Literatura Portuguesa Prosa

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  • 8/20/2019 Literatura Portuguesa Prosa

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    Autora: Profa. Lígia Regina Máximo Cavalari Menna

    Colaboradoras: Profa. Cielo Festino

      Profa. Joana Ormundo

    Literatura Portuguesa: Prosa

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    Prof. Dr. João Carlos Di GenioReitor

    Prof. Fábio Romeu de Carvalho Vice-Reitor de Planejamento, Administração e Finanças

    Profa. Melânia Dalla Torre Vice-Reitora de Unidades Universitárias

    Prof. Dr. Yugo Okida Vice-Reitor de Pós-Graduação e Pesquisa

    Profa. Dra. Marília Ancona-Lopez Vice-Reitora de Graduação

    Unip Interativa – EaD

    Profa. Elisabete Brihy

    Prof. Marcelo Souza

    Profa. Melissa Larrabure

      Material Didático – EaD

      Comissão editorial:Dra. Angélica L. Carlini (UNIP)

      Dr. Cid Santos Gesteira (UFBA)  Dra. Divane Alves da Silva (UNIP)  Dr. Ivan Dias da Motta (CESUMAR)  Dra. Kátia Mosorov Alonso (UFMT)  Dra. Valéria de Carvalho (UNIP)

      Apoio:  Profa. Cláudia Regina Baptista – EaD  Profa. Betisa Malaman – Comissão de Qualificação e Avaliação de Cursos

      Projeto gráfico:  Prof. Alexandre Ponzetto

      Revisão:  Sueli Brianezi Carvalho  Amanda Casale

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    Sumário

    Literatura Portuguesa: ProsaAPRESENTAÇÃO ......................................................................................................................................................7

    INTRODUÇÃO ...........................................................................................................................................................7

    Unidade I

    1 ROMANTISMO EM PORTUGAL (1825-1865) ..........................................................................................91.1 Contexto histórico e social ............................................................................................................... 101.2 A produção literária............................................................................................................................. 12

    1.3 Características gerais do Romantismo ........................................................................................161.4 Início do Romantismo em Portugal .............................................................................................. 19

    1.4.1 Alexandre Herculano .............................................................................................................................201.5 O ultrarromantismo em Portugal .................................................................................................. 23

    1.5.1 Camilo Castelo Branco ....................... .......................... .......................... ........................... ................. 231.5.2 Amor de perdição ...................................................................................................................................251.5.3 Queda de um anjo ..................................................................................................................................34

    2 TRANSIÇÃO PARA O REALISMO ................................................................................................................ 372.1 As pupilas do senhor reitor .............................................................................................................. 38

    Unidade II

    3 REALISMO/NATURALISMO EM PORTUGAL (1865-1890) ................................................................433.1 Contexto histórico e social ............................................................................................................... 443.2 A produção literária............................................................................................................................. 463.3 Questão Coimbrã .................................................................................................................................. 513.4 Características gerais do Realismo ................................................................................................ 53

    3.4.1 O romance realista e o romance naturalista ...................... ........................... .......................... .... 543.5 Eça de Queirós .......................................................................................................................................57

    3.5.1 O crime do Padre Amaro ......................................................................................................................593.5.2 Os Maias .....................................................................................................................................................603.5.3 A cidade e as serras ................................................................................................................................603.5.4 O primo Basílio.........................................................................................................................................63

    3.6 A crítica de Machado de Assis ........................................................................................................69

    4 APÓS O REALISMO-NATURALISMO ..........................................................................................................71

    Unidade III

    5 MODERNISMO ................................................................................................................................................. 815.1 Presencismo (1927-1940) .................................................................................................................84

    5.2 Neorrealismo (1940-1974) ...............................................................................................................89

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    6 CONTEXTO HISTÓRICO E SOCIAL ............................................................................................................... 896.1 Pós-modernismo .................................................................................................................................. 926.2 Salazarismo: período de ditadura (1933 a 1974) ....................................................................956.3 A produção literária............................................................................................................................. 98

    6.3.1 Alves Redol (1911-1969) ......................................................................................................................99

    6.3.2 Manuel da Fonseca (1911-1993) ........................ .......................... .......................... ........................ 1016.3.3 Carlos de Oliveira ..................................................................................................................................1056.3.4 José Gomes Ferreira .............................................................................................................................106

    Unidade IV

    7 TENDÊNCIAS CONTEMPORÂNEAS ..........................................................................................................1147.1 António Lobo Antunes ..................................................................................................................... 1147.2 José Saramago ..................................................................................................................................... 118

    7.2.1 Comentário sobre algumas obras........................................ .......................... .......................... ...... 120

    8 BREVE PANORAMA DAS LITERATURAS AFRICANAS EM LÍNGUA PORTUGUESA .................131

    8.1 Angola .....................................................................................................................................................1328.1.1 Pepetela ........................ .......................... .......................... .......................... .......................... ................... 1338.1.2 José Eduardo Agualusa ......................... .......................... .......................... ........................... .............. 1398.1.3 Ondjaki ......................................................................................................................................................141

    8.2 Moçambique.........................................................................................................................................1438.2.1 Mia Couto ........................ .......................... .......................... .......................... .......................... ............... 144

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     APRESENTAÇÃO

    Esta disciplina tem por objetivos levar o aluno a estabelecer correlações entre produções literáriasde diferentes épocas e regiões, considerando o contexto histórico e cultural, assim como as outrasartes, em geral; fornecer ao aluno condições de análise da literatura portuguesa em comparação àsdemais literaturas; levar o aluno a estabelecer relações entre textos literários e com a teoria literária;assim como possibilitar ao aluno condições para desenvolver atividades ligadas à prática de ensino deLiteratura Portuguesa, sendo fundamental para o futuro profissional em Letras.

    INTRODUÇÃO

    Caro aluno,

    na disciplina de Literatura Portuguesa: Prosa, propomos estudo, análise e crítica das principais

    manifestações em prosa em literatura portuguesa, iniciando pelas novelas e romances românticosportugueses, destacando-se as obras de Alexandre Herculano e Camilo Castelo Branco.

    Em seguida, abordaremos os romances de Eça de Queirós e sua vertente realista-naturalista.Posteriormente, daremos destaque para a ficção neorrealista portuguesa e as tendências contemporâneas,destacando-se a obra de António Lobo Antunes e José Saramago.

    Ao final, faremos um breve panorama das literaturas africanas em língua portuguesa, bemrepresentadas por Pepetela, de Angola, e Mia Couto, de Moçambique.

    Para que você tenha um bom aproveitamento em seus estudos, é necessário que leia tanto osaspectos teóricos apresentados nos diversos capítulos da bibliografia básica e textos sugeridos, como asnovelas e romances indicados. Procure ler as obras originais e não resumos, para que possa observar osaspectos estilísticos envolvidos.

    Em alguns momentos, estabeleceremos relações comparativas entre a Literatura Portuguesa e aLiteratura Brasileira, para que a construção do conhecimento se torne mais clara e elucidativa.

    A seguir, uma lista das leituras obrigatórias, para um melhor aproveitamento dos conteúdos

    apresentados, assim como as leituras complementares. Alguns livros já fazem parte do domínio públicoe podem ser encontrados na internet. Outras editoras e edições também podem ser utilizadas:

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    Unidade I

    1 ROMANTISMO EM PORTUGAL (1825-1865)

    Figura 1 - Tiros de maio - 1808 (Francisco Goya - 1746/1828)

     Observação

    Entre as principais características do Romantismo, podemos destacara subjetividade e o sentimentalismo que podem ser observados nessapintura de Goya: uma cena de guerra repleta de emoção e dramaticidade,

    uma visão pessoal e idealizada do pintor. Observe que a cena retrata umfuzilamento, repleto de emoção, sofrimento e sangue. Apesar do tomfúnebre e do grotesco, há uma significativa beleza estética nessa pintura,com a luz incidindo sobre o condenado. Toda a composição é harmônica enos remete a um novo conceito de beleza: o belo-feio.

    Francisco José de Goya y Lucientes (1746-1828) foi um famoso pintor e artista gráfico espanhol.Passou por diversas tendências, como o Neoclassicismo, até chegar ao Romantismo. Trabalhou comoretratista na corte de Carlos V e realizou obras que retratam crueldade e terror, como a série de gravurasOs desastres da guerra, da qual a pintura acima faz parte, ou mesmo as atrocidades das touradas e

    dos asilos de loucos. O retrato de cenas trágicas, terras distantes, mundos exóticos, mesmo o grotesco,

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    Unidade I

    são características que encontramos também na literatura romântica. No Museu do Prado, em Madri,encontram-se seus murais conhecidos como “pinturas negras”, considerado o ponto alto de sua carreira.

    Saiba mais

     Vale a pena assistir a um interessante filme sobre esse genial pintor,estrelado por Stellan Skarsgard, Javier Baden e Natalie Portman:

    OS segredos de Goya. Dir. Milan Forman, 113 minutos, Estados Unidos/Espanha, 2006.

    1.1 Contexto histórico e social

    O Romantismo predominou em toda Europa na primeira metade do século XIX, ocorrendo logoapós a Revolução Francesa em 1789. Essa época é de radical transformação cultural, filosófica, artística,científica e histórica. O sistema monárquico absolutista entra em crise e dá vez ao liberalismo daburguesia em ascensão.

    A Revolução Francesa é um dos mais importantes acontecimentos da história do Ocidente. Nãoé à toa que o ano que marca o seu início, 1789, é também o começo da Idade Contemporânea.Para compreender o que representou o processo revolucionário francês, é preciso antes saber queele foi um dos primeiros passos para o fim do Antigo Regime, que representava a velha ordem, um

    tipo de sociedade em que os membros da Igreja e a nobreza possuíam imensos privilégios. Essasociedade era dividida em grupos sociais fechados, em que cada um deveria viver conforme asnormas de seu grupo. Ou seja, um nobre era sempre um nobre e um elemento do povo era sempreuma pessoa do povo, sem direitos políticos e com muitos deveres para com seu senhor. Assim,o “povo”, que era formado por ricos burgueses e humildes camponeses, tinha direitos políticosinsignificantes e pagava a maior parte dos tributos que sustentavam o Estado absolutista - ouseja, aquele em que o monarca tem poder absoluto.

    Assim, com a Revolução Francesa, os burgueses, que antes tinham o poder econômico, adquirem

    também o poder político. As mudanças já iniciadas com o Iluminismo tomam proporções grandiosas. Opovo, que compartilhou entusiasticamente da revolução, como se haveria de esperar, foi relegado a umsegundo plano.

    Quando pensamos em Romantismo, não podemos desvinculá-lo desse quadro sociocultural,principalmente porque essa estética surge como uma forma de agradar a esse novo público burguês,a representar artisticamente seus sonhos, seus ideais em relação à família, ao casamento, às visõespolíticas e econômicas.

    A filosofia, principalmente as teorias de Rousseau, como a do “bom selvagem”, passa a modelar

    diversos autores românticos.

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    Para o filósofo, o homem nasce naturalmente bom e inocente, sendo que a sociedade é que ocorrompe. Essa concepção será bastante empregada pelos românticos, que encontram na figura dosprimitivos, como os índios, os heróis medievais, ou mesmo nas crianças, seres intocados e puros, exemplosde inocência e da bondade.

    Em seu Discurso sobre a Origem da Desigualdade entre os Homens (1755), descreveu os efeitoscorruptores da sociedade sobre os seres humanos, bons e inocentes, como dito anteriormente. Para ele,a propriedade privada e a divisão de trabalho teriam então criado uma desigualdade artificial, ou seja,social e não natural, e uma falsa moralidade. Leia o início desse discurso em que Rousseau diferencia adesigualdade natural da social:

    Concebo na espécie humana duas espécies de desigualdade: uma, que chamode natural ou física, porque é estabelecida pela natureza, e que consiste nadiferença das idades, da saúde, das forças do corpo e das qualidades do

    espírito, ou da alma; a outra, que se pode chamar de desigualdade moral oupolítica, porque depende de uma espécie de convenção, e que é estabelecidaou, pelo menos, autorizada pelo consentimento dos homens. Consiste estanos diferentes privilégios de que gozam alguns com prejuízo dos outros,como ser mais ricos, mais honrados, mais poderosos do que os outros, oumesmo fazerem-se obedecer por eles. (...)

    De que, pois, se trata precisamente este discurso? De marcar no progressodas coisas o momento em que, sucedendo o direito à violência, a naturezafoi submetida à lei; explicar por que encadeamento de prodígios o fortepode resolver-se a servir o fraco, e o povo a procurar um repouso em ideiapelo preço de uma felicidade real (ROUSSEAU, 1775. Versão on-line ).

     Inicia-se também a Revolução Industrial que estabeleceu radicais mudanças nos modos de produção.

    Até a atualidade, temos reflexos desse momento histórico. Os ideais de liberdade, igualdade efraternidade até hoje são almejados. Será que um dia os alcançaremos plenamente?

     Saiba mais

    Para contextualizar a época do Romantismo, assista aos filmes: DANTON, o processo da revolução. Dir. Andrzej Wajda, França/Polônia,

    131 minutos, 1982.

    OS miseráveis. Dir. Billie August, Estados Unidos, 131 minutos, 1998.

    ORGULHO e preconceito. Dir. Joe Wright, Inglaterra/França/Estados

    Unidos, 127 minutos, 2005.

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    Unidade I

    Em Portugal, o século XVIII iniciou-se cheio de atribulações. Com a vinda de D. João VI, a família reale boa parte dos intelectuais, escritores e comerciantes para o Brasil, devido às invasões napoleônicas,Portugal ficou praticamente à deriva. Com a saída dos franceses em 1817, iniciou-se a luta pelo poderentre os irmãos D. Miguel e D. Pedro IV (nosso D. Pedro I). Inicialmente, D. Miguel, com uma posturaretrógrada, venceu essa disputa, contudo, em 1833, D. Pedro invadiu Portugal e colocou sua filha, Maria,no poder. A desordem interna era imensa e só se regularizou, não completamente, em 1847, quando seinicia a Regeneração.

    Se para o Brasil o Romantismo marcou o início de nossa literatura, pois nos tornamos um paísindependente, sedento por formar nossa identidade, em Portugal, as artes ficaram como em suspenso.Em clima confuso, a estética romântica demorou em se estabelecer em Portugal. Assim, somente nosanos tranquilos, após a Regeneração, o movimento pôde se desenvolver.

     Saiba mais

    Em 2008, devido às comemorações dos 200 anos da chegada da famíliareal ao Brasil, vários livros foram lançados sobre o assunto. Sugerimos olivro:

    GOMES, Laurentino. 1808:   a invenção do Brasil. São Paulo: Planeta,2008.

     Veja também a palestra ministrada pelo autor na TV Web em7 out. 2008, Disponível em: .

    Para saber mais sobre a História de Portugal, acesse os sites :

    e .

    1.2 A produção literária

    Segundo diversos pesquisadores, as origens do Romantismo remontam ao final do século XVIII, sendoo movimento originário em diversos países, como na Inglaterra, Escócia e também Alemanha, sendoa França a responsável por sua disseminação. É por esse motivo que ouvimos falar em RomantismoAlemão e Romantismo Inglês, como raízes para um Romantismo mais amplo.

      Na Alemanha, suas origens encontram-se no movimento Sturm und Drang (Tempestade e Ímpeto),entre 1760 a 1780, que envolveu artistas como Goethe, Schiller e os irmãos Schlegel que combatiam oracionalismo clássico e o culto à objetividade. Há também a redescoberta de contos medievais e lendas

    de origem germânicas.

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    Como exemplo, podemos citar os irmãos Grimm que fizeram uma ampla pesquisa das históriasorais, de tradição alemã, que constituíram uma instigante coletânea de contos, conhecidos hoje comocontos de fadas ou maravilhosos. Assim, os irmãos Grimm não foram autores de contos famosos comoChapeuzinho Vermelho ou João e Maria. Essas histórias fazem parte da tradição oral de diferentes povose compõem a tradição cultural do Ocidente.

     Na Escócia, surge o Ossianismo iniciado por James Macpherson (1760 a 1763), que escreveu váriospoemas de cunho medieval, simulando que esses escritos eram de autoria de um bardo escocês chamadoOssian, os quais ele simplesmente estava traduzindo. Pura jogada de marketing, diríamos hoje. Quandofoi descoberto, já era tarde, pois seus poemas já haviam conquistado o público letrado do século XVIII.

    Simultaneamente, na Inglaterra, Shakespeare é redescoberto e escritores como Walter Scott, Schillere Lorde Byron pregavam o domínio da emoção sobre a razão, além de exaltarem o passado nacional,assim como também ocorrera na Alemanha.

    A França, como dito, foi o centro do movimento e o polo divulgador do Romantismo na Europa.Artistas como Lamartine, Musset e Victor Hugo abraçaram as características do movimento e pregarama liberdade de expressão, uma obra de arte sem regras ou modelos a seguir, contrária, portanto, aospadrões clássicos até então impostos.

    Surge, portanto, uma nova relação entre escritor e público, uma maior proximidade, um novo estilocom um novo significado estético, assim como novos gêneros literários são criados.

     Observação

    Conceito de Romantismo

    “O adjetivo ‘romântico’ é de origem inglesa seiscentista (romantic ) ederiva do substantivo romaunt , de origem francesa (roman ou rommmant),que designa os romances medievais de aventuras. O emprego da palavrageneralizou-se a tudo aquilo que evoca a atmosfera desses romances-cavalariae em geral a Idade Média. [...] Do inglês e do francês, a palavra passou a todas

    as línguas europeias” (SARAIVA & LOPES, 2001, p. 653).

    O Romantismo ficou conhecido como a estética da burguesia, formada por um novo público leitor,que exigia mudanças e simplificações estéticas. Positivamente, podemos dizer que houve uma certa“democratização” da cultura e a literatura passou a ser um bem de consumo em maior escala, e nãosomente reduzido a um pequeno grupo. Além disso, o Romantismo foi um movimento literário contrárioàs regras clássicas e a favor da liberdade formal.

     Vale ressaltar que é nessa época que surge um novo gênero literário: o romance. O romance,como entendemos hoje, surgiu no final do século XVIII a partir de uma revolução cultural deorigem anglo-saxônica.

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    Unidade I

    Inicialmente, os romances eram publicados em capítulos nos jornais, os conhecidos folhetins, bemsemelhantes às telenovelas atuais. Os leitores e leitoras, em número reduzido, pois poucos sabiam ler,ficavam ansiosos pelos novos episódios, sedentos de aventuras e histórias de amor.

     Vale ressaltar a importância da imprensa e do jornalismo para o desenvolvimento e alcance da literatura.

    Como vimos, nas origens remotas do Romantismo temos o progresso econômico e social daburguesia, conforme dito anteriormente, e por consequência, a Revolução Industrial, com a qualaperfeiçoaram tecnologias tipográficas, tanto no que se refere aos livros quanto aos jornais. Durantemuito tempo, esses foram artigos de luxo, mas, aos poucos, foram tornando-se objetos culturaisde consumo geral. A partir do século XVIII, começam a surgir gabinetes de leitura e bibliotecasambulantes, que alugavam os livros e jornais.

    Uma nova massa de leitores impulsiona o rápido desenvolvimento do jornalismo. Segundo Saraiva

    & Lopes (2001):

    O público popular, não alfabetizado, também se beneficia da imprensa,visto que certas obras, como é o caso do Quixote, de Cervantes, se liamoralmente em círculos de ouvintes. A um público burguês e também popularse destinam, por exemplo, na Península Ibérica, os folhetos de cordel; e porele se popularizam gêneros literários à margem da tradição clássica, como oromance picaresco espanhol (SARAIVA& LOPES, 2001, p. 656).

    Como vemos, para entender os processos de leitura e recepção de obras, torna-se imprescindível oestudo do Romantismo e de seu contexto, época em que germina a cultura de massa e a comercializaçãodas obras de arte.

    O romance passou a ser o porta-voz dos valores, ambições e desejos da burguesia, funcionandocomo uma espécie de sedativo para a realidade da vida doméstica.

     Como observamos no trecho acima, não só livros inteiros eram lidos, como também os folhetins, em

    voz alta, para um público de iletrados, como a criadagem e escravos, democratizando, de certa forma,a literatura.

    Os primeiros romances, ditos românticos, pois se iniciaram com o Romantismo, ainda se assemelhamàs novelas, sendo a distinção entre os gêneros bastante tênue, sutil. Comumente, os primeiros romanceseram epistolares, ou seja, em forma de cartas.

    A solidificação do gênero romance, enquanto espaço de experimentação e profundidade, serásomente possível na segunda metade do século XVIII.

    Assim, colocamos a seguir algumas possíveis diferenças entre esses gêneros, mas não se preocupe setiver dificuldades de identificá-los claramente. Principalmente em nossa atualidade em que temos umamescla de gêneros que são transpostos, adaptados e modificados.

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     Lembrete

    Romance e novela são gêneros bastante parecidos. Possuem váriaspersonagens, diversas tramas, vários espaços, o tempo pode ser longo.Contudo, o romance costuma ser mais longo, há simultaneidade entreas diferentes células dramáticas (acontecimentos, tramas), sendo queuma se destaca entre as outras. Há também densidade e profundidade naconstrução das personagens e enredo. Já na novela, às vezes mais curta, hásucessão de células dramáticas, ou seja, várias tramas vão ocorrendo, umasapós as outras, e nem sempre uma se destaca. Assim, na novela, há menosdensidade dramática do que no romance.

    Segundo Massaud Moisés, a obra que pode ser considerada o primeiro romance foi A história de Tom

    Jones, um enjeitado , de 1749, de Henry Fielding. Contudo, o primeiro grande representante do gênerofoi Stendhal com sua obra prima O vermelho e o negro, de 1830.

     Vale ressaltar que tais considerações podem ser contestadas, já que as pesquisas sobre a História daLiteratura apresentam diferentes descobertas, que podem refutar tais fatos. Por isso, é importante queo estudioso de literatura procure sempre se atualizar.

     Para Massaud Moisés, o criador do romance moderno, semelhante ao que conhecemos hoje, foiHonoré de Balzac com sua vasta e famosa obra Comédia Humana (1829-1850), um amplo panoramada sociedade burguesa francesa.

    Além de Balzac, entre os grandes romancistas românticos, podemos citar o alemão Goethe (Ossofrimentos do Jovem Werther  e Fausto ), o francês Victor Hugo (Os miseráveis  e Corcunda de NotreDame ), as inglesas Jane Austen (Razão e sensibilidade ) e Emily Brönte (O morro dos ventos uivantes ),entre outros.

    Contudo, é importante ressaltar que existem diversas escolas românticas que eventualmente secontrastam entre si, devido à tamanha complexidade dessa estética.

    Segundo Saraiva &  Lopes (2001), não cabem nas escolas românticas escritores como Heine,que combateu os românticos de sua época, nem um Victor Hugo, que atravessou várias gerações,sempre ativo, entre 1822 a 1885, nem mesmo um Dickens, que é classificado dentro do períodovitoriano, mas foi muito além, concretizando o romance romântico. Ao citar algumas escolasromânticas, o autor nos lembra de que sua cronologia é arbitrária, pois se baseiam alguns escritorese obras que, de alguma forma, assemelham-se. Na Inglaterra, por exemplo, a escola românticadata de 1798, com a primeira geração (Wordsworth e Coleridge), e em 1832, com a segundageração (Byron, Shelley, Keats).

    Em Literatura Brasileira, já são nossos conhecidos Joaquim Manuel de Macedo (A Moreninha) e oexemplar José de Alencar (Senhora, Iracema, O guarani, Lucíola). Podemos classificar diferentes gerações

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    de poetas, por exemplo, a primeira, com Gonçalves Dias, a segunda, com Álvares de Azevedo, e a terceiracom Castro Alves.

    Em Portugal, também podemos dizer que há uma certa diferença entre as gerações de escritores epoetas, sendo a primeira mais marcada pelo neoclassicismo, a segunda ultrarromântica e a terceira jácom aspectos realistas, contudo, escritores como Camilo Castelo Branco, por exemplo, não podem serencaixado em gerações, devido a diversidade e extensa produção. Didaticamente, consideramos queo Romantismo se inicia em 1825 quando o poeta Almeida Garrett escreve o longo poema Camões ,composto por 10 cantos em versos decassílabos brancos e se encerra em 1865, como a Questão Coimbrã,conflito intelectual entre românticos e realistas.

    1.3 Características gerais do Romantismo

    A estética romântica, como vimos, é bastante complexa, e muitas vezes, características que se

    encaixam em uma obra ou autor, não se encaixam em outros. Não podemos afirmar que todos osromânticos seguem a mesma linha, temos as diferentes gerações que seguem ou ditam regras conformeseu contexto, artístico, político e social. Há, inclusive, dentro da mesma obra de um autor, aspectosdivergentes. Dessa forma, não procure encaixar as obras e suas características sem reflexões.

    Não podemos desvincular o Romantismo de seu contexto histórico e econômico, sendo que suaideologia é fruto de uma nova sociedade e seus novos valores. Vejamos o que diz Benjamin Abdala Jr. aesse respeito:

    A euforia provocada pela Revolução Francesa, associada à liberdade deascensão econômica e individual, é o suporte e inspiração de uma literaturade emoções individuais. (...) Essa nova visão nada mais é que um novo modode conceber o mundo, é a ideologia da nova sociedade que vê limitações erelatividades do homem e da história. As emoções individuais, a visão relativado universo, o apego às tradições nacionais, a mitologização da história vêmse opor aos séculos de racionalismo, absolutismo e impessoalismo (ABDALAJR.,1985, p. 79).

    Temos, portanto, as emoções pessoais sobrepondo-se ao impessoalismo clássico. O homem e o artista

    romântico mudam o foco, estabelecem uma nova visão. Eis a raiz do individualismo, em seus aspectospositivos e negativos. Dessa forma, não podemos confundir o Romantismo que brota no século XVIIIdo romantismo enquanto trato amoroso, constante em diferentes momentos da história da literatura.

    Com isso, destacamos que uma postura romântica tem permeado a arte desde a antiguidade clássicaaté nossa atualidade. Dizemos que o “romantismo”, com letra minúscula, pode ser visto em diferentesmomentos da arte. Contudo, quando falamos de “Romantismo” com letra maiúscula, referimo-nos àestética que surgiu ao final do século XVIII e perdurou até meados da primeira metade do século XIX,uma estética de origem anglo-saxônica e germânica, difundida pela França, na qual vemos refletidas asconsequências da Revolução Francesa.

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    Quando pensamos em emoções individuais, já pontuamos uma das mais importantes e evidentescaracterísticas românticas: o subjetivismo, o artista volta para si e vê o mundo a partir de uma perspectivamuito pessoal. Há a valorização do “eu” e de seus sentimentos, que são apresentados de forma exagerada,ao que chamamos de sentimentalismo. O romântico ama e odeia com intensidade.

    Além disso, a vontade de glorificar a pátria e de fazer confissões pessoais, duas faces do mesmoindividualismo, demonstram uma manifestação a favor de aspectos espirituais e não materiais, criando,de certa forma, a mitologização da história, citada anteriormente.

    Devido sua visão subjetiva, compete ao romântico seguir os rumos do escapismo e da idealização. Ouso da fantasia e da imaginação leva o artista a fugir do presente, do cotidiano e a sonhar com lugaresdistantes, em épocas passadas, principalmente porque é nessa época que encontrará o homem natural,o bom selvagem, livre das influências da sociedade.

    Surge, então, a figura do herói medieval, resgatado de tempos distantes, característica quedenominamos por medievalismo.

    No Brasil, essa tendência se volta para a figura do índio, e temos, portanto, o indianismo. Em Portugal,Alexandre Herculano abraçou essa tendência medievalista, principalmente ao buscar as raízes do povoportuguês em sua pré-história, quando a península ainda era povoada por ibéricos e visigodos.

    Nessa tendência, valores medievais também são resgatados, entre eles o espiritualismo, com basenos preceitos cristãos. Por outro lado, temos a valorização do mistério e das sobras, o satanismo,principalmente em histórias de mistério e terror que passam a fazer muito sucesso. É nessa época que oescritor inglês Edgar Allan Poe compõe vários de seus contos extraordinários.

    A idealização, por outro lado, não se configura somente no medievalismo, mas na construção dosprotagonistas, heróis e heroínas românticos, cheios de virtudes, força, alegria e amor. O herói românticonão é um conformado, luta, enfrenta os valores impostos. Sua amada é idealizada, é a mulher perfeitae seu amor é eterno.

    Outro aspecto importante para se ressaltar é fusão entre o grotesco e o sublime, pois surge umanova concepção de beleza, divergente da concepção clássica. É o que chamamos de o “belo-feio”. Cenas

    trágicas, a morte, a velhice passam a ser retratados com alto teor de beleza estética. Um bom exemploé o personagem Quasimodo de O corcunda de Notre Dame , de Victor Hugo. O corcunda é um serhorrendo, sua aparência a todos espanta. Mas é um ser puro, bom, repleto de bons sentimentos.

    Quanto à concepção do amor, já citado anteriormente, vale destacar que o amor romântico é intenso,a paixão vigora. Esse amor pode levar o ser humano à felicidade, à loucura ou mesmo à morte, que évista como saída para os amores impossíveis.

    Como são contrários às rígidas regras clássicas, os escritores românticos defendem a liberdadeformal, o que se pode observar pelas escolhas de enredos, falas de personagens, uso da língua, entreoutros aspectos.

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    Ao pensarmos nas características específicas da novela e do romance romântico, ainda podemoscitar outros aspectos relevantes.

    O amor aparece como uma redenção, salvando o herói, um ser que inicialmente demonstra suasfraquezas e defeitos, restituindo-lhe a honra. Em um primeiro momento, o herói pode até parecer umfraco, mas sua figura é extremamente idealizada. Ele é belo, bom, forte fisicamente, defende os fracose elimina os vilões. Até sua rebeldia pode ser fruto de imaturidade, mas o herói amadurece. A heroínaromântica é bela, pura, um ser angelical, pleno de benevolência e, como o herói, também é idealizada.

    Normalmente, as personagens românticas não nos surpreendem, sabemos desde o início quem sãoos bons e quem são os maus da história, assim, podem ser classificadas como personagens planas. O quenão significa que personagens redondas sejam também encontradas.

    Há sempre um impedimento para os amantes: diferentes classes sociais, um antagonista, vilão que

    disputa a amada do herói. Temos um impasse amoroso que termina com um final feliz ou trágico.

    Os heróis românticos se opõem a valores impostos pela sociedade como o casamento por dote,arranjado, por exemplo. O herói se opõe aos valores sociais impostos como a miséria, a escravidão... Massua visão é subjetiva, sem reflexões mais profundas.

    O escritor romântico abusa de metáforas que enaltecem e idealizam pessoas e lugares, sendo sualinguagem bastante metafórica.

    Agora reflita: quantas dessas características você já pôde observar em filmes, séries e telenovelas?

    A estrutura básica das obras de cultura de massa ainda carregam em si a estrutura e característicasdo Romantismo do século XIX.

    Uma obra emblemática do Romantismo é Os sofrimentos do jovem Werther de Wolfgang Goethe,que relata, por meio de cartas, os sofrimentos de um rapaz loucamente apaixonado pela bela Charlotte.Werther escreve longas cartas para seu amigo Wilhelm, nas quais o leitor tem a dimensão desse imensoamor. Contudo, Charlotte fica noiva de outro, e Werther, sem suportar tanta dor, acaba por se matar.Consta que tal obra causou tanta comoção no século XIX que vários jovens cometeram suicídio, iludidos

    pela imagem do herói romântico subjugado pela paixão intensa. Vejamos um trecho:

    Que a vida humana é apenas um sonho , já ocorreu a muita gente, e esta ideiatambém me persegue por toda parte. Quando vejo os limites que aprisionama capacidade humana de ação e pesquisa; quando vejo que toda a atividadese esgota na satisfação de necessidades, cujo único propósito é prolongara nossa pobre existência e, ainda, que na tranquilidade em relação a certasquestões não passa de uma resignação sonhadora, pois as paredes que nosaprisionam estão cobertas de formas coloridas e perspectivas luminosas...isso tudo, Wilhelm, me deixa mudo! Volto para dentro de mim mesmo eencontro um mundo! 

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    Infeliz! Você está maluco? Enganando a si mesmo? Que fim vai levar essapaixão frenética e sem limites? As minhas preces são só para ela, não vejonenhuma outra imagem a não ser a dela e tudo o que vejo no mundo, àminha volta, relaciono com ela. E isso me proporciona muitas horas felizes...Até que, novamente, sou forçado a me desvencilhar dela! Ah! Wilhelm! Paraonde me arrasta este meu coração (GOETHE, W. 1999, p. 37-38. Destaquesnossos).

    Observe o tom melancólico do narrador, a subjetividade romântica em destaque. Em um mundo desonhos, Werther volta-se para si. Sua amada é idealizada, ele só pensa nela, vive por ela. Sua paixãointensa o amedronta.

    Figura 2 - Monumento em homenagem a Goethe

     Saiba mais

     Como o livro Os sofrimentos do jovem Werther já faz parte do domíniopúblico,  você poderá encontrá-lo no site   .

    1.4 Início do Romantismo em Portugal

    Em Portugal, didaticamente, consideramos que o Romantismo se inicia em 1825 quando o poetaAlmeida Garrett escreve o longo poema Camões , em 10 cantos com versos decassílabos brancos. Segundo

    Benjamim Abdala Jr.:

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    Devido ao seu envolvimento na Revolta do 4 de Infantaria, foi obrigado a emigrar para Inglaterra,onde tomou contato com a obra de Walter Scott. Ajudou a organizar a Biblioteca Pública do Porto e,em 1839, foi nomeado diretor das bibliotecas reais das Necessidades e da Ajuda. Suas principais obrassão: A harpa do crente  (1837), Lendas e narrativas  (2 volumes, 1839-1844), Eurico, o presbítero (1844),o primeiro volume da História de Portugal  (1846), O Monge de Cister  (1848), entre outras.

    Figura 3 - Retrato de Alexandre Herculano

    Herculano também foi responsável por artigos teóricos sobre o Romantismo, como alguns publicadosno Repositório Literário do Porto (1831-1835), em que abordava ideias do Romantismo alemão.

    Alguns críticos consideram que Alexandre Herculano teve dificuldades de integrar em suasobras os aspectos ficcionais aos históricos. Assim, o seu rigor histórico e a necessidade de

    investigação e documentação dos fatos comprometem o valor estético de sua obra. Vejamos oque nos diz José Saraiva e Óscar Lopes (2001) sobre os problemas formais encontrados nas obrasde Alexandre Herculano:

    Na composição das novelas procurou Herculano ordenar os diversoselementos e tendências que ali cumulou; sucedem-se as cenas dramáticasde interior, dominadas pelo diálogo e pela descrição minuciosa de doambiente (...) cenas ao ar livre (...) as reflexões morais-religiosas, a explicaçãohistórico-social. Normalmente cada um destes gêneros de exposição –

    dramático, narrativo-descritivo, expositivo e didático - ocupa o seu capítulopróprio. Não há uma integração perfeita entre estes elementos ligados porcontiguidade (SARAIVA & LOPES, 2001, p. 671).

     Lembrete

    Observe que o conceito de gêneros é aplicado a partir de uma perspectivaantiga. Atualmente, denominamos narração, exposição e descrição, entreoutras, como tipologias textuais e não gêneros.

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    Uma de suas obras mais importantes é Eurico, o presbítero . Com o intuito de resgatar as origensmedievais de Portugal, Alexandre Herculano cria uma história em uma época em que o país nem existia,no século VIII.

    Os visigodos e os árabes lutavam na península Ibérica. Eurico, um godo, resolveu dedicar-se aosacerdócio, ou seja, ser um presbítero, como forma de se curar de seu amor impossível por Hermengarda,que pertencia a uma classe social mais elevada. Com o acirramento da guerra, Eurico larga o hábito etransforma-se no Cavaleiro Negro, e se consagra como um grande herói, salvando inclusive sua amadados inimigos. Contudo, a sorte não lhes sorri.

    No episódio a seguir, Eurico reencontra sua querida Hermengarda, agora como o Cavaleiro Negro. Veja um trecho do livro:

    XVIII

     Impossível!

    Nada neste mundo me agita o seio, senão o teu amor. 

    Lenda de S. Pedro Confessor, 9.

    Apenas Pelágio transpôs o escuro portal da gruta, Eurico alevantou-se. Aspirava com ânsia, comose aquele ambiente tépido não bastasse a saciá-lo. O desgraçado resumia num pensamentodevorador, numa síntese atroz, o seu longe e doloroso passado e o seu torvo e irremediável futuro.Como voltara àquele lugar? Como, sem lhe vergarem os joelhos, tinha ele descido das alturasdo Vínio com Hermengarda nos braços? Que tempo durara essa carreira deliciosa e ao mesmotempo infernal? Não o sabia. Imagens confusas de tudo isso era apenas o que lhe restava – do sol,que pouco a pouco lhe viera alumiar os passos, dos ribeiros que vadeara, das penedias agras, dosrecostos dos montes, das selvas que recuavam para trás dele, dos cabeços negros que, às vezes,lhe parecera debruçarem-se no cimo dos despenhadeiros, como para o verem correr. No meiodestas recordações incertas e materiais, outras passavam íntimas, ardentes, voluptuosas, negras,desesperadas. Por horas, que haviam sido para ele uma eternidade de ventura, o respirar daquelaque amava como insensato se misturara com o seu alento; por horas sentira o ardor das faces delaaquecer as suas, e o coração bater-lhe contra o seu coração. Depois, avultavam-lhe no espírito a

    imagem veneranda de Sisberto e o altar da sé de Híspalis, junto do qual vestira a pura estringe desacerdote, e Carteia, e o presbitério e as noites de agonia volvidas nos ermos do Calpe. E tudo istose contradizia, se repelia, se condenava, o amor pelo sacerdócio, o sacerdócio pelo amor, o futuropelo passado; e aquela alma, dilacerada no combate destes pensamentos, quase cedia ao peso detanta amargura.

    (HERCULANO, 1844, cap. XVIII.)

    Observe nesse trecho algumas características do Romantismo. O herói sofre por um amor impossível.Há muito sentimentalismo, um amor exacerbado, que machuca, que angustia, já que Eurico precisapartir para a batalha e não poderá ficar com sua amada.

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    Como podemos observar no trecho a seguir, a linguagem é metafórica e visão de mundo é bastantesubjetiva e idealizada. Expressões como “aspirava com ânsia”, “ambiente tépido”, “o desgraçado”...reforçam o tom dramático e a essência romântica da obra. Repare na escolha lexical, principalmente naadjetivação:

    “Aspirava com ânsia, como se aquele ambiente tépido não bastasse a saciá-lo. O desgraçado resumianum pensamento devorador, numa síntese atroz, o seu longe e doloroso passado e o seu torvo eirremediável futuro.”

    Ao ter sua amada nos braços, diversas sensações físicas são despertadas, como um resgate da umapaixão ardente:

    “Por horas, que haviam sido para ele uma eternidade de ventura, o respirar daquela que amava comoinsensato se misturara com o seu alento; por horas sentira o ardo r das faces dela aquecer as suas, e ocoração bater-lhe contra o seu coração.” 

     Veja que há também a oposição aos valores sociais, como o sacerdócio que não foi uma vocação,mas uma fuga.

    Eurico se vê dividido entre sua amada e o sacerdócio, atente para o trocadilho utilizado pelo autor:

    “E tudo isto se contradizia, se repelia, se condenava, o amor pelo sacerdócio, o sacerdócio pelo amor, o futuro pelo passado; e aquela alma, dilacerada no combate destes pensamentos, quase cedia ao pesode tanta amargura.”

    1.5 O ultrarromantismo em Portugal

    Os ultrarromânticos possuíam como características principais o exagero de todas as característicasromânticas, voltados muitas vezes para o pessimismo e para a melancolia. Em Portugal, isso tambémocorre, contudo, um dos maiores prosadores românticos e um dos maiores escritores portugueses doséculo XIX, Camilo Castelo Branco, não se prendeu a uma só vertente, apresentando inclusive humore ironia em muitas de suas obras. Na Questão Coimbrã, posicionou-se a favor dos românticos e deCastilho, contudo, paradoxalmente, escreveu obras de influência realista.

    1.5.1 Camilo Castelo Branco

    Figura 4 - Camilo era amado e odiado por muitos, devido suas críticas l iterárias

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    Camilo Castelo Branco (1825-1890) nasceu em Lisboa no dia 16 de março, filho ilegítimo de ManuelJoaquim Botelho e Jacinta Maria. Ficou órfão aos 10 e aos 16 casou-se, abandonando a esposa emseguida. Frequentou a sociedade portuense, dedicando-se ao jornalismo, e teve uma vida romanticamenteagitada, desde vários casos amorosos até a prisão.

    Ele se apaixonou perdidamente por Ana Plácido, uma mulher casada. Chegaram a ser presos poradultério, mas foram inocentados. O escândalo favoreceu o escritor com uma súbita notoriedade logoapós a publicação de Amor de perdição , escrito no tempo da prisão. Quando sua amada ficou viúva,puderam se casar. Contudo, nada foi fácil para o escritor, com muitos filhos e pouca verba, escreviafreneticamente para sustentar sua família. Ao ficar cego, impossibilitado de escrever, suicidou-se comum tiro na cabeça em sua casa em São Miguel de Seide.

    Podemos dizer que a vida imita a arte, já que a história de Camilo Castelo Branco daria uma boanovela romântica.

    O autor escreveu em diversos gêneros, de biografias a peças de teatro, contudo, notabilizou-se porsuas novelas, principalmente as passionais, ou seja, cheias de amor e sangue. Vejamos o que nos dizPaulo Franchetti, pesquisador da Unicamp, a esse respeito:

    Camilo foi o primeiro escritor português a viver do seu ofício. Numasociedade que não dispunha de um número expressivo de leitores,num tempo em que os direitos autorais estavam começando a serreconhecidos (a lei dos direitos de autor, proposta por Garrett, é de 1851),Camilo teve de escrever muito. Suas obras contam-se em centenas: foipoeta, teatrólogo, novelista, crítico literário, editor literário e tradutorde grande atividade.

    Ao procedermos a um levantamento do corpus   moderno da novelísticacamiliana - isto é: os livros que citados nos estudos mais conceituados dehistória e de crítica aparecidos na segunda metade deste século - veremosque o cruzamento das informações produz um número enorme: só denovelas e contos, ainda se referem usualmente cerca de 40 títulos.

    São textos muito variados, mas a crítica os tem distribuído basicamente em2 categorias principais: a novela passional e a novela satírica de costumes  (FRANCHETTI, Disponível em: . Destaques nossos).

    Assim, Camilo Castelo Branco era uma espécie de escritor profissional, pois escrevia parasobreviver e sabia conquistar seu público. Utilizou a técnica folhetinesca  e sua produção foiimensa, apresentando desde obras-primas até textos insípidos, criados somente com o intuito deagradar aos leitores burgueses. Ele foi um excelente prosador, sabia contar histórias e prender aatenção dos leitores, criando um diálogo com eles. Vejamos o que nos diz Benjamin Abdala Júniora respeito da técnica do autor:

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    A técnica de Camilo é folhetinesca e está relacionada com a expansão do jornalismo. As narrativas eram publicadas em capítulos que precisavammotivar o leitor a adquirir o capítulo seguinte. A escrita deveria, então, serbastante simples, para facilitar o entendimento. A trama deveria enredaremocionalmente esse leitor, jogando com suas expectativas (ABDALA JR.,1985, p. 88).

     Além do uso da ironia e do humor, mesmo em novelas passionais, Camilo Castelo Branco utilizaoutros recursos estéticos interessantes. Encontramos em suas obras o uso da metalinguagem ereflexões sobre como fazer novelas. Além disso, procurou adequar a linguagem das personagensà suas origens, ou seja, um homem simples como João da Cruz, em Amor de perdição , fala comsimplicidade.

     Saiba mais

     Leia o livro ALVES, J. Paródia das novelas-folhetins camilianas. BibliotecaBreve. Biblioteca virtual Camões. Disponível em: . Acesso em: 10 jul. 2011.

    A seguir, algumas obras do autor:

    Novelas de mistério ou terror (Mistérios de Lisboa, Livro negro de padre Dinis ); Novelas históricas(O judeu, O santo da montanha, A filha do regicida); novelas passionais (Amor de perdição , CarlotaÂngela, Amor de salvação , A doida do Candal ); Novelas satíricas (Coração, cabeça, estômago, Aqueda dum anjo ) e novelas de influência realista (Eusébio Macário, A corja, A brasileira de Prazinse As novelas do Minho ).

    1.5.2 Amor de perdição

    Amor de perdição  é um paradigma para as demais novelas passionais. Foi publicada em folhetins em

    1862, quando o autor estava preso, acusado de adultério, como já dissemos.

    O narrador (nesse caso confunde-se com o próprio autor) revela-nos que, quando esteve preso,teve acesso ao registro de seu tio Simão Botelho, irmão de seu pai, Manuel Botelho, de quem era filhobastardo. Ao saber a história dramática do tio, por cartas também recebidas, resolveu escrever a novela,atestando a legitimidade da história narrada, dando-lhe verossimilhança.

    Esse foi um recurso bastante utilizado pelos romancistas românticos. Cartas, documentosencontrados, serviam de “provas” para a veracidade da história, claramente tida como inventada,ficcional.

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    Figura 5 – Cidade do Porto, onde Simão passa seus últimos dias preso

     Saiba mais

     Veja o documentário Grandes livros , da RTP, Disponível em: . Acesso em: 29 maio 2012.

    Nele você encontrará uma interessante análise dessa obra, comdepoimentos de professores e críticos literários.

    O enredo é bastante simples e conhecido em nossa modernidade. Seria uma história de Romeue Julieta à portuguesa. Simão Botelho, típico herói romântico, intenso e destemido, apaixona-seperdidamente por Teresa de Albuquerque, meiga, linda e pura.

    A família de Simão não aprova o namoro, pois os Albuquerques não são bem-nascidos, são

    ricos, mas não possuem “um nome”, um antepassado importante. O pai de Teresa também é contrao enlace amoroso, já que o pai de Simão, Domingos Botelho, era juiz e lhe foi contrário em algumascontendas. Tadeu de Albuquerque insiste que a filha se case com seu sobrinho Baltasar Coutinho,o vilão da história. Caso não se case com o primo, Teresa terá que ficar reclusa em um convento.Como complicador, forma-se um triângulo amoroso com a inclusão da personagem Mariana,moça simples, extremamente dedicada a Simão, resignada e consciente da impossibilidade desseamor. Não contaremos o final da história, contudo, o próprio autor nos adianta que o fim deSimão será triste e nos comoverá.

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    Figura 6 - Romeu e Julieta (data: entre 1900 e 1920, sem autoria)

     Observação

    Romeu e Julieta  é uma tragédia escrita por William Shakespeare noinício de sua carreira, entre 1591 e 1595. Conta a história de dois jovensapaixonados impedidos de ficar juntos, pois suas famílias eram inimigas.Julieta era da família dos Capuletos, e Romeu da família dos Montecchios.Essa talvez seja a mais popular obra do dramaturgo inglês, tornando-seuma alegoria para o amor juvenil e muitas vezes impossível.

    Leia a introdução do livro de Camilo Castelo Branco:

    Folheando os livros de antigos assentamentos no cartório das cadeias da Relação doPorto, li, no das entradas dos presos desde 1803 a 1805, a fl. 232, o seguinte: Simão AntónioBotelho, que assim disse chamar-se, ser solteiro e estudante na Universidade de Coimbra,natural da cidade de Lisboa, e assistente na ocasião de sua prisão na cidade de Viseu, idadede dezoito anos, filho de Domingos José Correia Botelho e de D. Rita Preciosa CaldeirãoCastelo Branco; estatura ordinária, cara redonda, olhos castanhos, cabelo e barba preta,vestido com jaqueta de baetão azul, colete de fustão pintado e calça de pano pedrês. E fizeste assento, que assinei – Filipe Moreira Dias.

    À margem esquerda deste assento está escrito:

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    Foi para a Índia em 17 de março de 1807.

    Não seria fiar demasiadamente na sensibilidade do leitor se cuido que o degredo de ummoço de dezoito anos lhe há-de fazer dó. Dezoito anos! O arrebol dourado e escarlate damanhã da vida! As louçanias do coração que ainda não sonha em frutos e todo se embalsamano perfume das flores! Dezoito anos! O amor daquela idade! A passagem do seio da família,dos braços da mãe, dos beijos das irmãs, para as carícias mais doces da virgem, que se lhe abreao lado como flor da mesma sazão e dos mesmos aromas, e à mesma hora da vida! Dezoitoanos!... E degredado da pátria, do amor e da família! Nunca mais o céu de Portugal, nem mãe,nem reabilitação, nem dignidade, nem um amigo!... É triste! O leitor decerto se compungia; ea leitora, se lhe dissessem em menos de uma linha a história daqueles dezoito anos, choraria!Amou, perdeu-se e morreu amando.

     É a história. E história assim poderá ouvi-la a olhos enxutos a mulher, a criatura mais

    bem formada das branduras da piedade, a que por vezes traz consigo do Céu um reflexoda divina misericórdia?! Essa, a minha leitora, a carinhosa amiga de todos os infelizes,não choraria se lhe dissessem que o pobre moço perdera a honra, reabilitação, pátria,liberdade, irmãs, mãe, vida, tudo, por amor da primeira mulher que o despertou do seudormir de inocentes desejos?!

     Chorava, chorava! Assim eu lhe soubesse dizer o doloroso sobressalto que me causaramaquelas linhas, de propósito procuradas, e lidas com amargura e respeito e, ao mesmo tempo,ódio. Ódio, sim... A tempo verão se é perdoável o ódio, ou se antes me não fora melhor abrirmão desde já de uma história que me pode acarear enojos dos frios julgadores do coraçãoe das sentenças que eu aqui lavrar contra a falsa virtude de homens, feitos bárbaros, emnome da sua honra.

    (CASTELO BRANCO, 2008, p.17-18.)

     Veja o tom eloquente dessa introdução; o narrador habilmente seduz seu leitor, instigando-lhe acuriosidade para saber o que aconteceu com Simão Botelho.

      Como características românticas, podemos destacar o sentimentalismo, a subjetividade e,

    principalmente, a oposição aos valores sociais. Simão é impedido de ficar com sua amada devido a valoreshipócritas da sociedade burguesa que levava em conta as origens familiares, a dinastia, o interesse dospais em detrimento aos sentimentos dos filhos.

     Entretanto, é importante ressaltar que esse tom ultrarromântico, por vezes melancólico e por vezespungente, de pura revolta, não é o único nessa obra, pois há ainda episódios de aventura, de suspensee de extremo humor.

    Note-se que o autor quer garantir a verossimilhança de sua obra, deixando claro que havia encontradoregistros reais da prisão de Simão.

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      Dona Rita Preciosa, mãe de Simão, julga-se superior a todos, pois foi aia da Rainha Dona Maria,conhecida por nós como a Louca, mãe de D. João VI. Além disso, honrava-se do nome Caldeirão, herdadode um antepassado militar. Contudo, Camilo não poupa críticas e ironia. Vale lembrar que ele está falandode sua família. Dona Rita e Domingos Botelho são mostrados de forma caricatural, são ridicularizadosconstantemente pelo narrador-autor.

    O antepassado Caldeirão, por exemplo, possuía este nome por ter sido frito por selvagens em umgrande caldeirão. Domingos Botelho é caracterizado como um homem feio, sem inteligência, semdinheiro, mas engraçado, tanto que era requerido constantemente pela Rainha que adorava suasgraças. A própria figura de João da Cruz, pai de Mariana, possui comicidade, já que, como homemsimples, abusa dos ditos populares como regras para a vida.

     Veja um trecho do capítulo VI que ilustra a construção dessa curiosa personagem.

    Não mate o homem, senhor João! — disse o filho do corregedor.

    — Que o não mate! Essa é de cabo de esquadra!  Com que então o fidalgo quer pagar-mecom a forca o favor de o acompanhar... hein?

    — Com a forca?! — atalhou Simão.

    — Pudera não! Quer que este homem fique para ir contar a história? Acha bonito? Lávossa senhoria, como é filho de ministro, não terá perigo; mas eu, que sou ferrador, possocontar que desta vez tenho o baraço no pescoço . Não me faz jeito o negócio. Deixe-me cácom o homem...

    — Não o mate, senhor João; peço-lhe eu que o deixe ir. Uma testemunha não nos podefazer mal.

    — O quê! — redarguiu o ferrador. — Vossa senhoria é doutor, saberá muito, mas de justiçanão sabe nada. E há de perdoar o meu atrevimento. Basta uma só testemunha para guiar a justiça na devassa. As duas por três, uma testemunha de vista, e quatro de ouvir dizer, com ofidalgo de Castro d´Aire a mexer os pauzinhos , é forca certa, como dois e dois serem quatro.

    — Eu não digo nada; não me matem, que eu nem torno a ir para Castro-d’Aire —exclamou o homem.

    — Deixe-o ficar, João da Cruz... vamos embora...

    — Isso! — acudiu o ferrador. — Chame-me João da Cruz... para este maroto ficar bemcerto de que sou o João da Cruz... Como efeito, não sei o que me parece vossa senhoriaquerer deixar com vida uma alma do diabo que lhe deu um tiro para o matar.

    — Pois sim, tem você razão; mas eu não sei castigar miseráveis que não resistem.

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    — E, se ele o tivesse matado, castigava-o?  Responda a isto, senhor doutor.

    — Vamos embora — tornou Simão — deixemos por aí esse miserável.

    (CASTELO BRANCO, 2008, p. 50-51. Destaques nossos.)

    Observe como a linguagem de João da Cruz é coloquial. Não era comum se imitar a linguagem daspessoas do povo e isso Camilo fazia muito bem. Distinguir as falas das personagens por sua origemsocial foi uma inovação camiliana. Simão, como um estudante, possui uma fala mais formal. Já João daCruz, um homem do povo, exprime-se através da coloquialidade.

    Note a incoerência da última questão: “E se ele o tivesse matado, castigava-o?”. João da Cruz nãoquer deixar testemunhas e não questiona se deve matar ou não o inimigo. Já Simão, como um heróiromântico que é, perdoa seu agressor e não considera que deva matá-lo. Chega a chamá-lo de miserável,

    sem resistência.

    Outra característica camiliana a se destacar é a grande habilidade do autor para criar diálogosverossímeis. Nesse trecho aventuresco, o diálogo entre João da Cruz e Simão nos chama a atenção porsua agilidade e verossimilhança.

    O humor também se destaca, pela maneira e comportamento simples de João da Cruz, que apesarde não sua coragem e esperteza, parece-nos humilde e inocente.

    Um trecho bastante exemplar do humor contido nessa obra é o capítulo VII, quando Teresa chegaao convento.

     A moça se depara, como diz o próprio autor, com um “edificante discurso sobre caridade” feito pelasfreiras. Esse é um episódio cômico e repleto de crítica aos conventos e suas freiras que são retratadascaricaturalmente como fofoqueiras, devassas e bêbadas.

      Veja um trecho:

     A nossa madre entrou nos seus aposentos, e disse a Teresa que era sua hóspeda enquanto

    ali estivesse; e ajuntou que não sabia se seu pai escolheria aquele convento ou outro. 

    — Que importa que seja um ou outro? — disse Teresa. 

    — É conforme. Seu pai pode querer que a menina professe em ordem rica dasbentas ou bernardas.

    — Professe! — exclamou Teresa. — Eu não quero ser freira aqui, nem noutra parte. 

    — A senhora há de ser o que seu pai quiser que seja. 

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    — Freira?! A isso não pode ninguém obrigar-me! — recalcitrou Teresa. 

    — Isso assim é — retorquiu a prioresa — mas, como a menina tem de noviciado um ano,sobra-lhe tempo para se habituar a esta vida, e verá que não há vida mais descansada parao corpo, nem mais saudável para a alma.

     — Mas a nossa madre — tornou Teresa, sorrindo, como se a ironia lhe fosse habitual — jádisse que a estas casas ninguém vem para se sentir bem...

    — É um modo de falar, menina. Todos temos as nossas mortificações e obrigações de coro e deserviços para que nem sempre o espírito está bem disposto. Ora vês aí. Mas, em comparaçãodo que lá vai pelo mundo, o convento é um paraíso. Aqui não há paixões, nem cuidados quetirem o sono, nem a vontade de comer, bendito seja o Senhor! Vivemos umas com as outrascomo Deus com os anjos. O que uma quer querem todas. Más línguas é coisa que a menina

    não há de achar aqui, nem intriguistas, nem murmurações de soalheiro. Enfim, Deus faráo que for servido. Eu vou à cozinha buscar a ceia da menina, e já volto. Aqui a deixo coma senhora madre organista, que é uma pomba, e com a nossa mestra de noviças, que sabedizer melhor que eu o que é a virtude nestas santas casas.

     Apenas a prioresa voltou as costas, disse a organista à mestra de noviças:

    — Que impostora!

    — E que estúpida! — acudiu a outra. — A menina não se fie nesta trapalhona, e veja seseu pai lhe dá outra companhia enquanto cá estiver, que a prioresa é a maior intriguistado convento. Depois que fez sessenta anos, fala das paixões do mundo como quem asconhece por dentro e por fora. Enquanto foi nova, era a freira que mais escândalos davana casa; depois de velha era a mais ridícula porque ainda queria amar e ser amada; agora,que está decrépita, anda sempre este mostrengo a fazer missões e a curar indigestões.Teresa, apesar da sua dor, não pôde reprimir uma risada, lembrando-se da vida de Deus comos anjos que as esposas do Senhor ali viviam, no dizer da madre prioresa.

    (CASTELO BRANCO, 2008, p. 55-56.)

    É interessante notar que Teresa concorda em ir para o convento, mas em nenhum momento pensouem virar freira. Isso era muito comum nos séculos passados. Viúvas inconformadas, mães solteiras,moças rebeldes, ou seja, mulheres excluídas da sociedade iam para os conventos sem qualquer tipo devocação. Sendo assim, como esperar dessas mulheres seriedade em seus votos? É isso que questionaCamilo, criando uma situação cômica para criticar a vida nos conventos. As freiras se demonstramfofoqueiras, cheias de vícios. Em seu discurso, hipocritamente, referem-se a “vida de Deus com os anjosque as esposas do Senhor ali viviam”, o que leva a crítica irônica não só do autor, mas também daprotagonista Teresa.

    Será que uma história como essa interessa aos leitores atuais? Aos adolescentes?

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    O romântico tem em sua essência um espírito jovem, adolescente, cheio de alegrias, dúvidas etristezas. Assim, uma obra como Amor de perdição  pode ser muito apreciada pelo público atual.Talvez a linguagem seja um obstáculo, mas o importante é que se contextualize a obra, o autore o próprio romantismo. Teresa e Simão nem sequer se beijam. Como é isso para um jovem doséculo XXI?

    Leia o livro e observe como são construídas as personagens camilianas e o desenrolar da trama cheiade amor, aventura, ou seja, cheia de romantismo.

    Figura 7 - A atriz Cristina Hauser como Teresa, no filme Amor de Perdição, de Manoel de Oliveira, 1978

     Saiba mais

    Filme baseado na obra:

    AMOR de perdição. Dir. Manoel de Oliveira. 262 min. Portugal. 1978.

     Veja também o vídeo da versão do diretor Antônio Lopes Ribeiro, de1943, Disponível em: . Acesso em: 29 maio 2012.

    No trecho a seguir, o professor Rubens Pereira dos Santos, da Unesp, defende uma releitura de CamiloCastelo Branco, que pode ser considerado sentimentalista e piegas, mas que, na realidade, privilegia osentimento amoroso, tão desprezado em uma sociedade moderna. Vejamos:

    Acreditamos que uma releitura de Amor de perdição , destacando osaspectos mais contundentes de uma narrativa que privilegia o sentimento

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    amoroso por um ângulo que traduz o sofrimento e a tragédia, elencandodados significativos da vida do autor, alinhado a outras narrativas em que oescritor se mostre diferente, poderá ser enriquecedora. A atualidade de Amor de perdição   reside justamente na representaçãode um sentimento que provoca tantos abalos (perda, ganho) e que traráaos leitores momentos de reflexão sobre o mundo que tanto se modificoutecnologicamente, mas que no aspecto afetivo e sentimental pouco mudou.Continuamos a nos apaixonar perdidamente. Muitas vezes encaramoso amor tão distante de nós, mas de repente sentimo-nos fisgados peloCupido (SANTOS, 2007, p. 352).

    Haveria no mundo moderno, repleto de avanços tecnológicos, espaço para reflexões a respeito doamor? Acreditamos que sim, que essa temática é de muito interesse para os alunos, desde que seja feito

    um trabalho de contextualização.

    Mas nem só de amor são feitas as obras de Camilo, há também de retratos contundentes dasociedade burguesa:

    Camilo coloca frente a frente as “razões do coração” e as razões da sociedadeburguesa oitocentista, temerosa de enfraquecer-se pela concessão dedireitos éticos individuais que possam pôr-lhe em crise os dogmas, asconvenções e as modas. Ao fim de contas, uma equação inequivocamenteburguesa, uma vez que apenas em tal sistema social se explica semelhanteconflito: ao reagir contra a burguesia, as heroínas e os heróis românticosnão deixam de agir burguesamente. Típicos burgueses sofrem a “fatalidade”do amor precisamente porque o julgam “pecado” ou porque o meio social,manietando-lhes o pensamente e a vontade, se incumbe de convencê-losdisso (MOISÉS, 2008, 206-207).

    Parece um paradoxo, mas, por meio das obras camilianas, temos um panorama da burguesia vistapor si mesma. Nesse quesito, Camilo se compara a Eça de Queirós, sendo o segundo mais áspero econtundente em relação à burguesia da qual também fazia parte.

      Devido ao cultivo das novelas passionais e o dos folhetins, Camilo Castelo Branco também foimuito criticado e visto por alguns teóricos como um escritor menor, que copiava os modelos francesese só pensava em agradar ao público, seu consumidor, e que suas obras não possuíam valor estético.Contrário a essas críticas, temos o texto de José Edil de Lima Alves (1990):

    Camilo tem sido sistematicamente apontado como autor de uma vastíssimae irregular obra literária. Considerado o verdadeiro artífice da novelapassional, o gênio camiliano é reconhecido, fazendo-se-lhe, contudo, umasérie de restrições, algumas mais, outras menos pertinentes.

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    Autor muito difundido, como bem atestam as sucessivas edições de suasnovelas, personalidade marcante, ativo em sua produção literária e nas enas polêmicas que manteve, Camilo foi um espírito lúcido, pode-se mesmoafirmar, pela leitura do que deixou, bastante superior ao comum dos homens.Mas, se com justiça se lhe reconhece o valor e a capacidade criativa emnovelas como Amor de perdição, romances como A Brasileira de Prazins , nãopode deixar de surpreender a desconsideração em que é tida aquela partede sua obra onde se evidenciam as marcas dos modelos franceses utilizados. Contudo, é relativamente fácil perceber as razões que estão na raizmesma de tal desconsideração. O romance-folhetim, praticamente desdeseu surgimento, foi visto por muitos como subliteratura, cujos objetivoseram apenas agradar a um público amorfo, sem a devida instrução,semianalfabeto, de cultura bastante inferior. Em uma palavra: indigno do

    interesse de alguma obra ou algum autor sérios (ALVES, 1990, p. 12).

    Pode-se observar que Camilo Castelo Branco enfrentou vários preconceitos em sua época. Contudo,graças a esse autor, a literatura portuguesa pôde tomar outros rumos e se popularizar.

    Além de seu estilo, foi responsável por divulgar e desenvolver o gênero novela, ou o romance-folhetim,em Portugal, vistos inicialmente como um gênero menor.

    Mas será que não há mais espaço para grandes dramas passionais como Romeu e Julieta ou A damadas camélias ? Em uma sociedade pragmática como a nossa vale a pena discutir questões sentimentais?

    Segundo o professor Rubens Pereira Santos, o estudante do curso de Letras não deve se comportar comoum leitor comum, mesmo que o mundo atual exija maior praticidade, o futuro professor de literatura“precisa viver a época do autor estudado, precisa sentir o clima vivido pelas personagens, para entenderas emoções e os dramas enfrentados por elas na narrativa” (SANTOS, 2007, p. 351). Tal observação valepara o estudo de outras obras em diferentes contextos.

     Lembrete

    É necessário um conhecimento profundo da obra e de seu contextopara entender suas características e ideologias e, assim, poder analisá-laadequadamente.

    1.5.3 Queda de um anjo

     Observação

    É importante destacarmos que, além das novelas passionais, conforme já explicamos, Camilo Castelo Branco escreveu novelas cômicas, verdadeirasparódias do amor romântico. Um bom exemplo é a novela Queda de um anjo.

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    Queda de um anjo  foi escrita em 1866 e revela o talento de Camilo para mesclar humor e crítica. O“anjo decaído” se refere ao protagonista Calisto Eloy que cai vertiginosamente nas garras da sedução eda corrupção.

    Calisto Eloy, homem casado com Theodora Figueirôa, vivia tranquilo no interior de Portugallendo seus clássicos. Ele era um morgado, ou seja, um proprietário rural. Quando foi eleitodeputado, mudou-se para Lisboa, disposto a lutar a favor dos bons costumes. Seus discursos eramtradicionais e defendiam, entre outras coisas, o bom uso da língua portuguesa. Contudo, a cidadegrande o seduz, principalmente na figura de Dona Adelaide, que, na verdade, apenas zomba dopobre interiorano.

      O trecho a seguir, retirado do capítulo XIV, é um pouco longo, mas essencial, pois compõe umacena bastante significativa, retratando o início da queda, justamente no momento em que Calisto sepercebe apaixonado ao jogar cartas com Dona Adelaide:

    XIV *Tentação! Amor! Poesia!*

     Eis que, a súbitas, do coração de Calisto ressalta a primeira faísca de amor!

    Conheço que este desastre não se devia contar sem grandes prólogos. Sei que o leitorficou passado com esta notícia. Grita que a inverossimilhança é flagrante. Não pode de boamente consentir que se lhe desfigure a sisuda fisionomia moral do marido de D. TheodoraFigueirôa. Quer que se limpe da fronte deste homem o estigma de um pensamento adúltero.Honrados desejos!

    Mas eu não posso! Queria e não posso! Tenho aqui á minha beira o demônio daverdade, inseparável do historiador sincero, o demônio da verdade que não consentiuao sr. Alexandre Herculano dizer que Affonso Henriques viu coisas extraordinárias nocéu do campo de Ourique, e a mim me não deixa dizer que Calisto Eloy não adulterouem pensamento! Estes são os ossos malditos do oficio; esta é a condenação dosinfelizes artíf ices que edificam para a posteridade, e exploram nas cavernas do coraçãohumano os cimentos da sua obra.

    Ai! Se Calisto Eloy foi de repente assalteado do dragão do amor, como hei de euinventar prelúdios e antecedências que a natureza não usou com ele!? Se o homem,espantado, a si mesmo se interrogava, e dizia: «isto que é?!» como hei de eu dizer aoleitor o que foi aquilo?!

    O que ele sabia e eu sei é que, estando Calisto de Barbuda a jogar a sueca de parceiro comAdelaide, a razão de cruzado novo a partida, a menina passou a sua bolsinha de filigranapara a mão do parceiro, e disse-lhe:

    — Administre-me o meu tesouro, sr. Morgado. Tenho aí o meu dote.

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    — Pois sejam todos muito boas testemunhas da quantia que recebo da ex.ma. sra D.Adelaide, minha senhora; — disse Calisto, esvaziado a bolsinha.

    Com as moedas de prata e ouro, que a bolsa continha, saiu um pequeno coração de ouroesmaltado com iniciais.

    Ah! — acudiu Adelaide pressurosa. — Isto não!... — e retirou sofregamente o coraçãozinho.

    Algum dos circunstantes disse:

    — Então o sr. Morgado não serve para administrar corações?!

    — Serve para os dominar com a sua bondade, e enchê-los de afetuosa estima —respondeucom adorável graça a menina.

    Foi neste instante que o Morgado da Agra de Freimas sentiu no lado esquerdo do peito,entre a quarta e quinta costela, um calor de ventosa, acompanhado de vibrações elétricas, evaporações cálidas, que lhe passaram a espinha dorsal, e daqui ao cerebelo, e pouco depois,a toda a cabeça, purpureando-lhe as maçãs de ambas as faces com o rubor mais virginal.

    Disto não deu tento Adelaide nem a outra gente.

    Duas enfermidades há aí, cujos sintomas não descobrem as pessoas inexpertas;uma é o amor, a outra é a tênia. Os sintomas do amor, em muitos indivíduos enfermos,

    confundem-se com os sintomas do idiotismo. Mister muito acume de vista e longaprática para descriminá-los. Passa o mesmo com a tênia, lombriga por excelência. Oaspecto mórbido das vitimas daquele parasita, que é para os intestinos baixos o queo amor é para os intestinos altos, confunde-se com os sintomas de graves achaques,desde o hidrotórax até á espinhela caída.

    E aqui está que Calisto Eloy — ia me esquecendo dizê-lo — também sentiu a quedada espinhela, sensação esquisita de vácuo e despego, que a gente experimenta, umapolegada e três linhas acima do estomago, quando o amor ou o susto nos leva de assaltorepentinamente.

    Sem embargo da concomitância de tantas enfermidades, Calisto de Barbuda embaralhouas cartas, passou-as à esquerda, e jogou a primeira partida com tamanha incúria edesacerto, que Adelaide, no ato do pagamento da aposta observou ao parceiro que erapreciso administrar com mais zelo o dote da sua amiga.

    E ajuntou:

    — V. ex. esteve a compor algum belo discurso para a câmara...

    O Morgado cacarejou um sorriso, e mais nada.

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    Prosseguiu o jogo. Calisto deu provas de supina bestidade em quatro partidas de sueca.Adelaide, dissimulando a má sombra do fastio com que estava jogando, aturou até ao fim apartida, com grande desfalque do seu pecúlio.

    (CASTELO BRANCO, 1999, p. 100. Destaques nossos.)

    Observe no trecho destacado, como o narrador trata os sentimentos de Calisto Eloy, parodiando esatirizando o amor romântico. Ou o herói estava apaixonado, ou sofria de vermes, tênia ou lombriga.Compara a dor física do amor a um mal do intestino. De forma grotesca e cômica, o autor zomba dopróprio romantismo. Em “o morgado cacarejou” temos uma analogia entre o homem e uma galinha,abordagem bem diferente das construções românticas vistas em Amor de perdição.

    Se compararmos essas obras, Amor de perdição  e a Queda de um anjo , vemos que na primeira oamor é retratado como um sentimento sublime, uma paixão intensa, mas platônica, sem implicações

    físicas. Já na segunda novela, o amor é visto como uma fraqueza, um instinto que deveria ser dominado.Se o primeiro amor, de Simão e Teresa, é alentador, o segundo é uma punição, uma maldição.

    Como vemos, o diálogo com os leitores é uma constante nas obras do autor, além do humor e daparódia. Muitos veem nessa obra um Camilo realista, mesmo que o autor não tenha se assumido comotal. Podemos considerar traços realistas nessa obra, principalmente na descrição pouco idealizada daspersonagens e a forma como a temática do amor é tratada.

    Outro autor importante para o Romantismo em Portugal foi Júlio Dinis, representante de umaterceira fase romântica, na qual as paixões intensas são substituídas por amores espirituais e puros.

    2 TRANSIÇÃO PARA O REALISMO

    Júlio Dinis, pseudônimo de Joaquim Guilherme Gomes Coelho (1839-1871), não é muito cultuadono Brasil, mas até hoje é muito lido em Portugal. Formado em medicina, morreu precocemente detuberculose com apenas 32 anos, na cidade do Porto, onde também nascera. Diferentemente de Camilo,Júlio Dinis vê o amor como um sentimento da alma, puro e espontâneo, não a paixão dilacerantecamiliana, que leva à morte ou à loucura.

    Figura 8 - Júlio Dinis

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    Segundo Massaud Moisés:

    Tudo se passa como se a plenitude existencial somente pudesse alcançar-seatravés do amor calcado em sólidas bases morais. Com isso, o leitoracompanha as pugnas inocentes dum sentimento amoroso sem tragédianem lances despropositados ou melodramáticos, vivido por criaturas ricasde bondade natural, que acreditam no amor como o supremo bem. E quese comportam com saudável e otimista ingenuidade, quase infantil, comose perpetuamente houvesse esperança de paz para o Homem e o mal fosseapenas um equívoco... (MOISÉS, 2008, p. 216).

    A maioria de seus enredos se desenvolve junto à natureza, junto a qual que se observa a valorizaçãoda vida simples campestre como refúgio para a felicidade. O autor não despreza a vida urbana ou aindustrialização, mas reflete sobre formas de conciliação entre o conforto da vida material dado pelo

    progresso e a felicidade junto à natureza. Essa temática é retomada no livro A cidade e as serras de Eçade Queirós.

    Seus romances mais famosos são As pupilas do senhor reitor  (1867) e A morgadinha dos canaviais(1868).

    2.1 As pupilas do senhor reitor

    O reitor em questão, um pároco local, além de tutor das órfãs Margarida e Clara, tinha também umdiscípulo, o jovem Daniel das Dornas, de 13 anos. Já que o rapaz era muito frágil, o pai pensara que omelhor caminho a seguir seria o sacerdócio. Mas o rapaz não tinha vocação alguma. Mentia para o pai,dizia que passava horas estudando com o reitor, quando, na verdade, fugia para se encontrar com suaamiga Margarida. No trecho a seguir, o padre segue o rapaz para descobrir quais eram seus segredos:

    Capítulo IV 

    Defronte do campo, donde, com as melhores intenções deste mundo, o reitor estavaespionando, e separado apenas dele pela estreita e úmida rua, de que já falamos, estendia-seum trato de terreno inculto, muito coberto de tojo e de giestas, e dessa espontânea vegetação

    alpestre, que, no nosso clima, enflora ainda mais os montes mais áridos e bravios.

    Dispersas por toda a extensão deste pasto, erravam as ovelhas e cabras de um numerosorebanho, de que eram os únicos guardadores, um enorme e respeitável cão pastor e umarapariguita de, quando muito, doze anos de idade.

    Até aqui nada de notável para o reverendo pároco.

    Mas o que o maravilhou foi o grupo que formavam, naquele momento, a pequenazagala, o cão e o nosso conhecido Daniel, por via de quem o bom do padre empreenderatão trabalhosa excursão.

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    A pequena sentada junto de uma pedra informe e musgosa, folheava com atenção umlivro, dirigindo, de tempos em tempos, meios sorrisos para Daniel, que, deitado aos pés dela,de bruços, com os cotovelos fincados no chão e o queixo pousado nas mãos, parecia, aocontemplar embevecido os olhos da engraçada criança, estar divisando neles todos os dotesmencionados na canção da Morena, que lhe ouvimos cantar.

    Jaziam ao lado dos dois uma roca espiada e os livros de Daniel.

    Completava o grupo o cão, enroscado junto do pequeno estudante com desassombradafamiliaridade, e denunciando assim que o conhecimento entre eles, e, por conseguinte, deDaniel com a pastora, não era já de recente data.

    Este grupo, apesar de toda a sua beleza artística, realçada pelas meias tintas docrepúsculo e por o fundo alaranjado do céu, sobre que se desenhavam os rendados das

    árvores ao longe, não agradou de maneira nenhuma ao reitor, que, com um franzir desobrolho, mostrou claramente a contrariedade que ele lhe fazia experimentar.

    (DINIS, 1867, cap. IV.)

     Vocabulário:

    Giesta (gesta): arbusto leguminoso.

    Tojo: arbusto espinhoso.

    Zagala: pastora de gado.

     Saiba mais

    As pupilas do senhor reitor  foi adaptado para cinema, teatro e televisão.No Brasil, foram duas novelas, uma em 1971, pela Rede Record, cujosarquivos foram destruídos em um incêndio.

     Outra versão foi exibida pelo SBT em entre 1994 e 1995. É possívelencontrar muitos trechos na internet.

    Observe a descrição da natureza, como lugar idílico, propício para o amor. As personagensdemonstram pureza e beleza em suas atitudes. Não há clareza quanto ao amor dos jovens, mas oleitor já pode prevê-lo como puro e eterno.

    Como o jovem Daniel não tinha vocação para padre, o pai resolve, a conselho do Reitor, mandá-loestudar medicina na cidade grande. Ao voltar para casa, já adulto, Daniel se sente atraído por Clara,

    noiva de seu irmão Pedro e irmã de Margarida. Mas o amor da adolescência volta à tona e o rapaz

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    percebe que estava enganado e que Margarida era seu verdadeiro amor. Mas, como em todo romanceromântico, a trama dá muitas voltas até o desfecho feliz esperado.

    Após Júlio Dinis, o Romantismo em Portugal entra em decadência, passando a competir com asnovas estéticas do Naturalismo e do Realismo.

     Resumo

    Quanto ao contexto do Romantismo temos que levar em conta os ecosdo Iluminismo, por exemplo, os preceitos de Jean Jacques Rousseau sobreo “bom selvagem” e a vida natural. Além disso, a repercussão da RevoluçãoFrancesa e da ascensão da burguesia são fundamentais, uma vez que aarte romântica vai ao encontro dos ideais burgueses. Não podemos deixar

    de lado a Revolução Industrial que marcou o início de novas relações detrabalho e o surgimento da classe operária.

     Vimos que a principal característica do Romantismo é o subjetivismo,a valorização do “eu”, seguida pela  idealização, o uso da fantasia e daimaginação. Como consequência, o escapismo e a fuga do mundo presentetornam-se uma constante. Por isso há a fuga para o passado, para oslugares distantes e o medievalismo tornou-se uma forte tendência. Tudoé idealizado, o amor eterno e intenso, a paixão que vigora e a mulheramada, pura, perfeita. Com o Romantismo surge uma nova concepção debeleza, há uma fusão entre o grotesco e o sublime, temos, portanto, umnovo conceito: o belo-feio.

    No Romantismo destaca-se a emoção e a expressão dos sentimentos,amor e ódio, e são extremamente exageradas, sendo o sentimentalismo um dos aspectos mais importantes.

    Por ser um movimento repleto de contrastes, os textos românticospodem apresentar desde o espiritualismo e a religiosidade, como forma de

    resgate dos valores medievais, até a valorização do satanismo, do mistériodas sombras.

    Os românticos eram contrários às regras clássicas e suas formas rígidas,por isso pregavam a liberdade formal.

    Como principais escritores, podemos citar Antônio Feliciano de Castilho,divulgador do Romantismo em Portugal; Alexandre Herculano e seusromances históricos; Camilo Castelo Branco, escritor de maior destaque egrande novelista, e Júlio Dinis, que cultivou o amor puro e ingênuo.

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     Exercícios

    Questão 1. Sobre a obra de Camilo Castelo Branco, considere as afirmativas a seguir.

    I – Na sua obra, observa-se a oscilação entre o lirismo e o sarcasmo, com algumas páginas deautêntica dramaticidade e outras com comentários sarcásticos.

    II – Sua produção concretizou-se principalmente na forma de contos, cujos personagens passam porperipécias até chegarem ao final feliz.

    III – Em Amor de perdição  a sucessão de acontecimentos trágicos torna a obra realista, embora elatenha sido produzida no período romântico.

    Está correto o que se afirma somente em:

    A) I.

    B) II.

    C) III.

    D) I e II.

    E) I e III.

    Resposta correta: alternativa A.

    Análise das afirmativas

    I – Afirmativa correta.

    Justificativa: o tom dramático e passional das novelas e dos romances do autor é acompanhado,muitas vezes, de certo desengano, do qual resulta uma visão sarcástica e contundente.

    II – Afirmativa incorreta.

    Justificativa: a produção do autor foi essencialmente composta por novelas e romances.

    III – Afirmativa incorreta.

    Justificativa: o livro não pode ser considerado uma obra realista.

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    Unidade I

    Questão 2. (Provão 2001 –