposdeinteresse,quevariamdecasoacaso65 – mas que podem operar a partir do exterior do territóriogeográficoesimbólicodomuseu66.Ecomuseusemuseuscomunitários“tentam promover o desenvolvimento sustentável e a cidadaniaatravésdopatrimônioedaparticipaçãolocal”(Valença2021,p.540);

64 Les valeurs véhiculées n’étaient plus celles de l’humanisme universel etabstrait mais celles d’un groupe vivant occupant un territoire nettementcirconscrit.65Valençacomprovaemsuateseque“amaioriadosecomuseusnoBrasilvemde iniciativas do alto e que em geral não são geridos pelas comunidades: acomunidadeatuacomoparceiraounaparticipaçãoematividadeseprojetos”.Valença2021,p.544.66VerMaggi2005;Varine2020.

Page 139: Livro Museologia e Património - Volume 6 - para capa e ...

MuseologiaePatrimónio–Volume6

137

este é um processo que requer continuada negociação, e onde nemsempreprevalecemosinteressesdascomunidadesenvolvidas.

O terceiro fato é que nem todos osmuseus comunitários sãomuseus de território. Lembremos uma vez mais as emblemáticasexperiênciasdesenvolvidasapartirdosanos1950,equecontribuíramparaampliarasdimensõesrelacionaisdosmuseuscomseuspúblicos:oMuseuNacional BoubouHama, emNiamey, Nigéria (1959) –meiocaminho entremuseu tradicional emuseu de território; oMuseu deAnacostia (Anacostia Neighborhood Museum - Washington, 1967)67,museu tradicional idealizado por Sir Dillon Ripley, Secretário daSmithsonianInstitution,comoprojetoextramurosedesenvolvidopelopastorJohnKinard,ativistalocal;aCasadelMuseo(México,1972)68;eoutrasexperiênciasjábemconhecidasdosestudiososdemuseus.

Em todos esses casos, a utopia e a ucronia deram lugar aabordagens engajadas e interativas, projetando a narrativamuseológicaemdireçãoàs realidadesde comunidadesespecíficasnotempo presente; e encorajando a participação dos visitantes nasexposições.

Estavam diluídas as fronteiras entre Museu Tradicional eMuseu de Território, entre o “museu do objeto” e os “museus desociedade”.Osmuseusaquireferidos,emtodasassuasrepresentações,decertaformacomprovaramserpossívelrealizarsuautopia(Deloche2010,p.82),recusando-seadesligar-sedavidareal.

3.2.MuseuTradicional,museologiasassociativaseparticipação-

Aoanalisaratrajetóriaeasdinâmicasdosmuseusdeterritório

emuseuscomunitáriospercebemos,ainda,queosmodelosdepráticamuseológica neles desenvolvidos foram impregnados pelasmetodologiasparticipativasimplementadasedifundidaspelosmuseus

67Omuseudenomina-sehojeMuseuComunitáriodeAnacostiaeprepara-separa reabrir, após ter sido fechado devido à pandemia. In:https://anacostia.si.edu/.Acessoem29.06.2021.68 Projeto experimental idealizado por Mario Vázquez e desenvolvido peloMuseuNacionaldeAntropologiadoMéxicoapartirde1972,paradifundirnaperiferia da cidade do México suas ações e exposições. In: GARCÍA, CoralOrdoñez.LaCasadelMuseo,MexicoCity.Uneexpériencede“muséeintegré”.In:MuseumInternational1975,(27)2,p.71-77.

Page 140: Livro Museologia e Património - Volume 6 - para capa e ...

MuseologiaePatrimónio–Volume6

138

exploratórios,submodelodoMuseuTradicionalqueremontaaosanos193069; e reatualizadas pelos centros de interpretação das áreasnaturaispatrimonializadasemusealizadas,algunsdosquaisremontamàs primeiras décadas do século 20. A partir dos anos 1960, museustradicionaisdetodoomundoadotaramnarrativasmenoslineares70eabertamente multissensoriais, incorporando os dispositivosmediáticos e metodologias expositivas disponibilizados pelastecnologias emergentes; alguns tornam-se mesmo “laboratóriosculturaisinterativos”(Deloche2007,apudDeloche2010,p.75).

Maséverdadequeasexperiênciasdosmuseuscomunitárioseecomuseus contribuíram positivamente para a prática museológica,influenciando as relações entre os museus do modelo Tradicional eseus públicos: dedicados a produzir “valores estáveis e definitivosdestinados a servir de paradigmas duráveis a toda a sociedade”71(Deloche 2010, p. 52), museus tradicionais passaram a dedicar-se agrupos sociais específicos, assumindo narrativasmais complexas sobformasmaissimples,identificadascomosinteressesenecessidadesdedadas coletividades; e chamando essas coletividades a participardiretamentedasuaprodução.

Cabeentretantoindicarquenenhumadessasiniciativasescapaà máquina capitalista: museus precisam ser “sustentados ealimentadospelocircuitoeconômico”72(Tobelen2005,Mairesse2005,apudDeloche2010,p.60);epormaisabertaedemocráticaquesejaasuaproposta,estarãosempreincluídosnasdinâmicasquereforçameperenizam as desigualdades sociais. Este é o caso dos inúmerosmuseuscomunitárioseecomuseusassociadosàindústriadoTurismo;e tambémda pretensa “abertura” dosmuseus tradicionais ortodoxos

69VerPalaisde laDécouverte, criadopor JeanPerrinemParisentre1934e1937.Omuseutinhacomoobjetivo“mostraratodosospúblicosaciênciaemprocesso”;eExploratorium,museudeciênciaeartecriadoe implantadoem1969porFrankOppenheimeremSãoFrancisco,comexposiçõesexploratóriasque estimulam o aprendizado informal. In: https://www.palais-decouverte.fr/fr/accueil/. / https://en.wikipedia.org/wiki/Exploratorium.Acessoem29.06.2021.70VerMcLuhanetal,2008.71[…]Produiredesvaleursstablesetdéfinitivesdestinéesàservirdeparadigmesdurablesàtoutelasociété[…]72[…]lemuséeabesoind’êtresoutenuetalimentéparlecircuitéconomique

Page 141: Livro Museologia e Património - Volume 6 - para capa e ...

MuseologiaePatrimónio–Volume6

139

emdireçãoaoutrospaíses, criando franquiasde suasmarcasqueostransformam em atores transnacionais de suas próprias coleções.Exemplosdesta tendênciasãooGuggenheimBilbao(1997),oLouvreAbu-Dhabi(2007)eoHermitageAmsterdam(2009)73.

4.OMuseuRe-imaginado:MuseologiaeTransformação

Pensarapráticamuseológicaparaalémdamáquinacapitalista,

buscar propostas que logrem articular os interesses e desejos decoletividades específicas é o desafio que se coloca, hoje, para osmuseus–sejamelestradicionaisoudeterritório,materiaisoudigitais,universalistas ou comunitários. Tal desafio pode ser atuado sob aforma de movimentos de resistência, engendrando práticas quetenham ressonâncias positivas em âmbito local ou regional. Este é ocasodasiniciativasdeeconomiacriativaemmuseus,jáapontadasemtrabalhos comoo deArgenta (2018)74. Há, contudo, um risco de quetaispráticasnãovenhamaconstituirsoluções,nemtemporáriasnemdefinitivas,dadaaavassaladoratendênciadaculturacontemporâneaaesvair-se noquantum econômico; e a imperativa rapidez comque sepromoveamudançaeainovação75.

O tema da economia criativa aflorou como “questão” com aModernidadeeodesenvolvimentodasmídiaseda indústriacultural;ganhourelevocomoadventodasTICsedasindústriascriativas(1995-2005); e consolidou-se no cenário mundial com a configuração dasHumanidades Digitais – quando, à economia industrial, somou-se aideia de uma “economia do conhecimento”. Ganhou especialconsistênciaapartirdoano2000,quandoaUniãoEuropeia lançoua“Estratégia de Lisboa”, determinando que em dez anos a UE deveriatornar-se a área mais competitiva do mundo em economia doconhecimento. Liefooghe (2010, p. 181) comenta que, em 2008, a

73 In: https://theartsjournal.net/2017/01/21/the-museum-as-a-transnational-actor/.Acessoem30.06.202174 Argenta, Denise (2018). A Economia do Intangível: um estudo sobre opotencialdeEconomiaCriativaemMuseusdoOestedeSantaCatarina.Tese(Doutorado).RJ: ProgramadePós-GraduaçãoemMuseologia ePatrimônio -PPG-PMUS,UNIRIO/MAST.Orientação:T.Scheiner.75 In: https://www.cairn.info/revue-innovations-2010-1-page-181.htm .Acessoem30.06.2021.

Page 142: Livro Museologia e Património - Volume 6 - para capa e ...

MuseologiaePatrimónio–Volume6

140

Comissão de Bruxelas decretou que 2009 seria “o ano europeu dainovação e da criatividade”76. É preciso lembrar que na economiaglobalizadaosistemaprodutivoéflexíveleseapoia“sobreainovaçãopermanente e uma mão de obra muito qualificada que alimenta aomesmo tempo a indústria e os serviços” 77 (ibid.). Não por acaso, ainovação tornou-se o novo “mantra” da área de Planejamento eDesenvolvimento,comforteressonâncianoâmbitodaAcademiaedagestão de processos e produtos culturais78, aliado à ideia decriatividade - fundamentando a proposta de um novo modelo dedesenvolvimento.Nasciênciashumanas,essacriatividadeé revestidadeumcomponenteartístico(oupoético)queimpregnaaideiadeuma“economiadacultura”.

Liefooghe (2010, p. 184-186) indica uma distinção entre aeconomiada cultura - que tratadavaloraçãoeconômicadaspraticasartísticas e do patrimônio, influenciando as políticas culturais, e aeconomia da criatividade - que estuda o desenvolvimento dasindustrias criativascomoocinema,amúsica, as industriasdo luxo,apublicidade, amoda, a arquitetura.Masponderaqueos limitesentreessas duas áreas não são precisos e nem fechados, e que asclassificações variam segundo os autores que a elas se dedicam. Umdos pontos de convergência seria a ultrapassagem “da dialéticaconflitual entre criação artística e valorização econômica dacriatividade”79(Ibid.,p.185),diminuindoosespaçosdefronteiraentreos âmbitos tradicionalmente chamados “patrimonial” e de “criaçãocultural”80.

76[…]2009sera«l’annéeeuropéennedel’innovationetdelacréativité».77[…]lesystèmedeproductionflexiblemisesurl’innovationpermanenteetunemain-d’œuvretrèsqualifiéeirriguantàlafoisl’industrieetlesservices78Liefooghe(2010,p.181)lembraqueSchumpeterjácolocavaacriatividadeeainovaçãonocentrodoprocessodeevoluçãodocapitalismo.79 […] Le dépassement récent de la dialectique conflictuelle entre créationartistiqueetvalorisationéconomiquedecettecréativité.80 A esse respeito, ver Miceli, Sérgio (1984). Teoria e prática da políticacultural oficial no Brasil. RJ: Rev. Adm. Empr., 24 (1), Mar 1984.https://doi.org/10.1590/S0034-75901984000100002. In:https://www.scielo.br/j/rae/a/LS55XsFfV6n5HzJVxqTptxD/?lang=pt. Acessoem30.06.2021

Page 143: Livro Museologia e Património - Volume 6 - para capa e ...

MuseologiaePatrimónio–Volume6

141

As duas primeiras décadas do século 21 assistiram aocrescimento epluralizaçãodepropostasdedesenvolvimento criativoassociadas à indústria, à ciência e à arte. A ideia de “cidade criativa”(Landry1900,apudLiefooghe2010,p.182)impregnouasestratégiasdo desenvolvimento urbano, chegando a influenciar as diretrizes daUNESCO,queem2004criouumaRededeCidadesCriativas(UNESCOCreative CitiesNetwork - UCCN) “para promover a cooperação com eentre cidades que identificaram a criatividade como um fatorestratégico para o desenvolvimento urbano sustentável”81. Istosignifica que agora, para a UNESCO, a criatividade é patrimôniohumano.ARede, integradapor “246 cidades demais de 80Estados-membros da UNESCO” 82 atua como plataforma de intercambio ecooperação para implementar os “17 Objetivos de DesenvolvimentoSustentável da Agenda 2030 das Nações Unidas, notadamente oObjetivo 11 sobre cidades e comunidades sustentáveis” (UNESCO,2020).Asaçõesfocalizamessencialmenteasáreasdoartesanatoeartefolclórica,design,cinema,gastronomia,literatura,mídiaemúsica;maso que todas essas cidades têm em comum é “o desejo de colocar acriatividadenocentrodoseufuturo”83.

É evidente que as cidades assim nomeadas se beneficiam detodaasortedeinsumosparaodesenvolvimento,especialmentenoqueserefereaoturismoeàsmídiascriativas.Nessecontexto,museussãopensados como parte do mobiliário e dos serviços urbanos, como“commodities” que podem adequar-se às novas estratégiassocioeconômicas.Estaé,comojásabemos,umapropostacapciosa,quepode garantir novos e amplos recursos para osmuseus tradicionais,especialmenteaquelesconsideradosemblemáticosemcadapaís;mastambémdirecionaelimitaasuaatuação.ÉocasodoprogramaEuropaCriativa2014-2020,daComunidadeEuropeia,quemobilizafundosdaordem de 1.46 bilhões de Euros, oferecendo suporte aos setores dacultura e audiovisual. Seria ingênuo imaginar que os museus

81In:https://pt.unesco.org/covid19/cultureresponse.Acessoem30.06.2021.82Dezdestas246cidadesestãonoBrasil:Belém(PA),BeloHorizonte(MG),Florianópolis (SC)eParaty (RJ) -gastronomia;Brasília (DF),Curitiba (PR)eFortaleza (CE) - design; João Pessoa (PB) - artesanato e artes populares;Salvador(BA)-música;eSantos(SP)–cinema.In.Op.Cit.83 […] their desire to put creativity at the heart of their future. In:https://unesco.org.uk/creative-cities/Acessoem30.06.2021.

Page 144: Livro Museologia e Património - Volume 6 - para capa e ...

MuseologiaePatrimónio–Volume6

142

beneficiados teriam completa liberdade para definir, nesse contexto,seusprogramaseestratégiasdeação.

Tomemos como exemplo o grupo de trabalho Museus eIndustrias Criativas, criado em2014no âmbito daRedeEuropeia deOrganizações de Museus (NEMO). A partir de 2015, o grupodesenvolveuumametodologia“paramedirasinergiaquandomuseuseindustrias criativas atuam juntos para desenvolver novos produtos eserviços. O objetivo é destacar os museus como importante base deapoioparaasindustriascriativas”84ouparasetornarem,elesmesmos,instanciascriativaseinovadoras.Em2018,otemadoAnoEuropeudaCultura - “NossoPatrimônio:ondeopassadoencontrao futuro” (Ourheritage:wherethepastmeetsthefuture)deuotomdasaçõesdosetorde museus no continente: o Museu do Design, em Londres, foiagraciadocomopremiodeMelhorMuseuEuropeu.

Aindaassim,emsuamaioria,osdirigentesdemuseusparecemter dificuldades em incorporar essas novas diretrizes: pesquisasrealizadas pelo GT do NEMO entre 2015 e 2017 revelaram que odesempenhodosmuseuseuropeusnoâmbitodas industriascriativas“foi, em geral, apenas vagamente reconhecido”85. Outro relatóriorecentedogrupo, “PremioMuseuEuropeu–umguiaparao trabalhode qualidade em museus”86 (2018), comprovou que a avaliação daqualidade publica dos museus, parâmetro absoluto em todas asestratégias avaliativas de museus para efeito de premiação,permaneceupraticamenteinalteradadesde1977;oquemudouforamos critériosdeavaliação.Entre asmudanças significativaso relatórioindica a criação do “Premio Patrimônio em Movimento” (Heritage

84 […]measuring thesynergywhenmuseumsand thecreative industriesworktogether to develop new products and services. The aim was to highlightmuseums as an important support base for creative industries […]. In:https://www.nemo.org/fileadmin/Dateien/public/NEMO_documents/NEMO_2018_Publication_Museums_and_Creative_Industries_Case_Studies_from_across_Europe.pdf.Acessoem30.06.2021.85Withsomeremarkableexceptions,thesurveysundertakenbytheGroupshowthat museums’ role in the context of creative industries across continentalEuropehas, ingeneral,onlybeenvaguely recognized.NEMOReport2017.Op.Cit.86 Museum Awards – A Guide to Quality Work in Museums, coordinated byMargheritaSani.Op.Cit.

Page 145: Livro Museologia e Património - Volume 6 - para capa e ...

MuseologiaePatrimónio–Volume6

143

Motion Award)87, que celebra os melhores produtos multimídiagerados pelos museus: apps, websites, conteúdos online, games,experiênciasinterativas,filmes,vídeosesimilares88-todosvinculadosàstecnologiasdigitais.Orelatóriofinalizaafirmandoque“érealmentenecessáriodarmaisênfaseaousodasindustriascriativasemmuseuscomo um meio essencial para promover serviços públicos de altaqualidade”89. Eis aí, colocada claramente, a intençãodeusaroMuseucomo commodity – e de privilegiarmuseus que se apresentam sob aformadedispositivosdigitais.

Nãose trata, aqui,doMuseuVirtual, representação legítimaeessencialmente criativa do fenômeno Museu; mas sim do usoinstrumentalizado do Museu Tradicional em todas as suasdimensões90, apoiado no uso (equilibrado ou não) das novastecnologias. Se em alguns casos essas tecnologias podem realmenteaportar ganhos para os museus - especialmente no que tange àsmetodologias de exposição e de interação com os públicos, com aintroduçãodedispositivoseartefatosinovadoreseasintonizaçãocomnovasmídias sociais, como o Instagram, o Facebook, o Twitter91, emoutroscasoselaspoderãovirasobrepor-seaosmodoseformasmais“presenciais” de relação entre museus e seus públicos, que sempreprivilegiaramassensibilidadesindividuais.

Nos museus comunitários e ecomuseus, essa relação é aindamais complexa e delicada, já que as comunidades responsáveis pela

87 O premio é uma iniciativa conjunta da Europa Nostra e da AcademiaEuropeiadeMuseus.88OutrainiciativaéoPremio“MuseusItalianosemCurtas”(ItalianMuseumsin Short Award), criado em 2012 peloMuseu da indústria e do Trabalho, aAcademia Europeia deMuseus e a FundaçãoBrescia Musei para destacar opapeldosmuseuscomoparceirosrelevantesdaindústriacriativa,premiandocurtas em vídeo associados a museus. É uma iniciativa apoiada pelo ICOMItáliaedaqualfazparteoatualPresidentedoICOM,AlbertoGarlandini,cujocurrículoincluiexperiênciascomcinemaeaudiovisuais.89[…]Thereisindeedaneedtoplacegreateremphasisupontheuseofcreativeindustries in museums as a primary means of delivering high-quality publicservices90 Museu Tradicional Ortodoxo, Exploratório ou com Coleções Vivas;universalistaoucomunitário.91Viana&,Scheiner2019,p.01-22.

Page 146: Livro Museologia e Património - Volume 6 - para capa e ...

MuseologiaePatrimónio–Volume6

144

sua gestão podem ser seriamente pressionadas pela necessidade depermanecer (ou se tornar) “criativas” para garantir suasustentabilidade.

Em trabalhos anteriores (Scheiner 2018, 2019), já havíamosapontadoqueasTICsoferecemaoMuseuapossibilidadereal,prática,degerareusarnovasformasestéticasedeconexãocomosdiferentesgrupos sociais, instituindo novas dimensões para a instância do“maravilhoso” – o movimento que sempre pautou as relações entremuseusesociedade,emtodosos tempos.Masapráticacomprovaoslimitesreaisdessasrelações:

Enquanto os museus olham para as tecnologiasdigitais como ameaça ou como souvenirmuseográfico, as grandes empresas mundiais detecnologia digital estão aproveitando o olharromântico dosmuseus e utilizando seus ambientescomo laboratório experimental, a custo zero e semdireitoderetorno(Viana&Scheiner2019,p.19).

A prática lembra ainda que toda conexão depende de

dispositivos tecnológicos, e que se deve incentivar outras estratégiasde conexão entre pessoas, não necessariamente mediadas por essesdispositivos.Esteéoverdadeirofundamentodaspráticasinclusivas;epoderá “diminuir os índices de invisibilidade dos grupos sociais nãohiperconectados e com acesso restrito às tecnologias digitais”(Scheiner2020,s/p.).Naeradotemporeal,taisexercíciospodemserum verdadeiro movimento de resistência, garantindo espaços devisibilidade e participação para os grupos vinculados aos museuscomunitáriosedeterritório.Trata-seaquideumnovotipodeviagem:atravessarasesferasdesignificaçãoquearticulamosdiferentesplanosderealidade-oâmbitomaterialeoâmbitodigital.

5.Concluindo...

Partirda inovaçãocomopropostadepresentecorresponderia

areinventaromundo,recriarascoisas,rejeitandomodelosesgotadose soluções inadequadas ao modus vivendi das sociedades atuais. Oproblema é que desenhou-se na esfera sociocultural um verdadeiro

Page 147: Livro Museologia e Património - Volume 6 - para capa e ...

MuseologiaePatrimónio–Volume6

145

Mito da Inovação, alimentado pelas possibilidades e perspectivas demudança oferecidas pelas tecnologias digitais. No campo daMuseologia fala-se em Museu Reinventado, Re-imaginado, tomandopor novo e revolucionário o que é apenas repetição. O mais agudosintoma dessa nova Mitologia do Museu é o esforço do ICOM e dosespecialistasemredefinirMuseu,eemestabelecercomoprecisaráseromuseudoséculo21.

Redefinir o Museu corresponde a um desejo de reinventá-locomo construto simbólico, enfrentado o esgotamento do modeloconsagrado pela Modernidade e continuamente repetido, reificado,num sucessivo processo de reiteração do Mesmo. Revela, ainda, aintenção de associar Museu e Transformação, deslocando o foco decentralidade do modelo institucional em direção aos movimentossociais do presente ou do passado recente, sob a perspectiva doempoderamento comunitário. Aqui, como proposta de futuro, aMuseologiaestariaaserviçodobemestarsocial.

Masestapodeser,também,umaoutrafacedomito:buscandorefocalizaroMuseu,acaba-seporre-presentificá-lonosatuaissuportesmidiáticos, tornando-o de certa forma refém das novas tecnologias.Muda-seaaparência,masnãoaessência.Istoéoquetemalimentadoas falsas teorias da redefinição doMuseu. Neste processo desvela-seaindaumclaroparadoxo:redesenharoMuseuàimagemesemelhançadosmuitosgruposdeopinião/pressãoquehojedominamacenasocial,num movimento que muitos percebem como deslocamentodemocrático,podesernaverdadeomodocontemporâneodealinhar-se ao modus faciendi do capitalismo. Em 1983, Burcaw (p. 12) jáapontava que estar a “serviço da sociedade” significaria, no contextodoschamados“paísesocidentais”,“daràspessoasoqueelasdesejam,ideiaconsistentecomsuamaislegítimanaturezaeducacional”92.

92 Actually, one way of signaling the different museum philosophies betweenEastandWest(socialistcountriesversuscapitalistcountries,toputitsimply)ison the understanding of what "service of society" should mean. In socialistcountries itmeans, to some degree, presenting and encouraging the public toaccept theofficialpoliticalandeconomic stanceof thegovernment: that is,asstated, the Marxist-Leninist world view based on dialectical and historicalmaterialism.Mostofthemuseumsandmuseumprofessionalsintheworldhaveother political views. In Western countries, “service of society" means givingpeople what they want, consistent with the museum’s serious educational

Page 148: Livro Museologia e Património - Volume 6 - para capa e ...

MuseologiaePatrimónio–Volume6

146

Oquesedeveentãobuscar,nocenáriocontemporâneo,nãoéespecificar a quem o Museu se dirige, mas sim compreender de queforma e por que meios o Museu pode deixar de ser “uma evidenciaserena”, onde “não subsiste nenhum lugar para a dúvida” (Deloche2010,p.5),abrindoespaçosparaumaverdadeiratransformação.Issoinclui incorporar a dúvida, as incertezas, os caminhos múltiplos, adiferença, o verso e o reverso das coisas, a permanente busca poraquiloquesequersabemosprecisaroqueseja–masqueestálá.

E portanto, a transformaçãonãopode ser buscadanomundoexterior–naspolíticassocializadas,nosdispositivosinformacionaisounasdenominações “engajadas”: aindaqueoMuseueoPatrimônio seinstaurempelapalavra,narelação,“dizer”oMuseueoPatrimônionãosignifica adjetivá-los, reduzi-los a conceitos incompletos emaniqueístas, aprisionadores de sentidos. Esta é a utopia que aindaprecisa ser rompida: é preciso deixar de pensar e utilizar osmuseusapenas como representação, tentar atuá-los como manifestação doReal(aquiloqueadvém).

Essa transformação terá que engendrar-se a partir doindividuo: deverá vir dos mundos interiores da percepção, dasensação,darazãoedosentimento;eapartirdoindividuo,“derramar-se” em direção ao corpo social, impregnando todas as suas dobras emanifestações.Estaéaverdadeira“passagem”quedesejamos-amaisplena, incondicional e integral viagem: a que mobiliza a mente e ossentidos e nos projeta em direção ao Outro, na essência mesma damultiplicidade.

A que Museu corresponderia essa passagem? Ao MuseuHíbrido, talvez; como diria Latour (2005, p. 9), nós mesmos somoshíbridos.

MuseucomolugardeEncontro,extensãodoEu–individualecoletivo.Seráesteomitopresente,ouaprópriaessênciadoMuseudoSéculo21?

nature, not what government decides the public should be given. Westernmuseums, ideally, assist people voluntarily to arrive at their own fulfillment,theirowndesirededucation.

Page 149: Livro Museologia e Património - Volume 6 - para capa e ...

MuseologiaePatrimónio–Volume6

147

ReferênciasBARTHES, Roland. Mitologias. (1993 [1957]). Trad. de RitaBuongeminoePedrodeSouza.9aed.RJ:BertrandBrasil.BURCAW,G.Ellis. (1983).BasicPaper. In:MethodologyofMuseologyand Professional Training. ICOFOM STUDY SERIES – ISS No. 01.ICOM/ICOFOM.London,July1983,p.10-17.DELOCHE, Bernard (2001). Le Musée Virtuel. Vers une étique desnouvelles images. Préface de Régis Debray. Paris: PressesUniversitairesdeFrance.265p.DELOCHE, Bernard (2010). Mythologie du Musée. De l’uchronie àl’utopie.Coll.Myth’O.EditionsLeCavalierBleu,France.95p.GOFF, PatriciaM. (2017). TheMuseumas aTransnationalActor. Jan.21,2017. In:https://theartsjournal.net/2017/01/21/the-museum-as-a-transnational-actor/.Acessoem30.06.2021.JACINTO, Rui; DIÉGUEZ, Valentín C. (Coord.) (2015). Espaços defronteira, territórios de esperança: paisagens e patrimónios,permanências emobilidades. 1ª ed. Guarda: CEI - Centro de EstudosIbéricos. Lisboa: Âncora Editora. 286 p.: il. (Iberografias: 30). ISBN978-972-780-504-4(CEI).-ISBN978-989-8676-08-5.JONES, Josh (2021).What’s on the Origin of Time Travel Fiction. In:https://www.openculture.com/2018/02/whats-the-origin-of-time-travel-fiction.html.Acessoem27.06.2021.LATOUR, Bruno. (2005 [1994]). Jamais fomos Modernos. Ensaio deAntropologia Simétrica. Trad. Carlos Irineu da Costa. RJ: Editora 34.149p.LIEFOOGHE,Christine(2010).ÉconomieCréativeetDéveloppementdesTerritoires:enjeuxetperspectivesderecherche.DeBoeck:«Innovations

Page 150: Livro Museologia e Património - Volume 6 - para capa e ...

MuseologiaePatrimónio–Volume6

148

» (1) 31, p. 181-197. In: https://www.cairn.info/revue-innovations-2010-1-page-181.htm.Acessoem30.06.2021.McLUHAN, Marshall; PARKER, Harley; BARZUN, Jacques. (2008). Lemusée non linéaire. Exploration desméthodes,moyens et valeurs de lacommunication avec le public par lemusée. Trad., Introd. et notes parBernardDelocheetFrançoisMairesse,aveclacollaborationdeSuzanneNash.Paris:Aléas.216p.PELTZ, Daniel (2021). Filósofo e potentado: Morre Kenneth Kaunda,fundador da Zâmbia. 17.06.2021. In: https://www.dw.com/pt-002/fil%C3%B3sofo-e-potentado-morre-kenneth-kaunda-fundador-da-z%C3%A2mbia/a-57940104.Acessoem28.06.021.SCHEINER, Tereza (1997). Apolo e Dioniso no templo das musas.Museu:gênese,ideiaerepresentaçõesnaculturaocidental.Dissertação(Mestrado). RJ: Programa de Pos-Graduaçao em Comunicação eCultura,ECO/UFRJ.Orientador:PauloVaz.SCHEINER, Teresa Cristina (2004). Imagens do “Não Lugar”.Comunicação e os “novos patrimônios”. Tese (Doutorado). Rio deJaneiro: Programa de Pós-graduação em Comunicação e Cultura,UFRJ/ECO.294p.Il.Orientador:PriscilaKuperman.SCHEINER,TeresaCristina. (2008).OMuseu,aPalavra,oRetratoeoMito. Museologia e Patrimônio, I (1), p. 58-73. In:http://revistamuseologiaepatrimonio.mast.br/index.php/ppgpmus.VALENÇA, Vivianne Ribeiro (2021). Ecomuseu Ilha Grande:(re)pensando conceitos, praticas e dinâmicas de um territóriomusealizado. Tese (doutorado). Programa de Pos-Graduaçao emMuseologiaePatrimônio,PPG-PMUS,UNIRIO/MAST.RJ:UNIRIO.627p.Orientador:T.Scheiner.VIANA, Karina Muniz; SCHEINER, Teresa (2019). Museu e Individuoglobalizado no Instagram: ressignificações, subjetividades ecompartilhamentosvirtuais.In:AnaisdoXXENCONTRONACIONALDEPESQUISA EM CIÊNCIA DA INFORMAÇÃO – ENANCIB. A Ciência da

Page 151: Livro Museologia e Património - Volume 6 - para capa e ...

MuseologiaePatrimónio–Volume6

149

InformaçãoeaEradaCiênciadeDados.GT-09–Museu,PatrimônioeInformação. Florianópolis, SC: p. 01-22. Disponível emhttps://conferencias.ufsc.br/index.php/enancib/2019/paper/view/1085/956.ISSN2177-3688.SitesConsultados- https://www.dw.com/pt-002/l%C3%ADderes-africanos-

lamentam-morte-de-kenneth-kaunda/a-57949394.Acessoem28.06.2021.

- https://museum.archives.gov/founding-documents.Acessoem30.06.2021.

- https://en.wikipedia.org/wiki/Holy_Defense_Museum.Acessoem24.06.2021.

- https://www.dw.com/pt-002/fil%C3%B3sofo-e-potentado-morre-kenneth-kaunda-fundador-da-z%C3%A2mbia/a-57940104.Acessoem28.06.021.

- https://www.openculture.com/2018/02/whats-the-origin-of-time-travel-fiction.html.Acessoem27.06.2021.

- https://en.wikipedia.org/wiki/Kakbhushundi.Acessoem27.06.2021.

- https://www.britannica.com/topic/Buddhism/The-Pali-canon-Tipitaka.Acessoem27.06.2021.

- https://pt.wikipedia.org/wiki/Deva_(budismo).Acessoem27.06.2021.

- https://en.wikipedia.org/wiki/Rip_Van_Winkle.Acessoem27.06.2021.

- https://pt.wikipedia.org/wiki/Back_to_the_FutureAcessoem28.06.2021.

Page 152: Livro Museologia e Património - Volume 6 - para capa e ...

MuseologiaePatrimónio–Volume6

150

- https://pt.wikipedia.org/wiki/Groundhog_Day.Acessoem

28.06.2021.

- https://pt.wikipedia.org/wiki/Primer_(filme).Acessoem30.06.2021.

- https://pt.wikipedia.org/wiki/Travelers_(s%C3%A9rie_de_televis%C3%A3o).Acessoem28.06.2021.

- https://pt.wikipedia.org/wiki/Outlander_(s%C3%A9rie_de_televis%C3%A3o).Acessoem28.06.2021.

- https://pt.wikipedia.org/wiki/Highlander.Acessoem28.06.2021.

- https://pt.wikipedia.org/wiki/Matrix.Acessoem01.07.2021.

- https://pt.wikipedia.org/wiki/Being_John_Malkovich.Acessoem01.07.2021.

- https://pt.wikipedia.org/wiki/Yume#Corvos[13].Acessoem29.06.2021.

- https://anacostia.si.edu.Acessoem29.06.2021.

- https://www.palais-decouverte.fr/fr/accueil/.Acessoem29.06.2021.

- https://en.wikipedia.org/wiki/Exploratorium.Acessoem29.06.2021.

- https://theartsjournal.net/2017/01/21/the-museum-as-a-transnational-actor/.Acessoem30.06.2021.

- https://www.cairn.info/revue-innovations-2010-1-page-181.htm.Acessoem30.06.2021.

Page 153: Livro Museologia e Património - Volume 6 - para capa e ...

MuseologiaePatrimónio–Volume6

151

- https://www.scielo.br/j/rae/a/LS55XsFfV6n5HzJVxqTptxD/?lang=pt.Acessoem30.06.2021.

- https://pt.unesco.org/covid19/cultureresponse.Acessoem30.06.2021.

- https://unesco.org.uk/creative-cities/.Acessoem30.06.2021.

- https://www.nemo.org/fileadmin/Dateien/public/NEMO_documents/NEMO_2018_Publication_Museums_and_Creative_Industries_Case_Studies_from_across_Europe.pdf.Acessoem30.06.2021.

Page 154: Livro Museologia e Património - Volume 6 - para capa e ...

MuseologiaePatrimónio–Volume6

152

OSDESAFIOSDAPÓS-VERDADEEDAINFODEMIAPARAA

MUSEOLOGIA

CarlosAlbertoÁvilaAraújoUniversidadeFederaldeMinasGerais,Brasil

http://orcid.org/0000-0003-0993-1912

1.Introdução

Nos últimos anos, novos modos de produção, circulação,disseminação,usoeapropriaçãodainformaçãotêmseconsolidadoemtodoomundo.Alémdoincrementodaspossibilidadesdeproduçãodeconteúdo por parte das pessoas, do acesso amplo a várias fontes eserviçosdemaneiraubíqua,davelocidadeevariedadedeformatosdemídias, houve, também, um conjunto de problemas, associadossobretudoàamplacirculaçãode informaçõesfalsasedediscursosdeódio.

Umadastentativasdedefiniçãodetalmomentosedeuapartirdaexpressão“pós-verdade”.Ela jávinhasendousadaháalgunsanos,mas se tornoupopularem2016,quando foi escolhida como “palavradoano”peloDicionárioOxfordesetornoudiretamenterelacionadaadois fatos extremamente importantes para a política mundial – aeleição de Donald Trump para a presidência dos Estados Unidos e avitóriadoplanoqueprevêasaídadoReinoUnidodaUniãoEuropeia,conhecido pela sigla brexit (abreviatura de Britain exit). ConformeSantaella(2019),otermo“pós-verdade”jáhaviasidousadoporSteveTesich em 1992, em sua análise sobre a Guerra do Golfo, e estavapresente no título de um livro pela primeira vez na obra de RalphKeyes publicada em 2004. Mas foi em 2016 que a expressão foiintensamenteutilizada,designandoas “circunstânciasnasquais fatosobjetivossãomenosinfluentesnaformaçãodaopiniãopúblicadoqueapelosàemoçãoeàcrençapessoal”(Santaella,2019,p.7).

Maisrecentemente,em2020,nocontextodapandemiacausadapelocoronavírus,aexpressão“infodemia”consolidou-separadesignaromomento atual, chegando a haver um congresso científico sobre otema promovido pela Organização Mundial da Saúde, órgão da

Page 155: Livro Museologia e Património - Volume 6 - para capa e ...

MuseologiaePatrimónio–Volume6

153

OrganizaçãodasNaçõesUnidas(Naeem&Bhatti,2020).Aassociaçãodos termos informação e pandemia caracteriza, pois, umacaracterização patológica da dimensão informacional: a gigantescaabrangência e velocidadededisseminaçãode informações falsas temproduzido um quadro em que as informações falsas estão maispresentesnavidadaspessoasdoqueasverdadeirasedequalidade,eacabam tendo muito mais influência na tomada de decisões e nadefinição das linhas de ação. Assim se constitui uma natureza“pandêmica” dos fenômenos informacionais, tomados desde aperspectivadeseusefeitosadversosoudisfunções.

Tais tentativas de caracterização da realidade informacionalcontemporâneapartemda constataçãodeque,nasdécadasde1960e1970,várioslivroseartigoscientíficosanteviamachamada“sociedadeda informação”, istoé, traziamaesperançadegrandesavançosparaahumanidade, em suas várias dimensões (política, economia, trabalho,direitos humanos), por meio de um maior acesso à informação,possibilitada pelos desenvolvimentos tecnológicos. Nos últimos anos,pôde-se constatar que houve, efetivamente, um grande avançotecnológico no campo da informação, com a criação dosmicrocomputadores, da internet, dos motores de busca, das redessociais, dos smart phones, entre outros. Contudo, a promessa de umasociedademaisracional,democráticaeinclusivanãosecumpriu.Assim,trabalhos científicos recentes designam o momento atual com outrasexpressões:“ogranderetrocesso”(Geiselberger,2017),“asociedadedecontrole”(Souza,Avelino&Silveira,2018),o“mundoOrwell”(GómezdeÁgueda,2019),a“sociedadedaignorância”(Mayos&Brey,2011)oua“sociedadedodesconhecimento”(SerranoOceja,2019).Sãoanálisesquedestacam os efeitos nocivos da realidade da pós-verdade, ou dainfodemia, para as várias dimensões e instâncias da vida humana nacontemporaneidade.

Essanovarealidadetemsecolocadocomoumdesafioparaasciências,profissõesetécnicasquelidamcomoconhecimentohumano,isto é, com a informação, tais como o jornalismo, a educação, abiblioteconomia, a ciência da informação, a arquivologia e amuseologia.

Oobjetivodestetextoétrabalhar justamentecomesseúltimocampo,buscandovercomoarealidade informacionalatual impactaareflexão museológica contemporânea. A análise aqui empreendida

Page 156: Livro Museologia e Património - Volume 6 - para capa e ...

MuseologiaePatrimónio–Volume6

154

partedeumlugar teóricodaaproximaçãoentremuseologiaeciênciada informação (Araújo, 2014), de onde são tensionadas algunselementos do momento atual e as categorias intelectuais paracompreendê-los.

2.Arealidadeinformacionalcontemporânea

Diferentes termos vêm sendo utilizados para descrever ocenário informacional atual e eles abarcam aspectos específicos daquestão,ousereferemespecificamenteaumadimensãodoproblema.Váriospesquisadorestêmdemonstradoqueessecenárioé,naverdade,constituídodediferentesaspectosedimensões,quealgumasvezessesobrepõem e/ou se complementam (O’Connor & Weatherall, 2019;Peters, Rider, Hyvönen & Besley, 2018). Um dos desafios que secolocamnessemomento, para as várias ciênciasquebuscamestudartais fenômenos, é, justamente, identificar cada um desses aspectos,analisar os termos, conceitos e categorias de análise utilizados paraestudá-los, e propor um quadro conceitual geral capaz de inter-relacioná-los.Seguindoessedesafio,propõe-seaseguirdiferenciarosfenômenos e conceitos relacionados a partir de três aspectos: ostermosquesereferemafenômenosnosquaisasinstituiçõesquelidamcomoconhecimentoeainformaçãosãoreconhecidasedistorcidas(asfake news e a fake science); os que se referem a fenômenos dedeslegitimação das instituições de conhecimento e informação (ostestemunhais falsos,asteoriasconspiratóriaseodiscursodoódio);eosqueserelacionamcomocontextoemquetaisfenômenosocorrem(a infodemia e a pós-verdade). Após essa apresentação, justifica-seessadecisãoapartirdoconceitodedesintermediaçãodainformação.

Assim,umaprimeiracategoriadefenômenosserefereapráticasque reconhecem a legitimidade das instituições modernas deconhecimentodarealidade:ojornalismoeaciência.Oprimeiroconceitorelevantenessadiscussãoéode fakenews.Háumaresistênciaaousodessetermo,porpartedejornalistaseestudiososdacomunicação,pelofatodeque,seéfalso,entãonãoénotícia–entendendo-senotíciacomoumacategoriajornalística.Ousoabundantedotermo,contudo,acabouporoconsagrarcomofundamentalparaacompreensãodanossaépoca.Literalmente, fakenews significamnotícias falsas.Oprimeiroelementode sua caracterização é sua falsidade: elas são produzidas com a

Page 157: Livro Museologia e Património - Volume 6 - para capa e ...

MuseologiaePatrimónio–Volume6

155

intençãodementir,deenganar,dedistorcerouesconderaverdade.Osegundo elemento é que elas buscam ser apreendidas como notíciasjornalísticas verdadeiras. Ou seja, as fake news são parte de umaestratégia que reconhece a legitimidade do discurso jornalístico, dasinstituiçõesjornalísticase,emlugardequestionaressalegitimidade,naverdade se aproveitam delas para terem credibilidade. Não só dojornalismo, mas também das universidades, institutos, da ciência –frequentemente as fake news apelam para “especialistas”, cientistas,professores,políticos,algunsfalsos,outroscomfaladistorcida.

Fake news portanto são mentiras travestidas de jornalismo.Elas podem ter origem um site que copia, na aparência, ascaracterísticas de um site jornalístico; podem ter como nome ouendereçowebomesmonomedeumainstituiçãojáexistente,comumaletra trocada; podem ser assinadas por pessoas que se apresentamcomo jornalistas sem serem, ou por pessoas com o nome quaseidênticoaode jornalistasoucolunistasreconhecidoserespeitados.Otextoutilizaaestruturatípicado jornalismo– linguagem,entrevistas,apoioemavaliaçõesdeespecialistas,imagens,entreoutros.

É importantedestacaro fatodeque,obviamente,nãosequerdar a entender aqui que os meios de comunicação sempre dizem averdade. Décadas de estudos científicos têm demonstrado como osveículos jornalísticos sãoempresasqueatendemou são suscetíveis adeterminados interesses de grupos econômicos, políticos, militares,religiosos, etc (Pellicer Alapont, 2017). Contudo, sempre foraminstituições com sede, registro, funcionários contratados e, para aconstrução de sua credibilidade, nunca puderam inventar fatoscompletamente falsos, sob pena de serem responsabilizados edesacreditados.Distorçõesde fatos,enquadramentos favoráveisaumgrupooudesfavoráveisaoutro,silênciosobrefatosdesabonadoresdeseus financiadores, escutar apenas um lado da questão, mistura deopinião em conteúdo informativo são algumas das várias estratégiaspara moldar ou distorcer a realidade conforme determinadosinteresses. A novidade trazida pelas fake news é a construção de umrelato completamente falso, de uma notícia de um fato que nuncaaconteceu,esuaapresentaçãonosmoldesdodiscursojornalísticos.Aforça das fake news reside na incapacidade (ou desinteresse, comoseráapontadoaseguir)daspessoasemdiferenciarumtipodeoutro,

Page 158: Livro Museologia e Património - Volume 6 - para capa e ...

MuseologiaePatrimónio–Volume6

156

atribuindo o mesmo grau de confiabilidade a conteúdos distintosapenaspelaaparênciadoconteúdoinformacional.

Ooutroconceitoéodefakescience,associadoaofenômenodonegacionismo científico. Muitos estudos mostram quequestionamentosàciênciaexistemhámuitotempo,provenientestantodo senso comum, das autoridades constituídas nas práticastradicionais, como tambémde líderes religiosos.Masonegacionismocomo uma estratégia articulada tem, segundo historiadores, umaorigembemprecisa:trata-sedeumfenômenoemqueaautoridadedaciência passou a ser questionadapor pessoas comuns, numprocessomotivado por interesses econômicos de determinados gruposempresariaisecorporativos.Omarcodeorigemdesseprocessosedeuna década de 1950, nos Estados Unidos, quando diversos estudoscientíficos começaram a associar o fumo ao câncer. Gruposempresariaisdaindústriadotabacocriaram,então,aTobaccoIndustryResearch Committee, com o objetivo de financiar “cientistas” quedemonstrassemocontrário,quenãohaviaevidênciasconclusivasdosmales causados pelo fumo. O objetivo principal não era invalidar asconclusões dos cientistas de então, mas semear a dúvida junto aopúblico,gerarconfusão.Numestudoclássicosobreoassunto,OreskeseConwayexplicamque,paraessecomitê,adúvidaeraoseuproduto.Uma vez estabelecida a verdade científica, a poderosa indústria dotabaco precisava garantir a sobrevivência de seu negócio. Gruposindustriais do tabaco criaram uma fundação, começaram a financiarcientistas para dizerem que não era totalmente certo que o fumocausava câncer (porque, claro, não poderiamprovar o contrário) e adisseminar a ideia de que qualquer debate sobre o tema, emuniversidades,escolasounamídia,deveriaapresentarosdois“lados”daquestão,istoé,odosquetêmcertezadequecausacâncer,edosquedizemque talvezcause. Isso foiconduzindoà ideiadequehaviadoisladosdaquestãoe,paraopúblicoleigo,consolidava-seaideiadequehavia os cientistas quediziamque causa câncer e os quediziamquenão.Issofoisuficienteparasemearadúvidaegarantiracontinuidadedosnegócios.Osautoresapontamque,daíemdiante,aestratégia foiutilizadaporváriosatoresempresariaisepolíticosemrelaçãoaoutrostemascomoo invernonuclear,achuvaácida,oburaconacamadadeOzônioeoaquecimentoglobal.

Page 159: Livro Museologia e Património - Volume 6 - para capa e ...

MuseologiaePatrimónio–Volume6

157

O cerne da questão do negacionismo científico, tambémchamado fake science, é que toda vez que a ciência descobre umaverdade que desagrada determinado grupo (país, empresa, religião,etc), esse grupo mobiliza esforços para desacreditar a ciência e,inclusive, se fortalece com a confluência de outros movimentosnegacionistas.

Paralelamenteaonegacionismocientífico,verifica-setambémonegacionismo histórico. A negação da existência do holocausto é,certamente, o mais conhecido exemplo, mas há outros igualmentegravescomoanegaçãode torturasemregimesditatoriais,oudequenãoexistiucorrupçãoemditaduras,oudequeregimesquesuprimemasliberdadesindividuaiseimplementamapolíticadetorturaemortede opositores políticos não foram ditaduras, entre muitos outros.Ambos, o negacionismo científico e o negacionismo histórico,beneficiam-se do fenômeno dos clickbaits, os caçadores de cliques(Aparici&García-Marín,2019).Sãogruposoupessoasquepercebemopotencial de visibilidade da produção de conteúdo negacionista e ofazem justamente para obterem visualizações e, com isso, recursoseconômicos. Há muitas décadas, estudos sobre o sensacionalismo jáevidenciam a grande popularidade que conteúdos enganosos podemalcançar,masnostemposatuaisessadimensãosesomaaoaltograudesofisticação no uso desse recurso e seu vínculo com interessespolíticos,econômicosoureligiosos.

O segundo tipo de fenômeno relacionado é aquele no qualações são feitas para destruir a legitimidade das instituições queproduzem conhecimento e informação, por meio da destruição daconfiança da qual elas dependem para atuar. Encaixam-se nessacaracterização os testemunhais falsos, as teorias conspiratórias e osdiscursosdeódio.

O primeiro fenômeno, portanto, é o testemunhal falso. Noespanhol, se tem usado a expressão “cunhadismo” (Argemí, 2019) e,com algumas diferenças, no inglês o termo “bullshit” (FRrankfurt,2019).Trata-sedavelha fofoca, ou rumor,mas comumasofisticaçãoproporcionada pelos aparatos tecnológicos (filmagens e voz) que, aocontrário das fake news, se constrói na oposição às instituições, nacrençadequeuniversidades,escolas,cientistas,veículos jornalísticos,organizações internacionais são todosmanipuladores, doutrinadores,agentesconspiratórios,eque,portanto,nãomerecemcredibilidade.Os

Page 160: Livro Museologia e Património - Volume 6 - para capa e ...

MuseologiaePatrimónio–Volume6

158

testemunhais são produzidos por pessoas que se apresentam comopessoas “comuns”, que usam linguagem coloquial, erros gramaticais,filmagens amadoras, e quedefendemessas características comoumavirtude–ofatodeseremsimples,cotidianas,“assimcomoapessoaqueassiste” se torna o critério de legitimidade, de credibilidade, emoposição às forças manipuladoras das instituições do chamado“sistema”. A força do relato, o grau de emoção do autor ouapresentador, e a importância dos fatos apresentados (normalmentesecretos,porqueestãosendoescondidosjustamentepelasinstituições)agregam força narrativa a essamodalidade informativa. Alguns fatosestãodiretamente relacionados coma emergência dessamodalidade,como a chamada cultura do amadorismo (Keen, 2008) e a falsaequivalência(McIntyre,2018).

As teorias conspiratórias constituem um segundo tipo defenômeno,noqualsepromoveumsupostoposicionamentocríticoporparte das pessoas (a desconfiança de todas as instituições, governos,órgãosoficiais) emprol, contudo,da adesãoadeterminado líderqueseriaogrande“revelador”deconspirações(Proctor,2008).Aatitudeconspiratória gera um elemento fundamental na postura de quem setornaadeptodelas:équenãohápossibilidadedeumcontraditório,deumacontra-argumentaçãobaseadaemevidências,poisaconspiraçãoésempre secreta, escondida, portanto, não necessita de evidências, defundamentaçãoemfatos,paraqueseacreditenela.Anarrativanaqualseacreditaimportamaisdoqueosfatos(D’Ancona,2018).

O terceiro fenômeno é o discurso do ódio. Diferente dos doisprimeiros, ele não busca ser factual, ele não tem a intenção deapresentar um fato do mundo. Antes, ele diz de intenções, desejos,necessidades emedosdedeterminado sujeito ou grupode sujeitos –porexemplo,dequeimigrantesvoltemparaospaísesdeles,dequeofeminismo desapareça e tudo volte a ser como antes, de quedeterminado grupo político seja exterminado (Greifeneder, Jaffé,Newman&Schwarz,2021;Fukuyama,2019).Suaintenção,enissoeleécomplementaraosdoisprimeiros,émobilizaraspessoasparaagiremcom a emoção e não com a razão. Mais especificamente, comdeterminadas emoções (medo, ressentimento, ódio) de forma aproporcionar reações de agressividade, sobretudo em relação àdiscordância.Ooutrodeixadeservistocomoadversário,portadordeideias ou pontos de vista distintos, e se torna um inimigo a ser

Page 161: Livro Museologia e Património - Volume 6 - para capa e ...

MuseologiaePatrimónio–Volume6

159

eliminado, e todo o objetivo dos espaços informacionais passa a servencer o outro (Emcke, 2018). Nesta modalidade, os fatosmencionados podem ser verdadeiros ou não, a intenção é colocar aspessoas em estado de guerra – mas é justamente essa condiçãoemocional que predispõe as pessoas a deixarem de lado a busca daverdade em prol do objetivo mais urgente de vencer a discussão aqualquerpreço.Tiburi(2020)explicaqueoódiosurgecomoumafetoredentor para sujeitos com medo ou ressentidos, ele proporciona aexperiênciadeque seestá fazendoalgocontraomedooua fontedomedo.

O terceiro conjunto de termos se relaciona com tentativas dedescrição,deumaformageral,domomentoinformacionalqueestamosvivendo. São expressões que acabampor caracterizar o contexto dosfenômenosanteriormentemencionados.

Oprimeirodestestermoséinfodemia.Essaexpressãotemsidoutilizada para se referir à desinformação produzida por sofisticadastécnicasdeproduçãodementiras, portanto à dimensão estratégica eintencionaldeproduçãoda falsidade (Consentino, 2020).Trata-sedeidentificar os grupos que produzem e disseminam as fake news, ostestemunhais,odiscursodoódio,queselecionamosmelhores canaisparacadaumdeles,articulamacomplementaridadedosdiscursosemcadamodalidade,identificamosopositoresaseremneutralizados.

Nesse sentido, uma das estratégias mais bem-sucedidas foi osequestrodasideiaspós-modernassobreaverdade.Omovimentopós-modernista desenvolveu-se ao longo do século XX como ummovimento artístico, cultural e também filosófico. Entre suascaracterísticas está o questionamento da ideia de existência de umaverdade absoluta, única, ou seja, não existiria uma respostaabsolutamente correta sobre o que cada elemento da realidadesignifica.Adenúnciadequequalquerdeclaraçãodeverdadeseriaumato autoritário, porque sempre ideológica, acabou sendo uma críticasequestrada por movimentos políticos para dizer que tudo seriaideológico e, portanto, não haveria “verdade”, apenas “fatosalternativos”–expressãoutilizadapelopresidentedosEstadosUnidosDonaldTrumpemdiversasocasiõesemquementiuefoiconfrontadoporjornalistas,cientistasoumembrosdejudiciáriocomasevidênciasdosfatosverdadeiros(Kakutani,2019).

Page 162: Livro Museologia e Património - Volume 6 - para capa e ...

MuseologiaePatrimónio–Volume6

160

O outro uso da expressão infodemia diz respeito aos efeitosdessasações,istoé,aoestadodecaos,deconfusão,dedúvida,geradoem amplas parcelas da população que justamente necessitam e/oubuscam informação para definir suas opiniões e tomar suas decisões(Naeem&Bhatti,2020).

Por fim, há ainda a expressão pós-verdade. Muitas pessoascriticamseuuso, identificandoqueeleserianaverdadeummodismoou mero sinônimo de mentira com uma embalagem diferente(McIntyre,2018;Fuller,2018;Santaella,2019).Masospesquisadoresque o propuseram como conceito científico alertam que ele designa,sim, uma questão inédita na história. A pós-verdade é um fenômenoque seproduzna confluênciade três condições.Aprimeiradelas é aampladisseminaçãodeinformaçõesfalsas(complementefalsas,enãoapenasdistorções comonaeradosmeiosde comunicaçãodemassa)comsuportetecnológicoquepermitealcancesinimagináveisnaeradafofoca e dos rumores. A segunda é a possibilidade de checagem nosdiasatuais,emquemuitaspessoaspodem,empoucossegundosecomaparelhosdeusocotidianocomoosmartphoneouonotebook,checaraveracidadedasinformaçõesrecebidasporelasemqualquermeio.Aterceiraéofatodeaspessoasnãofazeremisso,istoé,nãochecarem,não verificarem se uma informação é verdadeira ou falsa, antes de arepassarem e dela se apropriarem. É esse desinteresse, esse desdémpelaverdade,quemarcaaquiloquevemsendoidentificadocomouma“cultura da pós-verdade” (Wilber, 2018) ou um “regime de pós-verdade” (Broncano, 2019). A expressão cultura designa justamenteum conjunto de valores, de naturalizações, de estímulos a umdeterminado comportamento – no caso, o desprezo pela verdade, avalorização daquilo que confirma ideias preconcebidas, a seleçãoapenas daquilo que é confortável. A pós-verdade caracteriza umimaginário contemporâneo no qual a desconsideração da verdade énaturalizada, estimulada, exaltada, como um valor ou uma virtude(D’Ancona,2018).

A pós-verdade é, assim, “é uma ideia, um imaginário, umconjuntode representações sociaisou sentidos já incorporadospelasaudiênciasedesdeaqualépossívelaexistênciadasfakenewsquesereferemaessaideiaaafirmandoouampliando”(Murolo,2019,p.68,traduçãonossa).Essavisãodeslocaaquestãodonívelindividual–nãosão apenas decisões individuais, escolhas idiossincráticas, mas há,

Page 163: Livro Museologia e Património - Volume 6 - para capa e ...

MuseologiaePatrimónio–Volume6

161

também, um conjunto de práticas, hábitos, situações e falas quepromove, direta ou indiretamente, uma determinada relação daspessoascomainformaçãoecomaverdade.

Wilber(2018)analisaesse fenômenocomouma“cultura”.ElepartedaeleiçãodeDonaldTrumpparapresidentedosEstadosUnidose da saída da Grã-Bretanha da União Europeia, dois fenômenosdiretamente associados com o triunfo das informações falsasproduzidas,disseminadaseconsumidasemmassa,equeorientaramasdecisões das pessoas num determinado momento de votação, e osassocia a outros, comoa diminuiçãoda valorizaçãodademocracia, oaumentodoódio,doracismo,daxenofobia,domaugosto,entreoutros.Ecomissoenquadraapós-verdadedentrodeumamploprocessodemudança de valores culturais no mundo – e principalmente nassociedadesocidentais.

Wilber faz uma leitura abrangente dos valores e ideias emsituação de liderança ou aceitação no mundo (o que denomina“vanguardas”).Ele identificaque,naprimeirametadedoséculoXX,omundo era conduzido, nos diversos movimentos políticos, culturais,intelectuais, por valores associados ao racional, ao operacional, aoconsciente,às ideiasdemérito, lucro,progresso– istoé,diretamenterelacionados com o ideal da modernidade. Em sua análise, eleconsidera que, após a década de 1960, estariam vigorando ideiasassociadasavalorespós-modernostaiscomoadefesadapluralidade,do relativismo, da autorrealização, da inclusão, domulticulturalismo,dos direitos civis, da sustentabilidade, da defesa dasminorias, entreoutros.E,seguindoaanálise,Wilberpontuaqueestariaocorrendo,nasegunda década do século XXI, uma crise desse projeto, um fracassodasvanguardasprogressistas.

Wilberapontaváriosfatoresqueteriamcausadoessefracasso.Entreeles,arelativizaçãodaideiadeverdade,aideiadequeexistiriamverdades locais, particulares, o que desembocou numa forma denarcisismogeneralizado; a incapacidadede assumir a perspectivadooutro, aperdadosentimentodeempatia,oódio contraospontosdevistaminoritários,conduzindoavisõesessencialistas,comtendênciasao racismo, ao patriarcado, àmisoginia; e uma crise de legitimidadedas instituiçõesmodernas, os direitos humanos, a razão, a ciência, ademocracia.

Page 164: Livro Museologia e Património - Volume 6 - para capa e ...

MuseologiaePatrimónio–Volume6

162

Umadasconsequênciasdaaçãoconjugadadestestrêsconjuntosde fatores é a chamada “desintermediação da informação”. Paraapresentartalnoção,parte-sedaanálisefeitaporGiddens(1991)sobrea modernidade. Em sua análise de como se deu a transição dassociedades pré-modernas para a modernidade, o autor identifica aocorrênciadeváriosfenômenosquealteraramdemaneiraprofundaasvárias dimensões da vida humana (a política, a economia, a cultura, aregulamentação, o trabalho). Esses fenômenos produziram um novoestilodevidaeorganizaçãosocialqueemergiramnaEuropa,apartirdoséculoXVII,equedepoissetornarammundiaisemsuainfluência.Entreessasmudanças está o chamado desencaixe dos sistemas sociais, quealteraramasrelaçõesespaciaisetemporaiseinseriramnavidahumanauma organização racionalizada. Giddens se dedica a estudar essesmecanismos, que são de dois tipos: as fichas simbólicas e os sistemasperitos. Ambos dependem fundamentalmente da confiança: ela éessencialparaaconstituiçãodasinstituiçõesdamodernidade.

OssistemasperitossãodefinidosporGiddenscomoestruturasde excelência técnica ou competência profissional que organizamgrandesáreasdos sistemasmaterial e social emquevivemos.Oautortraz, comoexemplo,umaescada,queutilizamos coma certezadequenãocairemos,dequeelanãosequebrará–ouseja,aceitamosorisco,porqueacreditamosnaperíciadequemaproduziu.Ossistemasperitosatuamportodososespaçoseambiências.Cadapessoa,aolongodasuavida, se depara com situações e problemas nos quais o seu próprioconhecimento é nulo ou rudimentar (por exemplo, a necessidade derealização de uma cirurgia, ou o conserto de um equipamentomicroeletrônico) e atribui, nessas situações, o protagonismo naresolução dos problemas a um outro ator profissional, dotado dereconhecido conhecimento naquela área. As atividades passam aocorrer,assim,adespeitodosconhecimentosdecadaumadaspessoasenvolvidas.

Os sistemas peritos permitem que uma imensa gama deatividades humanas passe a ser desempenhada com maior eficácia,eficiência,exatidãoeprodutividade, justamenteporqueexecutadasporpessoas dotadas de treinamento, conhecimento prévio e formaçãoespecíficas. Nos cuidados com o corpo, a moradia, a alimentação, orelacionamentohumano,emtodasasesferasdavidahumanaépossívelseterumaaçãomaisracionaleprodutivaapartirdesuaorientaçãopor

Page 165: Livro Museologia e Património - Volume 6 - para capa e ...

MuseologiaePatrimónio–Volume6

163

umprofissional funcionalmenteorientadoe especializado. Isso sedeu,portanto,namedicina,naengenharia,nanutrição,nagastronomia,eemdiversosoutroscampos.Sedeu,também,nocampoinformacionalenocampomuseológico.

Antesdeseprosseguir,é importanteapontarqueaatuaçãodeconhecimentos peritos não é uma criação damodernidade. Antes dassociedades modernas, existiram corporações de ofício, de artesãos,saberes especializados, até mesmo universidades. A novidade trazidapela modernidade foi uma complexa estrutura de validação ecertificação destes sistemas peritos, por meio de cursos de formaçãoprofissional, conselhos de fiscalização, legislação de regulamentação,entre outras. E, sobretudo, uma ampla promoção da confiança a serdepositada em tais sistemas peritos, justamente em função de toda acertificaçãoprévia.

Museus, bibliotecas, arquivos, escolas, universidades e outrasinstituiçõesquelidamcomoconhecimentoregistradohumanoexistemhá séculos e realizam, utilizando as categorias atuais de pensamentos,ações de “mediação da informação”, no sentido de atuarem junto aoconhecimento humano selecionando, preservando, organizando,disseminando. Na modernidade, tais instituições se amparam emsaberes científicos (museologia, arquivologia, biblioteconomia, entreoutros)queconferemsuporteinstitucional,profissional, legaletécnicopara suas intervenções junto às sociedades em que se inserem. Taisinstituições e saberes, ao longo de sua existência na modernidade,lidaram com diferentes questões: a universalização do acesso a seusconteúdos(democratização),abuscapeladiversidadeemsuascoleçõese ações (justiça epistêmica), a sofisticação dos instrumentos deorganizaçãodosconhecimentos(eficáciaparaapreservaçãoeoacesso),entre outros. Nos últimos anos, contudo, um desafio a mais vem secolocandopara suaatuação: anegaçãode seuspróprios fundamentos,de sua legitimidade, em prol de teorias e narrativas de que seriaminstituições enviesadas, doutrinadoras, promotoras de falsidades, depedofilia,dedesvirtuaçãodaspessoas.Énesse cenário,noqual atuamdiferentes fenômenos entrelaçados, que se constitui o fenômeno dadesintermediaçãodainformação.

É a conjunção dos fatores apresentados anteriormente, querepresentam tanto a estratégia deliberada de produção de mentirasquantoaçõesespontâneasdesempenhadaspelaspessoasnocotidiano,

Page 166: Livro Museologia e Património - Volume 6 - para capa e ...

MuseologiaePatrimónio–Volume6

164

que se produzem as condições da desintermediação da informação:uma perda da confiança nos mediadores da informação (jornalismo,escola,universidade, ciência, bibliotecas, arquivos,museus) enquantoportadores de informação verdadeira, certificada, confiável. Em seulugar,háaconfiançaem líderespopulistas,políticosoureligiosos,ouem pessoas que se apresentam como comuns e desinteressadas, oufraudadoressepassandoporjornalistasoucientistas.Porumlado,asações estratégicas de conteúdo falso (fake news, fake science), aoproduzirem, efetivamente,mentiras,minama confiança nos sistemasperitos informacionais, exatamentepelaveiculaçãodamentira–pelacriação de um cenário de contradições, de dúvidas, de caos (Empoli,2019) e de destruição de reputações e instituições políticas,democráticas, profissionais (Kakutani, 2019). Por outro lado, açõesdeliberadamentedestruidorasda confiançanos sistemasperitos, queapelamparaemoções,sentimentosconspiratórios,demedoedeódio,levam os sujeitos a não agirem racionalmente. Proporcionando umclima favorável para as duas ações, os cenários de pós-verdade einfodemiacompõemocontextonoqualtaisaçõessepassam.3.Areflexãomuseológica

Mairesse e Desvallés (2005) defendem que é fundamentalvincularossaberesmuseológicosàsrespectivasépocasemqueforamproduzidos,poiselesrefletemasnecessidadesdecadalugaretempo,asferramentasintelectuaisdisponíveis,easpossibilidadesdeatuaçãoprofissionaleinstitucional.Assim,emseuhistóricodamuseologia,elestraçamoseguintecaminho:aépocadaobradeQuicchebergem1565,o mundo dos gabinetes de curiosidades, a arte da memória, onascimento da museologia, a organização do campo museal, amuseologia do ICOM, o nascimento de uma plataforma internacionalcom o Icofom, a museologia do leste europeu, a cientificidade damuseologia,anovamuseologiafrancesa(nouvellemuséologie),anovamuseologiainglesa(newmuseology),omuseuvirtual,oscibermuseus.Ocaminhopercorridopelosautoresémuitoricoedetalhado,eservecomoummapadahistóriadatradiçãomuseológica.

Neste texto, o quadropropostoporMairesse eDesvallés seráacrescido com a contribuição de outros autores e perspectivas àdiscussão (Ballart, 2008; Hernández Hernández, 2006; Oliveira &

Page 167: Livro Museologia e Património - Volume 6 - para capa e ...

MuseologiaePatrimónio–Volume6

165

Oliveira,2012).Opontodepartidaéaideiadeque“aconscientizaçãodeumsentidomuseológicoestaráinerenteaopróprioserhumanonamedida em que, desde tempos ancestrais, o homem pratica umarecolha de materiais diversos pelas mais diversas razões” (Duarte,2007,p.27-28).Assim,a ideiademusealidade,antesatédoqueademuseu,mistura-se à açãohumanade intervirna realidade (natural ehumana), reconhecendonelaobjetoseelementosaseremguardados,colecionados,exibidos,atribuindosignificadosaestesobjetos.

Otermo“museu”,origináriodocontextogrego,ressurgiucomoRenascimento,paradescreverascoleçõesdeartecomoadeLorenzodeMédici,emFlorença(Woodhead&Stansfield,1994),efoicomele,apartir do século XV, que apareceram os primeiros traços efetivosdaquiloquesepoderiachamardeumconhecimentoteóricoespecíficoemmuseologia,comapublicaçãodosprimeirostratadosrelativosaosmuseus,comoosdeQuiccheberg,ComeniuseCamilo(Mariaux,2005).Renasceu,nessaépoca,ointeressepelaproduçãohumana,pelasobrasartísticas, filosóficas e científicas – tanto as da Antiguidade Greco-Romana como aquelas que se desenvolviam no próprio momento.Salientou-se assim o interesse pelo culto das obras, pela sua guarda,suapreservação.

Entre os séculos XV e XVII, surgiram tratados e manuaisvoltados para as regras de procedimentos nas instituiçõesresponsáveis pela guardadas obras, para as regras de preservação econservação física dos materiais, para as estratégias de descriçãoformal das peças e documentos, incluindo aspectos sobre sualegitimidade, procedência e características. A produção simbólicahumana, compreendida como um “tesouro” que precisaria serdevidamente preservado, tornou-se objeto de uma visãopatrimonialista(oconjuntodaproduçãointelectualeestéticahumana,aserguardadoerepassadoparaasgeraçõesfuturas).Contudo,ofocodointeressefixou-senoconteúdodosacervos,constituindoosmuseusapenas em instituições a serviçodos camposde estudoda literatura,das artes, da história e das ciências. Não se construíram, nestemomento, conhecimentos propriamente museológicos (para além dealgumas regras operativas muito próximas do senso comum), masapenas conhecimentos artísticos, literários, filosóficos ou históricossobreosconteúdosguardadosnestasinstituições.

Page 168: Livro Museologia e Património - Volume 6 - para capa e ...

MuseologiaePatrimónio–Volume6

166

Com a Revolução Francesa e as demais revoluções burguesasna Europa, ocorreu uma profunda transformação em todas asdimensões da vida humana (na política, na economia, no direito) e,dessa forma, tambémosmuseus foramdrasticamentetransformados.Surgiu o conceitomoderno de “museu nacional”, que tem no caráterpúblico (no sentido de “nacional”, relativo ao coletivo dos nascentesEstados modernos) sua marca distintiva, e noMusée du Louvre suainstituição paradigmática (Poulot, 2013). Formaram-ses as grandescoleções,operaram-seamplosprocessosdeaquisiçãoeacumulaçãodeacervos.Anecessidadedeseterpessoalqualificadoparaosnascentesmuseus modernos levou à formação dos primeiros cursosprofissionalizantes, voltados essencialmente para regras deadministraçãodasrotinasdosmuseuse,seguindoatradiçãoanterior,para conhecimentos gerais em artes e humanidades (ou seja, osassuntosdosacervosguardados).

A consolidação da ciência moderna como forma legítima deprodução de conhecimento e de intervenção na natureza e nasociedade, também o campo das humanidades se viu convocado aconstituir-secomociência.Surgiramentão,ao longode todooséculoXIX,diversosmanuais,comoosdeRathgeber,GraesseeReinach,quebuscaram estabelecer o projeto de constituição científica do campodedicado aos museus, mas ainda na vertente de uma “museografia”,isto é, de um trabalho técnico de descrição nos museus, na linhainaugurada por Neickel em 1727 (Mairesse & Desvallés, 2005). Omodelo de ciência então dominante, oriundo das ciências naturais,voltado para a busca de regularidades e desenvolvimento deinstrumentostécnicosparaintervençãonanatureza,seexpandiuparaas ciências sociais e humanas através do Positivismo. Esse modeloinspirouaspioneirasconformaçõescientíficasdaárea,queprivilegiouos procedimentos técnicos de intervenção: as estratégias deinventariação, descrição, ordenação e exposição dos acervosmuseológicos. Foi por meio desse movimento de consolidaçãopositivistaquesepromoveu,contudo,a“libertação”damuseologiadasoutrasdisciplinasdasquaiselaeraapenasumcampoauxiliar.Houveuma relativa autonomização, abrindo caminho para a construção deumcampocientíficoespecíficodedicadoaosmuseus.Essemovimentofoi reforçado nos anos seguintes com a criação das primeirasassociaçõesprofissionais (aprimeira foi aMuseumAssociation criada

Page 169: Livro Museologia e Património - Volume 6 - para capa e ...

MuseologiaePatrimónio–Volume6

167

emLondres,em1889)eaatuaçãodosmovimentosassociativos-quelevaramà criaçãodoOffice International desMuseés (OIM), emParis,em1926(Mairesse&Desvallés,2005).

Ao longo do século XX, os estudos museológicosdesenvolveram-se em diferentes frentes que foram apontando paraumaprogressivasuperaçãodesteprimeiromodelo.Taispesquisassãoapresentadas a seguir, organizadas em quatro eixos: os estudosfuncionalistas, a perspectiva crítica, os estudos de público e aspesquisassobrerepresentação.

NocomeçodoséculoXX,começamasurgirensaios,manifestose iniciativas que evocam mudanças no modo de se conceberem osmuseus. Adjetivos como “vivo”, “dinâmico”, “atuante” e “ativo”começaram a ser usados para apontar a direção de uma necessáriamudançaaseroperadanestasinstituiçõesdemodoasecombatersuainérciaeseufechamentosobresimesmas,seuisolamentodoconjuntogeral da sociedade. O ideal iluminista da universalidade, isto é, doacessoatodososcidadãos,éumdosmotesdessaabordagem.Deoutrolado,odiscursodaeficácia,oimperativodoretorno,paraasociedade,dos investimentos feitos, também convoca a que se pense eproblematizeasfunçõesdosmuseus.

Noambienteanglo-saxão,aáreadaMuseumEducationbuscoudesenvolver uma museologia “verbal”, voltada para a ação, emoposição à tradição voltada para a posse e a descrição dos objetos(Gómez Martínez, 2006). Zeller (1989) aponta que tal tendência sevoltavaparaaeficáciadosmuseus,paraumaefetivadifusãodecertosvalores junto à população, e para oferecer à sociedade um “retorno”dos investimentos feitos. Autores como Flower, Goode, Dana, Rea eColeman marcavam a especificidade dos novos museus comoinstituições que teriam como valor não a contemplaçãomas o uso, equenãoesperariampelosvisitantes,masiriam“buscá-los”,atraindo-ospara osmuseus pormeio da eliminação de barreiras e da busca poracessibilidade.

Essa perspectivamanifestou-se emdiversos outros contextos,como na França, sob inspiração do “museu imaginário” de AndréMalraux,enoCanadá,apartirdoconceitode“comunicação”presentenostrabalhosdeCameron(1968).Apartirdadécadade1980,comastecnologiasdigitais,houveumarevitalizaçãodacorrentefuncionalista,com as possibilidades de acesso remoto, interatividade e design de

Page 170: Livro Museologia e Património - Volume 6 - para capa e ...

MuseologiaePatrimónio–Volume6

168

exposições,desenvolvidaporautorescomoMerriman,Pearce,Arnold,Hooper-GreenhilleVergo.

Logo na virada do século XIX para o século XX, o impacto dopensamento crítico sobre o positivismo, a sociedade e o ser humanocomeçou a se manifestar no espaço reflexivo sobre os museus.Também tendo como centro de preocupação as relações entre essasinstituições e a sociedade, desenhou-se uma perspectiva calcadasobretudo na denúncia de processos de dominação, de açõesideológicas ocultas por detrás de práticas tidas como pretensamenteneutras, no questionamento sobre as reais necessidades a serematendidasesobreosenquadramentosculturaispromovidos.

As primeiras manifestações de uma perspectiva crítica namuseologia se encontram na obra de artistas e ensaístas como Zola,Valéry e Marinetti (Bolaños, 2002), que viam o museu como“mausoléu”,instituiçãoquedegradavaaarte,instrumentodepoderdealguns povos sobre outros. Na década de 1960, uma nova onda decríticasprovocouoaparecimentodeformasde“antimuseu”(Bolaños,2002).Porém, foinaaproximaçãocoma sociologiadaculturaquesederamasmanifestaçõesmaisconsolidadasdaperspectivacrítica,comBourdieu (2007) inspirando uma geração de pesquisadores para vercomodiferentesgrupossociaistinhamrelaçõesdistintascomacultura(e inclusive comosmuseus). Outros estudos buscam correlacionar opapeldosmuseusnaconstruçãoideológicadaideiadenação,apartirdotrabalhopioneirodeAnderson(2008).Háaindaumaárearecente,amuseologiacrítica,voltadaparaacríticadasestratégiasmuseológicasintervenientesnospatrimôniosnaturaisehumanos(SantacanaMestre&HernándezCardona,2006).

Nascidoscomoumaextensãodaperspectivafuncionalistaquebuscava obter indicadores de satisfação, os estudos de público eramprimeiramente ferramentas de diagnóstico para o planejamento e aotimizaçãodosserviços.Aospoucos,foramseconvertendoemsubáreacomrelativaautonomia(Eidelman,Roustan&Goldstein,2008).Nesteprocesso, se afirmaram a partir da crítica tanto aos estudosfuncionalistascomoaoscríticos,namedidaemqueambos tendiamaver apenas a ação dos museus sobre os indivíduos, estes tomadosapenascomoserespassivos,merosreceptáculosdeinformação.Foinoresgateaopapelde sujeitosativosenoestudode suasapropriações,

Page 171: Livro Museologia e Património - Volume 6 - para capa e ...

MuseologiaePatrimónio–Volume6

169

suas diferentes necessidades e usos que se construiu toda umatradiçãodeestudos.

Osprimeirosestudosempíricosdevisitantesforamrealizadosno começo do século XX por Galton, que seguia os visitantes peloscorredores dos museus, e por Gilman, que estudou a fadiga e osproblemas de ordem física na concepção de exposições (Hooper-Greenhill, 1998). Na década de 1940, proliferaram estudos sobre osimpactos nas exposições junto aos visitantes, realizados por autorescomoCummings,DerryberryeMelton.Outrosestudos,conduzidosporautores como Rea e Powell namesma época, tiveram como objetivotraçar perfis sociodemográficos dos visitantes emapear seus hábitosculturais (Pérez Santos, 2000).Nadécadade1960, Shettel e Screveninauguraramumanovaperspectivacomasmedidasdeaprendizagem.Nas décadas seguintes, desenvolveram-se abordagens de basecognitivista e de natureza construtivista – como o modelotridimensional de Loomis, a teoria dos filtrosdeMcManus, omodelosociocognitivo de Uzzell, a abordagem comunicacional de Hooper-GreenhilleomodelocontextualdeFalkeDierking.

Oquartoeixorelaciona-secomosestudossobrerepresentação.Desdesuaorigemcomoinstituiçõesmodernas,osmuseusviram-seàsvoltas com tarefas relacionadas à representação de seus acervos.Inventariar, repertoriar, catalogar, classificar, nomear, descrever,indexar,organizar,tratarsãoalgunsdostermosquedesdeentãovêmsendo utilizados para tratar de um campo de intervenções práticasque, tomados a um nível tecnicista, chegaram a se constituir comoparteessencialounucleardanascentemuseologia.

Oespíritonacionalistaehistoriográficodosprimeirosmuseusmodernos foi decisivo para a configuração de critérios deordenamento, descrição, classificação e exposição dos acervos(Mendes, 2009). A subárea de documentação museológica surgiu noinício do século XX, a partir do trabalho de autores como Wittlin,TayloreSchnapper(MarínTorres,2002).Nasdécadasde1920e1930houvegrandesdebatessobreoscritériosdeclassificaçãoadotadosnosmuseus, mas a temática só se converteu em campo de investigaçãodécadasdepois.Entreasváriasabordagensdesenvolvidas,encontram-se aquelas que buscaram problematizar aspectos classificatórios dosmuseus,comoaquestãodarepresentaçãodosgêneros,dosdiferentespovos do mundo, das diferentes culturas humanas, numa linha

Page 172: Livro Museologia e Património - Volume 6 - para capa e ...

MuseologiaePatrimónio–Volume6

170

marcadapelosculturalstudies (Pearce,1994).Osaspectosenvolvidosno trabalho de ordenamento também foram estudados por Bennett(2004)numaperspectivafoucaultiana.

Os avanços mais recentes em museologia buscam agregar ascontribuiçõesdasvárias teoriasepráticasdesenvolvidasao longodoséculo XX - apresentadas acima agrupadas em quatro eixos. Novostipos de instituições, serviços e mesmo ações executadas no âmbitoextra institucionalconferirammaiordinamismoaocampoteóricoeàprática. Para superar os modelos voltados apenas para a ação dosmuseus juntoaosvisitantes,ouapenasparaosusosqueosvisitantesfazem das exposições, surgiram também modelos voltados para ainteração e a mediação, contemplando as ações reciprocamentereferenciadasdestesatores.Modelos sistêmicos tambémsurgiramnatentativa de integrar ações, acervos ou serviços antes contempladosisoladamente. A própria ideia de acervo, ou item de coleção, foiproblematizada, na esteira de questionamentos sobre o objeto damuseologia e sobre o imaterial como objeto museológico.Desenvolveram-se, ainda, as tecnologias digitais, com um impactoprofundo sobre os museus, reconfigurando tanto o fazer quanto ateorizaçãosobreomuseu.

Entre os diversos desenvolvimentos teóricos e práticos nocampodamuseologiaqueocorreramnasúltimasdécadas,destaca-seaquestão dos ecomuseus e da nova museologia. Davis (1999) explicaque o conceito de ecomuseu surgiu no começo do século XX, sob oimpacto das ideias ambientalistas, com a criação dos chamados“museus ao ar livre”, que, numa perspectiva ampliada de museu,incorporavamsítiosgeológicosounaturaisaoseu“acervo”.

Um outro sentido para o termo foi dado no âmbito domovimentodanovamuseologia.SurgidaapartirdasideiasdeGeorgesHenri Rivière, Hugues de Varine-Bohan e Germain Bazin, ligados àEcole du Louvre, mas atuantes no seio do ICOM, a nova museologiapropôs-searepensarosignificadodaprópriainstituiçãomuseu.Nessavisão, os museus deveriam envolver as comunidades locais noprocesso de tratar e cuidar de seu patrimônio. Como coloca Davis(1999), o termo “território” é então utilizado para definir tanto oslimites geográficos como também as conotações dos sujeitos ecomunidades que vivem no espaço, as apropriações que fazem dele.Comisso,ressurgiuoconceitodeecomuseu,mastomadonumsentido

Page 173: Livro Museologia e Património - Volume 6 - para capa e ...

MuseologiaePatrimónio–Volume6

171

que incorpora também as identidades culturais e a ideia decomunidade.VanMensch(1995)caracterizouessemovimentocomoa“segunda revolução” no campo da museologia. Mudou o sentido demuseu, de lugar de entrega de um conhecimento a uma comunidade(transmissão),paralugarconstruídopelaprópriacomunidade(veículodeexpressãodeumaidentidade).

Aprimeiraexpressãopúblicaeinternacionaldestemovimentose deu em 1972, naMesa Redonda de Santiago do Chile, organizadapelo ICOM,quebuscoudebater a função social domuseu eo caráterglobaldassuasintervenções.Daísurgiuaideiadomuseuintegral,quedeveria proporcionar à comunidade uma visão de conjunto de seumeio material e cultural. Do ponto de vista teórico, tal noção buscapropor que a relação que o homem estabelece com o patrimôniocultural passe a ser estudada pela museologia e que o museu sejaentendidocomoinstrumentoeagentedetransformaçãosocial–oquesignifica ir além das suas funções tradicionais de identificação,conservaçãoeeducação,emdireçãoàinserçãodasuaaçãonosmeioshumanoe físico, integrandoaspopulaçõesnasuaação.Omovimentofoi formalizado na Declaração de Quebec, em 1984, nascendo aí oMovimento Internacional para uma Nova Museologia (MINOM).Defendendo a participação comunitária no lugar do “monólogo” dotécnico especialista, tratou de colocar no lugar do tradicional tripéedifício/coleções/público damuseologia uma nova rede de conceitoscompostaporterritório,patrimônioecomunidade(AlonsoFernández,1999).

Anovamuseologiarecebeuadesãodeteóricosdeváriaspartesdo mundo, como Burcaw (EUA), Van Mensch (Europa Ocidental) eStránský (Leste Europeu). Teve diversos desdobramentos práticos(vários ecomuseus espalhados pelo mundo), teóricos (na direção denovas definições da instituição museu) e no âmbito da formação(influenciando os programas em estudos museológicos de centroscomoosdeBrno,Leicester,Leiden,Newark,alémdaprópriaEcoleduLouvre).

Umacontribuiçãotambémmaisespecífica,masqueteveefeitosnamuseologiacomoumtodo,foiareflexãosobreamusealização,que“consistenametamorfosedeobjectosque,nãodeixandode tervalorsocial e cultural, adquirem outro, mais especial, com a novarecontextualização” (Magalhães, 2005, p. 12). Dessa forma, a

Page 174: Livro Museologia e Património - Volume 6 - para capa e ...

MuseologiaePatrimónio–Volume6

172

musealização, mais do que mero processo técnico de adquirir,documentareexibirumobjeto,significaum“caminhoqueconsisteemtransformarobjetosmateriaiseimateriaisaparentementevulgaresemlegados históricos ou testemunhos do desenvolvimento científico,técnico, artístico ou outro de uma determinada cultura” (Magalhães,2005,p.12).FernándezdePazeAgudoTorrico(1999)ressaltamqueadiscussãosobreamusealizaçãotrazumaproblematizaçãosobrequaisbensouobjetosserãomusealizados,istoé,queserãodestacadoscomodeespecialsignificadodentrodeumcontextocultural–eainda,umavezrealizadoesseprocesso,dequeformaelesserãointerpretadosnarealidade museal. Conforme os autores, essa questão começou a serproblematizada no âmbito da Comissão Franceschini, formada em1966 para discutir a questão dos “bens culturais” a serempatrimonializados,tendocomodesdobramentoaConvençãodaUnescoemParis,em1972,sobreaproteçãoaoPatrimônioMundialCulturaleNatural.

Nestanovaconcepçãodepatrimônio,deumasóvezpassou-sea considerar nas definições do interesse patrimonial a conhecer eproteger dois terços dos componentes do entorno cultural do serhumano: o natural (conceito modificado mais tarde para ‘paisagensculturais’ para reconhecer mais acertadamente a relação simbióticaque se dá entre ser humano e seu entorno físico) e o etnológico (noqualseinseremasatividadeseconquistas-materiaiseimateriais-queformampartedabagagemmaiscotidianaquecontribuiparadotardeuma identidade diferenciada cada coletivo). Com isso, buscou-se pôrfim a uma dinâmica surgida com a expansão colonial europeia: adesvinculação entre objetos e sujeitos sociais, processo pelo qual osbens culturais (objetos materiais, representações simbólicas, rituais)teriamvaloremsimesmos,desligadosdequemosseguemcriandoereproduzindo.

Uma questão especial discutida nos estudos contemporâneosem museologia diz respeito à questão do patrimônio imaterial. Osprimórdios dessa questão se encontram numa convenção daOrganizaçãodasNaçõesUnidasparaaEducação(Unesco)realizadaemHaia, em1954, e uma versão formalizada na Convenção deBelgradoem1980. Para aUnesco, o patrimônio cultural imaterial abrange “astradições e expressões orais, incluindo a língua como vector dopatrimónio cultural imaterial; as artes do espetáculo; as práticas

Page 175: Livro Museologia e Património - Volume 6 - para capa e ...

MuseologiaePatrimónio–Volume6

173

sociais,rituaiseacontecimentosfestivos;osconhecimentosepráticasquedizemrespeitoànaturezaeaouniverso;ossaberesfazer ligadosao artesanato” (Leal, 2009, p. 289). Alargando seus horizontes dessaforma,amuseologiasedeslocadaênfasenosobjetosparaadimensãoimaterialdaaçãohumanaedossentidosconstruídos.

Por fim, o fenômeno contemporâneo dos museus virtuaisrepresenta uma ampla dimensão com desdobramentos práticos eteóricos. Para Deloche (2002), a chegada da tecnologia digital àrealidade dos museus representa muito mais do que apenas umaconjunturanovaàqualseadaptar,reformulandoaprópriaconcepçãoda instituiçãomuseal. Semedifício ou coleções,marcos institucionaistradicionais, o museu precisa oferecer novos serviços, por meio denovaspráticasefunções.Osusuáriostambémsemodificamemtermosde ações e possibilidades. Assim, a adoção de tecnologias para otratamento e o planejamento de exposições aproxima o museu doconceitodesistemadeinformação(Higgins,Main&Lang,1996).Têmse desenvolvido ainda estudos numa área específica denominadamuseum informatics, que trata das interações sociotécnicas queocorrem entre as pessoas, a informação e a tecnologia nos espaçosmuseais (Marty & Jones, 2008). Aliada à discussão do patrimônioimaterial, também tal dimensão relaciona-se ao que vem sendodenominado“patrimônioculturaldigital”(Zorich,2010).

4.Umconfrontoentreasduasdiscussões

O conjunto de teorias museológicas apresentadas acimapermite perceber como os modelos contemporâneos representamprincipalmente um grau maior de abstração na compreensão dofenômeno museal. Se o desenho das reflexões que vão doRenascimento ao século XIX ancora-se na extrema concretude dosobjetos (a instituiçãomuseu,osacervos, as técnicas), asperspectivasdesenvolvidasnoséculoXXforamimportantesparadeslocareampliaroeixodepreocupações(paraasfunçõessociaisdosmuseus,seupapelnostensionamentossociais,asapropriaçõesdossujeitos,osefeitosdesentido gerados por seus acervos e pelas técnicas aplicadas). É oaprofundamento desse processo que acaba por conduzir àsperspectivas contemporâneas, mais atentas à complexidade dosfenômenoseàinterrelaçãodeseuselementosconstituintes.

Page 176: Livro Museologia e Património - Volume 6 - para capa e ...

MuseologiaePatrimónio–Volume6

174

Mas,alémdasquestõespropriamenteconceituais,há tambémum conjunto de questões da própria realidade empírica que seapresentam como um desafio para a museologia contemporânea. Ocenáriodeamplacirculaçãodeinformaçõesfalsasedemecanismosdedeslegitimaçãodas instituições, incluindoosmuseus,colocaodesafiododesenvolvimentodenovaspráticasenovasmediações.

A longa tradição de pesquisa em museologia fornece várioselementos para se pensar no momento atual. A perspectivafuncionalista permite identificar determinados fenômenos comodisfunções e os museus como instrumentos para a correção de taisdisfunções, pormeio da certificação de conhecimentos científicos, dapromoção de espaços e acessos a fontes variadas de informação, deforma a se romper com as bolhas e os isolamentos cognitivos daspessoas. A perspectiva crítica permite o estudo dos interessesideológicospordetrásdosatoresquepromovemdesinformação,bemcomoaprópriaidentificaçãodetaisatores,deformaasepromoveremespaços de críticas, de desmascaramento e de emancipação dossujeitos. A perspectiva de estudo dos públicos permite identificaraqueles valores, presentes na chamada cultura da pós-verdade, quepredispõem os sujeitos para comportamentos de propagação dadesinformação. E os estudos desde a perspectiva da representaçãopodem ser muito úteis na verificação das várias estratégias deproduçãode sentido científicoe jornalístico, e falsamente científicoejornalístico,pormeiodalinguagem.Masénoâmbitodasperspectivascontemporâneasqueseencontrammaiselementosparaentender,deumamaneiracomplexa,comoosmuseuspodemsercompreendidoseinseridosnasdinâmicasderelaçãodaspessoascoma informaçãoeoconhecimentonacontemporaneidade.

Uma das dimensões dos problemas informacionaiscontemporâneos vincula-se à dimensão tecnológica e relaciona-se,sobretudo,comofatodemotoresdebuscaeredessociaisserem,hoje,os principais meios pelos quais as pessoas buscam, recebem ecompartilham informações sobre tudo – desde a própria família, opróprio condomínio, como também de sua cidade, estado, país e omundo. E ambos, redes sociais emotores de busca, são estruturadospor determinados algoritmos que seguem uma lógica de relevância,hierarquização, visibilidade. Entre os critérios usados para isso, eoperando numa lógica da otimização, as empresas desenvolvedoras

Page 177: Livro Museologia e Património - Volume 6 - para capa e ...

MuseologiaePatrimónio–Volume6

175

destasplataformaseserviçosapostaramnaideiadacustomização,dadisseminação seletiva, do conforto. Isso acabou por produzir ochamado“efeitobolha”ou“câmarasdeeco”:pessoasisoladasemseuspróprios pontos de vista, sem contato com o contraditório, cominformações provenientes de outros pontos de vista, de outrasperspectivas.

Outradimensãovincula-seaonívelindividualdossujeitos.Talpercepção se relaciona com o que vem sendo chamado de “viéscognitivo”. Trata-sedeuma tendência do ser humano a formar suascrenças e visões demundo sem se basear na razão e nas evidências,istoé,nos fatos,numesforçoparaevitardescontentamentopsíquico.McIntyre (2018) aponta três estudos clássicos em psicologia socialconduzidos nos Estados Unidos, nas décadas de 1950 e 1960, quedemonstraramessaquestão.Oprimeirodeleséateoriadadissonânciacognitiva de Festinger, segundo a qual buscamos harmonia entrenossascrençaseações.OsegundoéateoriadaconformidadesocialdeAsch, que postula que temos tendência a ceder à pressão social pornosso desejo de estar em harmonia com os outros. O terceiro é oestudodoviésdeconfirmaçãoconduzidoporWatson,queidentificounossatendênciaadarmaispesoàsinformaçõesqueconfirmamnossascrenças pré-existentes. O autor apresenta também estudos recentessobreaquestão,expressosemdoisconceitos:efeitocontraproducente(fenômenoemqueaapresentaçãodeumainformaçãoverdadeiraparaumapessoa,queentraemconflitocomsuascrençasemfatosfalsos,fazcomqueapessoacreianesses fatos commais forçaainda)eoefeitoDunning-Kruger (fenômeno no qual nossa falta de capacidade parafazeralgofazcomquesuperestimemosnossashabilidadesreais).Taiselementos do viés cognitivo fazem com que as pessoas sejampropensas a formar suas crenças sem ter em conta a razão e asevidências. Esse isolamento das pessoas em relação às evidências domundo atua de modo complementar ao isolamento promovido peloefeitobolha.

Há, ainda, um nível sociocultural, marcado pelo desinteressepelaverdade-desinteresseessequeéaceito,naturalizado,estimulado,reproduzido.Existeumprocessodeaceitaçãoereplicaçãodeconceitosque normalizam o desdém pela verdade. E é essa dimensão quesignifica que os problemas informacionais contemporâneos são umproblemanoplanoindividualenoplanocoletivo–estãorelacionados

Page 178: Livro Museologia e Património - Volume 6 - para capa e ...

MuseologiaePatrimónio–Volume6

176

commentalidades, atitudes, um ethos, uma cultura. A infodemia e após-verdade estão envolvidas com um imaginário, um conjunto derepresentações sociais ou sentidos já incorporados pelos públicos edesde os quais passam a se produzir as fake news, os testemunhaisfalsos e o discurso de ódio (Murolo, 2019). Essa visão amplia oproblema da questão do nível individual – não são apenas decisõesindividuais,escolhasidiossincráticas,mashá,também,umconjuntodepráticas, hábitos, situações e falas que promove, direta ouindiretamente, uma determinada relação das pessoas com ainformaçãoecomaverdade.

Assimseconstituemaspossibilidadesdeatuaçãodemuseuseda própria museologia. Além de diagnosticar o problema, é precisotambémdesenvolver estratégias de intervenção e de combate a seusefeitos perversos. Diversas ações vêm sendo apontadas porpesquisadores de várias áreas: a promoção de competência críticajunto aos públicos, a criação de mecanismos de certificação daveracidadeequalidadedainformação,dascoleçõesedasexposições,oaumento da visibilidade e circulação dos serviços de checagem, e amobilização de estratégias para o esclarecimento quanto às bolhas eparasua“perfuração”(DalkireKatz,2020;Ferrari,2018;Noble,2018).Aefetivaimplementaçãodetaisaçõeséfundamentalsobretudoparaamanutençãodedeterminadosvaloresconstruídosnosúltimosséculos,com os quais a museologia encontra-se profundamente imbricada: ademocracia, a inclusão, a defesa da diversidade e o estímulo a umaculturadapaz.ReferênciasAlonso Fernández, L. (1999). Introducción a la nueva museología.Madrid:Alianza.Anderson,B.(2008).Comunidadesimaginadas:reflexõessobreaorigemeadifusãodonacionalismo.SãoPaulo:CompanhiadasLetras.Aparici, R. & García-Marín, M. (Coords). (2019). La posverdad: unacartografiadelosmedios,lasredesylapolítica.Barcelona:Gedisa.

Page 179: Livro Museologia e Património - Volume 6 - para capa e ...

MuseologiaePatrimónio–Volume6

177

Araújo, C. A. Á. (2014). Arquivologia, biblioteconomia, museologia eciência da informação: o diálogo possível. Brasília: Briquet de Lemos,2014.Argemí, M. (2019). Los siete hábitos de la gente desinformada.Barcelona:Conecta.Ballart,J.(2008).Manualdemuseos.Madri:Síntesis.Bennett, T. (2004). Pasts beyond memory: evolution, museums,colonialism.Londres:Routledge.Bolaños,M. (2002).Lamemoriadelmundo:cienañosdemuseología.Gijón:Trea.Bourdieu,P.(2007).Adistinção:críticasocialdojulgamento.SãoPaulo:Edusp;PortoAlegre:Zouk.Broncano, F. (2019).Puntos ciegos: ignoranciapública y conocimientoprivado.Madrid:LenguadeTrapo.Cameron, D. (1968). The museum as a communication system andimplication of museum education. Curator, American Museum ofNaturalHistory,11(1),33-40.Casara,R.(2019).Aerapós-democrática.Porto:Exclamação.Consentino,G.(2020).Socialmediaandthepost-truthworldorder:theglobaldynamicsofdisinformation.Cham:Palgrave.D’Ancona, M. (2018). Pós-verdade: a nova Guerra contra os fatos emtemposdefakenews.Barueri:Faro.Dalkir,K.&Katz,R. (Eds.). (2020).Naviganting fakenews,alternativefacts,andmisinformationinapost-truthworld.Hershey:IGIGlobal.Davis, P. (1999). Ecomuseums: a sense of place. Londres: LeicesterUniversityPress.

Page 180: Livro Museologia e Património - Volume 6 - para capa e ...

MuseologiaePatrimónio–Volume6

178

Deloche,B.(2002).Elmuseovirtual.Gijón:TREA.Duarte, A. M. C. (2007). O Museu Nacional da Ciência e da Técnica:1971-1976.Coimbra:Ed.daUniversidadedeCoimbra.Eatwell, R. & Goodwin, M. (2019). Nacionalpopulismo: por qué estátriunfando y de qué forma es un reto para la democracia. Barcelona:Península.Eidelman,J.,Roustan,M.&Goldstein,B.(Comp.)(2008).Elmuseoysuspúblicos:elvisitantetienelapalabra.Barcelona:Ariel.Emcke,C.(2017).Contraelódio.Bogotá:Nomos.Empoli,G.(2019).Osengenheirosdocaos.SãoPaulo:Vestígio.Fernández de Paz, E. & Agudo Torrico, J. (Orgs). (1999). Patrimoniocultural y museología: significados y contenidos. Santiago deCompostela: Federación de Asociaciones de Antropología del EstadoEspañol(FAAEE)/AsociaciónGalegadeAntropología(AGA).Ferrari,P(2018).Comosairdasbolhas.SãoPaulo:Educ;ArmazémdaCultura.Frankfurt, H. (2019). On bullshit: sobre a conversa, o embuste e amentira.Lisboa:Bookout.Fukuyama,F.(2019).Identidad:lademandadedignidadylaspolíticasderesentimiento.Barcelona:Deusto.Fuller, S. (2018). Post-truth: knowledge as a power game. London:Anthem.Geiselberger,H.(Ed.)Ogranderetrocesso.Lisboa:Objectiva,2017.GómezdeÁgueda,Á.MundoOrwell:manualde supervivenciaparaunmundohiperconectado.Madrid:Ariel,2019.

Page 181: Livro Museologia e Património - Volume 6 - para capa e ...

MuseologiaePatrimónio–Volume6

179

GómezMartínez,J.(2006).Dosmuseologías:lastradicionesanglosajonaymediterránea–diferenciasycontactos.Gijón:Trea.Greifeneder,R.,Jaffé,M.,Newman,E.&Schwarz,N.(Eds.).(2021).Thepsychology of fake news: accepting, sharing, and correctingmisinformation.London:Routledge.Hernández Hernández, F. (2006). Planteamientos teóricos de lamuseología.Gijón:Trea.Higgins,T.,Main,P.&Lang,J.(Eds).(1996).Imagingthepast:electronicimagingandcomputergraphicsinmuseumsandarchaeology.Londres:TheBritishMuseum.Hooper-Greenhill,E.(1998).Losmuseosysusvisitantes.Gijón:Trea.Kakutani,M.(2019).Lamuertedelaverdad:notassobrelafalsedadenlaeraTrump.Barcelona:GaláxiaGutemberg.Keen,A.(2008).Ocultodoamadorismo.Lisboa:GuerraePaz.Leal, J. (2009). O patrimônio imaterial e a antropologia portuguesa:uma perspectiva histórica. In: P. Costa (Org). Museus e patrimónioimaterial: agentes, fronteiras, identidades (pp. 289-295). Lisboa:InstitutodosMuseusedaConservação;Softlimits.Magalhães, F. (2005). Museus: património e identidade: ritualidade,educação,conservação,pesquisa,exploração.Porto:Profedições.Mairesse,F.&Desvallés,A.(2005).Brèvehistoiredelamuséologie:desInscriptions au Museé virtuel. In: P. Mariaux (Org). L’object de lamuséologie.(pp.01-50).Neuchâtel:Institutdel’artetdemuséologie.Mariaux, Pierre (Org). (2005). L’object de la muséologie. Neuchâtel:Institutdel’artetdemuséologie.

Page 182: Livro Museologia e Património - Volume 6 - para capa e ...

MuseologiaePatrimónio–Volume6

180

MarínTorres,M.T.(2002).Historiadeladocumentaciónmuseológica:lagestióndelamemoriaartística.Gijón:Trea.Marty, P. & Jones, K. (Orgs). (2008). Museum informatics: people,informationandtechnologyinmuseums.NovaIorque:Routledge.Mayos, G. & Brey, A. (Eds.). (2011). La sociedad de la ignorancia.Barcelona:Península.McIntyre,L.(2018).Posverdad.Madrid:Cátedra.Mendes, J. A. (2009). Estudos do patrimônio: museus e educação.Coimbra:Univ.Coimbra.Murolo, L. (2019). La posverdad es mentira. Un aporte conceptualsobre fake news y periodismo. In: R. Aparici & M. García-Marín.(Coords). La posverdad: una cartografia de los médios, las redes y lapolítica.(pp.65-80).Barcelona:Gedisa.Naeem,S.;Bhatti,R.(2020).TheCovid-19‘infodemic’:anewfrontforinformation profesionals. Health Information and Libraries Journal,37(3),233-239.Noble, S. U. (2018). Algorithms of oppression: how search enginesreinforceracism.NovaIorque:NewYorkUniversityPress.O’Connor,C.&Weatherall,J.(2019).Themisinformationage:howfalsebeliefsspread.NewHaven:YaleUniversityPress.Oliveira,A.P.&Oliveira,L.(2012).(Orgs.).Sendasdamuseologia.OuroPreto:UFOP.Pearce, S. (Ed). (1994). Museums and the appropriation of culture.Londres:Athlone.Pellicer Alapont, M. P. La comunicación en la era Trump. Barcelona:UOC,2017,p.15-18.

Page 183: Livro Museologia e Património - Volume 6 - para capa e ...

MuseologiaePatrimónio–Volume6

181

PérezSantos,E.(2000).Estudiodevisitantesenmuseos:metodologíayaplicaciones.Gijón:Trea.Peters,M.,Rider,S.,Hyvönen,M.&Besley,T.(Eds.)(2018).Post-truth,fakenews,viralmodernity&highereducation.Singapore:Springer.Poulot,D.(2013).Museuemuseologia.BeloHorizonte:Autêntica.Proctor, R. (2008). Agnotology: a missing term. In: R. Proctor & L.Schielbinger, L. (Eds.). Agnotology: the making and unmaking ofignorance.Stanford:CaliforniaStanfordUniversityPress,2008.Santacana Mestre, J. & Hernández Cardona, F. (2006). Museologiacrítica.Gijón:Trea.Santaella, L. (2019). A pós-verdade é verdadeira ou falsa? Barueri:EstaçãodasLetraseCores.Serrano Oceja, J. F. (2019). La sociedad del desconocimiento:comunicación posmoderna y transformación cultural. Madrid:Encuentro.Souza, J., Avelino, R. & Silveira, S. (2018). A sociedade do controle:manipulaçãoemodulaçãonasredessociais.SãoPaulo:Hedra.Stránský, Z. (2008). Sobre o tema “Museologia – ciência ou trabalhoprático?”.MuseologiaePatrimônio,1(1),101-105.Tiburi, M. (2020). Como derrotar o turbotecnomachonazifascismo ouseja lá o nome que se queira dar aomal que devemos superar. Rio deJaneiro:Record.VanMensch,P.(1995).MagpiesonMountHelicon.In:M.Schärer(Org).Museumandcommunity(pp.133-138).ICOFOMStudySeries,v.25.Wilber,K.(2018).Trumpylaposverdad.Barcelona:Kairós.

Page 184: Livro Museologia e Património - Volume 6 - para capa e ...

MuseologiaePatrimónio–Volume6

182

Woodhead,P.&Stansfield,G. (1994).Keyguide to informationsourcesinmuseumstudies.Londres:Mansell.Zeller, T. (1989). The historical and philosophical foundations of artmuseumeducationinAmerica.In:N.Berry&S.Mayer(Orgs).Museumeducation:history,theoryandpractice(pp.10-89).Reston:NationalArtEducationAssociation.Zorich,D. (2010).A surveyondigital culturalheritage initiativesandtheirsustainabilityconcerns.In:R.Parry(Ed).Museumsinadigitalage(pp.406-416).Oxon:Routledge.

Page 185: Livro Museologia e Património - Volume 6 - para capa e ...

MuseologiaePatrimónio–Volume6

183

OMUSEUAFRO-BRASILEIRODA

UNIVERSIDADEFEDERALDABAHIA-MAFRO:UMESTUDODECASOSOBREMUSEALIZAÇÃODA

CULTURAAFRO-BRASILEIRA93

MarceloNascimentoBernardodaCunhaUniversidadeFederaldaBahia,Brasil

https://orcid.org/0000-0003-4735-3519

1.OMuseuAfro-BrasileirodaUniversidadeFederaldaBahia

O Museu Afro-Brasileiro (MAFRO) surgiu do anseio daUniversidadeFederaldaBahia,pelaexistênciadeumespaçodecoleta,preservação e divulgação de acervos referentes à cultura africana eafro-brasileira.Paratal,emmarçode1974,foiassinadoconvênioentreaUnião(MinistériosdasRelaçõesExterioresedaEducaçãoeCultura),Governo do Estado da Bahia, Universidade Federal da Bahia ePrefeituradaCidadedo Salvador, para execuçãodeumProgramadeCooperação Cultural entre o Brasil e Países Africanos, edesenvolvimentodeestudosAfro-Brasileiros.Aconstituiçãodomuseuestava compreendida em plano maior, com diversas atividades. OConvênioprevia “a) a constituição emanutençãodeummuseuAfro-Brasileiro, composto de coleções de natureza etnológica e artísticasobreasculturasafricanasesobreosprincipaissetoresde influênciaafricananavidaenaculturadoBrasil”(UFBA,Termo,1974,p.2).

93EstecapítulotemomesmotítulodaDissertaçãodeMestradoemCiênciadaInformação, defendida por mim, em 1999, no Instituto de Ciência daInformaçãodaUniversidadeFederaldaBahia,sobaorientaçãodaprofessoraTeresinhaFróesBurnham.Oqueseráapresentadoaquifoielaboradoapartirda seção dedicada à história da criação do Museu e seus dois projetosexpográficos iniciais. Até essemomento, o textopermaneceu inédito, razãopela qual resolvemos publicar neste livro. Na publicação Museologia ePatrimónio (vol.3), publicamos o texto O tratamento museológico daherançapatrimonial:aexposiçãocomoumaestratégiacomunicacional,queconstituiaprimeiraseçãodessamesmadissertação.

Page 186: Livro Museologia e Património - Volume 6 - para capa e ...

MuseologiaePatrimónio–Volume6

184

Entre as ações previstas no Convênio estavam realização decursos e seminários; edição e divulgação de trabalhos sobre temasafricanos; pesquisas,mediante concessão de bolsas e acolhimento debolsistas africanos; recrutamento de professores para missãoeducativa e cultural na África. O convênio caracterizava-se pelaprestaçãodecontribuiçõesmateriaisetécnicasdaspartessignatárias,incluindo-se a recuperação do prédio para a instalação do museu,subvençõesparaassuasatividades,aquisiçãodeacervo,etc.,sendooCentrodeEstudosAfro-Orientais(CEAO)94daUFBA,oórgãogestordoMuseu. Em carta direcionada aoGovernador do Estado daBahia, em1973, é declarado o interesse do Itamaraty, na elaboração de umProjetoparainstalaçãodoMuseu:

volto, com entusiasmo redobrado, a um projeto decomum interesse para a Bahia e para o Itamaraty: oMuseu Afro-Brasileiro [...] Durante minha estada emSalvador, tive oportunidade de visitar, no Terreiro deJesus,oprédiodaFaculdadedeFilosofia,apontadopelacomissão de peritos que em julho último estudou aconstituiçãodoMuseu,comoolocaldeaproveitamentomais prático e imediato para aquele fim [...] Asvantagens do edifício me pareceram evidentes:localização extraordinariamente favorável [...] espaçoamplo. [...] o Museu Afro-Brasileiro é umempreendimentoaqueatribuoamaisaltaimportânciae que gostaria de ver caracterizado ainda no atualgoverno.(Barboza,1973,p.1)

Documento elaborado pela UFBA, apresenta definições

conceituaiseexpositivasparaoMuseuAfro-Brasileiro:

94 Criado em 1959, pelo humanista português, Agostinho Silva, é um ÓrgãoligadoàFaculdadedeFilosofiaeCiênciasHumanasdaUniversidadeFederaldaBahia,voltadoaoestudo,pesquisaeaçãocomunitárianaáreadosestudosafro-brasileiros e das ações afirmativas em favor das populaçõesafrodescendentes, bem como estudos das línguas e civilizações africanas easiáticas.

Page 187: Livro Museologia e Património - Volume 6 - para capa e ...

MuseologiaePatrimónio–Volume6

185

destinar-se-áadescreveraformaçãoculturalbrasileiranoqueelatemdecontribuiçãoafricanae,[...]aexplicaros diversos processos aculturativos que tiveram lugarna diferentes regiões do país, conforme apredominância étnica de suas populações de origemafricana.Apresentaráadescriçãoetnográficadosváriospovos africanosquevieramparaoBrasil,assimcomo[...]sintésisnacionaisoriundasdocontatodessespovoscomoutros [...]Porrazõesdeordemacadêmica,eemfunção da necessidade de umamaior compreensão darealidade africana atual [...] incluem-se as coleçõesartístico-etnográficas e as atividades científicas doMuseu Afro-Brasileiro, a descrição antropológica depovos africanos não diretamente envolvidos noprocessodeformaçãoculturalbrasileiro[..]ascoleçõesaseremexpostasdeverãoabrangertambémapartedaÁfricaacimadoSaara, a chamadaÁfricaárabe. (UFBA,documento,n.d.)

Omesmodocumentoindicaoacervoeeixostemáticos:

a)Ferramentasde trabalho,mobiliários,vestimentasetecidos, instrumentos musicais, adornos e jóias,pinturas, escarificações e tatuagens corporais, etc.; b)Deexpressõescriadoras:técnicasdeprodução,música,dança, escultura, pintura, etc.; c) De manifestações davida social: organização política da nação, tribo, etc.,religião, organização familiar e do grupo (nascimento,casamento, morte, etc.), comportamento social dosmembrosdecadagrupoétnico,etc.”(UFBA,documento,n.d.)

Nestedocumentoaparecemduasdivisõesparaomuseu,noque

tangeàssuasexposições:

1) Museu estático: Salas de exposições permanentes,abordandoosseguintestemas:

Page 188: Livro Museologia e Património - Volume 6 - para capa e ...

MuseologiaePatrimónio–Volume6

186

Ohomem(distribuiçãoétnico-geográfica);Astécnicas(agricultura,pesca,embarcações,escultura,cestaria, tecelagem, olaria, fundição, etc.) exibindo-semovimentos técnicos, exemplares de ferramentas,matériaprima,fasesdefabricação,etc.Tratando-se tambémdaorganizaçãodohomem (valormemorativo,socialepolítico)eorganizaçãodoMundo(valor religioso, educativo, estético, econômico,sincrético,escrita)Dança e música: elementos audio-visuais (trajes,adornos,fotografias,tecidospintados)Vidacotidiana:vidacomunitária,religiosa,domésticaehabitat.

1) Museu Dinâmico: Espaço dedicado a exposições

temporárias e atividades multimídias, paraexposições e atividades artísticas como teatro, porexemplo.(UFBA,documento,n.d.)

EmseuprojetooMuseuAfro-Brasileironascearrojado,ousado

e com concepção moderna, com proposta de articulação de espaçosainda hoje pouco atingidas por outras instituições, como é o caso deReservaTécnicaabertaàvisitação, comcapacidadeparaaguardade50.000 objetos. Além de depósitos especializado e áreas demanutenção, atelieres de montagem, marcenaria e outros, e aindalaboratórioscomo:

• Laboratório Central: especializado para restauração e

conservação;• Laboratório de Tecnologia (tecelagem, olaria,

carpintaria,fundição);• Laboratóriodeetnomusicologia,associadaàreservade

organologia (dança e música) com pequena sala de

Page 189: Livro Museologia e Património - Volume 6 - para capa e ...

MuseologiaePatrimónio–Volume6

187

seminário para 12 a 15 estudantes, associada aosarquivossonoros);

• Laboratório de linguística (laboratório de fonética daUniversidade).

• Propunha,ainda,

Serviçoscientíficos”, comoGabinetesdepesquisadores(15); Cartografia/iconoteca; Fototeca/filmoteca;Arquivossonorosoufonoteca(associadaaolaboratóriode etnomusicologia do Museu e ao laboratório defonética da Universidade); Centro de documentação;Saladerevistas;Alojamentoparapesquisadores(5a6);Saladeconferências,comauditóriopara200lugares.

Deveria existir tambémum local “capacitado a apresentar emum palco teatro ao ar livre, manifestações folclóricas quando ascircunstâncias permitirem: dança, música, arte dos narradores(cordel),etc.”.Complementandoessaestruturahaveriaumrestauranteecafeteria,paraoferecimentode“comidatípicaligeira”.Aleituradessedocumento indica que o Projeto se caracterizava por visãoextremamente avançada sobre preservação, com uma proposta deutilizaçãodopatrimônioemprocessosdeaprendizagemefruição.

Sua equipe seria formada por dois curadores (um etnólogo eumnãodefinido),nãosefalandoemmuseólogo,pessoalespecializadoparaosdiversossetoresprevistosepessoaltécnicoedeapoio. Sobre a efetiva participação dos parceiros envolvidos nacriaçãodoMuseu,aanálisedadocumentaçãoencontradaindicaonãocumprimento dos compromissos. Documento datado de 1974,assinadopeloReitorLafayettePondé,endereçadoaoSecretárioGeraldoMinistériodaEducação,questionaanegaçãoderecursosaoprojetodo Museu, por parte do Ministério, baseada na alegação de nãoreconhecimentodaexistênciadoConvênioao

relembrarquea iniciativade criaçãodoMuseupartiu,não da Universidade, mas do próprio Ministério daEducação em parceria com o das Relações Exteriores[...] o convênio expressa menos um plano de ação da

Page 190: Livro Museologia e Património - Volume 6 - para capa e ...

MuseologiaePatrimónio–Volume6

188

Universidade do que umpropósito da política externadoGovernoFederal,dequeserámeroinstrumento[...]nãohánadanoconvênioqueoinvalide.(Pondé,1974,p.1)

Em correspondência de dezembro de 1975, do Diretor doCEAO, Guilherme Casto, para o presidente do seu ConselhoDeliberativo, revela que parceiros do Projeto não cumpriam oscompromissos para a instalação do Museu, dificultando a suarealização

Conquanto haja este Centro de Estudos alcançadogrande parte a implantação dessa primeira parte doPrograma95conformelhepermitemascircunstânciasea disponibilidade financeira do período, a suamanutençãoecontinuidadeefetivasdependem,comoéóbvio, de recursos financeiros regulares, os quais secomprometem solidariamente a fornecer ao CEAO oMinistério das Relações Exteriores, o Ministério daEducaçãoeCultura,oGovernodeEstadodaBahiaeoMunicípiodeSalvador.(Castro,G.,1975,pp.3-4)

Desde o início, repercutem e se multiplicam na imprensanotícias sobre a aberturadoMuseu. Já em10de julhode1973, umanota anuncia questões problemáticas sobre o museu que estavasurgindo:

Um museu ‘afro-brasileiro’ surgirá em Salvador, embreve, dependendo, apenas da celebração de umconvênio...nodecorrerdareuniãosurgiramevidênciasdequeumclimadetensãoedisputaenvolveráacriaçãodomuseu, pois muitos são os candidatos ao cargo dediretorepoucososquetêmcondiçõesdeexercê-lo.Umoutropontoemdiscussãoantesdoiníciodaseleçãodomaterialqueabrangerátodasasáreasdeinfluênciadonegrona formaçãodaculturabrasileiraéa localização

95Realizaçãodecursoseiníciodaformaçãodeacervo.

Page 191: Livro Museologia e Património - Volume 6 - para capa e ...

MuseologiaePatrimónio–Volume6

189

domuseu.Ficoudecididoqueomuseupoderáficaremtrês locais selecionados previamente – o Solar doFerrão,aQuintadosLázaroseoterceiroémantidosobsigilo, para não levantar polêmicas. (Disputa peladireção,1973).

Este comentário revela problemas futuros que cercariam a

instalaçãodoMAFROnoprédiodaFaculdadedeMedicinadoTerreiro,o “local mantido sob sigilo”. Logo foi revelado o “segredo” sobre alocalização,cogitando-setambémopossívelperfildofuturodiretor:

Serálocalizadonaantigafaculdadedemedicina,situadano Terreiro de Jesus, o futuro Museu Afro-Brasileiro.Para tanto,deveráser transferidado localaFaculdadedeFilosofia[...]sóumestudiosodaculturaafricananoBrasil poderá ocupar o cargo. Até o momento, sãomuitos os candidatos e poucos os que possuemcondições para exercê-lo. (Medicina abriga Afro-Brasileiro,1973)

Surgem, também, hipóteses sobre a formação do seu acervo,informando que esse seria resultante de empréstimos de peçasorigináriasdeoutrosmuseus,portransferênciaouaquisição

oacervodomuseuseráconstituídoprincipalmenteporpeçasqueexistemespalhadaspordiversosmuseusdopaís, que dizem respeito à cultura africananoBrasil eque,pornãoseenquadraremmuitobemcomoacervodessesmuseus,ficambastantedeslocadas.[...]oMuseuGoledi, no Pará, possui uma parte destinada à culturaafricana e que será cedida. Outros exemplos são oMuseu Nacional do Rio de Janeiro, o Museu doDepartamentodeAntropologia,daUniversidadedeSãoPaulo e o Instituto Histórico de Alagoas. O museutambémcontarácomcoleçõesparticulares,queexistemem grande quantidade no Brasil e que venha a serdoadas. Por último, poderão ser obtidaspeças através

Page 192: Livro Museologia e Património - Volume 6 - para capa e ...

MuseologiaePatrimónio–Volume6

190

dasembaixadasbrasileirasnospaísesafricanos.(OndevaiseroMuseu,1973)

Paraa formaçãodoacervo forampensadasváriasestratégias,comoéreveladonanotaaseguir:

Aomuseuserãoincorporadasalgumaspeçasdoacervodo Museu Estácio de Lima [...]. Outras doações serãofeitas por países africanos através do Ministério dasRelações Exteriores do Brasil e por universidades,instituições e museus de estudos africanos, não só daÁfrica mas também da Europa e Estados Unidos [...].Finalmente, observou o diretor do CEAO, ao acervorepresentativo da cultura afro-brasileira será obtidoatravés de entendimentos dos vários Estados daFederação.(MuseuAfro-Brasileiroficará,1974)

Para a formação da coleção afro-brasileira, realizou-se uma

campanha junto à comunidade baiana, com significativa colaboraçãodopovo-de-santo,gruposdecapoeiraeblocosafro.96 Logo após o anuncio da escolha do local para a instalação doMuseu,ocorreramreaçõesdacomunidademédica,comoaquesegue:

O presidente do Instituto Bahiano de História daMedicina, Sr. Raimundo de Almeida, logo que teveconhecimento de que o prédio onde funcionou aprimeira faculdade de medicina do Brasil serátransformado no Museu Afro-Brasileiro, telegrafou aoministro Jarbas Passarinho, da Educação e Cultura,dizendo-se surpreendido com a notícia e fazendo umapeloparaque,nolocal,seinstaleoMuseudeMedicina,

96SobreaformaçãodaColeçãoAfroBrasileira,veradissertaçãoorientadapormim, intitulada O Museu Afro-Brasileiro da Universidade Federal daBahia e sua coleção de cultura material religiosa afro-brasileira, deautoriadeJuipuremaSandes,realizadanoProgramaMultidisciplinardePós-Graduação em Estudos Étnicos e Africanos (PÓS-AFRO/UFBA). Link:https://repositorio.ufba.br/ri/handle/ri/23895.

Page 193: Livro Museologia e Património - Volume 6 - para capa e ...

MuseologiaePatrimónio–Volume6

191

transferido o Museu Afro-Brasileiro, segundo a suasugestão,paraumprédioaserescolhidonoCruzeirodeSão Francisco ou no Pelourinho. [...] fez questão dedeclarar que somente merece louvores e aplausos, oesforço para trazer à Bahia, o Museu. No entanto,acrescentou, não me parece acertada a escolha doprédio.(OndeficaroMuseu,1974)

Namesmanota,odiretordoCEAOafirmaque

a Universidade achou que convinha a sua instalaçãonaquele local, talvez pelo fato de estar perto doPelourinhoeaindapelosimplesfatodequeoprédioseencontra desocupado [...] sendo o prédio da primeiraFaculdadedeMedicinadepropriedadedaUniversidadeFederal da Bahia, ela dá o destino que melhor lheaprouver,deacordocomosseusinteresses.(OndeficaroMuseu,1974)

Com essa nota foi iniciada uma querela que se tornou,provavelmente, a grande e principal responsável pela não conclusãodosprojetosparaoMuseu,nasuaintegridadeedeacordocomoseuplano original, a presença do Museu no Prédio da Faculdade deMedicina do Terreiro. Sem assinatura, veicula-se, logo depois, novanota,naqualencontramososeguintetrecho:

Apenasumsenãocomprometeosaplausosaquefazjusa iniciativa: a escolha do local, onde ao que se diz,deverá funcionar o novoMuseu, no velho terreiro [...]nãofaltaramvozesqueselevantaramparasugerirqueo antigo prédio... fosse aproveitado para que nele seinstalasse o Museu da Medicina Brasileira.Consideramos, de logo, perfeitamente válida asugestão. [...] e que conjugado com o Museu NinaRodrigues, seria demaior significação na vida culturalbaiana e brasileira. Achamos, por isto, que o MuseuAfro-Brasileiromuitomelhorficariasituadoemumdosprédios do Pelourinho, já pela historicidade e

Page 194: Livro Museologia e Património - Volume 6 - para capa e ...

MuseologiaePatrimónio–Volume6

192

adequação do local, já porque esta seria mais umaoportunidadedevalorizaçãodestaáreaque, emmuitoboa hora, vem sendo recuperada. Em suma, doisbenefíciosemvezdeumsó,émuitomelhor. (LocaldoNovoMuseu,1974)

Para que se entenda essa história é necessário ressaltar aimportânciadoprédioesuarelaçãocomaMedicina.Comváriasfasesde configuração arquitetônica e histórica, o prédio tem sua origemrelacionadaaoColégiodosJesuítas,quevieramparaaBahianoséculoXVI, sendo o centro das atividades culturais e espirituais da Colônia,até a expulsão da Companhia de Jesus. Daí, passou a ser sede doColégio Médico Cirúrgico, criado em 1808, por D. João VI,configurando-se como a “Primeira Escola de Medicina do Brasil”.Váriasforamasreformasrealizadasnoprédio,quefoivitimadoporumincêndio em 1905, quando passou por remodelação, ampliando-se eadequando-se aos ideais estéticos da época, com perfil eclético. AEscoladeMedicinapermaneceuno edifício até o iníciodadécadade70,quandofoitransferidaparaoCampusUniversitário.Nadécadade70,aFaculdadedeFilosofiaeCiênciasHumanasfuncionounoedifício.Desde 2004, o edifício voltou a abrigar setores da Faculdade deMedicina. Também abriga o MAFRO (Museu Afro-brasileiro), o MAE(Museu de Arqueologia e Etnologia) e o Memorial da MedicinaBrasileira. Sobre a instalação do Memorial de Medicina no prédio, emcontraponto a instalação do Museu Afro, encontramos nota doprofessor JoséSilveira,Diretordo InstitutoBrasileirode InvestigaçãodoTórax,comasseguintesconsiderações:

Muito antes de qualquer entendimento ter vindo aopúblico, no sentido de lá se instalar o Museu Afro-Brasileiro lançamos a idéia de aproveitar asdependências da 1ª. Faculdade de Medicina do Brasilpara atividades correlatas, com a fixação no local detodasasagremiaçõesmédicasdaBahia,alémdemuseu,arquivo, biblioteca e tudo o mais [...]. As opiniõesdivergemumpouconotocanteaodestinoaserdadoaoprédio: uns querem um museu, outros algo mais

Page 195: Livro Museologia e Património - Volume 6 - para capa e ...

MuseologiaePatrimónio–Volume6

193

complexo. Mas ninguém admite o que parece estarconcretamente certo: o Museu Afro-Brasileiro naFaculdadedoTerreirodeJesus.(MuseusAfro-Brasileiroprovoca,1974)

A classe médica continuava manifestando-se contrária àinstalaçãodoMuseunoprédiodoTerreirode Jesus, comoépossívelvernanotaseguinte:

O Instituto Bahiano deHistória daMedicina lança seuúltimo protesto, tentando evitar que um museuetnográfico venha a ser instalado onde nasceu aprimeiraescoladeMedicinaeCirurgiadoBrasil.O[...]presidente do IBHM, baseia suas intenções na nobreintenção de alertar as autoridades contra possíveisalterações na estrutura e fachada no prédio de longatradição [...] No entanto, o professor parece esquecerqueoprédiojásofreuváriasreformas,equeasfeiçõesoriginais do que ele denomina “Primeiro Templo daMedicina Brasileira” são hoje de impossívelreconstituição, desde que a escola foi totalmentereconstruída após o incêndio que praticamente adestruiuno iníciodeste século. [...]Osmédicos tememquevenhaaseperderatradiçãohistóricadaMedicinana Bahia, [...] Mas as preocupações dos médicos doIBHM vão mais além, e culminam nas declarações doprofessor Raymundo de Almeida Gouveia: Consideraque haverá verdadeira profanação, sobretudo seamanhã, como será possível, oMuseu doNegro servirde abrigo às práticas do candomblé, hoje sofisticado eadulterado por aproveitadores e improvisadosetnólogos.(IBHM,1974)

Duasquestõespodemserdestacadasnessetexto...Primeira: Percebemos nos registros da imprensa tendência a

prever e afirmar questões não cogitadas oficialmente. Falava-se emevitarcorrupçãodefachadas,masmudançasnafachadanãoaparecemem nenhum documento relacionado à instalação do Museu. Tal

Page 196: Livro Museologia e Património - Volume 6 - para capa e ...

MuseologiaePatrimónio–Volume6

194

preocupaçãoerainteiramentedesnecessáriaeinfundada,nãopodendoseralegadacomomotivoparaanãoinstalaçãodoMuseunoedifício.

Segunda: A nota revela verdadeiro desconhecimento, oupreconceito, acerca das práticas religiosas afro-brasileiras.Ironicamente, em ummesmo artigo que cogita, injustificadamente, asacralidade de um prédio, por conta de ter sido a sede da PrimeiraEscoladeMedicinadoBrasil,cogitava-seapossibilidadeeomedodequealifossemrealizadosritossagradosdocandomblé,emumespaçoque, na perspectiva da religiosidade afro-brasileira, nada tem desagrado.

Oquevaiseconfigurandocomopresentenoscomentáriosquevãosurgindonaimprensaéodesconhecimentoaliadoaopreconceitonotratamentodaquestão.Situaçãoqueserevelaquandosecogita,porexemplo, que o Museu deveria ser instalado em “sobrado noPelourinho”,comosevênotrechoaseguir:

O presidente do instituto [...] fez novo apelo ao MEC,pedindoquenãosejamodificadaaestruturadoprédio,e que o Museu do Negro, seja instalado em antigo ehistórico sobrado ou paço colonial, onde os negrosescravos viveram e sofreram, com o que a instituiçãoficaria mais autêntica. (Contra entidades médicas,1974)

Identificamos nesse discurso, e em outros textos sobre aquestão, a ideia de que o tema afro não se enquadraria nagrandiosidadedaarquiteturaecléticadoprédiodaMedicina,devendoadaptar-seàarquiteturacolonialmonumentalizadaemalgunsedifíciosdoCentroHistórico.Emmeioaesseambientederesistênciaépossívelencontrarvozesdestoantesefavoráveis,comonessanotade1974,naqualaquestãodoMuseuganhouprojeção,destoandodocorouníssimodaMedicina:

Decorrido o tempo normal para o atendimento dereivindicações como esta [...] deliberaram reservar aparte nobre da velha escola [...] para Museu deMedicina, destinando o restante da faculdade parainstalação do Museu do Negro ou da cultura afro-

Page 197: Livro Museologia e Património - Volume 6 - para capa e ...

MuseologiaePatrimónio–Volume6

195

brasileira.Melhorcomunhãoseriadifícil,vistocomonavelha escola do Terreiro de Jesus tiveram início, comNina Rodrigues, os estudos da medicina-legal,antropologia,etnografia,africanismo[...]Assim,desdeoprimeiromomento,fomosdosqueviramtodoacertonasolução adotada, que nenhuma inconveniência traz,antes, como dissemos, complementa o que, de iníciopleiteava a classe médica baiana. E essa solução ésobretudo louvável porque vem ao encontro de ummelhor aproveitamento das grandes áreas ocupadaspela antiga faculdade, uma vez que a ‘parte nobre’referida é suficiente para que nela se instalem erealizem, comodissemos [...] todoque, afinal,posse seconstituirnomaisantigoCentrodeCulturadaMedicinaNacional.(Vitoriosaaclassemédica,1974)

EntreasquestõeslevantadaspelacomunidadedeMedicinaem

relaçãoaocupaçãodoprédiopeloMuseuAfro-Brasileiro,surgiuoutraquestão,dessavezrelacionadaaoespaçoanteriormenteocupadopeloMuseuEstáciodeLima97,quefuncionavanoprédio

Embora o novo projeto do Museu Afro-Brasileiropreveja a ocupação do local onde está instalado oInstitutoMédicoLegal‘NinaRodrigues’,inclusiveosub-soloondeselocalizaoMuseuAntropológico‘EstáciodeLima’,MariaTerezaPacheco,diretorado ‘Nina’,afirmaque em janeiro de 1975 vai reinaugurar o MuseuAntropológicocujocervo,desde1967,vemseperdendoentrepoeira,insetoebolor.Nolocalondeestáinstaladoe atualmente sendo restaurado o Museu criado porEstácio de Lima, segundo o projeto do Museu Afro-

97 Sobre o Museu Estácio de Lima ver o artigo, de minha autoria, Corpos,Discursos e Exposições: a Coleção do Museu Antropológico e EtnográficoEstáciodeLima(Bahia,Brasil).PublicadonaobraMuseologiaePatrimônio-volume2. 1ed.Leiria -Portugal: InstitutoPolitécnicodeLeiria, 2019, v. 2, p.107-145.

Page 198: Livro Museologia e Património - Volume 6 - para capa e ...

MuseologiaePatrimónio–Volume6

196

Brasileiro, será a sede do Centro de Estudos Afro-Orientaris.(MuseudeEstáciodeLima,1974)

No início do ano de 1976, o Museu ainda não atinha sidoinaugurado,enquantoaimprensaanunciavaachegadadepeçasdoseuacervo,provenientesdocontinenteafricano.Visandoexporaspeçasjáadquiridas, o CEAO resolve organizar exposição, juntamente com aFundação Cultural do Estado da Bahia, no Solar do Unhão, entresetembro e outubro de 1976. A exposição foi bastante divulgada naimprensa,comoformadechamaratençãodacidadesobreomuseueanecessidade de sua inauguração em breve, e para tentar diminuirpressõesquejásurgiamsobreofatodetalacervoestarencaixotadoeguardado.Oanoseguintefoiiniciadocomanotíciada“devolução”doprédiodoTerreiroàcomunidademédica,gerandoespeculaçãosobreorecuodadecisãodeinstalaçãodoMuseunaquelelocal.

A informação é do prof. Renato Tourinho Dantas,DiretordaFaculdadedeMedicinadaUFBA,anunciandoque o Reitor Augusto Mascarenhas doou,definitivamente,aspartesmais importantesdosecularprédiodoTerreiroàFaculdade[...]AiniciativadoreitorAugustoMascarenhas,queéprofessordaFaculdadedeMedicina, agradou a toda classe médica [...] Com adestinação que será dada ao edifício da Escola deMedicina no Terreiro de Jesus, confirma-se o quepublicamosháalgunsdiassobreoMuseudoNegro,istoé,quenãoserámais instaladonaqueleprédio. (PrédiohistóricodoTerreiro,1977).

Outra notícia, além de comunicar a volta do prédio para aEscola,aindasugerenovoslocaisparaoMuseuAfro:

A classe médica baiana, recebeu com indisfarçávelalegria, a devolução da sua primeira escola [...]. Nemserá por isto que outros projetos para ocupação dasdependências do histórico e belo casarão ficarão semfinalidade. Se existe uma cidade, no Brasil, onde hávários prédios que podem e devem ser ocupados por

Page 199: Livro Museologia e Património - Volume 6 - para capa e ...

MuseologiaePatrimónio–Volume6

197

repartiçõespúblicas,museus,etc.,éSalvador.[...]Outrosolar que merece melhor destino é o do Ferrão, noMaciel,ondeoMuseudoNegro[...]teriaotetoeespaçoadequadosparaassuasinstalações.(AEscolaoquelhepertence,1977)

Com esta notícia, novamente vêm à tona discussões sobre apertinênciaemesmodireitodepermanênciadoMuseuAfronoprédiodo Terreiro de Jesus, que estava com suas obras inteiramenteparalisadas. Reforçavam as especulações sobre a interrupção doprojetodeinstalaçãodoMuseu,notasquedavamcontadedificuldadesde sua operacionalização, pelo não cumprimento dos compromissos,por parte dos parceiros. Nesse momento ressurgem artigos sobre oprédio da Escola de Medicina e sua destinação, vários serão osprotestos,aproveitando-seestemomentodeindefinição.

Onde se realizam obras restauradoras que,aparentementechegaramaumimpasse,ecujodestinoaindanãofoidecididocomprecisão.[...]Acontrovérsiamaior,todavia,erasobreonovodestinoqueseriadadoaoconjuntodoTerreiro.Atéque,emboracontrariandoo pensamento da maioria da classe médica, ficoudecididoqueali seria instaladooMuseudoNegro. [...]Começaramas obras e, comelas, umnovo capítulodaodisseia do belo prédio, este, nada glorioso como osanteriores [...] o convênio firmado não funcionou. OItamaraty e o Governo do Estado não cumpriram suaparte,asobrasnãopuderamseguiroritmoprevisto[...].Paralelamente resolveu-se que oMuseu doNegro nãoseria instalado alí, e o Museu Estácio de Lima foidestinado a novas instalações. Ficou pois, o velhoprédio, como um castelo abandonado que somente osfantasmaspovoam[...]Adestinaçãoquesepretendedaraomonumento – a de ser umMuseu deMedicina – éperfeitamente justa e adequada. (A Velha Faculdade,1977)

Page 200: Livro Museologia e Património - Volume 6 - para capa e ...

MuseologiaePatrimónio–Volume6

198

A Fundação do Patrimônio Histórico e Cultural do Estado,manifesta-sesobreaparalizaçãodasobras,informandoque“Sustamosos trabalhos [...] para que seja determinada a ocupação ou não doprédio pelo Museu Afro-Brasileiro, uma vez que precisamos destadefiniçãoafimdeadequarotrabalhoderestauraçãoaosobjetivosqueoprédioiráservir.”(Patrimônioesperadefinição,1977) Emjunhode1977,emvisitaaoprédio,oGovernadorRobertoSantosdeclarouseuinteresseemdarcontinuidadeàsobrasdoprédio.Nestaocasião,oReitorAugustoMascarenhasdeclarouque

existeumprojeto antigodaUniversidade comvistas àrecuperação do prédio, mas agora ele está sendoreconsiderado e discutido. Desta forma vão se refazerostrabalhos,asplantas,tudodentrodeumareavaliaçãoda utilização do espaço e somente depois disso tudofeito é que haverá uma definição de como ele seráaproveitado.(Governoquerretomar,1977).

Emagostojáeramcorrentesnaimprensanotassobreaameaçaao Museu Afro-Brasileiro, informando-se também que o acervocontinuava chegandodeváriaspartes, havendopeças emdepósito jáhá alguns anos. Surgia, entre outras, nova justificativa para a nãoinstalação do Museu Afro no prédio: “Este projeto foi depoisabandonado porque a área de 11.000 metros quadrados é grandedemais para ummuseu. Provavelmente ali será instalado um CentroCultural,mas isto ainda é objeto de estudos de uma comissão criadaparaestefimpelaUFBA.(IndefiniçãosobreMuseu,1977) Nestemomento,ironicamente,oMuseucorriaoriscodeperdero espaço do prédio do Terreiro pela alegação de excesso de espaço.Evidencia-se na nota acima, que o problema que estava sendoenfrentadoparaa instalaçãodoMuseu,alémdepolíticoe ideológico,era também conceitual, pois se a questão era a de instalação de umCentroCulturalnoamploespaçodisponível,qualaimpossibilidadedaexistênciadeumMuseuAfronocorpodesseCentro?Quaisseriamoselementos que comporiam esse Centro? No lugar de se cogitar aadequaçãodoprojetodoMuseuaoespaçoexistente,algumaspessoaspreferiam aventar a não instalação do museu no prédio. Parece-nosque a questão não estava relacionada ao tamanho do espaço ou sua

Page 201: Livro Museologia e Património - Volume 6 - para capa e ...

MuseologiaePatrimónio–Volume6

199

planificação, mas sobretudo a quem ocuparia o espaço e comoocuparia. O impasse sobre o Museu Afro repercute no Brasil, surgindonotassobreoassuntoemjornaisdecirculaçãonacional,criticandoasaçõescontráriasaoMuseu

O problema surgido na Bahia com o Museu Afro-Brasileiro e o Centro de estudos e Pesquisas Afro-Orientais estava previsto desde 1974/75, pelainexistência de convênios entre os Governos federal eda Bahia, que preservassem e defendessem asinstituições afro-orientais dos grupos colonialistas,racistasefascistas.Hápelomenos20anosquegruposnegros e estudiosos encetam esforços para organizaresseMuseu.Quandotudoparecefácileumpatrimônioestavareunido,dispondo-sedeumprédio–aex-Escolade Medicina, em Salvado, surgem hitleres e salazaresportodososlados,paraobstacularizarsuainstalaçãoefuncionamento. Bem já dizia a literatura de cordel:‘afinal quemdiria? /Hitler virou santo / emorreu naBahia!’.Seráquemorreumesmo?Ouandarásoltopelasladeiras de Salvador, liderando a campanha contra oMuseudoNegro?(SARDELLA,19777)

Em novembro de 1977, formalizou-se um movimento,incluindováriossetoresmédicosdacidade,comodesejoexplícitodeocupar o prédio do Terreiro, emitindo um documento no qualsolicitavam que as instalações fossem ocupadas exclusivamente porunidades relacionadas à Medicina, o que eliminaria a instalação doMuseuAfro.Noentanto,emjaneirode1978,osjornaisdivulgavamqueoMuseudividiriaoespaçocomentidadesmédicas.Oimpassequantoàlocalização do Museu acabou interferindo no processo de coleta doacervo e com isso perdia o Museu na composição do seu acervo.Refletindoessemomentodecrise,em13demarçode1978,aRevistaManchete, de circulação nacional e com muita influência na opiniãopública,veiculamatériaque,entreoutrascoisas,afirmaque

Page 202: Livro Museologia e Património - Volume 6 - para capa e ...

MuseologiaePatrimónio–Volume6

200

Parece que a cultura da África Negra está sendodesprezadaemSalvador.Quinhentosecinquentapeças–algumasrarasedealtovalorartísticoeetnológico–estão amontoadas, sem qualquer segurança em duassalasdoCentrodeCentrodeEstudosafroorientaisdaUniversidade Federal da Bahia reticências paraconstituírem um Acervo do Museu do negro a serinstaladono antigoColégiodos JesuítasnoperíododeJesus ali funcionava a faculdade de medicina maisimportante figura da classe médica através das suasassociações de indicar o imóvel para a sede de suainstituição... Assim não será fácil instalar em SalvadorumórgãoqueiráenriqueceravidaculturaldaBahiaemesmodoBrasil.(BRITO,1978a)

Emoutroartigoeraafirmadoque

Enquanto burocratas escute o que deve ou nãofuncionar no velho prédio da antiga Faculdade deMedicina no terreiro a cultura nacional está sendoprejudicada com adiamento da inauguração doMuseudonegroestaentidadeseriaumafontericadepesquisaem um centro capaz de movimentar a cultura baianamas o saudosismo de alguns reflete um poder a todaprova a instalação de um museu do negro no prédioonde saíram acadêmicos dos profissionais Talvez paraque alguns burocratas represente uma profanação...essaspessoasvivemapagadasapegadasaudosismoquenão reflete qualquer Progresso em Sintra juízo para ahistóriareticênciaédeseperguntar,seaquelevelhoémaudivididoprédioédignoparareceberumasímbolotão importante e não levantar dúvidas ou mesmodificultaraçãoinstalaçãoali.(BRITO,1978b)

Enfimemmarçode1978,vemadefiniçãodivulgadanosjornais

dacidade,comoessaaseguir

Page 203: Livro Museologia e Património - Volume 6 - para capa e ...

MuseologiaePatrimónio–Volume6

201

Apósquatroanosdemarchaecontra-marchas,oCEAO- Centro de Estudos Afro-Orientais verá instalado oMuseuAfro-Brasileiro.Não com a dimensão e espaçosprevistosemprojetooriginal,masdividindooprédiodaantiga Faculdade de Medicina, com complexo deunidades culturais do Estado. (Museu Afro-Brasileirovaiser,1978)

Quaseumanodepois,noiníciodoanode1979,encontramosnotíciascomoaquesegue

Maisdemilpeçasreservadasparainstalaçãodomuseuafro-brasileiro estão se se deteriorando. Acumuladasem um ridículo depósito do Centro de Estudos AfroOrientais, a precariedade domaterial - namaioria emtecido,madeiraougesso - fazcomquesejaacorrosãoeminente.[...]Nomomentonenhumamençãoaofuturolocal - ou se pelo menos existirá o local é feita pelosresponsáveis. Sabe-se apenas que o prédio da antigaFaculdadedeMedicinanoTerreirodeJesusondeseriainstaladoomuseu,nãomaisteráestafinalidade.[...]ODiretordoCEAO,GuilhermedeCastro,responsávelpelaexecuçãodoprograma,recebeuummemorandoatravésdaFundaçãodoPatrimônioHistórico,onde informa-sequeaantigafaculdadeserviráaumcentrodeeducaçãonão formal, com uma sala de Exposição para peçasafricanas.Asala,porémnãopossuiespaçoparareceberaquartapartedoAcervoquejásetemacumulado.[...]GuilhermeCastroacrescentouqueodesprezoparacominstalação do museu deve-se a projetos consideradosmais importantes pelo Estado e município. (Acervoafro-brasileiro,1979)

Emoutranotadaépoca,afirma-seque:

É triste o que aconteceu com Projetado Museu afro-brasileiro, que seria instalado no prédio da antigafaculdade medicina e que terminou ficando sem uma

Page 204: Livro Museologia e Património - Volume 6 - para capa e ...

MuseologiaePatrimónio–Volume6

202

definição, uma vez que local escolhido é consideradoinadequado pelo próprio Centro de Estudos AfroOrientaisdaUniversidadeFederaldaBahia.Igualmentelamentável o desinteresse demonstrado pelasautoridadesatuais-doestado,domunicípioedaunião- embuscarumaalternativaparaqueomuseunão setransformeemumameraexposiçãoestática,comobemfaloudiretordoCEAO.(MuseudoCEAO,1979)

Provavelmente, a afirmação de inadequação está relacionadaaofatodequeentreoprojetooriginalparaoMuseuAfro-Brasileiroeas possibilidades que se apresentavam, havia uma distância enorme.Foi projetado, na origem, como um Centro para a cultura afro,possibilitava-seagora,basicamenteumaexposiçãopermanente.JáemJunho de 79, o novo Diretor do CEAO, Nelson Araújo, anunciou aabertura para breve, afirmando que "vai haver mais peças do queespaço quando este começar a funcionar" (MUSEU..., 26/06/79).Problemaqueaconteceu,masnãoexatamentepelofatodeomuseuterreunidoumnúmeromuito grandedepeças em seu acervo,maspeloespaçoexíguoqueaelefoidestinada,quandoenfimfoiinauguradonoanode1982.

Em1980,emcerimôniareunindoacongregaçãodaFaculdadede Medicina e o Reitor, foram devolvidas áreas recuperadas para aFaculdade,destinadasàrealizaçãodeSeminárioseConferências,etc.,bem como a biblioteca Frederico Edelweiss, com o restante da área(partedoque estavadestinadopara oAfro) emestudode ocupação,ficandopendenteadefiniçãododestinodoMuseu, sendoesclarecidoneste momento, pelo novo Diretor do CEAO, que houve solução decontinuidade do convênio na administração passada, apesar daexistênciadesalasreservadasparaomuseu.Informa,noentanto,queo projeto vai ser cumprido de acordo com o estabelecido, sofrendoalteraçõesnormaisemqualquerprojeto.HouvemudançadeReitornaUniversidadeFederaldaBahia,assumindoaReitoriaoProfessorLuizFernandoMacedoCostaquegarantiuqueoAfro ficarianoprédionoTerreiro,masaindaassimfoiesperadaasuaaberturadurantetodooano de 1980, estendendo-se a espera ao longo de 71, quando foiprevista sua abertura para omês de agosto, podendo ser antecipadacomuma exposição especial de fotos doPierreVerger e gravuras de

Page 205: Livro Museologia e Património - Volume 6 - para capa e ...

MuseologiaePatrimónio–Volume6

203

Carybé.Ainauguraçãofariapartedascomemoraçõespelos35anosdaUFBA. Finalmente, em 30 de dezembro 1981 foram apresentadas àimprensa as instalações do Museu Afro-Brasileiro pela professoraYeda Pessoa e Castro, Diretora do CEAO, anunciando o dia 07 dejaneiro de 1982 para sua inauguração, com um acervo calculado emcercade800Peças.Sobreainauguração,adiretoradoCEAOafirmou:

Averdadeéqueas coisas andavammuito lentamente,até que tomou posse reitor Macedo Costa, quedinamizouostrabalhos.Eliberouasverbasnecessárias,escolheu técnicos competentes, deu integral apoio e,agora, o museu será reinaugurado. (MUSEU Afro foiapresentado,1981)

Surpreende matéria de página inteira, do Jornalista José

Augusto Berbet de Castro,médico, participante do grupo contrário àinstalaçãodoMuseunoprédiodoTerreirodeJesus,queafirmaque

sóavisãodoqueserá,nosfazmudarcompletamentedeopiniãosobreoaproveitamentodovelhoédifícil,ondeestudei, e não tenho dúvida que consagrará aadministração do reitor Luiz Fernando Macedo Costa,mesmoqueelenadamaisrealizasse[...]. Empolgapelabeleza,peladisposiçãodaspeças,pelomaterialqueseráexposto e pelo bom gosto de tudo que ali existe. Seráum Museu dinâmico, com partes expostaspermanentementeeexposiçõestemporárias[...]Nodiaemque láestivemos,haviapoucomaisde800objetosda cultura afro-brasileira sendo montados, mas até ainauguração haverá, pelo menos, o dobro. (BERBERT,1981)

EmmeioàsnotíciasfavoráveisàinauguraçãodoMAFRO,uma

destoantesedestaca,noiníciodoanode1982:

Uma pergunta que precisa ser colocada: porque um“museudonegro”?Lembro-medetervisitadoemParis,o‘Museudohomem’,semdistinçãoderaça.Nãohaverá

Page 206: Livro Museologia e Património - Volume 6 - para capa e ...

MuseologiaePatrimónio–Volume6

204

um pouco de racismo, ainda que involuntário nestaatitude?Éverdadequenossasleisanti-racistasnostêmdado exatamente um ‘anti-racismo preconceituoso’.Disso,surgiuatendênciaatualdeseassumiraprópriaraça e os negros começam a se orgulhar de seremnegros, como como os brancos se orgulham de serembrancos.Passa-se,então,paraum“racismorespeitoso”,ou seja, a raças se agregando mas se respeitandomutuamente, cada qual assume suas origens e seusvalores culturais. É desejável que, por esse meio, sechegue ao “anti-racismo respeitoso ", pelo qual seelimina a segregação racial. Nessa coisa de cada umassumir sua raça, quem sofre é o mulato, que não énegro,nembranco,oumelhor,éasduascoisas,porquetem em seu sangue origens e culturas europeias eafricanas.Pelofatodopreconceitooatingirjuntamentecom o nego, e se identifica com esse, como se nãotivesse sua parcela de cromossomos europeus. Dessaforma se tem amputado o mulato que, obrigado aassumir uma raça opta pela Negra, que quando,cientificamenteeleéigualmentebranco.SendoaBahiauma terra de negros e brancos e aqui se instalando, o‘Museu do negro’, fica, evidentemente, faltando, o‘MuseudoBranco’.Enquantoissonãoforfeito,vaificarparecendoqueaBahiaéumacomunidadedebrancos,naqualseincrustouummuseuparapreservaraculturanegra, por se reconhecer estar ela em extinção.Sabemostodosque issonãoéverdade,bastaolharemvolta, para reconhecer, a presença negra em nossoscostumes, desde vestuário, culinária. Aí surge umadificuldade. Se o que está no museu, encontra-se nasociedade,paraqueomuseu?Seaculturanãoestáemextinção, mas em desenvolvimento, para que Museu?Parao estudo antropológico, pode ser respondido.EmSantaCatarina, seriaumaboa resposta.NaBahia, esseestudopodeserfeitoemqualqueresquina,emqualquerTerreiro,noMercadoModeloounumensaiodeafoxé.E

Page 207: Livro Museologia e Património - Volume 6 - para capa e ...

MuseologiaePatrimónio–Volume6

205

para isso,bastapegarumônibusdezesseiscruzeirosapassagem.(EOMuseu,1982)

Anotaéricaemreferênciaspreconceituosasedesinformação,

estruturadas por alguém que revela ignorância quanto ao que sejademocracia racial, afirmando-se até uma categoria: “racismorespeitoso”,emumasucessãodeerros,deabsurdos,sendoredundantecomentaralgumasquestões,mas,valeapenadestacaralgumasdelas.Quando reclamou sobre a necessidade de um ‘Museu do Branco’, oautoresqueceuque,emprincípio,todososoutrosmuseusnacidadedeSalvador eram, basicamente, museus de branco, que falavam epreservavampatrimônioreferenteàsmemóriaseculturasdominantes,notadamente brancas. E mesmo ao tratar de questões das minoriasestavamestruturadosnaóticadobranco.Eminimizandoaimportânciada existência dessesmuseus,mas nossa intenção é evidenciar que opatrimôniopreservadonoBrasiléodaselites,eaquieliteésinônimodebranquitude.

Sua preocupação quanto a imagem de um museu para uma‘culturaemextinção’revelaumacompreensãodeturpadadosmuseus,comoseexistissemparaapresentaçãodoextinto,doquejánãoexiste.Do questionamento equivocado, relativo ao sentido ou “falta desentido” deste Museu, indagando a vitalidade da cultura negra,concordamos com a sua observação sobre essa vitalidade, vista naPerspectiva da dinâmica da cultura afro-brasileira, na cidade deSalvador. Talvez, não fosse necessário um museu sobre esta culturamas,naperspectivadepensaromuseucomolocaldeevidenciamentode traços culturais, é evidente que sua criação era necessária. Oumelhor, acreditamos criar o Museu não era uma questão denecessidade,massimdepertinência,necessárioparamostraraculturadosafrodescendentesparaaquelesquenãofrequentavam(comodizoautor) o Mercado Modelo, não percebiam as esquinas, nãofrequentavam afoxés e, tão pouco, pegavam ônibus por “dezesseiscruzeiros”.

Enfim,apósumprocessoqueseestendeuporoitoanos,desdeaassinaturadoTermodeCooperação,ainauguraçãoaconteceuemclimade festa, com diversas autoridades e representantes de diversossegmentosdacomunidadeafroepopulaçãoemgeral.

Page 208: Livro Museologia e Património - Volume 6 - para capa e ...

MuseologiaePatrimónio–Volume6

206

Consideradooacontecimentoculturalmais importantedo início deste ano, a inauguração do Museu Afro-Brasileiro se constituiu ontem num espetáculo debelezaecoresnãoapenastraduzidospelosobjetosemexposição, mas também, devido à presença dosembaixadores de países da África, vestidos com seustrajes típicos e das mães-de-santo de alguns terreirosque proporcionaram ummomento de reencontro comasraízesafricanas.”(MUSEUAfro,umavolta,1982)

Noentanto,aaberturadoMuseuAfronãosignificouaaceitaçãoda sua permanência por partes de entidades médicas, que deramcontinuidadeàsnotassobreo“problema”,comoessaaseguir.

O Instituto Baiano de História da Medicina reúne-sehoje, quarta-feira, às 17 horas, no auditório daAssociaçãoBaianadeMedicina,paraouvirapalestradoseu presidente, prof. Raimundo de Almeida Gouveia,que abordará o tema ‘O Museu Afro-Brasileiro naFaculdade de Medicina – Contestação’. O palestrante,argumentando que o prédio histórico pertence àFaculdadedeMedicinaeneledeveriaestarasuasede,mostraráainconveniência–nasuaopinião–dealitersidoinstaladoreferidomuseu,emborareconheçaaaltasignificação cultural e político-diplomática do mesmo.[...] não queria, nem lhe agradava fazer restrições àorganizaçãodoMuseuAfro-Brasileirodentrodoprédiohistórico,emboraovejamuitosofisticadoouestilizado,falseando, comomuseu, a verdade histórico-cultural efolclórica.[...]explicouqueoquedesejavaeracontestar‘por indevida’ a presença do Museu Afro-Brasileirodentro do prédio histórico da Faculdade de Medicina.‘Entendo, disse, que o local indicado seria o Paço doSaldanha,oSolardoFerrão,oSolardoUnhão,aCasadeGregório de Mattos ou um dos velhos sobradões doPelourinho, Pila e Santo Antônio do Carmo. (Médicodiscorda,1982)

Page 209: Livro Museologia e Património - Volume 6 - para capa e ...

MuseologiaePatrimónio–Volume6

207

Maisumavez,os incansáveismédicos,emnomedatradiçãoevelha causa da defesa de “seu prédio”, arvoravam-se a deitarcomentáriossobreAntropologia,Museologiaeoutrosassuntos,paraosquais não tinham competência para nenhum veredito. O que, afinal,seriaumaexposiçãosofisticadaeestilizadasobreculturasafricanaseafro-brasileiras? Em que sentido a exposição do Museu recém-inauguradofalseavaarealidadedessasculturas?Seriaa“nobreza”dosmateriais utilizados? Seria a sistematizaçãomuseográfica cuidadosa?Como deveria ser um “Museu do Negro” para estes médicos? OutraquestãoqueerarecorrentenasdiscussõeseraaideiadequeoMuseudeveria ocupar um sobrado do Pelourinho. Porque esta fixação? EmquemedidataisedificaçõeserammaiscondizentescomummuseuafrodoqueoprédiodoTerreiro? Ainda como eco de sua inauguração, foi publicada matériasobresuaaberturanaRevistadeCulturadaBahia,emmaiode1982:

A cidadedeSalvadoramanheceudia7de janeiro comum novo brilho no céu e nos olhos das pessoas [...] Oministro das Relações Exteriores, inaugurou o MuseuAfro-Brasileiro [...] A solenidade reuniu milhares depessoas da comunidade negra de Salvador, artistas,intelectuais, mães-de-santo famosas como Olga deAlaketo, além de antropólogos e autoridades civis emilitares.(SILVA,1981)

ApósinauguradooMuseu,adireçãodoCEAObuscoudinamizarsuasatividades, realizando cursos, exposições, lançamentosde livros,apresentação de espetáculos, e implantação do seu Programa deIntegraçãoMuseu-Escola, coordenadopela profa. GrazielaAmorim.OMuseupassoua serpontoobrigatório emvisitasoficiais realizadas aSalvador, a exemplo de ministros e chefes de Estado e, em julho de1982, já havia atingido a marca de mais de 500 alunos atendidosformalmente.Aocompletarumanodeexistência,emjaneirode1983,contabilizava12.632visitantesregistrados,sendoseguramentemaiorestenúmero,emdecorrênciadaquelesvisitantesquenãoregistraramavisita. Inaugurado,oMuseuconstituiu-secomoelementoresponsávelpelapreservaçãodaalaqueocupanoprédiodoTerreiro.

Page 210: Livro Museologia e Património - Volume 6 - para capa e ...

MuseologiaePatrimónio–Volume6

208

2.ProjetoMuseográficoparaoMóduloInicial Nasuapropostainicial,oMuseuAfro-Brasileirodeveriaocuparboa parte da área total do prédio do Terreiro (superior a 11.000metros quadrados de área construída). No entanto, a área finalocupada peloMuseu inaugurado equivalia amenos de 1.000metrosquadrados.OespaçoinauguradoeraapresentadocomoMóduloInicial,com expectativa de que fosse ampliado ao ser transferido para novolocaldestinadoasediá-lo,emfuturopróximo,ouampliaçãonoprédiodoTerreiro. Em documento de 23 de abril de 1981, meses antes dainauguraçãodoMuseu,GuilhermeSouzaCastroafirmaque

A implantação de um ‘módulo inicial’ do Museu Afro-Brasileironoconjuntodeórgãoseatividadesváriasquehoje animam a parte já restaurada do prédio da ex-faculdade de Medicina da UFBA deverá pautar-sedentro da proposta contida no anteprojeto de suacriação.Énecessária esta advertência inicial tendoemvistaqueadestinaçãoacordadapelaUniversidadeparaos espaços disponíveis atualmente no edifício doTerreiro de Jesus não nos permite acalentar certezaquanto a desejável e necessária expansão futura doMuseu ali. Por outro lado, parece-nos lícito ver nasatuaisprovidênciasparaainstalaçãodesse‘módulo’emtal sítio e nas atuais condições, uma solução decircunstância destinada a enfatizar simbolicamente ointeresse da UFBA pelo projeto nascido do convêniopor ela celebrado [...] Essas condições nos permitemconcluirquedevaserpensadaainstalaçãodefinitivadoMuseu Afro-Brasileiro, propriamente dito, em localpróprio e exclusivo seu. [...] Pela amplitude do seuescopo, o Museu Afro-Brasileiro, em sua área deinteresse específico, insere-se, ao mesmo tempo, nalinha e salvamento e preservação do patrimôniotradicionaldoBrasil,enocampodaefetivaatuaçãoembusca do conhecimento da realidade sócio-cultural

Page 211: Livro Museologia e Património - Volume 6 - para capa e ...

MuseologiaePatrimónio–Volume6

209

brasileira e africana do passado e do presente.(CASTRO,G.,1981)

Um plano detalhado sobre a montagem do Museu, semassinatura, revela estratégias de conciliação entre espaço, acervo epropostaconceitualoriginal,adaptada. 1–Diretrizesecritériosadotados

AmontagemdoMódulo InicialdoMABexigiu atençãopara problema específico, especial: espírito detransitoriedade: O atendimento – solução – para talproblemadeverápossuireconomiademeiosdeacordocom as características espaciais da área ara eledemandada pela UFBA. Deverá ainda corresponder àsnecessidadesatuais,noquediz respeitoà constituiçãode seu acervo. [...] O acervo atual, apesar de serconstituídoporpeçasderealvalor,nãocorrespondeàsexpectativasenunciadas,devidoàsuapoucadensidadenumérica, resultando por conseguinte, naimpossibilidadedeilustrargeograficamenteasculturasafricanas aqui aportadas, assim como possuir poucarepresentatividade documental dos processos deaculturação e suas decorrências, aqui desenvolvidas.Será usada como solução para o problema: divisãotemática comparativa com apresentação de analogiasde manifestações culturais [...] os elementos demontagem deverão possuir a flexibilidadeindispensável para que possam atender, a qualquerépoca,areformulações,comoacréscimodeumoumaisobjetos, para complementação do tema em questão. Adistribuição do temas/áreas levará em consideração alocalização – visando independência da sua utilização,com facilidade de acesso – e dimensões dos espaçosfísicosexistentes.(MuseuAfro.Plano,1982)

2–Adaptaçãoarquitetônica

Page 212: Livro Museologia e Património - Volume 6 - para capa e ...

MuseologiaePatrimónio–Volume6

210

O grupo de salas interligadas – A, B, C – que têm seuacessopelaportadaprincipaldoedifício(doc.I–acessoI) são dedicadas ao FAZER e ao CRER. Com232,35m2[...] apequenaárea contigua - salaD– com46,50m2para implantação do Centro de Documentação. Oconjuntodesalas-E,FeG–comautonomiadeacesso(Doc. 1 acesso2), pela entrada situada próxima àCatedral Metropolitana, será destinada a apresentar:Processos Aculturativos (E – 105,78m2), abrigar odepósito (F – 9,50 m2) e constituir a administração(sala G – 29,52 m2), local de funcionamento dosserviçosdeescritóriodaentidade.AsalaEcom105,78m2[...]asalaF(depósito)com9,50.(MuseuAfro.Plano,1982)

Em artigo de Berbert de Castro, são apresentadas questõesrelacionadasàplanificaçãodaexposição:

Das cinco salas que dispõe, o museu apresenta aseguintedistribuiçãoespacial:Salas1,2,e3,destinadasàsexposiçõespermanentes;Salas4e5.Reservadasàsexposiçõestemporárias.

As exposições permanentes estão distribuídassegundotrêstiposdepreocupaçãodistintos:

O FAZER – apresentando os aspectos materiais dascivilizações africanas e de aspectos da mesma ordemdessas culturas na civilização brasileira, consta deobjetos feitos através da transformação de materiaisvariadospelaaplicaçãode técnicasdiversas;OCRER–mostrandoosaspectosespirituaisnoscontextosacimareferidosatravésdosobjetosdeuso ritualeutilitáriosou decorativos com referência ideológica tanto nasculturas africanas quanto nos setores da culturabrasileira influenciados por elas; A MEMÓRIA –expondo objetos e documentação que atestam hoje a

Page 213: Livro Museologia e Património - Volume 6 - para capa e ...

MuseologiaePatrimónio–Volume6

211

continuidade histórica da influência africana naformaçãoculturaldoBrasil.As exposições temporárias procuram ressaltar asinfluênciasrecíprocasocorrentesemváriossetoresdasculturasbrasileiraseafricanas,expondotodaordemdedocumentação pertinente; fotografias, instrumentosmusicais,documentosescritos,obrasdeartepopularouerudita, etc., de inspiração africana no Brasil e deinspiraçãobrasileiranaÁfrica.(Berbert,1981)

Imagens1e2:VistaparcialdaSaladoFazereSaladaMemória.Fonte:MAFRO

Foiidealizadatambémumasalaespecial,dedicadaàexposiçãode um conjunto de vinte e sete pranchas demadeira, representando

Page 214: Livro Museologia e Património - Volume 6 - para capa e ...

MuseologiaePatrimónio–Volume6

212

orixás,deautoriadoartistaplásticoCarybé,porsolicitaçãodoReitorLuiz Fernando Macêdo Costa, quando o projeto inicial já estavadefinido,justificando-sesuainclusãocomo“necessidadedeexibiçãodoconjunto como peça de grande valor artístico e documental, com adignidade requerida e sem que a sua presença constitua motivo deestrangulamento das demais atividades, já programadas e emandamentodeexecuçãoMuseu.”(Oswald,1981).

Imagem3:VistaparcialdaSaladospainéisdeCarybé.Fonte:MAFRO A solução encontrada para introduzir estes painéis naexposiçãofoi“a)transferênciadalocalizaçãodosetoradministrativo–Sala G – para a Sala D, onde ficariam concentrados os serviçosadministrativos do Museu e do prédio. b) instalação do conjunto nasalaG”(Oswald,1981) Esta mudança provocou o “estrangulamento” da áreaadministrativa do museu, que passou a funcionar, desde a suainauguração,emlocalcompletamenteinadequado,quaseumcorredor,curto e estreito. Ainda que o texto fale em sala G, os painéis foraminstaladosnasalaE.

Page 215: Livro Museologia e Património - Volume 6 - para capa e ...

MuseologiaePatrimónio–Volume6

213

Imagem4:Planta.Fonte:MAFRO

Sobreoprojetoexpositivo,Silvacomentaque

O trabalho de montagem de Jacyra Oswald é dereconhecidovalor,quandoelaenfocaapreocupaçãodetornar-se visualmente compreensível uma ideia,partindodaíparaadotarcritériosdeapresentaçãodosobjetos. Um desses critérios na montagem seriacomparações; outro, o levantamento geográfico(informações por áreas); e cronológico(desenvolvimento das formas através do tempo). Nocaso do museu, Jacyra encontrou a solução, devido àquantidade e qualidade de objetos, de adotar umcritério inteiramente novo, pois viu que não possui omaterial suficiente para ilustrar a África e a Bahia(Brasil), inclusivepeçasque fossemválidasemrelaçãoaocritériogeográfico,poisfaltavammuitasdessasáreasda África. Daí a sua melhor contribuição: adotar umaseparação em três níveis de informação: o fazer(realização utilitárias de objetos), o Crer (religiosos,

Plantadepropostainicialdeplanificaçãodoespaço

doMuseu.Comanecessidadedeadaptação,oCentrodeDocumentaçãodeulugaràadministração,oSetorAdministraçãodeulugaràSaladeExposiçãoTemporáriaeoSetordeProcessosAculturativosdeulugaràsalaparaospainéisdeCarybé.

Page 216: Livro Museologia e Património - Volume 6 - para capa e ...

MuseologiaePatrimónio–Volume6

214

constituído de entidades, culto dos Mortos, dosancestrais, dos vivos, das terras, das buscas) e osprocessos e os processos aculturativo, ou África noBrasil e Brasil na África. Também o que facilitou umadefinição demontagem para Jacira foi o espaço físico.Existe uma área com entrada independentemente dosprimeirosníveis,ondeficarãoaspeçasqueconstituíamo ativo permanente e outra área denominadatemporária e que temoutro acesso pela Catedral. Issosignifica que pode-se abrir em horários especiais,permanecendo uma parte fechada enquanto atua aoutra. Sendoo temadoMuseuAfro-Brasileiro “Orixásdo Candomblé”, a montadora fez uma subdivisão detemas. Na parte do fazer separou instrumentosmusicais,atécnicadatecelagemeprocessosdepinturada fazenda e no crer formou locais, como se fossemcasinha de orixás, cada um no seu próprio ambiente,com sua própria cor e forma. Na entrada domuseu aaberturaéfeitaporExumensageirodosorixás,tendoovermelho e preto com cores símbolos, e assimsucessivamente.(Silva,1981)

Jacyra Oswald dá outros detalhes sobre a concepçãoexpográficadonovoMuseu

Para que não houvesse aquela impressão horrível demanequimdefiguramorta,estratificada,eucrieiumasformas transparentes de material de fibra de vidro,ondeosadereçosestãocolocados.Essa localizaçãodosadereços (braceletes, espadas, etc.) no local ondeficariam na figura humana ajuda, a quem olha, acompreenderafunçãodeles:quealiéumpeitoral,umleque [...] sem ver uma figura com. Com isso aimaginaçãotrabalha,estásevendooorixá,maselenãoestáali.(Oswald,1981)

Page 217: Livro Museologia e Património - Volume 6 - para capa e ...

MuseologiaePatrimónio–Volume6

215

Imagem5:VistaparcialdoconjuntodevitrinesdedicadasadivindadesnaSaladoCrer.Fonte:MAFRO

Sobreosetorde“processosaculturativos”,afirmaque

ganhou uma dimensão maior de forma Inesperada,porqueacomunidadereagiumuitobemà implantaçãodo museu quando começaram a doar coisasmaravilhosas: então uma sala transformou-se emMemória.Paramim temmuitovalorhistóricoafetivo.Nossa memória está aí para ser ampliada, e, nosprocessos aculturativos essa primeira mostra queestamosdandoda influência africana acontece comostrajesdecarnaval.(Oswald,1981)

Interrogadasobreocontrasteentreosmateriaisdoacervoeos

que foram utilizados na composição do acervo museográfico,responde:

Esses anteparos das janelas têm partes móveis pararenovaçãodear,quandonecessário,osquaisabsorvemocaloreoruídoedeixampassaraluz.Existeochoque

Page 218: Livro Museologia e Património - Volume 6 - para capa e ...

MuseologiaePatrimónio–Volume6

216

de materiais, já que usei também o blindex parasegurança;todasaspeçasartesanaisestãoemvitrinas-trinta e quatro peças com mais de dois metros”(Oswald,1981).

Imagens 6 e 7: Vitrines dedicadas a Nanã e Omolu, destacando asestruturasflutuantesemfibradevido.Imagem8:Projetoparacriaçãodosexpositores.Fonte:MAFRO

Page 219: Livro Museologia e Património - Volume 6 - para capa e ...

MuseologiaePatrimónio–Volume6

217

Além dos materiais, outro elemento que chamava a atençãoeramascoreseastexturas:

Outra inovaçãoque introduziu, já que se tratadeumanova espécie de museu, foi a cor da terra, a fim detambémdarideiadasevocações.Cada“santo”temasuacoroucoresquesimbolizamosorixásesuasformas.Astexturas das vitrines são irregulares para evocar oreboco das casas africanas. Conseguiu aquele feito ocimento, barro e areia. A iluminação é indireta, masabundante.(Berbert,1981)

Em novembro de 1982, foram realizadas intervenções noespaçoexpositivodoMuseu,comampliaçãoeadequaçãodosespaçosparaainclusãodenovaspeçasemodificaçãodosmódulos.

O presente trabalho diz respeito ao atendimento dasolicitação da diretoria do CEAO - colocação demaiornúmero de peças em exibição. Consiste na retirada deobjetos grandes que não possuem partes pequenasremovíveis, para fora das vitrines; o espaço livreresultante seria preenchido com novas peças e comefetivação de remanejamento de peças. Para issodeverão ser utilizados maior número de elementos(mostruários fixos suspensos, adaptações de basesexistentes, assim como a ampliação do número deprateleiras/vidros, visando nova distribuição espacialdo material, dentro das vitrines). (Ampliação damontagem,1982)

Estas questões de reordenamento de espaço estavamrelacionadasaumproblemaquenãoétratadoemnenhumdocumentoque localizamos, a inexistência de Reserva Técnica, de espaçoprojetadoparaaguardasistematizadadoacervonãoexposto.Talfatoobrigouaquepraticamenteatotalidadedoacervoestivessenassalas

Page 220: Livro Museologia e Património - Volume 6 - para capa e ...

MuseologiaePatrimónio–Volume6

218

de exposição, provocando em determinados setores, exposiçãobastanteatravancada.3.AReestruturação Inaugurado,oMuseuseguiuoseucurso,semquetenhamsidoimplementadas várias propostas e planos constantes da suaidealização em 1974 e sem que a propagada ampliação futura, pormudança ou no próprio edifício do Terreiro, tenha ocorrido. Tudo oque ali foi realizado, à despeito das condições efetivas defuncionamento, deve-se, principalmente aos esforços das seguidasadministraçõesdoCEAOeaoescassocorpodefuncionáriosdoMuseu,bem como ao apoio da comunidade. Ao longo dos anos, váriosproblemasrelacionadosaodesenvolvimentotécnico,sistematizaçãoemanutenção se apresentaram, sendo sentido, também, relativoprocesso de deterioração, por ausência de efetivo programa demanutenção.

Em1995,foraminiciadasaçõesvoltadasparaareestruturaçãodo Museu Afro-Brasileiro, sendo esse um dos pontos principais dagestão do professor Jeferson Bacelar, na Direção do CEAO, tambéminserida no plano do Reitor da UFBA, o Professor Luiz Felipe PerretSerpa,quededicouatençãoespecialàsartesecultura,notadamenteàsmanifestações culturais locais. Nesse momento, na qualidade deprofessor doDepartamento deMuseologia daUFBA, após solicitaçãodaCoordenaçãodoCEAO,fuiindicadoparacomporequipe,passandoacoordenar as ações técnicas do Projeto de Revitalização doMuseu, apartir de1995por convocação e apartir de1997, pornomeação, aocargodeCoordenadordoMuseuAfro-Brasileiro.Complementaraessemovimento,pelaprimeiravezfoirealizadoconcursoparaprovimentodecargodemuseólogo(a),tendoassumidoocargoaMuseólogaMariaValenteNeves.

As atividades realizadas pelo grupo de trabalho incluíramváriasações,entreasquais,arevisãodadocumentaçãomuseológicaepatrimonial, sendo tais atividades possibilitadas através doenvolvimento de docentes e discentes do Curso de Museologia daUniversidade Federal da Bahia, através do desenvolvimento deestágios e componentes curriculares. Dessa articulação foi elaboradoProjeto que foi encaminhado à Fundação Vitae (fomentadora de

Page 221: Livro Museologia e Património - Volume 6 - para capa e ...

MuseologiaePatrimónio–Volume6

219

projetosnaquelaépoca)etambémparaoProgramaNacionaldeApoioà Cultura do Ministério da Cultura, sendo captados recursos quepossibilitaram a formação de uma equipe de consultores emMuseologia, Antropologia, História da África e arte africana e apoiomaterial para realização de intervenções emergenciais no Museu,basicamente relacionadas a reestruturação do mobiliário e daprogramaçãovisual.Em10deoutubrode1997, oMuseufoifechadopara realização de obras, com prazo inicial de três meses parareaberturadoMuseu, paraquenão estivesse fechadodurante toda atemporada do verão. A imprensa divulgou as obras, ressaltando ocaráterderenovaçãodaexposição:

Quinzeanosdepoisde criado, oMuseuAfro-Brasileiro[...] está passando pela primeira reforma. Além deintervenções físicas estão sendo organizados eampliados setores do museu [...]. Já foram gastos R$110.000,00 mas ainda falta muito a ser feito. Novosorçamentosestãosendolevantados.Cunhaadiantaqueaindanãosesabequantoseránecessárioparafinalizarasobras,masassimquetiverprontoosorçamentos,irácorreratrásdenovosparceiros(Áfricamoderna,1998)

Por este momento, janeiro de 1998, período inicialmente

previsto para oMuseu já estar funcionando, surgiramproblemas.Noperíododequinzeanos,dasuainauguraçãoem1982a1997,oMuseujamaispassouporumareformadesuasinstalações, oquecontribuiuparaoestadodedegradaçãofísicaemqueseencontrava.Váriosforamos problemas apresentados, como por exemplo, a instalação elétrica,comoreveloudiagnósticodetécnicodoIPHAN,queindicavaque:

Comrelaçãoàsinstalaçõeselétricas,estasencontram-seemestadobastanteprecário,gerandoriscosaoacervo.Comoexemplo, podemos citar: condutores em contatodireto com madeiramento aparente (ausência deeletrodutos; quadros de comando expostos ao tempo(sujeitos a deterioração, vandalismos e mesmocontribuindoparaafaltadesegurançadomuseu,jáquetorna possível cortes propositais de energia);

Page 222: Livro Museologia e Património - Volume 6 - para capa e ...

MuseologiaePatrimónio–Volume6

220

equipamentos elétricos como tomadas instaladasdiretamentesobreamadeira,etc.(Oliveira,1997)

Entre a realização do diagnóstico e início efetivo das obras

houve intervalo superior a 18 meses. A todo momento novosproblemasseapresentaram,porvezesinteiramenteinesperados,comoadescobertadeumalajecomproblemasestruturais,quetevequeserdemolidaesubstituída.Oacervotambémapresentouproblemas,compeçasqueprecisarampassarporprocessosdeimunizaçãoerestauro.Noentanto, taisproblemaseramprevisíveisecontornáveisemobrasdesse tipo, mas, o maior problema que se apresentou foi a volta dodebate sobre a pertinência da permanência do museu no prédio doTerreiro.Váriosforamosartigosveiculadosnaimprensaemprotestocontraapermanênciadomuseunoprédio,inicialmente,masescassoseesparsos, intensificaram-seduranteoanode1999,notadamentenomêsdejunho,àmedidaemqueseevidenciavaqueoMuseu,maiscedooumais tarde,voltariaa funcionarno localdeorigem.Em janeirode1999 foi veiculada no Jornal Tribuna da Bahia, notícia curiosa, dadoseucaráterdedualidadeetomdedenúncia,dandocontadequeo:

Museu afro-brasileiro, único e originalidade no país,está ameaçadodenãovoltar ao seu localdeorigem,oantigoprédiodaFaculdadedeMedicinadoTerreirodeJesus. A denúncia é de fontes ligadas à Faculdade deMedicina[...]aoinformaraindaquediretoressugerematransferênciaparaacasadoBenin. (MuseuAfropodeir,1999)

Nesteperíodohouveamudançadereitorado,saindooProf.Dr.FelipeSerpaeassumindooProf.Dr.HeonirRocha,havendotambém,mudançadaDiretoriadoCEAO,assumindooProf.Dr.UbiratanCastrodeAraújo. Taismudançaspolíticas, principalmente o fato de o novoReitor ser ummédico, provavelmente encorajaramalguns setores damedicina,queresolveramvoltarareclamarseussupostosdireitosdeexclusividadenousodoprédio,comoéregistradonasnotasaseguir:

A Comissão de acompanhamento das obras derecuperação do antigo Museu do antigo prédio da

Page 223: Livro Museologia e Património - Volume 6 - para capa e ...

MuseologiaePatrimónio–Volume6

221

Faculdade de Medicina, no Terreiro de Jesus,encaminhou ofício ao professor, José Antônio deAlmeidaSouza,diretordaFAMED,protestandocontraapermanência do Museu Afro, já que o ConselhoUniversitário, por resolução aprovadahá cinco anos, edecidiu que no histórico prédio funcionará apenas aFaculdadedeMedicina,aprimeiradoBrasileberçodaMedicinabrasileira.Oprotestofoiassinadoportodososmembros da Comissão, tendo à frente o professorGeraldo Milton da Silveira, Maria Thereza Pacheco eAlfredo Macedo Costa. A situação é de revolta e acomissãocontacomapoiododiretordaFAMED.Todosestão decididos a dissolver a própria comissão se oMuseuAfrovoltaraali funcionar,oquedescaracterizatotalmente o prédio do Terreiro. O ofício dirigido aodiretor da FAMED para ser enviada ao Reitor daUniversidadeFederaldaBahia,HeonirRocha,analisaapermanência do Museu Afro em salas da frente daFaculdade do Terreiro, ressaltando que, desde 7 demarçode1994,oConselhoUniversitáriodeterminouasua retirada, pedido apenas que ‘fosse evitado odesalojamentotraumático’(Berbert,1999)

Nessamesmanotaoautorafirma:Tenhovisto coisasabsurdas.OConselhoUniversitário,órgãomáximodaUFBA,entregouoimóveldoTerreiroàFaculdadedeMedicinaedeterminouaretiradadoquenãoforsubordinadoàdiretoria.Todossaíram,menosoMuseu Afro, que quer continuar ocupando os salõesprincipais da entrada, [...] etc. O Governo do Estadoofereceu sobrados, no Pelourinho, para mudança, nãofoiaceito[...].Seiqueosórgãosdaclassemédica,nãosóda Bahia, como do Brasil, vão exigir ao reitor HeonirRocha,queéprofessordeMedicina,oaceleramentodasobrasderestauraçãoeasaídadoquenãofordaprópriaFAMED. Não acho necessário. Afinal é umadeterminação do Conselho Universitário, por

Page 224: Livro Museologia e Património - Volume 6 - para capa e ...

MuseologiaePatrimónio–Volume6

222

unanimidade, há cinco anos. Além de tudo, o MuseuAfroestádesativadohámaisdeumanoemeio.Quesejainstalado no Pelourinho, o local próprio. Eu digonovamente,nãovereiarestauraçãocompletademinhaquerida faculdade, mas verei a retirada dos corposestranhosnelaencravados.(Berbert,1999)

É preciso fazer algumas considerações acerca dos trechosacima.AreferênciaquesefazàsaídadainstituiçãoinstaladanoprédiodoTerreiro,pordeterminaçãodoConselhoUniversitário,usadacomojustificativa máxima desta comissão, não considerava a suacomplementação, a de que não poderia haver prejuízo, nem trauma,para os órgãos ali instalados. A informação sobre o oferecimento desobrados no Pelourinho, por parte do Governo do Estado, e a nãoaceitaçãoporpartedomuseu,davaumcaráterde recusagratuitaaooferecimento.

No entanto, a verdade é que mesmo antes da realização doprojetode1997,adiretoriadoCEAOjáentendiaqueacontinuidadedoMuseu no prédio do Terreiro, nas condições espaciais em que seencontrava, impedia a sua dinamização, iniciando-se, então,negociações com o Governo e outras instituições para que seencontrasse a casa adequada. Esta, porém, não era uma tarefa fácil,umavezqueexisteumatipologiaespacialeconstrutivaquedeveserobservada para instalação de museus. Foram muitos os prédiospropostos e examinados pela equipe do Museu, porém, nenhum seenquadrava como possível para ser utilizado. Um dos imóveisoferecidosfoiodaCasadoBenin,cogitando-se,emalgunsmomentos,oseu fechamento, ou a anexação do Museu Afro àquela instituição.Hipótesesquenãoseconfirmaram.

Porfim,chamaatençãonasnotasotratamentodoMuseucomo‘corpo estranho”. Como é possível considerar uma unidadeuniversitária desta forma? O Museu como um elemento invasor,quandosabemosquefoiinstaladonoPrédiodoTerreiropordefiniçãouniversitáriae,portanto,nãopoderiasetratarsuasaídacomonocasodedespejo.

Page 225: Livro Museologia e Património - Volume 6 - para capa e ...

MuseologiaePatrimónio–Volume6

223

Ainda na série de produção de notas colaboradoras para aformação de opiniões relativas ao Museu Afro Brasileiro, suascaracterísticaseoseufuturo,encontramosmaisescritos

Àgrandemaioriados soteropolitanos,quedesconheceo Museu Afro informamos que é muito pequeno, secomparado a museus como o Costa Pinto, SantaTereza,deArteSacra,aoMuseudoEstadodeSãoPaulo,do Carmo, da Ordem Terceira de São Francisco,AbelardoRodrigues e outros dessa cidade. A principalobraexpostaéumbelopainelemmadeiradeautoriadeCarybé [...] Que dirão os mestres do passado maislongínquo como recente? O que estarão pensando emsuas tumbas os professores Edgard Santos, AristidesNovis,FranciscoP.deMagalhaesNeto,EstáciodeLima.(Oliveira,1999).

ChamaaatençãootomdesmerecedorpeloqualoMuseuAfro-Brasileiroétratadonoartigo,buscando-secompará-lo,emtamanhoeconteúdo, a outras instituições, sem nenhum critério de referência,apontando-o como inferior e desconhecido, desvalorizando o seuacervo,comosenadasignificasse,afirmando,inclusive,queosbaianosnãooconheciam.

Em maio de 1999 foram iniciadas novas negociações para areabertura do Museu. Questão urgente cobrada por setores dasociedade, evidenciando-se a necessidade de sua reabertura aopúblico,quedurante todooperíodonãodeixoudeprocurá-lo, sendonecessário também reabrir para cumprir o projeto que recebeusubvenção. Para tal, foi realizada reunião com representantes daReitoria,CEAO,FaculdadedeMedicina,paraajustededetalhes.Apenasa hipótese de reabertura foi suficiente para novos protestes deindivíduosrelacionadosàcomunidademédica.

Duranteoanode1999intensificou-seodiálogocomoGovernoEstadualarticulando-se,tambémumarelaçãocomFundaçãoPalmarese Ministério da Cultura, visando parceria para o Projeto deReestruturaçãodoMuseuAfro-Brasileiro,decidindo-sepelarealizaçãodeumConvênio,comobjetivodereestruturaroMuseu,inclusivecomapossibilidade de instalação em novo local, inicialmente duas casas

Page 226: Livro Museologia e Património - Volume 6 - para capa e ...

MuseologiaePatrimónio–Volume6

224

localizadas na rua do Passo, perto do Largo do Pelourinho. A partirdessemomento, vários foram os possíveis locais que surgiram comocandidatos a receber o Museu, a partir de várias articulações econtextos, mas em nenhum dos casos houve sucesso, seja por totalincompatibilidadedoedifíciopropostoparaainstalaçãodoMuseuouporentravesburocráticos.Destemodo,nãohouveopçãodemudançadeendereçodoMAFRO.

Nosegundosemestrede1999,ficouestabelecidaanecessidadedeaberturaimediatadoMuseuAfro-Brasileiro,noprédiodoTerreiro,em caráter temporário, elaborando-se projeto (mobiliário, elementosexpográficos, de apoio, etc.) quepudessem serutilizadospor ocasiãoda sua transferência, para o futuro prédio, caso ocorresse. Muitasforam as reuniões realizadas para o estabelecimento de um acordocomosmédicos,valendoressaltarquetaisreuniõesocorreramsempreemclimatensoemarcadasporclarosentimentodecorporativismoeresistência em relação ao museu e sua permanência no Prédio daFaculdadedeMedicina.

AComissãoqueexaminaaquestãodomuseuéformadapela Faculdade de Medicina, Reitoria da UFBA eentidades representativas da área médica, como ABM(AssociaçãoBaianadeMedicina) e CREMEB (ConselhoRegionaldeMedicina).Naúltimasegunda-feira,fezsuaterceira reunião [...] Mas, como das vezes anteriores,poucosavançosforamdados,principalmenteporquenalocal para onde o acervo possa ser destinado. (Santos,1999)

Nesse momento, a única certeza evidente era que não havianenhuma possibilidade de abrir o Museu em outro local que não oprédiodoTerreiro,equesuareaberturaeraurgente.Noentanto,essaquestãonãoimportavaatodasaspessoasenvolvidasnoprocesso,hajavisto o teor de alguns discursos, voltados tão somente para anecessidadedesaídadoMuseudoprédiodoTerreiro,nãoimportandooseudestino.Algunstratavamaquestãocomumaaçãodedespejo,oquefoicombatido,emdadomomento,peloReitor,emnotaàimprensa:“Nãosepodedaraentenderàpopulaçãodequeseestáquerendotiraromuseudelácomosetivessefazendoumdespejo”(Santos,1999).

Page 227: Livro Museologia e Património - Volume 6 - para capa e ...

MuseologiaePatrimónio–Volume6

225

Em alguns momentos esta era a postura recorrente: a

solicitação da saída do Museu do prédio, independentemente dequalquer consequência, semnenhumapossibilidadedenegociação.Oqueimportavaeraa“devolução”doPrédiodaFaculdadedeMedicina,emnomedatradição,apontodesetrataraFaculdadeMedicinaeoseuprédio como se estivéssemos no século passado, quando era umaEscolaisolada,autônomaenãointegrantedeumainstituiçãochamadaUniversidade, que congrega Escolas e patrimônios públicos. Osentimentodecorpofoimuitasvezesesquecidonasdiscussões.

As negociações ocorridas em exaustivas reuniões, permeadasde informações desencontradas, culminaram com um acordo entre oCEAO e a Comissão de Fiscalização das obras do Prédio do Terreiro(formadaporex-professoreseprofessoresdaFaculdadedeMedicina),ficando definida a instalação do Museu Afro-Brasileiro nas áreasanteriormenteocupadas,passando-se,sefossepossível,algumasáreaspara utilização com atividade daMedicina. Definindo-se, no entanto,que critérios técnicos deveriam estar em primeiro lugar para asdecisões,ouseja,nenhumareduçãopoderiaserfeitacomprejuízodoplanoexpositivodoMuseu.

Apesar do acordo estabelecido com a intervenção do Reitor,algum tempo antes do dia previsto para reinauguração, 18 denovembro 1999, a Comissão para acompanhamento das obras,independente do conhecimento acerca da planificação da produção,decidiu solicitar as duas salas principais destinados ao Museu,alegando a necessidade de instalação de salas de aula no local. Talsolicitação implicava em um corte de utilização das áreascorrespondentes a cerca de 50% da área disponível, já exígua. Essaquestãofoiresolvida,cercade15diasantesdadatadereinauguraçãodo museu, em reunião realizada entre as partes interessadas,coordenada pelo Reitor, ficando acertado que o projeto expositivodeveriaserprioritário,cedendo-seduassalasparaaMedicina:antigasala de exposições temporárias, que nesta fase não iria funcionar euma sala contigua à sala central de exposições, que havia sidoreservadaparaaapresentaçãodomódulosobrereferênciashistóricas(commontagem adiada devido à falta de recursos), que servia aindaparaacessoàsaladasobrasdeCarybé.

Page 228: Livro Museologia e Património - Volume 6 - para capa e ...

MuseologiaePatrimónio–Volume6

226

A reabertura doMuseu ocorreu como uma das atividades deReunião de Ministros da Cultura América Latina e Caribe, sendoassinado,nestedia,Convênioquedefiniriao surgimentodeumnovomuseuafronoanode2000,commaisde5.000m2ecomprojetodepanificaçãomuseológica, quemuito se assemelhava aoplanooriginalda década de 70 e que já naquele momento se constituía como umprojetomodernoearrojado.EraaSemanadaConsciênciaNegra,querememoraaslutaseanseiosdosafro-brasileiros.Areaberturaocorreusem festa, apenas uma solenidade oficial e muito importante, quedefinia o seu destino e rumos, na esperança de que, enfim, oMuseufossetratadodeformacomofoipensadooriginalmente,comoespaçoeestrutura necessários para dar conta da complexidade do projetoinicial.ApesardoanuncioedaexpectativacriadaemtornodeumnovoprédioparaoMuseuAfro-Brasileiro,todasastentativasfracassarameoMuseujamaisdeixouoPrédiodaFaculdadedeMedicinadoTerreirodeJesus.4.ProjetoparaumaNovaExposição

Das análises contidas em diagnóstico sobre o Museu Afro-

Brasileiroem1997,apartirdasprospecçõesqueforamrealizadasde1995 a 1997, podemos apontar as seguintes questões: Problemasreferentes à documentação do acervo, revelando que várias vezesforam iniciados trabalhos de pesquisa e documentação do acervo,ocorrendo descontinuidade das ações; Estado de conservação doacervo, com algumas peças em situação crítica, reforçando esteproblema o estado também precário da edificação, aliado à falta deespaço para estocagem do acervo; O mobiliário da exposiçãoencontrava-se bastante afetado, com algumas estruturas comproblemas de manutenção, incluindo vidros quebrados, ataques deinsetosxilófagosepartesfaltantes,porexemplo;Alémdanecessidadederenovaçãodasbasesdefixaçãodostextos,tambémeranecessáriaarevisãodealgunsconteúdos.

Oprojetodesenvolvidosobminhacoordenaçãotécnicaparaareestrutura do Museu, teve a colaboração dos professores JefersonBacelar, Júlio Braga, Yeda Machado, Marta Salum, Inês Cortes deOliveira,JoseaniaMirandaFreitasedamuseólogaMariaEmíliaValenteNeves. O desafio apresentado para o Projeto de Reestruturação era

Page 229: Livro Museologia e Património - Volume 6 - para capa e ...

MuseologiaePatrimónio–Volume6

227

realizar transformações e ampliar o alcance da exposição, contandocom osmesmos recursos anteriores, ou seja, reelaborar a exposiçãomodificando-a, basicamente, somente através de elementos visuais ecomplementares, recorrendo-se, inclusive, à redução de objetosexpostos, por considerar-se que o excesso de elementos nas vitrinescomprometiaaleituradosobjetos.

Surgiu,então,umapropostaexpositivacontendomenospeças,tendo como uma das questões básicas um novo tratamento, visandomaisdestaqueparaelementosrelacionadosàculturabanto.Procurou-se,também,evitaralgumaconfusãoexistenteentreÁfricaeBrasil,umavezquealgumasvezesessadiferençanãoeraressaltadanaexposição.Vale ressaltar que essa “confusão” tinha razão conceitual no projetooriginal, que visava evidenciar, através da exposição de peçasbrasileiraseafricanas,ladoalado,semelhançasentretaisculturas.Noentanto, na proposta para a nova montagem optou-se por umaabordagem da África, entendida como matriz, apresentada em umprimeiromóduloeosseusecosafro-brasileiros,emsegundomódulo.Considerando essas questões e outras, como a necessidade daabordagem sobre história da África, além da sua subordinação aotráficodeescravos,aapresentaçãodereferênciasafrobrasileiras,alémdasrelacionadasexclusivamenteàreligião,foiestabelecidooseguinteplanoexpositivoinicial:

• Apresentação da exposição: Composta de textos sobre

acervo,planosemetasdomuseuedaexposição,localizaçãoda origem das peças e orientação para circulação dosvisitantes. Apresentação de aspectos geográficos ehistóricosdocontinenteafricano(mapacontemporâneo,daÁfrica tradicional,mapa étnico-político, África e o contatocom o mundo, mapa sobre o tráfico escravista), artehistórianaÁfricatradicional;

• África:Estilosesociedades,visõesdemundoeorganização

social,mundoancestral;• Nações e religiões africanas na Bahia - abordagem de

aspectosdareligiosidadebaiana.

Page 230: Livro Museologia e Património - Volume 6 - para capa e ...

MuseologiaePatrimónio–Volume6

228

No decorrer do processo foi incluído um módulo chamadoinicialmentememória,quedeveriaabordaraculturanegranoBrasilea presença negra na sociedade baiana. Posteriormente passou-se aconsideraressemódulocomodestinadoatratardasreferênciasafro-brasileiras emmomentos históricosmarcantes, como o Quilombo dePalmares, as organizações religiosas e civis (Irmandades de NossaSenhoradoRosáriodosPretosedeNossaSenhoradaBoa,SociedadeProtetora dosDesvalidos), Blocos de Carnaval e Grupos de Capoeira,entreoutrasreferências.

OPlanoExpográficofoidefinidoemsetorescomdivisõescoma

seguinteplanificação:1ª. sala: África: Recepção - portaria e atendimento;Apresentação do continente africano - mapas geofísicos, daÁfrica pré-colonial, da África Colonial, Contemporânea e doTráfico;Informação(espaçoarteevida)-mapadelocalizaçãodaspeças;Metalurgia;Cerâmica;Máscaras;Vestes–tecelagem;Lazer;Objetosproverbiais.2ª.sala:Reinosafricanos:ReinosBantos;ReinodoBenin.

3ª. sala - Religiosidade afro-brasileira: Informações sobre avindadeafricana(o)sparaoBrasil;Divindadesdareligiãoafro-brasileira; Pais e mães-de-santo; Indumentárias rituais;Bonecas“miniaturasdeorixás”;4ª. sala –ReferênciasdaCultura afro-brasileira:Organizaçõesafro-brasileira: de Palmares os movimentos sociais dos anos90.5ª.sala-ObradoCarybé-27talhasretratandoorixás

6ª.sala-ExposiçãoTemporária/7ª.sala–Lojinha.

Page 231: Livro Museologia e Património - Volume 6 - para capa e ...

MuseologiaePatrimónio–Volume6

229

Imagens9e10:VistaparcialdasalaÁfricaeSalaReligiosidadeAfro-Brasileira.Fonte:MAFRO

Por fim, a definição de reabertura do Museu com reduções

espaciais,comaconstataçãodequeosrecursosexistentes,jáescassos,estavambemreduzidos,levouànecessidadedeumnovoestudoparaa exposição, realizando as seguintes alterações: Exclusão da sala dereferências afro-brasileiras (destinada a apresentação de elementosrelacionadosamovimentossociaisearticulaçõesemtornodaculturaafro-brasileira); Diminuição da quantidade de vitrines e painéisilustrativos; Exclusão da lojinha; Diminuição de peças expostas(Indumentárias litúrgicase referências sobrecapoeira,porexemplo);

Page 232: Livro Museologia e Património - Volume 6 - para capa e ...

MuseologiaePatrimónio–Volume6

230

Exclusão de recursos cenográficos (altar “ancestralidade”, navionegreiroetc.).

Oplanoexpográficolevouemconsideraçãoarealizaçãodeumaexposiçãoquerespeitasseoprojetodereestruturação,commontagemutilizando recursos expositivos que pudessem ser aproveitados emmontagem futura em novo local. Para tanto, foram criadas algumasvitrines,emnúmeroreduzidoemrelaçãoaoprojetoanterior,vitrinesmesas (bases com cúpulas) não previstas anteriormente e painéissuporte(parapeças,ilustraçõesetextos),recorrendo-seaexibiçãodepeças fora de vitrines (esculturas emáscaras em bases, atributos deorixáseoutrosobjetospresosapainéis).

A não exibição de elementos referentes à comunidades afro-brasileiras (além daqueles apresentados no módulo sobrereligiosidade)provocouaexclusãodeelementosimportantesdotextoexpográfico,comofoiocasodeumacoleçãodeindumentáriasdoadasao Museu, por ocasião da sua primeira montagem. Ainda sobreexclusão, e essa foi uma decisão constante já no projeto dereestruturação,houveopçãopelaretiradadoespaçodaexposição,deelementos referentes às artes plásticas contemporâneas. Tal decisãobaseou-se no fato de este acervo ser resultante de uma série dedoações (namaioriadasvezesapósexposições realizadasnoMuseu)por parte dos artistas produtores, sem que tenha havido coerênciacuratorialnessacoleta,ficandoaspeçasexpostassemreferênciadiretaao acervo principal exposto. Portanto, foi decidida a exploração daspotencialidades desse acervo, através de exposições temáticas etemporáriasfuturas.

5. OMuseuAfro-Brasileiro1999–2021

Passadosvinteedoisanosdaescritadotextoquebaseouestequeagorapublicamos,períodoquecoincidecomotempodecorridodareinauguraçãodoMuseuAfro-Brasileiro,oMAFROcontinuanomesmolugar, o Prédio da Faculdade de Medicina do Terreiro. Desde então,continuamosenvolvidoscomagestãodoMuseu,comalgunsintervalosnesseperíodo. Aexposiçãofoimodificadaalgumasvezes,buscandodarcontadas demandas contextuais de atualização dos discursos relativos àsmemóriasehistóriasafricanaseafro-brasileiras.

Page 233: Livro Museologia e Património - Volume 6 - para capa e ...

MuseologiaePatrimónio–Volume6

231

Imagem 11: Vista parcial do módulo de longa duração denominadoArtes do Crer, dedicado à apresentação do acervo afro-brasileiro.Inaugurado em2019, curadoriadeMarceloCunha. Imagem12:VistaparcialdomódulodelongaduraçãodenominadoMáfricas,destinadaaapresentaroacervoafricano,inauguradaem2018,curadoriadeMariadasGraçasTeixeira.Fonte:MAFRO

O Programa de atendimento ao público manteve-se ativo,prestandoserviçosdiáriosaestudantesdetodososníveisdeformação,e tambémparagruposdiversosda sociedadecivil, contribuindoparaações afirmativas voltadas, sobretudo, para o combate ao racismo e

Page 234: Livro Museologia e Património - Volume 6 - para capa e ...

MuseologiaePatrimónio–Volume6

232

intolerância religiosa. Por outro lado, configurou-se como um dosprincipais e mais visitados museus da cidade de Salvador. SeuPrograma de Exposições tem possibilitado o diálogo entre artistas,produtores culturais e o seu público, a partir de novas percepçõessobreasculturasrepresentadaspeloMuseu.

Imagens13e14:MediaçõesnoMAFRO.Fonte:MAFRO.

Page 235: Livro Museologia e Património - Volume 6 - para capa e ...

MuseologiaePatrimónio–Volume6

233

Imagens 15 a 17: Convites de exposições temporárias do MAFRO.Fonte:MAFRO.

Page 236: Livro Museologia e Património - Volume 6 - para capa e ...

MuseologiaePatrimónio–Volume6

234

Poroutrolado,apartirdomomentoemquesuagestãopassoua ser assumida por docentes do Departamento de Museologia98,consolidou-se como Museu Universitário e laboratório paraaprendizagem de sucessivas gerações de estudantes de Museologia,História,Pedagogia,Arteseáreasafins.

Imagens18a20:AtividadesdedocumentaçãoeconservaçãodeacervonaReservaTécnicadoMAFRO.Fonte:MAFRO.

98GestõesdoMafronoperíodo:1997a2002–MarceloN.B.daCunha;2002a2006–MuseólogaMariaEmíliaValenteNeves;2006a2011–MarceloN.B.daCunha; 2011 a2018 –MariadasGraçasde SouzaTeixeira e 2018 a atual –MarceloN.B.daCunha.

Page 237: Livro Museologia e Património - Volume 6 - para capa e ...

MuseologiaePatrimónio–Volume6

235

DessarelaçãotambémfoidesenvolvidoumamploProgramade

Pesquisa voltadas para o estudo sobre o seu acervo, práticasmuseológicas e desdobramentos possíveis a partir dos estudos decultura material, entre outros, resultando desse empenho TrabalhosFinaisdeConclusãodeCurso,Dissertações,Teseseinvestigaçõespós-doutorais.99

99 Dessa produção podemos destacar: A Representação das MulheresNegras nos Museus de Salvador: Uma Análise em Branco e Preto.DissertaçãodeMestrado–PPGMUSEU/UFBA.(2015).Autoria:JoanaAngélicaFlores Silva – Orientação: Profa. Maria das Graças Teixeira; O Som doSilêncio:RastrosdaDocumentaçãoMuseológicadeVinteSeisEsculturasdaColeçãoEstáciodeLima.DissertaçãodeMestrado - PPGMUSEU/UFBA.(2015).Autoria:DoraMariadosSantosGalas–Orientação:Prof.MarceloN.B.daCunha;MuseueEducação:UmaExperiêncianoMuseuAfro-Brasileiroda Universidade Federal da Bahia. Dissertação de Mestrado –PPGMUSEU/UFBA. (2015). Autoria: Daniela Moreira de Jesus – OrientaçãoProfa. JoseaniaMirandaFreitas;OMuseuAfro-BrasileirodaUniversidadeFederal da Bahia e sua coleção de cultura material religiosa afro-brasileira. Dissertação de Mestrado – POSAFRO/UFBA. (2017). Autoria:JuipuremaA.SarrafSandes–OrientaçãoMarceloN.B.daCunha;Ostapetesproverbiais do acervo do Museu Afro Brasileiro/UFBA: A arte datapeçaria como forma de preservação da tradição oral africana.DissertaçãodeMestrado–PPGMUSEU/UFBA.(Emandamento).Autoria:JoséIvonildo Araújo Terceiro - Orientação: Profa. Maria das Graças Teixeira; APreservação Digital da Documentação de Acervos Museológicos daUniversidade Federal da Bahia. Dissertação de Mestrado –PPGMUSEU/UFBA.(Emandamento).Autoria:DiegodosSantosNascimento–Orientação: Profa. Rita de Cassia Maia da Silva;Planejamento EstratégicoSetorial:AConstruçãodoProgramaEducativodoMuseuAfro-Brasileiroda Universidade Federal da Bahia. Dissertação de Mestrado –PPGMUSEU/UFBA. (Em andamento). Autoria: Amélia Pereira Costa –Orientação:Profa.JoseaniaMirandaFreitas–Co-orientação:Prof.MarceloN.B. da Cunha;Diálogo entre obras de arte: A performance “Omo Owo -Olhardecriança”eacoleçãodepainéisdasalaCarybédoMuseuAfro-Brasileiro / UFBA. Trabalho de Conclusão de Curso Bacharelado emMuseologia/UFBA. (2021). Autoria: Vinicius de Abreu – Orientação Prof.MarceloN.B.daCunha;OMuseuAfro-BrasileirodaUniversidadeFederalda Bahia e sua Coleção de Cultura Material Africana. Tese no

Page 238: Livro Museologia e Património - Volume 6 - para capa e ...

MuseologiaePatrimónio–Volume6

236

Todas essas questões, do passado e recentes, revelam aimportânciadaqueleprojetooriginaldadécadade70,eavitalidadeepertinênciadaproposta,queadespeitodetodasasforçascontráriasàsuaconcretizaçãoestabeleceu-secomoumprojetoprofícuo,apesardasdificuldades estruturais e de recursos. A intenção desse texto foiapresentar aspectos relativos à história dessa importante instituição,recuperando um pouco das dinâmicas relacionadas à sua históriainicialeasestratégiasparasuperarcondiçõesadversas.ReferênciasAcervo afro-brasileiro está abandonado na sala do CEAO (1979).CorreiodaBahia.Áfricamoderna(1998).ATarde,13dejaneirode1998.Ampliação da montagem do Museu Afro-Brasileiro (1982). A Tarde,novembrode1982.Barbozas,MarioGibson(1973).CartaasuaexcelênciaoGovernadordoEstadodaBahia,p.1,28dedezembrode1973.Berbert, José Augusto (1981). Cultura Afro-brasileira em museu depreciosidades.ATarde,27dedezembrode1981.Berbert, JoséAugusto (1999).MinhavoltaàFaculdade.ATarde,5deabrilde1999.Britto,Reynivaldo(1978a.).ACulturaafro-brasileiraestáameaçadadeseperdernaBahia.ATarde,3demarçode1978.Britto,Reynivaldo(1978b.).UmlugarparaoMuseudoNegro.ATarde,25demarçode1978.

POSAFRO/UFBA. (Em andamento). Autoria: Juipurema Alessandro SarrafSandes–Orientação:Prof.MarceloNascimentoBernardodaCunha.

Page 239: Livro Museologia e Património - Volume 6 - para capa e ...

MuseologiaePatrimónio–Volume6

237

Castro,GuilhermeA.deSouza(1975).CartaaoPresidentedoConselhoDeliberativodoCEAO,18dedezembrode1975.Castro,GuilhermeA.deSouza(1981).Documento,23deabrilde1981.Contra, entidadesmédicasMuseudonegro vai ficar na FaculdadedeMedicina(1974).DiáriodeNotícias,8deagostode1974.DisputapeladireçãodoMuseuAfro-Brasileiro(1973).ATarde,10dejulhode1973.Escolaoquelhepertence(A)(1977).ATarde,1demarçode1977.Governo quer retomar as obras da ex-Faculdade (1977). Jornal daBahia,12dejunhode1977.IBHMcontra instalaçãodemuseuna ex-Faculdade (1974). Jornal daBahia,12dejunhode1974.IndefiniçãosobreMuseu(1977).JornaldaBahia,3demarçode1977.LocaldoNovoMuseu(O)(1974).ATarde,3demarçode1974.MedicinaabrigaAfro-Brasileiro(1973).TribunadaBahia,13dejulhode1973.Médicodiscordadainstalaçãodomuseu(1982).ATarde,16deabrilde1982.MuseuAfro-Brasileiro.(1982).PlanoparaMontagemdoMóduloInicial.Museu Afro-Brasileiro ficarámesmo na Bahia (1974).A Tarde, 4 demarçode1974.MuseuAfro foi apresentadoàs autoridadesontem (1981).Correio daBahia,dezembrode1981.

Page 240: Livro Museologia e Património - Volume 6 - para capa e ...

MuseologiaePatrimónio–Volume6

238

MuseuAfropodeirparaaCasadoBenin(1999).TribunadaBahia,8dejaneirode1999.MuseuAfro-Brasileiroprovocanovapolêmica(1974).JornaldaBahia,9demarçode1974.Museu Afro-Brasileiro será uma realidade e conta já com 260 peças(1979).ATarde,26dejunhode1979.MuseuAfro-Brasileirovaiserfinalmenteinstalado(1978).TribunadaBahia,8demarçode1978.MuseuAfro,umavoltaàsorigens(1982).JornaldaBahia,8dejaneirode1982.MuseudeEstáciodeLimaseráreabertoem janeiro(1974). JornaldaBahia,6denovembrode1974.MuseudoCEAO(1979).ATarde,19defevereirode1979.Oliveira,LeonardoBarreto(1997).Parecer,14denovembrode1997.Oliveira,GeraldoMiltonde(1999).FaculdadedeMedicinadoTerreirodeJesus.ATarde,4dejunhode1999.OMuseudoBranco(E)?(1982).JornaldaBahia,3dejaneirode1982.Onde ficar oMuseu, em “Respeito à tradição” (1974). ATarde, 5 demarçode1974.OndevaiseroMuseuAfro-Brasileiro?(1983).ATarde,16dejulhode1983.Oswald, Jacyra (1981) Proposta de montagem do conjunto“Representação de Orixás, suas armas e animal litúrgico”, 25 desetembrode1981.

Page 241: Livro Museologia e Património - Volume 6 - para capa e ...

MuseologiaePatrimónio–Volume6

239

Patrimônio espera definição da UFBA sobre antiga Escola (1977). ATarde,22demarçode1977.Pondé,Lafayette(1974).CartaàEuroBrandão,subsecretárioGeraldoMEC,13dedezembrode1974.Prédio histórico do Terreiro com a Faculdade deMedicina (1977).ATarde,26defevereirode1977.Santos,Gersondos (1999).CEAO quer reinauguraremdoismesesoMuseuAfro-Brasileiro.ATarde,12demaiode1999.Sardella, André (1977). Museu do Negro. Jornal do Brasil, 5 denovembrode1977.Silva, Jacira (1981). A Casa de Cultura negra. Revista Cultura,outubro/dezembrode1981.UFBA.Documento,n.d.UFBA.PlanoDiretorparaoMuseuAfro-Brasileiro,p.1,n.d.UFBA.(1974).TermodeConvênioparaaexecuçãodeumProgramadeCooperação Cultural entre o Brasil e os Países africanos para odesenvolvimentodeEstudosAfro-Brasileiros.6p.VelhaFaculdade(A)(1977).ATarde,3demarçode1977.Vitoriosaaclassemédica(1974).ATarde,8deagostode1974.

Page 242: Livro Museologia e Património - Volume 6 - para capa e ...

MuseologiaePatrimónio–Volume6

240

MUSEUWORIKG(SÃOPAULO,BRASIL):

ATRANSMISSÃOCULTURALKAINGANGEACOMUNICAÇÃONAPANDEMIADOCORONAVIRUS

DirceJorgeLipuPereira

MuseuWorikg,TerraIndígenaVanuíre,SãoPaulo,Brasilhttps://orcid.org/0000-0003-3587-5117

SusileneEliasdeMelo

MuseuWorikg,TerraIndígenaVanuíre,SãoPaulo,Brasilhttps://orcid.org/0000-0003-3805-2570

MaríliaXavierCury

MuseudeArqueologiaeEtnologiadaUniversidadedeSãoPaulo,Brasilhttps://orcid.org/0000-0002-4661-9525

1.Introdução Édifícilrelatarsobreosimpactosdapandemiadocoronavirusnosmuseus indígenas,mas seguramente aquarentena, o fechamentodas terras indígenas e aldeias pelos caciques e lideranças e odistanciamento social impediu uma das ações desses museus - asvisitas por grupos e indivíduos, na sua maioria não indígenas quebuscamnessesmuseusconhecimentoseinteraçõesinterculturais. Sabemosqueos trabalhosdos indígenasemseusmuseusvãomuito além do atendimento aos visitantes, os museus para osindígenassãomaisumaformadefortalecimentoetransmissãoculturalentregerações,massobretudomaisumaestratégiadelutapordireitosgarantidos pela Constituição Federal de 1988, conhecida comoConstituiçãoCidadã.No entanto, a comunicaçãopara essesmuseus éfundamental,paraampliarrelaçõesdialógicascomosnãoindígenas,eos museus são organizações eficazes para isso. Nessa perspectiva,muitos museus indígenas mantiveram tanto os seus trabalhos comseus grupos - quando possível, pois também praticaram o

Page 243: Livro Museologia e Património - Volume 6 - para capa e ...

MuseologiaePatrimónio–Volume6

241

distanciamentosocial -, como investiramnacomunicaçãocomosnãoindígenas,recorrendoàsmídiassociais,comooFacebook. Podemos citar a atividade durante a pandemia dos seguintesmuseus no Facebook: Museu Kanindé (Aratuba, Ceará), MuseuJenipapo-Kanindé (Aquiraz, Ceará), Museu Indígena Pitaguary(PacatubaeMaracanaú,Ceará),MuseuPaiterASoe(Cacoal,Rondônia),MuseuAkãmOrãmKrenak(Arco-Íris,SãoPaulo),MuseuWorikg(Arco-Íris,SãoPaulo)entreoutros. É difícil precisar, pois são inúmeros fatores que definem suaexistência (CURY, 2017),mas temos ciência queháno estadode SãoPaulo oito museus indígenas100, sendo quatro no oeste paulista, asaber:MuseuWorikg(TIVanuíre,PEREIRA;MELO;MARCOLINO,2020,MELO; PEREIRA, 2021), Museu Nhandé Manduá-rupá (AldeiaNimuendaju,TIAraribá,Avaí,OLIVEIRAetal,2020,OLIVEIRA,2021),Museu Trilha Dois Povos Uma Luta (TI Icatu, Braúna, IAIATI et al,2020), Museu Akãm Orãm Krenak (TI Vanuíre, AFONSO; OLIVEIRA;DAMACENO, 2020, KRENAK, 2021), Casa de Cultura Kariri (Jundiaí),Associação Arte Nativa (Aldeia Filhos da Terra, Guarulhos), MuseuIndígena Aldeia Porungawa (Aldeia Awa Porungawa Dju, TerraIndígena Piaçaguera, Peruíbe e Itanhaém) e Ponto de Cultura MbyaAranduPorã(AldeiaRioSilveiras,SãoSebastião). Este capítulo tem o objetivo de apresentar as publicações doMuseuWorikg (Terra IndígenaVanuíre,Arco-Íris)nasmídias sociais,comatençãoaoFacebook.Paratanto,asautorasseuniramparaumadescriçãodoprocessoquecompreendemaisdeumano-entremarçode 2020 a junho de 2021. Assinam este artigo duas gestoras ecuradoras Kaingang do Museu Worikg (Dirce Jorge Lipu Pereira e

100 Alguns deles se apresentam como “museu” e outros utilizam concepçõescomo“casadecultura”,“associaçãodeartenativa”e“pontodecultura”.Essaaproximaçãoquefazemosnoartigobaseia-senaLei11.904(Brasil,209)em:Parágrafo único. Enquadrar-se-ão nesta Lei as instituições e os processosmuseológicos voltados para o trabalho com o patrimônio cultural e oterritório visando ao desenvolvimento cultural e socioeconômico e àparticipação das comunidades. No caso, o que a lei indica como “processosmuseológicos” no artigo se enquadra como “museu”, posto o direito dosgruposdeapropriaçãodesseconceitoocidentalparasuaslutas,tambémcomoreconhecimentodaparticipaçãoindígenanodesenvolvimentodaMuseologia.

Page 244: Livro Museologia e Património - Volume 6 - para capa e ...

MuseologiaePatrimónio–Volume6

242

Susilene Elias de Melo) e a museóloga e parceira101 desse museuindígena(MariliaXavierCury).Oartigosegueumaordemcronológica,demodoatraçardiferentessituaçõesesentimentosquemotivaramasKaingangaoregistropormeiodepublicações.2. O território Kaingang e a Terra Indígena Vanuíre (São Paulo,Brasil) SegundoHortaBarbosa(2019,p.7),empalestraproferidaem1913epublicadaem1914,oterritórioKaingangàoestedoestadodeSãoPaulo,édelimitadoentreo“…cursoinferiordoTietê,ovaledorioFeioouAguapeí,doriodoPeixeedaíseestendiaatéoParanapanema”.EssevastoterritórioestátambémregistradonoMappaEthnographicodo Brazil Meridional publicado por H. von Ihering (1911), elaboradopor Curt Nimuendaju102, etnólogo a serviço do Museu Paulista.Informações arqueológicas confirmam a presença Kaingang nesseterritório há pelo menos 1.000 anos. A ideia de território está aquitratada como o lugar de vida e subsistência, espaço de cultura e dosimbólicodosKaingangdesdeumpassadoremotoatéopresentepormeio da memória, narrativas históricas, da ancestralidade e daespiritualidade. A Terra Indígena (TI) Vanuíre, situada nomunicípio deArco-Íris,foidecretadaReservadoServiçodeProteçãoaosÍndios(SPI)em31/12/1917 e Homologada em 29/10/1991. São 708,9304 hectareshabitadospor251pessoas, conformeSesai (2020)103, principalmentedos grupos Kaingang, Terena, Krenak. A TI Icatu, em Braúna, foiReservadoSPI em 31/12/1919eHomologadaem29/10/1991. São300,9625 hectares habitados por 150 pessoas, conforme Sesai(2020)104, principalmentedosgruposKaingangeTerena.Essas áreas

101AsKaingangeoutrosgruposdooestedeSãoPaulosereferemàparceriacomo ações em conjunto e aos parceiros como aqueles que colaboram emprojetoseaçõesdepromoçãoevalorizaçãodasculturasindígenas.102“MappaEthnographicodoBrazilMeridional”esuaautoria(Ribeiro2012).Disponívelem:https://bit.ly/2LyFbwV.Acessoem:26/06/20.103 Informações disponíveis em: https://cpisp.org.br/vanuire/.. Acesso em:12/06/2021.104 Informações disponíveis em: https://cpisp.org.br/icatu/. Acesso em:12/06/2021.

Page 245: Livro Museologia e Património - Volume 6 - para capa e ...

MuseologiaePatrimónio–Volume6

243

foramdestinadasaoaldeamentodosKaingangretiradosdeseuvastoterritório, visado para a exploração da cafeicultura. Esse foi umprocessoviolentodeataquesechacinasdealdeiasKainganginteiras.Oaldeamento consistiuna retiradade inúmeros gruposqueviviamemaldeiascomseuschefes(rekakê)parareuni-losemduas localidades.Após o aldeamento, os Kaingang passam a viver de forma restrita econtrolada pelo Serviço de Proteção aos Índios (SPI) e sob omodelocapitalistapeloqual,seacreditava,os indígenasseriamintegradosaoprocesso civilizatório. Não é difícil imaginar o sofrimento passadopelosKaingangantesedepoisdosaldeamentos,massão importantesos relatos que vêm dasmemórias passadas por quem sofreu: “DirceJorgeLipuPereiraouviudamãe,durantetodaainfância,quenãopodiacantar.JandiraUmbelino[…]tinhamedoqueosbrancosouvissemsuasfilhas e filhos cantarem na língua indígena e os matassem, comofizeram,décadasatrás,comtantosoutrosKaingang”.(DOLCE,2019) OsKaingangno oeste paulista atravessaramo séculoXXnumtrabalho de resiliência constante que manteve traços profundos daculturatradicional.Masem1997,lideradoporDirceJorge,foiiniciadoumtrabalhocomjovensKaingangnaTIVanuíre.FoiapósumaviagemdaDirceàBrasiliaquandotudocomeçou.Quandovoltou,Dircesedeucontaquenãohá luta indígenasemcultura,oquea levouaprocurarJosé da Silva Barbosa de Campos (Zeca) para juntos organizarem oGrupodeCulturaTradicionalKaingang.TudocomeçoucomaDirceeoZecafoioprofessorqueencaminhouostrabalhoscomosjovenscomadança,ocanto,apreparaçãodaroupaedopaudechuva.Foramnoiteenoites de ensinamentos, Zeca foi um grande professor, um grandemestre. O Kaingang José da Silva Barbosa de Campos foi criado pelaavóMariaCeciliadeCampos,aCandire,Kaingangqueviveuoprocessode aldeamento. Apesar de viver tantas pressões e violações de seusdireitos como indígena, Candire conseguiu manter a essência dacultura tradicional e educou a filhaEnaLuisadeCampos e oneto.OZecaprofessordogrupopodelevaraosjovensKaingangoquesabia,oqueaprendeucomseulivro-aavóCandire.3.HistóricodoMuseuWorikg Nodia9denovembrode2017,sobaliderançadeDirceJorgeLipuPereira,oGrupodeCulturaTradicionalKaingangcomemorou20

Page 246: Livro Museologia e Património - Volume 6 - para capa e ...

MuseologiaePatrimónio–Volume6

244

anoscomumafestaemtornodoMuseuWorikg.Foramconvidadososgrupos indígenas da região, considerando a TI Icatu e a TI Araribá(Avaí).AshistóriasdoGrupoedoMuseuestãojuntas,ladoalado.MasaideiadeMuseudáaindamaisforçaàresistênciaculturalKaingang. É difícil dizer quando o Museu Worikg nasceu, mas dá parasabercomofoiaaproximaçãocomaideiamuseu,aDirceJorgeafirmaoorgulhodeconheceredesaberoqueémuseu:

Porque eu não saia de dentro do Museu ÍndiaVanuíre. Então todos falava, […] a educadora falavadosKaingangefalavadosindígena.Entãoeuchegueicom amaior curiosidade, peguei, e ela falou: “Não,vamospraSãoPaulo?”aíeuescuteiefalei“VãopraSãoPaulofazeroquê?”“Ah,nósvamosrepresentaoMuseuÍndiaVanuíre,nósvamosfalardosKaingang,vamos falardos indígena”. “Ah,vocêsvão falareeunãoposso ir?Euposso ir?”Aíela falouassim“Vocêse interessa?” “Muito”, porque eu entro dentro domuseu,maseugostariadesaberoquefaznomuseueoquêéomuseu.Hojeeuseifalaroqueéomuseu,entendeu?(PEREIRA;MELO,2021,p.30).

ADircecontinuaseupensamento:“‘Masnão,comoassim?Nósjásomosmuseu!’Porqueseeufornomuseu, todomundojávai falarde nós, né? Se nós têm peça no museu, então não falta mais nada(risos).ÚnicacoisaquefaltaécolocaronomeMuseu,enóscolocamosWorikg.”(PEREIRA;MELO,2021,p.30) HáumadataespecialparaahistóriadoMuseuWorikg,odia15de agostode2015, quandooGrupodeCulturaTradicionalKaingangrealizouumareuniãonacasadaDirceJorgeparaapresentaraideiadoMuseuWorikgaosdemaisKaingangdaTIVanuíre,osdescendentesdaWorikg. Essa reunião foi liderada pela Lucilene de Melo e estavampresentes a dona Jandira Umbelino, mãe da Dirce Jorge, e o José daSilvaBarbosadeCampos -oprimeiroprofessordogrupoquando foiformado. Atraduçãodapalavraworikgésolnascente,masomuseufazhomenagemamulherWorikg.Dona JandiraUmbelino foi neta,DirceJorgeébisneta,suas filhasSusileneeLucilenesãotrinetas,a Itauany,

Page 247: Livro Museologia e Património - Volume 6 - para capa e ...

MuseologiaePatrimónio–Volume6

245

filha da Lucilene, o Pedro e o Kauê, ambos filhos da Susilene, sãotataranetos da Worikg, como muitos outros na TI Vanuíre.Praticamente todosKaingang quemoramnaTI Vanuíre tem sangueWorikg. O dia da festa dos 20 anos do Grupo de Cultura TradicionalKaingangfoimuitoimportanteparaoMuseuWorikg,pelahomenagemfeitaàDonaJandirafalecidaem9defevereirode2016.“Entãoeuseique em 2016 nós tivemos uma perdamuito grande. Então ela era onosso dicionário. E aonde a gente passava noites e noites até demadrugada,pesquisandoela,estudando,eelanosensinando.Entãoéisso que a gente também tá passandopra nossas criança” (PEREIRA,MELO,MARCOLINO,2020,p.85).PorissoqueDirceafirmaque"Minhamãe foi um livroparamim". ”Enquanto ela viveu, fiquei ao ladodelaaprendendotudooqueelasabia,docantoàculinária.AgentejánasceKujan(versãofemininadoPajé),somosescolhidas.Nascemoscomumaforçaeninguémsegura, entãoquando criançaeu já sabiaquequeriafazertudooqueminhamãefezemais”. DonaJandiraUmbelinopediuparaafilhaDirceguardarassuascoisas.Nafestados20anosessesobjetos-queestavamenroladoscompano de algodão, dentro de sacola - foram abertos e a primeiraexposiçãodoMuseuWorikgfoimontadapelaSusileneEliasdeMelo. “O coração da aldeia é o Museu, é onde se guarda as nossasmemórias,éondeseguardaamemóriadaminhavó,daminhabisavó”,comoafirmadopelaSusilene.Dircecompleta:“Épor issoquequandose falademuseu, issoémuito importanteporqueaí,agentetemquevoltarláatráspravirprafrente.”(PEREIRA;MELO,2021,p.29) NoMuseuWorikg,nósquecoordenamos,nósquefazemostudocom a cultura, nós cuidamos, nós zelamos, nós somos guardiãos detudoquesefalaemKaingangdaTIVanuíre.“ÉporissoqueeufalopravocêsquenóspulamosporcimadaspedraeconseguimosconstruironossoMuseuWorikg, nósmulheres, entendeu? E com omeu esposoqueéTerena[MarcioLipuPereira Jorge].” (PEREIRA;MELO,2021,p.29) A Kujan Dirce Jorge e sua filha Susilene, assistente de Kujan,têmtodaaautoridadeparaafirmar:

Edeixarpravocêsaqui,queoMuseuWorikgpranósé um Museu de cura. É um Museu que quando a

Page 248: Livro Museologia e Património - Volume 6 - para capa e ...

MuseologiaePatrimónio–Volume6

246

pessoachegarlá,podetádetonado,elepodechegarlá e ele pode sentir, “nossa, eu não aguento maislevantarmeubraço,eunãoseimaisoquequeeuvoufazer,”vocêchegalávocêtiraoseucalçadooupodeentrarcalçadodomesmojeito[…],sentaemvoltadofogoouentãopegaa cinzaepassaamãoporqueoMuseupranósécura.(PEREIRA;MELO,2021,p.26)

OMuseuWorikgémuitodinâmico.TodootrabalhonatradiçãoqueenvolveasdiferentesgeraçõesdogrupoKaingangéparteprincipaldo Museu, o canto, a dança, a roça, as comidas, a língua mãe, apreservação dasmatas, a construção das cabanas sagradas, as noitesculturais, a espiritualidade e tantas outras atividades de transmissãodaculturaKaingang.Masoutraaçãofundamentaléacomunicaçãocomoutrosgruposindígenasecomosnãoindígenas.Porisso,fazpartedaprogramação do Museu Worikg receber escolas e outros grupos noespaço do Museu, as palestras e oficinas que oferecem em centrosculturais, escolas e outrosmuseus, oswebinários que participam, asapresentações culturais e tantas outras ações, sempre valorizando aculturaKaingang.UmaestratégiacadavezmaisutilizadaéadivulgaçãodoMuseuWorikgpelasmídiassociais,comooInstagrameoFacebook. Este capítulo tem o objetivo de evidenciar a importância damuseologia para o Grupo de Cultura Tradicional Kaingang da TIVanuíre, com destaque aos trabalhos do Museu Worikg durante apandemiadocoronavirus,oquepassamosaapresentar,pormeiodepublicações105 que selecionamos na página oficial do Museu noFacebook.4.OMuseuWorikg,apandemiaearedesocial106 Nodia24demarçode2020oGovernodoEstadodeSãoPaulodeterminouoiníciodaquarentenadocoronavirusnos645municípiosdo estado, entre eles Arco-Íris, cidade no oeste paulista onde estásituada a TI Vanuíre. A partir dessa determinação, a Terra Indígena

105 Os textos retirados da rede social e trazidos para este artigo estão namesmalinguagemcomopublicados.106Nestecapítuloforammantidosostextoscomopublicados.

Page 249: Livro Museologia e Património - Volume 6 - para capa e ...

MuseologiaePatrimónio–Volume6

247

também se fechou ao acesso de pessoas de fora, como medida deproteção. AúltimaatividadedoMuseuWorikgantesdeserdecretadooinício da quarentena do coronavirus foi no Museu de Arqueologia eEtnologia da Universidade de Sao Paulo (MAE-USP). As KainganggestorasecuradorasdoMuseuWorikgestavamematividadenoMAE-USP , com outras mulheres indígenas, participando da I Semana daMulherIndígena107. Nodia20demarçode2020,antesdadecisãooficial,napáginaoficialdoMuseuWorikg,foipublicadootexto:-“Atenção:MuseuWorikgsolnascentedaT.IVanuire,cidadedeArcoÍris, vem por meio desta publicação juntamente com suas gestoras,[informar] que as visitas agendada nomês de abril estão canceladasdevidoàpandemia.Pedimosatodossuacompreensão.MuseuWorikgestaráfechadoportempoindeterminadoatéqueascoisasmelhoremqueDeusabençoeàtodos!!🙌🙌🙌.” No dia 29 de março, a Susilene publica um texto e imagenssobreodiapassadoemfamílianoiníciodaquarentena:-“Eontemfoidiadapreparaçãodobiju,emtemposdepandemianadacomo um ralador e muitas mandiocas para ralar, meditar e refletir,famíliaobemmaiorquetemosnaquarentena,maspensandosemprena nossa alimentação saudável, é saber que somos uma equipe equandopensamos juntos realizamosnossas atividades semnenhumadificuldade, foi assim que aprendemos com nossos antepassados evamospassandodegeraçãoemgeraçãoeaUniãoéanossa força, epara quem chegou em nossa família, com toda nossa dedicaçãopassamoscommuitoamorquantoésagradoparanósindígenasdesdedalenhaquevamosbuscarnoMatoatéumsimplesjeitodedescascaramandioca, émuito sagrado para nós, respeitando sempre nossamãeterraeoqueelaofereceparanós.Salveosencantadosde luz!!Salve

107 A I Semana da Mulher Indígena do MAE-USP fez parte do projetoResistência Já! Fortalecimento e União das Culturas Indígenas - Kaingang,Guarani Nhandewa e Terena. O evento contou com a abertura de MariánLópez Fernández Cao, coordenadora do projeto Las Mujeres Cambian losMuseus (Universidad Complutense de Madrid). As apresentações estãodisponíveisem:09/03/2020-https://youtu.be/3wIkdHZPmmg;10/03/2020- https://youtu.be/l5y4-46YQEE; 13/03/2020 -https://youtu.be/K0GrlY2BfTo.

Page 250: Livro Museologia e Património - Volume 6 - para capa e ...

MuseologiaePatrimónio–Volume6

248

jurema sagrada!!! Que tenhamos muita saúde para prosseguirAmém!!!” Apublicaçãoapresentamaisde20 fotografiasdoprocessodepreparaçãodobeiju,convidamosoleitoraessapesquisanasimagensqueapresentadoprocessopassoapasso.

Figura1-DirceJorgeLipuPereiraralandoamandiocaquecultivanasuaroça,parafazerbeiju. No mesmo dia a Susilene publica várias fotografias daalimentaçãotradicionalKaingangqueilustramotextoabaixo:-“Rsrsrsenãopodiadeixardepostarbijucompeixeaomolho😋😋😋umadelíciae foianossa jantaontemedequebra,pra fecharanoite,paçoca no pilão, segredos da minha mãe,❤❤❤❤ só amooo essasdelícias.” Nodia23demaiotemosumadasváriasmensagensemqueoMuseurevelaseuslaçoscomosagrado:-“Fogo,unsdoselementosquenosconectacomosagrado,comnossosantepassados, e nos aquece e dá sabedoria para prosseguir.” E comuma fotografia de uma fogueira acesa à noite, no dia 3 de junho osfortesvínculoscomosagradoserepetem. UmanovatemáticaélançadapeloMuseuWorikgnodia23dejunho:- “Boa noite! Museu worikg sol nascente à partir de hj vem compostagemdeartesanato, instrumentos , cerâmicae alimentaçãopara

Page 251: Livro Museologia e Património - Volume 6 - para capa e ...

MuseologiaePatrimónio–Volume6

249

nossosamigosdoFacebook,mesmocomapandemianãovamospararnossasatividadesserãosempreaqui,salveosencantadosdeluz!!!” NessediaoMuseupublicainformaçõeseimagensdeumobjetomuitoimportanteparaosKaingang:-“Epracomeçarhjvamosfalardeuminstrumentomuitosagradoparanósdaculturakaingang,opaudechuva,esseaínafototem17anosefazpartedenossoacervo,éumdetantosoutrosquefazemosaquinaaldeiaopaudechuvaémuitousadoemnossosrituais.”

Figura2-Detalhedopaudechuva. O milho roxo, um importante alimento tradicional Kaingang,tevesuapublicaçãonodia24dejunho:- “Ehjvamos falarumpoucodomilho roxo,oqueridinhodacomidatípicakaingang,comomilhoroxofazemosoiamim,penfúepenfurão,comemoscompeixe,frangocaipira,fazemosfarinhaetambémmingau,omilhoroxoécultivadohámaisdequatrogeraçõeseparaquemnãoconheceetivercuriosidade,passandoessapandemiavenhasabermais

Page 252: Livro Museologia e Património - Volume 6 - para capa e ...

MuseologiaePatrimónio–Volume6

250

sobrenossascomidastípicasnomuseuworikgsolnascente,umsalveàsforçasdasmatas!!!!”

Figura3-Grãosdomilhoroxo. No dia 3 de junho a mensagem reflete a preocupação com apandemia:- “O friooo chegou, museu worikg pede cuidado redobrado com ascrianças,idososeosdemais,lavarasmãos,usaragasalhos,acovid19nãoestádebrincadeira,vamosnoscuidarecuidardequemamamos😷😷😷elogomaisembrevenosencontraremos.” Em12dejulho,élançadaacampanhaApoieareconstruçãodoMuseuWorikg108:

108Vervídeoem:https://www.youtube.com/watch?v=7eRKaPYQlDw.

Page 253: Livro Museologia e Património - Volume 6 - para capa e ...

MuseologiaePatrimónio–Volume6

251

-“Paraquemapoiaascausasindígenas,nosapoienareconstruçãodomuseuMuseuWorikgsolnascenteeaculturakaingangdocentrooestepaulista.Ecompartilhem,salveosencantadosdeluz!!” No dia 26 de junho de 2020, a Kujan Dirce Jorge divulga umvídeo para apelar para que todos fiquem em casa. Revela a saudadequesentedasvisitasaoMuseuWorikg,maspedequetodossecuidem,paraqueoencontronoMuseusejaembreve,masemsegurança. Dona Jandira Umbelino, amatriarca da família e grande líderespiritual, está sempre presente no cotidiano dos Kaingang, nãopoderiaserdiferentenaspublicações,comovemosnodia23dejulho:- “Museuworikg sol nascente vemhj trazendo a lembrançadanossaguerreirakaingangquejamaisseráesquecida,JandiraUmbelino,quecomseuamor,carinhoededicaçãoteciasuasprópriasvestescuidavadecadadetalhescommuitapaciênciaesabedoriaehjomuseuworikgexistegraçasaessaguerreiraquenãodesistiuesempredizia,omuseuéocoraçãodesuaaldeia,museuéfeitodegrandesmemórias.” Eacampanhafinanceiracontinuacomoutramensagemnodia27dejulho:- “Museu worikg sol nascente vem novamente pedir apoio para acampanha virtual para a reconstrução domuseu, da cabana sagrada,viemospedirapoioaosamigoseapoiadoresdacausa indígena,aindanãotemoságuaenemenergiaelétrica,masdeixamosaquiparaquemquiser doar fios de energia e também canos para o encanamento deágua,émuitobemvindo,desdedejámuseuworikgsolnascenteesuasgestorasagradecem.” Eoutraspostagemacontecemdia5deagosto,chamandoparaaadesãodosparceiros,muitosdelesajudarammuitoaocompartilharemamplamente:- “Museuworikg sol nascente vempedir aos amigos e apoiadores daculturakaingangparacompartilhar,etbmpedimosacontribuição,pormenorquesejavaiestarajudandonareconstruçãodomuseuworikg,ondequeremoscuidardaspeçasdaexposiçãoetudoquenossagrandeguerreiraJandiradeixouparaomuseu,umacervobonitoecommuitashistórias.”

Page 254: Livro Museologia e Património - Volume 6 - para capa e ...

MuseologiaePatrimónio–Volume6

252

Figura4-ImagemdedivulgaçãodacampanhaApoieoMuseuWorikg. Enodia5deagosto,aequipedoMuseuWorikgcomeuumadascomidasmaisapreciadospelosKaingang:- “Museuworikgsolnascentevemhjtrazendoacomidatípicaqueokaingangmaisgosta,peixeassadonafolhadetutó.”

Page 255: Livro Museologia e Património - Volume 6 - para capa e ...

MuseologiaePatrimónio–Volume6

253

Figura5-Pacuassadonafolhadetutó. E a campanha Apoie o Museu Worikg continua no dia 7 deagosto:-“ComagraçadeDeus,conseguimosbateraprimeirametaestamosnasegunda fase da vaquinha virtual e precisamos da ajuda de vcs paraperfuraropoço,omuseuworikgsolnascenteprecisadeÁgua,assimcomotodosquechegarãonomuseuworikgparavisitação.Águaévida.Água é bênção e precisamos da ajuda de vcs amigos da culturakaingang,estamospedindoajudaaosamigosdelesteaoesteedenorteasul,apoiemnossopoço.” No dia 14 de agosto temos um vídeo emocionante preparadopela Kujan Dirce Jorge que convidamos os leitores a acessar109. Oconviteaovídeofoiassimanunciado:- “Museuworikg sol nascente vem com o vídeo da kujã Dirce Jorge,gestora e curadora do museu, pedindo apoio de todos parareconstruçãodomuseuworikg e tbmda casa sagrada, onde estamosmudandoomuseuworikgparao lugarquesuakujãqueentrouparaencantariahá4anos, JandiraUmbelino, fezessepedido,atendendoopedidodela vamos tbmconstruirnossasnovasmoradiasdesdede já

109 Disponível em:https://www.facebook.com/museu.wowkriwig/videos/332386874610695.

Page 256: Livro Museologia e Património - Volume 6 - para capa e ...

MuseologiaePatrimónio–Volume6

254

agradeçemosde coraçãoequandoestiver tudoprontinho, vamosemumagranderodadançaremvoltadafogueira.” Adivulgaçãodacampanhacontinuanodia14deagosto:- “Vamos que vamos meus amigos, apoiem o museu worikg solnascente, há muito para ser feito, casa sagrada, energia elétrica,perfuração do poço, compartilhem e façam suas doações, por maispequena que ela seja, ajudará no sagrado feminino das gestoras domuseu.” Em2desetembrotemosváriaspublicaçõessobreacampanhaparaareconstruçãodoMuseuWorikgnoCoiós.Asmensagensnãoserepetem,emcadaumadelasháumnovoesclarecimento:- “Boa noite!!! Museu worikg e suas gestoras vem pedir de todos, aprimeirametafoialcançadaqueéparareconstruçãodanovasededomuseuworikg, e a segundameta épara aperfuraçãodopoço, o queserá de suas gestoras sem água e sem energia, mas temos o mais[importante],anossaféenossosagradoeécomessaféqueminhamãeakujã(pajé)jáestámorandonoCoiós,lugarquemeubisavôJoãoíndioprotegeupormuitosanosenósvamosdarcontinuidadede tudoqueminhavópediu.” O texto abaixo foi publicado como mais um reforço para acampanhadavaquinhavirtual:- “Boanoite!!Hojevenho falardos4mesesde trabalhoduroemuitodedicado, desde quando decidimos levantar o museu worikg solnascenteenossascasas,todasessasfotossãodaconstruçãodacasadanossakujãDirceJorge,acasaMãe,éesseonome,acasaqueacolhe,acasaqueconstruímoscommuitoamorecarinhopararecebernossosamigos e parceiros que tbm lutaram junto com nós, e com vcscompartilhamos de cada detalhes, paramuitos essa construção podenão ser nada, mas para nós gestoras do museu worikg sol nascentemonstraanossaforça,garraemudança.Masaindafaltaalgumascoisasparaficardojeitoqueprecisamos,entãovenhonestapostagempedirpara nossos amigos e parceiros compartilhar, para que chegue àsautoridadesmaiores,agestoradomuseujáestámorandonasuacasa,mas não temos energia elétrica, e com essa pandemia todo nossotrabalho coma cultura kaingang ficamais complicado, entãopeço asautoridadesquenosprocurem,poisomuseuévida,cultura,éanossaidentidadeeaúnicacoisaquenosfaltaéaenergiaelétrica.”

Page 257: Livro Museologia e Património - Volume 6 - para capa e ...

MuseologiaePatrimónio–Volume6

255

Sempre conectados ao sagrado, no dia 6 de setembro sãopublicadososagradecimentosaosencantados:- “Hj venho somente agradecer à sabedoria, paciência que os meusantepassados tem nos dado e nunca deixou suas escolhidasdesamparadas, e estão a todosmomentosnos guiando e protegendo,pois aquele que nos protege não dorme e nos guarda dia e noite.Museu Worikg a todo vapor, vamos que vamos que o Coiós temgrandes histórias salve jurema!!! Salve os caboclinhos das matasvirgens!!!! Odia7desetembrofoiferiadonacional,diadaindependênciadoBrasil.NoMuseuWorikgfoidiadetrabalho:-“Finaldesemanaasatividadesforambemdiferentelimpamosaminaďaguá com respeito epreservação, ficoumelhordoque imaginamos,águas claras e transparentes, o negócio aqui funciona assim, sequeremos ver pronto, colocamos amão no barro e fazemos e nossafelicidadeaindaémaiorqueatéasgalinhas🐓🐔quandochegouaquinocoiósresolveramfazerodemelhor,botarovos,queafarturareineem nosso cantinho do paraíso, pois estamos trabalhando dia e noitepraisso,resistênciaéanossapalavrachave.” Nessedia,aindaháumalembrançade2019,comfotografias:- “Confecção das roupas de dança a todo vapor vamos que vamos sepreparando para receber as visitas agendada museu worikg solnascente,comsuasgestorasematividades,porquetudoquevivemosémuseu.Respiramosmuseu,vivemosmuseu,somosmuseuvivo.” A campanha de apoio segue sempre com as chamadas doMuseu,comoessadodia8desetembro:- “Restam 4 horas para o encerramento da vaquinha virtual parareconstruir o museu worikg sol nascente da T.I vanuire, quem tiverinteresseemcontribuir,correlá,desdedejáagradecemosdecoraçãoatodosqueapoiaramomuseuworikgesuasgestoras.” O trabalho continua e em 10 de setembro temos fotos e oseguintetextopublicado:-“Otrabalhodeduassemanasecomfénosencantados,àáguachegounatorneira,paramuitosqueachoqueeradifícil,maspraDeusequemtem força de vontade e trabalha para ver acontecer, a água chegou,águaévida,évidaemabundância.” Em 13 de setembro está a instalação da caixa d’água, paraatenderaogrupoKaingangquenoCoiós.

Page 258: Livro Museologia e Património - Volume 6 - para capa e ...

MuseologiaePatrimónio–Volume6

256

Nodia17desetembrotemosmaistrabalhosnoMuseuWorikgnoCoiós.OvídeocomaKujanDirceJorgefaladalutaedaimportânciadas parcerias nas conquistas. O texto publicado coloca o contexto deluta:- “E vamos seguindo com os trabalhos no coiós, agradecemos todosparceiroseestáaíoresultado,umacaixareservatórioparaarmazenaráguaparanossos animais, tudo feito commuito carinho ededicação,isso é a grande resistência da kujã Dirce Jorge que, mesmo semenergia elétrica, ela está feliz e cada dia commais vontade de ver anovasededomuseuworikgdepé,avançaremossempre,poisestamosconstruindonovashistórias,assimcomovivianossosantepassados,osfortesresistiramsempre,salvejurema!!!” Nessasequência, temosumaimportanteinformaçãonodia20desetembro:-“Paraquemnãosabe,oCoiósestálocalizadodentrodaT.I.vanuire,éum córrego que faz divisa com os sitiantes vizinhos, coiós com suaságuasclaras,ondemuitomeubisavôsebanhouematousuasede,coiósonde vai ser a sededomuseuworikg sol nascente, ondeo sol brilhatodososdias🙏🙏🙏🙏🙌🙌🙌salvesalve!!!Aosnossosmaisvelhosquejáfizeramsuaspassagem.” Nodia27desetembrooMuseucomemorouSãoCosmeeSãoDamião:“Ehjnossanoitinhacomeçouassim,comemorandoetbmagradeçendoàSãoCosmeeSãoDamião, queprotejanossascriançaseascriançasdo nosso Brasil, que nunca nos falte a energia e alegria da nossacriança interior que vive dentro de cada um de nós .Estamos sesentindo feliz demais, nossa primeira comemoração de muitas queviram aqui nosso querido e abençoado coiós e para abrilhantar eiluminar nossos caminhos com a fogueira sagrada aquecendo nossoscorações,umsalve!!!Aosencantadosdeluz🙌🙌🙌🎊🎉🎉🎊🎉.” NessediaoMuseuWorikgpreparouumalindamesadedoces. Entre 8 e 14 de outubro várias publicações são referentes aumalembrançafortedoMuseuWorikg,oEncontrodaRedeSãoPaulodeMemóriaeMuseologiaSocialocorridoemoutubrode2019.Valeapenaaconsultaaovídeoproduzidonoritualdesseencontrodisponível

Page 259: Livro Museologia e Património - Volume 6 - para capa e ...

MuseologiaePatrimónio–Volume6

257

noYouTubecomotítuloMuseuWorikg.EncontrodaRededeMemóriaeMuseologiaSocial/SP110.

Figura6-MesadodiadeSãoCosmeeDamião. Ahomenagemdodia26deoutubrode2020 foi para JandiraUmbelino:- “Gratidão por todas as vezes que sentei ao seu lado pra te ouvirminhavó,gratidãodesentirorgulhodecontarsuahistóriadeamorao meu mais velho e hj vivo tudo isso com vc minha mãe, DirceJorge,e juntasvamoscaminhodemãosdadasmeumaiorexemplo,minhamãe,mulherfortequenãofogedaluta.”

110Disponívelem:https://www.youtube.com/watch?v=EwoyVIeh0KU.

Page 260: Livro Museologia e Património - Volume 6 - para capa e ...

MuseologiaePatrimónio–Volume6

258

Figura 7 - Dona Jandira Umbelino com sua filha Dirce Jorge, ambasKujan.

Page 261: Livro Museologia e Património - Volume 6 - para capa e ...

MuseologiaePatrimónio–Volume6

259

Nessemesmo dia oMuseu, que sempre valoriza as parcerias,fazumagradecimento:-“Boanoite!!MuseuworikghjestácomakujãDirceJorgeagradeçendoao Museu Histórico e Pedagógico Índia Vanuíre e a nossa queridaamiga e parceiraValquiriaMartins pelasmudas frutíferas e as floresparadeixaroespaçodomuseuworikgmaisfloridoebelo,olugarondenão se tinhaumaárvorepara fazer sombra,hj temosvárias árvoresfrutíferas e nativas, plantadas todas commuito amor e é daqui quevamos colher os nossos frutos de saúde, paz, alegria, prosperidade,espiritualidade, vida em abundância. Uma nova história nareconstruçãodomuseuworikg,salveosencantadosdeluz!!!” A Susilene faz um comentário: “Quem planta boas sementescolhe bom frutos 😍🙌🙌🙌🙏🙏 gratidão a todos os parceiros eamigos.” Sua mãe Dirce complementa: “É verdade minha filha eparceira, aqui nos vamos colhermuitos frutos, aqui é aondemora apaz.” Nodia9denovembro,diadacomemoraçãodoaniversáriodoGrupo Cultural Kaingang, é também dia para se festejar o MuseuWorikg,apublicaçãodessediafaladopassadodoGrupo:- “ParabénsMuseuWorikg, commuita luta e determinação, venhohjpostar essa primeira foto com a imagem mais antiga, foi tirada emfrente ao museu índia vanuire, é uma lembrança que está viva emnossas memórias, onde foi marcada a história dos [exposição]Senhores da Terra, história kaingang, onde muitos acharam que eraconversa fiada sobre a dança da chuva, lembro como se fosse hj, ocânticosagradoquecantamosapedidodenossamatriarca,minhavóJandira, que é a dança da chuva, e naquela noite choveu, de um céulindo e estrelado de repente veio a chuva, fomos recebidos com abênção de nossos antepassados, venho parabenizar a nossa força ecoragem, mulheres guerreiras resistentes, mas a nossa resistênciacomeçou comosnossos antepassados e épor elesque resistimos23anosdeculturakaingang.” A publicação do dia 23 de novembro é um relato e umagradecimentoporumaconquista,oregistrodonomedaKujanDirce

Page 262: Livro Museologia e Património - Volume 6 - para capa e ...

MuseologiaePatrimónio–Volume6

260

Jorge entre as curadoras e curadores indígena do Brasil, projetoAfro111.Otexto- “Museuworikg sol nascente e sua curadoraDirce Jorge, commuitotrabalho,dedicação,sabedoria,amor,compartilhamento,agradeçemosoreconhecimentodeumalutaquevemdosnossosantepassados,masquechegounahoracertapradarmaisforçaparatrabalharpelomuseuworikgelevaraculturakaingangdaT.IvanuiredacidadedeArcoÍris,ondepassarmospoisassimjáéfeita,agradeçoaosparceiroseamigos,salvejuremasagrada!!Salveoscaboclinhosdasmatasvirgens!!!SalveàkujanJandiraUmbelino!!!Quenospresenteoucomumlindoacervo🙌🙌🙌.” Na página do Museu Worikg na mídia social, uma daspublicaçõesmaisfrequentesésobrearoça.Nãoporacaso,ogrupodáenorme valor à roça e à plantação dos alimentos tradicionais. MastambémvalorizamacabanasagradaeoespaçodoMuseuWorikg,paraatender o visitante após a pandemia. Em 4 de dezembro temospublicadosfotoseumvídeocomoMarcioLipuPereiraJorge112falandodostrabalhosdeconstruçãodascabanassagradas,doMuseuedaroça.Vejamosotextodeintroduçãodapublicação:-“GraçasàDeus,achuvachegoue jáestásendofincadoosprimeirostroncosdanossacasasagradae juntocomelavemanossaplantaçãoqueestámuitobonita,emmeioapandemiamuitosestãodesanimadose preocupados como que vai acontecer aqui, estamos fazendonossaplantaçãopara ter colheita farta feijão,milhoroxo,batatadoce, cana,mandioca e quiabo, pedindo semprepraDeusquenos abençoe commuita saúde, porque junto com a nossamudança já já chega os bomfrutos.🙌🙌🙌.”

111“ProjetoAfroéumaplataformaafro-brasileirademapeamentoedifusãodeartistas negros/as/es. O projeto deseja ampliar e visibilizar a produçãoartística de autoria negra no Brasil, apresentando sua multiplicidade, seusinter-relacionamentos e sua abrangência. Um espaço de descoberta eressignificação.”. Ver em: https://projetoafro.com/sobre/. Acesso em 12 dejunhode2021.112 Disponível em:https://www.facebook.com/100035181549567/videos/pcb.421042345745147/421041495745232.

Page 263: Livro Museologia e Património - Volume 6 - para capa e ...

MuseologiaePatrimónio–Volume6

261

O trabalho com o milho roxo foi registrado no dia 5 dedezembro,comaItauanyLarissadeMeloMarcolinopilando,conformeasfotografias:- “Hjdiaespecialnocoióspreparaçãodacomida típica, iamiméumadas comidasmais preferidas para nós kaingang, a preparação é todaartesanal, preparada no pilão, como era feita no passado e aindafazemosdojeitinhoqueaprendemoscomnossaskofá.Éumacomidasaudávelecomkofaraaomolhohummm😋😋😋.” Nodia27dedezembrooMuseuWorikgagradecepelascestasdeNatalrecebidas:- “Boa noite, não podemos deixar de agradecer nossos parceiros eamigos, que no último dia 22 destemês de dezembro foram feita ascestaparaasfamíliasdogrupokaingang,quetrabalhamsemprecomopensamento em fortalecer a cultura kaingang dentro da nossaT.I.vanuire,agradecemosaDeusporterestámãosestendidasparanosajudar e passarmos umNatal iluminado🌲🌟🌟🌠🌲🌲, hj um dia detristeza😢 pelaperdadeumagrandemulherguerreiraKaingangmasestamosaquideixandonossosagradecimentos.” Em30dedezembrooMuseuesclarece:-“Museuworikgvempormeiodestapostagemdizeratodosamigosefamiliares que estamos longe um do outro, mas sempre perto namesma fé e espiritualidade, pedimos a todos que se cuidem, essapandemia não está de brincadeira, vamos cuidar de quem amamos.Recentemente perdemos uma pessoamuito querida dentro da nossaaldeia,peçoatodosquenãopercamàfé,estamossempreconectadonamesmafogueira,queajuremasagradaeosencantadosdeluzilumineenos proteja sempre!! Nunca é demais lembrar, usem álcool em gel,máscara,lavebemasmãoseeviteaglomeração.” O ano de 2020 se encerra com uma retrospectiva do MuseuWorikg publicada no dia 31 de dezembro. Mais de 30 fotografiaspublicadas com construção da Casa Mãe, plantação de árvoresfrutíferas, criaçãode galinhas epatos e outras ilustraçõesde comoogrupo atravessou com seu trabalho o difícil ano. O texto explica aretrospectiva:“Muitoouvifalarretrospectiva,dequê?Praquê?Masemmeioaumapandemia que veio a nossa tão sonhada mudança, muitos nãoacreditaram que seríamos capaz de recomeçar, e muitos vibraram etorceramporcadatijolinhoacentadoenosajudarampracolocaracasa

Page 264: Livro Museologia e Património - Volume 6 - para capa e ...

MuseologiaePatrimónio–Volume6

262

Mãe de pé, e essas pessoas que ajudaram são nossos amigos eparceiros que em nenhum momento nos abandou ou pensou emdesistir,enósgestorasdomuseuworikgestamosaquiparaagradecerpor todos os momentos que compartilhamos das nossas vitórias edificuldades, com água na torneira e energia elétrica, graças à Deus,quenoanonovoqueestachegandoDeusnósprotejaenosguiecommuita Saúde e comemoramos por todos estar vivo e com saúde umgrande abraço kaingang aos amigos , parceiros e apoiadores FELIZ2021.”

Figura8-Acasamãe,símbolodalutadosKaingangedareconstruçãodoMuseuWorikg. Iniciamos as publicações de 2021 no dia 11 de fevereiro, apublicaçãoésobrearoçademilho,abóbora,feijãodecorda,mandiocaeoutrosalimentos:-“Aquiestáasnossasplantações,umpoucodecada,omilhodaquimas2 semanas vai está no ponto. Nossamesa farta quem semeia o bem,colheosfrutosdafelicidade.”

Page 265: Livro Museologia e Património - Volume 6 - para capa e ...

MuseologiaePatrimónio–Volume6

263

Figura9-Feijãodecorda.

Figura10-Roçademandioca. Ainda no dia 11 de fevereiro foram publicados os trabalhosparaprepararacriaçãodepeixes:- “Sábado passado a tarde os trabalhos foram assim, limpando arepresadonossoqueridocoiós.”

Page 266: Livro Museologia e Património - Volume 6 - para capa e ...

MuseologiaePatrimónio–Volume6

264

No dia 14 de fevereiro, a jovem Itauany divulga a criação docanal do Museu Worikg no YouTube, com o primeiro lançamento:“SobreaMatadoCoióseaNascente”.SegundoaItauany:- “passa lá pra vcs verem, deixa seu link e se escreva pra ficar pordentrodetodasasnovidadesdoMuseuWorikg.” A roça e a alimentação tradicional é muito valorizada peloMuseuWorikg.Nodia21defevereirotemosumadeliciosapublicação,comváriasfotografiasquedão“águanaboca”eumtexto:- “Olhaasdelíciasquesãopreparadascomomilhoverde,osabordequeromaisquechegadaráguanaboca,bolo,curau,feitoamoramãeterranosofereceoquehádemelhorparaonossosustento,sótemosque agradeço, ter gratidão pelos alimentos saudáveis que temos nonosso lar. Pai abençoe as mãos de nossa kujã Amém🌽🌽🌽🌽🌽🌽🌽🌽🌽😋.”

Figura11-Roçademilho.

Page 267: Livro Museologia e Património - Volume 6 - para capa e ...

MuseologiaePatrimónio–Volume6

265

Figuras12e13-Dirceralandoomilhoparaprepararseuspratos. ApáginadoMuseuWorikgtambémsedestinaacumprimentarosparentesKaingang,comooCamargoJorgenodia7demarço:-“MuseuworikgsolnascentevemparabenizarnossograndeguerreiroCamargoJorge,desejamosumfelizaniversário!!!commuitasaúde,paz,alegria,quevenhammuitoskofárapravcassar👏👏👏👏.” Entre as fotos da publicação está o Camargo preparando umpeixeparaassarnomodotradicionalKaingang.Noscomentários,DirceJorge,tiaesegundamãedeCamargodeixaumcomentário:

Page 268: Livro Museologia e Património - Volume 6 - para capa e ...

MuseologiaePatrimónio–Volume6

266

- “Feliz aniversário🎂Deus abençoa commuita saúdepaz e amorqueessadatarepitapormuitoemuitoanosdevida👏👏👏👏.” Omêsdemarçode2021,quandosecomemoraodiadamulher,o Museu Worikg preparou uma programação especial. No dia 7 demarçooespaçofoiparaapublicaçãodeumajovemKaingangItauanyLarissadeMeloMarcolino:- “No mês da mulher, o que dá orgulho são as palavras de umaguerreirade15anos,aKaingangItauany,fotógrafadoMuseuWorikg,TerraIndígenaVanuíre,SãoPaulo.Mulheres no museu, mulheres indígenas no museu. Vejam o vídeo(registrem-senocanalMuseuWorikgnoYouTube).” Nasequência,nodia8demarço,temos:- “Dia Internacional das mulheres, museu worikg sol nascente vemparabenizarehomenagearatodasasmulheresguerreiras,emespecialas mulheres amigas e parceiras do museu worikg, tbm as nossasgestorasecuradorasDirceJorge,SusileneKaingangeLucilenedeMelo,lembrando que a homenagem vai para nossa querida worikg umagrandemulherguerreira.” No dia 9 de março veio a lembrança da grande mulherKaingang:-“Hjbateuaquelasaudadesdevc,minhavóJandira,massãonascoisasmaissimplesqueaprendicomasenhora,enãofogedasnossasraízes,nãoimportaondetivermos,oalimentoésagradonasuapreparaçãoehjfoiassim,fogãoalenha🔥quedelíciaosabornãotemigual😋😋😋.” Não podemos nos esquecer, o Museu Worikg valoriza oprotagonismodasmulheresKaingangapartirdaKaingangWorikg.Nodia 19 de março a Worikg é reverenciada juntamente com outrasgrandesmulheresKaingang,osdestaquessãodapostagem:- “E dando continuidade nas homenagens do mês internacional dasmulheres,hjvamoshomenagearasfilhasdaworikg, teve1filhocomnome de Darci e 3 filhas Maria Conceição, Clarisse e Maria DetoBarbosa que está na fotografia ao lado esquerdo da sua tela, trêsgrandesmulheresguerreiras,MariaDetoBarbosaÉaúnicafilhaVIVAdaworikg,elahjcomaidadeseencontraacamadaporcausadaidade,nosdocumentos constaque ela está combemmaisdenoventa anos,mas todos sabem que naquele tempo quando a Funai chegou nasaldeias,aspessoaseramregistradasquandojáestavambemcrescida,entãoacreditadosqueelajápassoudosnoventaepoucosanos,viemos

Page 269: Livro Museologia e Património - Volume 6 - para capa e ...

MuseologiaePatrimónio–Volume6

267

pormeiodestapublicaçãoPARABENIZARAMULHERKAINGANGMAISVELHADAT.I.VANUIRE,QUEEMNOSSASLEMBRANÇASDATIMTIMCARREGANDOFECHOSDELENHAEMSUACABEÇA,UMEXEMPLODEMULHERQUECRIOUSUASFILHASETEMSUASNETASCOMOFILHA,UMAMULHERQUEAMAOSSEUS,QUEDEUSABENÇOESEMPREESTAMULHER GUERREIRA, MARIA DETO BARBOSA, FICA AQUIREGISTRADO A HOMENAGEM DO MUSEU WORIKG SOL NASCENTE🙌🌻.” O comentário à publicação reforça a homenagem, mas trazdadosdahistóriaedasmemóriasKaingangnaTIVanuíre.OregistrodaDirceJorgeémuitoimportantenessesentido:-“AsnossasmulheresguerreirasKaingangtemqueserlembradatodosos dias, para não cair no esquecimento, como a nossa querida donaMariaDeto,conhecidaporMariatim,mulherguerreira,buscavalenhanomato,semprevivendonocostumes,filhadaguerreiraworikg,aindatemos alegria, a honra de conhecer a filha daworikg, está viva,masbemvelhinha,mulherqueviveuesobreviveuumgrandemassacredonossopovoKaingang,elasabeoqueéviverumaopressão,oqueéumaditadura no tempo do SPI113, o nosso povo sendo escravizado, ela éhistória dona Maria Deto conhecida por Maria tim, merece o nossorespeito e é o nosso orgulho, mulher guerreira, forte e continualutando para fica mais tempo no meio de nós, que Deus abençoa aSenhora, queDeuspermitemais anosde vida comsaúdeMariaDeto🔥👏👏👏👏.” LucilenedeMelodeixasuasemoçõesnocomentárioenotexto:-“Nossasmulheresguerreiras...MuseuWorikgtráspornomedeumagrandeguerreiraquehojetemosahonradefalarsobreelas…..aíestãonossasraízes….porissoquesomosmuseu,poisnãodeixamoscairnoesquecimentooquefazpartedanossahistóriavivaeencantada…” Ahomenagemadona JandiraUmbelinonãopoderia faltarnomêsdemarço,grandeKujanemulherKaingang.Amesmapublicaçãotambémhomenageia aCandire, aGoyovê,MariaParané,RosáliaPiúi,comootextododia26demarçoinforma:- “Hj temmaishomenagemàsgrandesmulheresguerreiraskaingang,estamos falandodanossa saudosa JANDIRAUMBELINO.Elaque commuito carinho dedicou toda sua vida à família e à cultura kaingang,

113ServiçodeProteçãoaosÍndios.

Page 270: Livro Museologia e Património - Volume 6 - para capa e ...

MuseologiaePatrimónio–Volume6

268

desdedevestes,cânticos,comida,noitecultural.JANDIRA,queentrouparaaencantariahá5anos,netadaWorikg,enãopodemosesquecerde homenagear mais algumas mulheres que tbm entraram paraencantaria, Candire uma grande ceramista, Goyove grande guerreiraque entoava seus cânticos na trilha, Rosália Piúi e Maria Parané emuitas outras mulheres que dedicaram sempre suas vidas naresistênciadaculturakainganghjdeixamosnossashomenagensavcsgrandesmulheresguerreiras.” Os comentários são também homenagens. O primeiro é dobisnetodadonaJandira,KauêLucasDeodato:- “Bisa tenhomuita saudades de você, você foi e é grande guerreira,tenhosaudadesdequantovocêvinhaemcasavisitar😘😘nós.” OsegundocomentárioédafilhaDirceJorge:-“ÉminhagrandeKuiãn,mãeeparceira,essagrandemulherguerreira,paraquemnãoconhece,eutenhomuitaorgulhodesersuafilha,sabere contar a sua história, ela foi parteira aqui na TI Vanuire, ela quesocorriaasindígenaquandoestavaentrandonotrabalhodeparto,emtodosostemposqueelafoiparteira,umaparteiradefé,nuncaperdeuuma crianças, graças a Deus, tudo corriamuito bem com amãe darcriançaecomacriança,esempreDeusnocomando,tenhoumimensoorgulho só de falar dessa guerreira e nuncame cansarei de contar ahistória dessa guerreira Kaingang, kuiãn, mulher sábia e parteira,tenho muita saudades minha kuiãn da sua voz entoando com o seucânticosnanoitecultural,mãezinhaqueSaudades💖.” AanciãEnaLuisadeCampos,filhadeMariaCeciliadeCampos(aCandire)emãede JosédaSilvaBarbosadeCampos(Zeca), recebesuahomenagemnodia31demarçode2021:- “Humm !!!.achou que tinha acabado as nossas homenagens domêsinternacionaldasmulheres?NossahomenageadahjédonaEna,filhadanossa saudosa Candire, uma grande ceramista e falante da línguakaingang,donaEnaémãedoZecatbmceramistaeissomostranãosópranóskaingang,maspara todosquenossoscostumessãopassadosdegeraçãoemgeraçãoeissocomeçadesdecrianças,poisaprendemosbrincando, desejamosmuita saúde para dona Ena e commeus olhosfechadosconsigovera imagemdelaesuamãeCandireapresentandoparanósalunosnoanode1989seuspatinhosekokrumdecerâmica,aqui fechamos nosso mês de homenagens às nossas guerreiras, queestando na vida carnal ou no plano espiritual não vamos deixar

Page 271: Livro Museologia e Património - Volume 6 - para capa e ...

MuseologiaePatrimónio–Volume6

269

esquecidas,esseéonossocompromissocomomuseu,comogestoras,comomulheresKAINGANG🙌🙌🙌🙌.”

Figura14_DonaJandiraUmbelino.

Page 272: Livro Museologia e Património - Volume 6 - para capa e ...

MuseologiaePatrimónio–Volume6

270

Figura15_DonaEnaLuisadeCampos. Nosúltimosdiasdomês,30demarço, foipostadoumtextoefotos:- “E chegandono finaldomês internacionaldasmulheres, nãopodiadeixar de fazer uma homenagem para dona Josefa e sua filha MariaAparecida, duas indígena fulni ô que já entrou para encantaria, masquedeixouparanósaslembrançasqueelacontavadosrituaisdetoré.MariaAparecidaestána fotoao ladocomseuesposoSebastião Jorgekaingang.Dona JosefaEliasdeMeloguerreiraquedeixousuas raízesfincadanaT.I.vanuire.”

Page 273: Livro Museologia e Património - Volume 6 - para capa e ...

MuseologiaePatrimónio–Volume6

271

OMuseuWorikgsempretemumaprogramaçãobemintensanomêsdeabril,mêsdehomenagensaospovosindígenasnoBrasil.Comaquarentena e o distanciamento social devido a pandemia docoronavirus,oMuseusepronuncioupublicamentenodia16:- “Devido a pandemia, não estamos recebendo visitas no MuseuWorikg, pedimos a todos que passaram pelo museu que se cuide,cuidem dos seus, # fica em casa, # pandemia não acabou😷😷😷😷😷😷.” Nesse sentido, o mês de abril de 2021 teve publicaçõesespeciais no Museu Worikg e muitos vídeos de vários Kaingang. Aprimeirapublicaçãofoiem15deabril,antecedendoodia19deabril,quandosecomemoraodiadoíndionoBrasil:-“MUSEUWORIKGiniciandoascomemoraçõesdomêsdeabril.Entreosdias16e30destemês.TEMA:OSAGRADOEOQUENOSSOMAISVELHOS REPRESENTA PARA NÓS. Cheguem pra cá que nossaatividadesvaicomeçar💪🙌.” As comemorações se iniciam com um vídeo do jovem KauêLucasDeodato114, filhomaisnovodaSusilene.AparticipaçãodoKauêfoiassimanunciadanodia16deabril:-“EabrindoostrabalhosdomêsdeabrilonossoqueridoKauêLucasKaingang,elevemhjapresentandoalgumassementesqueusamosparafazer os adornos corporais e tbmas sementesdemilho roxo e feijãoqueguardamosparaoplantiodaroçanofundodoquintal,paranossosustento, kauê lucas é estudante e integrante do grupo kaingang daT.I.vanuire.” AlíderSusilenefazumcomentáriosobreovídeodoKauê:- “Parabéns Kauê Lucas Kaingang, a participação das crianças, dosjovens na cultura é importantíssimo, formando grandes guerreirosparaofuturo.” AtiaLucilene,tambémliderança,cumprimentaosobrinhocomumafiguraeaavóDirceescreve:- “💯👏👏👏 parabénsKauê LucasKaingang você é o futuro guardiãoquevaiguardarashistóriasdoscostumeseculturaKaingang,éassimquevainascendoosfuturoguerreiros,vocêémeuorgulho💪.”

114 Disponível em:https://www.facebook.com/museu.wowkriwig/videos/506331087216272.

Page 274: Livro Museologia e Património - Volume 6 - para capa e ...

MuseologiaePatrimónio–Volume6

272

Nodia18deabrilháumahomenagemaumanciãoKaingangfalecido:- “Museu worikg hj vem deixar nosso sentimentos aos familiares dosenhor José Bonifácio da aldeia Apucaraninha Paraná, hj ele fez suapassagem, que Deus conforte o coração de todo povo kaingang, umguerreiroqueentooulindoscânticos,queemumadasvezesqueesteveaqui na aldeia vanuire conheceu o trabalho domuseuworikg e aquicantou e dançou, descanse em paz guerreiro, aqui fica nossahomenagem. Quando o chamado vem, dói a partida, mas vem parafortalecerosqueficam.” Apublicaçãododia19deabril,DiadoÍndio,émuitoespecial,evale a pena o leitor procurá-la para assistir ao vídeo115. O texto nosinforma:-“Hjvamosdeixarumdenossosvideogravadoháalgunsmeses,poiscomapandemiaparaevitaraglomeraçãoemedidasdesegurançanãogravamos ao vivo, mas vamos deixar um pouco da nossa dança, donosso sagradokaingangpravcs, poismesmocomapandemia, nossocânticonãosecala,continuamosfirmenanossaluta,éresistênciaeumsalve!!atodosospovosindígenas.” ALucilene,filhadaDirce,temseuespaçonodia20deabril:- “Hj estamos com Lucilene Melo kaingang, gestora e curadora domuseuworikgsolnascente,elaéresponsáveltbmcomoscuidadosdetodonossoacervo,assistamovídeo,saibamaissobreomuseuworikgeamanhãtemosmais,fiquemligadosSalve!!!” OKaingangJosédaSilvaBarbosadeCampos(Zeca)esuamãeEnaLuisadeCamposparticipamdomêsdoíndiocomumapostagemespecialdedicadaaelesnodia21deabril:- “Evamosdevídeo,a falahjé todinhadele,Zeca,ceramista, filhodedona Ena, ela uma grande ceramista e falante da língua kaingang,museuworikgtrazendoumpoucodecadaumdenósKaingang.” No dia 22 de abril há uma participação de um guerreiroKaingangdaTIApucaraninha,Paraná.Comovídeopublicado,temosotexto:- “Hj vamos com o vídeo do Claudio Novéj Marcolino Galdino éprofessor Bilíngüe, Coordenador do grupo guerreiro Kakrēkin, Terra

115 Disponível em:https://www.facebook.com/museu.wowkriwig/videos/508214353694612.

Page 275: Livro Museologia e Património - Volume 6 - para capa e ...

MuseologiaePatrimónio–Volume6

273

Indígena Apucaraninha, Estado do Paraná, muito importante ter vcaquicomagentecompartilhandoumpoucodassuaexperiênciaainoParaná,somostodosumpovoSó,estamosjuntosguerreiro🙌🙌”. “Um pouco da espiritualidade” é a primeira frase do vídeogravadoepublicadonodia23deabril.AfaladaKujanémuitoforte,épreciso ser visto por todos, para entender e respeitar a culturatradicional, os ancestrais, a espiritualidade, a língua mãe e atransmissãoculturalparaosjovensKaingang.OvídeogravadonamataéfechadocomumcantoentoadopelaKujan116:- “O vídeo que estamos trazendo hj é da nossa kujã Dirce Jorge e oquantoéimportanteosagradoparanosindígenas,éatravésdofogoedanaturezaque trazemosparanósosnossosantepassadosque jáseforam, que entraram para encantaria, e nos dá sabedoria paracontinuarnossaresistênciaforça,união,éoquedesejamosparatodosospovosindígenasnessemêsdeabril🙌.” A filha da Dirce, Lucilene de Melo, deixa um comentário napublicação:- “Este é nosso sagrado, esta é amemória dos antepassados e vividonostemposdehoje...quemamaseupovoeserquemé,viveoquetuacultura oferece e a nossa está aí, viva e trazendo novas histórias epreparandonovoslíderes.” Naspublicaçõesdomêsdeabrilnãopoderiafaltarapresençade Pedro Henrique Deodato, neto da Dirce, filho da Susilene. Napublicação do dia 24, o Pedro está assim anunciado, convidando atodosparaverovídeodojovemKaingang117:-“FinaldesemanachegouevamosdelevecomovídeodonossoPedroHenrique,aparticipaçãodosnossos jovenscomacomidastípicaseosagrado, são o futuro da nossa cultura e é responsabilidade nossadentrodeCasapassarosensinamentossalvenossosguerreiros!!Salvenossosmaisvelhos!!”

116 Disponível em:https://www.facebook.com/museu.wowkriwig/videos/510668690115845.117 Disponível em:https://www.facebook.com/museu.wowkriwig/videos/511184036730977.

Page 276: Livro Museologia e Património - Volume 6 - para capa e ...

MuseologiaePatrimónio–Volume6

274

O dia 25 de abril foi reservado para a jovem KaingangItauany118,netadaKujanDirceJorgeefilhadeLucilene:-“SábiaspalavrasItauanyLarissa,aquelequesentapraouvirseumaisvelho, tem garra para defender sua cultura, é roda de sabedoria ecompartilhamentoenvoltadafogueira,tudoestánanatureza,sóbastasentircomamorr.” Vejamos os comentários da avó Dirce Jorge sobre o vídeopublicado:-“NoensinamentocomosJovemecriança,nósensinamoselesqueoMuseu é uma casa sagrada, aonde é a salvaguarda da nossa história,aonde fica as coisas dos nossos ancestrais, do nossos antepassadosporquesenósperder,nósperdeanossahistória,éissomesmominhaguerreira,vamospassaremgeraçãoemgeraçãoparaanossaculturaeoMuseuworikgcontinuasempreforteeresistindo💪💪🌝🔥.” VejamososcomentáriosdamãeLucilenedeMelo:-“Parabénsfilha👏👏vocêéfilhadaterraehonranossosagradocommuitoamor…queassimsempresejalutaeresistênciasempre.” No dia 27 de abril temos um vídeo preparado pelo KauêLucas119,émuitoimportantecontemplarmosavisãodascriançassobreaculturaKaingangdaqualparticipam:- “Dando continuidade dos nossos trabalhos, hj vamos de vídeoproduzido por Kauê Lucas Kaingang com vários registro ao longodesses23anosdeCulturaevemvindomuitomais😍😍eamanhãjáseprepararemonosso flautistaMarcio LipuPereira Jorge vem comoscânticos sagrados🙏🙏🙏🙏 relembrando e compartilhando grandesmomentosnaplantação,emeventos,envoltadafogueirasomosMuseuvivo”. Na programação do mês do índio, no dia 27 de abril temosaindaodepoimentoemvídeodaMarisaJorge,irmãdaDirceJorge:-“HjestamoschegandonofinalzinhodomêsdeAbrilequemchegaprapassarumpoucodaculturaéMarisaJorgekaingangdeixandoaquiumpoucodas atividadesque são feitasnamata embuscadas sementes,para fazer artesanato e todo adorno corporal kaingang, e dessas

118 Disponível em:https://www.facebook.com/museu.wowkriwig/videos/511711790011535.119 Disponível em:https://www.facebook.com/museu.wowkriwig/videos/512858639896850.

Page 277: Livro Museologia e Património - Volume 6 - para capa e ...

MuseologiaePatrimónio–Volume6

275

caminhada levamos nossos jovens e para ter mais conhecimento.Antes da pandemia fazíamos uma caminhada na trilha com osvisitantesparaconhecernossasnascenteseplantasmedicinais.” O senhor Antônio Jorge, marido da dona Jandira Umbelino,prestigiaoMuseuWorikgcomoseudepoimentogravadoemvídeo120especialmenteparaomêsdeabril:- “Museu worikg trazendo as melhores histórias contada pelo nossomaisvelhoNakrerédaT.I.vanuire,oitentaeoitoanosbemvivido,commuitaslutas,masgrandeestásendosuasvitóriasOsagradoéisso,verosenhornosensinandosualínguamaterna,issonãotempreçoparaosagrado,desejamosmuitasaúdeegratidãoportodocompartilhamentoélindoooescutarosenhorfalar#logologotemmais#.” No dia 28 de abril o depoimento é do Marcio121, marido daDirceJorge:- “Quem vem chegando hj com sua flauta sagrada é o Marcio LipuPereira Jorge e falando um pouco da sua cultura Terena e tbm daculturakaingang.” Omês foi fechado como vídeo da Susilene em30 de abril. Otextoqueoacompanhafala:- “Boa tarde!! Ao nossos amigos, a todos que acompanha o face domuseuworikg sol nascente, hj estamos fechandoomêsde abril comnossa gestora e curadora Susilene KaingangOmês de abril indígenanãotemosmuitoquecomemorar, poisestamosàmaisdeumanodepandemia, perdemos amigos, perdemos parentes.O mundo inteiroperdeumuitos com essa pandemia. Mas temosmuito que agradecerpor estarmos vivos, com saúde, se cuidando sempre, cuidando dosnossos e deixando para vcs o compromisso de nos encontramossempre,aquicompartilhandocomvcsdanossaculturakaingang#Secuidem#VIVAOSAGRADOQUEVIVEMOS.” AfogueirasagradafoitemadadivulgaçãodoMuseunodia15dejunho.Otextoabaixoéacompanhadodeumvídeo:

120 Disponível em:https://www.facebook.com/museu.wowkriwig/videos/512128569969857.121 Disponível em:https://www.facebook.com/museu.wowkriwig/videos/513267723189275.

Page 278: Livro Museologia e Património - Volume 6 - para capa e ...

MuseologiaePatrimónio–Volume6

276

-“Fogueirasagradaquenosaquece,nossafortalezaestánomodomaissimplesde se conectar comnossos antepassados, o Coiós aquecido efortalecidocomasforçasdanatureza.” FechamosasapresentaçõesdoMuseuWorikgnodia1dejunhode2021,poistemosnapáginadoMuseuumapostagemmuitoespecialsobrearoçaeacolheita,sãomuitasasfotosqueacompanhamotexto:-“QuandoplantamosnahoracertaacolheitaéfartaehjacolheitanoCoiósfoicomonossoqueridoOswaldoJorgeeanossakujãDirceJorge.Comamandiocafazemosváriosoutrosalimentos,biju,farinha,bolodemandiocaeporaívai,edomilhoalimentamosnossosanimaise tbmfazemosfubá,xeremecanjica,osdoisirmãosfelizescomoqueaMãeTerra presenteou os alimentos saudáveis. Salve. Salve A Nossa MãeTerra!!!!”

Figura16-OswaldoJorgeeDirceJorge.Colheitadamandioca.

Page 279: Livro Museologia e Património - Volume 6 - para capa e ...

MuseologiaePatrimónio–Volume6

277

5.Consideraçõesfinais Ao longodaspublicações feitasdurante apandemia, oMuseuWorikg interagiu com outros museus indígenas, como o MuseuKanindé(Aratuba,Ceará),manifestoulutováriasvezes,namaioriadeindígenas que perderam suas vidas em decorrência do covid 19,divulgou vários webinários em que as gestoras e curadorasparticiparam como palestrantes, republicou muitas lembranças deanos anteriores, quando o MuseuWorikg recebia a visita de muitasescolas e se apresentava em muitas instituições educacionais eculturais,sempreaconvite. Mas,oprincipaldesteartigoéconheceraculturaKaingangeoorgulho do Museu Worikg de apresentá-la para todos, semprebuscandoparceriaseorespeito.ReferênciasBabosa, Pajé; Pitaguary, Francilene; Melo, Susilene Elias de; Pereira,Dirce Jorge Lipu; Marcolino, Gleidson Alves; Marcolino, CledinilsonAlves. (2020). O sagrado no museu. In: Cury, Marília Xavier (Org.).Museus etnográficos e indígenas: aprofundando questões,reformulandoações. SãoPaulo: SEC-SP,ACAMPortinari,Museu ÍndiaVanuíre,MAE-USP.p.37-49.Barbosa, Luiz Bueno Horta. (2019). A pacificação dos Kaingangspaulistas:hábitos, costumese instituiçõesdesses índios.2. ed. Jaú (SP):Códices.BRASIL.Leino11.904,de14dejaneirode2009.InstituioEstatutodeMuseus.Brasília,DF,[2009].Campos, José da Silva Barbosa de. (2016). Preservação da culturaKaingangpelo conhecimentodosantepassados. In:Povos indígenasepsicologia. A procura do bem viver. São Paulo: ConselhoRegional deSãoPaulo.p.58-63.

Page 280: Livro Museologia e Património - Volume 6 - para capa e ...

MuseologiaePatrimónio–Volume6

278

Campos,JosédaSilvaBarbosade.(2020).AexposiçãoFortalecimentodaMemóriaTradicionalKaingang–deGeraçãoemGeração. In:Cury,MaríliaXavier (Org.).Museusetnográficose indígenas: aprofundandoquestões, reformulando ações. São Paulo: SEC-SP, ACAM Portinari,MuseuÍndiaVanuíre,MAE-USP.p.89-96.Comissão Pró-Índio de São Paulo (CPI-SP). Disponível emhttps://cpisp.org.br.Cury,MaríliaXavier.(2017).Circuitosmuseaisparaavisitaçãocrítica:descolonização e protagonismo indígena. Revista Iberoamericana deTurismo,v.7,p.87-113.Dolce,Julia.DirceLipuPereira:apajéKaingangquevoltouacantar.Deolho nos ruralistas. 18/03/2019. Disponível em:https://deolhonosruralistas.com.br/2019/03/18/dirce-lipu-pereira-a-paje-que-voltou-a-cantar/.Acessoem:12dejunhode2021.Ihering,Hermannvon.(1911).AquestãodosíndiosnoBrazil.RevistadoMuseuPaulista,v.VIII,112-140.Krenak, Lidiane Damaceno. (2021). Museu Akãm Orãm Krenak -História, informação, exposição e atividade. Museologia &Interdisciplinaridade,10(19),44–51.Melo,SusileneElias,Pereira,DirceJorgeLipu(2021).MuseuWorikgeasmulheresKaingang.Museologia&Interdisciplinaridade,10(19),22–33.Oliveira, Tiago. (2021). A ótica Guarani Nhandewa sobre o papel esignificado dos Museus Etnográficos no século XXI. Museologia &Interdisciplinaridade,10(19),34–43.Pereira, Dirce Jorge Lipu. (2016). Resistência e defesa da culturaKaingang.In:Povosindígenasepsicologia.Aprocuradobemviver.SãoPaulo:ConselhoRegionaldePsicologiadeSãoPaulo.p.53-57.

Page 281: Livro Museologia e Património - Volume 6 - para capa e ...

MuseologiaePatrimónio–Volume6

279

Pereira, Dirce Jorge Lipu.; Melo, Susilene Elias de. (2020). Ética –remanescentes humanos emmuseus. In: Cury,, Marília Xavier (Org.).Museus etnográficos e indígenas: aprofundando questões,reformulandoações. SãoPaulo: SEC-SP,ACAMPortinari,Museu ÍndiaVanuíre,MAE-USP.p.32-36.Pereira, Dirce Jorge Lipu;Melo, Susilene Elias de;Marcolino, ItauanyLarissa de Melo. (2020). MuseuWorikg – Kaingang, T.I. Vanuíre. In:Cury, Marília Xavier (Org.). Museus etnográficos e indígenas:aprofundandoquestões,reformulandoações.SãoPaulo:SEC-SP,ACAMPortinari,MuseuÍndiaVanuíre,MAE-USP.p.85-88.PROJETOAFRO.Disponívelem:https://projetoafro.com/sobre/..Acessoem12dejunhode2021.SÃO PAULO. https://www.saopaulo.sp.gov.br/ultimas-noticias/ao-vivo-governo-de-sp-anuncia-novas-medidas-para-combate-ao-coronavirus-no-estado/.Acesso:22demarçode2021.

Page 282: Livro Museologia e Património - Volume 6 - para capa e ...

MuseologiaePatrimónio–Volume6

280

AEDUCAÇÃONOCAMPODOS

MUSEUSNOBRASIL(1932-1958)

AnaCarolinaGelminideFaria UniversidadeFederaldoRioGrandedoSul,Brasil

https://orcid.org/0000-0003-0727-9991

1.Introdução

UmbertoEco,aosereferiràproduçãodapesquisaacadêmica,sugere: “O importante é fazer as coisas com gosto. [...] há umasatisfaçãodecharadistaemencontrar,depoisdeseterrefletidomuito,asoluçãodeumproblemaquepareciainsolúvel”(Eco,2007,p.3).Essafrase diz muito sobre o itinerário da pesquisa que fomentou essetexto122. Como museóloga e profissional que atua no campo dosmuseus, trabalhei em diferentes instituições museológicas comprojetos ou em setores educativos. Percebi que os museus lidamdiretamente com os conceitos de memória, identidade e sociedade,mas pouco os exercitam quando se referem às suas trajetóriasinstitucionais, ainda mais no que tange a educação em museus.Perguntava-me com recorrência: Como o debate sobre educação nocampo dos museus legitimou essas instituições como espaços deaprendizado no Brasil? A necessidade de refletir os processos deprodução,circulaçãoeapropriaçãodediscursoscientíficos,educativoseculturais levou-meaestudarocampodosmuseuscomoumespaço

122OtextoaquiapresentadoéumasíntesedapesquisadedoutoramentodaautoraemEducação,na linhadepesquisaHistória,MemóriaeEducação,daUniversidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), Brasil. Para maisdetalhes sobreapesquisa, consultar: Faria,AnaCarolinaGelminide (2017).Educar no museu: o Museu Histórico Nacional e a educação no campo dosmuseus(1932-1958).TesedeDoutorado,UniversidadeFederaldoRioGrandedo Sul, Porto Alegre, Brasil. Recuperado em 31 de maio de 2021 dehttps://lume.ufrgs.br/handle/10183/158339.

Page 283: Livro Museologia e Património - Volume 6 - para capa e ...

MuseologiaePatrimónio–Volume6

281

relacional, legitimado a promover a educação por meio do exercíciomuseográfico123.

Para compreender a educação em museus no Brasil preciseilocalizarquemeramos(as)produtores(as)dosdebatessobreotemaeem que espaço no campo situavam, circulavam e se posicionavam.Assim,considereiqueasrelaçõesasereminvestigadasarticulavam-seemumcampodosmuseus124. Para tal construçãoanalítica tomeiporempréstimooconceitodecampodePierreBourdieu:“[...]umcampoéum universo em que as características dos produtores são definidaspelasuaposiçãoemrelaçõesdeprodução,pelolugarqueocupamnumcertoespaçoderelaçõesobjetivas”(Bourdieu,2004,pp.170-171).

Organizado e conduzido por agentes e entidades - sistemasposicionais,produtosdasinteraçõesepráticassociaisdos(as)agentesem um contexto sócio-histórico definido - considerei o campo dosmuseus um espaço com leis e regras específicas, enquanto,sincronicamente,erainfluenciadoporumespaçosocialmaisamplo.Aoconceberqueasrelaçõesinvestigadassearticulavamnestecampomequestionei: Como acessá-lo em perspectiva histórica? Qual seria orecorte temporal da investigação proposta? Algumas definiçõesprecisaramseradotadas.

Aprimeiradecisãofoiacessarocampodosmuseusapartirdaatuação de uma categoria profissional, nesse caso, os(as)diplomados(as)comoconservadores(as)demuseus125.NoBrasilessa

123ParaNoble(1970apudMensch,1992)aspráticasmuseográficasabrangemas tarefasbásicasdeummuseu,ou seja, a coleta, conservação, investigação,interpretaçãoeexibiçãodosobjetosemsalvaguardanainstituição.124Napesquisapropostaoptou-sepelousodotermocampodosmuseuspois,no recorte temporal analisado, o foco era o aprimoramento do trabalhoexercidoprioritariamentenosmuseus.AopçãoconceitualvaideacordocomaanálisedopesquisadorIvanCoelhodeSá(2014,p.232):“Amaisimportanteedecisiva reforma curricular do Curso de Museus, quando se percebeuefetivamente uma mudança conceitual de base, ocorreu em 1974-75,aparecendo sintomaticamente nos documentos oficiais o termo MuseologiaemsubstituiçãoaMuseus.[...]ApesquisaapareceuassociadaàMuseologia,oumelhor, ao campo daMuseologia, numa clara identificação daMuseologia aumcampoespecíficodeconhecimento”.125OCursodeMuseus,vinculadoaoMuseuHistóricoNacional,visavaformarprofissionais especializados para o trabalho nos museus com o título de

Page 284: Livro Museologia e Património - Volume 6 - para capa e ...

MuseologiaePatrimónio–Volume6

282

formação, implementada em 1932, possui características acadêmicassingularesvinculadasaoCursodeMuseus, inicialmenteofertadopeloMuseuHistóricoNacional.Caberessaltarqueapesquisanãocometeuoequívocodeconsiderarsomenteos(as)conservadores(as)demuseusdiplomados(as) interessados(as) no debate sobre educação emmuseus, a escolha foi estratégica uma vez que ao acompanhar oitinerário de profissionais com essa formação foi possível identificaroutros(as)agentes interessados(as)126noaprimoramentodo temanocampodosmuseus.

Outra importante decisão foi o recorte temporal da pesquisa.Optou-secomomarcoinicialafundaçãodoCursodeMuseus,em1932,e,comolimite,arealizaçãodoSeminárioRegionaldaOrganizaçãodasNaçõesUnidasparaaEducação,aCiênciaeaCultura(UNESCO)sobreAFunçãoEducativadosMuseus, ocorridoem1958noRiode Janeiro,Brasil, promovido pela referida UNESCO com apoio do ConselhoInternacional de Museus (ICOM). Uma concentração de debates foiobservada na década de 1950 e essa evidência não é por acaso: ocampodosmuseus,emâmbitointernacional,estavasereorganizandoapartirdasegundametadedadécadade1940devidoaoseventosdaSegunda GuerraMundial. A produção e disseminação da informação,associada a um dever educativo da nação voltado para um públicoheterogêneo,ganhava,nesseperíodo,espaçonosmuseus.

Hoje é difícil conhecer um museu que não ofereça aos seuspúblicos uma atividade educativa. Podem não dispor de um setorinstitucionalizado, mas alguma programação sempre se encontra emplanejamentoouexecução.AMuseologia,inclusive,compreendequeoencadeamentomuseográficoédotadodeumaintençãoeducativa,que

conservadores(as) de museus. Somente com a reforma curricular de 1966esses(as)formandos(as)passaramaseroficialmenteintituladosnoBrasildemuseólogos(as)(Sá,2014).126 Pela análise documental realizada foi possível identificar a menção eparticipaçãodeoutros(as)agentesatuantesnocampodosmuseus,taiscomo:naturalistas; artistas; conservadores(as) de museus autodidatas;arquitetos(as);educadores(as);historiadores(as);restauradores(as);alémdeorganizações como o Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional(SPHAN); Conselho Internacional de Museus (ICOM); ICOM Brasil eOrganização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura(UNESCO),porexemplo.

Page 285: Livro Museologia e Património - Volume 6 - para capa e ...

MuseologiaePatrimónio–Volume6

283

inclui desde a seleção do patrimônio à construção da narrativa dasexposições. Em todo processo há a formulação de um discurso a serdisseminadoecompartilhado,oqueédenominadoporCristinaBruno(2002)depedagogiadopatrimônio.

Parachegarmosaessepatamarumprocessodematuraçãodafunção social dos museus desenvolveu-se ao longo do século XX e,nessa dinâmica, o tema educação em museus ganhou destaque.Assumir a postura de espaço educador com características própriasexigiu do campo dos museus uma retomada de determinações,escolhas, posições e produções que particularizou a educação emmuseus. Indícios da primeira metade do século XX estimulam ahipótese de uma operação teórico-metodológica por parte dos(as)agentes e entidades, que atuaram no campo dos museus para sualegitimação como espaço de aprendizado, movimento intensificadopelainterlocuçãocomocampodaeducação.

Assim, os conceitos de campo, capital simbólico e capitalcientífico de Pierre Bourdieu (1989; 2004; 2007) foram ponto departida para identificar o campo dos museus como um espaço derelaçõesdepartilhaseconcorrênciasquefomentaramsuaautonomia.Segundo Chartier (2002), uma das grandes contribuições de PierreBourdieu foi a de definir uma dimensão histórica que não fosseestanque, ou seja, torna-se desafio compreender cada momentohistórico particular de forma relacional. A construção da narrativahistóricadaeducaçãoemmuseusécomplexa,articuladaeprocessual,envolvendodiversos(as)agenteseentidadesqueatuaramnadefesadeumaeducaçãodeamploacesso.

Paracompreenderpossíveisabordagensassumidaspelocampodos museus em relação ao seu papel educativo foram mapeadaspesquisas de diferentes imersões e proposições que poderiamcontribuirparaum levantamentoexploratóriosobreo tema,oobjetodeestudoeasestratégiasdeconcepçãodainvestigação.Assim,basesde dados sobre teses e dissertações foram consultadas a fim de tercontato com a produção disponibilizada. Para além da pesquisabibliográfica uma análise documental foi realizada em matérias dejornais, documentos oficiais, livros e artigos da época estudada, bemcomo depoimentos de antigos(as) profissionais de museus, porexemplo. Entre os acervos pesquisados destacaram-se o ArquivoInstitucionaleaBibliotecadoMuseuHistóricoNacional,instituiçãoem

Page 286: Livro Museologia e Património - Volume 6 - para capa e ...

MuseologiaePatrimónio–Volume6

284

que era vinculada o Curso de Museus, e o Núcleo de Memória daMuseologianoBrasil(NUMMUS),geridopeloCursodeMuseologiadaUniversidadeFederaldoEstadodoRiodeJaneiro(UNIRIO),iniciativaquefavoreceuoacessoadocumentosnão-institucionais,muitosdelesreunidoscomoarquivospessoais,querevelaramnovoscontornosparaa pesquisa. A investigação se constituiu como uma oportunidade deidentificar, contemplar, interpretarecompartilharosvestígiosdeumdoscapítulosdahistóriadaeducaçãoemmuseusnoBrasil.

Ao cruzar fontes diretas e indiretas em uma análise deconteúdotrêsênfasesforamidentificadasnaproduçãodocampopeladefesadoaprimoramentodopapeleducativodosmuseus:aeducaçãovisual, a educação para o povo e a defesa de um projeto de naçãoassegurado pela instrução pública. A fim de explorar a proposta deeducaçãovisual,concebidanatemporalidadeinvestigada,osconceitosde visualidade e visível, bem como os recursos de visualização(Guimarães, 2007, 2010; Knauss, 2006; Meneses, 2003, 2005, 2010;Nóvoa, 2003;Pesavento, 2008) foramaportes centrais para o estudodas especificidades da educação em museu. Outro conceito desustentaçãofoiaconcepçãodepovo.Nocontextoinvestigadootermofora utilizado por diferentes agentes para defender a amplitude daeducaçãopromovidanosmuseus.Percebeu-sequeoconceitodepovoera associado à ideia de público de forma recorrente, porém comconotações características do momento vivido (Ceravolo, 2012;Mendes, 2015; Pécaut, 1990; Schelbauer, 2005; Tullio, 2002; Velloso,1987). Observou-se que a partir desses dois destaques foramdesenvolvidas diferentes estratégias de aprimoramento da educaçãoem museus. Na conjuntura de espaço público o museu tornava-seinstrumento de acesso do povo à nação, auxiliando o Estado naconstruçãoda sociedade.Osmuseus,paraos(as)agenteseentidadesquecompuseramocampo,tinhamumpapelacumprir.2.AEducaçãoemMuseusemdebate

Aomapearos(as)agentesdocampodosmuseus interessadospelopapeleducativodasinstituiçõesfoipossíveldistinguirtrêsmotesenfatizados com recorrência em seus discursos: educação visual;educação para o povo e projeto de nação assegurado pela instruçãopública.Essasabordagensforamformuladasemumarelaçãomútua,a

Page 287: Livro Museologia e Património - Volume 6 - para capa e ...

MuseologiaePatrimónio–Volume6

285

fimde legitimarosmuseuscomoespaçosdecarátereducativoecomum papel social a cumprir. Ao acompanhar o itinerário desses(as)agentes foram verificadas duas influências muito recorrentes: oprotagonismo dos museus norte-americanos no que se referia àeducaçãoemmuseus,fatoquedeterminouaescolhadarotadaviagemde estudos de muitos(as) profissionais e, também, as propostas derenovaçãodeensinoestimuladaspelaEscolaNova127nopaís.

Bertha Lutz128, naturalista que atuou noMuseu Nacional129, éumadasagentesqueentreasdécadasde1920e1940realizouviagensde estudos a museus norte-americanos a fim de conhecer ofuncionamento dessas instituições e seu papel associado ao temaeducação. No decorrer de uma visita patrocinada por prêmioconcedido pela Carnegie Corporation e Carnegie Endowment forInternationalPeace,em1932,porintermédiodaUniãoPan-Americanae da Associação Americana deMuseus, ela visitou 58museus em 20cidades, estudando os departamentos e serviços educativos (Lutz[1932]130 2008). O interesse pelo tema educação em museus foipotencializado, possivelmente, pelas atividades educativas que oMuseuNacionalpromoviaequeculminaram,em1927,nacriaçãoda

127 Aspropostasda reformado ensinonaprimeirametadedo séculoXXnoBrasil,incentivadaspelomovimentodaEscolaNova,conhecidatambémcomoEscola Ativa ou Escola Progressiva, protagonizaram o aprendizado pelaexperiência. Educadores que defendiam a renovação do ensino acreditavamque o contato com a vida era um fator expressivo na formação dos(as)alunos(as), pois possibilitaria a construção do conhecimento pelo convíviocomo familiarpara, assim,alcançaro incomum. Ir aoencontrodosespaçospúblicos, como os museus, era impulsionar a atividade livre, criativa eautônoma(Peres,2005).128BerthaMariaJuliaLutzformou-seemSciences,emParis,naSorbonne,em1918. Em 1919, tornou-se secretária doMuseu Nacional do Rio de Janeiro.Maistarde,atuoucomonaturalistanaseçãodeBotânicadamesmainstituição.Em1933,obteveotítulodebacharelemCiênciasJurídicaspelaFaculdadedeDireitodoRiodeJaneiro(Lopes,2008).129FundadoporDomJoãoVIem6de junhode1818sobadenominaçãodeMuseuReal,oMuseuNacionaleraainstituiçãocientíficamaisantigadoBrasil.Emsetembrode2018sofreuumincêndiodegrandeproporção.130O texto foiescritoem1932e impressoem formatode livrosomenteem2008.

Page 288: Livro Museologia e Património - Volume 6 - para capa e ...

MuseologiaePatrimónio–Volume6

286

5ª Seção de Assistência ao Ensino de História Natural do MuseuNacional131.

ParaBerthaLutz,emuitos(as)dos(as)agentesqueatuavamnocampo dos museus brasileiro, a visão era o modo de operação queproporcionavaoaprendizadonosmuseus.Esses(as)profissionais(as)defendiam que um dos principais papéis do museu moderno erapromover o acesso democrático ao conhecimento por meio dessesentido. Lutz, ao avaliar o papel educativo dos museus a partir daexperiêncianorte-americana,enfatizouoquedenominoude“educaçãovisual”:técnicasvoltadasparamontagensexpográficasnodomíniodainstrução pública, que valorizavam o museu como instrumentocultural. Em sua percepção, o controle científico das técnicasmuseográficas,paraapromoçãodeumaeducaçãovoltadanoaspectovisual, era radical e transgressor (Lutz [1932] 2008). Essa foi umadiscussão que se prolongou nas décadas seguintes no país. OconservadordemuseusMárioBarata132,aocobrirnoJornalDiáriodeNotíciasoPrimeiroCongressoNacionaldeMuseus,realizadoem1956,na cidade de Ouro Preto/Brasil, pelo Comitê Nacional do ICOM,enfatizou que abordagens sobre fadiga ótica e antecedentes do(a)visitante para as experiências visuais propostas nos museus foramtemasdebatidosnoevento(Barata,1956).

UlpianoBezerradeMenesescontribuiparaacompreensãodosdebatesrealizadosnaprimeirametadeemeadosdoséculoXX.Paraoautor construir uma abordagem a partir da visualidade é assumir odesafio de transformar a “imagem-coisa-ingrediente-da-vida-social”em “imagem-signo-documento” (Meneses, 2003, p.29). Esse processo

131A5ªSeçãodeAssistênciaaoEnsinodeHistóriaNaturaldoMuseuNacional,criada em 1927, é considerada pelos(as) pesquisadores(as), até o presentemomento, como o primeiro setor educativo de museu no Brasil (Pereira,2010).132 Conservador de museus diplomado (1939-1940). Graduado em CiênciasSociaiselicenciaturaemHistóriadaArte.Classificadonoconcursonacarreirade conservador promovido pelo Departamento Administrativo do ServiçoPúblico (DASP) em 1942, com atuação noMuseuHistóricoNacional (1942-1954), Museu Nacional de Belas Artes (1942-1947) e no Serviço doPatrimônio Histórico e Artístico Nacional (1947-1954). Professor de ArtesMenores do Curso de Museus em 1939 e a partir de 1945, entre outrasatividades.(Sá&Siqueira,2007).

Page 289: Livro Museologia e Património - Volume 6 - para capa e ...

MuseologiaePatrimónio–Volume6

287

produz um lugar do conhecimento no museu, fomentado pelamaterialidade na condição de fonte de informação. Manoel LuizSalgadoGuimarães(2010)corroboracomaanálisedeMeneses(2003)eenfatizaqueorecursodavisualização,formuladopelosmuseus,exigequeos(as)profissionais envolvidos(as)não tratemosobjetos apenascomodadosbrutosdoreal,masqueexploremoacessoàvidasocial-históricadasuaprópriahistoricidade.

Alinguagemvisualpassouaserconsiderada,pelos(as)agentesdocampoqueinvestigavamaeducaçãoemmuseus,umrecursocapazdeapresentarumasequênciadeobjetosque,encadeados,narramumahistóriaqueestimulaaintepretaçãodovivido.ReginaMonteiroReal133,conservadorademuseusquerealizouviagemaosEstadosUnidosem1948aconvitedoDepartamentodeEstado,revelaemsuaobraMuseuIdealque“[...]jánosEstadosUnidoscomfinalidadedidática,vinhamosmuseussimplificandoseusmostruáriosesalasdeexposição.Daíparaaestéticanocampoartístico,científicoehistórico, foiumpasso”(Real,1958,pp.5-6).

Os registros da conservadora de museus Nair de MoraesCarvalho134,querealizouestudosnosmuseusnorte-americanosentreos anos de 1945 e 1946, possibilita-nos identificar estratégiasaplicadas no período para que os museus cumprissem seu papelcultural na vidamoderna. Entre suas observações destaco oMétodoDuplo-Museu, sugerido para concentrar o impacto visual sobre ovisíveleestabelecerestratégiasdenarrativaparaopúblico.AtravésdoMétodo Duplo-Museu as técnicas de seleção e disposição do acervo,colocadas em prática, exaltariam os discursos a serem propagadosinstitucionalmente. O método motivava a seleção e disposição doacervopelocrivodoestéticoenãopelovalordedocumentohistórico

133ReginaMonteiroRealmatriculou-senoCursodeMuseusem1936,sendodiplomada no final do ano seguinte. Assim que se formou foi nomeadainterinamenteparaoscargosdeconservadoraesecretáriadoMuseudeBelasArtes. Também atuou de 1955 até 1969, ano de seu falecimento, noMuseuCasadeRuiBarbosa.Publicou, em1958,o livroMuseu Ideal (Sá&Siqueira,2007).134 Nair de Moraes Carvalho matriculou-se no Curso de Museus em 1935,sendo diplomada em 1936. Funcionária doMuseuHistóricoNacional desde1937, foi professora do Curso de Museus e sua primeira coordenadora,atuandonessafunçãode1944até1967(Sá&Siqueira,2007).

Page 290: Livro Museologia e Património - Volume 6 - para capa e ...

MuseologiaePatrimónio–Volume6

288

(Faria, 2020). Havia, nessa concepção, o reforço da sacralização deevidênciasmateriais pelo julgamento do belo, único e diferente, bemcomoapropagaçãodaideiadequeo(a)visitantecurioso(a)precisavaser estimulado(a) pela atração visual. As habilidades de arrumaçãoestavamcentradasnopúblicogeral,poisodesafioeraestimularumasensaçãodeharmonianasvisitações(Carvalho,19[--]).Essaestratégiafoidebatidapordiversos(as)agentese,inclusive,estudadanoCursodeMuseus.

Em um texto produzido por Carvalho, em 1946, ela tambémchama a atenção para o cotidiano institucional e os detalhes quepoderiam para muitos passar despercebidos, tais como mobiliáriostecnicamente perfeitos, cantinas e restaurantes para o público, bemcomo espaço para apresentações culturais, amplo material dedivulgação das exposições, remuneração condizente para o pessoaltécnico,fiscaledocente,e,especialmente,pormanteromuseuabertoàdisposiçãodopúblicoemdiferentesturnos,incluídoonoturno:

Em geral, os museus [norte] americanos seapresentam como estabelecimentos dotados detodas as condições técnicas precisas: edifíciosapropriados, iluminação por sistemas científicosperfeitos, arejamento completo, calefação erefrigeração, não só das dependências como dosprópriosmostruários,mobiliáriosdeacordocomospreceitos mais modernos e grande abundância demeios pecuniários, o que lhes permite pagarvantajosamente o seu pessoal técnico e ensinante,comporasexposiçõesdefinitivas,realizarexposiçõestemporáriaseobtercolaboraçãodeindividualidadesnosseuscursosespecializados.(Carvalho,1946,p.3)

O destaque para a educação visual e para diferenciação do

aprendizado pelo recurso da materialidade ressalta o papel dosmuseus voltado para uma abordagem social plural, que passou a serrecorrentementequalificadapelos(as)agentesqueatuavamnocampo,como educação para o povo. Essa percepção aparece no relatório deBerthaLutzque,aosereferiràrelaçãodosmuseusnorte-americanoscomopúblico,apontou:“[...]procuraminteressartodasascamadasde

Page 291: Livro Museologia e Património - Volume 6 - para capa e ...

MuseologiaePatrimónio–Volume6

289

seres humanos, desde a criança até o velho, desde o aprendiz até opesquisador” (Lutz, [1932] 2008, pp.141-142). O pesquisador PauloKnaussavaliaque“[...]a imagemécapazdeatingir todasascamadassociais ao ultrapassar as diversas fronteiras sociais pelo alcance dosentidohumanodavisão”(Knauss,2006,p.99).

O crítico de arte, educador e conservador de museusautodidata135JoséAntoniodoPradoValladares136,emseulivroMuseusparaopovo:umestudosobremuseusamericanos(1946),contribuiparaidentificararesponsabilidadedosmuseuspelosserviçosqueprestamà coletividade pelo recurso da educação visual. Em sua percepção, odesafioeracriarestratégiasparaatrairohomemmédioaosmuseusepromoveroaprendizadopelavisualidade.EmumacrônicaaoJornalATarde,dacidadedeSalvador/Brasil,publicadanodia14desetembrode1946,Valladaresesclareceoquecompreendiaporpovo:

[...] – Que misterioso público é este, talvez alguémpergunte impaciente. Entendemos por público agente que faz a maioria de qualquer nação, umagente de mentalidade muito simples que deseja oatraente ou interessante em primeiro lugar. Nãocabe aqui expor de novo toda a teoria sobre afinalidade da difusão cultural dosmuseus. Todavia,para ligeira indicação dos privilégios a que ochamado grosso público tem direito, vamos fazerduas indagações importantes: Quem é que trabalhapara os impostos que sustentam os museusfinanciadospelopoderpúblico?Queméqueformaonúmero crescidode visitantes, com razão apontadoquandosecogitadeprovarautilidadedosmuseus?(Valladares, 1946 apud Cervavolo & Santos, 2007,p.210)

135Emtrabalhospublicados,JoséAntoniodoPradoValladaresseapresentoucomo “homem de museu” e “conservador de museu” (Ceravolo & Santos,2007).136 JoséAntoniodoPradoValladares foibacharelemDireito, críticodearte,professor,organizadordesalõesdeartenacidadedeSalvadorecolaboradordoSPHAN.PrimeirorepresentantebrasileironacomissãoeditorialdarevistaMuseumdaUnesco(1948)(Ceravolo,2012).

Page 292: Livro Museologia e Património - Volume 6 - para capa e ...

MuseologiaePatrimónio–Volume6

290

Reforça-sequea tentativadeespecificaroqueseentendiano

campo dosmuseus por povo, bem como a defesa de sua priorizaçãonasaçõesinstitucionais, jáapareciamemfontesdadécadade1930,aexemplodaprofissionalBerthaLutz:

Oconceitodomuseuestáemplenaevolução.Aevoluçãoseoperanosentidodaeducaçãodopovoe da democratização cultural. O museu reconhecehoje o seu duplo objetivo de conservador e deampliador dos conhecimentos humanos e de órgãodedivulgaçãopopular.Váriosfatorestêminfluídonaevolução dos museus; alguns econômicos, outroscientíficos, outros sociais. Por um lado, émais fácilobtersubvençõesparaosmuseusquedesenvolvemprogramasdeeducaçãodopovo;poroutro,acentua-seatendênciadeexigiraretribuição,sobaformadeserviços culturais e populares, dos subsídiospecuniários públicos gastos na manutenção dosmuseus. A fase recente é constituída peloestabelecimento dos museus ramais, pelo contatodiretodostécnicoscomopúblicoepelaaberturadosmuseus nas horas de lazer dos que trabalham.Estudos importantesvêmsendorealizadosa fimdeestabelecer quais os métodos educativos maispródigos em resultados. O elemento subjetivo (ovisitante)vemsendoestudadopelaprimeiravez.[...]As doutrinas filosóficas e os fatores sociais,econômicos e científicos, supracitados, estãoproduzindo modificações radicais da técnicamuseológica, abrindo aomuseu vastas perspectivasde utilidade pública e oportunidades preciosas deconcorrer eficazmente para a disseminação daculturapopular.(Lutz,[1932]2008,pp.40-41)

Assim,aocruzarasopiniõesdediferentesagentesidentifiquei

ointeresseempessoasde“mentalidademuitosimples”quecompõem

Page 293: Livro Museologia e Património - Volume 6 - para capa e ...

MuseologiaePatrimónio–Volume6

291

uma comunidade. Florisvaldo dos Santos Trigueiros137, em seu livroMuseuseEducação(1958),realizaumexercíciodeclassificarovariadopúblicodessesespaços,categorizadopeloconservadordemuseusemestudiosos e pesquisadores; curiosos; e crianças acompanhadas deseus professores. Um dos desafios contemporâneos da educação emmuseus era o de atender o que denominou de público "analfabetoansiosoporconheceralgumacoisa"138, inseridoporelenogrupodoscuriosos.Emsuaspalavras:

Constituielementohumanoquedevesertrabalhadopelosmuseus,paraatingir,dentrodafinalidade,umadas mais nobres, que é a de educar o povo,procurando a mentalidade de respeito ao passado,de compreensão pelo que fizeram os nossosantepassadosedaconsciênciadodeverquenoscabede trabalhar efetivamente para o maiordesenvolvimento da humanidade (Trigueiros, 1958,p.62).

De acordo com a pesquisadora Guaraciaba Aparecida Tullio

(2002),aformulaçãoteóricadeumavontadedeeducaçãoparaopovojáera identificadanoBrasilnaviradadoséculoXIXparaoséculoXXcomo um esforço para ordenar o país. Alessandro Araújo Mendes

137 Florisvaldodos SantosTrigueirosmatriculou-senoCursodeMuseus em1949. Desde 1942 era funcionário público do Banco do Brasil e, quando seformou em 1951, este novo ofício foi determinante para a sua trajetóriaprofissional(Sá&Siqueira,2007).138 Destaco queno relatório produzidoporGeorgesHenriRivière em1958,referente ao Seminário Regional da UNESCO sobre A função educativa dosmuseus,otemadoanalfabetismoemuseusétambémenfatizadoaoconsideraracriaçãodemuseusparaatenderasdemandasdessepúblico:“Desnecessáriodefinir novamente o problema da educação fundamental das populaçõesanalfabetas ou semianalfabetas que vivem em regiões de clima duro eeconomia insuficiente desenvolvida. Um dos meios que põe em prática é aorganização de museus elementares. No entanto, não parece que osestabelecimentosdestetipotêmsidorelacionadoscomosprincipaismuseus,cuja experiência pode guiá-los”. (Rivière, 1958, p.41. Tradução livre daautora).

Page 294: Livro Museologia e Património - Volume 6 - para capa e ...

MuseologiaePatrimónio–Volume6

292

(2015) endossa que o tema educação para o povo foi amplamenteformulado nos movimentos de renovação do ensino brasileiro daprimeira metade do século XX, sobretudo por agentes vinculados àEscolaNova.Soma-seainda,enquantoreferênciaempírica,asvivênciasque esses(as) intelectuais tiveram em museus estrangeiros,especialmentedoEstadosUnidos:

Tão oportuno foi esse enriquecimento da funçãosocial dos museus, somado às duas funçõesespecíficas, a de preservar e a de investigar, querecebeu surto imprevisto o seu prestígio junto aopúblico,pelocontatoqueseestabeleceuentreeleseaporçãomaisnumerosadapopulaçãolocal.[...].Nãofoi, pois, em exagero de turista, mas emcomedimento de técnico, que o Prof. VENANCIOFILHO, no seu relatório de excursão aos Estados-Unidos da América [em 1935], afirmou que, nessepaís,“tem-seaimpressãodequeosmuseusvivemaserviçodaeducação”. [...]NosEstados-Unidos,mileum requisitos de organização social já foramconseguidos no sentido dessa ampla compreensãoda educação de todos por todos os órgãos emcondiçõesdefazê-lo.(Mendonça,1946,pp.13-14)

A conservadora de museus Sigrid Pôrto de Barros139 e o

educador Edgar Süssekind deMendonça140 são exemplos de agentes

139SigridPôrtodeBarrosmatriculou-senoCursodeMuseusem1947,sendodiplomadaem1949.FuncionáriadoMuseuHistóricoNacionaldesde1953,foichefedaSeçãodePesquisaeAssistênciaPedagógico-MuseográficadaDivisãodeAtividadesEducacionaiseCulturaisdoMuseuem1977echefedaSeçãodePesquisaMuseológicade1978a1981,quandoaposentou-se (Sá&Siqueira,2007).140 Edgard Sussekind de Mendonça teve a vida marcada pela dedicação àeducação.ParticipoudacriaçãodaAssociaçãoBrasileiradeEducaçãoefoiumdossignatáriosdoManifestodosPioneirosdaEscolaNova.Nadécadade1940foi convidadopeladiretoradoMuseuNacional,HeloisaAlbertoTorres, a setransferirdoMinistériodaAgriculturaparaoMinistériodaEducação,afimde

Page 295: Livro Museologia e Património - Volume 6 - para capa e ...

MuseologiaePatrimónio–Volume6

293

que registraram em publicações seus interesses pela relação entre aeducação em museus e o movimento da Escola Nova brasileiro. Oeducador, com a intenção de se inserir no campo dos museus,apresentou, em1946, amonografia intituladaAextensãoculturalnosmuseus. Nela avalia que os museus brasileiros precisavam agir noprocessoeducativo,ouseja,assumiremqueeraminstituiçõesaserviçodaeducação,incentivandoainfluênciarecíprocadoconjugadomuseu-escola.

Nesse texto, o autor situa o museu dentro de um conceitoamplodeeducação,intituladoporextensãoculturaleentendidacomo“[...]aporçãomaiordeumverdadeiroconjuntoeducacional,aporçãoque,porassimdizer,sobradoâmbitoescolar”(Mendonça,1946,p.10).Emsuaspalavras, a extensãoculturalnosmuseusapresentaria comopotencialoatendimentoatodasasidades,oquepermitiria, inclusive,acolhercrianças,adolescenteseadultosforadaescola,papelessequelhedesafia a proporumaeducação generalizada. Edgar SüssekinddeMendonça avaliou que os museus brasileiros precisavam agirintencionalmentenoprocessoeducativo,ouseja,assumiremqueeraminstituições a serviço da educação. Osmuseus encontravam-se aindaemumafasepreparatória,emexperimentaçõesqueproporcionassemocontatocomasnecessidadeseducacionaisdeseupúblico.

Comperspectivasmuitopróximas, a conservadorademuseusSigridPôrtodeBarros,em1958,publicouoartigoOMuseueaCriança,nosAnaisdoMuseuHistóricoNacional.Otexto,em1963,foitambémpublicadonaRevistadoEnsinodoRioGrandedoSul141.Nasprimeiraslinhas,Barrosrevelasuapercepçãodomuseucomoinstrumentoparaa Escola Ativa, ou seja, afirma-o como um recurso diferencial para avinculação do aprendizado com os aspectos culturais e sociaisrepresentadosnasexposições:

atuarnocorpotécnicodosetordeeducaçãodaSeçãodeExtensãoCulturalnoMuseuNacional(Souza,2011).141ARevistadoEnsinoeraumveículodedestaquedaimprensapedagógica.Apublicação tinhaporobjetivoorientarprofessoras,emespecialasdoensinoprimário,aosaberpedagógicocientíficoeinstrumental,disponibilizandoparaos leitores diretrizes, legislações e materiais didáticos (Bastos, Lemos &Busnello,2007).

Page 296: Livro Museologia e Património - Volume 6 - para capa e ...

MuseologiaePatrimónio–Volume6

294

O passado dos museus tornava-os órgãos depreservação e pesquisa. Contudo,modernamente, oconceito vai-se ampliando e eles passam a lançarmãoderecursoseficientesqueoscredenciamjuntoà Pedagogia, constituindo atualmente um dosmelhoresmeiosusadospelaEscolaAtiva,sobretudoempaísesemqueopequenonívelculturaldopovo,não exclui a curiosidade do espírito e o desejo deprogresso.Ligadosqueestejamaqualquerramodoconhecimentohumano,preparamoacessodopovoànação da sua própria classificação nacional e dão ainformação exata sobre o seu lugar e função nagrande comunidade humana. O ensino meramenteverbal, exaustivo e improfícuo, cedeu lugar amétodos de realizações e experimentações (Barros,[1948]1421958,p.46.Grifodaautora).

Segundo Barros ([1948] 1958), os museus favoreciam

significativamente para o ensino de História e, consequentemente,proporcionavam um conhecimento da época em que viviam. Aosmuseus caberia, segundo ela, aguçar no público a capacidade deinvestigação, interpretaçãoecríticadosfatoshistóricos.Peres(2005)identifica que temas como educação e democracia, educação e vida,aptidões e capacidades individuais, interesse e necessidades dascrianças, desenvolvimento infantil, valorização da experiência emétodosativosdeensino,entre tantosoutros,ganharamatençãonosdebates e produções dos pensadores vinculados à Escola Nova. Osmuseustornaram-seoportunidadesempíricasdessaspremissas,tantoparaeducadores(as),comoparaos(as)conservadores(as)demuseus.Sigrid Pôrto de Barros, ao vincular os museus às práticas da EscolaAtiva, problematizava a necessidade das visitações, sobretudoescolares,adaptaremoaprendizadoàsfasesdedesenvolvimentoeàsvariaçõesindividuaisdaspessoas.Paraosdoisagentes,adistinçãodos

142OvolumeIXdosAnaisdoMuseuHistóricoNacional,impressoem1958,foiorganizadoem1948.Essehiatoentreproduçãoeimpressãosedeudevidoaobrigatoriedade de espera na lista de atendimento da Imprensa Nacional,editoradoperiódico.

Page 297: Livro Museologia e Património - Volume 6 - para capa e ...

MuseologiaePatrimónio–Volume6

295

museus centrava-se na oportunidade de promover o contato com amaterialidade, experiência que daria ao visitante autonomia naproduçãodoconhecimento.

Para Daniel Pécaut (1990), os intelectuais no Brasil, comdestaqueosdasdécadasde1920a1940,envolveram-seintensamentecom o problema da identidade nacional e das instituições, tendo aeducação como pauta recorrente em seus estudos e projetos. Osmuseus,paraos(as)agentesqueatuavamnocampo,tinhamumpapelacumprir:aassociaçãodaeducaçãovisualcomaeducaçãoparaopovocompunhaumprojetodenaçãoasseguradopelainstruçãopública.Nacondiçãodeespaçospúblicos,essasinstituiçõesauxiliavamoEstadonaconstrução da sociedade. Nessa perspectiva, identificou-se que osmotes educação visual, educação para o povo e os museus comoinstrumentosdeinstruçãopúblicareforçaramalegitimaçãodomuseucomoespaçodeaprendizadonoBrasil.

AspropostasdeeducaçãoemmuseusnoséculoXXsuscitaramnecessidades complexas e impulsionaram a fundamentação deconhecimentos adquiridos pelos estudos e práticas experimentadaspor esses(as) agentes nos museus. Esse movimento proporcionou o(re)pensar de novas estratégias metodológicas que, somadas aoreconhecimento da função social dos museus, possibilitaram ofortalecimentodosestudosdaMuseologia.Pesquisascomesseenfoquesão necessárias, pois permitem-nos conhecer em profundidade oitinerário da formulação daMuseologia como ciência, a contribuiçãosocialdosmuseusemdiferentesescalastemporaiseavisibilidadedeumahistóriadaeducaçãoemmuseusaindapoucoexploradanoBrasil.

Ao acompanhar agentes que se diplomaram comoconservadores(as) demuseus identifiquei em suaspublicaçõesqueodebate sobre a educação em museus estimulou tratativas quelegitimaram o museu como espaço de educação e comunicação demassa.Apreocupação,naquelemomento, era reforçara competênciadomuseuemtransmitirmensagensparaopovocentradanaeducaçãovisual, funçãoqueexigiudos(as) agentesqueatuavamno campodosmuseus estratégias e soluções aplicadas. Pelas pistas encontradas foipossível identificar dois eixos investidos para a legitimação dosmuseuscomoespaçodeaprendizado:a)aintensificaçãodaspesquisassobre o patrimônio, com ênfase na documentação museológica, comvistasà fortaleceraproduçãode informaçãosobreosobjetos, ênfase

Page 298: Livro Museologia e Património - Volume 6 - para capa e ...

MuseologiaePatrimónio–Volume6

296

defendidaedifundidaprioritariamentepelos(as)conservadores(as)demuseus; b) as soluções expográficas que estimulariam a educaçãovisual pelo patrimônio, investigação protagonizada pelos(as)diversos(as) profissionais de museus (conservadores(as) de museus,naturalistas, pedagogos(as), por exemplo). Os dois eixos exigiraminvestimentodecapitalcientíficoparaimersõesinvestigativas,trocasevivências de experiências, bem como produção de habilidades/competências que contemplassem as novas demandas expressasnaquelecontexto.

Assoluçõesteórico-metodológicasvoltadasparaoprocessodedocumentação e pesquisa museológica foram apropriadas pelos(as)conservadores(as) de museus diplomados(as) como uma de suasaptidões.Muitos(as) profissionais exaltavam a seriedade do trabalhode classificação, catalogação e pesquisa do objeto, uma vez que esseencadeamentoproduziaa informaçãoassociadaàmaterialidade.Paraa conservadora de museus diplomada Dulce Ludolf143, pesquisa edivulgação eram duas atividades básicas que fomentavam a vidadinâmicadosmuseuscontemporâneos.Entretanto,paraaprofissional,adivulgaçãoeraumdesdobramentodapesquisa.Nessesentido,oatode pesquisar ganhava destaque no desencadeamento da técnica demuseus:

Pesquisarnãoéfácil,eparaquesepossafazeralgumtrabalho sério nesse sentido tornam-se necessáriosumpreparoprévio e conhecimentodo assunto.Daínecessitarem os museus de técnicos especializadosnos diferentes setores em que se acham divididassuas coleções. A divulgação é uma consequêncianaturaldapesquisa.Noscentrosdeestudoscomoosmuseus, em que os conservadores se dedicam a

143DulceCardozoLudolfmatriculou-senoCursodeMuseuem1940eformou-se em 1941. No ano seguinte, foi classificada no concurso para cargos nacarreira de Conservador promovido pelo Departamento Administrativo doServiçoPúblico(DASP)e,apósatuarnoMuseuNacional,compôs,em1944,oquadro funcional efetivo do Museu Histórico Nacional na Seção deNumismática. Professora do Curso deMuseus, foi vice-diretora do Curso deMuseologia - UNIRIO em 1983-1984 e coordenadora de 1984-1988 (Sá &Siqueira,2007).

Page 299: Livro Museologia e Património - Volume 6 - para capa e ...

MuseologiaePatrimónio–Volume6

297

pesquisas diárias, a divulgação assume umaimportância fundamental. (Ludolf, [1952]144 1964,p.193)

O processo de produção de conhecimento, vinculado à

materialidade na condição de fonte, é paraMeneses (2010) uma dascaracterísticas do museu moderno. Essa operação aproximou osmuseusdosprocedimentosacadêmicosedotou,aprópria instituição,deatividadescientíficas:

[...] O conhecimento não mais se produzespeculativamente a partir de pressupostosteológicos, teóricosou filosóficos,masdosensíveléque se chega ao inteligível: daí a consolidação dascoisas materiais como documentos, fontes deinformação. Desta postura, surgem traços quemarcamosmuseusaindahoje.Antesdemaisnada,aprópria noção de coleção, não como um conjuntodisparatado de objetos, mas como uma sériesistematicamente organizada de “fontes”. Pararesponder a tal exigência de sistematicidade, amelhormaneira de adquirir as fontes é a coleta decampo (orientada por um projeto prévio) e não aprocura casual oualeatória. [...]Apróprianoçãodepreservaçãodecoleçãoestáassociadaànecessidadede manter os acervos disponíveis para renovar osconhecimentosqueelepermiteproduzir.Aprimeiraoperaçãoqueoacervosesubmeteéaclassificação.Sem a classificação, o acervo é morto. (Meneses,2010,p.24)

A análise do autor evidencia que a seleção, classificação,

investigação e preservação dos objetos é uma série sistematizada de

144OvolumeXIIIdosAnaisdoMuseuHistóricoNacional,impressoem1958,foiorganizadoem1948.Essehiatoentreproduçãoeimpressãosedeudevidoa obrigatoriedade de espera na lista de atendimento da ImprensaNacional,editoradoperiódico.

Page 300: Livro Museologia e Património - Volume 6 - para capa e ...

MuseologiaePatrimónio–Volume6

298

açõesquepotencializamamaterialidadeenquantofontedeinformaçãonos museus. Ressalto que essa era uma operação já anunciada nadisciplinaTécnicadeMuseusdoCursodeMuseus,quedestacavaesseprocessocomoresultadodapesquisaconcebidapelaequipetécnicadainstituição. Não é de estranhar que os conservadores de museusdiplomados Florisvaldo dos Santos Trigueiros (1958) e Regina Real(1958) tenhamdedicadoemseus livros,publicadosnaconjunturadoSeminárioRegionaldaUnescosobreaFunçãoEducativadosMuseus,um espaço exclusivo para debater sobre a importância dadocumentação e pesquisa museológica. Nesse sentido, ao(a)conservador(a) de museus caberia fomentar, pela produção deconhecimento sobre o patrimônio, a função educativa dos museusvinculada ao visível. Porém, a conservadora de museus diplomadaReginaRealsalientaemseulivroMuseuIdeal(Real,1958,pp.21-22):

Aos que trabalham em museus é absolutamenteindispensável o sentimento estético. Não adiantaapenas o conhecimento profundo do material paraumaperfeita classificação.Tudoserá inútil se faltaraotécnico,aoadministrador,asensibilidade,oamoràs coisas que o cercam. [...]. Ao técnico de museu,além dessa virtualidade, é exigida também acompetência. Terá de justificar suas tendências,saber criticar com bom senso, sem preferênciaspessoais. Deve, pois, viver o ambiente domuseu: a“almamater”quenelesecultua.Há,aí,corpoealma.Corpo nos objetos das coleções, alma no que elesexprimem; corpo na organização, alma na belaaparência; corpo na luz, na cor das paredes, naventilação adequada, alma no bem-estar sentido;corpo, enfim naqueles que zelam, alma nos que osdirigemeorientam.Oprogressodosmuseus, comofator social e educativo, depende muito dapreparação profissional de seus componentes.Quantomaiorforsuaproficiência,maiorainfluênciaexercida. O objetivo de seu trabalho deve ser:contribuir para o entendimento mútuo entre asociedade e o museu. Não há dúvida que o museu

Page 301: Livro Museologia e Património - Volume 6 - para capa e ...

MuseologiaePatrimónio–Volume6

299

bem organizado atrai o visitante. Como chegar aisso?

Regina Real (1958) demonstra que a classificação e pesquisa

museológica sãoprocessos triviaispara aproduçãode conhecimentosobre o objeto, mas o exercício dos museus, na promoção doaprendizado pela educação visual, consubstancia-se quando édesenvolvido, concomitantemente, estratégias de divulgação dopatrimôniocultural.Omovimentoqueconduziuaprojeçãodomuseupara além de um espaço de guarda foi gradual e determinou novasconvenções. A conservadora de museus ao se referir às técnicas deapresentaçãoanunciaqueassoluçõesemdebatepassaramapriorizaruma narrativa fundamentada na estética visual resultante doprognosticadoedocircunstancial-umavezquenãosomenteoobjetotemaatençãoprofissional,mastambémopúblico.

Nas publicações dos(as) profissionais de museus sobredivulgação do acervo, um dos primeiros assuntos anunciados é aarrumação do museu, atividade que envolve a primeira tomada dedecisão: o quemostrar ao público? Em quatro documentos distintosproduzidos por profissionais de museus brasileiros (Barroso, 1951;Carvalho, 19[--]; Lutz, [1932] 2008; Valladares, 1946) identifiquei,entre as novas técnicas de arrumação das salas expositivas eapresentação dos objetos, a referência ao Método do Duplo-Museu.Como referido anteriormente, esse era um método sugerido paraconcentrar o impacto visual sobre o visível e para estabelecerestratégiasdenarrativaparaopúblico.

Nessaperspectiva,defendia-sequeoselementosquecompõemuma exposição deveriam ser meticulosamente pensados: vitrines,paredes, manequins, topografia das salas, iluminação, espaços entreportase janelasepésdireitos.SegundoGustavoBarroso145,professordisciplina Técnica de Museus do Curso de Museus e por décadas

145GustavoBarrosofoiumintelectualquesesingularizounoBrasilpelafortecampanha travada em defesa das relíquias esquecidas: os objetos,compreendendo-os como representações de um nacionalismo vinculado àtradiçãoeàmemória.FoimembrodaAcademiaBrasileiradeLetrasediretordo Museu Histórico Nacional nos períodos de 1922-1930 e 1932-1959, asegundagestãointerrompidapeloseufalecimento(Magalhães,2009).

Page 302: Livro Museologia e Património - Volume 6 - para capa e ...

MuseologiaePatrimónio–Volume6

300

diretordoMuseuHistóricoNacional,“[...]procura-seaomesmotempoemocioná-lo [o(a) visitante] e educá-lo, de modo que seu passeioatravésdascoleçõesexpostassejaomaisfrutuosopossívelnosentidomoraleintelectual”(Barroso,1951,p.52).Arelaçãoentreaarrumaçãodosmuseuseapercepçãovisualdo(a)visitanteganhoudestaquenasobservaçõesempíricas,investigaçõesedebatesdocampodosmuseus.Adisposiçãodosobjetospoderia causara fadigadavisão.Oexcesso,seja pelo amontoamento, ou mesmo como resultado de métodosempregados, destruía, como advertiu o docente, o “valor pedagógicodos objetos” (Barroso, 1951, p.32). Na fundamentação do conteúdoministrado são elencados os princípios indeclináveis para uma boaexposição:

1)Efeitoestéticodosprópriosobjetos.2)Efeitoestéticodesuacolocação.3)Facilidadedevisãoeexamepelopúblico.4)Boaeclaraetiquetagem.5)Proteçãodosobjetoscontraasintempéries.6)Defesadosmesmoscontradescuidosdevisitanteseroubos.7)Preferênciadosmelhoramentosgraduaissobreasreformassubversivas.[...] O efeito estético da colocação dos objetosdepende em grande parte da maneira como suanatureza permita colocá-los: em plintos, peanhas epedestais;emmostruáriosevitrinas;pendurá-losàsparedes.1ºcaso-Osplintos,peanhasepedestaispodemserdepedra, metal ou madeira. Seu estilo devecorresponder ao das peças que suportam. Suasproporções devem dar impressão de estabilidade eharmonia. É aconselhável sempre a maiorsimplicidade.2ºcaso-Aquestãodasvitrinasémaiscomplexa.Asfeias e maldispostas prejudicam grandemente a

Page 303: Livro Museologia e Património - Volume 6 - para capa e ...

MuseologiaePatrimónio–Volume6

301

exposiçãodosobjetoseoconjuntodassalas.Cansamo visitante. Sobretudo as que obrigam a se curvar,abaixaroupôr-senapontinhadospés.Oarranjodasvitrinascombomgostoepropriedadeproduzefeitocontrário, desperta o interesse e dá um sentimentodeharmonia.(Barroso,1951,pp.32;37)

Cabe destacar que para estimular uma educação visual nos

museus, métodos complementares passaram a ser debatidos eaprimoradosnas instituições.Orecursodapalavrapassouasermaisexplorado para contextualização dos objetos. As etiquetas e osimpressosdeapoio-catálogos,folhetos,guiasdevisitantes-passaramaserproduzidoscomorecursosdeapoioavisitação,poisfacilitariamoexamedopúblico.Os(as)agentesquedebatiamaeducaçãoemmuseusdefendiam, ainda, métodos dinâmicos, que explorassem o som e omovimento, tornando-se elementosmuito atraentes nosmuseus queos empregam. Mendonça (1946) sugere o que denominouprovisoriamente de museu animado, ou seja, método em que aexposição fornecerá, pelos objetos, o tema central e, em torno datécnica cinematográfica, temas variados seriam contextualizados edesdobrados. Os filmes, de poucos minutos, contribuiriam nainterpretaçãopedagógicados(as)visitantes.

Observa-se,assim,queasproposiçõesparaeducarnosmuseusbuscavamconcebersoluçõesteórico-metodológicasqueestimulassema educação do povo pelos sentidos, sendo a visão um dos maisestimulados. As soluções debatidas envolveram o Método Duplo-Museu-concentrandooimpactovisualsobreovisíveledirecionandoumanarrativapreestabelecidaparaopúblico;métodosparacontrolarafadigadavisão-comoaconfecçãodedioramas,vitrinesparaumtipoespecíficodecoleção,aseriaçãodomaterial,aordemcronológicaeosefeitosdecore luz;métodosparacontrolaraorientaçãodopúblico-através da harmonização do objeto e circulação do público a fim depotencializar o valor pedagógico dos objetos; e recursos paraauxiliaremaeducaçãovisualnosmuseus-comoorecursodapalavra(etiquetas,catálogos,folhetos,guiasdevisitantes)eosrecursosvisuaise sonorosdemétodosdinâmicos (utilizaçãode fitas cinematográficasnas salas de exposição, cinema educativo e serviços de propaganda).Ainda que algumas estratégias concebidas pelo campo dos museus

Page 304: Livro Museologia e Património - Volume 6 - para capa e ...

MuseologiaePatrimónio–Volume6

302

sejamhojerevisadascriticamente,ressalta-sequeassoluçõesteórico-metodológicas voltadas para a educação emmuseus tiveram grandeimportância por constituírem um conhecimento próprio do campo,fundamentado tanto em aspectos científicos, como na experiênciaempírica.

3CONSIDERAÇÕESFINAIS

A circulação dos(as) agentes no campo dos museus e a

presençadeentidadesquecompõemessemicrocosmoestimularamodebatedenovas funçõesparaomuseucontemporâneo, influenciadospor um espaço social mais amplo. O tema da educação em museusganhoufôlegonessedecurso,poisforamidentificadasparticularidadesno aprendizado com objetos na condição de patrimônio. Agentesapostaram que debates e práticas desse viés intensificariam ascondiçõespráticasdaautonomiadocampodosmuseus.

Cabe ressaltar que esse estudo não pretende sugerir aafirmaçãodequeosdebateseaspráticassobreaeducaçãoemmuseusse deram a partir das décadas estudadas. Investigações demonstramque,noBrasil,existiramexperiênciascomênfasenoaprendizadonosmuseusdesdeofinaldoséculoXIXequeseconsolidaramnoséculoXX.Porém, identifiquei que, a partir da década de 1930, o empenho eminvestigar e qualificar o aprendizado nos museus tornou-segeneralizado,ouseja,uminteressedemuitos(as)agenteseentidadesdocampodosmuseus,ganhandodestaquenacionaleinternacional.

Após a investigação é possível acentuar possíveismotivaçõespara esse interesse do campo dos museus, as quais destaco: aretomada da qualidade cognitiva dos objetos; o interesse crescentepeloacessodopúblicoaosmuseus,atéentãopoucoestudadopelos(as)agentes, uma vez que o campo priorizava as funções voltadas àpreservação do acervo; e um projeto de nação que intencionavapropagarumaidentidadecomumpormeiodaeducação.

O desejo de se reunir e debater sobre educação em museuscadavezmaisfoiintensificado,culminandonoseventosrealizadospelaUNESCOnadécadade1950.OSeminárioRegionaldaUNESCOsobreaFunção Educativa dos Museus, realizado em 1958 no Rio deJaneiro/Brasil é um exemplo desse esforço. A participação dos(as)profissionaisbrasileiros(as)foidesumaimportânciaparaarealização

Page 305: Livro Museologia e Património - Volume 6 - para capa e ...

MuseologiaePatrimónio–Volume6

303

do evento e, respectivamente, de grande contribuição para suasformações, pois os museus cariocas foram cenários para debates etrocas de experiências sobre o tema educação emmuseus. A escritados(as) profissionais brasileiros(as) desse período evidencia doismovimentos: (1) acesso e participação aos debates nacionais einternacionaissobreopapeleducativodosmuseus;(2)oexercíciodeconstituircaminhosreflexivosepráticossobreaeducaçãoemmuseus.

Aomedeparar como final do processo da pesquisa, algumaspercepçõessobressaem.Acredito,apóspercorrerasevidências,queosdebates e soluções sobre a educação em museus no períodoinvestigadoforamdecisivasparaascircunstânciashojedelineadasnocampo dos museus. Se atualmente tem-se o entendimento de que aexistênciadessasinstituiçõessecentranaparticipaçãoeenvolvimentodo público, crédito deve ser conferido às estratégias que visavamrompercomumafunçãodemuseulimitadaàspráticasdepreservaçãodo acervo museológico. A crescente valorização da função educativados museus motivou agentes a (re)pensarem o papel do museu nomundocontemporâneoe, gradativamente, a cada ruptura, legitimá-locomoespaçodeaprendizado,descentralizandoaatençãounidirecionalaos objetos para também considerar outro elemento central dessesespaçosculturais:o(a)visitante.

Referências

Barata, M. (1956). “Museu e educação visual” de Wolfgang Pfeiffer.ArtesPlásticas.JornalDiáriodeNotícias,RiodeJaneiro,12deagostode1956.Barros, S. P. (1958). O Museu e a Criança. Anais do Museu HistóricoNacional,v.IX.RiodeJaneiro:MinistériodaEducaçãoeCultura.46-73.[? 1948]. Recuperado em 31 de maio de 2021 dehttps://anaismhn.museus.gov.br/index.php/amhn/issue/view/19.Barros,S.P.(1963).OMuseueacriança.RevistadoEnsino,RioGrandedoSul,12(94),148-150.Barroso, G. (1951). Introdução à Técnica de Museus. Rio de Janeiro:MinistériodaEducaçãoeSaúde/GráficaOlímpica.

Page 306: Livro Museologia e Património - Volume 6 - para capa e ...

MuseologiaePatrimónio–Volume6

304

Bastos, M. H. C., Lemos, E. A., & Busnello, F. (2007). A Pedagogia daIlustração: uma face do impresso. In Bencostta,M. L. (org.). Culturasescolares,saberesepráticaseducativas.SãoPaulo:Cortez.41-78.Bourdieu, P. (2007). A economia das trocas simbólicas. São Paulo:Perspectiva.Bourdieu,P.(2004).Coisasditas.SãoPaulo:Brasiliense.Bourdieu,P.(1989).Opodersimbólico.Lisboa:DIFEL,1989.Bruno, M. C. O. (2002). A Museologia como uma Pedagogia para oPatrimônio.InCiênciaseLetras.RevistadaFaculdadePorto-AlegrensedeEducação,CiênciaseLetras.31(1),87-97.Carvalho, N. de M. (1946). Cópia, Rio de Janeiro, Brasil. [Núcleo deMemória da Museologia no Brasil do Curso de Museologia daUniversidade Federal do Estado do Rio de Janeiro, Coleção Nair deMoraesCarvalho(NMC)].Carvalho,N.deM.(19[--]).OMétododoDuplo-Museu,5fls.[NúcleodeMemória da Museologia no Brasil do Curso de Museologia daUniversidade Federal do Estado do Rio de Janeiro, Coleção Nair deMoraesCarvalho(NMC)].Ceravolo,S.M.(2012).Umaanálisesobremuseusnadécadade1940:oestudodeJoséAntoniodoPradoValladares.História,Ciências,Saúde-Manguinhos, 19(2), 769-773. Recuperado em 1 de junho de 2021 dehttps://www.scielo.br/j/hcsm/a/89HJQrbdVJhnfVmdc3sjmQj/?lang=pt.Ceravolo, S.M.,& Santos, D. C. dos (2007). Apontamentos sobre JoséAntonio do Prado Valladares - “um homem de museu”. Cadernos doCEOM, 26(1), 195-221. Recuperado em 1 de junho de 2021 dehttps://bell.unochapeco.edu.br/revistas/index.php/rcc/article/view/2025.

Page 307: Livro Museologia e Património - Volume 6 - para capa e ...

MuseologiaePatrimónio–Volume6

305

Chartier,R.(2002).PierreBourdieueahistória.Topoi,RiodeJaneiro,139-182. Recuperado em 4 de junho de 2021 dehttps://www.scielo.br/j/topoi/a/ySBnkYQ8HFqq9PMSbc68Cyn/?lang=pt&format=pdf.Eco,U.(2007).Comosefazumatese.Portugal:EditorialPresença.Faria,A.C.G.de.Porumaeducaçãovisualapartirdosobjetos:debatessobreométododuplo-museuaplicadoàs exposições.RevistaHistóriada Educação, 24(1). Recuperado em 4 de junho de 2021 dehttps://seer.ufrgs.br/asphe/article/view/99233/pdf.Guimarães,M.L.S.(2010).ExpondoaHistória:imagensconstruindoopassado. In Guimarães, M. L. S., & Ramos, F. R. L. (orgs.). Futuro doPretérito:EscritadaHistóriaeHistóriadoMuseu.Fortaleza: InstitutoFreiTitodeAlencar/ExpressãoGráficaEditora.34-49.Guimarães,M.L.S.(2007).Vendoopassado:representaçãoeescritadahistória.Anais doMuseu Paulista, 15(2), 11-30. Recuperado em 2 dejunho de 2021 dehttps://www.scielo.br/j/anaismp/a/74kqkTXJNGhkmtPCSMndxJF/?format=pdf&lang=pt.Knauss, P. (2006). O desafio de fazer História com imagens: arte eculturavisual.ArtCultura,Uberlândia,8(12),97-115.Recuperadoem2de junho de 2021 dehttp://www.seer.ufu.br/index.php/artcultura/article/view/1406.Lopes,M.M. (2008).Conviteà leitura: “o conceitodomuseuestáemplenaevolução”.InMiranda,G.G.de,Santos,M.J.V.daC.,Estevão,S.N.deM.,&Fonseca,V.M.M.da(orgs.).AfunçãoeducativadosMuseus.RiodeJaneiro:MuseuNacional;Niterói:Muiraquitã,19-23.Ludolf, D. C. (1964). Nova Diretriz para o Museu. Anais do MuseuHistórico Nacional, v. XIII. Rio de Janeiro: Ministério da Educação eCultura,189-200.[Volumeatribuídoaoano1952].Recuperadoem31de maio de 2021 dehttps://anaismhn.museus.gov.br/index.php/amhn/issue/view/23.

Page 308: Livro Museologia e Património - Volume 6 - para capa e ...

MuseologiaePatrimónio–Volume6

306

Lutz,B.M. J. (2008).A funçãoeducativadosMuseus,1932.Adaptaçãode Miranda, G. G. de, Santos, M. J. V. da C., Estevão, S. N. de M., &Fonseca, V. M. M. da (orgs.). A função educativa dos Museus. Rio deJaneiro:MuseuNacional;Niterói:Muiraquitã.Magalhães,A.M.(2009).Troféusdaguerraperdida.Umestudohistóricosobre a escrita de si de Gustavo Barroso. Tese de Doutorado,Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, Brasil.Recuperado em 1 de junho de 2021 dehttp://objdig.ufrj.br/34/teses/745444.pdf.Mendes, A. A. (2015). OMovimento da Escola Nova e a educação dopovo e dos filhos da elite brasileira. 9º Encontro Internacional deFormação de Professores e 10º Fórum Permanente de InovaçãoEducacional, Aracajú, 8(1). Recuperado em 1 de junho de 2021 dehttps://eventos.set.edu.br/enfope/article/view/1425.Mendonça, E. S. de (1946). A extensão cultural nos museus. Rio deJaneiro: Imprensa Nacional. (Série Museu Nacional publicaçõesavulsas). Recuperado em 2 de junho de 2021 dehttps://www.museunacional.ufrj.br/semear/docs/Livros/livro_MENDONCA-EDGAR.pdf.Meneses, U. T. B. de (2003). Fontes visuais, cultura visual, Históriavisual. Balanço provisório, propostas cautelares.Revista Brasileira deHistória.SãoPaulo,23(45),11-36.Recuperadoem2dejunhode2021de http://www.scielo.br/scielo.php?pid=s0102-01882003000100002&script=sci_abstract.Meneses,U.T.B.de(2010).Omuseueaquestãodoconhecimento.InGuimarães,M.L.S.,&Ramos,F.R.L.(orgs.).FuturodoPretérito:Escritada História e História do Museu. Fortaleza: Instituto Frei Tito deAlencar/ExpressãoGráficaEditora,13-33.Meneses,U.T.B.de(2005).Rumoauma“HistóriaVisual”.InMartins,J.de S., Eckert, C., &Novaes, S. C. (orgs.).O Imaginário e o Poético nasCiências Sociais. Bauru: Edusc, 33-56. Recuperado em 2 de junho de

Page 309: Livro Museologia e Património - Volume 6 - para capa e ...

MuseologiaePatrimónio–Volume6

307

2021 de https://document.onl/documents/meneses-ulpiano-rumo-a-uma-historia-visual.html.Mensch, P. (1992). Modelos conceituais de museus (e suas relaçõescomopatrimônionaturalecultural).BoletimdoICOFOM-LAM.BuenosAires-RiodeJaneiro.Nóvoa,A.(2003).Textos,imágenesyrecuerdos.Escriturade“nuevas”historiasdelaeducación.InPopkewitz,T.S.,Franklin,B.M.,&Castro,M. A. P. (orgs.). Historia cultural y educación: ensayos críticos sobreconocimientoyescolarización.Barcelona-México:EdicionesPomares,S.A.,61-84.Pécaut,D.(1990).OsintelectuaiseapolíticanoBrasil:entreopovoeaação.SãoPaulo:Ática.Pereira,M.R.N.(2010).EducaçãoMuseal:entredimensõesefunçõeseducativas: a trajetória da 5ª Seção de Assistência ao Ensino deHistória Natural do Museu Nacional. Dissertação de Mestrado daUniversidadeFederaldoEstadodoRiodeJaneiro-UNIRIOedoMuseude Astronomia e Ciências Afins - MAST, Rio de Janeiro, Brasil.Recuperado em 2 de junho de 2021 de http://www.unirio.br/ppg-pmus/copy_of_marcele_regina_nogueira_pereira.pdf.Peres, E. (2005). A Escola Ativa na Visão de Adolphe Ferrière:elementospara compreender aEscolaNovanoBrasil. In: Stephanou,M., & Bastos, M. H. C. (orgs.). Histórias e memórias da educação noBrasil,Petrópolis:Vozes,114-128.Pesavento, S. J. (2008). O mundo da Imagem: território da históriacultural.InPesavento,S.J.,Santos,N.M.W.,&Rossini,M.deS.(orgs.).Narrativas, imagens e práticas sociais: percursos emhistória cultural.PortoAlegre:Asterisco,99-122.Real, R. M. (1958). Museu Ideal. Belo Horizonte: Tipografia daFaculdade de Direito da Universidade de Minas Gerais e do CentroRegionaldePesquisasEducacionais.

Page 310: Livro Museologia e Património - Volume 6 - para capa e ...

MuseologiaePatrimónio–Volume6

308

Rivière, G. H. (1948). Seminario regional de la Unesco sobre la fucióneducativadelosmuseos.UNESCO;ICOM.Sá, I.C. (2014). Institucionalizaçãodaspráticasmuseológicas:oitentaanosdoCursodeMuseus.InMagalhães,A.M.,&Bezerra,R.Z.90anosdo Museu Histórico Nacional em debate (1922-2012). Rio de Janeiro:MuseuHistóricoNacional.Sá, I. C.,& Siqueira,G.K. (2007).CursodeMuseus -MHN, 1932-1978:alunos,graduandoseatuaçãoprofissional.RiodeJaneiro:UniversidadeFederaldoEstadodoRiodeJaneiro,Brasil.Schelbauer,A.R.(2005).OmétodointuitivoeliçõesdecoisasnoBrasildoséculoXIX. In:Stephanou,M.,&Bastos,M.H.C. (orgs.).HistóriasememóriasdaeducaçãonoBrasil.Petrópolis,RJ:Vozes,132-149.Souza, N. P. B. de (2011). O papel dos euclidianos cariocas namonumentalização de Euclides da Cunha. Anais do XXVI SimpósioNacionaldeHistória-ANPUH,SãoPaulo.Trigueiros,F.dosS.(1958).MuseueEducação.RiodeJaneiro:IrmãosPongetti.Tullio,G.A. (2012). JoséVeríssimo: adefesada educaçãonacional. IICongressoBrasileirodeHistóriadaEducação,Natal.Valladares, J. A. do P. (1946).Museus para o povo: um estudo sobremuseusamericanos.Bahia:PublicaçõesdoMuseudoEstadodaBahia/MinistériodaEducaçãoeSaúde.Velloso, M. P. (1987). Os intelectuais e a política cultural do EstadoNovo.RiodeJaneiro:CentrodePesquisaeDocumentaçãodeHistóriaContemporâneadoBrasil.

Page 311: Livro Museologia e Património - Volume 6 - para capa e ...

MuseologiaePatrimónio–Volume6

309

OEDIFÍCIO34SOBUMAPERSPECTIVA

MUSEOLÓGICA-PATRIMONIAL:APONTAMENTOSSOBREAÇÕESEXPOSITIVASNO

PASSADO/PRESENTE

EmanuellyMylenaVelozoSilvaUniversidadeFederaldePernambuco,Brasilhttps://orcid.org/0000-0003-0203-432X

SabrinaFernandesMelo

UniversidadeFederaldaParaíba,Brasilhttps://orcid.org/0000-0001-5259-3360

Uma exposição pode ser pentadimensional: ela é asoma das dimensões da tridimensionalidade dacultura material e do espaço físico, a participaçãocognitivacomoumaquartadimensãoeacriatividadecomoaquinta(PadillaapudCury,2005,p.369).

1.Introdução Opresente capítulo éum recortedapesquisa emandamento,noâmbitodoProgramaAssociadodePós-GraduaçãoemArtesVisuaisda Universidade Federal da Paraíba e Universidade Federal dePernambuco - PPGAVUFPB/UFPE, que tem como objetivo analisar oEdifício 34, monumento arquitetônico localizado na cidade de JoãoPessoa, Estado da Paraíba, Brasil, enquanto palimpsesto146 para ocampo das Artes Visuais. Como recorte da pesquisa, este capítulo

146Termoutilizadonoestudodeobjetos,daarquiteturaedascidadescomodetentor de várias camadas de tempo e história, a fim de interpretar omonumento como fonte visual e documental quenarraprocessoshistóricosda cidade. A alegoria do palimpsesto associada aos monumentosarquitetônicospodeser consideradacomoumamaneiradeverasobras,ouseja, uma imagem arquetípica para a leitura do mundo (Pesavento, 2004,p.26).

Page 312: Livro Museologia e Património - Volume 6 - para capa e ...

MuseologiaePatrimónio–Volume6

310

objetiva identificar algumas práticas museais, ações expositivas eatividades artísticas/culturais sediadas no Edifício 34 em diferentesmomentos históricos. São elas: exposições de arte realizadas pelaConfederaçãoCatólicaentre1918-1920eexposiçõesdeartefeitaspelaGaleriaCasarão34entre2018-2019.

Como área de conhecimento em crescente expansão e emdiálogo com a Museologia e a História da Arte, a história dasexposiçõesdeartesãoimportantesinstrumentosparaacompreensãoe divulgação das práticas artísticas, museais e curatoriais diante dainstitucionalização da arte na Paraíba e no Nordeste brasileiro. Asinvestigaçõessobreahistóriadasexposições,curadoriaseacervosdeartenoNordestebrasileiroéainda incipiente,necessitandodenovasinvestigações e publicações que possam garantir uma leitura críticadessas práticas, assim como sua paulatina consolidação e ampliação.Nestesentido,oGrupodePesquisaemArte,MuseuseInclusão(AMI)daUFPB, temdesenvolvido, desde2018, oprojetodepesquisa “Forado Eixo: história das exposições e acervos de arte (in)visibilizados”,vinculado ao Programa Institucional de Bolsa de Iniciação Científica(PIBIC), produzindoao longodos anos, artigos sobre as exposições eacervos de arte na Paraíba e Nordeste, projeto com o qual estapesquisaestáemdiálogoecolaboração147.

A cidadede JoãoPessoa, capitaldoEstadodaParaíba situadana regiãoNordeste do Brasil, teve seu CentroHistórico tombado em2009 e abrange 502 edificações na cidade Alta e Cidade Baixa,totalizando370milm²detombamento.Otombamentoabarcavinteecincoruas,omarcozerodacidade,conhecidocomoPortodoCapimeseis praças, sendo que emumadelas, especificamente na PraçaDomAdautolocalizadanacidadeAlta,estásituadooEdifício34148,tombado

147OProjetodepesquisaécoordenadopeloProf.Dr.RobsonXavierdaCostaeProfa.Dra.SabrinaFernandesMelo,docentesdoPPGAVUFPB/UFPEecontacomaparticipaçãodediscentesebolsistasdagraduaçãoemArtesVisuaisdaUFPBediscentesdoPPGAVsoborientaçãodosprofessores.148OEdifíciofoitombadoem2009,éprotegidopelaLeinº9.040/2009epeloDecreto Estadual nº7.819/1978, emitido pelo Instituto do PatrimônioHistórico e Artístico do Estado da Paraíba - IPHAEP, Órgão Estadual queconservaepreservaopatrimôniomateriale imaterialdoestado.Segundoodocumento de pré-análise do Órgão, o edifício está incluído no grau depreservaçãodeConservaçãoTotal(CT),diretrizquerestringeaalteraçãodo

Page 313: Livro Museologia e Património - Volume 6 - para capa e ...

MuseologiaePatrimónio–Volume6

311

em 2009. O Edifício 34, sob uma perspectiva museológica epatrimonial, abrigou/abriga diversas atividades culturais, artísticas eexpográficas no decorrer de sua trajetória e, portanto, tornou-se ummonumentoimportanteparaoentendimentodamemóriaedahistóriadopatrimônio,dasArtesVisuaisedasaçõesexpográficasnacidadedeJoãoPessoa.

OEdifício34foiconstruídoem1918parareceberaantigasededaConfederaçãoCatholica,instituiçãoquerealizoudiversasatividadesartísticas e culturais até 1921, onde passou por uma reforma nafachadaparaabrigarojornalAimprensa,queencerrousuasatividadesem1968.Emmeadosdosanosde1980,oedifíciorecebeuaprimeiraedição do Salão Municipal de Artes Plásticas - SAMAP, importanteevento artístico bianual realizado até os dias atuais. Desde 2013,funciona no edifício a Galeria Casarão 34149, instituição de caráterpúblicovinculadaàPrefeituradeJoãoPessoa(PMJP)eprimeiragaleriadeartedacidade,noâmbitodosetorpúblico,adesenvolveratividadesexclusivamente no campo das Artes Visuais com foco na artecontemporânea.

OEdifício 34, hoje considerado patrimônio da cidade de JoãoPessoa, foi palco - e ainda é - de diversas ações museológicas emuseográficas150. Entretanto, é importante destacar que ele não foiconstruído especificamente para funcionar como museu, galeria dearte ou espaço expositivo. De acordo com Aurora León (2008) a

edifíciosemconsultapréviaeproíbesuademolição(InstitutodoPatrimônioHistóricoeArtísticodoEstadodaParaíba-IPHAEP,2020,p.2)Paramaioresinformações consultar: http://portal.iphan.gov.br/pb/pagina/detalhes/550.Acessoem:15/10/2020.149O site do Casarão 34 administrado pela FUNJOPE e Prefeitura:http://antigo.joaopessoa.pb.gov.br/secretarias/funjope/casarao34/. Acessoem18/06/2021.OFacebookoficial: https://www.facebook.com/galeriacasarao34.Acessoem18/06/2021.O Instagram oficial: https://www.instagram.com/casarao34/. .Acesso em18/06/2021.150 “O questionamento crítico e teórico do campo museal é a museologia,enquantoqueoseuaspectopráticoédesignadocomomuseografia.Paracadaum desses termos não existe apenas uma, mas várias definições que setransformaramcomopassardotempo”(Desvallées,2013,p.22).

Page 314: Livro Museologia e Património - Volume 6 - para capa e ...

MuseologiaePatrimónio–Volume6

312

estruturaarquitetônicadesdeoprojetoarquitetônicoatéafinalizaçãoe realização de exposições são aspectos importantes e indissociáveisdossentidosculturaleartísticodainstituição.

DesdeacriaçãodoICOM–ConselhointernacionaldosMuseus–pelaUNESCOem1946,as construçõesmuseais foramcentradasnasalvaguarda das coleções, e passarampor transformações namedidaem que se desenvolveram novas funções (Montaner, 2003). Numaperspectivamuseal,o‘espaçoapropriado’parafazerumaexposiçãofoiampliado,epodeserdelimitadopelasua:

musealização, ou seja, pela sistematização daspropriedadescomunicativasquetêmasconstruçõeshumanas, sejam elas materiais ou imateriais:ecomuseus e museus “de região” ou “de território”estendesuaabrangênciaatéextensõesbemmaioresdo que um mero espaço delimitado por paredes,murosoucercas(Julião,2008,p.14).

Portanto, nos campos da museologia e do patrimônio, é

possívelobservarumaexpansãodosconceitosdemuseuseexposições.Nos museus, uma das atividades que justificam sua tipologia e suafunção, são as exposições, sejam elas permanentes, temporárias,itinerantesouvirtuais.Osprédiosdosmuseuspodemserconstruídosespecialmente com finalidade museal, prédios de valor histórico ouartísticos,casasououtrosequipamentosurbanosadaptados,comoéocasodoEdifício34,espaçoquecongregapatrimônio,museologiaearte.

O presente capítulo, dividido em quatro seções - sendo aprimeira esta introdução - tomaoEdifício 34 como eixo para refletirsobreacontribuiçãodestemonumento,sededediferentesinstituiçõesartístico - culturais em recortes temporais distintos.O texto discorresobre as exposições de arte realizadas no edifício em um espaço detempodeumséculo,ondeasegundapartedopresentetextotratadaConfederação Católica e as exposições realizadas entre 1918 e 1920para, em seguida, investigar as ações e estratégias das novasexposiçõesrealizadasnaGaleriaCasarão34entre2018e2019,etendocomo quarta e última parte algumas considerações finais. Tais açõesexpositivas e estratégias curatoriais serão vistas a partir dametodologiadapesquisahistórica,documentaleestudosdecasosob

Page 315: Livro Museologia e Património - Volume 6 - para capa e ...

MuseologiaePatrimónio–Volume6

313

uma perspectiva qualitativa. Como fontes principais, além delevantamento bibliográfico e pesquisa de base teórica, foramanalisados arquivos de jornais e documentos consultados naHemeroteca Digital da Biblioteca Nacional; no arquivo e reservatécnicadoMuseuCasadeCulturaHermanoJosé(MCCHJ)edoCentroCulturalSãoFrancisco,sendoessasduasúltimasinstituiçõesculturaislocalizadasemJoãoPessoa-PB.

2.OPalacetedasArteseasExposiçõesda ConfederaçãoCatólica(1918-1920)

Opatrimônioarquitetônicoeculturalpessoensepossuigrandevalorpaisagísticoeartístico,pois congregaconstruçõesdediferentesperíodosdahistóriadacapitalediversosestilosarquitetônicoscomoobarroco, o rococó, o maneirista a arquitetura colonial, eclético, artnouveau, art déco entre outros.O Palacete da Confederação Católica,construído em 1918 a pedido do arcebispo Dom Adauto, além deformar e educar pessoas de maneira artística e cultural, dentro dosparâmetrosreligiosos,materializaemsuaconstrução,hojepatrimônioarquitetônicotombado,oestiloeclético151.

O edifício da Confederação Católica (figura 1) foi palco dediversas exposições de pintores de renome e funcionou como umaespéciedegaleriadearte,instituiçãoculturalemuseudepeçassacras,além de abrigar um dos primeiros cinemas de João Pessoa. NosarquivosdoCentroCulturalSãoFranciscoháumasériedeAnnuariosEclesiasticos que descrevem as atividades desenvolvidas pelaConfederação no qual o volume II, escrito pelo cônego FranciscoSeverianoepublicadoem1919,relataque:

No louvável intuito de dar maior impulso à açãosocialcatólicadasuaarquidiocese,S.Excia.Revma.,

151 Comomovimento artístico, o ecletismo ocorre na arquitetura durante oséculo XIX. Por volta de 1840, na França, em relação à hegemonia do estilogreco-romanosurgeapropostaderetomadademodeloshistóricoscomo,porexemplo,ogóticoeo românico.Éumacorrentequemescladiversosestilosarquitetônicos na tentativa de criação de uma nova linguagem. A feiçãoecléticanaarquiteturasedeuatravésdainserçãodeelementosneoclássicoscomopilastras,balaústres,estátuas,colunas(Melo,2011,p.40).

Page 316: Livro Museologia e Património - Volume 6 - para capa e ...

MuseologiaePatrimónio–Volume6

314

oSr.DomAdaucto,fezconstruiresteannonacidademetropolitanaumvastoeeleganteprédioparasededas associações catholicas de homens da capital,circulo catholico dos operários, assembléas geraesdas mesmas associações e sala especial paradiversões, com palco e um ótimo cinematographopathé(Severiano,1919,p.1009.Grifonosso).

Este item discute algumas atividades artísticas e museais

realizadas pela Confederação entre 1918 e 1920, momento detransformações culturais na malha urbana da cidade com inúmerasreformas, chegada de arquitetos e especialistas de diferentes áreas,alémdemudançasnaestruturadasinstituiçõescatólicas152.

Figura1:Primeiroprojetodomonumento,construídoparasersededa

ConfederaçãoCatólica,em1918.Detalhedafachada.Fonte:ArquivodaArquidiocesedaParaíba.

152AelevaçãodaDioceseparaArquidiocesedaParaíbaem1914,promoveuum aumento na autoridade para reformas e criar novas instituições. Nestemesmoperíodo, chegaramna cidade alguns arquitetos do exterior para darinício às obras de reforma urbana como os italianos Pascoal Fiorillo,Hermenegildo Di Lascio e Giacomo Palumbo, assim como profissionais deoutrasáreasdoconhecimentodacidade,comoJoséAmérico,EpitácioPessoa,entreoutros,natentativadeconfigurarumanovaimagemurbanaemdiálogocomaideiademodernidadeeprogresso,comonasartes,naantropologia,nahistóriaentreoutras(Guedes,2006,p.79-80).

Page 317: Livro Museologia e Património - Volume 6 - para capa e ...

MuseologiaePatrimónio–Volume6

315

A primeira atividade cultural encontrada na documentaçãoconsultadaerealizadaenoPalacetedaConfederaçãoCatólicafoiem7defevereirode1919,noticiadapelojornalONorte153.Amatériarelataque, após amissa, o arcebispoDomAdauto e outras personalidades,juntamente com o público, se encaminharam ao Palacete para ainauguração da mostra de objetos religiosos doados para umaexposição:

A’s2e35,davaentradaosrºarcebisponoPalaceteda ConfederaçãoCatholica, á praça doCarmo, ondeseachaaexposiçãodevaliososobjetosoffertadosaopreclaro antistite. Acompanharam s.exc. o clero e oexmo.Sr.PresidentedoEstado,comoutraspessoasgradas.[...]Dentreosobjetosemexposiçãonolindopalacete da Confederação Catholica, merecemdestaque os seguintes: uma cadeira pontifical decusto de 4.000$000 [...] Um ornamento branco,oferecidopelaSociedadedeS.VicentedePaulo;umroxo, pela comissão, representando os fiéis daArchidiocese;umbranco,peloColégioDiocesanoPioX;trêsricasornamentarias,peloColégiodeN.S.dasNeves;umlindogenuflexóriopelaCasadeCaridadede Campina Grande; um rico ornamento cor delhama, pelas Irmãs da Sagrada Família, do Collegiode Santa Rita de Areia, e uma custosa escrivaninhapelomonsenhorWalfredoLeal(ONorte,1919,p.1).

Pela notícia acima, nota-se que o espaço funcionava também

como um museu de arte sacra, que exibia objetos raros e valiososofertados para o preclaro antistite, do latim ‘bispo ilustre’, comocadeiraspontificais,genuflexórios,escrivaninhaseornamentosdoadospor vários grupos e instituições religiosas. A comparação do espaçocom ummuseu já em 1918, ocorre devido a guarda e exposição deobjetos raros, da presença de público nas exibições, do valor de

153 Esse periódico, fundado em 1908, foi um importante jornal paraibano,sendoumdosmais antigos emcirculaçãodiárianoBrasil commaisde100anosdehistória(DeBrito,2020).

Page 318: Livro Museologia e Património - Volume 6 - para capa e ...

MuseologiaePatrimónio–Volume6

316

mercadoatribuídoaosobjetos, consideradoscomorepresentantesdaidentidadedainstituiçãoqueossalvaguardava.Aoseremexpostoseaose produzir narrativas sobre tais objetos, é perceptível seu carátermuseológico, pois, dentre outros aspectos: “o objeto museológico éaquelequefoiretiradodoseucontextonaturaloucircuitoeconômicoe/ou funcional, adquirindo um estatuto diferenciado” (Cury apudMeneguetti,2016,p.24).

Os objetos adquiridos e expostos eram escolhidos de acordocomoscritérioseparâmetrosdainstituiçãocatólica,quepercebiamacultura e a arte como aspectos importantes para seus processoseducativos. As exposições realizadas naConfederação representavamum evento importante na cidade, ao provocar uma movimentaçãolocal, de membros da igreja, políticos da época como a presença dogovernadornomeadonoperíododaRepúblicaVelhacomo‘PresidentedoEstado’.

Reforçando a importância da arte e da cultura para ainstituição,oPalacetepossuíaumagaleriae liceudeartes,destinadoaoaprendizadoeensinodeofíciosartísticoscomoaulasdedesenhoepintura.AgaleriaouespaçoexpográficodoPalacetedaConfederaçãorecebeu exposições de pintores reconhecidos nacional einternacionalmente,sendoque,emalgumasdessasexibições,tambémocorria comercialização das obras nas ‘feiras d’arte’, uma iniciativaimportanteparaamovimentaçãodomercadoedacríticadeartelocal.

ComoprimeiroexemplodeumaexposiçãodeartesediadanoPalacete, tem- se a exposição das obras do pintor alagoano VirgílioMaurício154,realizadaemagostode1919.Opintorerareconhecidonocircuito da arte, pois participava de exposições nacionais einternacionais realizadas na França e Bélgica (Nascimento, 2013,

154 A biografia de Virgílio Maurício é pouco conhecida, sendo escassos osdadospublicadosemdicionáriosou livrossobreaartebrasileira.NasceunacidadedeLagodaCanoa,noestadodeAlagoas,einiciousuacarreiradepintoraos15anos.Estudoutambémmedicinaeeracríticodearteemalgunsjornais,entreelesoGazetadeNotícias,doRiodeJaneiro.Fezexposiçõesemdiversosestados brasileiros, como Belo Horizonte, Rio de Janeiro e Recife, além deexpor tambémemoutrospaíses.Davapalestrasepublicou livros,entreelessuatesedeconclusãodafaculdadedemedicinasobreamulher,onueamoral(Nascimento,2013,p.273-279).

Page 319: Livro Museologia e Património - Volume 6 - para capa e ...

MuseologiaePatrimónio–Volume6

317

p.277). A Confederação Catholica, portanto, vinha se consolidandocomo espaço importante para a crítica e nomercado de arte, com apassagemdeváriospintoresedesenhistas reconhecidoseatravésdacomercializaçãodasobras:

Está marcado para o próximo domingo oencerramento da exposição do aclamado pintorVirgílioMauricio.Oatoserásoleneeefetuar-se-áàs17 horas daquele dia com a presença de pessoasrepresentativas do nosso mundo social e político.Terminará, portanto, depois de amanhã a atraentefeira d’arte da Confederação Católica – a notasensacional destes últimos meses da Paraíbaelegante(ONorte,1919,p.1).

Ainda sobre a exposição de Virgílio Maurício, a crítica

jornalísticapessoenseelogiouopintorcomoo“senhordesuapalhetaque transforma e agita os sonhos e as dormências do céu”, com umtraço “definido e resoluto” e o “artista perfeito, calmo e genialmentetraduzindo as próprias comoções, mergulhando na severidade doacaso”(ONorte,1919,p.2).

Em 10 de agosto de 1920, VirgílioMaurício volta ao Palacetepara mais uma exposição. O jornal O Norte publicou uma matériaintitulada Exposição de Pinturas em que, no dia 09, efetuou-se ainauguração com telas de Virgílio Maurício, que veio com seu‘discípulo’quetambémexpôs,opintorAmadeuMedeiros.Noprimeirodiadaexposição,houveavendadaobraOutomnal.EssanovafasedeVirgílio e Amadeu, segundo a crítica da época, se direcionava paraestudoseexperimentossobrepinturasdepaisagens.

Dois dias após o início da exposição de Virgílio e Amadeu, acríticadaexposiçãofoipublicadanaprimeirapáginadojornalONorte.Ela focou em análises das obras de Virgílio e menciona os quadrosAprèsleRêve(figura2),1912eL’heureduGouter,1914.Otextocríticotambémdestacaquatropinturasdepaisagens feitasporVirgílio: a járeferidaOutomnal,ManhãdeLuz,CrepúsculonaFlorestaeMelancolia-inclusive, a paisagem Manhã de Luz exposta nesse período foiadquirida pelo governo da Paraíba (Nascimento, 2013, p. 277). Taisobrasnãoforamencontradasemacervosonline,entretanto,épossível

Page 320: Livro Museologia e Património - Volume 6 - para capa e ...

MuseologiaePatrimónio–Volume6

318

visualizarsuacomposiçãoatravésdasdescriçõesdascríticas,ricasemdetalhes.

Figura2:UmadaspinturasdaexposiçãodeVirgílioem1919na

ConfederaçãoCatólica,intitulada“AprèsleRêve”(1912).Fonte:PinacotecadoEstadodeSãoPaulo.155

NatelaOutomnalrelata-sequeapaisagemvemdoextremosul

brasileiroondealuzsetornaumelementocentralnaanálisecríticaevisual da composição que apresenta um “irisado de uma luz fosca ebarrenta, reluzaosefeitosda luzsolarqueseencobriana florestadeumaabsolutaecompletaperfectibilidade”.(ONorte,1920,p.1).AtelaCrepúsculonaFlorestaédescritacomênfasenadescriçãodanatureza:“admiramosaintensidadedosolqueseencachoeirapelosinterstíciosdobosque,coroando-odaqueleesplendorquefazdecadaárvore,umsantogigantesco”.Otextocríticoapresentaumbrevecomentáriosobrealgumas obras expostas do pintor Amadeu Medeiros, são elas:Enchente,SoldePrimavera,Paisagem,AbeiradoLago,eduasMarinhas,nas quais, segundo a crítica é possível vislumbrar as paisagens deRecife “colhidos amorosamente e transladados com carinho para assuastelas,cheiasdetranquilidadesesantitudes”.(ONorte,1920,p.1).Emresumo:

Ambos (Virgílio e Amadeu) trazem a feição depaisagistas, estudando, observando e sentindo, nos

155 Disponível em: http://pinacoteca.org.br/acervo/obras/. Acesso em:19/12/2020.

Page 321: Livro Museologia e Património - Volume 6 - para capa e ...

MuseologiaePatrimónio–Volume6

319

seusmúltiplosefascinantesaspectos,aNatureza[...]Sentimos, ao defrontar-lhe a obra - (Virgílio) oartista perfeito, calmo e genialmente traduzindo aspróprias comoções, mergulhando na severidade docaso, ou nos deslumbramentos do meio dia dostrópicos. Estam-lhe fortemente nalma as grandesemoções. Por uma predisposição peculiar, VirgilioMauricio notabilizara-se por seus estudos de núartístico,Ahiestãoasduascriações–AprésleRéveeL’Heure du Gouters [...] Que a Parahyba, zelando asua nomeada de cavalheirismo, seja-lhes propiciaaos seus intentos de batalhadores da Arte, são osnossosdesejos(ONorte,1920,p.1).

O texto crítico, assinado com as iniciais “A.R” direciona aanáliseparaassensaçõesedetalhespictóricosdasobraspresentesnaexposição. Acríticanãomencionaoespaçonoqualasobrasestavaminseridas, sobre sua disposição e expografia no salão do Palacete. Oenfoque incide sobre o processo de elaboração das obras pelos‘mestres’ que as executaram, configurando, segundo a crítica, aprincipalatraçãodoevento.O textodestacaaindao papeldocríticonas exposições: “Eis, em rápida síntese, o resultado da nossaobservação,emborasuperficialeprofana[...]Acrítica,sabemosnós,éapenasoreflexodotemperamentodoobservador”[...](ONorte,1920,p.01).

OutropintorquetambémfrequentouoespaçodeexposiçãodoPalacete foi o pintor pernambucano Balthazar da Câmara156. Suaparticipação ocorreu após a aclamada exposição de Virgílio, porém,nãocomoartistaparaexporsuasobras,mascomoprofessordeartescontratadoparaensinartécnicasdedesenhoepintura:

156AvidaeobradeBalthazardaCâmaratambéméescassade informações,massabe-sequenasceuemorreuemRecife(1890-1982)eque foi,alémdepintor,professordeartesplásticas.ParticipoudediversasexposiçõesGeraisdeBelasArtes emmeadosdos anos1920 e iníciodos anos1930noRiodeJaneiro. Disponível em:https://enciclopedia.itaucultural.org.br/pessoa22212/baltazar-da-camara.Acessoem:18/06/2021.

Page 322: Livro Museologia e Património - Volume 6 - para capa e ...

MuseologiaePatrimónio–Volume6

320

O conhecido pintor pernambucano, Balthazar daCâmara, cuja competência e engenho a Parahybaconhece através de seus bellos quadros, vaiestabelecer nesta cidade aulas de pintura, desde oensino rudimentar até os trabalhos que exprimemarte. A escola pictural do sr. Balthazar da Câmaradeverá ser instalada no edifício da ConfederaçãoCatholica,àpraçadoCarmo[...](ONorte,1920,p.1).

AmesmanotíciacomparaosdesenhosetécnicasdeBalthazarà

famosospintoresdaHistóriadaArte,oquejustificariasuapresençanacapital e contribuiria para a formação de jovens pintores (as) ao“proporcionarainfânciaeajuventudeestudiosadenossaterrameiosdeseeducaremnatriunfadoraartedeRaphaelSanzioeLeonardodaVinci” (ONorte,1920,p.1).No iníciodoséculoXX,nacidadede JoãoPessoa,astemáticasdasArtesVisuaisnasexposiçõesenoensinodastécnicas de pintura transitavam entre os estilos artísticos do séculoXIX,oneoclassicismo,emalusãoaoRenascimentoitaliano.Nesteestilo,onufemininoeaspaisagens,expostaspelasobrasdeVirgílioMaurícioe Amadeu Medeiros, eram os temas preponderantes nas pinturas.Como pode-se notar, as exposições relatadas não recebiam nomes etampoucoosnomesdosresponsáveispelacuradoriaeorganizaçãodaexposição são revelados nas matérias de jornal, portanto, não épossível afirmar se havia ou não curadoria - ou se eram os própriosartistasqueorganizavamoprojetoexpográficodas suasobras, ou seessaorganizaçãoerarealizadapelaequipedainstituição.

EssasexposiçõesmostramqueJoãoPessoapossuíaumcircuitoartístico ativo no início do século XX, que movimentava pintores,público,mercadoecríticadearte.Pormaisqueaindanãotenhasidoencontrado relatos da época de curadoria ou outros processosexpográficoscommaisdetalhes,comotítulodaexposição,quantidadesde obras ou outros aspectos, percebe-se pelas matérias que asexposições, tanto de objetos raros como as de arte, eram eventos deimportância e status social, que tinham como público e visitantes oarcebispo,ogovernadoreoutrospolíticosepersonalidadesdaépoca.Portanto, esse primeiro momento de exposições representa umanotávelpartedamemóriaedahistóriadaarteparaibana.

Page 323: Livro Museologia e Património - Volume 6 - para capa e ...

MuseologiaePatrimónio–Volume6

321

Após 1920, o Edifício 34 passou por reformas e iniciou suasatividades com o jornal A Imprensa, em 1921. Cem anos depois, em2018, ano do seu centenário - o edifício não é mais nomeado oureconhecido como Confederação Católica, mas como Galeria Casarão34. A proposta do item a seguir é analisar três exposições queocorreram no âmbito da Galeria, identificando diferenças e outrasinterpretações das Artes Visuais, nestemesmo edifício, em um lapsotemporaldecemanos,jánoséculoXXI.

3AGaleriaCasarão34:ExposiçõesdeArteContemporâneaentre2018e2019

O espaço expositivo do Edifício 34 outrora denominado

Palacete da Confederação Católica e atualmente denominado GaleriaCasarão 34 (Figura 3) aproxima-se dos moldes do ‘Cubo Branco’,alegoriafeitaporO’Doherty(2002)dasnovasemodernasgaleriasdearte difundidas dametade do século XX até a contemporaneidade. Ocubobrancoseaproximada “puraestéticaedaética”,aoabrigarumnovotipodearteemdiversascategoriasesuportes,ondeoobjetodeartese transformaemmeioea ideiaqueocercageralmenteéo fim:“asideiassãomaisinteressantesqueaarte”(O’Doherty,2002,p.3).DeacordocomMariaIgnezFranco:

As antigas exposições, que exibiam todo o acervoexistente no museu, foram aos poucos sendosubstituídaspormostrasque traziamaosvisitantesuma seleção de sua coleção, de acordo com o quefosse considerado mais representativo de cadatemática abordada. Ambientes exageradamentedecorados deram lugar a espaçosmais neutros. Osobjetospassaramaserexpostoscommaisespaçoaoredor, privilegiando a observação de cada umseparadamente. Textos explicativos e etiquetascontendo informações complementares tambémforamaospoucossendointroduzidos(Franco,2018,p.30).

Page 324: Livro Museologia e Património - Volume 6 - para capa e ...

MuseologiaePatrimónio–Volume6

322

Figura3:FachadaatualdaGaleriaCasarão34,JoãoPessoa,PB.

Fonte:DiárioPB157.

Discorrer sobrea formacomooespaçoexpositivodaGaleriase encontra é importante para entender as novas maneiras deconceber o espaço, as obras, a expografia e o papel da artecontemporânea na ressignificação destes conceitos. Neste diálogo, épossível analisar o papel e a influência de críticos, marchands,curadores, pesquisadores, historiadores da arte, museus, salões,galerias, imprensa, revistas de arte sobre os trabalhos e eventosartísticos e a circulação, difusão e consumo das obras de arte(Meneguetti, 2016, p. 32). Portanto, ao problematizar os espaçosexpositivosna contemporaneidadeéprecisoquestionarosdiferentesagentesenvolvidosnosistemadaarte,poisaartecontemporânea:

Redireciona os espaços museais (e das galerias) esuas expografias, onde artistas, curadores e críticosdiscutem os formatos expositivos utilizados nacontemporaneidade em contraponto a expografiatradicional, propondo outros meios de difusão,outros formatos, suportes onde a obra se relacionacom o público de diferentes maneiras, comapresentações verbo-visuais diferenciadas com a

157 Disponível em: https://diariopb.com.br/casarao-34-traz-de-volta-salao-municipal-de-artes-plasticas-para-centro-historico/.Acessoem:19/06/2021.

Page 325: Livro Museologia e Património - Volume 6 - para capa e ...

MuseologiaePatrimónio–Volume6

323

utilização de mídias digitais e outros recursospossíveis(Souza,2019,p.94).

AGaleriaCasarão34édirigidapelaFundaçãoCulturaldeJoão

Pessoa - FUNJOPE, vinculada à PrefeituraMunicipal, tendo editais defomento próprio, mas que também é aberta para a realização deexposiçõesviaoutroseditaiseprêmios.Umdeseusobjetivoséexporartistascontemporâneos,principalmenteeminíciodecarreiraeabrirespaço para discentes em formação/recém-formados dos cursos degraduaçãoepós-graduaçãoemArtesVisuaisdaUFPB.AGaleriarecebeartistas visuais de diferentes regiões do país para exposições,formações atravésde cursos epesquisas sobre crítica e curadoriadearte.

Alémdascaracterísticasdecomooedifícioégeridoeomodocomo funciona hoje, há também alguns aspectos que o espaço daGaleriapossuiquesão interessantesdeseremrelatadosnestetópico:oarquitetônico e seu estilo eclético que representa um período dacidade, além do edifício ser, como já dito, patrimônio material dacidade, o histórico-cultural, através da sua trajetória que abrigou eabriga até os dias atuais uma rotina artística, através de exposições,aulas de pintura, apresentações de dança, teatro e circo, editais eprêmios para artistas (nacionais e regionais) além de oficinas,palestrasedebatesnaáreadasartesvisuais;aconstruçãodeumacervoartísticopróprio,alémdepossuiroespaçoprincipaldeexposições,hátambém salas de palestras, espaço para cursos e oficinas no pisosuperioreumabibliotecadearteemconstrução (Silva,2020).Assimcomováriasinstituiçõesecentrosdearteecultura,aGaleriaresistesemantendocomrecursospúblicosquenemsempresãosuficientesparaasatividadesbásicas.

Em 2019, a Galeria inaugurou seu Edital158 de ocupação,destinado à premiação e exposição de trabalhos de artistas ecuradores. Premiou quatro projetos - inclusive duas das três

158 Edital n. 009/2018, intitulado: I Concurso para seleção e premiação depropostasdeexposiçõestemporáriasdaGaleriaCasarão34.Oeditaletodosasoutras etapas estão disponíveis neste link:https://transparencia.joaopessoa.pb.gov.br/#/licitacoes?id=2700. Acessoem:19/06/2021.

Page 326: Livro Museologia e Património - Volume 6 - para capa e ...

MuseologiaePatrimónio–Volume6

324

exposiçõestratadasaseguirfizerampartedoreferidoEdital.Paraestecapítulo, dentre as inúmeras exposições e curadorias realizadas naGaleria desde o ano de sua fundação em 2013, o recorte temporalcompreendido entre 2018 e 2019. Momento recente da históriaartístico-cultural-patrimonialdoEdifício34,eumperíodoemqueoCasarão e suas atividades foi também atingido pelas mudanças naformadeexporereceberospúblicosdevidoaPandemiadoCovid19iniciadaem2020.

As exposições e curadorias analisadas serão as seguintes:Iminência da Tragédia (2018) exposição coletiva com curadoria deFabrícia JordãoeTalitaTrizoli, Corpo (2019)exposição individualdeLarissa Gomes e Contos de Curiosidades Artificiais e Naturais (2019)exposiçãocoletivacomcuradoriaindividualdeRitadoMonte.Astrêsexposiçõesretratamtemaseprojetosexpográficosdiferentesnosmaisvariados suportes e linguagens das Artes Visuais, além deevidenciaremapresençademulheresnostrabalhosdecuradoriaenostrabalhosartísticos - umarealidadediferentedaquelaobservadanasexposições realizadas no Palacete da Confederação Católica há umséculoatrásnaqualapresençamasculinaerapreponderante.

AexposiçãoIminênciadaTragédia(2018)aconteceuatravésdoprêmio da FundaçãoNacional deArtes - FUNARTE, nomeadoPrêmioFunarteConexãoeCirculaçãoArtesVisuais159, cujoeixo foi SãoPaulo-João Pessoa. Em São Paulo, a exposição ocorreu na Galeria MarioSchenberg–ComplexoCulturalFunarte,eemJoãoPessoa,naGaleriaCasarão34.OsseisartistasselecionadosatuamentreoSul,SudesteeNordeste: Denise Rodrigues (SP), Fabiana Faleiros (RS/SP) , MartaPenner (DF-PB), Marina Zilbersztejn (SP), Noara Quintana (SC-SP) ePotira Maia (BA/PB).A exposição contou com obras de variadaslinguagensesuportes,comoacrílicassobretela,serigrafias,impressãodigital, carimbos, instalações, entre outros, cada uma com olhares evivências de mundo manifestadas através da realidade comum davisualidade, mas com sentidos e interpretações de mundodiferenciadas.

159ParateracessoaoeditalousabermaissobreoPrêmioFUNARTEConexão,clicar no link abaixo: https://www.funarte.gov.br/edital/premio-funarte-conexao-circulacao-artes-visuais/.Acessoem:19/06/2021.

Page 327: Livro Museologia e Património - Volume 6 - para capa e ...

MuseologiaePatrimónio–Volume6

325

O eixo SP/JP teve o objetivo de proporcionar um espaço detrocasartísticasentreasregiões,aodivulgarostrabalhoseavisãodasartistasqueproduzemdeJoãoPessoaparaSãoPauloevice-versa,emuma tentativa de ampliar os olhares e vivências quemuitas vezes setocamesetornamsemelhantes.AcuradoriadeIminênciadeTragédiaconsidera estratégica a circulação da mostra por São Paulo e JoãoPessoa justamente por serem próximas - não geograficamente -masporpossuíremproblemassociais,econômicosepolíticossemelhantes.

Diantedas“urgênciasdonossotempo”,asartistasapresentamemsuasproduçõesaconstataçãoda“falênciadosmodosdevida”,alémdetentativasdemapeamentodomundoeproposiçõesutópicasparaofuturo160.Aindadeacordocomascuradoras,FabríciaJordãodizqueasobras foram selecionadas a partir de artistas que apresentavam emsuas produções um olhar político para o contexto em que estavaminseridas. “Em nenhuma delas vamos ver algo panfletário. As obrastocam na questão política, mas não abrem mão dos aspectosplásticos”161. Umadasobrasque fizerampartedaexposiçãofoiadaartistavisual PotiraMaia emEnsaios sobre a Lucidez (2018), comporta poruma série de pinturas feitas a partir de fotografias tiradas do seucotidiano.Umadaspinturas,realizadascomtintaacrílica,aartistafazumacomposiçãodeimagenscotidianas,ambientadasemumambienteurbano que remete a bares de rua, com cadeiras de plástico,transeuntes e carros. A partir da imagem central, a artista usa orecurso de aproximação para representar as cenas que aparecem aofundo,queagoracompõemacentralidadedasduasimagenscompostasporumcachorroeaoutraporumamulher(Figura4).

160Paramaisinformaçõessobreaexposiçãoeavidaeobrasdasseisartistasque participaram, acessar: http://portais.funarte.gov.br/artes-visuais/exposicao-%E2%80%98iminencia-de-tragedia%E2%80%99-chega-a-funarte-sp/.Acessoem:15/06/2021.161 Ver mais em: https://rotaprincipal.com.br/exposicao-iminencia-de-tragedia-traz-artistas-para-galeria-casarao-34/.Acessoem:15/05/2021.

Page 328: Livro Museologia e Património - Volume 6 - para capa e ...

MuseologiaePatrimónio–Volume6

326

Figura4:EnsaiossobreaLucidez(2018)dePotiraMaia.Acrílicasobre

tela,dimensõesvariadas.Fonte:InstagramdaGaleriaCasarão34

A exposição Corpo, realizada em 2019, foi fruto do primeiro

Edital162deocupaçãodaGaleriacomexposições temporáriasapartirdaFUNJOPEedaPrefeituraMunicipal.AartistaselecionadafoiLarissaRachelGomes, que também atua como professoradaUniversidadeRegional do Cariri - URCA no curso de graduação em Artes Visuais.Nessaexposiçãoindividual,oprocessodecriaçãodadocenteeartistavisual transita entre antigos fazeres femininos, como a costura e obordado163, trazendo a série intituladaBonecas de Trapos (Figura 5),tema central da exposição que contou com outros suportes comoroupas íntimas, instalações que usam todo o ambiente da galeria -

162 O primeiro Edital de Ocupação está disponível em:https://transparencia.joaopessoa.pb.gov.br:8080/licitacoes/visualizar-arquivo?id=15152.163 Que eram antigamente conhecidas como “prendas”. Ver mais em:http://www.urca.br/novo/portal/index.php/latest-news/46029-professora-do-curso-de-artes-visuais-da-urca-expoe-na-galeria-casarao-apos-aprovacao-em-concurso-.Acessoem:14/06/2021.

Page 329: Livro Museologia e Património - Volume 6 - para capa e ...

MuseologiaePatrimónio–Volume6

327

inclusive o piso - aquarelas e desenhos em tecidos e diagramas docorpo feminino. A artista trabalha com as possibilidades do tecido ecoma reativaçãodeantigos fazeresna contemporaneidade, trazendoumacomposiçãodo“universodoutrinadordofeminino,umaformade(re)inventarebrincarcomsuasformaseconceitos164”.

Figura5:BonecasdeTrapos(2019),recortedaexposiçãodeLarissa

GomesnaGaleriaCasarão34.Fonte:SitedaURCA165

Aartista,ementrevistaparao JornalPortalCorreio, trazduasquestõesquepodemserpensadasapartirdesuasobras.Aprimeira,se

164 Além do Instagram da Galeria, o Facebook Galeria Casarão 34 tambémfuncionaparadivulgarasexposições,eventos,oficinasepalestras.Otextodadivulgação da Larissa Gomes está disponível em:https://www.facebook.com/galeriacasarao34/photos/a.695278473916808/2438427026268602.Acessoem:14/06/2021.165 Disponível em: http://www.urca.br/novo/portal/index.php/latest-news/46029-professora-do-curso-de-artes-visuais-da-urca-expoe-na-galeria-casarao-apos-aprovacao-em-concurso-.Acessoem14/06/2021.

Page 330: Livro Museologia e Património - Volume 6 - para capa e ...

MuseologiaePatrimónio–Volume6

328

relaciona “aos corpos femininos e sua deformidade imposta pelospadrõessociais” jáqueaexposiçãofoipensadaparaatingiropúblicofeminino.Aartistacomentaaindasobresualigaçãocomasbonecaseosquestionamentossobreocorpofeminino:“tenhoessaligaçãodesdeainfânciacomaboneca,quenosapresentaadoutrinaçãoemformadebrinquedo,sejadiantedospadrõescorporaisdasbarbiesouaideiadematernidadeprecocedasbonecasdotipobebê”166.

Porfim,aexposiçãointituladaContosdeCuriosidadesNaturaiseArtificiais,realizadaem2019fezpartedapremiaçãodomesmoEditaldeOcupação167quepremiouaexposiçãoCorpo.Foramseisartistasquemoram/atuam na Paraíba: Caballero (PB), Madalena (PB), ManuelaArruda (PB), Rodrigo Lacet (PB), Stephanie Soares (PB) e TiffaniePodeur(PB)edoiscomparticipaçãoespecial:MarceloMoscheta(SP)eMarlene Almeida (PB) com curadoria de Rita de Monte (PB). Éinteressante notarmais uma vez nas exposições contemporâneas daGaleria umapresença, emsuamaioria, demulheresnaproduçãodasobrasenoprojetoexpográfico. A exposição Contos de Curiosidades foimontada e organizadanos antigos moldes dos gabinetes de curiosidades, que se tornarampopularesereconhecidosnosséculosXVIeXVIIempaísesdaEuropa.UlpianoMeneses(1994)trazaperspectivaemqueeleseramdispostosem uma montagem de diversos modelos miniaturizados de umatotalidade. Objetos de outros países que eram vistos como exóticostrazidospelasembarcações,artefatosdanatureza, florae fauna,alémdaculturamaterialdeumpassadodistante,eramexpostosladoaladonas paredes, bancadas e armários desses espaços. A curadora daexposição,RitadoMonte,relata:“eramespaçosquereuniammistériosdoNovoMundo,eapresentavamoqueexistiademais importantenaóticadoscolecionadores”168.

166 Ver em: https://portalcorreio.com.br/galeria-casarao-34-recebe-exposicao-de-larissa-rachel/.Acessoem:15/05/2021167 O primeiro Edital de Ocupação está disponível em:https://transparencia.joaopessoa.pb.gov.br:8080/licitacoes/visualizar-arquivo?id=15152.168PravermaisfotosdaexposiçãoContosdeCuriosidades,veroInstagramdaGaleria: https://www.instagram.com/p/B3E8sIOpX1_/. Acesso em:16/06/2021.

Page 331: Livro Museologia e Património - Volume 6 - para capa e ...

MuseologiaePatrimónio–Volume6

329

Aexposição(Figura6)teveumacuradoriaqueseinspirouemvariados aspectos dos gabinetes de curiosidades, onde utiliza, porexemplo,todooespaçodaparedeparaexporasobras-umasaoladodasoutras,praticamentecoladas -alémdeterusadouma iluminaçãoamarelada,paradarênfaseacoloraçãosépiaqueremeteaospapéiseoutrosmateriaisantigos.Aexpografia tambémcontacomumaantigaescrivaninhaquepossuipequenasmiudezas,comofrascosepequenosdesenhosquepodemservistoscomoauxíliodeumalupa,remetendoàrotinaeaosmateriaisqueeramutilizadosnaépocadosgabinetes.Nogeral, contou com pinturas, serigrafias, aquarelas, fotografias,bordados,desenhos,colagens,ilustraçõeseoutraslinguagensdocorpohumano, animais, plantas, paisagens e outras visualidades que fazempartedeumainterrelaçãoentreasartesvisuais,ciênciasdabiologiaedanatureza.

Figura6:VisãogeraldaexposiçãoContosdeCuriosidades.

Fonte:InstagramGaleriaCasarão34 Orecortedastrêsexposiçõesacimasãoexemplos,emrelaçãoàcem anos das primeiras exposições realizadas pela ConfederaçãoCatólica,dasdiferentesformasesuportesutilizadosparaarealizaçãode curadorias e exposições de arte. Nota-se que a figura da mulheroutrora representada em nus sob tela, como nos primeiros quadros

Page 332: Livro Museologia e Património - Volume 6 - para capa e ...

MuseologiaePatrimónio–Volume6

330

expostosnaConfederação,hojefazemparteativamentedaproduçãodeobras e das curadorias das exposições, não como objetos a seremrepresentados,comocomosujeitosativosnoprocessosdecuradoriaeproduçãodearte.4ConsideraçõesFinais

As discussões sobre os objetos museais, exposições e

curadorias tomaram novos rumos e sentidos como aponta LucianaCosta (2018p.248)emum levantamentodepesquisas realizadasnocampodamuseologianoBrasil,especificamentedatemáticaexposiçãomuseológica,quesedesdobraemsubtemáticascomo“atipologiadasexposições, a linguagem e/ou narrativa/discurso nas exposições; oplanejamentoea implementaçãodaexposição; recursosexpográficos(suportes, cor, som, luz imagens dentre outros)”. As estruturasclassificatórias tradicionais foram abaladas pela arte contemporânea,questionadora do estatuto de ‘obra de arte’ e pela ampliação doscamposdopatrimônioemuseus.

A discussão das exposições realizadas na contemporaneidadenoCasarão 34,mesmo espaço expositivo utilizado pela ConfederaçãoCatólica há um século atrás, permite concluir que as exposiçõescontemporâneas deixaram de ser pautadas na exaustiva exibição dacoleção e os critérios para a seleção das obras deixaram de sersistemáticos, taxonômicos ou classificatórios para serem realizadas apartir de discursos, questões/questionamentos, mensagens econceitos. Os acervos passaram a ser agrupados através de seussignificados culturais, sociais, econômicos, lúdicos, religiosos epolíticos,emconsonânciacomatotalidadedodiscursoexpositivo,emmuitoscasosutilizando-serecursosdecontextualização,ambientação,cenografia e tecnologias digitais. Os circuitos e a circulação dosvisitantestambémpassaramaserplanejados,paragarantiraeficáciadacomunicaçãoeaqualidadedafruiçãodopúblico(Cury,2006).

NamedidaemqueaMuseologia,oscamposdoPatrimônioeaHistória da Arte se transformam e questionam seus cânones, asconcepções expográficas e as curadorias realizadas por museus egalerias de arte também se alteram. Portanto, pensar práticascuratoriais e expográficas em recortes temporais distintos, sediadas

Page 333: Livro Museologia e Património - Volume 6 - para capa e ...

MuseologiaePatrimónio–Volume6

331

em um mesmo espaço expositivo e problematizar as narrativas esujeitosenvolvidos,possibilitaentenderasdiferentes:

(...) articulações simbólicas que envolvem questõesde espaço e lugar, em uma interseção de relaçõesentre o trabalho exposto, o espaço arquitetônicoconstruído, a disposição cenográfica dos objetos, anecessidade de interação, público e obra, e odesenhoexpográficopropostopelacuradoria(Souza,2019,p.91).

Naatualidade,ascuradoriasexercemumpapelessencial,poiscada exposição possui identidade e linguagens próprias, na qual opapelda curadoria torna-se central para a exposição.Nas exposiçõesrealizadasnaConfederaçãoCatólicanoiníciodoséculoXX,autilizaçãoda pintura como linguagem principal e a participação masculina épreponderante.Jáasexposiçõescontemporâneas,realizadasnaGaleriaCasarão 34 entre 2018 e 2019, se utilizam de diferentes linguagensartísticascomoperformance,fotografia,instalações,entreoutras,alémda crescente presença e atuação de mulheres artistas, curadoras erepresentantes LGBTQIA+. Ao tencionar estes tempos e curadoriasrealizadas sobo tetodeummesmomonumento/patrimônioemumaescalatemporaldistinta,épossívelnotarqueosmuseusegaleriasdearte“nãosãoespaçosneutrosdedifusãodaobradearte,elesasituam,sobrepondo-lhe novos significados” (Buren, 1991 apud Souza, 2019,p.94). Por fim, o Edifício 34, enquanto espaço utilizado para arealização de atividades artísticas, vem construindo um passadoexpográfico de extrema relevância para a história da arte paraibana,pois agrega mais de um século de atividades culturais, exposições ecuradorias inseridas em momentos históricos e políticos distintos.Alémdeterumaimportânciamonumental,arquitetônicaecultural,oEdifício34carregaconsigoumregistromemorialehistóricodacidade,alémderevelarpartedahistóriadaarte,dosespaçosexpositivos,dascuradoriasedahistóriadasexposiçõesnacidadedeJoãoPessoa(Silva&Melo,2021).Portanto,épossívelconcluirque:

Page 334: Livro Museologia e Património - Volume 6 - para capa e ...

MuseologiaePatrimónio–Volume6

332

Os museus (e galerias) de arte deixaram de serespaços passivos não se restringindo a apenascolecionadores de obras de arte, mas tambémformadores de novas diretrizes que abarcavam opensamento crítico, a aquisição de obrascontemporâneas para a preservação do presente,verdadeiros locais de experimentação, debate,criação e deliberação de demandas dacontemporaneidade(Souza,2019,p.87).

Atentativadocapítulonãofoiconstruirumahistórialineardas

exposiçõeseestratégiasmuseaisrealizadasnoEdifício34,mascolocá-las em perspectiva e estabelecer diálogos com o espaço expositivoonde tais práticas foram materializadas: em um edifício tombado eentendido como patrimônio artístico, cultural e arquitetônico dacidade,umlocalondepatrimônioemuseologiaseencontram.

ReferênciasCosta, L. F. da. (2018). Museologia no Brasil, século XXI: Atores,instituições, produção científica e estratégias. João Pessoa: Editora doCCTA.Cury, M. X. (2005). Comunicação e pesquisa de recepção: umaperspectivateórico-metodológicaparaosmuseus.SuplementoHistória,Ciências, Saúde – Manguinhos, 12, 365-380. DOI:https://doi.org/10.1590/S0104-59702005000400019.Cury, M. X. (2006). A Abordagem Técnica. In Exposição: Concepção,MontagemeAvaliação(pp.98-117).SãoPaulo.EditoraAnablume.DeBrito,R.(2020).JornalONorteeopioneirismodohumorgráficonaimprensa paraibana. Faces da História, 7(2), 93-112. Recuperado de:https://seer.assis.unesp.br/index.php/facesdahistoria/article/view/1762.Desvallées, A; Mairesse, F. (2013). Conceitos-chave de Museologia.Tradução:BrunoBrulonSoares,MaríliaXavierCury.SãoPaulo:ICOM.

Page 335: Livro Museologia e Património - Volume 6 - para capa e ...

MuseologiaePatrimónio–Volume6

333

Glicenstein, J. (2009.)L’Art: une Histoire D’Expositions. (1ª ed.) Paris,France:PressUniversitairesdeFrance.Guedes, K. A. (2006). O Ouro Branco abre Caminhos: o algodão e amodernização do espaço urbano na cidade da Parahyba (1850-1924).(Dissertação de Mestrado, Universidade Federal do Rio Grande doNorte).Recuperadode:https://catalogodeteses.capes.gov.br/catalogo-teses/#!/.Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico da Paraíba - IPHAEP.(2020). Documento de Pré-análise acerca do grau de conservação doimóvelnº34.CAE:CoordenadoriadeArquiteturaeEcologia.Julião, L., & Bittencourt, J. N. (orgs.). (2008). Caderno de DiretrizesMuseológicas 2: Mediação em Museus: Curadorias, Exposições e AçãoEducativa. Belo Horizonte: Secretaria de Estado da Cultura deMinasGerais.Melo,S.F.(2013).ArquiteturaeRessonânciasUrbanasemFlorianópolisda primeira metade do século XX. (Dissertação de Mestrado,Universidade Federal de Santa Catarina). Recuperado de:https://catalogodeteses.capes.gov.br/catalogo-teses/#!/.

Meneghetti, A. F. (2016).CuradoriaMuseológica& Curadoria de arte:aproximações e afastamentos. (Trabalho de Conclusão de Curso,Universidade Federal do Rio Grande do Sul). Recuperado de:https://lume.ufrgs.br/.Montaner, J.M. (2003)Museus para o século XXI. Barcelona: GustavoGili.Nascimento,A.P.(2013).AContribuiçãoeditorialdeVirgílioMauríciono Jornal Gazeta de Notícias em 1923. Anais do XXXIII ColóquioBrasileirodeHistóriadaArte:Arte e suas instituições. Riode Janeiro,271-286.Recuperadoem:http://www.cbha.art.br/.

Page 336: Livro Museologia e Património - Volume 6 - para capa e ...

MuseologiaePatrimónio–Volume6

334

O’Doherty,B.(2002).NointeriordoCuboBranco:Aideologiadoespaçodaarte.SãoPaulo:MartinFontes.O Norte. (1919, 7 de fevereiro). Na Confederação Catholica. JoãoPessoa: Hemeroteca Digital da Biblioteca Nacional. Recuperado de:http://memoria.bn.br/DocReader/DocReader.aspx?bib=120774&Pesq=confedera%c3%a7%c3%a3o%20catholica&pagfis=8807.O Norte, (1919, 22 de agosto de). Exposição de pinturas - O seuencerramento.JoãoPessoa:HemerotecaDigitaldaBibliotecaNacional.Recuperado de:http://memoria.bn.br/DocReader/DocReader.aspx?bib=120774&Pesq=confedera%c3%a7%c3%a3o%20catholica&pagfis=9373.O Norte. (1920, 10 de agosto). Exposição de pintura. João Pessoa:Hemeroteca Digital da Biblioteca Nacional. Recuperado de:http://memoria.bn.br/DocReader/DocReader.aspx?bib=120774&Pesq=%22exposi%c3%a7%c3%a3o%20de%20arte%22&pagfis=9337.O Norte. (1920, 12 de agosto). Exposição de pintura. João Pessoa:Hemeroteca Digital da Biblioteca Nacional. Recuperado de:http://memoria.bn.br/DocReader/DocReader.aspx?bib=120774&Pesq=%22exposi%c3%a7%c3%a3o%20de%20arte%22&pagfis=9341..O Norte, (1920, 15 de setembro). Aulas de Pintura João Pessoa:Hemeroteca Digital da Biblioteca Nacional. Recuperado de:http://memoria.bn.br/DocReader/DocReader.aspx?bib=120774&pesq=%22pra%C3%A7a%20do%20carmo%22&pagfis=10427.Pesavento, S. J. (2004) Com os Olhos no Passado: A Cidade comoPalimpsesto.RevistaEsboços,Florianópolis:SantaCatarina,11(11),25-30. Recuperado de:https://periodicos.ufsc.br/index.php/esbocos/article/view/334..Severiano, C. F. (1919).Annuario Ecclesiastico da Parahyba doNorte.(Vol.II)ParahybadoNorte:TorreEifel.

Page 337: Livro Museologia e Património - Volume 6 - para capa e ...

MuseologiaePatrimónio–Volume6

335

Silva, E. M. V. (2020). Galeria Casarão 34: (Re) Significação doPatrimônioe incentivodasArtesVisuaisem JoãoPessoa.Anaisdo3ºCongresso Intersaberes em Arte, Museus e Inclusão; III EncontroRegional da ANPAPNordeste e 8ª Bienal Internacional de Arte Postal.João Pessoa: Paraíba. Recuperado de:https://www.even3.com.br/3ciamiufpb2020/.Silva, E.M.V.&Melo, S. F. (2021).OCasarão34em JoãoPessoa-PB:entre arte, história e patrimônio. In Franzen, D. O., Sausen, J. V. &Mayer, L. (orgs.) História e Patrimônio. (pp.127-141) Itapiranga:EditoraSchreiben.Souza,M.A.F.(2019).Museusesuasnovasmuseografias:umateoriamuseológicaatravésdaexpografiaecuradorianaartecontemporânea.InNara,C.S.(org.).Artecontemporânea:açõesexpositivaseestratégiasmuseais.(pp.84-100)SantaMaria:RioGrandedoSul,EditoraPPGART.UlpianoMeneses,T.B.de.(1994).Doteatrodamemóriaaolaboratóriodehistória:aexposiçãomuseológicaeoconhecimentohistórico.AnaisdoMuseu Paulista: História e CulturaMaterial. São Paulo. 2(1), 9-42.DOI:https://doi.org/10.1590/S0101-47141994000100002.

Page 338: Livro Museologia e Património - Volume 6 - para capa e ...

MuseologiaePatrimónio–Volume6

336

MUSEUHISTÓRICODEBACURAU:

DESEJODEMEMÓRIAERESISTÊNCIANASTELASDOCINEMABRASILEIRO

SilvanaPirilloRamos

UniversidadeFederaldeAlagoas,Brasilhttps://orcid.org/0000-0003-3006-8076

GeovannaPirilloCarnevalledosSantos

UniversidadeFederaldeSergipe,Brasilhttps://orcid.org/0000-0003-1073-4860

1.Apresentação

Dirigido pelos pernambucanos Kleber Mendonça Filho eJulianoDornelles,Bacurauéumfilmequecolocouocinemabrasileiroem destaque, no cenário global, por conquistar o Prêmio do Júri doFestivaldeCannes,oPrêmiodeMelhorFilmedoFestivaldeCinemadeMunique,em2019eoNewYorkFilmeCriticsCircleAwardsdeMelhorFilmeEstrangeiroem2020.Foicontemplado,também,comoGrandePrêmio do Cinema Brasileiro de Melhor Direção, Melhor RoteiroOriginal,MelhorLongaMetragemFicçãoeMelhorEfeitoVisual.Alémdo marco dessas premiações, o filme também foi selecionado emfestivais diversos como oFestival de Havana,Festival du NouveauCinémadeMontrealeFestivaldeCinemadeSitges.

Apolêmicahistóriadeumpovoadomarginalizadoeexcluído,desprovido de governo da região nordeste do Brasil, mesmoapresentada ao mundo como ficção, incitou discussões e críticas elançouolharessobreaproblemáticarealidadebrasileira,frutodeumahistória de colonização, exploração e escravidão, marcada pelasdesigualdadessociais,escachandoessasmazelasnastelasdocinema.BacurauéumpovoadodomunicípiofictíciodeSerroVerde,nooestede Pernambuco, região nordeste do Brasil que, a semelhança depovoados reais dessa região do país, enfrenta problemas diversos,comoausência doEstado e depolíticas sociais e tenta sobreviver aodesabastecimento de água em função da privatização de uma

Page 339: Livro Museologia e Património - Volume 6 - para capa e ...

MuseologiaePatrimónio–Volume6

337

barragemparaatendergruposhegemônicos.Ahistóriaseiniciacomauniãodosmembrosdacomunidade,

paraoritualdecortejoesepultamentodeDonaCarmelita,espéciedematriarcadacidade,queviveuatéos94anosecomumaauladeseufilho,Prof.Plinio,paraascrianças,napequenaescoladopovoado,naqual ele constataqueBacurau foimisteriosamenteexcluídodomapadigitalnarededeinternet.

Ato contínuo, uma sequência de coisas estranhas começam aacontecer:drones,disfarçadosdeformaretrô,comosefossemdiscosvoadores de filmes de ficção científica da década de 1980, passeiampeloscéus,acompanhandoasmotosdosmoradores;ocaminhãopipavoltadacidadeparaopovoadotodofuradodebalaedoismotoqueirosde trilha, oriundos da região sul do país, aparentemente perdidos,chegam até Bacurau e instalam, de forma disfarçada, um dispositivosob o balcão de umbar a fimde bloquear o sinal dos celulares e darededeinternet.

Constatamos que Bacurau tinha sido vendida pelo próprioprefeitoparaumgrupodeturistasestrangeiros,quevierammunidosde umarsenal de armaspara uma espécie de jogo, que consistia emexterminar toda a população em uma competição, espécie de safari,baseadaemquemmatamais.Talenredonoscolocasobtensãoenosconduzaumaespéciedetragédiaanunciada.

Nãoépossívelidentificarumpersonagemprincipalnofilme.Oprotagonista é o próprio povoado representado por um pequenomuseu,umacasinhacomfachadarevestidadepedrasnaruaprincipalque, de forma inédita no cinema nacional, ganha centralidade nascenas, ocupando um lugar privilegiado no universo das referênciasculturaisdaquelepovoadoexcluídoemarginalizado, sendooferecidopor eles com orgulho como cartão de visita para os forasteiros econstituindo-se no palco magnânimo do surpreendente desfecho dahistória

Segundo Thales Junqueira, diretor de arte do filme, o MuseuHistórico de Bacurau é inspirado na realidade, constituindo-se comoretratodetantosoutrospequenosmuseus,simpleseentulhados,queexistem no interior do Brasil. “São espaços que preservam histórias,guardam memórias, constroem narrativas, cultuam heróis, mas nãomerecem registro no Instituto Brasileiro de Museus (Ibram) ou nossitesdeturismo”(Perrota&SantaCruz,2018).

Page 340: Livro Museologia e Património - Volume 6 - para capa e ...

MuseologiaePatrimónio–Volume6

338

Ancoradonanarrativafílmicaquevairevelando,emBacurauaimportância da resistência de um museu excluído pertencente aospovos excluídos, esse artigo se propõe a compreender as formas derepresentação e a construção do papel desse museu marginalconfiguradasnateladocinema.

Para construção desta análise escolhemos o percursometodológico da etnocartografia de tela, assumindo o desafio “dedesenvolver práticas de acompanhamento de processos inventivos edeproduçãodesubjetividades”(DaEscóssia&Tedesco,2015,p.56).Realizamosumdensoeprofundocontatocomoterritório-fílmico;comobservação sistemática e variada, acessando o filme por diversos“ângulos”: assistindo-o múltiplas vezes, de formas diferentes, comosem som e apenas com imagem, sem imagem e apenas com som.Assistimos também aos extras, analisamos o roteiro, além derealizarmosumavastapesquisabibliográficacomoacompanhamentodascríticaserepercussõesqueofilmeobtevenamídia.

A tela não está suspensa, excluída da realidade como umacondição a parte, como um retrato do “mundo real”. Ela é parteintegrante de uma realidade, advinda de um processo dinâmico econstantedetransformação.

A telaseriaumadaspossibilidadesconcretasdeapresentareconstruirachamadarealidade.Atelatornar-seumateiadediscursos.Discursosessesque fazemasrealidadesexistirem,persistireme,porvezes,modificarem-se(Balestrin&Soares,p.90).

Por tanto, assistir a um filme não se restringe e entrar emcontato com uma tela, mas afetar-se pelo ali imanente, por umaconjunturaculturalaliexistente(Híkiji,1998).

A análise das cenas enlaça-se ao olhar cinematográfico paraatentar-seàdisposiçãodocenário,àedição,àtransiçãodecenas,aoscortes, roteiro, iluminação, trilha-sonora, efeitos sonoros, mise-en-scène, dentre outros elementos técnicos e da análise fílmica,compreendendo que esses, juntos, compõem e são atravessados porsignificaçõesediscursosequedispõemdeaspectossociais,culturais,políticos.

Page 341: Livro Museologia e Património - Volume 6 - para capa e ...

MuseologiaePatrimónio–Volume6

339

2.Bacurau:Seforvánapaz

AdentramosaBacurau juntoàTeresaquevemdoRecife,pormeio de uma carona amiga no caminhão pipa, passando por umaestradadeterraesburacadaededifícilacesso.Nocaminhovemosumcaminhão tombadonomeio fio, caixõesquebradosno chão, feitoummal presságio. Passamos por uma escolamunicipal abandonada, emruínas,tomadapelomato.Paramosbrevementeparaolhardelongeahidrelétrica,quedesviouaáguadopovoadoguardadapelavigilânciadesegurançasarmados.Ocaminhãopipaatravessaum“mata-burro”onde se vê uma cerca de pedra sobre a qual uma placa chama aatenção:“Bacurau17Km–sefor,vánapaz”.

NachegadaencontramosopovoadoreunidonaportadavelhaCarmelita, velando sua morte, homenageando sua vida. Teresa éabordada por Damiano, uma espécie de xamãmanipulador de ervasmedicinais,quepedequeelaabraabocaelhedepositanalínguaumaespécie de semente dourada, que é prontamente engolida. Nodesenrolar da trama descobrimos que a sementinha é amplamenteusadapelosmoradores e parece cumprir a funçãomísticadeuni-losem uma espécie de sintonia comum, sendo que os diretores acaracterizamcomoumaespéciededrogadecoragemedeesperança.

Vestida comum jaleco branco, Teresa traz consigo umamalavermelha, que depois descobrimos que continha medicamentos evacinas para o posto de saúde local. Na porta da anciã onde osmoradores de Bacurau se amontoam, aguardando o corpo sair emcortejo,ela é recebida com um beijo de seu pai, o professor Plinio,adentra-se a casa, ajoelha-se diante do leito de morte da avó e sedespede.

PlíniofazumdiscursosobresuamãeCarmelita,quenosrevelade antemão a ligação e o pertencimento dos membros da pequenacomunidade, simbolizados por esse momento de despedida damatriarca:

[Profº Plínio] Carmelita teve filho, neto, bisneto,tataraneto, afilhado, tevemuitos amigos. Na famíliatem de pedreiro a cientista, tem de professor amédico,arquiteto,michêeputa.Agoraladrãoelanão

Page 342: Livro Museologia e Património - Volume 6 - para capa e ...

MuseologiaePatrimónio–Volume6

340

gerounenhum.TemgenteemSãoPaulo,naEuropa,eEstados Unidos, tem gente na Bahia,Minas Gerais eRecife...Muitagentenãoconseguiuvirhojeaquiporcausadosproblemasnanossa região,masmuita gentemandaajuda para gente, muita gente manda ajuda praBacurau e essa é amaior prova de que Carmelita eBacurauestãoemtodoseles.

OcortejosegueacompanhandoocaixãodeCarmelita,apéaté

o cemitério, entonando, em coro uma canção intitulada “Bichos daNoite”deSergioRicardo169,quenosremeteaonomedopovoado,comovioleiro,chamado“Carranca”,tocandonafrente:

SãomuitashorasdanoiteSãohorasdobacurauJaguaravançadançandoDançamcaiporaebabauFestadomedoedoespantoDeassombraçõesnumsarauFurandootroncodanoiteUmbicodepicapau...

Durante o sepultamento de Carmelita, Teresa tem uma

alucinação com o caixão transbordando água, talvez efeito da talsementinha. “Todos no cortejo passam a abanar lenços brancos, oruídodeumacentenadepanosbrancosaoléuébonito,comopássarosbatendoasas”(MendonçaFilho,2020,p.233).Talvezumpresságiodeesperançadequeseencontreasoluçãodosmuitosproblemasdeum

169 SérgioRicardoumdos fundadores da bossa-nova, iniciou omovimentodacançãodeprotestonopaís,passoupeloTeatrodoOprimidoeoCinemaNovo,desdeadécadade1960.Poeta, roteirista, compositor, diretor de cinema, artista plástico, premiadodentro e fora do país. considerado uma referência na história do paísinfluencioutodaumageraçãodeartistas.ParticipoudofamosoconcertodoCarnegie Hall, sempre voltado para a problemática social nas raízes maisprofundas do povo brasileiro, participativo politicamente notadamentecontraaditaduramilitar.

Page 343: Livro Museologia e Património - Volume 6 - para capa e ...

MuseologiaePatrimónio–Volume6

341

povoadoabandonadopelaspolíticaspúblicasedeumproblemavitalcomoofornecimentodeágua.Pela manhã seguinte, na escola, crianças de diferentes idades estãoreunidas,aprendendogeografiacomoProf.Plinioe,aoprocuraremnomapa digital a pequena Bacuraumisteriosamente está desaparecida,comosenãomaisexistisse.Afotodosatélitetambémmostraapenasacaatinga. O professor, surpreso e indignado com a situação, não sedeixa abater e apresenta um desenho artístico ilustrativo dacomunidade,ummapaanalógicoeafetivodeBacurau,revelandonãoserdependentedatecnologia.

Figura01:MapadeBacuraufeitoporKleberMendonçaFilhoFonte:Sotero&Junqueira,2020

Na sequência de cena nos deparamos com a chegada doprefeitoTonyJunioraopovoado,emcampanha,pedindovotosparasereeleger. Sua comitiva encontra as ruas desertas, os moradores,previamente organizados, recusam-se a recebê-lo. Ele fala com opovoado recluso por meio de um megafone. Das casas, ouvimos

Page 344: Livro Museologia e Património - Volume 6 - para capa e ...

MuseologiaePatrimónio–Volume6

342

xingamentos dirigidos a ele, Vá embora, seu safado! E a situação darepresa,filadaputa?(sic).Tonydeixaalioquechamade“donativos”:livrosjogadoscomolixodeumacaçambadeumcaminhão,alimentosvencidos, remédios controlados, entorpecentes e caixões. Ele partecom sua comitiva, levando uma “garota de programa” local à reveliadelaedosprópriosmoradores.

Oamanhecerdodiaseguinteétomadopelosomdogalopedecavalos que escaparam da fazenda Tarairu, próxima ao povoado. Osmoradores tentam contato com o dono da fazenda, porém não háresposta. Flávio e Maciel partem levando os cavalos desgarrados devoltaàfazenda,procurandodescobriroqueestáacontecendo.

Um pouco mais tarde, o caminhão pipa adentra o povoadocravejadodebalas.Aáguaescorrepelosfurosecriançascorremparacolheroquevazacombaldesegamelas.Avizinhançaatônitadiscuteoquepodeteracontecido...

Emparalelo,osmoradorestrocammensagensporcelular:umadupla motoqueiros está chegando na cidade. Os forasteiros chegamsob o olhar de vários moradores, afirmam ser motoqueiros fazendotrilhaspela região. Seguemparaobar local epedemumaágua,quebebem após conferir o odor. Recusam-se a provar a cachaça local.Tambémdispensamosrepetidose insistentesconvitesparavisitaroMuseuHistóricodeBacurau.ComeçamaconversarcomLuciene,donadobar,quereafirmaaidentidadedeBacurau:

[Forasteira]QuemnasceemBacurauéoque?[Menino]Égente.[Luciene]Vocêsvieramconheceromuseu?[Forasteiro]Museu?Museudeque?[Luciene]DeBacurau.Ébom,essemuseu[Forasteiro]Não.[Forasteira]Deondevemessenome,Bacurau?[Luciene]Umpássaro.[Forasteira]Tipoumpassarinho?[Luciene]Umpássaro,maiorzinho.[Forasteira]Táextintojá?[Luciene] Aqui não... Mas só aparece de noite. Ele ébrabo.

Page 345: Livro Museologia e Património - Volume 6 - para capa e ...

MuseologiaePatrimónio–Volume6

343

A tal forasteira instala, discretamente, um dispositivoeletrônicosobobalcãodobar,quemaistardedescobrimosbloquearosinal de telefone e internet de toda cidade. Bacurau, além dedesaparecido do mapa, agora estava incomunicável. A dupla deforasteiros sulistas deixa o povoado perseguidos por Carranca, omúsicovioleiro e repentista, nãopor acaso chamadopelo apelidode“Carranca”170, improvisa uma música que ironiza o preconceito dosforasteiros contra os nordestinos. Os forasteiros parecem bemincomodadosechegamaoferecerdinheiropraqueCarrancaparedecantar,aoqueorepentistaprontamenterespondecomoutros tantosversoscríticos,umrepentereveladordoconflitoqueexistenoBrasilentrearegiãonordeste,suleasudeste:

[Carranca]EssepovodoSudesteNãodormenemsaidosolAprenderoapescapeixeSemprecisadeanzolSeacharammelhorqueosoutroMas“indanumentendêro”.QueSãoPauloéumpaiol!(sic.)

Descobrimos que na Fazenda Tarairu, de onde fugiram os

cavalos, houve uma chacina. Flavio e Maciel encontraram todos osmoradores mortos e se apressaram para retornar. No entanto,encontramo casal de forasteiros no caminho, e são brutalmente poreles assassinados. A cena é filmada à distância por um drone, quesobrevoavaosarredoresdeBacurauháalgunsdias.

Na cena seguinte, pela primeira vez, temos contato com osresponsáveispelasmorteseatentados.Emumacasapróximaacidade,está abrigado um grupo de estrangeiros, aparentemente americanos,reunidosaliparapraticarumaespéciedesafari, competindoentresiparaverquemmatamais.Porém,osalvos,aindaqueanimalizadosporessaspessoas,nãosãoanimais,sãoosprópriosmoradoresdeBacurau.OgrupoparecetercomoautoridadeMichel,omaisvelhodentreeles,umalemãonaturalizadoamericano.Essesgringosportamarmamento

170Acarrancapossuicaracterísticasmísticasdeafugentarosmausespíritos,serveaindacomoamuletoeproteção(MendonçaFilho,2020,p.256).

Page 346: Livro Museologia e Património - Volume 6 - para capa e ...

MuseologiaePatrimónio–Volume6

344

pesado,muitas tecnologiasde comunicaçãoemonitoramento,dentreelas o drone, que espiona os moradores da cidade. O drone estátoscamentecaracterizadocomoumanaveespacial, talvezumaironia,calcada na crença de que aquela população seria completamenteignorante com relação as tecnologias e para indicar que o povoadoseriacompletamenteabduzido.

Ocasaldeforasteirosbrasileirostrabalhavaparaessegrupoetinha a missão de monitorar a cidade, cortar a comunicação eorganizaroterritórioparaqueosestrangeirospudessemcomeçarsua“caça”.Aodescobriremqueaduplahaviamatadodoisdeseusalvos,ogruposeenfurece.Ocasaltentaargumentar:

[Forasteira]Medesculpe,mas...eufizoquefizporqueelesiriamfalar.[Julia/estrangeira]Aquestãoéquevocêsvieramaquipara trabalhar para gente, não para roubar nossasmortes.[Michel/ estrangeiro] Sim, vocês fizeram um bomtrabalho,encontrandoumcudemundoinofensivodequeninguémsentiriafalta,ajudaramcomalogística,com informações, vocês trabalharam bem. Mas nãoera pra vocês, tipo, matarem ninguém. Vocês agorasãoassassinos.[Forasteira]Bem,matamososdoiscarasparaajudaranossamissão.[Kate/estrangeira]“Nossa”missão?

O “nossa” denuncia a visão dos forasteiros: ainda que

brasileiros,elesseconsideravamdiferentesdosdemaisconterrâneos.Eles eram nascidos na região sul do país, “desenvolvida”, colonizadaporalemãeseitalianos,muitodiferentedaregiãonordeste.Osgringosfazemchacotadesuasexplicações.Ridicularizamseustraçosnegroselatinos, enfatizam que eles jamais poderiam ser como eles, jamaisseriam brancos. Após autorização da sede – que aparentementecoordenavaojogodecaça–ogrupoalvejaocasal,disputandoparaverquemmarcaapontuaçãodasmortes.

VoltandoaBacurau,osmoradoresvãoembuscadeLunga,umcriminosoforagidocomseubandoemumafortalezaabandonadanas

Page 347: Livro Museologia e Património - Volume 6 - para capa e ...

MuseologiaePatrimónio–Volume6

345

imediações da represa, em guerra permanente com os guardiães daágua. Lunga é uma espécie de cangaceiro, andrógino com unhaspintadas, várias tatuagens dispostas pelo corpo, carregado deacessórios.

Lungahabitaesselugarondenãoháumgêneroespecífico–eleéhomem,eleémulher–etambémemumacivilização.Trata-sedeumpersonagem que foi construído pelos diretores contando com asreferênciasapolíticadecabresto,ooportunismopolíticoea faltadeassistência, umahistória vividanapele sobre falta de oportunidades(Yahn,2019,s/p).

Lungaprontamentesedispõeaajudaropovoado,ondeparecetercrescidoeterfamília. AochegaremBacuraueleéovacionado,osmoradoresparecemnutrirafetoegratidãopelafigura.Nomarcozerodacidade,elelideraaescavaçãodeespéciedetúnelsubterrâneo,queseassemelhaaumaespéciedebunker.

Ao cair da noite, os gringos providenciam o corte da energiaelétricaeumacriançaéassassinadaatirosnamata,emmeioassuascaçadas.Ficaevidentepara todosqueBacurauestá sobreataque.Noescuro, sozinhos e incomunicáveis, era de se esperar que aquelaspessoasfossemumalvofácileperecessemnachacinaplanejada.

Ogrupodeestrangeirossedispersaemduplas,paracomeçaracaça,KateeWilly resolvematacarDamiano,masele sedefendecomumbacamarteeexplodeacabeçadeWilly.Kateporsuavez,quenãopara de atirar, é atingida por Deyse, companheira de Damiano, quedefendeacasadeumincêndioprovocadopeladupla.

Do alto de uma colina Michel, o líder dos gringos, mira opovoado com uma arma de longa distância, observa seuscompanheirosdegrupoadentraremaopovoado,absolutamentevazio.Ele chacoteia esses companheiros, fazendo mira em seus corpos ecomunicando-se com eles de forma irônica como se estivesseempenhadoemburlarojogo.Metralhaasparedesdecasas,daescolaeinsiste em mirar em seus próprios colegas. No meio do ataque, umcaminhão chega, trazendo mais caixões, demonstrando que aprefeituracompactuavacomoplanodosgringoseeraconiventecomoataque.Asduplasvasculhamacidade,embuscademoradores,porémnãoencontramninguém.Michaelnocomando,pareceabsolutamenteinsanoeatiraemumcachorro,apenaspordiversão...

Page 348: Livro Museologia e Património - Volume 6 - para capa e ...

MuseologiaePatrimónio–Volume6

346

3.EchegamosaoMuseu

Figura02:MuseuHistóricodeBacurauFonte:Sotero&Junqueira,2020

Em meio ao povoado deserto (os moradores permaneciamescondidosnaescola),Terry,umdosestrangeiros,resolveprocurarapopulaçãoparaperpetuarachacinanoMuseudeBacurau.Aoentrarna pequena construção de pedra, na rua principal da cidade, vemosquadrosnasparedesdediversasfiguras,queparecemirdesdepessoascomuns até reis do cangaço. Nas paredes, fotografias em preto ebranco e em cores do passado do povoado, cenas de festas na rua,retratosdepersonagensdoséculoXX,homens,mulheres,crianças.

Molduras enquadrammanchetes de jornais antigos, narrandocombatesentreapolíciavolanteeoscangaceiros.Vemosumaltar,umpequeno oratório, enxadas e outros tipos de ferramentascuidadosamente penduradas nas paredes.Nas estantes,máquinas decostura fazem referência à Lampião, o “rei do cangaço”, que seorgulhava da habilidade de costurar e bordar suas roupas e de seubando.

O cenário do Museu foi cuidadosamente construído pelaprodução de arte de Bacurau com armas das primeiras décadas doséculo XX e diversos utensílios, como ex-votos, oratórios, ferros de

Page 349: Livro Museologia e Património - Volume 6 - para capa e ...

MuseologiaePatrimónio–Volume6

347

passar, cadeiras, instrumentos de trabalho, enfim, com uma série deobjetos recolhidos da vida sertaneja dopassado (Sotero e Junqueira,2020).

Emmeio ao acervo de fotos destacam-se a que exibe quatrocorposenfileirados,nochão,a famosa imagemdascabeçasdobancode Lampião exposta em Angicos em 1938 e uma foto que mostracabeças decepadas organizadas em fila na escadaria da igreja deBacurau. Destacam-se também os recortes de jornal enquadrados: OGlobo “A cabeça de Lampião disputada pela ciência” e Diário dePernambuco“CoiteirosdeBacurausãoalvosdavolante”.

Figura03:AcervodoMuseuHistóricodeBacurauFonte:Sotero&Junqueira,2020

Comodesenrolardascenasobservamosqueomuseujácontacomumanovapeçadeacervo:ummanequimvesteimprovisadamenteosdoiscoletesensanguentados,oschapéuseasbotasdeKateeWilly.

Ogringoobserva tudocauteloso,umaparedesedestacaparaTerry,naqualpodemosverapenasasilhuetadoquecostumavahaverpendurado ali, a silhueta de armas. É quando o homempercebe quealgoestáerradoetentaescapar,noentantoésurpreendidoporLunga,que surge, atirando, de um alçapão subterrâneo. Em um quadro,ocultadopelo ângulo dedisposiçãoda câmara, LungadecapitaTerrycomum facão. Sua fúria parece ecoar um ressentimento ancestral, o

Page 350: Livro Museologia e Património - Volume 6 - para capa e ...

MuseologiaePatrimónio–Volume6

348

sanguerespingaemseurostoepelasparedes.Um a um os estrangeiros são surpreendidos pelo povo de

Bacurau, até só restarMichel, no topo da colina, assistindo tudo. Aoperceber suaderrota,Michel abateoúltimode seus companheiros eensaiaumatosuicida,masantesqueessepossaseconcretizar,elevê,nitidamente, a imagem de Carmelita, imponente, diante dele, comBacuraurepousandoaofundo.Michelécapturado.

Amanhece o dia. Os moradores, tomados por um misto dechoque e tristeza, organizam o museu. O chão lavado de sangue, éescoado com um rodo pelas escadarias, pintando de vermelho obatentedaporta.

[Iza/moradora]Agentelimpaochão...Ela olha a parede tocada com sangue por Terry, aparededasarmasausentes.[Iza/ moradora] Mas ninguém toca nas paredes.Deixamosexatamentedojeitoqueficou.

Uma van preta chega na cidade trazendo Tony Junior. Nos

bancos traseiros, nos assentos reservados garrafas de água mineralaguardam seus passageiros. O prefeito vê as cabeças dos “turistas”dispostasnaportadaigrejaepareceficarsemreação.

O povo percebe que o prefeito veio buscar o grupo deestrangeiros, depois do que espera ter sido um safari bem-sucedido.Como punição, Tony Junior recebe uma máscara de papangu e éamaradoapenasdecuecaemcimadeumjumento,quedispararumoao desconhecido, em direção a vegetação espinhosa das matas dosertão.

QuandoMichelcheganaruaprincipal,opovoestáprontopararecebê-lo.Vemosalimuitoscaixõesenfileirados,sinalizandoastantasmortes que os estrangeiros causaram. Na mesma cena, a câmeracaminhadeencontroàscabeçasdecapitadasdosgringos,alinhadasnaescadariadaigrejaeMichelacenacomacabeçaemreprovaçãoaoqueconsideraexcessodeviolência.

Descobrimos que o buraco cavado por Lunga, guardava umaespécie de prisão oculta, e assim o destino de Michel é atrás dasgrades,nessesubterrâneo.OpovodeBacuraujogaaterraparacobriràcovaeelebrandaaúltimasentença:

Page 351: Livro Museologia e Património - Volume 6 - para capa e ...

MuseologiaePatrimónio–Volume6

349

Issoésóocomeço.

4.Ameaçasderepetiçãodahistória

Tantos caixões presentes desde a primeira cena de Bacuraunosremetemaumsentimentodemaupresságioe,comodesenrolardahistória,transforma-seemsímbolosdacertezadequeBacurauiriaperecer,comooplanejado.Daquelepovoado,queviviaemcondiçõeslimítrofes de abandono por parte do governo, era esperado que suagentenãoencontrasseforçaspararesistiraqualquerformadeataque.Absolutamente excluídos das políticas sociais, suas estruturasdeveriamestarfragilizadaspeloabandonocrônico,pelafaltadeágua,remédios,educação,alimentos.Dessaforma,arepetiçãodotraumaseanunciavamaisfortedoqueapossibilidadedereparação.

Porém, Bacurau funcionava plenamente, contornando odescasogovernamentalemestadodeunião,acomunidadeorganizavasuasformasdeatenderessasnecessidadesedemaneiraorgânica.Seaomenososinimigostivessemaceitadooconviteparavisitaromuseudacidade,talvezpudessemtercompreendidoqueBacuraudescendiadeumaforçaderesistênciahistórica,quesealastravaemseupovo.

Quando o povoado é invadido, sob alvo de um jogo, cujoobjetivoépontuar commaismortes, compreendemosqueo local foicedidoporpoderesgovernamentaisparafinsdeumlazersanguináriodeamericanos.Bacurauvirapalcodeumabrincadeiraentreumgrupode estrangeiros, praticando uma espécie de safari de caça, onde osalvos são animalizados, o objetivo é matar e por consequência,exterminar todo o povoado. Deveria ser fácil para os estrangeiros,fortemente armados e munidos de tecnologia, exterminar aquelaspessoas que eles desprezavam em absoluto alimentandos pelospreconceitoscontraonordestinobrasileiro.Aconjunturanãopermitiaquetivessemcondiçõesdecogitarapossibilidadedeumaresistênciaorganizadaebem-sucedida.

Todos esses elementos nos conduzem a pensar que Bacurauiriaperecer,principalmentequandonosremetemosatantashistóriassemelhantes ocorridas no país, protagonizadas por brasileiros reais.São vários os episódios que compõe a história doBrasil onde, assimcomo emBacurau, o Estado autoriza e comuna coma violência para

Page 352: Livro Museologia e Património - Volume 6 - para capa e ...

MuseologiaePatrimónio–Volume6

350

comlocaismarginalizadoseregistra,naspáginasdahistóriaoficial,olugardosexcluídos,amarcada ineficiênciadarevoltaedoinsucessodosmovimentossociaisdeoposição.

Como exemplo podemos considerar o própriomovimento docangaçovigentenoBrasilentreofinaldoSegundoImpérioeadécadade1930,queapareceretratadonoacervodomuseudeBacurau,“ummovimentosocialarmado,contextualizadopordisputaspolíticas,porterras e a luta pela honra” (Santos, 2018, p.2). Favorecido pelascondições precárias do sertão nordestino em situação de miséria,isolamentoedesprovidodapresençadoestado.Oscangaceirosagiammuitasvezesembenefíciopróprioecomextremaviolência,mas,poroutrolado,roubavambensealimentosdecomerciantesefazendeirose os distribuíam aos mais pobres (Santos, 2018). Existiam diversosbandosde cangaceiros, cadaumcomseu líder.Omais conhecido foiVirgulino Ferreira, o Lampião, cujo extermíniodobandoocorreu em1938, partir de uma emboscada organizada pelas forças policiais naGrutadeAngicosemPiranhas,Alagoas.

O Estado, por meio das forças policiais e militares, queriaevidenciaràpopulação,pormeioderequintesdeviolência,opoderdecontermovimentosdeoposiçãoaosistema.OscorposdeLampião,suaesposa Maria Bonita e outros nove cangaceiros foram degolados eexpostos na escadaria da Prefeitura de Piranhas. As cabeças doscangaceirosseguiramemumverdadeirocortejo,passandoporváriascidades nordestinas, sendo expostas para servir de exemplo paraaquelesquepensavamemserebelarcontraoEstado

Além do movimento do cangaço, Kleber Mendonça FilhorelatououtrosfatoshistóricosqueforaminspiraçãoparaoroteirodeBacurau,comoaGuerradeCanudos.

Em1895,nointeriordaBahia,nasceoarraialdeCanudos,emBeloMonte,reunindo,emmoradia,escravizadosrecém-libertos,índiosesertanejos.Oarraialteveumcrescimentoestrondoso,chegandoasero segundo local mais populoso da Bahia. Os moradores viviamprincipalmente de agricultura de subsistência e criação de cabras,partilhavam entre si seus mantimentos e vendiam para fora osprodutos excedentes. Por não pagar impostos, reunir rejeitados edesenvolver-se tão plenamente, Canudos provocou indignação entreossenhoresde terraeoEstado.Nãodemoroumuitoparaogovernoarticularumaexpediçãopolicial à Canudosque foi surpreendidapor

Page 353: Livro Museologia e Património - Volume 6 - para capa e ...

MuseologiaePatrimónio–Volume6

351

umaresistênciaarticulada.Deu-sealioprimeirodemuitoscombatesentreopovoeasforçaspoliciais,atéque,em1897,Canudospereceudeixando cerca de 20 mil mortos. O enfretamento foi violento edesproporcional, sendo utilizados até mesmo canhões e baionetascontraossertanejos,muitasvezesarmadosapenascomfacas.Aofinal,oarraialfoiqueimadoemuitosdosqueserenderamforamdegolados(Costa,2018).

Esses são apenasdois expoentesdeumhistóricode combateentre Estado e população, que se perpetua desde a chegada dasexpedições exploratórias no Brasil. São requintes de violênciaderivados da colonização, onde os portugueses encaravam os povosoriginárioscomoanimaisbrutosesemalma,empecilhosnocaminhodoprogresso.Otemposepassou,masosalvoscontinuamosmesmos:pobres,pretos,índios,sertanejos...

E assim o Estado brasileiro deixou a marca registrada naspáginasdahistóriaoficialsobreoqueacontececomosquecontestamopoder.

Enquanto sucessão de etapas num quadro temporalhomogêneo,ahistóriaésempreanarraçãodosvencedores,domesmopelo mesmo, silenciando a “corvéia anônima” que participou naconstruçãodasociedade.Afalhadohistoricismoestánesseponto,ouseja,ovencedornarraosfatossemexplicaroprojeto“dosoprimidos”e a desigualdade de condições nomomento da sua vitória (Cardoso,2007,p.44).

Tentativas de abate das forças de resistência pelos caminhosconflitivos da memória, considerando-se que a construção dasnarrativashistóricasocorreemumasearadedisputasdeconsiderávelamplitude (Ferro, 1989), onde todos querem se tornar senhores dememóriaeesquecimento.

Tornarem-se senhoresdamemória edo esquecimento éumadasgrandespreocupaçõesdasclasses,dosgrupos,dosindivíduosquedominaramedominamassociedadeshistóricas.“Osesquecimentoseos silêncios da história são reveladores desses mecanismos demanipulaçãodamemóriacoletiva”(LeGoff,1996,p.426).

Poroutro lado, dianteda ameaçaopressivadasnarrativasdahistóriaoficialedesuaconstanterepetição,emumaespéciedetempocircular, nos deparamos com um povoado que, com base em suasreferênciasculturaiseseusentimentodecomunidade,reconstruiusua

Page 354: Livro Museologia e Património - Volume 6 - para capa e ...

MuseologiaePatrimónio–Volume6

352

própria história reelaborando memórias subterrâneas, partesintegrantes das culturas dominadas, embaladas em narrativas damemóriaoral.Emcontraposiçãoamemóriaoficial,essamemóriaoraltransformou-se em potencial de luta e resistência, em permanenteconflito com os inúmeros mecanismos de manipulação da memóriacoletiva e seu status de memória oficial, rearticulando o passado, opresenteeaconstruçãodofuturo.

Bacuraueraumacomunidadepacífica,asarmasestavamtodasguardadas no museu histórico, fixadas na parede para exposição deuma história de orgulho. Omuseu era o lugar onde se construíam ereconstruíam essas “memórias subterrâneas” que, como parteintegrante das culturas minoritárias e dominadas, se opõem à“Memóriaoficial”.Essasmemóriaspulsavamnozeloepreservaçãodeum acervo que possibilitava a organização, o controle e aressignificação do conflitivo jogo de poder entre o lembrar e oesquecer. É pormeio dessa capacidade de controle sobre o passadoque podemos legitimar o presente e assegurar um potencial detranscendência.

É noMuseu que osmoradores de Bacurau, quando atacados,vãobuscarseusobjetosdelutaedevolveraelesasfunçõesprimáriaspara as quais foram criados: fazer guerra. Ao final do conflito, seriainimaginável qualquer outra orientação que não fosse aquela dadapela responsável domuseude lavar o chão,mas deixar intocadas asmarcasdesanguenasparedes.(Kunzler,2019,s/p).

O Museu Histórico de Bacurau, em função das emergênciaspresentes, era o palco onde se tecia essa narrativa histórica desofrimentoeresistênciaeondeamemóriacoletivaserepresentava.Aliaqualquermomentoseriapossívelapropriar-sedessamemóriacomomunição para enfrentar as adversidades e articular forças paraemergências presentes. Nas palavras de Benjamin (1994, p.224)“articularhistoricamenteopassadonãosignificaconhecê-lo‘comoelede fato foi’.Significaapropriar-sedeumareminiscência, talcomoelarelampejanomomentodeumperigo”.

Page 355: Livro Museologia e Património - Volume 6 - para capa e ...

MuseologiaePatrimónio–Volume6

353

5.Museu:desejodememóriaeforçaderesistência

ColeçãodeCacos[...]Bichospequeninos

fogemderevolvidolarsubterrâneo.Vidrosagressivos

feremosdedos,preçodedescobrimento:

acoleçãoeseusinaldesangue;acoleçãoeseuriscodetétano;

acoleçãoquenenhumoutroimita.Escondo-adeJosé,porquenãoria

nemjogueforaessemuseudesonho.CarlosDrummonddeAndrade.

Todososdias,emBacurau,apersonagemIsaabreasportasdo

MuseuHistórico e realiza os cuidados e asmanutenções necessáriaspara a preservação do acervo. O Museu localiza-se no meio dopovoado, ao lado da única igreja católica, que não tem o mesmoprivilegiodereceberaatençãoeozelodapopulação,permanecendofechada, sendo usada como depósito de materiais. Verifica-se que omuseu,investidodeumaaurasimbólica,épalcoderitualdelouvaçãoamemória, constituindo-senoqueNora (1993) chamade espaçodavigilânciacomemorativa.

Partindo-se do princípio de que não há uma memóriaespontânea e que não existem verdades únicas e absolutasestruturando lembranças, considerando-se que a memória é“vulnerável a todos os usos e manipulações, susceptíveis de longaslatênciasederepentinasrevitalizações”(Nora,1993,p.12),omuseuéo lugar que possibilita o acesso a memória reconstituída, dotada deuma construção narrativa, atrelada ao sentido necessário depertencimentoeidentidade.EmBacurauosmembrosdacomunidadesãoosprópriosgestoresdesuamemóriaeescolhemcomo,oquê,porquê e para que lembrar ou esquecer, organizando-se no Museu eorganizando o museu como lugar de memória (Nora, 1997). Asociedadebuscaoslugaresdememóriacomoferramentaparatornar-seagentedeseutempo.

Page 356: Livro Museologia e Património - Volume 6 - para capa e ...

MuseologiaePatrimónio–Volume6

354

SegundoNora,(1993,p.14)O que nós chamamos de memória, é de fato, aconstituição gigantesca e vertiginosa do estoquematerial daquilo que nos é impossível lembrar,repertório insondável daquilo que poderíamos ternecessidadedelembrar".[...]Oslugaresdememórianascemevivemdosentimentoquenãohámemóriaespontânea, que épreciso criar arquivos, organizarcelebrações,manteraniversários,pronunciarelogiosfúnebres,notariaratas,porqueestasoperaçõesnãosãonaturais.

LeGoff(1990,p.478)pontuaque“amemóriaprocurasalvaro

passado para servir o presente e o futuro”. Ela transforma osresquícios do passado em armas para o enfrentamento de situaçõesadversas,evocandoquandonecessárioatémesmoaslembrançasmaistraumáticasequepareciamsilenciadas.

Olongosilênciosobreopassado, longedeconduziraoesquecimento,éaresistênciaqueumasociedadecivilimpotenteopõeaoexcessodediscursosoficiais.Aomesmotempo,ela transmitecuidadosamenteaslembranças dissidentes nas redes familiares e deamizades, esperando a hora da verdade e daredistribuição das cartas políticas e ideológicas(Pollak,1989,p.5).

Amemórianãosedesenrolafeitoumnovelo,linear.Elanãose

estrutura em retrospectivas, em modalidades cronológicas ou emcontínuosrítmicosdentrodeumtempolinear.Issomesmoque“suporque um objeto pesado, suspenso no ar por uma quantidade de fiostênues e entrecruzados, permaneça suspenso no vácuo, onde sesustenta por si mesmo” (Halbwalchs, 2003 p. 52). Memória, essesatélite que nos orbita, não está flutuando no espaço, de formaindependenteeautônoma.

Nós, enquanto sujeitos, ainda que nos esforcemos, nãopodemosnoslembrardetodososinstantesdenossasvidas.Contamos

Page 357: Livro Museologia e Património - Volume 6 - para capa e ...

MuseologiaePatrimónio–Volume6

355

com amemória no grupo social para narrar uma história sobre nósmesmos, que aponta quem somos, que sinaliza nossa identidade.Temos familiares, amigos, dentre outras pessoas que contam asperipéciasdenossa infância.Temos fotografias, vídeose relíquiasdeum tempo que se foi, mas que segue guardado feito um museuparticular. Temos asnarrativasde testemunhasdenossas vidas, quealiadas as nossas, nos ajudam a criar uma história sobre esse nossouniversoparticular,sobrenósmesmos.Dessaforma,“[...]paraevocarseuprópriopassado,emgeralapessoaprecisarecorreraslembrançasdeoutras,esetransportaapontosdereferênciaqueexistemforadesi,determinadospelasociedade”(Halbwalchs,2003,p.72).

A construção da memória é imbricada as tessituras do queHalbwalchs (2003) conceitua como comunidade afetiva. Segundo oautor, a reconstrução de memórias ocorre “a partir de dados ou denoçõescomunsqueseencontramtantononossoespíritocomonodosoutros, por que elas passam incessantemente desses para aquele ereciprocamente, o que só é possível se fizeram e continuam a fazerpartedeumamesmasociedade”(Halbwalchs,2003,p.34).

Portanto,amemórianãoéuniforme,uníssona.Elasesustentadeváriostestemunhos,narrativas,vozes,ausênciasepresençasqueseatravessam em um continuo. A memória é intima da narrativa,existindoentreessasumcicloderetroalimentação:amemóriainflaanarrativa e a narrativa infla a memória, as duas preservam avivacidadearespeitodealgo.Narrarassinalaosmarcoseleitosdeumaexperiência, decanta no esquecimento o que ali não cabe, conta,adicionaesubtraiaoquepodeserditoeoquedevesersilenciado“Seo que vemos hoje toma lugar no quadro de referências de nossaslembranças antigas, inversamente essas lembranças se adaptam aoconjuntodenossaspercepçõesdopresente”(Halbwalchs,2003p.29).

ComocolocaPollack(1989,p.3)“Areferênciaaopassadoserveparamanteracoesãodosgruposedasinstituiçõesquecompõemumasociedade,paradefinirseulugarrespectivo,suacomplementariedade,mas também as oposições irredutíveis”. Memória não é preservaçãointegraldosfatos,issonãoseriapossível,poisessaésempresubjetivae renovada dentro de suas narrativas, a medida em que transita naoralidade, de escrita em escrita, de imagem em imagem, ela setransfiguraemesemoldamatendendoaafetos,politicas,sociedades,dentreostantosoutrosfatorespassiveisdeconfigurá-la.

Page 358: Livro Museologia e Património - Volume 6 - para capa e ...

MuseologiaePatrimónio–Volume6

356

A memória não é “faculdade de arrumar recordações numagaveta ou de inscrevê-las num registro” (Bergson, 2001, p. 16). Amemória,oulembrança,épautadanaconjugaçãodoverbo“querer”notempopassadoeseumaterialdeconstituiçãoéodesejo. Elanosfaladoquegostariadetersido,doquegostariadeser,dosusospossíveisdas lembranças na transformação do presente (Esclapes, 2019;Gondar, 2000). Trata-se da “força interior que permite ao ser vivolibertar-se do ritmodo transcorrer das coisas, reter cada vezmais opassado para influenciar mais profundamente o futuro” (Bergson,1990,p182). Ahistóriadessaformavemsendoconstruídapormeiodeesforçoscontínuosparaatualizaçãodosdesejosquetransitamporessefiocomplexoenãolinear.

Entres reminiscências do passado associadas às situaçõeslimites do presente, em Bacurau a história não se repete, ela sereinventapelasengrenagensdosdesejosquasecomoemumsonho.Acomunidaderessignificaopassado,realizandooqueBenjamin(1994)denomina “escovação a contrapelo da história”. Agora são osoprimidosquerestauramacapacidadedesonhar,deolharparaoladoede coabitar várias temporalidades contraditórias edevenceremosopressoresemumaespéciedeoniropolítica(Dunker,2019).Ecomoseum sonho milenar emergisse as telas do cinema trazendo desejossufocadosquejánãopodemmaispermaneceremsilêncio.

EmBacuraualembrançaqueseevocaépermeadapelodesejohistórico de superação da situação limite de desumanidade, umalembrançaqueconjugaoverboquerernopassado,masoressignifica,presentificando o desejo e promovendo a transformação. Amemóriaimplica esquecer a dor e o fracasso vividos no passado, livrar-se dotraumático e lembrar o arsenal de forças condicionadas nasreferênciasculturaisenaidentidadenordestinadeforça,resistênciaesobrevivência.6.Algumasconsideraçõesfinais

Nastelasdocinema,ummuseuexisteindependentedopoderpúblico, organizado pela comunidade que escolhe o que preservar eporquepreservardeformaautônomaeautossustentável,reafirmandosuaidentidade.EmBacurau,omuseurepresentaolócusdeonde,pormeio de fragmentos simbólicos, as referências culturais se

Page 359: Livro Museologia e Património - Volume 6 - para capa e ...

MuseologiaePatrimónio–Volume6

357

materializam. É o lugar onde se desenvolve o jogo de forças entre olembrareoesquecer,éolugardefalaconquistadoàreveliadahistóriaoficial de onde se constrói uma outra narrativa que ausculta eressignificaasmemóriasdosoprimidoseinjustiçados.

OmuseupertenceatodosetodospertencemaomuseusendoBacuraueseumuseuabsolutamenteindissociáveis.Seupapelécentralcomolugarparaarticulaçãoegestãodaslembrançasedeconstruçãodosesquecimentosnecessáriose tambémcomoespaçodeafirmação,autoestima,cultoeveneraçãodaidentidadedopovoado.

Além de ser uma homenagem aos pequenos museusindependentesdispostosemvárioslocaisdopaís,ofilmeéumconviteà valorização da cultura, a retomada da comunidade, ao resgate dosentimentodepertencimento.Umachamadaparaoretornoasraízes,aos “saberes-fazeres”, à apreciação das narrativas diversas, ashabilidadesderessignificaçãodopassadoparavencerasdificuldadesdo presente. É a resiliência do cinema brasileiro, em tempos tãodifíceis, revelando para o mundo que a força e a resistência sãoelementosinerentesaonossopatrimôniocultural.ReferênciasAndrade,C.D.(1979)Coleçãodecacos.In:Andrade,C.D.Boitempo-Esquecerparalembrar.SãoPaulo:JoséOlympio.Balestrin, P. e Soares, R. (2012). “Etnografia de tela”: uma propostametodológica. In:Meyer,D.E. eParaíso,M.A. (Eds.).MetodologiadePesquisas Pós-críticas em Educação. 2. ed. Belo Horizonte: MazzaEdições,p.89-112.Benjamim, W. (1994). Magia e técnica, arte e política: ensaios sobreliteraturaehistóriadacultura.SãoPaulo:Brasiliense.Bergson, H. (1990).Matéria e memória – ensaio sobre a relação docorpocomooespírito.SãoPaulo:MartinsFontes.Bergson,H.(2001).Aevoluçãocriadora.Lisboa,Portugal:Edições70.Cardoso,A. (2007).Anarraçãodahistória eo conceitode tempoem

Page 360: Livro Museologia e Património - Volume 6 - para capa e ...

MuseologiaePatrimónio–Volume6

358

Benjamin.ActaCientífica.CiênciasHumanas,1(12),41-52.Recuperadoem 30 de maio, 2021,dehttps://revistas.unasp.edu.br/acch/article/view/458/460.Costa, C. (2017). Cronologia resumida da Guerra de Canudos. Rio deJaneiro: Museu da República: IBRAN/MinC. Recuperado em 25 demaio, 2021,de http://museudarepublica.museus.gov.br/wp-content/uploads/2017/10/CronoCanudos.pdf.DaEscóssia,L.eTedesco,S.(2015).Ocoletivodeforçascomoplanodeexperiência cartográfica. In: Passos, E.; Kastrup, V. e Da Escóssia, L.Pistas do método da cartografia: Pesquisa-intervenção e produção desubjetividade.PortoAlegre:Sulina.Dunker, C. I. L. (2019).Oniropolítica: alegorias da violência no Brasilcontemporâneo. São Paulo: Boitempo. Recuperado em 25 de maio,2021 de https://blogdaboitempo.com.br/2019/10/07/oniropolitica-alegorias-da-violencia-no-brasil-contemporaneo.Esclapes, A. (2019). Sem memória e sem desejo. apsicanalise.com –Blog da Escola Paulista de Psicanálise. Recuperado em 25 de maio,2021 de https://www.apsicanalise.com/index.php/blog-psicanalise/48-artigos/349-sem-memoria-e-sem-desejo.Ferro,M.(1989).AHistóriaVigiada.SãoPaulo:MartinsFontes.Gondar,J.(2000).Lembrareesquecer:desejodememória.In:Costa,I.T.M.eGondar,J.(org.).MemóriaeEspaço.RiodeJaneiro:SeteLetras.Halbwachs,M.(2003).Amemóriacoletiva.SãoPaulo:Centauro.Híkiji,R.S.G.(1998).Antropólogosvãoaocinema-observaçõessobreaconstituição do filme como campo. Cadernos de Campo (São Paulo1991), v. 7, n. 7, p. 91-113. Recuperado em 25 de maio, 2021, de:http://www.periodicos.usp.br/cadernosdecampo/article/view/52606Kunzler,J.(2019,Outubro05).PorqueBacurautemummuseu?ProjetoColabora. Recuperado de https://projetocolabora.com.br/ods4/por-

Page 361: Livro Museologia e Património - Volume 6 - para capa e ...

MuseologiaePatrimónio–Volume6

359

que-bacurau-tem-um-museu/.Le Goff, J. (1996) História e Memória. 4ª ed. Campinas: Editora daUnicamp.Lesclaux,E.,Saïd,S.,Merkt,M.&Diegues,C. (Produtores).Filho,K.&Dornelles,J.(Diretores).(2019).Bacurau[Filme].Parelhas,RN:GloboFilmes,CinemaScopio,SBSProductions.Mendonça Filho, K. (2020).Três roteiros: O Som ao Redor; Aquarius;Bacurau.SãoPaulo:CompanhiadasLetras.Nora,P.(1993).Entrememóriaehistória:aproblemáticadoslugares.Projeto História: Revista do Programa de Estudos Pós-Graduados deHistória,10.Nora,P.(Org).(1997).LesLieuxdeMémoire.v.3.Paris:Gallimard.Oliveira,A.F.F.&deAndradeNascimento, I.A.(2019).Memóriasdolugar: a construção enunciativa da identidade e do pertencimento.Revista Recorte, 16(1). Recuperado em 25 de maio, 2021 dehttp://periodicos.unincor.br/index.php/recorte/article/view/5229/pdf_137.Perotta,I.eSantaCruz,L.(2018)OMuseudeBacurau:memóriacomoresistência. CRio – ESPM. Recuperado em 25 de maio, 2021, dehttp://www.crio.espm.br/post/escreva-seu-blog-pelo-desktop-e-pelo-mobile.Pollack, M. (1989). Memória, Esquecimento, Silêncio. In: EstudosHistóricos.v.2,n.3.RiodeJaneiro:FGV.Pollack,M.(1992).Memóriaeidentidadesocial.In:EstudosHistóricos.v.5,n.10.RiodeJaneiro:FGV.Santos,W.A.(2018).Cangaço:ummovimentosocial.RevistaCaribeñade Ciencias Sociales, pp. 1-9. Recuperado em 25 de maio, 2021,de:https://www.eumed.net/rev/caribe/2018/02/cangaco-movimento-

Page 362: Livro Museologia e Património - Volume 6 - para capa e ...

MuseologiaePatrimónio–Volume6

360

social.html.Sotero, P. e Junqueira, T. (2020). O roteiro e uma longa relação deamizadee trabalho. IrisCinematografiaBrasileira.Recuperadoem25demaio,2021,de:https://www.iriscine.com/bacurau/.Yahn,C.(2019,Novembro12).NãocontecomigoparaentregarLunga.FFW Cinema– UOL. Recuperado de:https://ffw.uol.com.br/blog/cinema/nao-conte-comigo-para-entregar-lunga/

Page 363: Livro Museologia e Património - Volume 6 - para capa e ...

MuseologiaePatrimónio–Volume6

361

UMATRAJETÓRIADEFORMAÇÃODEAGENTESDOPATRIMÔNIOEMUSEUSNOMEIONORTEDOBRASIL

ÁureadaPazPinheiro

UniversidadeFederaldoPiauí,BrasilUniversidadeFederaldoDeltadoParnaíba,Brasil

https://orcid.org/0000-0002-2684-3036

RitadeCássiaMouraCarvalhoUniversidadeFederaldoPiauí,Brasil

UniversidadeFederaldoDeltadoParnaíba,Brasilhttps://orcid.org/0000-0001-5936-2055

1Umtrabalhoparticipativoecolaborativo

Para nossos estudos e intervenções, 2008 foi um ano

emblemático, por ter sido o momento inicial de um processo deformação profissional que resultou, em 2013, na aprovação, pelaCoordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Ensino Superior(Capes),doMinistériodaEducação(MEC),Brasil,denossapropostadecriação do Programa de Pós-Graduação, Mestrado Profissional, emArtes,PatrimônioeMuseologia(PPGAPM)naUniversidadeFederaldoPiauí,CampusMinistroVeloso,quedesde2018,passouàUniversidadeFederal do Delta, na cidade de Parnaíba, litoral norte do Estado doPiauí.171

171 O Projeto para criação do Programa de Pós-graduação em Artes,Patrimônio e Museologia foi elaborado e enviado à Capes em 2013, viaAplicativoparaProposiçãodeCursosNovos,poriniciativadaProfªDrªÁureadaPazPinheiro;trata-sedeumdosresultadosdeseuPlanodeAtividadesdePós-doutorado Sênior Capes, Exterior (de novembro de 2013 a março de2014). O Estágio de Pós-doutorado, Capes/Sênior Exterior foi realizado naUniversidade de Lisboa, Faculdade de Belas-Artes, Programa de Pós-graduação em Belas-Artes, Especialidade Museologia; CIEBA, Centro de

Page 364: Livro Museologia e Património - Volume 6 - para capa e ...

MuseologiaePatrimónio–Volume6

362

AsatividadesdoPPGAPMiniciaramem2015,anoinauguraldoProjetoEcomuseuDeltadoParnaíba (ECOMUDE).Em2017, criamos,na Ilha das Canárias, na Reserva Extrativista Marinha Delta doParnaíba, oMuseuOficina-Comunidade (MOC).Desde1ºde junhode2018,noBairroCoqueirodaPraia,municípiodeLuísCorreia,criamoso Museu da Vila. Tratam-se de equipamentos culturais, núcleosmuseológicosassociadasaoECOMUDE,adesenvolveremumasériedeaçõeseducativaseculturais,oqueincluiaprogramaçãodeexposições,publicações,filmesdocumentáriosdenaturezaetnográfica,aexemploa sériedocumental “PovosdoDelta”,umareferênciaàs comunidadesribeirinhas e praieiras da Área de Proteção Ambiental APA Delta doParnaíba, criada pelo governo do Brasil, em 1996, noMeioNorte doBrasil,entreosEstadosdoPiauí,MaranhãeCeará.

Ao longodessesmaisdedezanos, comoresultadodoprojetoorigemdessenossocaminhar“PaisagensdaIlha:patrimônio,museusesustentabilidade”, concebido e coordenado pelas autoras deste texto,vinculadas à Universidade Federal do Piauí (UFPI - Instituição deEnsino Superior, criada no Estado na década de 1970), hoje,UniversidadeFederaldoDeltadoParnaíba (UFDPar, sancionadapelaLei n. 13.651, de 11 de abril de 2018, com sede no antigo CampusMinistro Reis Veloso, em Parnaíba), com o apoio institucional daFaculdade de Belas Artes da Universidade de Lisboa (FBAUL) e daUniversidadeAberta de Portugal (UAP),Delegação doPorto, criamosum mestrado profissional que tem potencializado a formação degestoresdopatrimônionaturalecultural.

Aquele “projeto origem” tinha natureza interventiva, era umapesquisa-ação e, à época (2008), foi apresentado a um grupo depesquisadores brasileiros e portugueses, em visita à Unidade deConservação, APA Delta do Parnaíba. Não havia, desde então, noterritório, estudos e intervenções diretamente associados à pesquisa,documentação, comunicação e salvaguarda do patrimônio cultural,nemàmuseologiaeinovaçãosocial.

Diantedessa realidade,propusemos inventariaros lugares, asformas de expressão, as celebrações, os modos de saber-fazerassociadosàculturadosterritóriospesqueiros,comdestaqueparaas

InvestigaçãoedeEstudosemBelasArtes,SeçãodeInvestigaçãoedeEstudosemCiênciasdaArteedoPatrimônio–FranciscodeHolanda.

Page 365: Livro Museologia e Património - Volume 6 - para capa e ...

MuseologiaePatrimónio–Volume6

363

artesdepescaetecnologiasdeconstruçãodeembarcaçõesartesanaisde comunidades ribeirinhas e praieiras da APA Delta do Parnaíba, oúnico delta a desaguar em mar aberto das Américas, um territóriosingular que abriga histórias, memórias e culturas seculares depopulaçõesautóctonesquesehibridizaramcompopulaçõesafricanaseeuropeias.

Neste texto, apresentamos parte de resultados de estudos eintervenções, são muitos os projetos em andamento no territóriodesde2015,vinculadosaoPPGAPM,cursodeformaçãoprofissionaldegestoresdopatrimôniocultural,emníveldemestrado,hoje,2021,commaisde40museólogosformados,aproximadamente30emformaçãoe20 docentes e pesquisadores associados ao Programa, docentes ediscentes de várias áreas do conhecimento, a trabalharem com ascomunidades locais, a investigarem o território e a elegerem temas,problemas e abordagens no campo das artes, arquitetura, educação,museus, patrimônios, museologia, direito, turismo cultural e meioambiente.

Aquele “projeto origem” se desdobrou no projeto matriz“Ecomuseu Delta do Parnaíba” (ECOMUDE), em andamento desde2015, e que agrega uma série de subprojetos, coordenados eorientadospelaequipedocentedoPrograma.Sãoprojetoseaçõesqueiniciaram por inventários participativos do patrimônio culturalimaterial (Unesco, 2003; BRASIL, 2000), com o fito de registrar,interpretar, salvaguardar e promover o patrimônio cultural da APADelta do Parnaíba. Esses inventários nos permitem indicar ações epropostasde fixaçãodaspopulaçõesegerarempregoerenda.ParaaUnesco,patrimônioculturalimaterialsão:

[...] as práticas, representações, expressões,conhecimentos e competências – bem como osinstrumentos, objetos, artefatos e espaços culturaisque lhes estão associados – que as comunidades,grupos e, eventualmente, indivíduos reconhecemcomofazendopartedoseupatrimôniocultural.Estepatrimônio cultural imaterial, transmitido degeração em geração, é constantemente recriadopelascomunidadesegruposemfunçãodoseumeioenvolvente,dasuainteraçãocomanaturezaedasua

Page 366: Livro Museologia e Património - Volume 6 - para capa e ...

MuseologiaePatrimónio–Volume6

364

história, e confere-lhes um sentido de identidade edecontinuidade,contribuindoassimparapromovero respeito da diversidade cultural e a criatividadehumana.ParaefeitosdapresenteConvenção,sóserátomado em consideração o patrimônio culturalimaterial que seja compatível com os instrumentosinternacionais relativos aos direitos humanosexistentes, bem como com a exigência do respeitomútuoentrecomunidades,gruposeindivíduos,edeumdesenvolvimentosustentável(Unesco,2003).

Ao longo deste texto, discorremos sobre parte de ações

participativas e colaborativas de pesquisadores portugueses ebrasileiros, associados naquelemomento aos projetos origem (2008-2015)e,agora,aoProgramadePós-GraduaçãoeProjetoMatriz(2015-2021),atravessadospelaideiaderepensarasrelaçõesentremuseusesustentabilidade na APADelta do Parnaíba, tomando como ponto departidatemáticasassociadasaoPatrimônioCultural(Iphan,2018)emsentidolato,àpaisagemcultural(Iphan,2009),aosmodosdevidadoshabitantesdo território.Osdiálogos interinstitucionaisnospermitemestabelecer parcerias e protocolos de cooperação técnica, cujasatividadesacadêmicas,científicaseculturaisforamplanejadasapartirdeumplanodetrabalhoqueincluiinvestigação,intervenção,produçãointelectualetc.

O projeto origem “Paisagens da Ilha: patrimônio, museus esustentabilidade” (2012- 2014) foi financiado pelo CNPq/MinC/SECEditaln.80/2013,chamadadoConselhoNacionaldeDesenvolvimentoCientífico e Tecnológico (CNPq) e Ministério da Cultura (MinC), porintermédiodaSecretariadeEconomiaCriativa(SEC),Brasil.

RealizamosexperiênciascommetodologiasparticipativascomascomunidadesdaAPADeltadoParnaíba,regiãodefronteiraentreosEstadosdoPiauí eMaranhão, áreageográfica formadapelodesaguardo rio Parnaíba no mar; lugar cuja marca é a biodiversidade e ainterculturalidade,comdestaqueparaosmanguezais,emumambientenatural,formadoporumconjuntodemaisdesetentailhassituadasemáguas mornas e tranquilas, sob a influência das marés, e por umaculturahíbridaancestral.

Page 367: Livro Museologia e Património - Volume 6 - para capa e ...

MuseologiaePatrimónio–Volume6

365

Os projetos “Paisagens da Ilha: patrimônio, museus esustentabilidade”, PPGAPM e ECOMUDE, atravessados pela ideia deque:

A museologia deve procurar, num mundocontemporâneoquetentaintegrartodososmeiosdedesenvolvimento, estender suas atribuições efunçõestradicionaisdeidentificação,deconservaçãoe de educação, a práticas mais vastas que estesobjetivos, para melhor inserir sua ação naquelasligadas ao meio humano e físico (Declaração deQuébec,1984).

Apresentamos um trabalho participativo, colaborativo, com

estudoseintervençõesaváriasmãosemumterritórioqueabrigaumrio,umdelta,ummar,umapaisagemcultural ímpar,atravessadaporsonse imagens,históriasememóriasquesobrevivemdegeraçãoemgeraçãodefamíliasdepescadores,agricultores,artesãos,descendentesdiretos de populações nativas, conquistadores ou de populaçõesarrancadas de seus territórios de origem, povos que se hibridizaram(Hall, 2004) e formaram modos de ser e viver de populaçõesribeirinhas,praieirasedeltaicasquevivemnoMeioNortedoBrasil.Osprimeiros habitantes – dentre eles a etnia Tremembé; osconquistadores – brancos europeus; os arrancados dos territórios deorigem – os negros de África. Hoje, famílias inteiras mantêm vivoshábitos e costumes ancestrais, a pesca artesanal, o extrativismo docaranguejo e marisco, a agricultura e artesanato em linha, madeira,palhadecarnaúbaeargila.

Realizamos conexões com as comunidades locais, com oobjetivo de contribuir para a construção técnica e afetiva deconhecimento e reconhecimento para a proteção e proposição depolíticas públicas de salvaguarda do patrimônio cultural do Delta doParnaíba, com potencial à chancela de paisagem cultural, um dosprincipais avanços no campo da preservação e salvaguarda dopatrimônio cultural brasileiro, regulada pela Portaria do Instituto doPatrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) n. 127/2009, queconsidera a "Paisagem Cultural Brasileira uma porção peculiar doterritórionacional,representativadoprocessodeinteraçãodohomem

Page 368: Livro Museologia e Património - Volume 6 - para capa e ...

MuseologiaePatrimónio–Volume6

366

com o meio natural, à qual a vida e a ciência humana imprimirammarcasouatribuíramvalores".

É nesse cenário singular que estamos a realizar estudos eintervenções,partedelesfinanciadoscomrecursosdaCoordenaçãodeAperfeiçoamentodePessoal doNível Superior (Capes), pormeiodoPrograma de Doutorado Pleno no Exterior, que contempla diversasáreas do conhecimento e se destina a candidatos de elevadodesempenhoacadêmico,quesedirigema instituiçõesestrangeirasdeexcelênciaparaarealizaçãodeDoutoradoplenoemuniversidadesdoexterior.2Oterritório

Ao considerar as características socioambientais do Delta do

Parnaíba, o Estado brasileiro criou Unidades de Conservação (UC),dentre as quais a Reserva Extrativista Marinha Delta do Parnaíba(RESEX),DecretoGovernamentals/nde16denovembrode2000,comáreatotaldeaproximadamente27.077hectares,eaÁreadeProteçãoAmbiental (APA) do Delta do Parnaíba, criada em 28 de agosto de1996,comáreatotaldeaproximadamente313.800hectares.172

Trata-se de um território em que as UCs têm o objetivo,segundoaLein.9.985,de18dejulhode2000,queinstituiuoSistemaNacionaldeUnidadesdeConservação-SNUC,de“[...]compatibilizaraconservação da natureza com o uso sustentável de parcela dos seusrecursosnaturais”(BRASIL,2000,Art.7,§2º).Observe-seoMapadaReserva(Mapa1).

172OSistemaNacionaldeUnidadesdeConservação(SNUC)easUnidadesdeConservação(UCs)sãoáreasquepossuemrecursosecaracterísticasnaturaisrelevantes.Estes locais são legalmente instituídospeloPoderPúblico comoobjetivodeconservarasuabiodiversidadepormeiodeumregimeespecialdeadministração,aoqualseaplicamgarantiasadequadasdeproteção(BRASIL,2000).

Page 369: Livro Museologia e Património - Volume 6 - para capa e ...

MuseologiaePatrimónio–Volume6

367

Mapa1-MapaReservaExtrativistaDeltadoParnaíba.Fonte:InstitutoBrasileiro do Meio Ambiente-IBAMA e dos Recursos NaturaisRenováveis. Disponível em: https://siscom.ibama.gov.br. Acesso em:16jan.2019.

UmaUC:

[...]éumaáreautilizadaporpopulaçõesextrativistastradicionais, cuja subsistência baseia-se noextrativismo e, complementarmente, na agriculturadesubsistênciaenacriaçãodeanimaisdepequenoporte, e tem como objetivos básicos proteger osmeios de vida e a cultura dessas populações,assegurandoousosustentáveldosrecursosnaturaisdaunidade(BRASIL,2000,Art.18).

Page 370: Livro Museologia e Património - Volume 6 - para capa e ...

MuseologiaePatrimónio–Volume6

368

Ocupadaoriginalmenteporpopulaçõestremembes,oterritórioguardaumavariedadedeaspectosculturais,aomesmotempoemquepassa por diversasmudanças nos hábitos, valores e costumes, sob ainfluência de processos demodernização e globalização (Hall, 2004).Observamos,hoje(2019),umaárealitorâneaqueenfrentaespeculaçãoimobiliária e um turismo ainda não ordenado ou fiscalizado. Apenasem2019foiconcluídoumPlanodeManejo,173umaexigênciadaLeidoSNUC,umaUCdessanaturezadeveteressedocumentoemnomáximocinco anos (a APA é de 1996). Nessas UCs há desafios deacompanhamento e fiscalização, por parte dos órgãos responsáveis:Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos NaturaisRenováveis (IBAMA) e Instituto Chico Mendes de Conservação daBiodiversidade (ICMBio) vinculados aoMinistério doMeio Ambiente(MMA).

AAPADeltadoParnaíbaabrigaherançasdeetniasdiversas,aexemplo das artes de pesca e tecnologias de construção deembarcações, artesanato em linha (renda de bilro), fibra decarnaúba174 e taboa,175 argila, madeira, base econômica das

173HáumdocumentochamadoPlanodeGestãoeDiagnósticoGeoambientaleSocioeconômico. Disponível em:http://www.icmbio.gov.br/portal/images/stories/docs-planos-de-manejo/pm_apa_delta_parnaiba.pdf.Acessoemjun.2017.174NomePopular: Carnaubeira.NomeCientífico:Coperniciaprunifera (Arr.).ElaéchamadadeÁrvoredaVida,porqueseprestaaumainfinidadedeusosaohomem.Asraízestêmusomedicinal.Osfrutossãoricosemnutrientesparaa ração animal, o tronco é madeira de qualidade para a construção. Aspalhetas secas são usadas na produção artesanal, fertilizante do solo,revestimento de casas etc. A cera de folhas jovens é utilizada no fabrico develas, filmes plásticos e fotográficos, vernizes, lubrificantes, fósforos,isoladores,cosméticos.Participadacomposiçãodecobertura,aconfecçãodechips, tonners, e indústria alimentícia. No Nordeste brasileiro, habitaçõesinteiras são construídas commateriais retirados de Carnaúba. É o exemplomáximodaadaptaçãodohomemàscondiçõesdesubsistência.PaísescomoaAlemanha,Índia,JapãoeEstadosUnidosjátentaramsemsucessocultivaressapalmeira. Carnaubeira - Copernicia prunifera (Arr.). Disponível emhttps://paisagismodigital.com/Noticias/?id=carnauba-a-árvore-da-vida&in=268.Acessoem:16jan.2019.175 Thypha domingensis, conhecida pelo nome comum de taboa, é umahidrófita;plantapereneeherbácea,comcercade2,5metrosdealtura,que,à

Page 371: Livro Museologia e Património - Volume 6 - para capa e ...

MuseologiaePatrimónio–Volume6

369

comunidadeslocais.Aspopulaçõesvivemasmarcasdeidentidadesdeuma cultura ancestral, presentes igualmente nos lugares, formas deexpressão, celebrações, modos de saber-fazer de comunidadessingulares do Delta do Parnaíba; há culturas que se afirmam nasrelaçõesdeharmoniaentreserhumano,meioambienteepatrimôniocultural(Figura1).176

épocade reprodução, apresentaespigasda cor café,que contémmilhõesdesementes que se espalham com o vento. Há em abundância na região emestudo e é usada sistematicamente pelos artesãos locais; há carência deassessoriaparaaprodução,distribuiçãoecomercializaçãodosprodutos.176 De 2015 a 2017, orientamos o trabalho final de Mestrado de DouglasBrandão deMelo, intitulado “SANTA CARNAÚBA. Concepção e produção deexposição coletiva, uma pesquisa de natureza ação, por conseguinteinterventiva, que sematerializou em uma exposição coletiva e colaborativacomdez artistas brasileiros, com temática associada a paisagem cultural doDeltadoParnaíba, representadapelaCarnaúba,palmácea, árvore repletadesímbolos, sentidos e significados para a memória individual e coletiva daspopulaçõesquehabitamovastoterritóriodoEstadodoPiauí.ACarnaúbafoireferência emdiferentes ciclos econômicos, históricos, sociais e culturaisdoterritório, usada ao longo do tempo desde a matéria-prima para artefatosdomésticos e produtos artesanais a chips de computadores. A concepçãodotrabalho surgiu ao longo das diversas atividades teórico-práticas, marca daidentidade do Programa de Pos-Graduaçao em Artes, Patrimonio eMuseologia,MestradoProfissional,daUniversidadeFederaldoPiauı.Oautordo trabalho partiu do princípio de que o planejamento e a programação deexposiçõesconstituemaçõeseducativasesocioculturaiscapazesdemobilizarcomunidades, formar públicos e fortalecer identidades; suscitam diálogos etrocas de experiências e vivências; permitem acesso a conhecimentos,aprendizagens,deleite, lazeretrocasdesaber-fazer.Apretensãodoprojeto-ação foi dar visibilidade ao patrimonio cultural do Piauı, toma-lo como umconjunto integrado no território, dotado de valor e geração de emprego erenda, capaz, sobretudo, de gerar autoconhecimento e autoestima. Foi umexercíciocolaborativoeparticipativoentreosartistaseoautor/curador,queselecionou dez artistas e vários profissionais ligados a Curadoria eminstituições culturais, como galerias e museus. O fio condutor foi a arte, alinguagemeaformadeexpor.Otrabalhoseguiuoitineráriodeumaproduçãoartística emváriasmídias, formatos, técnicas e estilosque confluementre apercepção dos participantes e a temática da exposição. Trata-se de umaprática que possibilitou à audiência conhecer um universo bem peculiar, omundoinspiradordaCarnaúba.Foipossívelexporoquehademaisprimitivo

Page 372: Livro Museologia e Património - Volume 6 - para capa e ...

MuseologiaePatrimónio–Volume6

370

Apaisagemculturaldoscarnaubaisestevepresentedesde as civilizações pre-coloniais, constituiu-secomo importante matéria-prima para os povosautóctones, para o colonizador branco europeu epara populações africanas, trazidas, arrancadas doterritóriooriginal,efeitasescravasnoPiauı.Seuusoatravessa desde a madeira para a construção demoradias e confecção artesanal de utensíliosdomésticos ate a exploração industrial da cerautilizadanafabricaçãodechipdecomputador.A carnaúba (Copernicia prunifera), conhecidaigualmente como carnaubeira e carnaíba, e umaárvore da famíliaArecaceae endêmica do semiáridodoNordestedoBrasil;símbolodoEstado,conhecidacomo `árvore da vida`, por oferecer umamultiplicidade de benefícios. De suas raízes se fazuso medicinal, e um eficiente diurético eantivenéreo; de seus frutos, ração animal; o troncofornecemadeira de qualidade para construções; aspalhas servem para cobertura de casas, produçãoartesanal,adubodosoloeextraçãodecera–acerade carnaúba, emblemática na economia do Piauı;insumovaliosonacomposiçãodediversosprodutosindustriais, comocosméticos, cápsulasderemédios,componentes eletrônicos, produtos alimentícios,ceraspolidoraserevestimentos.Carnaúba–árvorequearranha,dotupi–ou“árvoreda providência”, “árvore da vida”, como ecarinhosamente chamada pelos sertanejos, e umapalmácea de aproveitamento integral imersa naidentidadeculturalpiauiense(Melo,2017).

e puro, pormeio da produção artística, um convite a fruição, ao deleite e areificaçãodoimagináriocriativo,queestimulaossentidosaoseentrarnestepequeno emaranhado criativo. Seguindo essa ideia, o produto final,apresentadoaoMestradofoiaexposiçãocoletiva,colaborativaeparticipativa,que permitiu debates e atribuição de sentidos e significados às formas deexpressãoculturaldessepatrimoniocultural,umadasmarcasde identidadedoNortedoPiauı.

Page 373: Livro Museologia e Património - Volume 6 - para capa e ...

MuseologiaePatrimónio–Volume6

371

Figura 1 - Apresentação da Exposição Santa Carnaúba e de umTrabalhoFinaldeMestrado.GaleriaprincipaldoCentroCulturalSESCCaixeiral. Centro histórico da cidadedeParnaíba.Durante a Feira doPatrimônio e Semana Nacional de Museus, maio de 2017. Fonte:AcervodoMuseudaVila.Autora:ÁureadaPazPinheiro.ProgramadePós-GraduaçãoemArtes,PatrimônioeMuseologia,UFPI.TrabalhodeAutoriadeDouglasMelo(orientandodaProfªDrªRitadeCássiaMouraCarvalho).GaleriaprincipaldoCentroCultural SESCCaixeiral.Centrohistórico da cidade de Parnaíba. Durante a Feira do Patrimônio eSemanaNacionaldeMuseus,maiode2017.

Page 374: Livro Museologia e Património - Volume 6 - para capa e ...

MuseologiaePatrimónio–Volume6

372

Ao considerarmos o Relatório do Plano de Ação para o

Desenvolvimento Sustentável da Bacia do Parnaíba, doMinistério daIntegração (PLANAP/MI/2006), há diversas atividades econômicas epráticascotidianasdesenvolvidasnasUCs,reflexosdiretosdasculturaslocais. Há conhecimentos tradicionais associados às artes de pesca,lavoura,produçãodefibrasnaturais,dentreoutrasqueseconfundemcom atividades econômicas e traços culturais que devem serincentivadosemantidosdentroe foradasUCs (Pinheiroet al., p. 85,2013).

Diante das irreversíveis alterações no patrimônio cultural doterritório, das transformações contemporâneas e inevitáveistransformações das formas de vida em paisagens do mundo, nossosestudos revelam que o Delta do Parnaíba é um desses lugares quedevem ser assinalados pela relação singular estabelecida entre o serhumano e a natureza, relações desafiadoras no que refere àsustentabilidade.

Citemosacomplexidadeeaimportânciadosmanguezaisparaoterritório (e para o Planeta), um dos espaços de atuação do Projeto“Manguezais do Brasil”, com objetivo de proteção dessa natureza deecossistema; verificamos o que está impresso no Documento doProjeto Conservação e Uso Sustentável Efetivos de EcossistemasManguezais no Brasil (PIMS 3280), que visa buscar subsídios paraadaptareimplementarferramentasparaagestãodeáreasprotegidasdoSistemaNacionaldeUnidadesdeConservação(SNUC)específicasàscaracterísticasdosecossistemasmanguezais.

Segundo o Documento do Projeto, embora no Brasil osprofissionais tenham implementado um sistema de conservação dosmanguezais por meio de uma abordagem de áreas protegidas, ossistemas estão permeados de deficiências institucionais que agemcomobarreirasàefetivaproteçãodesseecossistema;sãodeficiênciasquesetraduzemnaperdadehabitatsdemanguezaisediminuiçãodaofertaderecursosdosquaismuitascomunidadesesetoresdependem.

No segundo semestre de 2018, como parte das atividadeseducativaseculturaisnoMuseuTartarugasdoDelta,umdosnúcleosdoEcomuseuDeltadoParnaíba,programamosaexposição“manguezal|raízes, lama,vida”.Apresentamososmanguezaiscomosignificativospara o Planeta, os ecossistemas que no Brasil têm uma área

Page 375: Livro Museologia e Património - Volume 6 - para capa e ...

MuseologiaePatrimónio–Volume6

373

aproximadade13.400km2,correspondendoa9%dosmanguezaisdomundo;sendoqueosEstadosdoMaranhãoedoParáabrigamamaiorextensãodemanguezaisdomundoerepresentam57%dototaldaáreade manguezais no País. A pesca artesanal (caranguejos, moluscos eostras)ede subsistência sãoasprincipaisatividadeseconômicasdascomunidadescosteirastradicionais,ealgunscasosisoladosdeturismoeproduçãoagrícolaemlargaescala.

Umadas fontesde consultaparaaprogramaçãodaexposiçãofoioProjetoManguezaisdoBrasil,cujas informaçõesnospermitiramdisponibilizar ao público formas de comunicação, em suportesdiversos, tais como objetos, fotografias, vídeos, jogos, rodas deconversas. Os visitantes tiveram acesso a conhecimento sobre osmangues, árvores resistentes à salinidade da água das marés; ossentidose significadosdapalavramanguezal,quese refereaos seresvivos;àscaracterísticasdoambiente,ondevivemesuasassociaçõesaoecossistemacomoumtodo;acompreensãodequeosmanguezaissãoberçários fundamentais à vida marinha, reprodução, alimentação edesovaparadiversosanimais(Figuras2,3,4,5,6).

Figura 2 - Desenho da Exposição Manguezal. Museu Tartarugas doDelta. Fonte: Acervo Museu da Vila. Autora: Mariana Sampaio.ProgramadePós-GraduaçãoemMuseologia,UFPI,2018.

Page 376: Livro Museologia e Património - Volume 6 - para capa e ...

MuseologiaePatrimónio–Volume6

374

Figura 3 - Desenho da Exposição Manguezal. Museu Tartarugas doDelta. Fonte: Acervo Museu da Vila. Autora: Mariana Sampaio.ProgramadePós-GraduaçãoemMuseologia,UFPI,2018.

Figura 4 - Desenho da Exposição Manguezal. Museu Tartarugas doDelta. Fonte: Acervo Museu da Vila. Autora: Mariana Sampaio.ProgramadePós-GraduaçãoemMuseologia,UFPI,2018.

Page 377: Livro Museologia e Património - Volume 6 - para capa e ...

MuseologiaePatrimónio–Volume6

375

Figura5-MontagemExposiçãoManguezal.MuseuTartarugasdoDelta.Fonte.AcervoMuseudaVila.Autora:ÁureaPinheiro.

Figura6-MediaçãoàExposiçãoManguezal.MuseuTartarugasdoDelta.Fonte:AcervoMuseudaVila.Autora:ÁureaPinheiro

Page 378: Livro Museologia e Património - Volume 6 - para capa e ...

MuseologiaePatrimónio–Volume6

376

Nosambientesestuarinos,as raízesdemangue,praticamente,

são os únicos substratos verticais estáveis disponíveis, constituindomicro-habitatúnicos.Osmanguessãoplantasquecrescemnainterfaceentre a terra e o mar, em latitudes tropicais e subtropicais, ondeexistem em condições de alta salinidade, marés, ventos fortes, altastemperaturasesoloslamacentoseanaeróbicos.

Os sedimentos lodosos ou arenosos dos manguezais sãoambientesecológicosúnicosquehospedamricasespécies.ODeltadoParnaíbafoiconsideradopelaAgênciaNacionaldasÁguas(ANA)comoáreadeextremaimportância,caracterizadoporexpressivomanguezal,sendoumambientericoemdiversidadebiológicafiletica,queabrigaopeixe-boi e cavalo marinho. Esse ecossistema tem sofrido grandespressõesantrópicasdesalinas,carciniculturas,riziculturas,comousoinadequado de agrotóxicos, desmatamentos e sobrepesca decaranguejosecamarões.

Naexposição,apresentamosomanguezalcomdestaqueparaoDeltadoParnaíba,ÁreadeProteçãoAmbientalAPADeltadoParnaíba.Fotografias, objetos, narrativas, poemas, conhecimentos sobre omanguezalfrutodeinvestigaçõesediálogoscomosseresvivos,oqueinclui os humanos que habitam ou vivem desse ecossistema. Osvisitantes são convidados a apreciarosmanguezais eos salvaremdadestruição.

Noterritório,encontramosumabelezasingular,cujocotidianose caracteriza pela riqueza das artes, da pesca e tecnologias deconstrução de embarcações, preservadas as características originais,que nos permitiram construir um trabalho com um conjunto dememóriaseexperiênciasancestrais.Contudo,igualmente,registramosproblemas ambientais, econômicos, sociais e culturais, que ameaçamconstantementeasobrevivênciadosmodosdesaber-fazerprópriosdaAPADeltadoParnaíba.177

177PormeiodoProcesson.02070.001640/2010-19,oInstitutoChicoMendesde Conservação da Biodiversidade-ICMBio lançou edital público para acontrataçãodepessoajurídicaparaaelaboraçãodosestudosespecíficosparaodiagnósticoambientalesocioeconômico,elaboraçãodoPlanodeManejodaÁrea de Proteção Ambiental Delta do Parnaíba e do Plano de Manejo daReservaExtrativistadoDeltadoParnaíba.

Page 379: Livro Museologia e Património - Volume 6 - para capa e ...

MuseologiaePatrimónio–Volume6

377

Aslinhasdepensamentoeaçõesdesenvolvidasnosúltimosdezanos, associadas ao projeto origem “Paisagens da Ilha”, incluem aforma como foi ganhando sentido, com as populações residentes, aideiadeconstituiçãodeumecomuseu–oEcomuseuDeltadoParnaíba(ECOMUDE). Entre rodas de conversas, oficinas de narrativasbiográficasoudecestariacomapalhadacarnaúbaetaboa.Diantedaausênciatotaldeequipamentosculturais,poucoapoucodespertamoso desejo de implantar um equipamento cultural, que seja igualmenteum espaço social, educativo, econômico e político no qual adiversidade,ariquezaculturalenaturaldoterritóriotenhadestaqueeseafirmecomoelementodeexpressãoepartilha.

SamiraAlves,alunadoPPGAPM,comosresidentesdaIlhadasCanárias (RESEX), criou o Museu Oficina de Comunidade (MOC). Otrabalho de sensibilização e inventário participativo ocorreu entre2015 e 2016, e em 2017 o MOC foi inaugurado, e encontra-se emfuncionamento(Figuras7e8).

SegundoAlves(2017,p.10),otrabalhotevenaturezapesquisa-ação:

[...]realizadanacomunidadeCanárias,umdoscincopovoadosqueintegramaIlhadasCanárias,umadasmais de setenta ilhas localizadas no Delta doParnaíba,MeioNortedoBrasil.Ao longode2015e2016, realizamos um Inventário Participativo comartesãos locais sobre os modos de saber-fazerrelativos aos trançados em palha de carnaúba,especificamentedeumartefatodepescaartesanal–Uru,umcestousadoparao transportedepeixes.OInventário pretendeu contribuir para oconhecimento, reconhecimento, valorização epromoçãodessericopatrimônioculturaldenaturezaimaterial, reconhecido pelas pessoas do lugar, quedesejam a sua proteção e promoção. Ao longo dotrabalho conseguimos formar um grupo de onzeartesãos e artesãs, e dignificar as relações entre acomunidade e o Patrimonio Cultural remanescentede populações indígenas. A construção do trabalhofoi realizada de forma colaborativa e criativa,

Page 380: Livro Museologia e Património - Volume 6 - para capa e ...

MuseologiaePatrimónio–Volume6

378

ancorado na partilha entre a pesquisadora e osdetentoresdossaberes;juntospropusemossoluçõespara a proteção e promoção daquele PatrimonioCultural.

Figura 7 - Museu-Oficina Comunidade da Ilha das Canárias. Fonte:Acervo Museu da Vila. Trabalho Final. Samara Amara. Programa dePós-GraduaçãoemMuseologia,UFPI,2017.

Page 381: Livro Museologia e Património - Volume 6 - para capa e ...

MuseologiaePatrimónio–Volume6

379

Figura8-IdentidadeVisualdoMuseu-OficinaComunidadedaIlhadasCanárias.Fonte:Acervomuseudavila.TrabalhoFinal.SamaraAmara.ProgramadePós-GraduaçãoemMuseologia,UFPI,2017.3Amuseologiaeainovaçãosocial

Ao aceitarmosuma conexãona relação entre o quesepassanaeconomiaeosmovimentossociaissomosobrigados a procurar entender de que forma amuseologia esta a trabalhar a questão da InovaçãoSocial.OdebatesobreaquestãodaInovaçãoSocial,que propomos trabalhar [...] poderia situar-se navelha oposição da sociologia entre tradição emodernidade. A tensão entre a conservação, queseria um campo de trabalho sobre a tradição,contrapor-se-ia a questão inovação, que seria umcampo de trabalho sobre a modernidade.Argumentaremosqueestatensãodeveserassumida

Page 382: Livro Museologia e Património - Volume 6 - para capa e ...

MuseologiaePatrimónio–Volume6

380

na museologia como uma ferramenta de trabalho.Paralelamente a questão da conservação esalvaguarda dos objectos socialmente significativos,amuseologiatambémtrabalhasobreaproduçãodeinovação social, produzindo objectos socialmentequalificados.Essaproduçãoprocessa-senoencontrodamemória com o real. Osmuseus e os processosmuseológicos, entre as várias configurações sociaissão locais que podem facilitar esse processo deencontro entre os seres humanos consigomesmo ecom os outros. Esse reconhecimento de si e dosoutros pode ser uma base para experimentar osprocessos de inovação social e empresarial (Leite,2018,p.1).

Parte das discussões e análises presentes neste estudo se

originamno trabalhodecampoenas leiturase interpretações,oqueinclui textos que estabelecem relações entre tradição e inovação(LEITE,2018),questõescolocadaspelaMesa-RedondadeSantiagodoChile (ICOM, 1972), um espaço de discussões, onde foramapresentados princípios de base para uma museologia de inovaçãosocial, paraummuseu integral, paraopapeldosmuseusnaAméricaLatina. Issoocorreuemummomentonoqual foramconsideradososproblemasdomeio rural, urbano, desenvolvimento técnico-científico,educação; discussões que indicaram que os museus deveriam seintegraràvidaemsociedade;portanto,foramapresentadaspropostasderevisãoideológicadateoriaepráticadaMuseologia.

Aquele momento foi singular para a história da Museologia,particularmente daMuseologia latino-americana, emuma conjunturasocial, política e cultural particular, que forçava interpretações maisacuradas sobre as diretrizes mundiais para a cultura, patrimônios evidasustentável.Aspropostaselaboradas,aolongodaMesa-RedondadeSantiagodoChile,alimentaramdiscussõesqueperdurampormaisdequarentaanosenos instigamaindahojea intervençõesnocampoteórico e prático, que envolvem um museu afetivo e inclusivo, queesteja em sintonia, atento aos anseios, desejos e às demandas dascomunidades, por quem e para quem devem ser criados. Um dosresultadosmaisimportantesdaMesa-RedondadeSantiagodoChile,de

Page 383: Livro Museologia e Património - Volume 6 - para capa e ...

MuseologiaePatrimónio–Volume6

381

1972,foi“[...]adefiniçãoeproposiçãodeumnovoconceitodeaçãodosmuseus: o museu integral, destinado a proporcionar à comunidadeumavisãodeconjuntodeseumeiomaterialecultural”(Icom,1972).

Ao considerar essas transformações, apontamos osfundamentosteóricosepráticosparaaconcepçãodoEcomuseuDeltado Parnaíba, um museu que pretendemos integral e comunitário,constituído comeparaoshabitantesdaAPADeltadoParnaíba,umapropostaque seja aomesmo tempo técnica, a considerarospadrões,concepções e conceitosdoConselho Internacional deMuseus (Icom),sobretudoqueconsidereumanaturezademuseuquesejaconcebidoeconstruído com e para as comunidades ribeirinhas, praieiras edeltaicasquehabitamaregiãosedeepolosdoECOMUDE.

Nesse particular, este trabalho se revela como um estudo-intervenção, que nos permitiu construir diagnósticos a partir devivênciaseexperiênciacomaspessoasparaaproposiçãodeummuseuintegral e integrador, o “Ecomuseu Delta do Parnaíba”, com sedeidealizada inicialmente para a cidade de Parnaíba, localizada àsmargensdorioIgaraçu,afluentedorioParnaíba,quedeságuanomareforma o Delta, mas com projeto concretizado de primeiro núcleomuseológicodarede,oMuseudaVila,localizadonomunicípiodeLuísCorreia, na Vila-Bairro Coqueiro da Praia, que abriga famílias depescadoresartesanais(Mapas2,3,4).

Nos orientamos pelas recomendações da Mesa-Redonda deSantiagodoChile(1972),quejáindicavaqueosmuseusdeveriamserredefinidos conceitualmente, terem natureza integral, destinados aproporcionar às comunidades residentes, em dado território, umapercepçãodeconjuntodeseumeiomaterialecultural.

[...] os museus são instituições a serviço dasociedade, que adquirem, comunicam e,notadamente,expõem,parafinsdeestudo,educaçãoe cultura, os testemunhos representativos daevolução da natureza e do homem [...] queespecialmente nos países latino-americanos, elesdevem responder às necessidades das grandesmassas populares, ansiosas por atingir uma vidamaisprósperaemaisfeliz,atravésdoconhecimentode seu patrimônio natural e cultural, o que obriga

Page 384: Livro Museologia e Património - Volume 6 - para capa e ...

MuseologiaePatrimónio–Volume6

382

frequentemente os museus a assumirem funçõesque, empaísesmaisdesenvolvidos, cabemaoutrosorganismos [...] osmuseus e osmuseólogos sofremdificuldades de comunicação em razão das grandesdistânciasqueosseparamumdooutro,edorestodomundo [...] (Mesa-Redonda de Santiago do Chile,1972).

Mapa 2 - A cidade de Luís Correia no contexto geográfico regional enacional. Fonte: Google Maps (2018). Editada por Víctor Veríssimo.ProgramadePós-GraduaçãoemMuseologia,UFPI,2018.

Page 385: Livro Museologia e Património - Volume 6 - para capa e ...

MuseologiaePatrimónio–Volume6

383

Mapa3-MapaAPAdoDeltadoParnaíba.Fonte:GoogleMaps(2018).Editado por Víctor Veríssimo. Programa de Pós-Graduação emMuseologia,UFPI,2018.

Mapa 4 -Mapa do Bairro Coqueiro. Fonte:GoogleMaps. Editado porVíctor Veríssimo. Programa de Pós-Graduação em Museologia, UFPI,2018.

Ao longo da investigação (2008-2019), construímos um

inventário do patrimônio cultural imaterial, com a participação ecolaboração de comunidades locais e investigadores associados aoPrograma de Pós-Graduação em Artes, Patrimônio e Museologia da

Page 386: Livro Museologia e Património - Volume 6 - para capa e ...

MuseologiaePatrimónio–Volume6

384

UniversidadeFederaldoPiauí.Fizemosacoletaeregistrosdedadosdelugares, celebrações, formas de expressão, modos de saber-fazerassociadosàpescaartesanal,oqueincluiafabricaçãodeembarcaçõese artefatos de pesca, elaborados por artesãos e pescadores quehabitamoterritório.

Otrabalhodecampoantecedeu-seaotrabalhodeinvestigaçãodocumental em arquivos públicos, privados e em instituições depesquisa e de gestão municipal, estadual e federal brasileira eportuguesa;bemcomopesquisabibliográfica.Otrabalhonoterrenosematerializouemrecolhaseregistrosetnográficoseorais,oqueincluiregistros fotográficos e audiovisuais de técnicas tradicionais, queidentificam e caracterizam a pesca artesanal e a fabricação de seusartefatos.

Registrar o patrimônio cultural imaterial é contribuir paraestudos no campo da Museologia e de museus de tipo integral ecomunitário, para a inclusão econômica, política e social, o quecolabora para a melhoria da qualidade da construção de canoas eartefatos de pesca, artesanato em palha da carnaúba e outrosmateriais, como, por exemplo, a linha de algodão e a taboa. Com aConvenção da Unesco de 2003 para a Salvaguarda do PatrimônioImaterial, ratificada em Portugal em 2008 e no Brasil em 2006,afirmou-se a ideia de patrimôniomenos associado àmaterialidade emaispróximada imaterialidadeedaspessoas,dascomunidadesedesuasexpressõesculturais,dossentidosesignificadosqueatribuemaopatrimôniocultural;há“[...]oprimadodascomunidadesedosgruposna identificação, a importância da transmissão inter geracional, ainexistênciadeautenticidade,arelaçãocomamemóriaeaidentidade,oreconhecimentodosdireitosculturaiscoletivoseocaráctertambémpolíticodaConvenção”(Cabral,2011,p.17).

As recolhas e registrosnos informamque apesca artesanal eseus artefatos constituem referências culturais de natureza imaterialdoDeltadoParnaíba,oque justificouanecessidadedeconstruirmosuminventárioquefosse,aomesmotempo,técnico,sensíveleanalíticodessesmodosdesaber-fazercomascomunidadeslocais.

ORegistrodeBensCulturaisdeNatureza Imaterial,instituídopeloDecreto3551/00, é um instrumentolegal de preservação, reconhecimento e valorização

Page 387: Livro Museologia e Património - Volume 6 - para capa e ...

MuseologiaePatrimónio–Volume6

385

do patrimônio cultural imaterial brasileiro,compostoporaquelesbensquecontribuíramparaaformação da sociedade brasileira. Consiste naprodução de conhecimento sobre o bem culturalimaterial em todos os seus aspectos culturalmenterelevantes.Esseinstrumentoéaplicadoàquelesbensque obedecem às categorias estabelecidas peloDecreto 3551/00: Celebrações, Lugares, Formas deExpressão e Saberes, ou seja, as práticas,representações, expressões, lugares, conhecimentose técnicas, que os grupos sociais reconhecem comoparte integrante do seu patrimônio cultural. Com oRegistro, os bens recebem o título de PatrimônioCultural do Brasil e são inscritos num dos quatroLivros de Registro, de acordo com a categoriacorrespondente.178

Buscamos realizar estudos para serem implementados, come

para as comunidades; um museu integral e comunitário, que siga atipologiadeumecomuseu,oqueexigeaçõesconcretasde inventário,valorização,divulgaçãoesalvaguardadopatrimônioculturalenaturaldo território. Para além de pesquisa e inventário, realizamos asensibilizaçãocomunitáriaparaoricoecomplexopatrimôniodoDeltadoParnaíba.

A noção de património expandido, apresentada porPeter Van Mensch e seus colegas, abria apossibilidade de deslocar o escopo da museologiaparaoutro lugarquenãoomuseue, com isso,umabrecha para ser compreendida como disciplina deinterpretaçãona dependência de outras disciplinas.

178 Disponível em: <http://portal.iphan.gov.br/bcrE/pages/folRegistroE.jsf.>.Acesso em: 23 dez. 201). Entre 2007 e 2008, fizemos parte da Equipecoordenada pela Profª. Drª. Áurea da Paz Pinheiro, que realizou o 1ºInventárioNacionaldeReferênciasCulturaisdoPiauí,tratou-sedoinventáriodos modos de saber-fazer da Arte Santeira do Piauí, para reconhecimentocomopatrimônioculturaldoBrasil.

Page 388: Livro Museologia e Património - Volume 6 - para capa e ...

MuseologiaePatrimónio–Volume6

386

Vale lembrar que, a essa altura, já estavam emdiscussão osmovimentos da ecomuseologia e novamuseologiatrazidaparaaspáginasdoscadernosdoISS. O lugar-museu se ampliava para território;estava ‘derrubada’ a ideia de museu prensado nas‘quatroparedes’.Oagentedoprocessodeixadeseromuseu,ouas‘coisas’dosmuseusetransfere-separaa sociedade (naquela época usava-se comunidade)compartilhando a construção de sua relação com opatrimónio. Nesse ponto a noção de património(grossomodo)deixadeserumtemadamuseologiapara se tornar um traço constitutivo, traço essemenos visível quando se trata dos museus‘tradicionais’ com alta valorização nascoleções/acervos(Cerávolo,2004,p.330).

Ao longo da investigação, elegemos como participantes

gerações de idosos entre sessenta a setenta anos, artesãos epescadores;crianças,adolescentese jovensentreoitoadezoitoanos;todoscomalgumgraudeparentesco:pais,filhos,netosdepescadores;pessoas envolvidas diretamente nas atividades de pesquisa einventário. Dentre as ações de sensibilização, realizamos rodas deconversas,quepermitiramregistrosdopatrimônioimaterial;valoresepadrões de comportamento ancestrais ligados à pesca artesanal,construção de embarcações, artefatos domésticos e de pesca,habitação,tratocomaterra,alimentação,artesanato,dentreoutros.

[...] Mannheim considerou as gerações comodimensão analítica profícua para o estudo dadinâmica das mudanças sociais (sem recorrer aoconceitodeclasseeaonúcleodanoçãomarxistadeinteresses econômicos), de ´estilos de pensamento´de uma época e da ação. Estes, de acordo comMannheim, foramprodutosespecíficos - capazesdeproduzirmudançassociais-dacolisãoentreotempobiográficoeotempohistórico.Aomesmotempo,asgerações podem ser consideradas o resultado dedescontinuidades históricas e, portanto, de

Page 389: Livro Museologia e Património - Volume 6 - para capa e ...

MuseologiaePatrimónio–Volume6

387

mudanças. Em outras palavras: o que forma umageração não é uma data de nascimento comum - a´demarcação geracional´ é algo ´apenas potencial´(Mannheim, 1952) - mas é a parte do processohistóricoque jovensdamesma idade-classede fatocompartilham(ageraçãoatual).

Há dois componentes centrais nesta partilha (doqual surge o ´laço geracional´): por um lado, apresença de eventos que quebram a continuidadehistórica e demarcamo ´antes´ e o ´depois´ na vidacoletiva;deoutro,ofatoqueestasdescontinuidadessão experienciadas pelos membros de um grupoetário em uma conexão constitutiva particular,quandooprocessodesocializaçãonãofoiconcluído,pelo menos no seu período crucial, e os esquemasutilizadosparainterpretararealidadenãosãoaindatotalmente rígidos ou - como coloca Mannheim -quandoessasexperiênciashistóricas são ´primeirasimpressões´ou´experiênciasjuvenis´.

Na ´unidadegeracional´,porseuturno,elaboram-sevínculosdediferentesmaneirase formasdeacordocom os grupos concretos aos quais seus membrospertencem. Através do conceito de geração, oslongostemposdahistóriasãofixadosemrelaçãoaostemposda existênciahumanae entrelaçados comamudançasocial(Feixa;Leccardi,2010,p.187).

Ofiocondutordainvestigação,danarrativaéorioeoDeltado

Parnaíba,orioumaestradalíquida,divisornaturalentreosEstadosdoPiauíedoMaranhão;oDeltae suas ilhas,quese localizamemáguascalmas, em uma região rica em biodiversidade, fauna e flora, comdestaqueparaosmanguezaiseencontrodoriocomomar.Umaregiãoocupada inicialmente por populações indígenas, que, em meados doséculoXVIII,tiveramsuashistóriasememóriasatravessadaspelocicloda criação do gado, da manufatura ligada ao charque e ao agroextrativismodacarnaúba,advindoscomoosprocessosdecolonização

Page 390: Livro Museologia e Património - Volume 6 - para capa e ...

MuseologiaePatrimónio–Volume6

388

europeiacomusodemãodeobraescravizadaprovenientedaÁfrica.Apartir dos anos oitenta do século XX, se intensificaramos problemassociais e ambientais na região, gerados pelo turismo desordenado,especulação imobiliária, grandes empreendimentos comerciais, e porformas de extrativismo não planejadas, o que tem ocasionadodesequilíbriosambientais,sociaiseculturais.

Ao longo do trabalho, identificamos aspectos emblemáticos esingulares da vida cotidiana de pescadores, catadores de caranguejo,rendeiras, artesãos, construtores de embarcações etc.; homens emulheres responsáveis pela guarda e transmissão de um patrimônioculturaloralancestral(Thompson,1992),deofícios,modosdesaber-fazer, celebrações, formas de expressão, lugares ligados ao rio e aomar;emnossas“andanças”pelorioeDeltadoParnaíba,peloAtlântico,nos encontramos com comunidades ribeirinhas e praieiras da APADeltadoParnaíba.

Percebemos, desde o início das investigações (2008), queuniversidade, comunidades locais, empresas públicas, privadas esociais têm potencial para a constituição de um museu integral ecomunitário, no qual as pessoas que habitam o território se sintamrepresentadas; uma natureza de museu na qual haja a gestãoparticipativa dos patrimônios pelas empresas e pessoas, que vivemexperiências únicas, subjetivas; ummuseu, com tipologia Ecomuseu,formadoporumarededemuseusautônomosesolidáriosentresi,como firme propósito de salvaguardar os patrimônios e construir umturismo cultural, sustentável, que se configure como um espaço detrocas,reflexão,degestãosustentável.

Amuseologiacomoáreadeconhecimentocientíficoseconcretizasobre indíciosvariadosdopatrimônioculturalenatural(oobjeto),emqualquer lugarqueeles se apresentem (o lugar), através deprocedimentos de preservação, conservação,documentação, exposição, educação, divulgação edisseminação de conhecimentos (os instrumentos)(Ceravolo,2004,p.330).

Omuseuintegraléumfenômenoqueseidentificapelarelação

entre serhumano, espaço, tempoememória; Scheiner (2012)afirma

Page 391: Livro Museologia e Património - Volume 6 - para capa e ...

MuseologiaePatrimónio–Volume6

389

queaênfasenavinculaçãoentremuseuserealidadepolítico-socialnãoéumproblemarecente,pelocontrário:

[...] vem sendo longamente defendida pelo ICOM epelaUNESCOhámaisdeseisdécadas.Em1962–há44anos,portanto-a7aAssembleiaGeraldoICOMjáenfatizavaapreocupaçãodaUNESCOcomarelaçãoentremuseuseapreservaçãodopatrimônionaturale cultural da humanidade, explicitada no programadaquela Organização para 1963-1964 através doapoio oficial dado, entre outros, às decisões erecomendaçõesdaUNESCOsobre:• preservação da herança cultural da

humanidade;• proteção da propriedade cultural em caso de

conflitoarmado;• preservação e\a proteção de monumentos

históricos;• prevençãoaotráficoilícito, importaçãoevenda

depropriedadecultural;• proteçãoapaisagensesítiosnaturais;• preservação da herança cultural da

humanidade;• acessibilidadedosmuseus.

Aautoraapontaaindaqueaênfasenocarátercomunitáriodos

museusnãoéigualmenterecente,vezque,desde1968:

[...]a8aConferênciaGeraldeMuseusjáenfatizavaapreocupação do ICOM com os museus ecomunidadesregionais,afirmando:[OICOM]‘Esperaque cada país dê a mais alta prioridade aodesenvolvimento de museus com vocação regional,provendo-os com estrutura administrativa,equipamentos e recursos técnicos, financeiros e depessoal adaptadosaopapelque taismuseusdevemdesempenhar; Recomenda, ainda, que os museussejammais abertos ao público jovem, ampliando o

Page 392: Livro Museologia e Património - Volume 6 - para capa e ...

MuseologiaePatrimónio–Volume6

390

número de programas culturais para jovens, numaatmosfera de maior participação’. Em 1971, a 9aConferênciaGeraldeMuseus,realizadaemGrenoble,França (portanto, anterior à conferência deSantiago), jáafirmavaque: ‘Osmuseusdevemestar,antes de tudo, a serviço de toda a humanidade; Aprincipal meta dos museus é a educação e atransmissão de informação e do conhecimento, portodos os meios disponíveis; Tendo em vista ascontrovérsias e as diferenças de opinião dosprofissionais de museus sobre a adaptação dosmuseusaomundocontemporâneo’,oICOMtambémrecomendava especialmente que os museusaceitassem o fato de que a sociedade está emconstante mudança. E­ questionável o conceitotradicional de museu, que perpetua valoresvinculados à preservação do patrimônio natural ecultural da humanidade, não comomanifestaçãodetudo o que é significante no desenvolvimentohumano,masmeramente como a posse de objetos.Cada museu deve aceitar que seu dever junto àsociedade envolve ações especificamentedesenvolvidas para servir ao ambiente socialespecíficodentrodoqual opera. (Scheiner, 2012, p.10).

Os estudos que realizamos, desde 2008, nos revelam a

pertinência da função social do Ecomuseu que, igualmente, deveprimar pela interpretação patrimonial, capacitação e formação depesquisadores;oqueincluiacomunidade,paraumamuseologiaqueserevele transformadora, que valorize a cultura, os ofícios emodos desaber-fazer, comprometidos com umamissão de vida sustentável dacomunidade(Varine,2012).

As comunidades ribeirinhas, praieiras e deltaicas sãodetentoras de patrimônios singulares e em risco, que foramidentificados,registradose interpretadosaolongodestainvestigação;o território abriga tradições culturais de populações marcadas pelapermanência da oralidade, modos de vida herdados de ancestrais

Page 393: Livro Museologia e Património - Volume 6 - para capa e ...

MuseologiaePatrimónio–Volume6

391

indígenas, africanos e portugueses, preservados ao longo do tempo(Borges,2004,2010).

O trabalhoetnográfico (Pinheiro;Moura,2008;2009;2010)ede História Oral (Alberti, 2013), que realizamos, nos fez chegar aartesãosepescadores,legítimosguardiãesdamemória(legoff,1990),deuma tradiçãoepatrimôniooral, quemarcamo cotidiano.NaVila-BairrodePescadoresCoqueirodaPraia,nomunicípiodeLuísCorreia,Piauí,apaisagemculturalsealtera,osventosfortesdamodernizaçãoedamodernidadeavançameameaçamumaherançaculturalancestral,fragilizandoosvínculosdosindivíduosunscomosoutrosecomseusantepassados.

No território, verificamos que as histórias e asmemórias sãorepresentadas em saberes e modos de fazer tradicionais da culturabrasileira; o patrimônio cultural permanece e se altera dia a dia;histórias de homens e mulheres, de faixas etárias diversas sãomarcadas pela tradição cultural de um tempo presente, em rápida econstante transformação (Benjamim, 1994; Bosi, 1994; Bourdieu,2006).

Por acreditar nodireito àmemória (Halbwachs, 2006; Pollak,1989;Portelli,2010;Nora,1993;Thompson,1992;2010;Elias,2001),realizamosumainvestigaçãoparticipativaecolaborativadeinventáriodo patrimônio cultural imaterial, que nos serviu de suporte para otrabalho,paraelaborarmospeçasartísticas,associadoaestetrabalho,oqueincluiumasériedefilmesdocumentários“PovosdoDelta”,umaexposição“Porentrerioemar”eumlivrodeartista;arteepatrimônionãoapenasparaapreciar,daraver,masparademocratizaroacessoaopatrimônio cultural e sugerir políticas de uso sustentável dessespatrimôniosparaasgeraçõespresentesefuturas,paraamelhoriadascondições de vida e de trabalho na região, no caso específico destetrabalhoqueapresentamos,umaexperiênciacomaconstituiçãodeumecomuseude tipo integral, que integreas comunidadesdaAPADeltadoParnaíba.

Este trabalhode formação temnospermitidooconhecimentodeparticularidadeslocaiseregionais,comolharatentoasentimentose emoções das pessoas que mantêm conhecimentos seculares,herdados de uma oralidade ancestral; nos permitiu ainda olhar eperceber a necessidade e vontade de sensibilização, divulgação eformação de pessoas, gestores do patrimônio cultural e de público,

Page 394: Livro Museologia e Património - Volume 6 - para capa e ...

MuseologiaePatrimónio–Volume6

392

usuários, interessados nos bens culturais de suas localidades; nospermitiutambémdialogarcomascomunidadessobreaimportânciadoreconhecimentoevalorizaçãodospatrimôniosquelhesforamlegadosaolongodotempo.4NotasFinais

O território eleito para estudos e implementação de ações se

insereemumcontextosocial,político,econômicoehistóriconoqualopatrimônio cultural se encontra em risco; fato que tem justificado acontinuidade do trabalho de formação de gestores do patrimônio –museólogos;umtrabalhoque trazresultadosnãosódediagnósticoeinventário do patrimônio cultural imaterial, mas, sobretudo, desensibilização e engajamento comunitário, significativos para aregistroecomunicaçãodehistóriasememóriasindividuaisecoletivas(Halbwachs, 2006; Pinheiro, 2018); para a autoestima,sustentabilidadeeencontrodesoluçõesinovadorasdesalvaguardadopatrimônioculturalimaterial,emumterritórioquevivesoboimpactodemudançasetransformaçõesradicaisdevivênciaseexperiências,ummeiosocioculturalcarentedeaçõesdestanatureza.

As ações e pesquisas que realizamos são ao mesmo tempoeducativas e culturais, envolveram as pessoas do lugar, empresaspúblicas,privadase sociais, eas famílias;permitirameampliaramaspercepções e as perspectivas em relação ao patrimônio cultural enatural,marcadoporumadiversidadedesaberes,modosdefazer,sere estar no mundo; nossos estudos revelaram as potencialidades degeração de renda, que podem contribuir para o fortalecimento dasustentabilidade social, econômica e ambiental de famílias depescadoreseartesãosdoDeltadoParnaíba.

Logo, este estudo-intervenção de natureza participativa ecolaborativa contempla o patrimônio cultural de natureza imaterial,saberesemodosdefazerassociadosàpescaartesanaleàfabricaçãodeartefatosligadosaessaartesecular;permiteamediaçãodeprocessosnos quais as pessoas passam a olhar e valorizar conhecimentosancestrais; exploramos e estimulamos o aprendizado da pescaartesanal e a fabricação de artefatos ligados à arte de pescar,conhecimentos transmitidos de pais para filhos, de avós para netos;realizamos pesquisas participativas e colaborativas, que permitem a

Page 395: Livro Museologia e Património - Volume 6 - para capa e ...

MuseologiaePatrimónio–Volume6

393

sensibilização comunitária para os patrimônios do lugar onde aspessoas vivem; ações, estudos e registros que servem agora deinstrumento de motivação individual e coletiva, que despertam naspessoas a prática da cidadania e o estabelecimento de um diálogoenriquecedor entre as gerações, e o mais importante, o desejo deavançar na constituição do ecomuseu, integral e integrador daspessoaseinstituiçõesnaAPADeltadoParnaíba.

Na condição de pesquisadoras, partícipes do processo deconstrução e enraizamento de ideias de valorização do patrimôniocultural, é possível aprender, interpretar, respeitar e conservar ospatrimônios da região; envolvermo-nos em ações de naturezaeducativa/pesquisaparticipativa e construir nodia a dia do trabalhode campo uma postura crítica, consciente, e, acima de tudo, ativa nodesenvolvimentodevivênciascidadãs.

Vivenciamos e colaboramos para o envolvimento direto eparticipativo das comunidades na investigação, nas atividadescotidianasdesensibilização,deorientaçãoparaosaber-fazerligadoàpesquisa e ao registro/inventário; comunidade e pesquisadoraenvolvidosnasensibilizaçãoparaacultura local, paraumaatividadeancestral, secular; pesquisa e ação participativas que tiveram porprincípio básico a experiência direta dos produtores ligados à pescaartesanal, à construção dos artefatos de pesca; pessoas que foram econtinuamaserencorajadasatransmitiremsaberesemodosdefazerde uma cultura singular; protagonistas de um patrimônio oralsignificativo(Figura9).

Os pescadores e artesãos são pessoas que estão motivadas atransmitirconhecimentos,herdadoseressignificados,aosmaisjovens;são sensíveis àpreservação, valorização, salvaguardaedivulgaçãodesaberesancestrais;mostram-se interessadosemensinar, transmitiroconhecimento, em um processo contínuo de descoberta e devalorizaçãodospatrimôniosdacomunidade.Asrodasdeconversaedememórias nos permitiram sensibilizar e motivar os mais velhos aensinar, a transmitir seus conhecimentos aos mais jovens, que sãoigualmentemotivados, encorajados, e aprendem comosmais velhos,guardiãesda tradiçãooral,damemóriaao longodedécadas(LeGoff,1990).

Page 396: Livro Museologia e Património - Volume 6 - para capa e ...

MuseologiaePatrimónio–Volume6

394

Figura 9 - Artes de pesca, modos de saber-fazer transmitidos degeraçãoemgeração. IlhadasCanária,RESEX,APADeltadoParnaíba.Fonte:AcertoMuseudaVila.Autora:CássiaMoura,2016.

O que temos presenciado é a magia da educação pela

pesquisa/com a pesquisa, a sensibilização pelo conhecimento, pelossaberesemodosdefazerancestrais,quepermitemodesenvolvimentode habilidades e competências físicas e intelectuais, mas, acima detudo, a construção de forma mais sólida das relações afetivas nouniverso social e cultural dessas pessoas, no caso específico destetrabalho, uma pesquisa participativa-colaborativa, que possibilitou oacessoaconhecimentos,enriquecimentoepoderindividualecoletivodepessoasquetêmumaculturaancestralrica,singular,emummundomarcadopelaglobalização,pelafragilidadedasrelaçõeshumanas.

Construímos com e para as pessoas das comunidades, nós,igualmente comunidade, ao longo do trabalho, atividades práticas,rodasdeconversaedememória,oficinasdeconhecimentoeaplicaçãode metodologias de pesquisa, o que inclui oficinas de registro einventário; de captura e de registros audiovisuais; de aprendizadosobre a pesca e seus artefatos com pescadores, filhos e netos depescadores e artesãos e com outras pessoas da comunidade, com ointuito de educar o olhar, de permitir que as pessoas olhem comatenção e sensibilidade para o mundo no qual vivem, que

Page 397: Livro Museologia e Património - Volume 6 - para capa e ...

MuseologiaePatrimónio–Volume6

395

experimentem as vivências, que se sintam enriquecidas com outrasexperiênciasdemembrosdesuacomunidade.

Dentre as metodologias que usamos estão presentes osdiálogos com as comunidades, com pescadores e artesãos e seusdescendentes. Obtivemos bons resultados, há a sensibilização daspessoasqueatuamnapesquisa/inventário;atividadesdeinvestigaçãoe registros que promovem o reencontro da comunidade com elaprópria,seusvaloresecomsuastradiçõesculturais;acreditamosquesó a partir desse diálogo é possível a interação, troca e confiançaestabelecidaentreopesquisadorecomunidade.

Nasoficinasde investigação, registro,históriaoral,etnografia,fotografia,vídeo,desenhos,históriasdevidaerodasdeconversaedememórias, técnicas tradicionais de pesca e fabricação de artefatos,realizamosregistrosdevivências,saberes,experiênciasepráticasquecompõem, agora, o material prático dos estudos e intervenções; sãoresultadosdepesquisaeregistrosquepermitemumanarrativatécnicaeanalíticadossaberesemodosdefazerassociadosàpescaartesanaleà produção dos artefatos de pesca; pesquisa-ação construída com oapoio dos membros das comunidades e que subsidia agora aconstituiçãodeummuseuintegralecomunitário–oEcomuseuDeltadoParnaíba.

Dentreosregistrosqueconstituempeçasartísticaspartedestainvestigação, destacamos uma série de documentários etnográficos“PovosdoDelta”,umencontroentrerioemar,umareferênciaaorioParnaíbaeaoOceanoAtlântico,formandooúnicodeltaadesaguaremmarabertodasAméricas; filmesque, igualmente,narraramvivênciascotidianas de populações ribeirinhas e praieiras associadas aoaprendizadodapescaartesanaledafabricaçãodeartefatosdepesca;filmes que têm como público, direto, os membros das comunidades,filhos e netos de pescadores e artesãos do Delta do Parnaíba e,indiretamente,maisdeduasmilpessoas,dentrefilhos,paisenetosdepescadores e artesãos, que foram sensibilizados para conhecer,reconhecer, valorizar e preservar os patrimônios dos lugares ondevivem.

Osdocumentáriossãopartedosresultadosdeconvíviocomaspessoas no território ribeirinho, praieiro e deltaico; registros dosmodos de saber fazer ancestrais, o que permite uma produção denatureza etnográfica. Ao longo do trabalho de campo, as pessoas da

Page 398: Livro Museologia e Património - Volume 6 - para capa e ...

MuseologiaePatrimónio–Volume6

396

comunidadeparticiparamnaconstruçãodeinformações,colaboraramnorepensarmetodologiaseformasderegistrosdopatrimônioculturalimaterial.

Nasrodasdeconversasememórias,osmais jovenseosmaisvelhosfalamdapescaedafabricaçãoartesanaleartefatosassociados,sobre as vivências e experiências dosmais velhos, herdeiros de umatradiçãooral,pessoasquesocializamsuashistóriasememóriascomosmais jovens, que são gradativamente sensibilizados a saber ouvir; asrodasdeconversasserevelaramcomoumaaçãoeducativa,deensino-aprendizagem,reveladorasdehabilidadesecompetênciasnecessáriasàs práticas cotidianas associadas às atividades profissionais noterritório.ReferênciasAlberti,Verena.(2013).ManualdeHistóriaOral.2.ed.RiodeJaneiro:FGV.Alves,SamiraAmaraGomes.(2017).Inventárioparticipativo.Osmodosdesaber-fazerassociadosaotrançadoempalhadecarnaúba.IlhadasCanárias | Delta do Parnaíba | Meio Norte do Brasil. (MestradoProfissionalemArtes,PatrimonioeMuseologia)–UFPI,Parnaíba.Benjamim,Walter.(1994).Onarrador:consideraçõessobreaobradeNicolaiLeskov.In:______.Magiaetécnica,arteepolítica:ensaiossobreliteraturaehistóriadacultura.SãoPaulo:Brasiliense.Borges, Jóina Freitas (2004). A história negada. Em busca de novoscaminhos.Teresina:FUNDAPI.______. Os senhores das dunas e os adventícios d’além-mar: primeiroscontatos, tentativas de colonização e autonomia tremembe na costaleste-o este (séculos XVI e XVII). (2010). Tese de Doutoradoapresentada ao Programa de Pos-Graduaçao em História daUniversidade Federal Fluminense, como requisito parcial a obtençãodoGraudeDoutoraemHistória.

Page 399: Livro Museologia e Património - Volume 6 - para capa e ...

MuseologiaePatrimónio–Volume6

397

Bourdieu, Pierre; Bourdieu, Marie-Claire. (2006). O camponês e afotografia.RevistaSociologiaPolítica,Curitiba,n.26,jun.BRASIL. (2006). Relatório do Plano deAção para oDesenvolvimentoSustentável da Bacia do Parnaíba, do Ministério da Integração.PLANAP/MI.BRASIL. Lein. 9.985,de18de julhode2000. (2021).Disponível em:http://www.icmbio.gov.br/portal/images/stories/comunicacao/legislacaoambientalvolume1.pdf.Acessoemjun.2021.BRASIL.Decretono3.551,de4deagostode2000.(2021).Disponívelem:http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/d3551.htm.Acessoem:jun.2021.BRASIL. Decreto Governamental s/n de 16 de novembro de 2000.(2021). Disponível em:https://documentacao.socioambiental.org/ato_normativo/UC/2234_20160524_152954.pdf.Acessoem:jun.2021.BRASIL.(1857).AutorizadaacontrataçãodeCompanhiadeNavegaçãoCosteiradeVapor.ALeiProvincialn.450,de04desetembrode1857.BRASIL. (2006). PLANO DE AÇA® O PARA O DESENVOLVIMENTOINTEGRADODABACIADOPARNAI­BA–PLANAP.Brasília:Companhiade Desenvolvimento dos Vales do São Francisco e do Parnaíba –CODEVASF.Bosi, Ecleia. (2011). Memória e sociedade: lembrança de velhos. SãoPaulo:CiadasLetras,1994.Cabral, Clara Bertrand.Património imaterial: Convenção da Unesco eseuscontextos.Lisboa:70.(ColeçãoArte&Comunicação).Ceravolo,SuelyMoraes(2004).Emnomedocéu,oqueemuseologia”?Perspectivas demuseologia através depublicações.Rev. doMuseu deArqueologiaeEtnologia,SãoPaulo,14:311-343.

Page 400: Livro Museologia e Património - Volume 6 - para capa e ...

MuseologiaePatrimónio–Volume6

398

DECLARAÇA® O DE QUE­ BEC 1984. (2021). Disponível em:https://www.icomos.org/images/DOCUMENTS/Charters/GA16_Quebec_Declaration_Final_PT.pdf.Acessoem:jun.2021.Feixa, Suely Moraes (2004).Da palavra ao termo. Um caminho paracompreenderMuseologia.Tese(ComunicaçãoeArte)–USP,SãoPaulo.Freire, Pamela Krishna Ribeiro Franco. (2017). Ecomuseu Delta doParnaíba (ECOMUDE):Um instrumento de valorização de uma rica ecomplexa Paisagem Cultural no Meio Norte do Brasil. (MestradoProfissionalemArtes,PatrimonioeMuseologia)–UFPI,Parnaíba.Halbwachs,Maurice.(2006).Amemóriacoletiva.SãoPaulo:Centauro.Hall,Stuart.(2004).Aidentidadeculturalnapós-modernidade.9.ed.RiodeJaneiro:DP&A.Hartog, François. (2006). Tempo e Patrimonio. Varia História. BeloHorizonte,vol.22,n.36,p.261-273,jul./dez.ICOM.ConvençãoparaasalvaguardadoPatrimonioCulturalImaterial,2003. (2021). Disponível em:http://portal.iphan.gov.br/uploads/ckfinder/arquivos/ConvencaoSalvaguarda.pdf.Acessoem:jun.2021.ICOM. Mesa-redonda de Santiago do Chile, 1972. (2021). Disponívelem:https://www.revistamuseu.com.br/site/br/legislacao/museologia/3-1972-icom-mesa-redonda- de-santiago-do-chile.html. Acesso em: jun.2021.IPHAN. (2021).Disponível em:http://portal.iphan.gov.br.Acesso em:jun.2021.IPHAN. (2021). Paisagem Cultural. Disponível em:http://portal.iphan.gov.br/uploads/ckfinder/arquivos/Livreto_paisagem_cultural.pdf.Acessoemjun.2021.

Page 401: Livro Museologia e Património - Volume 6 - para capa e ...

MuseologiaePatrimónio–Volume6

399

IBRAM.(2021).Disponívelem:http://www.museus.gov.br.Acessoem:jun.2021.LeGoff.Históriaememória.(1996).SãoPaulo:Unicamp.Leite, PedroPereira. (2018).Museologia e inovação social. Disponívelem:https://globalherit.hypotheses.org/casa-muss-amb-ike-espaco-de-museologia- informal/museologia-e-inovacao-social. Acesso em: jun.2021.Melo, Douglas Brandao. (2017). Santa Carnaúba: Concepção eProduçãodeExposiçãoColetivaDissertação(MestradoProfissionalemArtes,PatrimonioeMuseologia)–UFPI,Parnaíba.Nora, Pierre. (1993). Entre memória e história. A problemática doslugares.ProjetoHistória,SãoPaulo,n.10,dez.Pollak, Michael. (1989). Memória, esquecimento, silêncio. EstudosHistóricos,RiodeJaneiro,vol.2,n.3,p.3-15.Pinheiro,Áureaetal.(Org.).(2009).CadernosdePatrimônioCulturaldoPiauí.OconjuntoarquitetônicodeParnaíba,Teresina:IPHAN/PI.Pinheiro,Áurea;MOURA,Cássia.(2009).Celebrações.Teresina:Educar:arteseofícios;Brasília,MINC/IPHAN.______.Senhoresdeseuofício:aartesanteiradoPiauí.(2009).Teresina:IPHAN/PI.______.Asescravasdamãededeus.DocumentárioEtnográfico. (2010).Rio de Janeiro: Centro Nacional de Folclore e CulturaPopular/AssociaçãoCultural deAmigosdoMuseudeFolcloreEdisonCarneiro/MinC/IPHAN/Petrobras.______. Congos: ritmo e devoção. Documentário etnográfico. (2009).Teresina: educar artes e ofícios. Produzido via edital do ProgramaMonumenta/Iphan, do Ministério da Cultura, com financiamento do

Page 402: Livro Museologia e Património - Volume 6 - para capa e ...

MuseologiaePatrimónio–Volume6

400

Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) e apoio técnico daUnesco.______. Passos de Oeiras. (2008). Documentário etnográfico. Rio deJaneiro: Centro Nacional de Folclore e Cultura Popular/AssociaçãoCultural de Amigos do Museu de Folclore EdisonCarneiro/Minc/IPHAN/Petrobras.Pinheiro,ÁureadaPaz.(2002).AstensõesentreclericaiseanticlericaisnoPiauí.Teresina:FundaçãoCulturalMonsenhorChaves.______. INRC - Inventário Nacional de Referências Culturais - ArteSanteiradoPiauí.(2008).Teresina:MinistériodaCultura/IPHAN.PINHEIRO,Áurea; PELEGRINI, Sandra.Tempo,Memória e Patrimônio.(2009).EDUFPI:Teresina.Pinheiro, Áurea et. al. (Org.). Patrimônio e cultura negra. (2014).Teresina:VOXMUSEIarte+patrimônio,ProgramadePós-GraduaçãoemArtes,PatrimônioeMuseologia.Portelli,Alessandro(2010).Ensaiosdehistóriaoral.SãoPaulo:LetraeVoz.RECOMENDACIO­ N RELATIVA A LA PROTECCIO­ N Y PROMOCIO­ N DELOSMUSEOSYCOLECCIONES,SUFUNCIO­ NENLASOCIEDAD(2015).Disponível em: http://portal.unesco.org/es/ev.php-URL_ID=49357&URL_DO=DO_TOPIC&URL_SECTION=201.html. Acessoem:dez.2015.Scheiner,TerezaCristina.RepensandooMuseuIntegral:doconceitoàspráticas. (2012). Bol. Mus. Emílio Goeldi, Belém, v. 7, n. 1, p. 15-30,jan./abr.Thompson,Paul.AvozdoPassado.HistóriaOral.(1992).RiodeJaneiro:PazeTerra.

Page 403: Livro Museologia e Património - Volume 6 - para capa e ...

MuseologiaePatrimónio–Volume6

401

UNESCO(2021).ConvençãoparaaSalvaguardadoPatrimonioCulturalImaterial 2003. Disponível em:https://unesdoc.unesco.org/ark:/48223/pf0000132540_por. Acessoem:jun.2021.Varine,Huguesde (2012).Asraízesdo futuro:opatrimônioaserviçododesenvolvimentolocal.PortoAlegre:Medianiz.

Page 404: Livro Museologia e Património - Volume 6 - para capa e ...

MuseologiaePatrimónio–Volume6

ISBN978-989-8797-62-9